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que não pode ser controlado e aí se encon- sua experiência, desencorajando as gera-
tra um desafio: positivar ou não esse resto. ções mais jovens de fazerem suas próprias
A formação do sujeito na escola moderna experiências. Essa ideia, de que as gerações
se pauta pela lógica do assujeitamento, mais velhas carregam o valor/peso da tradi-
contudo “a produção das subjetividades ção e por isso detém certa autoridade, para
pode se dar na produção de si com liberda- os autores poderia significar a morte do
de, há nesse caso uma ambivalência no movimento tradição/com-servação versus
conceito de governo de si – e dos outros – quebra/ruptura, como também da experi-
em que o poder se constitui como dispositi- ência enquanto dimensão constitutiva do
vo relacional e não vertical” (LARROSA, homem conferindo falta de sentido à pró-
1994, p.39). pria vida.
Nesse contexto, pode contribuir a reto- Entretanto, o cuidado de si pode ajudar a
mada de um dos conceitos trabalhados por tecer não mais uma relação sem vínculo
Foucault (2004, 2010, 2011) – o cuidado de entre quem fala e quem ouve, na qual
si – que significa cuidar tanto do corpo quem fala (professor/a ou formador/a de
quanto da alma, principalmente da alma professor/a) fala de um saber do mundo
como essência e algo ativo no indivíduo, o para que o outro (aluno/a ou professor/a
cuidado de si implica num conjunto de prá- em formação) aprenda. Nesse sentido, a-
ticas sistemáticas. proximações a uma produção de professo-
A verdade moderna só prevê conhecer o res/as, a partir do binômio experiên-
mundo de modo objetivo, mas isso pouco cia/transformação, se distancia dessa lógica
diz sobre o que somos, na medida em que o ao passo que se desenvolve numa perspec-
sujeito surge como produto da disciplina, tiva formativa em que aquele que fala, fala
construído a partir de técnicas de individua- de si e nesse movimento ajuda o outro a
lização e procedimentos de totalização, que conhecer a si.
repercutem no apagamento de qualquer Como expõe Foucault (2010), para que
vestígio de subjetividade na produção do alguém aprenda a cuidar de si há uma rela-
humano. Por isso o cuidado de si se refere à ção assimétrica, ninguém nasce pronto,
abertura da alma para o outro (saber ouvir), pois nos constituímos no processo de pro-
assim, nessa relação, o outro passa a fazer dução de si. No entanto, essa relação só se
parte de mim, pois do outro é tomado o consolida se houver a permissão do outro,
que é importante para se viver. em que ele se produz como sujeito singular,
Pensar o cuidado de si e do outro ajuda a por isso essa compreensão traz um outro
pensar sobre o projeto hegemônico de edu- modo de produção das relações humanas.
cação da modernidade, principalmente a Cabe questionar quais articulações pode-se
partir das instituições escolares, suas dinâ- fazer sobre as relações entre os sujeitos
micas e da formação para docência. inseridos no contexto escolar, e, principal-
Essa discussão permite retomar a des- mente como as formações de professo-
construção, com base nos escritos de Ben- res/as trabalham o cuidado de si e do outro
jamin (2009) e Agamben (2008), da noção ao pensar relações entre professores/as-
de que a velha geração apresenta o mundo professo res/as, estudantes-estudantes,
aos mais jovens, e assim, repassa também professores/as-estudantes (entre outras)?
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Formação ou produção de professores/as para a educação de jovens e adultos? 27
Para Foucault (2004) esse movimento de de formação se definem numa perspectiva
retorno a si não é individualista, pois “é unilateral. O/a professor/a é quem faz o/a
preciso durante toda a vida, voltar os olhos, aluno/a aprender a partir de procedimen-
a atenção, o espírito, o ser por inteiro en- tos, técnicas e estratégias previamente de-
fim, na direção de nós mesmos” (FOU- finidas. Nessa lógica só existe trabalho so-
CAULT, 2004, p. 254), ou ainda, “o movi- bre a aprendizagem, isso acaba com ele-
mento a ser feito há de ser então o de re- mentos ligados ao ensino.
tornar a este centro de si para nele imobili- Logo, o foco está no que se deve ensinar
zar-se”, o que vai levar à “converter-se a si, (pré-definido antemão) e como ensinar, o
a fazer a volta em direção a si mesmo” que leva a uma negligência de questões
(FOUCAULT, 2004, p. 255). Aqui a conversão maiores em relação ao projeto de formação
aparece como possibilidade de resistência, humana (reconhecimento dos sujeitos) e a
como algo que está sempre sendo produzi- educação. Diante disso, cabe indagar: os/as
do, uma prática permanente sobre si mes- professores/as possuem como obrigação
mo que também se revela como exercício fazer com que todos/as aprendam? E para
de liberdade. O sujeito livre que cuida de si isso, simplificamos o que ensinamos? Faz
estabelece relações horizontais com os ou- sentido que o/a professor/a facilite a a-
tros e nessa relação afeta e é afetado pelo prendizagem para a autonomia? É possível
outro. Foucault (2004) critica, portanto, a pensar num processo educativo que afete
essencialização do sujeito e a busca externa aos professores/as e demais sujeitos inseri-
como única possibilidade da produção de si, dos nos contextos escolares? Ou ainda, é
a ele interessa compreender como ao longo possível pensar na produção de professo-
da história se produziram diferentes modos res/as nessa relação entre experiência e
de subjetivação que na modernidade estão transformação?
marcados pelo assujeitamento. Essa discussão envolve questionar tam-
Nesse sentido, a escola e os espaços de bém o papel da escola, ou melhor, o papel
produções de professores/as podem surgir da escola como possibilidade de realizar
como lugar de reinvenção permanente, experiência. O/a professor/a tem experiên-
rompendo com o que se apresenta na his- cia na/da escola? A experiência se apresen-
tória da educação em relação às promessas ta como possibilidade de produção do/a
eternamente não cumpridas da moderni- professor/a?
dade, tecendo modos de fazer que trans- Nóvoa (1995) apresenta reflexões nesse
formem as impotências em potências. sentido e busca entender algumas dessas
questões a partir das seguintes articulações:
4 NO VIÉS DE UMA CONCLUSÃO: a experi- o desenvolvimento pessoal – a partir da
ência e a transformação na formação ou na produção da vida do/a professor/a, o de-
produção de professores/as senvolvimento profissional – com base na
produção da profissão docente – e o desen-
O/a professor/a tem sido entendido co- volvimento organizacional/institu-cional –
mo gestor/a, facilitador/a, comunicador/a tendo por referência a produção da escola.
ou até animador/a da aprendizagem, nesse Portanto, torna-se importante estar a-
sentido, seu papel e seu próprio processo tento às práticas pedagógicas em que se
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presente? Com os sujeitos que hoje estão Educação de Jovens e Adultos. Brasília, DF:
na escola? Talvez seja viável, ao se tomar a MEC/ CNE, 2000.
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