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Bens Culturais Imóveis
Logradouros Urbanos e Rurais
do Município de Rio das Flores.

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Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Bens Culturais Imóveis - Logradouros Urbanos e Rurais do


Município de Rio das Flores.

MEMÓRIA FLUMINENSE
Inventários do Acervo Cultural
Edição 2011.

Rio das Flores


Edição do Autor
2013

5
Bens Culturais Imóveis: Logradouros Urbanos e Rurais do Município de Rio das Flores.
Estado do Rio de Janeiro.

S586l Silva, Annibal Affonso Magalhães da, 1973-

Bens Culturais Imóveis Logradouros Urbanos e Rurais do


Município de Rio das Flores / Annibal Affonso Magalhães da Silva. -
Rio das Flores. RJ:
Edição do Autor, 2013.

598p. : il.
ISBN 978-85-913765-1-3

Memória Fluminense Inventários do Acervo Cultural Edição 2011.

1. Bens Culturais Imóveis Urbanos e Rurais do Município de Rio


das Flores-RJ. 2. Rio das Flores-RJ: Inventariação. 3. Rio das Flores-
RJ: Patrimônio Bens Culturais Imóveis. 4. Arquitetura Fluminense. 5.
Patrimônio Cultural Fluminense- Preservação.
CDU: 625.1

Equipe Técnica:
Coordenação: Annibal Affonso Magalhães da Silva.
Auxílio no Texto Histórico: Luiz Fernando Nascimento.
Levantamento Arquitetônico: Rita de Fátima Machado Vilela.
Revisão Ortográfica: João Ricardo Suzano Paiva.
Colaboradores:
- José Roberto Mendes Ribeiro (revisão das fichas de inventário).
- Michelle Valle Maciel (desenho gráfico, arquivo DWG).
- Thiago Pena Gomes (digitalização e tratamento de imagens).
Fotolito e Impressão: Gráfica PC Duboc Ltda.

Apoio:
Escritório Técnico Regional INEPAC / Médio Paraíba.
- Adriano Novaes (Pesquisa histórica)
- Sonia Mautone Rachid (Arquitetura)
Parcerias:
Museu de História Regional de Rio das Flores.
Prefeitura Municipal de Rio das Flores – Administração 2013-2016.
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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .............................................................................................................. 13

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 14

PARTE 1

CAPITULO I: OS BENS INVENTARIADOS ............................................................................. 15

CAPITULO II: HISTÓRIA DA OCUPAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONOMICO


DO MUNICÍPIO DE RIO DAS FLORES DURANTE OS SÉCULOS XIX E XX ........................ 19

1 - O Território - A Ocupação do território pelo colonizador português - A paisagem do vale


segundo Saint-Hilaire e Henry C. J. Bunbury ................................................................... 19

O território ....................................................................................................................... 19

A ocupação do território pelo colonizador português ....................................................... 22

A paisagem do vale segundo Saint-Hilaire e Henry C. J. Bunbury ................................... 26

2 - A ocupação: as primeiras sesmarias/fazendas - Caminhos e desenvolvimento: o rancho


de tropas e os primeiros povoados .................................................................................. 28

As primeiras sesmarias/fazendas ................................................................................... 28

Caminhos e desenvolvimento: o rancho de tropas e os primeiros povoados .................. 33

3 - A Chegada da ferrovia ...................................................................................................... 45

4 - Principais fatores da emancipação político-administrativa de Santa Tereza - De sede


da Freguesia a sede do Município ........................................................................................ 49

Principais fatores da emancipação político-administrativa de Santa Tereza .................... 49

De sede da Freguesia a sede do Município ..................................................................... 53

5 - Do café para o gado de leite ............................................................................................ 56

6 – O asfalto substitui a estrada de ferro – Da zona rural para as áreas urbanas ............. 62

O asfalto substitui a estrada de ferro ............................................................................... 62

Da zona rural para as áreas urbanas ............................................................................... 64


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O Brasão de Armas e a Bandeira do Município ................................................................... 68

Chefes do Poder Executivo de Rio das Flores ..................................................................... 68

PARTE 2

FICHAS DE INVENTÁRIO

Capa ........................................................................................................................................ 69

Mapa demarcando a localização dos Bens Inventariados ....................................................... 70

Cidade de Rio das Flores – Sede do 1º DISTRITO

Ficha 01 Centro Histórico de Rio das Flores .................................................................... 71

Ficha 02 Cemitério Municipal de Rio das Flores ........................................................... 113

Ficha 03 Igreja Matriz de Santa Thereza D’Ávila ........................................................... 125

Ficha 04 Câmara Municipal de Rio das Flores ............................................................... 149

Ficha 05 Forum Quartel Cadeia ..................................................................................... 171

Ficha 06 Antigo Conjunto do Departamento Nacional do Café (DNC) ........................... 191

Ficha 07 Antiga Casa Comercial na Avenida Getulio Vargas ......................................... 211

Ficha 08 Estação Ferroviária de Rio das Flores............................................................. 221

Ficha 09 Chalé em Rio das Flores ................................................................................. 235

Ficha 10 Grupo Escolar ................................................................................................. 245

Arredores - 1º DISTRITO

Ficha 11 Capela de Santo Antonio (no Pacielo) ............................................................. 255

Ficha 12 Ponte Metálica sobre o Rio das Flores ........................................................... 265

Ficha 13 Ponte Interestadual do Barreado .................................................................... 273

Localidade de Manuel Duarte - Sede do 2º DISTRITO

Ficha 14 Centro Histórico de Manuel Duarte ................................................................. 285

Ficha 15 Ponte Interestadual de Manuel Duarte e Porto das Flores .............................. 313

Ficha 16 Capela de Nossa Senhora Aparecida ............................................................ 329

Ficha 17 Estação Ferroviária de Manuel Duarte ........................................................... 345


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Localidade de Cachoeira do Funil

Ficha 18 Capela de São Sebastião ............................................................................... 361

Ficha 19 Estação Ferroviária de Cachoeira do Funil ..................................................... 371

Localidade de Santa Rosa

Ficha 20 Armazém em Santa Rosa .............................................................................. 385

Ficha 21 Estação Ferroviária de Santa Rosa ................................................................ 397

Localidade de Três Ilhas

Ficha 22 Ponte Interestadual de Três Ilhas .................................................................... 407

Ficha 23 Estação Ferroviária de Três Ilhas ................................................................... 417

Localidade de Taboas – sede do 3º DISTRITO

Ficha 24 Capela de São José de Taboas ...................................................................... 431

Ficha 25 Estação Ferroviária de Taboas ...................................................................... 447

Arredores - 3º DISTRITO

Ficha 26 Capela de São Sebastião e N. S. Aparecida (em Torres) ................................ 461

Ficha 27 Capela de São Lourenço (no Barreiro) ............................................................ 469

Localidade de Comércio

Ficha 28 Localidade de Comércio ................................................................................. 479

Ficha 29 Ponte do Commercio....................................................................................... 505

Ficha 30 Capela de Sant’Anna ..................................................................................... 523

Ficha 31 Chalé no Largo do Comércio .......................................................................... 539

Ficha 32 Hotel Commercio ........................................................................................... 551

Localidade do Abarracamento - Sede do 4º Distrito

Ficha 33 Capela de São Pedro ...................................................................................... 565

Ficha 34 Capela de São João ....................................................................................... 577

REFERÊNCIAS
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A todos os profissionais; ajudantes, arquitetos,
calceteiros, carpinteiros, engenheiros, mestres de
obras, pedreiros, serventes e demais trabalhadores;
que contribuíram para erguer o patrimônio construído
do município de Rio das Flores.
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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é fruto da colaboração de diversas pessoas. Cabe destacar o constante apoio dos
profissionais do INEPAC no Rio de Janeiro, sempre motivando nossa equipe para prosseguirmos
com paixão e profissionalismo nesta empreitada: a arquiteta Dina Lerner, que nos auxiliou com
sua vasta experiência no campo do patrimônio cultural. A Luciane Barbosa (responsável pelo
acompanhamento dos projetos contemplados pelo Edital Chamada Pública) e ao Sergio Linhares
(responsável pelo Departamento de Pesquisa e Documentação), que nos prestaram toda ajuda
necessária na execução do projeto.

À prefeita Soraia Furtado da Graça, que acreditou nesta iniciativa. O apoio firmado com seu
governo, tendo à frente o secretário de Cultura Dimas Gabriel, veio a somar esforços na execução
desta nobre tarefa de inventariar o patrimônio edificado do município de Rio das Flores.

Agradecemos a valiosa contribuição da senhora Jane Leite, além de permitir o acesso aos
arquivos do Museu de História Regional de Rio das Flores, da qual é diretora, acabou tornando-se
parceira no projeto.

Aos companheiros João Ricardo, Luiz Fernando e Rita Vilela, presentes em diversos momentos
do trabalho.

Aos representantes do INEPAC no Vale do Paraíba: o historiador Adriano Novaes e a arquiteta


Sonia Rachid, que nos auxiliaram nas viagens de campo e nas pesquisas iconográficas e textuais.

Registramos nosso apreço à Vilma Dutra Novaes, que dedicou boa parte de sua vida para a
preservação da história do município.

Aos proprietários que concederam a permissão de inserir seus imóveis na listagem, às instituições
que disponibilizaram o acervo para consulta, bem como a todos que contribuíram direta ou
indiretamente para a realização deste inventário.

Por fim, aos familiares e amigos que compartilharam esse projeto conosco.

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APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que nosso Governo abraça este projeto (Bens Culturais Imóveis:
Logradouros Urbanos e Rurais do Município de Rio das Flores), fruto de uma longa pesquisa,
em que nos são apresentadas algumas das mais significativas construções existentes no território
de Rio das Flores. Além de sua importância arquitetônica e histórica, elas são tidas
como referência nesses 123 anos de autonomia político-administrativa do município e
representam também o período embrionário de nossa história, iniciada como freguesia de Santa
Tereza, quando aqui chegaram as primeiras gerações que moldaram uma cultura alicerçada na
economia cafeeira.

Com o fim do cultivo do café (personificado pelos barões e os escravos), tivemos como principal
indutor econômico a pecuária leiteira, conduzida pelos coronéis e os colonos. Esse período deixou
uma valiosa contribuição cultural, imprescindível para forjar nossa identidade como cidadãos rio-
florenses, cuja trajetória revela uma longa caminhada, iniciada com a criação do curato de Santa
Tereza, que passou, depois, à condição de freguesia, de vila, e por fim, à categoria de cidade, até
ocorrer, em 1943, a mudança de denominação para Rio das Flores.

Neste inventário, temos desde bens culturais de caráter monumental, geralmente associados a
importantes fatos e personalidades, a exemplares de uma arquitetura mais singela, ligada às
tradições e aos costumes das pessoas mais simples. A valorização de todo esse patrimônio
histórico e artístico vem sendo tratada como uma das principais âncoras do desenvolvimento do
turismo. Por isso, atuamos na preservação desses imóveis, dando a eles uma função compatível
com sua importância, propiciando que sejam admirados, tocados e visitados por todos.

Manifestamos que é uma honra sermos aqui parceiros do Governo do Estado do Rio de Janeiro,
que, por meio da Secretaria de Estado de Cultura, tem incentivado os municípios fluminenses a
participarem dos editais para que divulguem os seus bens culturais. O mesmo vale para o Museu
de História Regional de Rio das Flores, defensor e guardião de grande parte desse acervo que
consideramos ser uma de nossas principais riquezas.

Soraia Furtado da Graça.


Prefeita de Rio das Flores.

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OS BENS INVENTARIADOS.

Percorrer o território de Rio das Flores, com o intuito de selecionar um significativo número de construções,
possuidoras de atributos estéticos e históricos que possam representar os bens patrimoniais, tanto da
cidade-sede quanto do restante das áreas urbanizadas do município, foi o principal propósito deste
inventário. Além de se tornar um importante registro, ele foi elaborado para contribuir na formulação de
políticas públicas e ser aplicado em projetos de revitalização urbana e naqueles ligados ao turismo.

O trabalho também pode ser útil no aprimoramento de leis urbanísticas e do Plano Diretor, além de servir
como estímulo na elaboração de instrumentos de proteção, cuja aplicação no município encontra-se
1
resguardada pela Lei Federal nº 11.483/2007, que visa proteger o patrimônio ferroviário nacional, e pela Lei
Complementar nº 098, de 12 de agosto de 2008, que institui o Plano Diretor Participativo de Rio das Flores,
dedicando, em seus artigos 33, 34 e 35, atenção ao patrimônio histórico e cultural do município. Há também
2
o tombamento estadual da fazenda da Forquilha (situada no distrito do Abarracamento), feito em 2008 .

2012. Prédio em Rio das Flores, um dos raros remanescentes da formação da cidade. Autor: Luiz Fernando Nascimento.

O inventário foi dividido em dois grupos: conjuntos urbanos e construções individuais. Buscou-se apresentar
um estudo englobando os bens situados nas áreas urbanas da cidade-sede, dos distritos e das demais
localidades – algumas delas foram perdendo população ao longo do tempo e se transformaram em
nucleações semirrurais. Com exceção do fichamento da ponte de ferro sobre o Rio das Flores, o trabalho
ficou restrito ao perímetro urbano dessas localidades.

No caso do primeiro grupo, foi inventariada a cidade de Rio das Flores, uma sede de distrito – Manuel
Duarte –, e a localidade de Comércio, levando em consideração o patrimônio ambiental urbano, que
congrega os elementos formadores da identidade dos lugares, como o traçado das vias, os bens
arquitetônicos, a geografia, os espaços livres, a paisagem natural e seus valores históricos, sociais e

1
A citada lei delegou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a tutela dos bens da extinta Rede Ferroviária
Federal (RFFSA).
2
O tombamento abrange a casa sede, o prédio do engenho e da tulha e os terreiros de café da fazenda. INSTITUTO ESTADUAL DO
PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Guia dos Bens Tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. (Coord.
Editorial Dina Lerner e Marcos Bitencourt). 2. ed. Rio de Janeiro: Governo do estado do Rio de Janeiro: INEPAC, 2012. pp 68.
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culturais. A escolha da cidade de Rio das Flores se deu por ela ser o principal núcleo urbano do município.
No levantamento de Manuel Duarte e Comércio, foram levadas em conta suas peculiaridades (dentre elas,
a de manterem uma estreita ligação com as localidades vizinhas), que, somadas à existência de fontes
iconográficas e bibliográficas, como jornais, livros e arquivos públicos e pessoais, permitiram fazer uma
análise de sua evolução urbana, de sua historicidade e de sua vida sociocultural.

2013. Panorâmica de Porto das Flores-MG em primeiro plano e Manuel Duarte-RJ do outro lado do rio. Autor: Annibal Silva.

Quanto às demais fichas, uma refere-se ao cemitério de Rio das Flores e as outras cinco descrevem pontes
sobre importantes cursos d`água (quatro delas estabelecem ligações com os municípios vizinhos). As
demais fichas englobam um conjunto de imóveis, constando prédios erguidos por volta de meados do
século XIX (quando o município era uma freguesia de Valença) até exemplares da década de 1930. São
construções singulares, importantes na formação da identidade rio-florense, como prédios religiosos,
3
públicos, particulares (residenciais e comerciais) e do período ferroviário. Todos dignos representantes de
sua época, que possibilitam fazer a leitura cronológica dos estilos arquitetônicos, do sistema e das técnicas
construtivas, marcados, inicialmente, pelo emprego do barro, da madeira e da pedra, passando em seguida
pelo uso do tijolo maciço, da estrutura metálica (utilizada em duas pontes) e, por fim, do concreto armado.

Nem todos os exemplares urbanos significativos puderam ser levantados individualmente. Dentre eles,
citamos, na cidade-sede, o terreno que abriga a Cooperativa Agropecuária e o prédio da antiga fábrica
Santa Thereza, a Chácara Formosa, o Posto de Saúde e o Posto de Correios; em Taboas, uma residência
de arquitetura colonial, conhecida atualmente como ―Vivendas Nicinha‖; em Três Ilhas, as ―Casas de
Turma‖, da Estrada de Ferro Central do Brasil; no Abarracamento, a Venda do Belém; e, em Manuel Duarte,
o Laticínio Luso-Brasileiro e a primeira escola do lugar. Como o estudo tratou das áreas urbanas, não foram
4
incluídos outros bens de importância para o patrimônio cultural do município, como as propriedades rurais,

3
O estudo das estações ferroviárias aproveitou informações publicadas no projeto O Legado dos Trilhos: Inventário das Estradas de
Ferro em Rio das Flores, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, através do Edital nº 015/2010.
4
Um bom número de fazendas rurais do município foi levantado pelo Inepac e pelo Instituto Cultural Cidade Viva, e os dados estão
disponíveis para consultas no trabalho Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense,citado nas Referências
Bibliográficas.
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as residências habitadas pelos empregados do período da pecuária leiteira (conhecidas como ―casas de
colonos‖) e a Escola Agrícola Sabóia Lima (conhecida como Patronato de Menores).

O material foi organizado em fichas, estas por sua vez ficaram agrupadas em seus respectivos distritos. No
caso das construções, a análise de seus valores históricos e artísticos foi baseada em documentos que
fornecem orientações para serem aplicadas na área da preservação. Já as fichas referentes à evolução das
localidades englobaram as intervenções ocorridas no meio ambiente construído, o que levou a consultar a
legislação ambiental e a urbanística, e a aplicar conceitos específicos, como os de morfologia urbana e de
paisagem cultural, permitindo identificar pontos valiosos do território e os elementos que contribuem para
formar a identidade de um lugar.

2012. Capela de Santo Antonio no Paciello, na área rural do município. Autoria: Sonia Mautone Rachid.

Na listagem, estão incluídos imóveis de caráter monumental, como o ―Fórum Quartel Cadeia‖, o prédio da
Municipalidade, e a Igreja Matriz de Santa Thereza D’Ávila, e algumas construções singelas, que constituem
uma riqueza comum a toda a população do município, destacando, nesse grupo, as pequenas capelas
encravadas em distantes paragens da área rural. Tal escolha leva em conta o conceito de história, que
abrange acontecimentos cotidianos, não estando ligadas apenas à sua excepcionalidade. Este critério se
coaduna com a visão de patrimônio cultural definida na Constituição Federal de 1988, que propôs a
competência comum entre União, Estados e Municípios na tutela de seus bens culturais.

Rio das Flores, 11 de dezembro de 2013


Annibal Affonso Magalhães da Silva - Coordenador.

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Mapa do Estado do Rio de Janeiro, destacando o município de Rio das Flores.
Adaptado do site <http://www.mapas-rio.com/regioes.htm>.

18
Texto autoral:
Adriano Novaes
Annibal Affonso Magalhães da Silva

CAPÍTULO II
HISTÓRIA DA OCUPAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DO
MUNICÍPIO DE RIO DAS FLORES DURANTE OS SÉCULOS XIX E XX.

2005. Vista tomada do alto da Serra da Boa Vista, próximo ao Centro da cidade de Rio das Flores. No fundo, a Cordilheira
da Taquara. Acervo: Julio Cezar Graça Mello.

1- O Território - A ocupação do território pelo colonizador português – A paisagem do


vale, segundo Saint-Hilaire e Henry C.J. Bunbury.

O território

Contando com 477,662 km² de território, 5 o atual município de Rio das Flores, até o início do ano de 1890,
era parte integrante de Valença, que fora criado em 1823. Localizada entre os vales dos rios Preto, na
parte superior (ao norte) e Paraíba do Sul, parte inferior (ao sul), esta área recebeu do ilustre geólogo
campista Alberto Lamego a denominação de ―Mesopotâmia Fluminense‖. No século XVIII e no início do XIX,
ela foi denominada pelo colonizador português de ―Sertão do Rio Preto‖ e ―Sertão dos Índios Coroados‖.

A topografia do município é caracterizada por morros do tipo ―meia-laranja‖ agrupados em cadeias com
altitudes que variam de 300m a 800m, aproximadamente. A sede administrativa fica a 525m de altitude. De

5
Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_das_Flores>. Acessado em setembro de 2013.

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acordo com a divisão político-administrativa do Estado do Rio de Janeiro, Rio das Flores situa-se na região
do Médio Paraíba. O município é dividido administrativamente em quatro distritos: 1º Distrito-sede, 2º
Distrito de Manuel Duarte, 3º Distrito de Taboas e 4º Distrito do Abarracamento. Confronta, ao sul, com
Vassouras; a leste, com Paraíba do Sul; a oeste, com Valença; e, ao norte, com Santa Barbara do Monte
Verde-MG e Belmiro Braga-MG, municípios situados na Zona da Mata mineira.

Mapa de Rio das Flores, com suas principais localidades, estradas, cursos d’água e limites territoriais dos distritos. Desenho elaborado
a partir de modelo original, confeccionado pela prefeitura em 1995 (―Mapa de Localização das escolas do município de Rio das
Flores‖). Acervo: PMRF. Digitalização: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Servem de divisores entre os vales dos rios Preto e Paraíba do Sul quatro cordilheiras: Serra das Coroas,
Serra da Boa Vista (estas duas são formadoras da microbacia do Rio das Flores e seguem paralelas no
sentido de oeste para norte), Serra da Taquara e Serra das Abóboras (ambas, de sul para leste). Na Serra
da Boa Vista (recebe este nome desde a cidade de Valença), nas proximidades da antiga Fazenda da Água
Fria, destacam-se as maiores altitudes do município, que atingem até 825 metros. Este trecho da Serra da
Boa Vista, na divisa entre o 1º distrito e o 3º, é também conhecido como Serra do Barro Branco. Em
cartografias antigas, as serras das Coroas e Boa Vista são agrupadas com a Serra da Taquara.

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O Rio das Flores, curso d’água que empresta o seu nome ao município, percorre-o de oeste a leste,
desaguando no Rio Preto, no distrito de Manuel Duarte. As cabeceiras do Rio das Flores estão localizadas
na Serra de Santa Tereza, no distrito de Ipiabas, município de Barra do Piraí.

Ponto onde o Rio das Flores (á esquerda da foto) deságua no Rio Preto. Autor: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Ainda como tributários do Rio Preto destacamos os ribeirões Manuel Pereira, que banha a sede e o distrito
de Taboas e nasce na Serra da Boa Vista, e o Jequitibá, que nasce na Serra da Taquara e deságua na
localidade de Santa Rosa, no distrito de Manuel Duarte, bem como o Córrego das Areias (também citado
em documentos com o nome de Ribeirão do Bananal), que despeja suas águas nas proximidades da
Fazenda da Independência (situada entre as localidades de Santa Rosa e Três Ilhas). Para a vertente do
Rio Paraíba do Sul, destacamos os ribeirões Santa Maria, Forquilha, Divisa e Boa Vista.

s/d. Cachoeira de São Leandro, no Ribeirão Manuel 2013. Queda d’água no Ribeirão Manuel Pereira, entre Cachoeira
Pereira. Acervo: Museu História Regional Rio Flores. do Funil e Manuel Duarte. Autor: Annibal Affonso M. Silva.

21
A ocupação do território pelo colonizador português

1834. Floresta virgem – Margens do Paraíba. Debret. BANDEIRA, Julio. Debret e o Brasil: Obra Completa, 1816-1831.
3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2009, p. 538.

Até o final do século XVIII, o território correspondente ao atual município de Rio das Flores não passava de
uma grande área verde da Mata Atlântica, habitada por indígenas do grupo linguístico puri, do tronco macro-
jê. Esses nativos foram batizados pelo colonizador português com a denominação genérica de Coroados. 6

1835. Índios Coroados. COSTA, Maria de Fátima da; DIENER, Pablo. Rugendas e o Brasil: Obra Completa.
Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2012.

Devido à abertura do Caminho Novo por Garcia Rodrigues em 1696/1706 e a pouca distância entre os
registros (alfândega) de Paraíba do Sul e Paraibuna, não tardou que a porção oeste do Caminho, composta
atualmente pelo território rio-florense, passasse a ser utilizada por contrabandistas de ouro e comerciantes
que fugiam dos altos impostos alfandegários cobrados pelo Coroa Portuguesa.
6
FREIRE, José Ribamar, e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2009, p.13-16.

22
Muitos ―passantes‖ que utilizavam os descaminhos do então chamado Sertão do Rio Preto resolveram se
estabelecer e ocupar ilegalmente terras próximas aos rios Preto, das Flores e Paraíba do Sul. Os sítios
volantes eram de pequeno porte, com lavoura de subsistência, cujo objetivo era abastecer o rico comércio
de alimentos entre as Minas Gerais e a capital da Colônia. A posse ilegal das terras no Sertão do Rio Preto,
que atingia também a capitania de Minas Gerais, não era só por pequenos sitiantes, mas também por ricos
comerciantes mineiros, protegidos pela ―vista grossa‖ dos governadores das capitanias do Rio de Janeiro e
de Minas Gerais, em detrimento do erário real. Esses negociantes, que dispunham de escravos e pessoal
habilitado, possuíam interesses bem diferentes dos pequenos sitiantes: buscavam encontrar ouro. A
descoberta do precioso metal atingiu o atual território do município mineiro de Rio Preto, e logo a disputa
pelos possíveis veios atraiu muita gente poderosa.

s/d. Quadro de D. Rodrigo José de Meneses. Fonte: <http://www.geni.com>. Acessado em setembro de 2013.

O ouro se tornou uma fonte de disputa e com o aumento do contrabando, a Coroa resolveu ―fechar‖ o
sertão.7 Nessa área, proibiu-se a existência de sítios volantes e o trânsito de pessoas dispersas, sem
ocupação definitiva. A denominação ―áreas proibidas‖ foi criada em 1736 pelo Bando de Aditamento ao
Regimento de Minerar. O governador da capitania de Minas Gerais, Dom Rodrigo José de Meneses (1780-
1783), recebeu informações sobre a ocupação descontrolada que ocorria naqueles sertões e a diminuição
da arrecadação aurífera. Dom Rodrigo determinou que se construísse uma nova estrada pelas margens
setentrionais do Rio Preto:

(...) que divide essa capitania da do Rio de Janeiro, e (...) se encontravam várias picadas por onde
se suspeitavam passar, ou podiam passar extravios, o que tudo evitou com guardas e patrulhas,
vindo assim a ficar acautelado qualquer descaminho; e, por isso, faculta e concede as sesmarias e
datas, conforme as fábricas dos que a pedem. 8

7
RODRIGUES; André Figueiredo. Os sertões proibidos da Mantiqueira: desbravamento, ocupação da terra e as observações do
governador dom Rodrigo José de Meneses. Revista Brasileira de História, vol. 23, nº 46; História Social / FFLCH/USP.
8
Idem, p. 264.
23
A construção da nova via em 1782 abriu de vez o sertão. Conhecida como Caminho de Meneses, seu
trajeto de leste para oeste atravessava a Mantiqueira e ia dar próximo, no registro do Paraibuna, depois de
passar pelos vales dos rios do Peixe e Preto. Ficaram encarregados da construção o guarda-mor e tenente-
coronel do Segundo Regimento de Cavalaria Auxiliar da comarca do Rio das Mortes, Manuel do Vale
Amado, um dos principais fazendeiros da Zona da Mata mineira e morador em Matias Barbosa, e o alferes
Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, do destacamento do Caminho Novo. 9

Com a abertura do Caminho de Meneses, os indígenas do Sertão Rio Preto começaram a sofrer um cerco
ainda maior, sendo ―encurralados‖ para o interior do sertão, ou seja, entre os vales dos rios Preto e Paraíba,
exatamente onde hoje se encontram os municípios de Valença e Rio das Flores. Desde então, os conflitos
entre os nativos e os posseiros tornaram-se mais intensos e violentos. 10

Desde 1789, o fazendeiro José Rodrigues da Cruz tomou a iniciativa de apaziguar os ânimos entre os
moradores da região e os nativos, através da criação de uma reserva indígena no meio do Sertão do Rio
Preto. A intenção era tirá-los das margens dos rios Preto e Paraíba do Sul, onde já haviam diversas
fazendas instaladas. Entretanto, seus argumentos não convenceram o então Vice-Rei, o Conde de
Rezende, que olhava com desconfiança as intenções de Cruz. Por consequência, o processo de criação da
aldeia se arrastou por mais de dez anos. O irmão e sócio Antônio Ribeiro, no engenho de Pau Grande, nas
margens do Caminho Novo, havia se envolvido na Conjuração Mineira e escapou da condenação porque
pagou para se livrar do processo, mas as desconfianças sobre os seus continuaram. 11

Bem antes da vinda da Família Real para o Brasil a preocupação com o abastecimento da cidade do Rio de
Janeiro já era fato. No início do século XIX, a Coroa, que antes reprimia a ocupação das terras do Vale do
Paraíba, extinguiu as áreas proibidas e passou a distribuir terras na região. A concessão de sesmaria no
território dos índios Coroados se intensificaria com D. João VI. Em 1819, o rei determinou a posse de uma
sesmaria de meia légua em quadra para os Coroados de Valença, cujas terras foram alvo de cobiça por
longos e sofridos anos, desde 1803. 12

Segundo o historiador Paulo Cesar Garcez Marins, em 1799, a cidade do Rio de Janeiro possuía 43.376
habitantes, e, cerca de 40 anos mais tarde, em 1838, já contava com 137.038 habitantes, totalizando um
salto de 200%.13

Durante o período em que D. João VI esteve no Brasil, o cargo de Intendente de Polícia da Cidade do Rio
de Janeiro (equivalente ao cargo de prefeito) ficou nas mãos do desembargador Paulo Fernandes Viana,
incumbido de realizar as obras de emergência na Corte, bem como construir estradas que facilitassem o
acesso às áreas produtoras de grão e carne, como o sul de Minas Gerais. Devido à sua proximidade com a
Corte, o Vale do Paraíba em geral se mostrou alvo da cobiça por terras para a agricultura.

9
Ibidem, p. 265.
10
LEMOS, Marcelo Sant’Ana. O índio virou pó de café? A resistência dos índios Coroados de Valença frente à expansão
cafeeira no Vale do Paraíba (1788 – 1836). Dissertação Programa de Pós-Graduação em História – UERJ – 2004, p. 33.
11
MORAES, Roberto Menezes de. Os Ribeiro de Avellar na fazenda Pau Grande. Paty do Alferes: 1994, p.12-14.
12
IÓRIO, Leoni. Valença de ontem e de hoje. 2ª edição, Valença: DIPIX. 2013, p. 39.
13
MARINS, Paulo Cesar Garcez. Caminhos de gente, estrada de fortunas: artérias de história entre Minas, Guanabara, África e
Europa. p. 40. In Caminhos do Rio a Juiz de Fora. CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. (coord.) São Paulo: M. Carrilho Arquitetos,
2010.
24
1767. Planta das guardas e registros na capitania do Rio de Janeiro. Gravura em metal, 51,3cm x 72,2cm.
Acervo: Fundação Biblioteca Nacional.

Na segunda década do século XIX, quase não havia mais terras devolutas em todo o Vale do Paraíba. A
região havia sido partilhada em centenas de sesmarias de meia légua em quadra, sendo algumas poucas
de uma légua. O pequeno produtor foi expulso, e os mais abastados legitimaram suas posses, entre os
quais, comerciantes de grosso trato e ricos negreiros. Os índios Coroados, que dependiam de extensas
áreas para produzir suas lavouras e caçarem, pois trabalhavam com sistema de descanso das terras, foram
repelidos com violência.

O insucesso da Aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença do Sertão do Rio Preto resultou na criação,
em 1820, de outra reserva nas margens do Rio Bonito, que a Coroa batizou com o nome de Conservatória
de Santo Antônio do Rio Bonito. Expulsos de suas terras e sem apoio político, vitimados por inúmeras
doenças contagiosas e por algumas contaminações propositais, os Coroados, destribalizados e sem
alternativa, integraram-se à sociedade local, aderindo aos seus costumes, mas vivendo à margem dela.

As próprias câmaras municipais contribuíram para o processo de espoliação das terras dos Coroados,
incorporando-as ao patrimônio municipal, tal como foi com a Aldeia de Valença, em 1836. O mesmo ocorreu
com a Aldeia de Santo Antônio do Rio Bonito, da qual pouco ou quase nada se sabe quanto ao destino das
terras pertencentes aos indígenas. A construção de caminhos no Vale, entregue a particulares, mediante a
concessão de sesmarias e outros privilégios, contou com a força do trabalho indígena.

25
A paisagem do vale, segundo Saint-Hilaire e Henry C.J. Bunbury

Ferrador, ave pertencente à fauna da Mata Atlântica, também conhecida como araponga.
Fonte: < http://passarosemregiao.blogspot.com.br/>. Acessado em setembro de 2013.

O Vale do Paraíba foi visitado por inúmeros viajantes que, via Caminho Novo, deixaram importantes relatos,
que hoje servem para elucidar a história. Graças às suas crônicas, pode-se entender um pouco da fauna,
da flora e dos hábitos dos nativos que aqui viviam antes do colonizador chegar com seus machados,
espadas e crucifixos.

Os cientistas europeus vieram com maior frequência depois da Independência, período em que a Europa
vivia o estágio de desenvolvimento das ciências e crescia a curiosidade em relação ao Novo Mundo. A
maioria das expedições possuía uma dupla finalidade, de cunho econômico e científico. Alguns viajantes
produziram trabalhos de notável importância para o conhecimento da natureza. Publicadas na Europa, suas
pesquisas causaram impacto no mundo civilizado e começaram a revelar o Brasil aos cientistas europeus.

s/d. Augusto Saint-Hilaire. Fonte: < http:// terradeandre.blogspot.com.br>. Acessado em setembro de 2013.

Entre os mais importantes viajantes que percorreram os sertões do Rio Preto está o naturalista francês
Augusto de Saint-Hilaire (1799-1853). Ele veio para o Brasil em 1816, onde conseguiu formar notáveis
coleções botânicas e zoológicas. Publicou diversos livros, entre os quais, Viagens pelas Províncias do Rio
de Janeiro e Minas Gerais (sua primeira viagem, em 1816), em que descreveu com detalhes o estilo de vida
26
dos índios Coroados; Viagens às Nascentes do Rio São Francisco, quando passou pela primeira vez pelo
Vale do Rio Preto (1819); Viagem pelo Distrito dos Diamantes e pelo Litoral do Brasil; e Segunda Viagem do
Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo, quando retornou ao Rio Preto pela segunda vez, em 1822.

Em 1819, quando fazia sua viagem às nascentes do Rio São Francisco, percorreu a picada aberta por
Rodrigues da Cruz em 1801, entre o Porto Velho, às margens do Paraíba, e Valença. Neste trecho, realizou
importante coleta de plantas para seus estudos. Próximo à atual fazenda da Forquilha (4º distrito do
Abarracamento), Saint-Hilaire registrou o seu encantamento com as matas selvagens do lugar:

“A essa época eu já estava bastante acostumado com as matas virgens; entretanto, não conseguia
penetrar nelas sem sentir tomado de admiração. Que riqueza de vegetação, que pompa, que
majestade! Quanta variedade nas formas, quanta beleza nos contrastes! Como fazer ressaltar a
simplicidade das palmeiras e folhagens composta das mimosas! Como parecem delicados e
flexíveis os ramos das Mirtáceas com suas minúsculas folhinhas ao lado de uma Cecropia, que
estende suas parcas e rígidas folhas ao feitio de um candelabro! Que delicioso recolhimento nos
proporciona a calma profunda dessas matas, só perturbada pelo grito estridente do ferrador ou o
barulho de uma cascata.” 14

Outro importante viajante a andar pela região foi o naturalista inglês Henry C. J. Bunbury, Entre os dias 27
de janeiro e 1º de fevereiro do ano de 1835 ele passou pelo Rio Preto, via Estrada da Polícia, deixando um
valioso retrato da paisagem formada pelo Vale do Rio Preto:

“O Rio Preto, também chamado de Paraibuna, é aqui um ribeiro manso e tranquilo, com cerca de
cinquenta jardas de largura, deslizado com moderada celeridade e orlado de bosques de acácias
e tufos de junco. A água é escura e lamacenta.”15

Continua sua descrição sobre a fauna e a flora:

“A abundância e variedade de palmeiras pareciam aumentar à proporção que nos


aproximávamos da costa. Uma espécie anã (uma Astrocaryum), que cresce em grupos compactos
e é armada de formidáveis espinhos pretos, era comum por aqui, assim como o palmito; uma
terceira espécie não se apresenta com abundância. Uns bandos de periquitos verdes voavam
velozmente através da estrada, gralhando estrondosamente; e um tucano, pousado numa acácia,
atraiu a minha atenção pelo seu canto áspero e desagradável. Enormes enxames de borboletas
sobrevoavam os pequenos regatos e lugares úmidos da estrada.”
“As matas conservam-se muito espessas e exuberantes em todo o percurso até o Paraíba, e
viajando-se através delas ouve-se às vezes o palrar dos papagaios e o alto canto metálico das
arapongas. A caapeba, uma pimenteira arbustiforme, com folhas redondas extraordinariamente
grandes, é muito comum em todo este trecho da floresta.”16

14
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagens pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte:
Itatiaia, 1975, p. 34.
15
BUNBURY, Henry C. J. Viagem de um naturalista inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais: 1833-1835. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia, 1981, p.100.
16
Idem, p.102.
27
Na época de sua passagem pela região, o Vale do Paraíba já havia sido tomado pelas lavouras de café. A
área mais adiantada era a porção da Serra do Mar da margem direita do Paraíba, entre os municípios de
Resende e Paraíba do Sul. A vila de Vassouras, criada em 1833, transformou-se em um importante
município cafeeiro, enquanto o município de Valença, criado em 1823 (incluindo a área atual de Rio das
Flores), estava em franca exploração agrícola. Henry C. J. Bunbury registrou essa paisagem selvagem em
transformação, chamando a atenção para o processo acelerado da destruição da floresta pelo fogo:

“Uma das alturas que atravessei no dia seguinte dominava uma extensa vista em direção
da costa; as montanhas mais próximas, todas cobertas de mata, eram de moderadas
alturas e contornos arredondados; mas, além destas, alcantiladas cadeias serreadas se
erguem umas atrás das outras até o limite do horizonte. Os efeitos do fogo eram bem
evidentes em muitos lugares ao longo da estrada: grande quantidade de árvores altas
estavam sem folhas, pretas e expostas; mas os galhos de muitas delas sustentavam viçosas
plantas parasitas, que floresciam bem na madeira pobre.”17

O médico, capelão e diplomata irlandês Robert Walsh também contribuiu com suas crônicas referentes à
paisagem do Vale, quando de sua passagem pela região, em 1829. Publicou Notícias do Brasil, em dois
volumes (1830).

2- A ocupação: As primeiras sesmarias/fazendas – Caminhos e desenvolvimento: O


rancho de tropas e os primeiros povoados

s/d: João Batista Soares de Meireles, ―Padre Mestre‖, s.d. Figura 13. Fazenda S. João Batista, posteriormente rebatizada como
fundador da Fazenda São João Batista. Fazenda Santa Maria cuja sede foi demolida recentemente.
Imagem cedida por Adriano Novaes Imagem cedida por Adriano Novaes

As primeiras sesmarias/fazendas

Como mencionado anteriormente, o atual território do município de Rio das Flores já era explorado por
pequenas lavouras de subsistência desde o século XVIII, como se pode constatar através das cartas de
sesmaria. No caso do Vale do Paraíba, o sistema de sesmaria foi a forma que a Coroa encontrou para
incentivar a exploração das terras devolutas, bem como de legalizá-las para quem tinha a posse irregular.

17
Ibidem, p. 100.
28
1880. Fazenda Cachoeira Grande, Abarracamento. Foto Marc Ferrez c.1880. Acervo Eduardo Schnoor

Até o presente momento, foram localizados no Arquivo Nacional vinte e três processos relacionados a
sesmarias, especificamente no território rio-florense. Esses documentos podem ser pedidos para concessão
de terras, confirmação das mesmas ou demarcação das terras concedidas. As sesmarias podiam ser de
dois tamanhos: meia légua em quadra, que corresponde a uma área de 10.890.000 m², ou seja, 225
alqueires geométricos de terras (3.300m x 3.300m), ou uma légua em quadra. Das pesquisadas em Rio das
Flores, não encontramos nenhuma com área correspondente a légua em quadra.

s/d. Mapa demonstrativo de Sesmaria de D. Joanna Edwirges Menezes e Souza, 1819 (Sesmaria de Santa Rosa).
Fonte: Arquivo Nacional.

Algumas pistas indicam que a sesmaria mais antiga, e a primeira a ser explorada, foi a do Casal, localizada
às margens do Rio Paraíba do Sul, no distrito do Abarracamento, mas não conseguimos encontrar o
processo de concessão, para confirmação dessa suposição. Abaixo o quadro das sesmarias conforme os
processos encontrados no Arquivo Nacional:

29
* Indica processos de sesmaria encontrados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, pesquisados por Antonio Carlos de
Oliveira Lima em 1995. Cabe ainda informar que as denominações das sesmarias acima mencionadas no quadro não
constam nos referidos processos, sendo apenas citadas como referência para localização. Tais denominações foram
baseadas em outras fontes, tais como escrituras, inventários, registros paroquiais de terras e demarcações.
** Indica processos que não foram encontrados no Arquivo Nacional, mas são citados em outros documentos, tais como o
Registro Paroquial de Terras. No caso de Rio das Flores, eles foram abertos entre os anos de 1856 e 1858, época em que o
município era a Freguesia de Santa Tereza de Valença. Estes registros encontram-se no Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro.
30
Tão logo as lavouras de café se espalharam pelas terras rio-florenses, muitas fazendas foram criadas a
partir do desmembramento das sesmarias ou do agrupamento das mesmas. Como exemplo, tem-se a que
foi concedida a Laureano José do Amaral, em 1802, e parte dessas terras deu origem à atual cidade de Rio
das Flores*. O seu terceiro proprietário, o capitão Bernardo Vieira Machado, casado com Escolástica Maria
de Jesus, iniciou de fato a exploração da fazenda e a batizou com o nome de Paraíso (mais tarde, ela teve
seu nome mudado para São Policarpo).

1997. Casa sede atual da fazenda São Policarpo (ex Paraiso) e sua leia de palmeiras. Acervo: Adriano Novaes.

s/d. Mapa demonstrativo da sesmaria de Antônio Joaquim de Campos, 1814 (sesmaria da Forquilha). Fonte: Arquivo Nacional.

* NOTA: A parte explicativa a respeito da evolução da cidade sede encontra-se descrita algumas páginas a frente e na ficha
01 deste inventário, que trata especificamente do centro histórico da cidade de Rio das Flores.
31
O capitão Bernardo teve quatorze filhos legítimos e uma filha natural. Dos quatorze citados, cinco
estabeleceram-se com fazendas e sítios dentro da sesmaria do Paraíso: Pedro Vieira Machado, herdeiro da
Fazenda do Paraíso, após a morte da mãe; Seraphim Vieira Machado, fundador da Fazenda da Divisa;
José Vieira Machado, fundador da Fazenda União; Anna Maria, casada com Honório Alves Ferreira,
fundadora do sítio onde se encontra o centro urbano de Rio das Flores; e, finalmente, Mafalda Marcelina,
casada com Francisco Gonçalves da Costa (2ª núpcias), com quem fundou o sítio do Sossego. 18

1995. Fazenda da Divisa, uma das propriedades originadas da 1990: Sítio do Sossego. Foto: Luiz de Castro.
sesmaria do Paraíso, do capitão Bernardo Vieira Machado. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.
Acervo: Adriano Novaes.

s/d. Quadro das sesmarias das fazendas Paraíso, Barra das Flores (atual fazenda da Loanda),
Travessão de Cima de Travessão de Baixo. Fonte: Arquivo Nacional.

18
Inventário post-mortem do capitão Bernardo Vieira Machado.1845. Museu de Justiça, RJ.

32
Caminhos e desenvolvimento: O rancho de tropas e os primeiros povoados

Com o desenvolvimento da lavoura cafeeira, logo surgiu a necessidade da ampliação das antigas trilhas
indígenas, bem como a construção de importantes vias de acesso para escoamento da produção. A
princípio, todos os caminhos na região do antigo Sertão do Rio Preto desembocavam no Caminho Novo ou
Estrada Real. O mais antigo da região foi o Caminho de Meneses, aberto em 1782, embora seu leito
seguisse inteiramente pela capitania de Minas Gerais, às margens do Rio Preto. Essa importante via de
acesso ligava o Porto de Meneses (próximo à localidade atual de Afonso Arinos) a Lima Duarte (antiga Rio
do Peixe). Ao longo do Caminho, surgiram importantes fazendas e, consequentemente, pequenos povoados
de casas que, na sua maioria, atendiam a um rancho de tropas de muares. Citando as mais antigas:
Fazenda Três Ilhas, em Três Ilhas e Fazenda do Barreado, em São Sebastião do Barreado-MG. Todas
localizadas na antiga capitania de Minas Gerais, nas margens do Rio Preto, no trecho que faz divisa com o
atual município de Rio das Flores.

s/d. Ponte do Paraibuna. COSTA, Maria de Fátima da; DIENER, Pablo. Rugendas e o Brasil:
Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2012.

Outra importante via de acesso para a ocupação do território rio-florense foi a picada aberta na floresta pelo
fazendeiro José Rodrigues da Cruz, em 1801, que mais tarde ficou conhecida pelo nome de Caminho do
Rio Preto. Essa importante estrada tinha início na Fazenda Pau Grande (situada no atual município de Paty
do Alferes-RJ), passava pela Fazenda Ubá, de propriedade de Rodrigues da Cruz, e, em seguida, tomava a
direção do Rio Paraíba do Sul no Porto de Ubá, na altura da Fazenda do Casal. Neste trecho da travessia
do Rio Paraíba do Sul, que era feita por meio de barcas, foi montado um posto de fiscalização. Depois de
subir as montanhas do Abarracamento, através do curso do Ribeirão da Forquilha (também conhecido
como da Paz ou Posse) alcançava-se a localidade de Vendinha, na fazenda São Pedro do Abarracamento.
Depois de passar pela Fazenda da Forquilha, o Caminho tomava o rumo da Fazenda da Água e, depois de
percorrer a Serra do Barro Branco, descia até a Fazenda Pouso Alegre (atual Confrarrina). A partir daí,
tomava a direção de Valença através das fazendas do Recreio e da Glória.
33
s/d. ―Mappa do Certão do Rio Preto para baixo pertencente á capital do Rio de Janeiro, com os seos rios principaes, e descrisão dos
caminhos do Paraiba abaixo notados com pingos / Ignacio de Souza Vernek. 1808‖.
Fonte: FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. 2. ed. Rio de Janeiro: [s.n], 1978. p 09.

Entre os anos de 1812 e 1817, foi construída, pela Real Junta de Commercio, Agricultura, Fábrica e
Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, a Estrada do Commercio. 19 Ela partia do Porto de
Iguaçu, na Baía de Guanabara e, em lugar de subir rumo a Paty do Alferes, tomava a direção mais para o
sul, galgando a Serra do Mar, em trecho que foi chamado de Serra da Estrada Nova — entre as serras do
Tinguá e de Sant’Ana — e passava por Vera Cruz e Massambará, até atingir a Fazenda de São Francisco,
em Vassouras. Neste ponto, ela se bifurcava: um braço rumava seguindo o Córrego Florência até encontrar
o mencionado Porto de Ubá, no Caminho do Rio Preto; em sentido contrário, o outro braço da estrada
rumava até a Fazenda Santana do Paraíba, na margem esquerda do rio, cuja travessia também era feita
por meio de barco.

Nesse ponto, foi instalado um registro de mercadorias, que deu origem à vila de Commercio (atuais
localidades de Comércio e Sebastião de Lacerda). Desse local, a estrada seguia até encontrar, nas
proximidades da Fazenda Pouso Alegre (atual Confrarrina), o citado Caminho do Rio Preto. O projeto
original dessa estrada objetivava ligar a localidade de Commercio até a margem do Rio Preto na localidade
de Porto dos Índios (situada entre a cidade de Rio Preto e a localidade de São Sebastião do Barreado),
passando por Taboas e Torres, mas houve resistência por parte de alguns fazendeiros para a construção
desse trecho da estrada.

Ao longo do século XIX, surgiram vários atalhos a partir dessas estradas no município de Rio das Flores,
entre os quais a estrada que saía da Vila de Valença, passava por Taboas, Santa Tereza (atual Rio das

19
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. O abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. 2ª edição. Rio
de Janeiro: SMCTE / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1993, p. 60.
34
Flores) e Porto das Flores (Manuel Duarte), até encontrar a localidade de Paraibuna (atual Mont Serrat-RJ).
Esta via ficou conhecida por Estrada da Independência ou Estrada Geral, nome alusivo à fazenda de
Nicolau Antônio Nogueira Valle da Gama (mais tarde, Visconde de Nogueira da Gama), possuidor da
Fazenda da Independência, situada à margem do Rio Preto (entre as atuais localidades de Santa Rosa e
Três Ilhas). Entre os dias 3 e 5 de maio de 1824, esta estrada foi percorrida por D. Pedro I.

1912. Fazenda da Independência, com sua antiga sede. Fonte: Revista Fon Fon, ano 1912, edição 016,
pp14.Disponível em <http://memoria.bn.br>

Outra importante via de acesso foi a Estrada do Barreado, que, saindo da fazenda de mesmo nome na
província de Minas Gerais, passava pelo bairro do Formoso até encontrar a ponte do José Machado na
Fazenda Cachoeira do Bom Sucesso (hoje Natividade) e subia a serra na altura da Fazenda União, até
encontrar o Caminho do Rio Preto. O trecho entre a Fazenda Cachoeira do Bom Sucesso e o Porto de Ubá
era também conhecido como Caminho do Mundo Novo.

Figura 24 1863. Recibo de transporte de oitenta sacas de café de D. Maria Isabel de Jesus Vieira, proprietária da Fazenda
da Saudade. Fundo Família Werneck.1816-1941. Fonte: arquivo Nacional, Código PY516.
35
2008. Fazenda Recreio de Santa Justa, a margem da Estrada para Paraíba do Sul. Pertenceu aos Barões
de Santa Justa. Acervo: Adriano Novaes.

Havia também a estrada para Paraíba do Sul, um importante via que fazia a ligação entre o Rio Preto e o
Rio Paraíba do Sul. Ela começava na Fazenda da Independência (às margens do Ribeirão das Areias),
seguia pela Fazenda Recreio de Santa Justa, subia a Serra das Abóboras e descia em direção ao vale do
Córrego de Santo Antônio, no município de Paraíba do Sul. Este vale, com vertente voltada para o Rio
Paraíba do Sul, era ocupado, na sua maioria, pelas fazendas dos Pereira Nunes.

1834. Acampamento Noturno de Viajante – Debret. BANDEIRA, Julio. Debret e o Brasil: Obra Completa, 1816-1831. 3ª Edição. Rio de
Janeiro: Editora Capivara, 2009.p.575

Ao longo das estradas de terra acima citadas, durante o período em que vigorou o transporte de carga por
muares, diversos ranchos e vendas para descanso de viajantes e animais foram construídos no território do
município de Rio das Flores, antiga Freguesia de Santa Tereza de Valença, a maioria pertencente às
fazendas localizadas próximo às estradas. Geralmente as instalações de pouso eram constituídas de
grandes ranchos abertos cobertos por telhas ou capim do tipo sapê, cujo telhado era sustentado por esteios
de braúna, onde os tropeiros dependuravam redes para dormir e se proteger do sereno e das chuvas. Ao
redor do rancho, havia pasto para descanso dos muares e depósito de cargas protegidas por bruacas de

36
couro e cães de guarda.20 Normalmente havia, próximo ao rancho, uma venda para atender os tropeiros e
sua comitiva e, em alguns casos, uma pequena ermida.

s/d (por volta da década de 1910). Uma pequena tropa com seus condutores (provavelmente mascates). A fonte
indica ser a região de Manuel Duarte-RJ e Porto das Flores-MG. Imagem cedida por João Bosco Furtado da Silva.

A própria sede do município ficava num local de parada utilizado pelos viajantes que transitavam entre
Valença e Porto das Flores e por aqueles que vinham de Paty de Ubá (atual Andrade Pinto) pela estrada do
Abarracamento, nas terras da fazenda Cachoeira do Bom Sucesso (atual Natividade). Com o advento da
estrada de ferro ainda no século XIX, aos poucos foi cessando a atividade tropeira em Rio das Flores.
Pouco ou quase nada se sabe sobre esta importante atividade no município.

s/d. Fachada da sede da Fazenda Agilidade (atual Confrarrina) nas proximidades do Rancho do
―Pouso Alegre‖. Demolida na década de 1960. Acervo: Marília Reis.

Através de diversas escrituras de compra e venda, foi possível identificar algumas vendas e ranchos de
tropas que outrora existiram no município de Rio das Flores. Elas seguem elencadas a seguir:

20
ANDRADE, Eloy de. O Vale do Paraíba. Edição Particular. 1982, p. 34.
37
O memorialista Eloy de Andrade também cita a existência de venda e rancho na localidade de Três Ilhas,
mas ainda não foi possível confirmar esta informação. Entre as vendas e os ranchos acima citados, alguns
deram origem a pequenos aglomerados urbanos ainda existentes e outros simplesmente foram extintos,
como foi o caso das vendas e ranchos de Porto de Ubá, Pouso Alegre, São Francisco e Paciência.

Com a chegada da estrada de ferro em Santa Tereza (atual Rio das Flores), alguns ranchos foram
substituídos por estações ou paradas ferroviárias, como aconteceu, por exemplo, nas localidades de
Taboas (1882), Cachoeira do Funil (1885), Comércio e Agilidade (antiga Pouso Alegre – 1882). Ao longo
das estradas carroçáveis permaneceram apenas as tradicionais vendas. Dentre essas casas comerciais,
relacionamos a da estação de Santa Rosa e o Armazém do Belém (no Abarracamento).

38
Mapa confeccionado a partir de modelo original da prefeitura - ―Mapa de Localização das escolas do município de Rio das Flores‖,
Ano de 1995. Acervo: PMRF. A demarcação dos ranchos obedece a descrição contida na página anterior
Autoria e digitalização: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

39
2013. ―Venda do Belém‖, no cruzamento do Caminho de Rio Preto com o caminho para as Areias.

Década de 2000. Grande Armazém da de Secos e Molhados (já demolido) da Viscondessa de Santa
Justa, ficava de frente para a ponte de Três Ilhas.

2003 2012
Prédio, hoje em ruínas, que havia na parte mineira de Três Ilhas, em frente a ponte. A estrada que
segue por ali é o leito Caminho de Meneses. Imagens acima, autor: Annibal Affonso M. Silva.

Já os ranchos de Porto das Flores e Independência foram extintos provavelmente na década de 1860, com
a criação do ramal da Estrada União e Indústria, que se conectava diretamente com a Estrada União e
Indústria, que era a mais importante via do país e ligava as cidades de Petrópolis e Juiz de Fora. Esse
ramal, denominado Paraibuna/Porto das Flores (também conhecido como ―Estrada das Flores‖), seguia
pelas margens do Rio Preto e foi um dos grandes feitos do Visconde do Rio Preto, que buscou ligar sua
principal fazenda, a Flores do Paraízo (atual Fazenda do Paraízo), situada em Porto das Flores-RJ (atual

40
distrito de Manuel Duarte) à estação de mudas da União e Indústria instalada em Paraibuna-RJ (atual Mont
Serrat, distrito de Comendador Levy Gasparian-RJ). Sua inauguração ocorreu em 7 de setembro de 1868,
em meio a uma grande festa, mas terminou em comoção, em virtude do falecimento de seu mentor.

2011. Trecho da estrada macadamizada Paraibuna/Porto das Flores, que conserva o piso original. Autor: Annibal A. M. Silva.

O Porto de Ubá ou do Paraíba foi visitado por Saint-Hilaire em 1819, quando fazia sua viagem às nascentes
do Rio São Francisco. Sobre o local ele escreveu:

“Em breve alcancei as margens do Paraíba, no local denominado Porto, onde se atravessa o
rio...”
“Na margem direita a venda modesta e um pequeno rancho, e na esquerda fica o posto de
postagem, cujo telhado se projeta para frente, formando uma varanda.”
“Ali não há balsas, os viajantes se servem de canoas, conduzidas por dois negros. Houve um
tempo que o posto de pedágio era arrendado, mas posteriormente passou a ser controlado
diretamente pelo fisco... A guarnição do posto de registro compunha-se unicamente de um cabo e
três soldados da guarda-nacional (milícia).”21

A localidade do antigo Porto de Ubá ou Porto do Paraíba (ainda não foi possível saber com exatidão o seu
local) foi, durante todo o século XIX e grande parte do XX, um ponto de referência no distrito do
Abarracamento. Próximo a este ponto havia também o Porto Velho cujo local, durante anos, teve escola,
capela dedicada a São Sebastião e venda. Também próximo ao local havia a Fazenda Porto Velho, ainda
existente. A partir de 1867, a localidade passou a ser atendida por três estações ferroviárias da antiga
Estrada de Ferro D. Pedro II e, posteriormente, da Central do Brasil: A Estação de Casal, que tomou o
nome de uma antiga fazenda do local, inaugurada em 1867; a Estação de Carlos Niemeyer, inaugurada em
1898, com o nome do chefe da locomoção, em 1889; e a Estação de Ubá. Esta última, mais tarde, teve o

21
SAINT-HILAIRE, Auguste de.Viagem às nascentes do Rio São Francisco. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1975, p. 33.
41
nome alterado para Paty, até que finalmente passou a se chamar Andrade Pinto, homenageando José de
Andrade Pinto, antigo subdiretor da ferrovia. Todas essas estações localizam-se na margem direita do Rio
Paraíba do Sul, no município de Vassouras.

s/d. Detalhe do timbre a fazenda Cachoeira Grande, onde aparece a citação da estação ferroviária e da estrada de ferro.
Acervo Museu de História Regional de Rio das Flores.

Entre as mais antigas fazendas da localidade de Porto Velho estão: Santa Maria (antiga São João Baptista),
Saudade, Casal, Cachoeira Grande, Porto Velho e São João. Dessas, apenas as duas últimas mantêm
ainda preservadas suas primitivas sedes.

1890. Mapa topográfico da fazenda do Casal. Acervo: Museu Historia Regional Rio das Flores. Cópia cedida por Sylvia Dutra Novaes.

A Fazenda do Casal ficou célebre na História por ter sido o local onde Alberto Santos Dumont, o Pai da
Aviação, passou sua infância, entre os anos de 1872 e 1879. A propriedade foi adquirida dos herdeiros do
Barão de Ubá, em 1872, pelo comendador Francisco de Paula Santos, avô paterno de Santos Dumont. Seu
pai (Dr. Henrique Dumont) trabalhou na administração da fazenda, onde realizou importantes obras de
melhoramento no beneficiamento de café. Nesse período, nasceram duas filhas, Francisca e Sofia, sendo a
42
última e o pequeno Alberto batizados em 20 de junho de 1874, na antiga Matriz de Santa Thereza, pelas
mãos do padre Teotônio de Silva Carolina, grande amigo da família e frequentador da fazenda. 22

s/d. Antiga sede da fazenda do Casal. Imagem cedida por Júlio Cezar Graça Mello.

Com a abertura da Estrada do Commercio, entre 1812 e 1817, foram construídos, na margem esquerda do
Paraíba do Sul, em terras da sesmaria de Sant’Anna do Parahyba, um rancho de tropas, recebedoria
(registro) e correio. Por ocasião de sua segunda viagem à capitania de Minas Gerais, em 1822, via Estrada
do Commercio, o naturalista Saint-Hilaire registrou suas impressões sobre o local:

“Ao cabo de algumas horas cheguei às margens do Paraíba, que aqui tem, mais ou menos, a
mesma largura da que no lugar, em que atravessamos, perto de Ubá. Corre o rio,
majestosamente, num vale circundado de altas montanhas cobertas de mata virgem.”

Continua sua descrição o ilustre naturalista:

“Sobre as encostas fizeram-se algumas plantações de milho. De cada lado do rio fica um rancho,
e, à sua margem, vê-se uma casinhola, moradia do empregado encarregado de receber a
postagem. A paisagem é animada por canoas que vão e vêm de uma margem a outra, pelas juntas
de bois e varas de porcos que atravessam o rio a nado, o movimento dos homens obrigando aos
animais a entrarem no rio e o atravessar, pelas tropas de mulas que se carregam e
descarregam.”23

Pouco mais adiante da passagem do Rio Paraíba do Sul, ficava a sede da Fazenda Sant’Anna do
Parahyba, de propriedade do casal Maximiano Rodrigues de Araújo e Anna do Espírito Santo, que teve os
seguintes filhos: Francisco de Paulo Araújo, Severino Rodrigues de Araújo, Porciano Rodrigues de Araújo,
22
JORGE, Fernando. As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont. 4ª edição. São Paulo: T. A. Queiroz, 2003, p. 3-5.
23
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. São Paulo: Editora Itatiaia, 1974,
p. 21-2.
43
Mariano Rodrigues de Araújo, Maximiana (casada com Antônio José da Silva e fundadora do sítio Santo
Antônio da Paz, depois Fazenda Santo Antonio), Maria Umbelina d’Oliveira, Anna Josepha do Espírito
Santo, Porcina, Jacintha, Justiniano e Francisca das Chagas d’Oliveira, sendo que a maioria se estabeleceu
24
em sítios e fazendas na sesmaria dos pais.

Entre os anos de 1847 e 1870, o fazendeiro vizinho, Peregrino José d’América, mais tarde 1º Barão e,
25
posteriormente, Visconde de Ipiabas, adquiriu quase todas as propriedades dos Rodrigues de Araújo,
agrupando-as em fazendas. Às terras dos Araújo, Ipiabas anexou as terras herdadas de seus pais, parte da
sesmaria São João, onde fundou as fazendas Santa Emília e Santa Rita. Ipiabas adquiriu também, dos
herdeiros de Joaquim José de Araújo Maia, parte da Fazenda do Bom Jardim, rebatizando-a com o nome
de Campos Elíseos. Parte das terras dessa fazenda reservou para seu filho João Pinheiro de Souza
Werneck, agraciado, após sua morte, com o título de 2º Barão de Ipiabas. Esta propriedade recebeu o
nome de Fazenda Guaritá. Sendo assim, por décadas, as principais fazendas da região de Comércio
pertenceram ao Visconde de Ipiabas, filhos e genros. Após a sua morte em 1882, suas fazendas foram
partilhadas entre seus herdeiros.

s/d. Visconde e Viscondessa de Ipiabas. ERMAKOFF, Georg. Rio de Janeiro 1840-1900:


uma crônica fotográfica. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2006. P. 41.

Até meados da década de 1860, a paisagem da localidade de Comércio não era muito diferente da descrita
por Saint-Hilaire em 1822. Com a inauguração da Estação de Commercio, da Estrada de Ferro D. Pedro II,
em 1866, na margem direita do Rio Paraíba do Sul, no município de Vassouras, o império rural dos Ipiabas
tomou um salto de desenvolvimento, assim como o movimento de tropas que desciam de Santa Tereza
para essa estação.

24
Inventário post-mortem de Maximiano Rodrigues de Araújo, 1843. Caixa 115. Museu de Justiça, RJ.
25
Peregrino José da América Pinheiro descendia da família Werneck, era neto do patriarca, Inácio de Souza Werneck. Chegou em
Valença aos 11 anos, em companhia dos pais, e se tornou um dos grandes aristocratas do café, possuía grande extensão de terras
nas margens do Rio Paraíba do Sul, situadas entre as atuais localidades de Barão de Juparanã e de Comércio. Alistou-se na Guarda
Nacional ainda jovem, em 1837 foi promovido ao posto de capitão e em 1842 ao de major. Em 1849 chegou ao posto de Coronel-
Chefe da 8ª Legião da Guarda Nacional do município de Valença. Três anos depois foi nomeado Comandante Superior da Guarda
Nacional dos municípios de Valença e Paraíba do Sul. Em 1855 foi elevado ao grau de Comendador da Ordem da Rosa. Foi reformado
no posto de coronel, com honras de Comandante Superior dos municípios de Valença e Paraíba do Sul. No ano de 1866 foi agraciado
com o título de Barão em 17 de junho de 1882 com o título de Visconde, vindo a falecer logo em seguida, em 09 de julho de 1882.
44
Mapa demonstrativo das terras pertencente ao Visconde de Ipiabas e seus herdeiros. Fundo Familia Werneck .1816-1941.
Código PY516 Arquivo Nacional.

3- A chegada da Ferrovia:

As locomotivas a vapor da Estrada de Ferro D. Pedro II (posteriormente renomeada como E. F. Central do


Brasil) deram início à era ferroviária na região, com a inauguração da estação de Barra do Piraí, em 1864.
Na década seguinte, começaram a florescer os projetos das linhas de ―bitola estreita‖. Não tardou a surgir a
ideia de uma via férrea cortando as terras de Santa Tereza, que começaria na Estação de Commercio e
26
terminaria em Porto das Flores-RJ, às margens do Rio Preto. O movimento em prol da construção foi
liderado por duas importantes famílias de cafeicultores, os Pinheiro de Souza Werneck e os Vieira da
Cunha, parentes entre si. Os segundos, importantes fazendeiros na sede da Freguesia, tinham, como
principal propriedade, a Fazenda da Saudade.

Clichês das companhias ferroviárias particulares criadas no município de Rio das Flores.
Acervo: Museu da Justiça do Rio de Janeiro. Acervo: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

26
O tema da estrada de ferro foi abordado na seguinte obra: SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (coord.). O Legado dos Trilhos:
Inventário das Estradas de Ferro em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac.
Rio das Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.
45
As ferrovias se caracterizavam por ser um empreendimento privado, alicerçado no capital financeiro dos
fazendeiros, organizado como um investimento coletivo por meio de ações. Fundada em 1875, a Estrada de
Ferro Commercio e Rio das Flores contemplava o desenvolvimento urbano das antigas localidades por
onde passava, em especial, Comércio, Taboas e a sede da freguesia de Santa Tereza. Entre seus
27
principais acionistas, estavam o Barão do Rio das Flores, o Visconde de Ipiabas e o Barão da Aliança.
Assim como outras empresas semelhantes criadas na província fluminense naquela época, sua principal
atividade era o transporte de cargas.

A inauguração, em 1878, da ponte metálica sobre o Rio Paraíba do Sul propiciou um surto de
desenvolvimento à localidade de Comércio. O Visconde de Ipiabas, juntamente com seus filhos e genros,
angariou recursos para a construção de uma capela dedicada a Sant’Anna, inaugurada em 30 de julho de
1876. Um pouco antes da capela, pelo lado esquerdo, o barão construiu, em 1882, um chalé para sua
residência, bem como um colégio para meninas. De frente para a boca da ponte, edificou, em tempos
passados, um armazém para depósito de café, venda e rancho para tropas, além de três casas, próximo ao
citado armazém, e uma casa onde ficava a estação telefônica (1892). Foi erguido, em 1882, na boca da
28
ponte, um chalé para cobrar pedágio dos transeuntes que faziam a travessia pela ponte de ferro.

Estação ferroviária da Marambaia, demolida na década de 1910, ficava entre Comercio e Taboas. Desenho elaborado a
partir de descrições textuais do prédio e em imagens das estações originais de Comercio (Sebastião de Lacerda) e
Taboas, da qual era contemporânea. Autoria: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Contava a linha com as seguintes estações: Commercio (Sebastião de Lacerda), Marambaia, Taboas,
Santa Tereza (Rio das Flores), Vendinha (Cachoeira do Funil) e Porto das Flores (Manuel Duarte). Além
delas, havia uma série de paradas, muitas situadas à frente de importantes fazendas. A sede da companhia
ficou sendo Taboas, que recebeu o parque ferroviário, a estação, o prédio das oficinas, o escritório da
gerência e demais instalações.

27
José Vieira Machado da Cunha nasceu em 1815, em São João Del Rei. Quando era criança, seus pais adquiriram uma sesmaria, nas
margens do Ribeirão Manoel Pereira, entre Taboas e Rio das Flores. Apesar de não figurar entre os grandes fazendeiros de café do
Vale do Paraíba, foi um dos mais progressistas da região, principalmente da freguesia de Santa Tereza, tornando-se o maior
incentivador do desenvolvimento urbano da vila. Em 1865, adquiriu um sítio, que atualmente ocupa toda a área central da atual cidade
de Rio das Flores, e, em seguida, loteou-o, permitindo que pessoas construíssem e morassem nos terrenos, pagando a ele
arrendamento. Foi juiz de paz e um dos fundadores da matriz de Santa Thereza e da Companhia Estrada de Ferro Commercio e Rio
das Flores, da qual foi presidente. Em 3 de abril de 1867, foi agraciado pelo imperador D. Pedro II com o titulo de 1° Barão do Rio das
Flores. Faleceu no dia 1º de novembro de 1879, deixando em testamento dinheiro para a reconstrução da Matriz de Santa Thereza. No
mesmo documento, declarou libertos alguns escravos mais dedicados, doando-lhes terras para começarem vidas novas.
28
A ponte e a localidade receberam um fichamento individual neste inventário – Fichas 28 e 29. Nela constam informações detalhadas
da ponte e da evolução histórica de Comércio, bem como uma pequena citação da parte vizinha de Sebastião de Lacerda.
46
A estrada de ferro foi aberta ao tráfego para trens de carga e passageiros em setembro de 1882, momento
29
em que a freguesia possuía 9.364 habitantes, sendo 54% deles constituídos por escravos. Por motivos
financeiros, a E. F. Commercio e Rio das Flores foi liquidada em 1884, quando faltavam apenas 8,5
quilômetros para completar os 36 quilômetros estabelecidos no projeto. Em outubro do mesmo ano (1884),
foi formada uma nova companhia, com a denominação de Estrada de Ferro Rio das Flores, que adquiriu
todo o patrimônio da extinta companhia em hasta pública, bem como o direito de exploração do leito.

s.d (possivelmente meados década 1940). Parada da fazenda do Paraizo. Acervo: Fazenda do Paraizo.

s.d. Ação da Companhia Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores.


Fonte: <http://www.lilileiloeira.com.br/peca.asp?ID=72544&ctd=174&tot=323&tipo=>, acesso em setembro de 2013.

Além da linha tracionada por máquinas a vapor, o município de Santa Tereza chegou a ser atendido por
uma estrada de ferro conduzida por muares, a Companhia Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores, que
veio a substituir o ramal de carruagens da União e Indústria, aberto pelo Visconde do Rio Preto em 7 de
30
setembro de 1865. Inaugurada em 1884, a Ferro Carril seguia margeando o lado fluminense do Rio Preto.
Ela começava na localidade de Paraibuna (atual Mont Serrat, distrito de Comendador Levy Gasparian) e,
apesar de ter programado atingir Porto das Flores (atual Manuel Duarte-RJ), sofreu um embargo da Estrada
de Ferro Rio das Flores, chegando apenas até a localidade de Santa Rosa.

29
Na época, Valença era o município com o maior número de escravos da província (25.344, em 1883), seguido de Cantagalo, São
Fidélis e Vassouras (18.630).
30
Para maiores informações a respeito do Ramal de Carruagens da União e Indústria e da Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores,
ver o fichamento elaborado na obra: SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (coord.). O Legado dos Trilhos: Inventário das Estradas
de Ferro em Rio das Flores. Instituto Estadual do PatrimônioCultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac. Rio das Flores - RJ: Edição
do Autor, 2011, págs.191 a 220.
47
31
Em 31 de agosto de 1888, a E. F. Rio das Flores comprou a Parahybuna e Porto das Flores, inaugurando,
na década de 1890, uma nova seção a ser percorrida pelas locomotivas, contando com duas estações:
Santa Rosa e Três Ilhas. Com isso, o percurso da Ferro Carril foi encurtado, cobrindo o trecho entre as
localidades de Paraibuna e Três Ilhas e ficando, assim, praticamente fora do território de Santa Tereza. No
início da década de 1910, a linha tracionada por animais foi inteiramente substituída por máquinas a vapor.
Até o momento não localizamos imagens da Ferro Carril. Deve-se registrar que existiram outras do tipo na
região (como em Vassouras-RJ e em linhas urbanas na cidade de Juiz de Fora-MG). A imagem abaixo é de
um ramal particular semelhante a ela, construído numa propriedade rural de Santa Tereza, ligando a
fazenda Santa Genoveva à estrada de ferro, possivelmente nas proximidades da estação de Santa Rosa.

s/d. Linha férrea tracionada por cavalos, servia a Santa Genoveva. Acervo: fazenda Santa Genoveva.

Durante seus 90 anos de existência (1875-1965), a ferrovia a vapor trouxe grandes benefícios para o
município. O mais visível pode ser observado em sua infraestrutura urbana e na de transportes. Apesar do
pioneirismo da abertura das estradas ser dos caminhos de tropas, a linha férrea teve papel preponderante
no crescimento da maioria das localidades, a ponto da principal via rodoviária da atualidade ter se
consolidado sobre boa parte do trajeto por onde seguia o trem. Além de poder ser classificada como o mais
importante empreendimento de capital privado em toda a história de Rio das Flores, a ferrovia carrega um
significado simbólico, por ter optado por um traçado autônomo, deixando os trilhos dentro de suas próprias
terras, cortando assim qualquer vínculo direto com a companhia que já havia na cidade-sede de Valença (a
E. F. União Valenciana). Esse fato pode ser entendido como um importante passo rumo à independência,
gesto que se consolidaria anos depois, com sua emancipação político-administrativa.

31
Jornal Diário de Minas (Juiz de Fora-MG), 31 de agosto de 1888, ano I, nº 62. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
Pesquisas recentes indicam que a E. F. Rio das Flores adquiriu não apenas um trecho coberto pela Ferro Carril, mas a própria
empresa. Com isso, a companhia ferroviária rio-florense passou a administrar 71,05 km de linha, sendo 53,00 km do trecho por
máquinas a vapor (entre Comércio e Três Ilhas) e 18,05 km por tração animal, relativos ao trecho entre Três Ilhas e Paraibuna. O
relatório apresenta as receitas e as despesas da linha de bonds – possuíam um cocheiro, um condutor e outros funcionários (como
fiscal). Contavam com 28 animais, que consumiam em média 26 sacos de milho por mês. Também são citadas diversas obras a cargo
da E. F. Rio das Flores, como reformas tanto na Ponte do Commercio (que sempre foi de sua responsabilidade) quanto na Ponte de
Paraibuna (localizada na região da Ferro Carril). É citado que a linha já estava passando por transformações para trens a vapor, o que
já havia possibilitado às locomotivas chegarem a Santa Mafalda. Fonte: CARVALHAES, João de Barros. Relatório da Estrada de
Ferro Rio das Flores, ano de 1904. Fonte: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
48
4- Principais fatores da emancipação político-administrativa de Santa Tereza – De se-
de da Freguesia a sede do Município:

Principais fatores da emancipação político-administrativa de Santa Tereza.

s/d. Terreiro de café e tulha da fazenda Santa Genoveva. Acervo: fazenda Santa Genoveva.

A história da freguesia de Santa Tereza (atual município de Rio das Flores) está ligada à ocupação do Vale
do Rio Paraíba do Sul, região formada por uma bacia geográfica com 57.000 km² de área, distribuída em
três estados da seguinte forma: 39,6% no Rio de Janeiro, 36,7% em Minas Gerais e 23,7% em São Paulo.
Foram nessas terras virgens e de alta fertilidade que o café encontrou, durante o século XIX, condições
ideais para se desenvolver, levando a uma ocupação rápida e intensa, que ficou conhecida como
―avalanche cafeeira‖.

“o café, encontrando condições favoráveis de solo, clima e topografia e abundância de terras


disponíveis para plantação em larga escala, criou um extraordinário sistema social e financeiro,
conhecido historicamente como o “Ciclo Econômico do Café” e que, em sentido amplo, ocorreu
32
ao longo de todo o século XIX.”

32
LIMA, Roberto Guião de Souza. O Ciclo do Café Vale-paraibano. p. 16. In: INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense – Tomo I. (Coord. Técnica Dina Lerner,
produção executiva Francis Miszputem). Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cidade Viva: INEPAC, 2008.
49
A produção na região durou quase um século. Apesar de não haver um consenso entre os historiadores,
apresentamos aqui os três períodos adotados pelo pesquisador Roberto Guião: de 1800 a 1840, se deu o
nascimento e crescimento; entre 1840 a 1875, o apogeu, e, de 1875 a 1900, a fase final, marcada pelo
declínio e pela derrocada.33 Apesar da contribuição de outros personagens, como o tropeiro, seus principais
representantes foram o fazendeiro e o escravo negro.

“Dois personagens foram, realmente, as maiores e mais representativas figuras deste período e fi-
zeram o Ciclo do Café no Vale acontecer. Os fazendeiros de café, genericamente chamados de
“barões do café”, tenham ou não sido nobilitados como tal pelo Império, responsáveis pelo capi-
tal, pela abertura, consolidação, crescimento e administração das “Empresas Agrícolas do Café”,
muitas delas verdadeiros feudos autônomos e fechados em si mesmos, e que só não produziam, latu
senso, o ferro, o sal e o vinho; e o negro, mão-de-obra feita escrava na sua África natal que, ver-
dadeiramente, produziu a riqueza verde (ouro verde) e tantos benefícios trouxe à cultura e à vida
do país, a ele se incorporando definitivamente na sua formação racial e histórico cultural.” 34

1885. Escravos durante a colheita do café. Fonte das Imagens: INEPAC. Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense –
Tomo I, 2008. p 29. (acervo: Marc Ferrez. 1885. Coleção Gilberto Ferrez. IMS).

s/d. Imagem capturada na Rua Dr. Leoni Ramos (possivelmente em fins da década de 1970), retrata
a população do município. Acervo: Centro Cultural Antonio Pacheco Jordão.

33
Ibidem, p. 17.
34
Idem, idem p 20.
50
A região do Médio Paraíba fluminense assumiu um papel de destaque na produção de café, se tornando o
sustentáculo do império brasileiro. A produção alcançou seu auge na década de 1850. Entre 1856 e 1859, a
província fluminense alcançou 63.804.764 arrobas, São Paulo, 9.904.750, e Minas Gerais, 6.333.493. 35 Em
1860, o Rio exportou 81,6% do total brasileiro. Em 1881, esse número representou 61,5% do total mundial.

Valença se tornou, juntamente com Vassouras, um dos principais centros da civilização cafeeira na região,
abrigando o maior número de pessoas com títulos nobiliárquicos, agraciados pelo imperador.36 A população
de Valença se formou de levas de mineiros, oriundos da região aurífera de Minas Gerais, e de fluminenses
egressos da Corte, na cidade do Rio de Janeiro. Foi dentro desse quadro que Santa Tereza se destacou,
tornando-se uma próspera freguesia, condição propiciada por fatores como a fertilidade de suas terras e por
ser cortada por importantes vias de acesso:37

“Nas elevadas altitudes desta zona salientada pela serra das Abóboras, vai o café encontrar um
optimun para a proliferação. Grandes fazendas abatem a floresta, e, a rubiácea, com a pujança
que lhe permite o clima e o solo virgem, desenvolve-se numa expansão extraordinária. Imensas
fortunas são extraídas dessas cercanias, indo multiplicar a prosperidade do velho município de
Valença e fulgurar em coroas e brasões de titulares entre os mais ilustres da aristocracia agrária
imperial.”

Imagens acima - fins do século XIX. Beneficiamento na Fazenda Cachoeira Grande. Localizada no Abarracamento (próxima a rodovia
393), acabou sendo completamente demolida para dar lugar a um posto de gasolina. Fonte: INEPAC. Inventário das Fazendas do Vale
Paraíba Fluminense – Tomo I, 2008. p 30 e 33. (acervo: Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez. IMS).

As terras de Santa Tereza abrigaram algumas das mais suntuosas e produtivas fazendas do território
valenciano, dentre elas, as dos barões de Rio das Flores, de Santa Fé, da Aliança, de Potengy, de Ubá, do
Pilar e de Santa Justa; as do Conde de Baependy; as do Visconde Nogueira da Gama; e as do Visconde do
38
Rio Preto, homem de grande influência em toda a região valenciana. Sua principal fazenda era a Flores do
Paraízo, construída nas proximidades do atual distrito de Manuel Duarte.

35
ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989,p. 393.
36
LAMEGO, Alberto. O Homem e a Serra. Biblioteca Geográfica Brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1963, p. 334.
37
Idem, p. 174.
38
Domingos Custódio Guimarães nasceu em 1802.Possuía enorme aptidão comercial e sua fortuna teve origem na firma Mesquita &
Guimarães, que montou ainda jovem com um dos homens mais ricos da época, o marquês de Bonfim, e que abastecia com carne a
cidade do Rio de Janeiro. Desfeita a sociedade, Domingos empregou seu capital na lavoura cafeeira. Sua principal propriedade, a
Flores do Paraízo, foi considerada ―fazenda modelo‖ e ficou conhecida como a ―Joia de Valença‖. Em 1854, foi agraciado com o titulo
de barão, tornando-se visconde em 1867. Foi o maior progressista da região, promovendo importantes obras na cidade de Valença e
na freguesia de Santa Tereza (atual Rio das Flores). Sua morte, ocorrida em 7 de setembro de 1868, causou tamanha repercussão
que os principais jornais do Vale e da Corte anunciaram o ocorrido durante o mês todo.
51
Os registros revelam que durante grande parte do período de prosperidade da lavoura cafeeira, Valença
teve o maior número de escravos da região sul da província do Rio de Janeiro. Os levantamentos realizados
em dezembro de 1852 e janeiro de 1853 mostram que, do total de 39.080 habitantes, 27.238 eram
escravizados e os demais 11.842 equivaliam à população livre. Parte desse contingente (15,75%) se
concentrava nas fazendas de Santa Tereza, que abrigava ao todo 6.155 pessoas, sendo 1.959 livres,
enquanto os demais 4.196 compunham a mão de obra escrava.

Em 17 de março de 1890, quando contava com 14.282 habitantes (sendo 4.300 na vila), Santa Tereza
emancipou-se de Valença, tornando-se, assim, uma unidade federativa independente, obra do Dr. Braz
39
Carneiro Nogueira da Gama (filho do Conde de Baependy). O primeiro presidente da Câmara Municipal foi
40
o Barão da Aliança, quando este cargo ainda era unido ao do Poder Executivo. O ambiente em que se deu
41
a criação do novo município foi registrado por Alberto Lamego em uma de suas obras:

“Com o novo arraial sempre a crescer, Valença tem sua integridade territorial ameaçada. Com
seu prestígio no Império consegue ainda evitar o desmembramento. Mas debilitada com a
abolição, não pode impedir que a fragmentação dos municípios iniciada logo após a proclamação
da República lhe arranque, em 17 de março de 1890, o de Santa Teresa (...)
Ao contrário de várias outras entidades municipais, originadas naquele tempo de puros interesses
políticos, Santa Teresa justificou o seu desejo de autonomia com a herança de uma sólida
economia de sua fase dos “barões do café.”

Santa Tereza foi elevada à categoria de vila e sede do novo município. Sua criação serviu aos propósitos do
governo federal, que buscou fortalecer o Partido Republicano no interior do Estado do Rio de Janeiro, vi-
sando à fragmentação política dos antigos redutos monarquistas. Isso se deu em meio a profundas mudan-
ças no quadro econômico, político e social do país, marcado por acontecimentos como a abolição da escra-
vidão (em 1888) e a proclamação da República (1889). Somou-se a isto a decadência da lavoura cafeeira,
ocasionada pelo esgotamento do solo, que foi explorado de forma inconseqüente.
39
A emancipação deve-se ao filho do Visconde de Baependy, que tinha o mesmo nome do pai, Braz Carneiro Nogueira da Gama
(nascido no dia 24 de março de 1846). Seguindo os passos do seu progenitor, foi fazendeiro de café e investiu na carreira política,
tornando-se deputado provincial. Após romper com o Partido Conservador, tornou-se republicano, já no período final da monarquia
brasileira. No biênio 1888/1889, fez parte da bancada republicana de cinco deputados, liderada por Francisco Portela. Com a
República, foi eleito presidente da Assembleia do Estado (1889/1890) e, logo adiante, 2º vice-presidente. Foi nesse período que
apresentou à Assembleia o projeto de criação do município de Santa Tereza, aprovado e sancionado pelo então presidente do Estado
do Rio de Janeiro, Francisco Portela, através doDecreto nº 62, de 17 de março de 1890. Foi eleito senador e constituinte. Por ter sido o
menos votado dos três senadores eleitos, seu mandato foi de três anos. Nas preparatórias, foi eleito vice-presidente do Senado, tendo
presidido a primeira sessão do Congresso Nacional. Na eleição de Prudente de Moraes para vice-presidente do Senado e da
Constituinte, Braz Carneiro foi o segundo mais votado. Após abandonar a vida pública, voltou a exercer sua profissão de engenheiro.
Em 1892, vendeu sua fazenda de Santa Luíza, retirando-se de Rio das Flores. Faleceu no Rio de Janeiro em 20 de abril de 1922.
40
Manoel Vieira Machado da Cunha nasceu em 1847 na fazenda da Saudade, então freguesia de Santa Tereza, propriedade de seus
pais. Era membro de um dos mais importantes clãs do Vale do Paraíba – os Werneck –, sobrinho do Visconde de Ipiabas e do Barão
de Rio das Flores. Projetou-se como importante líder local e grande produtor de café. A origem de sua fortuna está na sociedade
formada com sua mãe e seus irmãos, através da firma Maria Isabel de Jesus Vieira & Filhos. Após a dissolução da sociedade, adquiriu
as fazendas Santa Maria e Saudade (que não deve ser confundida com a primeira), ambas na localidade do Abarracamento. Começou
sua vida pública através da venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Santa Thereza e no Batalhão da Guarda
Nacional, onde alcançou a patente de alferes. Em 29 de agosto de 1882, foi agraciado com o título de Barão da Aliança, época em que
faleceu seu sogro e tio, Visconde de Ipiabas, quando herdou a fazenda Campos Elíseos. Já consagrado como importante líder político,
participou ativamente em prol da emancipação da então freguesia de Santa Tereza, tendo sido eleito primeiro presidente da Câmara
Municipal, cargo equivalente ao de prefeito nos dias atuais. Nesse mesmo dia, foi apresentada uma representação dos moradores para
que a Rua São Domingos, endereço da sede primitiva da Câmara, passasse a se chamar Rua Barão da Aliança, denominação que
perdurou até a década de 1930, quando mudou para Rua Dr. Getúlio Vargas, por imposição da ditadura Vargas. Adquiriu, em 1892, a
fazenda Flores do Paraízo, que fora do Visconde do Rio Preto, e onde, em 1905, recebeu o presidente do Estado do Rio de Janeiro e
futuro presidente da República Nilo Peçanha. Entre 1904 e 1907, ocupou novamente o cargo de presidente da Câmara.Em 1912,
vendeu a fazenda Flores do Paraizo e retirou-se definitivamente do município.Faleceu no dia 17 de março de 1934 no Rio de Janeiro,
onde foi sepultado.Em sua homenagem, a principal rua do bairro Vale do Sol recebeu a denominação de Rua Barão da Aliança.
41
LAMEGO, Alberto Ribeiro. O Homem e a Serra. IBGE: Rio de Janeiro, 1963, p. 174.
52
1875. Fazenda do Paraíso, em Manuel Duarte. Óleo sobre madeira, 54cm x 73cm. Col. Particular. PICCOLI, 2004. MARTINS,
Carlos; Piccoli, Valéria. Facchinetti. Rio de Janeiro: CCBB, 2004. p.16.

De sede da Freguesia a sede do Município.

NOTA: A evolução urbana de Santa Tereza (atual cidade de Rio das Flores) encontra-se detalhada no estudo do Centro
Histórico de Rio das Flores (ficha 01) e nas subsequentes (fichas 02 a 10), que correspondem a prédios individuais existentes
na área urbana. O inventário apresenta outras duas localidades situadas em pontos distintos do município, às margens dos
rios Paraíba do Sul e Preto: Comércio (ficha 28) e Manuel Duarte (ficha 14), respectivamente.

Com o desenvolvimento da lavoura cafeeira na região do Vale do Paraíba e o consequente crescimento


demográfico, surgiu a necessidade da criação de diversos distritos municipais. Por trás dos recortes admi-
nistrativos dos municípios do Vale, havia principalmente o interesse político dos fazendeiros, genericamente
denominados de ―Barões do Café‖. Junto ao poder financeiro havia o poder político, com o propósito de
atender aos interesses das famílias cafeicultoras. As freguesias eram divididas administrativamente em
quarteirões, que, no caso de Santa Tereza, foram quatorze. Cada uma delas tinha o seu grupo político, que
se formava através de grupos familiares.

42
Em 1848, o Visconde de Baependy apresentou um projeto à Assembleia da província, a fim de criar um
curato no território da freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença, na parte que limita com Paraíba
do Sul. O nome teria sido uma homenagem à imperatriz Thereza Cristina, sendo a denominação uma
iniciativa do próprio Baependy. No dia 6 de outubro de 1851, foi criado o curato de Santa Tereza de
Valença, através da Lei nº 560, subordinado à freguesia de Nossa Senhora da Glória da Vila de Valença.

42
Braz Carneiro Nogueira da Costa e Gama nasceu no Rio de Janeiro em 22 de maio de 1812 e faleceu nessa mesma cidade em 12 de
maio de 1887. Filho mais velho dos Marqueses de Baependy, casou-se com sua prima Rosa Mônica Valle Nogueira da Gama. Ele
descendia de família politicamente poderosa, teve vida parlamentar ativa, tendo sido deputado em mais de seis legislaturas. Foi
senador e chegou a vice-presidente e a presidente da província. Exerceu também o cargo de presidência das províncias de Goiás e
Pernambuco. Agraciado com o título de Visconde de Baependy, posteriormente chegou a Conde (em 1858). Figura influente na Corte
de D. Pedro II e frequentador assíduo do Paço Imperial, Baependy foi o fundador do atual município de Rio das Flores. Em 1842,
inaugurou a Fazenda Santa Rosa, destacando-se anos depois pela iniciativa de acabar com o trabalho escravo, empregando colonos
alemães.
53
Tamanha foi a afluência e o desenvolvimento da região que, passados quatro anos, o curato de Santa
Tereza foi elevado à categoria de freguesia, através da Lei nº 814, de 6 de outubro de 1855.

s.d. Conde de Baependy, óleo sobre tela. Acervo: 1900. Deputado Braz Carneiro, fundador
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença. do Município. Acervo: Adriano Novaes.

1985. Casarão da antiga Hospedaria e rancho de tropas de Azevedo & Irmãos. Acervo: Adriano Novaes.

1899. Antiga Rua São Domingos (atual Av. Getulio Vargas) com o Largo do Quartel (atual praça Cel. Sucena).
Acervo Arquivo Nacional.

O núcleo urbano da sede nasceu da confluência de duas importantes vias de comunicação: a Estrada do
Abarracamento e a Estrada da Independência. Às suas margens ficava o mais bem equipado ponto de
tropa da zona: a hospedaria Azevedo & Irmão, que, atualmente, é a Chácara Formosa. O desenvolvimento
da cidade teve início na atual Avenida Getúlio Vargas, então chamada de Rua São Domingos, que era um
trecho da Estrada da Independência. Numa pequena encosta próximo a ela, foi erguida a Matriz de Santa
Thereza D`Ávila (1858), o cemitério local (1859) e alguns prédios.

54
O aumento da área urbana foi obra de José Vieira Machado da Cunha, futuro Barão de Rio das Flores. Por
volta de 1860, ele comprou o espaço que hoje abrange o atual campo de futebol e seus arredores e, em
1866, a área central da freguesia. Durante trinta anos a cidade ficou restrita a esses setores, onde
predominavam prédios de arquitetura colonial. Não havia iluminação pública, e os esgotos eram jogados
diretamente nos cursos d`água. O quadro começou a se alterar em 1883, com a chegada da ferrovia. Além
de criar uma nova centralidade urbana (o largo da estação), ela trouxe uma gama de materiais importados,
as ruas receberam postes com iluminação a querosene, e a cidade ganhou seu primeiro prédio de caráter
monumental, a nova Matriz de Santa Thereza D`Ávila, em estilo neogótico (em 1887). A arquitetura das
principais edificações daquele período passou ser representada por um conjunto de residências no estilo
chalé. Cabe registrar que, num documento de 1879, a companhia ferroviária informou que o lugar que
apresentava melhores condições para se tornar a sede da freguesia era a localidade de Taboas.

s/d. José Vieira Machado da Cunha, 1º Barão do Rio das Flores. Foi s/d. Barão da Aliança, primeiro presidente da Câmara,
o maior incentivador do desenvolvimento urbano de Santa Tereza. cargo na época equivalente ao de prefeito. Fonte:
Acervo: Anibal de Almeida Fernandes. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença.

Logo após a emancipação de Valença, a vila de Santa Tereza presenciou uma de suas maiores
intervenções urbanas: a abertura da Rua Leoni Ramos, onde foram construídos, em meados da década de
1890, os prédios da Câmara Municipal e o Fórum/Quartel/Cadeia. Esses acontecimentos se deram num
cenário de grandes mudanças, quando o município abandonou sua vocação de produtor de café para dar
início à pecuária leiteira, o que manteve as propriedades rurais como principal alavanca de desenvolvimento
econômico.

1920. Aspecto da Rua Leoni Ramos, quando apresentava prédios da arquitetura colonial com exemplares
ecléticos. Acervo Museu de História Regional de Rio das Flores.

55
5- Do Café para o Leite.

De acordo com o Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, para o ano de 1900, a
população do município de Santa Tereza era de 18 mil habitantes. Esse dado mostra a força que a zona
rural ainda exercia na economia do município. No entanto, o desflorestamento em grande escala em suas
inúmeras fazendas e um solo demasiadamente explorado pelo café não permitiram que a República tivesse
o mesmo desempenho brilhante da civilização agrária do Império. 43 Foi nessa época que ocorreu a
transição da cultura cafeeira para a pecuária leiteira.

Década de 1910. Sítio Santa Clara, próximo a Taboas. À esquerda o proprietário


João Maurício de Araujo. Acervo Museu de Historia Regional de Rio das Flores.

Esses dados demográficos também explicam a expansão de diversas vilas rurais, novas e antigas, no
município, entre o final do século XIX e o início do XX, entre as quais podemos citar as comunidades de
Porto Velho, com a Capela de São Sebastião e um armazém; Bela Vista (Tapinhoã), com a Capela de São
João Nepomuceno,44 edificada em 1886, cemitério e alguns negócios; Barreiro, com a Capela de São
Lourenço, aberta ao culto em 1907; Paciello, com a Capela de Santo Antônio, edificada em 1900, e
também negócios; Abarracamento, com a Capela de São Pedro, edificada por volta de 1890, e cemitério,
escola, cartório e comércio; Bom Jardim, com a Capela de São João Batista, edificada por volta de 1885,
cemitério e negócios; Cachoeira do Funil, com capela dedicada a São Sebastião (terreno doado em 1903),
estação ferroviária e comércio; Formoso, com a Capela de São Benedito, edificada por volta de 1890, 45 e
comércio; e Torres, com a Capela de São Sebastião (aberta provavelmente em 1887), comércio e escola.

Essas localidades também receberam grande parte dos negros libertos pela Lei Áurea, que, apesar de
continuarem trabalhando nas fazendas, passaram a não mais viver nas proximidades das casas-sedes
(como acontecia nas antigas senzalas). Agora, como ―colonos‖, moravam em residências construídas nas
terras das fazendas ou no entorno das propriedades rurais, onde se localizavam os pequenos povoados. 46

43
Em 1950 o município de Rio das Flores possuía apenas 14,8% da cobertura vegetal de Mata Atlântica, Valença 14,6% e Vassouras
14,0%. Os efeitos da destruição ambiental na região podem ser analisados em: PÁDUA, José Augusto. Um Sopro de Destruição:
Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista (1786-1888). 2. ed. Rio de Janeira: Jorge Zahar Editor, 2004.
44
A Capela de São João Nepomuceno ruiu há um bom tempo. Ela ficava em Tapinhoã.
45
A Capela de São Benedito e as demais construções ao seu redor não existem mais, a primitiva localidade de Formoso acabou
―mudando de lugar‖, para o atual bairro de mesmo nome, próximo ao centro da cidade.
46
A questão foi citada numa obra de referência: “Até o início do subseqüente declínio do café, que deu origem as fazendas de gado e à
produção de laticínios no início do século XX, os fazendeiros de Vassouras empregaram escravos livres tanto como colonos
residentes, como bóias-frias ou como colonos-parceiros cujas famílias espalhavam-se por todos os cafezais sob seus cuidados . . . ―.
STEIN, Stanley J. Vassouras – Um Município Brasileiro do Café. 1850-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. pp 21.
56
1985. Capela de São Sebastião, em Cachoeira 2013. Capela de São João Batista, situada no distrito
do Funil. Acervo: Adriano Novaes. do Abarracamento. Autor: Luiz Fernando Nascimento.

No início da década de 1910, a Estrada de Ferro Central do Brasil encampou diversas companhias
ferroviárias regionais, dentre elas, a Estrada de Ferro Rio das Flores e a União Valenciana. O município de
Santa Tereza (atual Rio das Flores) passou a ser atendido pelo Sub Ramal Valença-Afonso Arinos,
marcando a extinção da primeira seção, ligando Comércio/Sebastião de Lacerda a Taboas. A linha passou
a se conectar com a cidade de Valença e a localidade de Afonso Arinos (atual distrito de Comendador Levy
Gasparian), onde havia um entroncamento com a linha central que seguia para o Estado de Minas Gerais.

1910. Inauguração da ligação da estrada de ferro, entre Valença e Taboas (imagem capturada
em Valença). Imagem cedida por Jorge Iório

Em 1914, a Intendência Municipal encomendou o primeiro projeto para a construção de uma usina
hidroelétrica em Santa Tereza, aproveitando a queda d’água de 38 metros, no ribeirão Manuel Pereira,
denominada Cachoeira São Leandro. Em 1890, Antonio da Silveira Escobar vendeu a propriedade para
Francisco Severino de Carvalho. Em 1918 Francisco Severino vendeu metade da Cachoeira com uma sorte
de terras, no lado esquerdo do ribeirão, aos sócios Antonio Olinto Ribeiro, Galileu Belfort Arantes e Vitor
Garcia. Nesta mesma data os citados sócios adquiriram a outra metade da Cachoeira, em terras da
Fazenda São Francisco, de Vicente Ferreira Sucena como uma área de terras. Cel. Olinto, Major Galileu e

57
Vitor Garcia aproveitando potencial hidroelétrico cachoeira, construiu ali uma usina de força a qual passou
a pertencer a ―Empreza de Força e Luz Santa Thereza‖, que por longos anos serviu parte do Município de
energia elétrica. Por contato a Prefeitura comprava a energia da ―Empreza de Força e Luz Santa Thereza‖,
que com o passar dos anos foi responsável também pelo fornecimento de energia das localidades de
Manuel Duarte, Taboas, Comercio e Cachoeira do Funil.

1937. Casa de força da usina hidrelétrica de Santa Tereza ficava na Cachoeira São Leandro (hoje ela abriga o
balneário municipal). Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

Em 1920, contava o município com 14.389 habitantes e, desses, 4.100 residiam na sede. Entre os anos de
1924 e 1930, alternaram-se, na Prefeitura os seguintes prefeitos: coronel Eurico de Lacerda de Castro e
Ladislau Guedes, em 1924; coronel Victor Garcia, em 1925; Ladislau Rodrigues Guedes, reeleito em 1927;
47
e Manoel Epifânio de Andrade, sogro do governador Manuel Duarte, que teve seu mandato interrompido
por força da Revolução de 1930, que culminou com o golpe de Estado que depôs o presidente da República
Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, impedindo a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pondo
fim à República Velha. O mandato desse ano foi terminado pelo prefeito João de Lacerda Paiva (nomeado
em 30 de novembro de 1930, ficou no cargo até 1932).
No final da década, mais precisamente no dia 27 de dezembro de 1929, a vila de Santa Tereza foi elevada
à categoria de cidade.

47
Manuel de Matos Duarte da Silva nasceu em Rio Bonito – RJ em 01 de novembro de 1877. Estudou na então Capital Federal do Rio
de Janeiro, se dedicando ao jornalismo. Foi Deputado Estadual, Federal (em 1924) e Senador. Em dezembro de 1927 assumiu o
governo do Estado, cujo período terminaria em 1931, mas acabou deposto pela Revolução de 1930. Seu governo foi prejudicado por
uma crise geral, marcada pela agitação entre as candidaturas da sucessão presidencial da República, a baixa do café e a grande
depressão mundial de 1929. Mesmo assim executou obras rodoviárias e construiu a estação da Estrada de Ferro Leopoldina Railway.
Fez obras portuárias em Niterói e Angra dos Reis. O setor de saúde e higiene passou por melhorias, assim como a Instrução Pública.
Durante a sua gestão foi promulgada a nova Constituição do Estado (1928). Era um assíduo freqüentador de Rio das Flores (Santa
Thereza), onde possuía uma casa de verão na Praça defronte à igreja Matriz, que hoje leva seu nome. Viabilizou importantes obras
para o desenvolvimento do município, como a construção de pontes, praças, escolas, estradas e da Fabrica de Tecidos de Malha
Santa Thereza. Em 1930, foi erigido um monumento em sua homenagem na bifurcação das ruas Dr. Getulio Vargas e 17 de Março,
inaugurado em 17 de março daquele ano. Faleceu no Rio de Janeiro em 14 de maio de 1944. Entre as tantas homenagens prestadas
pelo povo rio-florense está a denominação da Praça da Matriz, a escola Publica Estadual e da sede do segundo distrito.
58
s/d. Governador Manuel Duarte. 1925. Estrada de rodagem, entre Valença e Taboas.
Imagens acima, acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

1937. Ponte sobre o Rio Paraíba do Sul em Andrade 2013. A ponte foi substituída por outra, e encontra-se desativada
Pinto servia a atual BR 393. Acervo: Museu de para transporte da rodovia BR 393. Autor: Luiz Fernando Nascimento
História Regional de Rio das Flores.

Naquela época, Santa Tereza ainda era um município essencialmente agrícola, contava com 264
propriedades rurais, dezoito mil cabeças de gado, duas usinas de leite, 43 fábricas de queijo e seis de
manteiga. Os cerca de 04 milhões de pés de café lhe garantia o posto de sétimo maior produtor do Estado
do Rio de Janeiro, condição que deve ter influenciado na instalação da usina de beneficiamento do
Departamento Nacional do Café (DNC) em 1934. Mas em janeiro do ano seguinte (1935), o prefeito João de
Lacerda Paiva divulgou que o quadro econômico era preocupante, em função da queda da produção e do
DNC reter 70% da safra exportável. A pecuária apresentava problemas semelhantes. Segundo o prefeito, o
enfraquecimento dessas atividades causaria o êxodo rural, levando a população para os centros industriais.

Durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (de 1937 até 1945), período caracterizado por centralização do
poder, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo, os prefeitos passaram a ser nomeados, por conta da
suspensão das eleições estaduais e municipais. Nesse mesmo ano, assumiu o cargo de prefeito da cidade
o farmacêutico Mário Augusto Rodrigues, um dos personagens mais proeminentes da história rio-florense,
que ficou na função até 1944, administrando o município com competência e esmero. No ano de 1937,
durante a sua administração, o governo do estado lançou um projeto polêmico, que previa extinguir o
município, anexando-o ao vizinho Paraíba do Sul. Nunca, na história, houve tamanha mobilização dos
teresenses em prol da autonomia política de sua terra, graças ao empenho do prefeito Mário Rodrigues e o
apoio dos vereadores José Leite Guimarães (presidente da Câmara), José Carlos Belfort Garcia, Armando
Valle, Olympio Telles, José Dutra Navarro, José da Costa Fraga e João Simões Ferreira.
59
s/d. Prefeito João Lacerda Paiva. CASTRO, Maria s/d. Dr. Fausto Alexandre Alves de Souza, juiz; Dr. Gilberto Garcia
Werneck de. No Tempo dos barões: Historias do Fonseca, promotor; Mario Augusto Rodrigues, prefeito; coletor
apogeu e decadência de uma família fluminense no estadual; Antonio Gonçalves Baranda; Humberto Tavolaro, coletor
ciclo do café. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2004. P.189. federal; Luis Pereira de Carvalho, Cyro Medeiros, escrivão do cartório
do 1º Oficio. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores.

s/d. Vagão do trem, estampando campanha pela


autonomia municipal: faixa estendida no vagão da
ferrovia. Acervo Museu de História Regional de Rio das
Flores.

O movimento teve o reforço e o apoio incondicional do ex-governador Manuel Duarte, que, graças ao seu
prestígio político junto ao então governador do estado, Heitor Barcelos Collet, conseguiu impedir a proposta
de extinção do município. Mário Rodrigues elaborou um minucioso dossiê sobre todo o processo, e este
precioso documento encontra-se no arquivo do Museu de História Regional de Rio das Flores. Aquele
período registrou uma forte queda no contingente populacional de Santa Tereza, que em 1940 totalizava
7.720 habitantes, sendo 1.238 nas áreas urbanas e 6.482 na rural.48

Outra situação polêmica ocorrida durante sua administração foi a alteração do nome do município, de Santa
Tereza para Rio das Flores, em face da deliberação do Conselho Nacional de Geografia, que encarregou as
Comissões Estaduais de Divisão Administrativa de revisarem as nomenclaturas das cidades e de
modificarem o nome daquelas que tivessem a mesma denominação, sendo que a localidade mais antiga
manteria o nome. Por sugestão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi indicado, como novo nome
para o município de Santa Tereza, ―Município de Mafalda‖, em homenagem à Marquesa de Valença, D.

48
Sinopse Estatística do Município de Rio das Flores (ex-Santa Tereza). IBGE, Rio de Janeiro, 1948, pag 17.
Fonte: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/164/se_rj_rio_das_flores.pdf>, acessado em agosto de 2013.
60
Ilídia Mafalda de Souza Queiroz, senhora da Fazenda das Coroas, localizada na divisa com o município de
Valença. Através do Ofício nº 103/43, endereçado ao Dr. Cristóvão Leite de Castro, secretário do Conselho
Nacional de Geografia, o prefeito Mário Augusto Rodrigues expõe sua discordância em relação ao nome
sugerido, bem como justifica que a ilustre marquesa nada tinha a ver com a história do município.

No mesmo ofício, Mario Rodrigues sugere os seguintes nomes: Rio das Flores, Paraíso das Flores,
Paraisópolis ou simplesmente Paraíso. Os dois primeiros faziam uma referência ao Rio das Flores, curso
d’água que corta o município de leste a oeste,49 e os dois últimos, à Fazenda do Paraíso, importante
propriedade agrícola da história do município e que pertenceu ao Barão da Aliança, grande líder político da
cidade e primeiro chefe do Executivo. Por força do Decreto Estadual nº 1.056, de 31 de dezembro de 1943,
o Conselho Nacional de Geografia optou pela primeira indicação do prefeito Mario Rodrigues.50

As décadas de 1930/40, na bacia leiteira do Vale do Paraíba, viram surgir as cooperativas agropecuárias,
com o objetivo de controlar o mercado do leite, cada vez mais competitivo. A primeira cooperativa formada
no Estado do Rio de Janeiro foi no município vizinho de Valença, a Cooperativa de Laticínios São
Sebastião do Rio Bonito, em 1936. Em 19 de julho de 1942, no salão das sessões da Câmara Municipal de
Rio das Flores, foi fundada a Cooperativa Agropecuária de Santa Tereza, hoje com o nome alterado para
Cooperativa Agropecuária de Rio das Flores. Foram adquiridas pela sociedade as antigas instalações da
extinta Fábrica de Tecidos e Malhas Santa Thereza, onde passou a funcionar a sua usina de leite. Aos
poucos, a empresa se desenvolveu, com a ampliação de suas instalações, e acabou por incentivar o
crescimento urbano dos arredores de Rio das Flores, como aconteceu com o bairro de Fátima,
popularmente conhecido por ―Buraco Quente‖.

s/d. Panorâmica da cidade. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores - RJ.

49
O Rio das Flores nasce em Ipiabas (distrito de Barra do Piraí-RJ), após passar pelo município de Valença, ele adentra no de Rio das
Flores, seguindo pela área rural do 1º Distrito até chegar ao distrito de Manuel Duarte-RJ, onde ele deságua no Rio Preto.
50
Transcrição do Oficio da Prefeitura Municipal de Rio das Flores – Santa Tereza, nº 103.43, de 11 de maio de 1943. Acervo: Museu
de História Regional de Rio das Flores.
61
Durante a década de 1970, a produção média da usina era de 20 mil litros de leite por dia, gerando grandes
lucros e possibilitando, inclusive, a construção de uma nova usina em 1977, em substituição à antiga sede
da fábrica. Nessa época, através de seu presidente, José Benedito Machado, a cooperativa passou a ser
filiada à CCPL (Cooperativa Central de Produtores de Leite), com sede em São Gonçalo-RJ.51

1943. Panorâmica da cidade, pela estrada do Abarracamento. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores - RJ.

O maior entrave para o desenvolvimento econômico do município, nas décadas de 1940/50, foi, sem dúvida
nenhuma, a limitação de energia elétrica, com a impossibilidade de ampliação da usina hidroelétrica da
Cachoeira São Leandro. As décadas subsequentes foram marcadas pela eficiente administração do prefeito
José Dutra Navarro, que foi eleito em 1950 e em 1959, pela segunda vez, retirando-se da vida política em
1963. Atendendo ao apelo do povo rio-florense, ele conseguiu, junto ao então governador Amaral Peixoto, a
construção da linha de transmissão da Light, de Valença até Rio das Flores, que alcançou Taboas em 1954.
No entanto, não conseguiu fazer chegar até o restante do município. Numa tentativa de tentar melhorar o
potencial energético, a prefeitura adquiriu, em 1957, através do prefeito Paulo Valente, a antiga usina, mas
as melhorias se limitaram à ampliação da linha de transmissão.

6 - O asfalto substitui a estrada de ferro – Da zona rural para as áreas urbanas

O asfalto substitui a estrada de ferro

Em meados da década de 1960, o município perdeu a ferrovia, incluída no processo de erradicação de


ramais deficitários, empreendido pela Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). No mesmo período, durante o
governo do prefeito Jaime de Souza Ferreira, se deu a ampliação da linha da antiga usina (construída em

51
MACHADO, Myleide Meneses de Oliveira. Crescimento e crise da pecuária leiteira: um estudo de caso da Fazenda do
Travessão de Baixo e da Cooperativa Agropecuária de Rio das Flores 1970-1980. Artigo apresentado no curso de História da
FAVIVA de Valença-RJ. Valença. 2008.
62
1957), que conseguiu comprar energia da Light por intermédio de sua autarquia de Força e Luz, conquista
que foi muito festejada na cidade. Foi resolvido o problema de energia elétrica, mas com prejuízo financeiro
para a Prefeitura Municipal. Em 1972, no governo do prefeito Hilton Dutra Navarro, foi realizada a
transferência da concessão de distribuição para a Light, e, com isso, ocorreu o fechamento definitivo da
antiga usina e a substituição de toda a linha de transmissão.

Perfil da estrada de ferro que cortava o município de Rio das Flores, com os respectivos pontos de embarque e desembarque
(estações e paradas) que existiram durante o funcionamento do trajeto. Autoria: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Em 1975 a antiga usina foi demolida, por conta dos escombros provocados pelas implosões na pedreira
lateral, ocorrido durante as obras de alargamento e asfaltamento da RJ-145, rodovia que se encontra com a
RJ 151 na entrada da sede do distrito de Manuel Duarte, formando a via de acesso rodoviário mais utilizado
do município, que passa por Taboas, Rio das Flores, Cachoeira do Funil, Manuel Duarte, Santa Rosa e Três
Ilhas – localidades anteriormente atendidas pela extinta linha férrea. A exceção de Rio das Flores, as
demais não possuem até hoje um terminal rodoviário compatível com as antigas estações ferroviárias.

63
1950. Casa de força da antiga usina, na Cachoeira
São Leandro (atual balneário municipal). Acervo
Museu de História Regional de Rio das Flores.

O traçado da estrada formada pelas rodovias RJ-145 e RJ-151 aproveitou trechos das estreitas vias de piso
de terra e da extinta linha do trem. Contando com possantes máquinas, as obras não consideraram as
particularidades geográficas, culturais e ambientais locais e promoveram um grande movimento de terra,
por meio de cortes em morros e aterros, causando mudanças significativas na própria estrutura e na
paisagem urbana das localidades cortadas por ela. A cidade-sede foi a menos impactada, pelo fato de a via
não ter adentrado seu núcleo central. Em Taboas, o leito do trem foi abandonado, e o asfalto seguiu pelas
ruas Olier Freitas da Silveira e Walker Machado Mynssen. Em Manuel Duarte, foi aberta uma jazida de
saibro no alto de um morro, causando um impacto negativo na paisagem local. Além disso, seu perímetro
urbano foi o que mais sofreu movimentação de terra. Cachoeira do Funil, Santa Rosa e Três Ilhas passaram
por intervenções semelhantes (corte de morros e aterro da via), mas em menor escala.

Da zona rural para as áreas urbanas.

1899. Detalhe de uma nota do armazém que havia em São Benedicto de Formoso. A localidade rural (que possuía capela dedicada
a S. Benedicto) foi extinta, “deslocando-se” para o atual bairro do Formoso. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelo êxodo rural, levando muitas das antigas comunidades
rurais ao completo desaparecimento. Na década de 1990, o IBGE apontou Rio das Flores como o
município menos populoso do estado, contando com 6.460 pessoas, apesar de as autoridades, na época,

64
afirmarem que ele tinha pouco mais de 7 mil habitantes. O assunto foi abordado num dos principais jornais
52
do país. Naquele período, a prefeitura começou a implantar os conjuntos habitacionais, tanto na cidade-
sede quanto nos distritos e demais localidades.

Além dessas ações do Poder Público, as pessoas adquiriram lotes nos bairros para construir suas casas,
muitas situadas nas localidades atendidas pela via formada pelas rodovias RJ-145 e RJ-151. Nesse caso,
ocorreu um grande crescimento na localidade de Santa Rosa. Nota-se que, desde então, a população do
município de Rio das Flores foi se adensando nas áreas urbanas, que concentravam, segundo o Censo
Demográfico 2010, 69% da população do município, que somava ao todo 8.561 habitantes.

Décadas de 1990 e 2000. Construção de alguns conjuntos habitacionais. Acima os bairros José Dutra Navarro e Sossego (cidade
sede). Abaixo no bairro do Formoso (cidade sede) e o da localidade de Três Ilhas. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

O esvaziamento da área rural pode ser comprovado quando se viaja pelas estradas vicinais do município,
53
onde se observam diversas residências à beira das vias de piso de terra ou em grotões mais distantes.
Geralmente vinculadas a alguma propriedade (fazenda ou sítio), a maioria dessas moradias encontra-se
abandonada ou em estado de arruinamento. Trata-se de típicos exemplares de arquitetura vernacular,
representantes de um modo de vida dos colonos, que perdurou durante décadas, tanto em Rio das Flores

52
Fonte: GUEDES, Octavio. Rio das Flores, a cidade que se esqueceu de crescer.Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de
1992. 1º Caderno, p 27. A seguir, trechos da matéria publicada: . . . Seus habitantes caberiam em três barcas que fazem a ligação Rio-
Niterói . .
DP, policiais revelam que o índice de criminalidade é o menor do estado. No inverno, quase não há
trabalho, mas, no verão, a violência experimenta um boom: são furtos de patos, galinhas e brigas de marido e mulher, com uma média
de três ocorrências por mês. . . Marco Antônio da Silva, de 20 anos, acusado de furtar uma bicicleta, espera pela liberdade. “Eu juro
que não queria roubar”, afirma ele. Em outra cela, uma mulher cumpre pena por ter furtado duas colchas.
53
CASTRO, Elza Maria Neffa Vieira de. Desenvolvimento e Degradação Ambiental – Um Estudo na Região do Médio Paraíba do
Sul. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Instituto de Ciências Humanas e Sociais (Tese de Doutorado). Seropédica-RJ:
2001, pgs. 110 e 111. Apesar de apresentar pequenas divergências com relação aos números do IBGE (citados no presente
inventário), registramos aqui os dados que essa obra compilou do Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro (CIDE, 1998):
“População residente do município de Rio das Flores entre 1940 e 1996‖ - 1940-1950: 7.720; 1950-1960: 8.132; 1960-1970: 8.238;
1970-1980: 7.183; 1980-1991: 6.866; 1991-1996: 6.451 e 1996: 6.635. Na página 110, a obra cita que, em 1991, havia um equilíbrio
entre moradores das áreas urbana e rural (60% contra 40%). Em 1996, eram 72% de pessoas na área urbana, e 28% no campo.
65
quanto nos municípios vizinhos. Sua implantação levava em conta a presença de uma nascente d´água
(caso não houvesse, seria preciso furar um poço). São casas térreas, assentadas sobre base próxima ao
chão, feitas de pau a pique, tijolo maciço ou furado, com cobertura em duas águas, sendo que uma delas
costuma apresentar uma pequena extensão, conhecida como ―asa de galinha‖, possuindo trama de madeira
roliça e telha de barro capa e bica. A distribuição mais comum compreende sala, três quartos (para o casal,
os filhos e as filhas) e cozinha. Banheiro foi uma melhoria que surgiu a partir das décadas de 1960 e 1970,
assim como piso cimentado (antes era de terra batida) e água canalizada. Também não havia luz elétrica. O
fogão era de lenha, móveis eram poucos. Em muitas delas havia um terreno com área suficiente para
cultivar uma horta, manter um pomar de árvores frutíferas e criar alguns animais, como galinhas e porcos.

Diferentemente do que predominou na era cafeeira, em que as estruturas ficavam concentradas próximo à
casa-sede (modelo denominado quadrilátero funcional), no período da pecuária leiteira as casas de colono
ficavam distribuídas no território das fazendas e muitas chegavam a ter dezenas delas. Importante salientar
que a concentração de residências não levou à formação de núcleos urbanos, conforme havia ocorrido
anteriormente, no entorno dos pousos de tropas e das capelinhas existentes no território do município.

Unidade habitacional de Cachoeira do Funil (inaugurado na década de 1990) e de Três Ilhas, sem varanda frontal (década
de 2000). Estes modelos e suas respectivas variações vêm sendo adotado pela prefeitura desde os primeiros conjuntos.

Casas de colonos em estado de abandono, existentes na área rural do distrito de Manuel Duarte.
Conjunto de imagens acima: anos 2013 e 2014. Autor: Annibal Affonso Magalhães da Silva

O quadro atual das fazendas e das localidades rurais muito se deve ao enfraquecimento da produção
leiteira, que causou efeitos, como o fechamento das mais representativas construções desse ciclo
econômico dentro da área urbana do município: o laticínio Luso-Brasileiro (em Manuel Duarte-RJ, que
substituiu a antiga firma Olyntho, Belfort & Garcia) e a Cooperativa Agropecuária de Rio das Flores, situada
na cidade-sede.

66
1933. Timbre da antiga usina, substituída
pelo Luso Brasileiro. Acervo: Museu 2012. Instalações do laticínio Luso Brasileiro, no distrito de Manuel Duarte-RJ,
História Regional de Rio das Flores. que absorvia a produção leiteira da região. Autor: Annibal Affonso M. Silva.

Instalações da Cooperativa Agropecuária de Rio das Flores, já desativada e servindo como da prefeitura. A última imagem
corresponde a fachada da antiga fábrica de Malhas Santa Thereza, que fica no terreno. Autor: Annibal Affonso M. Silva

67
O Brasão de Armas e a Bandeira do Município
Fonte: Livro de Decretos e Deliberações nº 03/folhas 85V e 86/Câmara Municipal de Rio das Flores.

A Câmara Municipal de Rio das Flores decreta o seguinte:


Fica instituído o Brasão de Armas e a Bandeira do município de Rio das Flores, cujo modelo apresenta a
presente deliberação:
O Brasão de Armas é constituído dos seguintes símbolos:
Escudo dividido por eixo vertical e outro horizontal:
quadrante superior direito de cor verde, tendo uma cruz representando a religiosidade da fé;
quadrante inferior direito de cor amarela, com um livro e uma pena que representam o ensino;
quadrante inferior esquerdo de cor vermelha, com a figura de um boi representando a pecuária na
região;
quadrante superior esquerdo de cor azul celeste, com um desenho que representa as serras do
município e um curso d’ água simbolizando o Rio das Flores;
um escudo, encimado por cinco (5) torres, tendo,do lado direito, um café e, do lado esquerdo, um
ramo de cana-de-açúcar, representando os ciclos econômicos da História;
uma faixa em estilo heráldico, na parte inferior, contendo o nome do município e as datas de sua
fundação (1890) e de elevação à categoria de cidade (1929).

Chefes do Poder Executivo de Rio das Flores


1890-Barão da Aliança; 1891-Barão de Ipiabas; 1892-Antonio José Machado; 1893-Manoel Vieira da Cunha
e Silva; 1894-Dr. Carolino Leoni Ramos; 1895-Dr. João Alves Montes; 1896-Dr. Carolino Leoni Ramos;
1898-José Pereira da Costa Maldonado; 1899-Vicente Augusto Rodrigues; 1900-Luiz Garcia Bastos; 1901-
Dr. Luiz Lopes Domingues; 1904-Barão da Aliança; 1906-Barão da Aliança; 1907-Barão da Aliança; 1912-
Antonio Simões Pires Condeixa; 1913-Antonio Simões Pires Condeixa e José Vieira Machado da Cunha;
1915-Padre Francisco Aquafreda; 1916-Antonio Simões Pires Condeixa; 1917-José Vieira Machado da
Cunha; 1918-Antonio Simões Pires Condeixa; 1919- Dr. César Du Val Villares; 1924-Eurico de Lacerda de
Castro e Ladislau Guedes; 1925-Victor Garcia; 1927-Ladislau Rodrigues Guedes; 1930-Manoel Epfânio de
Andrade e João de Lacerda Paiva; 1931-José Marcelino do Valle; 1932-João de Lacerda Paiva; 1937-
Manoel Moreira de Almeida e Mario Augusto Rodrigues; 1944-José Luiz Sutter; 1945-Jovino Machado
Jordão; 1946-Rubens de Souza; 1947-Moacir Sucena César e Paulo Valente; 1951-José Dutra Navarro;
1955-Paulo Valente; 1959-José Dutra Navarro; 1963-René Lemos Suzano e Jayme de Souza Ferreira;
1966-José Vigorito de Almeida; 1967-Eurico Barbosa de Castro; 1971-Hilton Dutra Navarro; 1973-Benedito
Machado da Fonseca; 1977-Luis Carlos Henriques; 1983-Hilton Dutra Navarro; 1989-Elias Kalil Ristum;
1993-Vicente de Paula de Souza Guedes; 1997-Elias Kalil Ristum; 2001-Vicente de Paula de Souza
Guedes; 2005-Vicente de Paula de Souza Guedes e Luis Carlos Ferreira dos Reis; 2009- Luis Carlos
Ferreira dos Reis; 2013-Soraia Furtado da Graça.
68
FICHAS DE INVENTÁRIO.

69
Mapa elaborado a partir de modelo original da prefeitura - ―Mapa de Localização das escolas do município de Rio das Flores‖,
Ano de 1995. Acervo: PMRF. Digitalização: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

70
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Centro Histórico de Rio das Flores

Localização: Município:
Cidade sede de Rio das Flores. Rio das Flores

Época de formação:
Meados do século XIX.

Proteção existente:
Lei Complementar 098/2008 (Institui o Plano Diretor Participativo
de Rio das Flores) - Titulo XII (do Patrimônio Histórico e Cultural),
Art 35: “Fica criado o Corredor Cultural, área de preservação
paisagística, histórica e ambiental da Cidade de Rio das Flores,
acompanhando a Rua Dr. Leoni Ramos até a Matriz de Santa
Thereza D’Ávila.”

,
.
1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

71
Situação e ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth. Fevereiro de 2013. f02

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro de 2013. f03

A cidade de Rio das Flores fica situada na região do Médio Paraíba fluminense e sua geografia caracteriza-
se pelos morros em formato meia laranja, a maioria tomados por uma rala pastagem e grotões com
remanescentes de Mata Atlântica. Existem dois acessos principais para se chegar à cidade: a rodovia RJ-
145, que, a partir de Barra do Piraí, cruza a BR-393 e segue em direção a Valença, cidade que fica 16
quilômetros antes de Rio das Flores. O outro caminho é pela BR-040, que atende os arredores da Zona da
Mata mineira, como Juiz de Fora, e a região fluminense onde se situam cidades como Três Rios e
Petrópolis. Acessa-se, então, a rodovia federal (BR-040), seguindo depois pela via que leva até duas
pequenas localidades ribeirinhas, separadas pelo Rio Paraibuna: Paraibuna e Mont Serrat (pertencentes
aos municípios de Simão Pereira-MG e Comendador Levy Gasparian-RJ, respectivamente). Neste ponto,
adentra-se a RJ-151 e, cerca de 30 km à frente, fica o distrito rio-florense de Manuel Duarte, de onde a
viagem continua pela RJ-145, faltando apenas mais 11 quilômetros para se chegar à sede do município.
Há também a rodovia RJ-135, uma estrada de terra que está sendo asfaltada e que conduz ao distrito do
Abarracamento, onde encontra a BR-393, conhecida como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do Aço, nas
margens do Rio Paraíba do Sul, bem próximo a localidade de Andrade Pinto (pertencente a Vassouras).

72
Delimitação da Área Urbana

f04

O principal eixo viário da cidade é a RJ-145, uma rodovia estadual que foi implantada sobre o trajeto da
linha férrea, desativada na década de 1960 (f04). Ela dá acesso às cidades vizinhas e até mesmo à maioria
das localidades do município, como Taboas, Manuel Duarte, Cachoeira do Funil, Santa Rosa e Três Ilhas.
Dentro da área urbana de Rio das Flores, a rodovia assume a função de via arterial, fazendo a conexão
com alguns bairros, como Sossego, Elizabete, Bairro de Fátima e Formoso, e com o núcleo central da
cidade. Este, por sua vez, é delimitado por um dos principais elementos geográficos a percorrer o território,
o Córrego Manuel Pereira, que nasce próximo a Taboas,1 e vai desaguar no Rio Preto, na localidade de
Manuel Duarte. A ligação do núcleo central com a estrada asfaltada é feita por duas pontes de concreto,
situadas na Rua Coronel Ladislaw Guedes (f05-nas proximidades da antiga estação ferroviária), e na Rua
Capitão Jorge Soares, que leva à Praça Coronel Sucena (f06).

f05 f06

A parte da cidade que foi analisada neste fichamento compreende seu núcleo urbano primitivo, aqui
demarcado pelas quatro pontes existentes na parte central da cidade: as duas anteriormente citadas, sobre
o Córrego Manuel Pereira – Ponte da Amizade, na Rua Capitão Jorge Soares (f06 e f07), e Ponte do
Trabalho (f08), na Rua Coronel Ladislaw Guedes, onde encontra-se o prédio do Departamento Nacional do
Café, hoje ocupado pela Secretaria de Obras (f05), e as situadas sobre o Córrego dos Ingleses – Ponte da
Sabedoria, na Rua Eurico de Castro (f09), e Ponte dos Amores, no início da Rua Dr. Leoni Ramos (f10).
É preciso salientar que esses cursos d‟água tiveram seu leito natural retificado por estruturas de concreto
armado (f06 e f07). O estudo abrange também a antiga esplanada ferroviária (atual Av. João de Lacerda
Paiva), englobando a estação de trem e os prédios à sua frente (f04).
Nota: Ver mapas nas paginas seguintes (f14 e f15), demarcando o perímetro em estudo.

1
A fonte que registra a nascente do córrego Manuel Pereira dentro do município de Rio das Flores é o mapa Rodoviário do Município,
confeccionado em 1995 pela Prefeitura.
73
Delimitação da Área Urbana

f07 f08

f09 f10

Rio das Flores conserva uma típica paisagem urbana interiorana, com maioria das construções integrando-
se aos morros que contornam a cidade. Esse perfil se deve à distribuição esparsa nos terrenos (mantendo
seus antigos quintais com arvoredos) e ao baixo gabarito das edificações, em que predomina unidades de
andar térreo (f11 e f12).

f11

Ao atravessar as duas pontes sobre o Córrego Manuel Pereira, adentra-se o núcleo que marca o início da
formação urbana da cidade e que congrega residências, comércio, órgãos públicos, escolas, delegacia de

74
Delimitação da Área Urbana

policia, fórum de justiça, áreas livres (como o campo de futebol) e os espaços do parque de eventos. A este
conglomerado ligam-se dois bairros: o Conjunto Habitacional José Dutra Navarro, que abriga o CIEP, e o
bairro dos Ingleses, onde está localizado o Hospital Dr. Luiz Pinto.

f12

A calha secundária do Córrego dos Ingleses é ocupada por lotes particulares, pelo parque de eventos e
pelo campo de futebol, a do Córrego Manuel Pereira recebeu as ruas onde se deu a formação das primeiras
construções que compõem o núcleo embrionário. O sítio urbano é complementado pelos imóveis
implantados no sopé dos morros voltados para a cidade e por uma parte elevada, que, além de dividir as
calhas dos dois cursos d‟água, abriga a Matriz de Santa Thereza D‟Ávila, o Centro Cultural, algumas
residências e o cemitério (f13).

f13

75
Delimitação da Área Urbana

f14
Mapa do centro da cidade de Rio das Flores, as ruas abrangidas no estudo estão demarcadas na cor cinza. Os imóveis
destacados em vermelho receberam fichamento individual no presente trabalho. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

76
Delimitação da Área Urbana

Imagem gerada pelo Google Earth, fevereiro de 2013. f15

77
Análise Urbana e Arquitetônica

A presente análise enfocou, dentro do contexto urbano, a parte externa e visível das edificações. O setor da
antiga esplanada da ferrovia, denominada Avenida João de Lacerda Paiva, mantém um valioso tratamento
urbanístico, com as vias separadas por canteiros centrais (f04). Vale destacar as instalações situadas
poucos metros antes, próximas à entrada do bairro de Fátima. Trata-se da Cooperativa Agropecuária de Rio
das Flores (fundada em 1942), que se encontra desativada (f16 e f17) e um prédio em ruínas, da fábrica de
Malhas Santa Thereza (fotos 18, 19 e 105 - construído na década de 1920.
A antiga estação ferroviária da cidade (f20) aparece à esquerda, e as construções geminadas implantadas
na outra extremidade da via formam um corredor de andar térreo, conservando a modenatura das antigas
lojas. Algumas delas mantiveram o seu uso comercial, continuando com as portas voltadas para o
logradouro público (f21). Pouco antes do pátio da estação, bem na esquina de uma pequena via
denominada Ladeira Conceição Cardoso (f22), que leva à igrejinha de Nossa Senhora Aparecida (f23), fica
a casa do agente ferroviário e uma residência em estilo eclético (f24).

f16 f17

f18 f19

f20 f21

f22 f23 f24


78
Análise urbana e arquitetônica

f25 f26

Alguns metros à frente da estação, na confluência da rodovia com a Rua Coronel Ladislaw Guedes, está
implantado o galpão que pertencia ao DNC (Departamento Nacional do Café), hoje de uso da prefeitura. O
prédio principal tem uma planta retangular e sua volumetria se destaca no conjunto (f25 e f26).
O restante da estrutura viária fica instalado à direita do Ribeirão Manuel Pereira. Trata-se de uma série de
vias que se interligam na malha urbana, comportando o trânsito de veículos em mão dupla: a Avenida
Getúlio Vargas, as ruas 17 de Março, Desembargador Aniceto Medeiros de Correa e Dr. Leoni Ramos e o
largo formado no entorno da Igreja Matriz. Todas essas ruas são calçadas por blocos de pedra de formato
retangular (paralelepípedo-f27 e f28). Os terrenos que marcam a confluência das vias utilizadas no tráfego
foram aproveitados como áreas públicas, agregando e valorizando o ambiente urbano da cidade: uma
pequena nesga de terra, no encontro das ruas Coronel Ladislaw Guedes e 17 de Março e da Avenida
Getúlio Vargas; e duas praças, ladeadas por ruas que privilegiam a convivência, denominadas Coronel
Sucena e Santos Dumont, ambas arborizadas, com mobiliários, equipamentos e calçada revestida com
pedra portuguesa.

f27

Na confluência da Rua 17 de Março com a Avenida Getúlio Vargas (f27), fica o monumento que
homenageia o governador Manuel Duarte. Na base, há um bloco de alvenaria, onde foi instalada uma placa
com o perfil em alto-relevo do ilustre político, tendo gravado o ano de 1930 (f29). Abaixo dela consta fixada
a data de “15-10-1957”, possivelmente relacionada a alguma reforma. No cume do pedestal, fica uma
estátua; de cor prateada; sua mão direita segura um buquê de flores, e a esquerda empunha uma tocha
(f30 e f31). Uma obra pesquisada a denominou de “Deusa do Café” 2. O marco ganhou um canteiro frontal,
devido ao seu formato o local passou a ser conhecido popularmente como “bico de navio”.
2
As referencias sobre a estátua são vagas. Não se sabe quando foi instalada. O nome de “Deusa do Café” é citado na seguinte
publicação: IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói – RJ: Imprensa
Oficial, 1990. pag. 13.
79
Análise Urbana e Arquitetônica

f28 f29

f30 f31

A Avenida Getúlio Vargas possui imóveis em ambos os lados da rua, mantendo o uso residencial e
comercial (f32). Esta via é a principal referência nas transformações arquitetônicas ocorridas na cidade,
abrigando em sua extensão construções de diversas épocas. A memória urbana está representada, de
maneira esparsa, numa gama de imóveis, edificados em períodos distintos, fruto das renovações ocorridas
durante o passar do tempo, compreendendo os três ciclos construtivos que caracterizam a arquitetura
brasileira: o uso do pau a pique, do tijolo queimado e do concreto armado. Tal mudança no contexto urbano
vem se repetindo há décadas. Como exemplo, tem-se o caso de uma residência típica da década de 1970,
demolida há alguns anos para dar lugar a um prédio de dois andares com fachada frontal envidraçada (f33).

f32

Do século XIX, quando era uma freguesia de Valença, a cidade conserva uma casa térrea de arquitetura
colonial (f30). Há também duas residências geminadas em estilo chalé (f34 e f35), sendo que uma
apresenta a fachada descaracterizada, mantendo a volumetria original. A segunda, preservada, conserva as
esquadrias e o óculo sobre o frontão, elemento típico daquela arquitetura (f35).
Os prédios ecléticos correspondem ao período das décadas de 1910 e 1930 (f37 e f38). Apesar de
manterem a volumetria original e alguns elementos decorativos típicos de sua arquitetura (como platibandas
e frisos), suas fachadas foram descaracterizadas, principalmente pelo fechamento dos vãos e alteração das
esquadrias. Apenas um exemplar manteve, de forma íntegra, sua arquitetura da época (f38).
80
Análise Urbana e Arquitetônica

f33 f34

f35

f36

Prédios ecléticos, com as fachadas descaracterizadas. f37 Casa com a fachada eclética. f38
81
Análise Urbana e Arquitetônica

A avenida apresenta, em sua extensão um casario térreo edificado nas últimas décadas, e que utiliza
materiais que remetem à arquitetura colonial, como esquadrias de padrão comercial encontrado no mercado
de materiais para construção. O aumento do gabarito (f39) é uma das principais modificações pelas quais a
área central vem passando, situação que vem ocorrendo em muitas cidades interioranas.

f39

f40

Ainda em relação a essas transformações, observa-se que na esquina da Avenida Getúlio Vargas com a
Rua Capitão Jorge Soares foi instalado um posto de gasolina (f48). Na outra extremidade, destaca-se o
prédio mais alto da cidade, que abriga comércio no térreo e, na parte superior, quartos de hospedagem. A
via à sua frente contorna a Praça Coronel Sucena, que data dos primórdios da cidade, com o nome de
Largo da Cadeia, e que mantém no seu entorno a atividade comercial. As construções que a rodeiam
possuem apenas um andar (fotos 41, 43 a 48). Percebe-se a mescla de estilos, fruto das interferências em
suas arquiteturas, ocorridas durante os anos, algumas resultantes de reformas na fachada.
Na proximidade da praça fica o prédio do Grupo Escolar (f42),3 um belo exemplar da arquitetura eclética,
estilo que se difundiu na cidade nas décadas de 1920 e 1930.

f41 f42

3
O prédio do Grupo Escolar recebeu um fichamento específico neste inventário.
82
Análise Urbana e Arquitetônica

f43

f44

f45 f46

f47 f48

83
Análise Urbana e Arquitetônica

A via que contorna a praça também dá acesso à escadaria do Largo da Matriz (f49 e f50), em sequência
segue a Rua Aniceto de Medeiros. À esquerda, está situado o prédio que serve atualmente como agência
dos Correios, anteriormente utilizado pela companhia de energia local, instalada em 1918 (f51 e f98). Mais à
frente, encontra-se o principal exemplar da arquitetura em estilo chalé existente na cidade, construído em
fins do século XIX. Ele guarda elementos típicos, como o pequeno avarandado lateral, janelas com folhas
de veneziana, óculo no frontão, lambrequins contornando o beiral e telhas francesas (f52). Bem próximo, há
uma casa de linhas ecléticas. Sua platibanda tem estampada, em alto-relevo, o nome como ficou conhecida
e o provável ano de sua construção (f53 e f54).

f49 f50

f51 f52

f53 f54

A Praça Santos Dumont (f55) fica logo à frente, ladeada por ruas de paralelepípedos, com formato
triangular, destacando-se, ao centro, um pedestal com um busto de bronze do Pai da Aviação (f56). A via
em aclive leva até o adro da Matriz de Santa Thereza D‟Ávila (f57), estando integrada à Praça Manuel
Duarte, que apresenta um cuidadoso tratamento paisagístico. O local conserva uma residência da formação
84
Análise Urbana e Arquitetônica

primitiva da cidade (f58). A rua que contorna a praça possui uma balaustrada de alvenaria e se conecta a
outros locais, havendo duas vias propícias ao uso de pedestres: a Rua Humberto Tavolaro e a bucólica
Ladeira da Matriz, que se inicia na escadaria situada de frente para a Praça Coronel Sucena (f49 e f50).

f55 f56

f57 f58

f59
85
Análise Urbana e Arquitetônica

O conjunto arquitetônico mais expressivo da cidade situa-se na Rua Dr. Leoni Ramos, onde se destacam o
antigo Fórum Quartel Cadeia e o edifício da Câmara Municipal, exemplares de porte monumental,
representantes do rico patrimônio legado pelo apogeu do café nesta região. Construídos para abrigar os
poderes do município, eles mantêm uma escala harmoniosa, dando imponência a esse trecho da rua (fotos
60 a 64).

f60

Juntamente com a Matriz de Santa Thereza D‟Ávila, eles são os bens arquitetônicos que mais se destacam,
sendo citados por Max Vasconcellos, há cerca de oitenta anos, quando a cidade possuía cerca de 1.800
habitantes: “Villa pequena e pitoresca com cerca de 100 prédios . . . entre os seus edifícios destacam-se a
matriz, graciosamente situada, a Câmara e o Fórum, estes últimos de construção moderna e elegante” 4. Ao
longo do tempo, ambos acabaram ficando circundados por outros prédios, como a atual sede da prefeitura
municipal, o Ginásio Santa Thereza, o Posto de Saúde (f62) e a Rodoviária Major Galileu, que explora as
potencialidades do concreto armado (f67).5

f61 f62

Entre o antigo Forum (f61) e a Câmara Municipal (f62) situa-se a Praça da Bandeira (f65 e f66), um valioso
espaço urbano, que conserva o desenho de seus jardins e as árvores topiadas. Analisando uma imagem
histórica, percebe-se que ela mantinha uma conexão com a Rua Leoni Ramos e com os prédios envoltórios
(f100). Na outra extremidade da praça havia uma escadaria, dando acesso aos espaços hoje ocupados pelo
parque de eventos e pelo campo de futebol (estruturas que ocupam um espaço significativo no centro da
cidade).
4
VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha Auxiliar. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional 1935. p. 74-75.
5
Nesse universo de imóveis, ganharam fichamento individual os seguintes bens: Câmara Municipal, Fórum Quartel Cadeia, Matriz de
Santa Thereza D‟Ávila, chalé no Centro de Rio das Flores, Grupo Escolar, antiga casa comercial na Av. Getulio Vargas, conjunto do
Departamento Nacional do Café, estação ferroviária de Rio das Flores e o cemitério da cidade.
86
Análise Urbana e Arquitetônica

f63

A praça teve seus atributos espaciais prejudicados por construções inseridas em suas extremidades de
acesso. No alinhamento com à Rua Leoni Ramos situa-se a rodoviária (f67), cujo bloco formado pela
lanchonete e os banheiros acabou obstruindo sua ligação física e visual com a citada via e com o prédio da
Câmara.
Por ocasião do centenário do município, ocorrido em 17 de março de 1990, a praça ganhou um canteiro
central em formato circular, onde foi colocada uma pedra, contendo uma placa metálica em referencia a
citada data (f65 e f66). Entre as décadas de 1980 e 1990 foi instalada uma quadra poliesportiva nas
imediações de sua escadaria. Ao ser coberta na década de 2000, ela destruiu a escadaria e fechou a visão
do conjunto histórico. A maioria dessas intervenções deixaram a praça desconectada de seu contexto
urbano, prejudicando sua qualidade paisagística e, por conseguinte, o próprio desfrute das pessoas.

f64

f65 f66

87
Análise Urbana e Arquitetônica

f67

f68

O imóvel de número 409 (f68), situa-se próximo a uma das travessias que delimita a área estudada (Ponte
dos Amores-f10). Apesar de conservar alguns elementos do estilo chalé, como a portinhola de madeira no
frontão, sua implantação é típica da arquitetura colonial, com sua fachada mais alongada disposta na divisa
com a calçada, bem como as águas da cobertura e seu beiral. O prédio passou por reformas, sendo que as
esquadrias foram modificadas (f68).
À sua frente fica a Rua João Carvalho da Rocha, onde foram implantados o novo prédio do Fórum de
Justiça da Comarca e o da Delegacia Legal, sendo este último um exemplar de linhas contemporâneas
(f69). A ele junta-se o prédio situado na Rua Eurico de Castro, utilizado pela empresa de energia Light e
pela Prefeitura (f70). Ambos representam a linguagem arquitetônica e adotaram materiais utilizados na
atualidade: estrutura de concreto armado (Light) e chapas metálicas (Delegacia), revestimento em pastilhas
cerâmicas e esquadrias de vidro. A eles, somam-se dois prédios edificados na década de 1990: o Centro
Cultural Prof. Antonio Pacheco Jordão (próximo a Igreja Matriz) e o conjunto do CIEP, que pode ser
colocado entre os prédios de caráter monumental da cidade.

f69 f70

88
Histórico/Evolução Urbana

Histórico/Evolução Urbana:
É possível compreender as transformações que moldaram o quadro arquitetônico e urbanístico da cidade
de Rio das Flores através de uma leitura que abrange sua evolução em momentos distintos, destacando a
forma como sua arquitetura foi sendo produzida e empregada em cada época e qual a sua relação com a
estrutura urbana em que foi instalada.

Século XIX, de 1800 a 1850: As Construções da Área Rural.


As primeiras construções do atual território do município remontam ao período da criação das vias que
integravam a região com as principais estradas do período imperial e a cidade do Rio de Janeiro. Em certos
pontos surgiram os ranchos de tropas e as primeiras vendas. Esses caminhos propiciaram a exploração
econômica das sesmarias, com a formação das fazendas cafeeiras, onde residia a maioria da população.
Geralmente, uma fazenda era constituída por diversas construções: a casa-sede, a capela, a senzala,
oficinas, o engenho, a tulha e outras estruturas, como os aquedutos.
As edificações eram feitas com barro, madeira e pedra. A casa-sede recebia um tratamento diferenciado,
por servir de residência ao proprietário e sua família. Muitas delas se tornaram as primeiras construções de
porte monumental da freguesia de Santa Tereza. No período do desbravamento, predominou o estilo
colonial, e, apesar de não terem muita sofisticação, os prédios possuíam fachadas harmônicas (f71). Essas
fazendas receberam materiais e equipamentos industrializados, alguns de uso decorativo, como grades
metálicas para sacadas e varandas, e outros para beneficiamento do café, como é o caso das rodas d‟água
de ferro, que chegaram ao Brasil em 1808, com a Coroa Portuguesa, por meio da Abertura dos Portos.

f71
s/d. Casa sede da Fazenda São Francisco. Acervo: Adriano Novaes.

Durante o governo imperial vigorou, como estilo arquitetônico, o neoclássico, que predominou no país até a
década de 1870, ficando restrito aos meios oficiais e às camadas mais abastadas da população. Morar
numa casa projetada nos conceitos neoclássicos significava ligação direta com a corte. Esta arquitetura
começou a se difundir nas áreas urbanas e rurais do interior da província fluminense a partir de meados do
século XIX, através da elite cafeeira. Na então Freguesia de Santa Tereza (atual município de Rio das
Flores), o estilo vingou apenas nas fazendas. Como exemplo, em 1853, o Visconde do Rio Preto edificou a
casa-sede da fazenda Flores do Paraízo (atual fazenda do Paraízo). Por volta do ano de 1870, ficou pronta
a majestosa sede da fazenda Santa Genoveva, principal exemplar de linhas neoclássicas existente no
território rio-florense (f72).

f72
2009. Casa sede da fazenda Santa Genoveva. Acervo: Sonia Mautone Rachid.

89
Histórico/Evolução Urbana

Primeiro Momento: 1851 a 1883 – Formação Urbana da sede da Freguesia.


As terras que deram origem à atual cidade de Rio das Flores eram servidas por duas importantes vias: a
Estrada da Independência (também conhecida por Estrada Geral) e a Estrada do Barreado. A primeira a
cortava de leste a oeste, e a segunda, de norte a sul. Por elas transitavam os viajantes que seguiam entre
as cidades de Valença e Porto das Flores (atual Manuel Duarte, nas margens do Rio Preto) e por aqueles
que vinham de Paty de Ubá (Andrade Pinto, na beira do Rio Paraíba do Sul) pela estrada do
Abarracamento, passando pelas terras da fazenda Cachoeira do Bom Sucesso (Natividade).
Na sede da Freguesia de Santa Tereza ficava a principal hospedaria, a “Azevedo & Irmão”. Implantada na
margem da Estrada da Independência, era o mais bem equipado ponto de tropa da zona e contava com
rancho, paióis e ferraria. Dela restou parte de um prédio, que foi parcialmente demolido, sendo conhecido
atualmente como Chácara Formosa (fotos 73, 74 e 75).

s/d. Fachada, ainda íntegra da Chácara Formosa. f73 s/d. Fachada lateral que foi demolida. f74
Imagens acima, acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

f75

A criação do curato de Santa Tereza de Valença se deu em 6 de outubro de 1851, tendo sido uma iniciativa
de Braz Carneiro Nogueira da Costa e Gama, Visconde e, posteriormente, Conde de Baependy. O nome
teria sido uma homenagem à Imperatriz Thereza Cristina, numa escolha do próprio Baependy. Em 1855, o
curato foi elevado à categoria de freguesia, ainda subordinada à jurisdição de Valença. Na década de 1850,
a Freguesia de Santa Tereza possuía 6.155 habitantes, e, desse total, 1.959 eram livres e os demais 4.196
compunham a população escrava.
A sede se desenvolveu em terras que ficavam próximas à divisa entre duas sesmarias: a de Laureano José
do Amaral (entre 1802/1816), que hoje corresponde à fazenda São Policarpo, e a concedida a Antonio
Machado Botelho e Vicente Ferreira do Rosário, que deram origem às atuais fazendas São Francisco
(situada nas terras do Patronato de Menores) e Natividade.6
Apesar da ausência de registros (em especial os mapas), foi possível determinar onde teria sido a
localização do núcleo urbano primitivo da freguesia através do cruzamento de dados. Durante todo o século
XIX, às margens das terras das citadas sesmarias, principalmente na porção onde surgiu a sede, houve
diversos desmembramentos e agrupamentos de terras.

6
Durante os anos, essas propriedades foram trocando de nome: a fazenda São Policarpo era a fazenda do Paraízo; a fazenda São
Francisco era denominada São Leandro; a Natividade chamava-se, anteriormente, fazenda Cachoeira do Bom Sucesso e,
posteriormente, passou a ser fazenda Santa Tereza.
90
Histórico/Evolução Urbana

O mais provável é que o núcleo inicial ficasse nos limites da atual fazenda São Policarpo (antiga sesmaria
do Paraízo). Sua testada correspondia à margem direita do Córrego Manuel Pereira e foi dividida em três
partes hoje denominadas sitio Sossego, fazenda São Policarpo (f76) e fazenda Natividade (f77). As terras
desta última deram origem à atual cidade de Rio das Flores. Pouco se sabe sobre os motivos que levaram à
escolha das terras onde se deu a instalação da sede. Um dos critérios era o político-econômico. O poder
local era liderado na época pela família Machado da Cunha, proprietária de diversas fazendas na região.

s/d. Fazenda São Policarpo, construída em 1872 pelo Tenente Cel. Domingos Custódio (Barão do Rio
Preto). Pertencia a sesmaria do Paraíso. Imagem cedida por Hortência Maria Pecegueiro do Amaral. f76

1879. Mapa de medição da Fazenda Natividade, antiga Cachoeira do Bom Sucesso e Santa Tereza.
Acervo original Vilma Dutra Novaes, cópia cedida ao Museu História Regional de Rio das Flores. f77
91
Histórico/Evolução Urbana

Tempos depois, essas terras foram fracionadas em três propriedades (sítios): um deles foi, provavelmente,
anexado às terras da fazenda vizinha, o outro deu origem ao sítio São Luiz e, no terceiro, foi instalada a
sede da freguesia. Por volta de 1860, o fazendeiro José Vieira Machado da Cunha (futuro Barão do Rio das
Flores) adquiriu o sítio São Luiz, que correspondia à área do atual campo de futebol e adjacências,
regularizou a situação dos posseiros que ali estavam e criou novos lotes. Em 1866, ele adquiriu as terras
onde hoje fica a área central da cidade de Rio das Flores. Em 1869, o sítio São Luis foi vendido para o
padre Luiz Monteiro Pereira, da Matriz de Santa Thereza D‟Àvila.

Mapa representativo da sede da freguesia de Santa Tereza de Valença (atual cidade de Rio das Flores). Aspecto provável
da área urbana no período compreendido entre 1855 a 1880. Autoria: Adriano Novaes . f78

Até meados da década de 1870, a maioria da população da região ainda residia nas fazendas. As vilas e
cidades eram movimentadas nos finais de semana, nos dias de missa ou em eventos festivos. A produção
baseava-se no trabalho escravo.
Apesar da ausência de fontes textuais e iconográficas, acredita-se que o núcleo primitivo de Santa Tereza
tenha partido da criação de lotes num trecho de estrada e sua posterior ocupação por edificações,
originando o surgimento das ruas. Os prédios ficavam com a testada no alinhamento com a via e nos limites
laterais vizinhos, uma herança do urbanismo português, e eram feitos com sistemas construtivos
tradicionais, sendo que a grande maioria (ou todos eles) seguia os padrões da arquitetura colonial.
Durante trinta anos, o desenvolvimento urbano da sede da Freguesia de Santa Tereza limitou-se a uma rua
chamada São Domingos (atual Avenida Dr. Getúlio Vargas), único logradouro a possuir uma denominação
durante todo o período imperial. Esta via era uma extensão da Estrada da Independência, ou Geral. Nela
desembocava o Largo do Quartel (atual Praça Cel. Sucena), onde se concentravam diversas atividades
comerciais (como secos e molhados, padaria, botica, escola pública, ferraria, alfaiataria, sapataria),
profissionais liberais e a modesta subdelegacia de polícia e o cartório do juiz de paz, situados na esquina
com a “rua do beco” (atual Rua Eurico de Castro).
As melhores construções pertenceram a Domingos Custódio Guimarães, o Visconde do Rio Preto, o mais
importante cafeicultor da região. Em 1865, ele adquiriu na Rua São Domingos um casarão assobradado e
um enorme terreno que começava na ponte sobre o Ribeirão Manuel Pereira. Nesse terreno, ele edificou
um segundo casarão, que dividiu numa botica (transformada, em meados da década de 1870, na tradicional
Farmácia do Carvalho) e numa escola pública, dirigida durante aquela década pelo professor Joaquim Julio
de Proença, que também acumulava o cargo de escrivão do cartório do juiz de paz e da subdelegacia de
polícia da freguesia.

92
Histórico/Evolução Urbana

Na escarpa da Rua São Domingos, foi inaugurada em 15 de outubro de 1858, a Igreja Matriz de Santa
Thereza D‟Ávila. Próximo a ela haviam duas casas: a primeira foi edificada por volta de 1856, e a segunda
(a casa paroquial), em 1859. A que se situava ao lado da Matriz serviu como capela provisória até a
conclusão da nova igreja de Santa Thereza. No final do século XIX ela foi dividida em duas moradias,
ambas alugadas a José Severiano Capanema, que residiu numa parte e, na outra, instalou o seu colégio
particular, o Colégio Sant‟Anna, de ensino primário, secundário e religioso. O prédio (f79) acabou sendo
demolido na década de 1970, e, em seu lugar, está atualmente o Centro Cultural. Em 1859, a sede ganhou
um cemitério, construído nas proximidades da Igreja Matriz. Até aquele momento, os enterramentos eram
feitos em cemitérios particulares das fazendas. As famílias mais abastadas eram enterradas em Valença.

f79
s/d. Antigo casarão colonial, que ficava onde hoje foi edificado o centro cultural. Fonte: Revista
Vida Domestica, 1929, Ed. 00123, pag 42. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

s/d. Ao fundo, antiga casa paroquial,


com sua arquitetura colonial, típica da
cidade em suas primeiras décadas de
1899. Antigo “Largo do Quartel”, atual praça Cel. Sucena, com os prédios de em estilo existência. Cedido por: Julio Cesar
colonial. Ao centro o Grande Hotel 12 de Maio. Acervo Arquivo Nacional. f80 Graça Melo. f81

O povoado era desprovido de infraestrutura urbana: as ruas não eram calçadas e não havia galeria de
esgoto. Os dejetos eram despejados nos dois principais córregos do povoado, o Manuel Pereira e o Santa
Tereza, que posteriormente teve seu nome modificado para Córrego dos Ingleses.
O abastecimento de água se dava por meio de uma única fonte de água potável, que provinha de uma
nascente particular, conhecida pela população por “Biquinha”, localizada nas terras do sítio São Luiz.
Somente em 1873 a Câmara Municipal de Valença providenciou o abastecimento de água por meio de
chafariz, aproveitando a citada nascente, mas o serviço só foi iniciado em 1879. Nesse mesmo ano, o Barão
do Rio das Flores, então proprietário das terras no povoado, cedeu gratuitamente parte do terreno
localizado ao lado da Igreja Matriz para a construção de uma caixa d‟água distribuidora.
A parte urbana era constituída de prédios de arquitetura colonial (f80 e f81), quadro que começou a alterar
com a chegada da Estrada de Ferro D. Pedro II à região do Vale do Paraíba fluminense em 1864,
inaugurando o entroncamento de Barra da Piraí. Na década seguinte surgiram as linhas férreas regionais,
avançando ainda mais com a industrialização para o interior da província.

Segundo Momento: 1883 a 1890 – A Chegada da Ferrovia

Em 1882, quando a população da freguesia contava com 9.364 habitantes (sendo 4.244 livres e 5.120
servindo como mão de obra escrava), foi inaugurada a Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores, uma
iniciativa dos fazendeiros locais. A linha férrea ficou assentada dentro do território da freguesia, sua
principal construção foi a ponte sobre o Rio Paraíba do Sul, 7 utilizando uma estrutura metálica importada, do

7
O trajeto começava nas margens do Rio Paraíba do Sul, em Commercio (atual Sebastião de Lacerda, distrito de Vassouras),
chegando até Porto das Flores (Manuel Duarte-RJ). A Ponte do Commercio ganhou um fichamento individual neste inventário.
93
Histórico/Evolução Urbana

continente europeu. A estação ferroviária de Santa Tereza foi inaugurada em 1º de agosto de 1883. Era um
prédio provisório, que foi trocado pelo definitivo, em estilo chalé (f20 e f82),8 entre 1884 e 1885, já pela
Estrada de Ferro Rio das Flores, que substituiu a companhia anterior.

f82
1930. Esplanada Ferroviária de Santa Tereza, a direita a estação em estilo chalé. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores.

No momento em que chegou a ferrovia, a arquitetura neoclássica começava a perder espaço para o
ecletismo historicista ou romântico.9 O estilo chegou à sede da freguesia de forma monumental, com a nova
Matriz de Santa Thereza D‟Ávila (f83). Inaugurada em 1887, ela possuía linhas neogóticas e recebeu
grande quantidade de material importado da Europa, como madeira pinho-de-riga e vitrais coloridos.

s/d. Igreja Matriz. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores. f83

A ferrovia provocou transformações arquitetônicas e urbanísticas na cidade. Com ela, chegou uma gama de
produtos industrializados, como as telhas francesas, o tijolinho queimado e a madeira serrada, aplicados
nas novas construções, em estilo chalé, onde a entrada se dava por um avarandado lateral. Muitas delas
eram guarnecidas com peças metálicas e cobertura em chapa ou telha francesa. Ocorreu também uma
redistribuição dos espaços internos e externos das casas, que antes eram muito influenciadas pelo colonial
mineiro. Apesar da decadência das fazendas cafeeiras, a arquitetura em chalé chegou a ser empregada em
algumas sedes, como a da Forquilha (f84 e f85) e a da Santo Antônio (próxima a localidade de Comércio).
A implantação da linha férrea foi responsável pela criação de uma nova centralidade urbana. Em vez de
adentrar a área já consolidada, a companhia desbastou o morro, seguindo pela margem oposta do Córrego
Manuel Pereira (atitude que influenciaria nas futuras intervenções urbanas da cidade). Outra decisão dizia
respeito ao parque ferroviário. A companhia rio-florense registrou num documento de 1879 que Santa

8
Para maiores detalhes da estação ferroviária de Santa Tereza (atual Rio das Flores), ver seu fichamento individual neste inventário.
9
O romantismo buscava inspiração em estilos históricos, como o neorromânico, o neogótico e o neomanuelino. Ele chegou à região do
Vale do Paraíba fluminense muito provavelmente em 1865, com a inauguração da estação ferroviária de Barão de Juparanã.
94
Histórico/Evolução Urbana

Tereza situava-se num território desfavorável para florescer uma vila, uma vez que as construções ficavam
entre duas encostas de morros, por onde passa o ribeirão Manuel Pereira. O núcleo urbano possuía na
época a igreja matriz, uma escola publica e cerca de quarenta casas, a maioria de negócios. Segundo o
documento, o lugar que apresentava melhores condições para se tornar a sede da freguesia era a Taboas
(3º distrito), local onde foi instalado o parque ferroviário, tirando de Santa Tereza a possibilidade de abrigar
a parte administrativa e de serviços, como oficinas, galpões, escritório, residências e etc. 10

f84 f85
s/d. Casa sede da fazenda da Forquilha, em estilo chalé. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

O movimento nas plataformas da estação atraiu para suas proximidades atividades comerciais. Geralmente
esses prédios ficavam paralelos às estações, separados por uma rua de terra ou mesmo pela linha do trem.
Este modelo acabou se consolidando em Santa Tereza. O antigo núcleo acabou se expandindo um pouco
mais, ficando limitado ao entorno da esplanada ferroviária. O local ganhou o nome de Largo da Estação,
tendo à sua frente, casas comerciais, com destaque para a Sucena & Irmãos, a ferraria e oficina de
Lourenço Ferreira Marques e a enorme chácara e casa comercial do padre João Luis Rodrigues Torres.
Até aquele momento, o povoado era completamente desprovido de iluminação pública. Provavelmente,
deviam existir os lampiões particulares, afixados nas fachadas das casas. Em 1886, a Câmara Municipal de
Valença aprovou a instalação de quinze colunas de ferro e os respectivos lampiões a querosene,
inaugurada em 11 de setembro de 1886, uma inovação que veio a reboque do trem a vapor.
Além das transformações tecnológicas, a ferrovia teria lançado as bases para a emancipação política e
administrativa da freguesia, que ocorreu em meio a abolição da escravatura, em 1888, e a proclamação da
República, em 1889. O período republicano marcou o fim da sociedade rural do Império, assentada no
trabalho escravo e na aristocracia da elite.

s/d. Panorâmica da então vila de Santa Tereza (atual cidade de Rio das Flores), tendo ao centro seu núcleo primitivo.
Acervo: Candido Rodrigues Duarte Silva f86

10
Fonte: Anotações particulares de Adriano Novaes, retiradas de um processo da Comarca de Valença (Processo de Embargo de
Obra; autor: Cia E. F. União Valenciana; ré: Cia E. F. Commercio e Rio das Flores. 1879). Museu de Justiça do Estado Rio de Janeiro.
95
Histórico/Evolução Urbana

Terceiro Momento: 1890 a 1910 – Criação do Município e Crescimento Urbano da Vila


O fim da escravidão, em 1888, foi um golpe fatal para a agricultura da freguesia, que, contudo, manteve
uma substancial produção de café e, dois anos após a promulgação da Lei Áurea, emancipou-se da tutela
de Valença, passando a constituir uma unidade autônoma em 17 de março de 1890. A sede da nova
comuna fluminense foi implantada na vila de Santa Tereza. Nessa época, a população do recém-criado
município contava com 14.282 habitantes, sendo 4.300 na sede.
Com sua emancipação de Valença, uma febre de desenvolvimento tomou conta de Santa Tereza, sua
produção cafeeira sobrevivia bravamente e o poder público procurou dotar o recém-criado município de
uma sede administrativa bem aparelhada de serviços e equipamentos. Entre os anos de 1895 e 1900, foram
realizadas muitas obras, como diversos melhoramentos e o arruamento da Rua Aniceto de Medeiros (na
época, batizada com o nome de Rua Barão do Rio das Flores), da Ladeira da Matriz, da Rua 17 de Março e
da Rua Dr. Leoni Ramos, nome que homenageia um dos prefeitos daquela época.11

s/d (por volta de 1920). Imagem da Rua Leoni Ramos, tendo o prédio da Câmara, o Fórum Quartel Cadeia e a Matriz ao fundo.
Notar à esquerda o muro onde existiu a chafariz de “biquinha”. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores . f87

Pela primeira vez, a maioria das ruas e das praças recebeu denominação. O antigo Largo do Quartel
passou a se chamar Largo Marechal Deodoro (hoje Praça Coronel Sucena); o Largo da Matriz recebeu o
nome de Praça Governador Portela (atual Avenida Praça Manuel Duarte), o Largo da Estação foi
renomeado como Rua Dr. Braz Carneiro, em homenagem ao fundador do município (hoje Avenida João
Lacerda Paiva); e a Rua São Domingos, a principal da vila, recebeu o nome do primeiro presidente da
Câmara, Rua Barão da Aliança (atual Avenida Getúlio Vargas).
A Rua Dr. Leoni Ramos marcou a nova fronteira de crescimento do tecido urbano (f87 e f88). Nela, foram
edificados os prédios para abrigar os poderes republicanos: o do Fórum, Quartel, Cadeia e o da Intendência
Municipal (Câmara Municipal), projetados com uma arquitetura eclética, estilo adotado pela república
brasileira em substituição ao neoclássico, que fora o símbolo da monarquia. Eles se juntaram a nova da
Igreja Matriz de Santa Thereza D‟Ávila, equipando a urbe com prédios suntuosos, cujos representantes até
aquele momento eram as sedes das fazendas, concentradas praticamente na área rural do município.

11 Dr. Carolino Leoni Ramos nasceu em 15 de junho de 1857, na cidade de Cachoeira, Província da Bahia. Formou-se em Ciências

Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Recife em 1879. Exerceu a magistratura na província de Alagoas, em Itaguaí-RJ (1881),
Vila Bela (Pernambuco), em janeiro de 1890 foi designado para a comarca de Joinville (Santa Catarina). No dia 12 de junho do referido
ano foi removido para o recém criado município de Santa Tereza (hoje Rio das Flores), onde foi eleito vereador e presidente da
Câmara Municipal. Sua administração foi marcada por obras de grande relevância para o desenvolvimento urbano da sede do
município. Entre elas destacam-se as edificações da Intendência Municipal e o prédio do Fórum, Quartel e Cadeia - retratos fiéis da
pujança e importância socioeconômica da Vila de Santa Tereza, construídos graças a sua influencia na Capital Federal. Com o apoio
político adquirido em Santa Tereza, tendo como líder o Barão da Aliança, foi eleito deputado pela Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro para o triênio 1895-1897, período em que dividiu sua residência entre Santa Tereza e Niterói. Em 1904 foi eleito
vereador da Câmara Municipal de Niterói, onde também exerceu o cargo de Prefeito até 1906. Em novembro de 1910 foi nomeado
ministro do Supremo Tribunal Federal. Em abril de 1930 foi eleito vice-presidente do Supremo e presidente na sessão de 25 de
fevereiro de 1931, cargo que pouco tempo exerceu por ter falecido a 20 de março seguinte na cidade de Niterói. O legislativo rio-
florense o homenageou denominando como Dr. Leoni Ramos uma das ruas mais importantes da sede, onde inclusive residiu em um
majestoso chalé, hoje substituído pelo prédio do CIEP da cidade.
96
Histórico/Evolução Urbana

f88
1900. Aspecto da Rua Leoni Ramos, á esquerda o Chalé nº 04 do Coronel Vicente Ferreira Sucena. Acervo Vilma Dutra Novaes.

A Rua Dr. Leoni Ramos também ganhou elegantes chalés residenciais, alguns “de pé” até os dias atuais,
como o que foi de propriedade de Francisco Pereira Barcellos (nº 409) e o do Coronel Sucena (nº 4, na
esquina com a Ladeira Aderly Valente Silva-f88), que se encontra descaracterizado (comparar as fotos 59 e
88). O chalé de Augusto Pessoa, depois alugado para o Dr. Carolino Leoni Ramos (f89), foi demolido e, em
seu lugar, encontra-se o CIEP. Já o sobrado eclético de José Joaquim Pereira Guimarães deu lugar ao
atual Posto de Saúde (f63). O período de maior ocorrência do estilo chalé foi na década de 1890. O
principal exemplar existente hoje, na cidade, fica situado na Rua Aniceto de Medeiros, nº 13 (f52 e f90).12

Fonte: SANTOS, Joeusa de Medeiros Corrêa À esquerda o chalé nº 13, existente na Rua Aniceto de Medeiros. A direita um
Fortuna Salles. Laços de Família. Rio de Janeiro: exemplar demolido. Autoria: Adriano Novaes. f90
Prazerdeler Editora, 2011. f89

Por determinação da Câmara Municipal de Santa Tereza, a fonte de captação do antigo chafariz da
“biquinha” foi ampliada em 1896, ela ficava localizada próximo à estrada de acesso ao já citado sítio São
Luiz (hoje Rua Dr. Leoni Ramos). A vila possuía três escolas: o Colégio Sant‟Anna, do Dr. Capanema
(também conhecido por Colégio Capanema), a escola pública masculina e a escola pública feminina. Esta
última funcionou por décadas num chalé que pertenceu ao Barão de Rio das Flores, localizado ao lado da
Igreja Matriz de Santa Thereza. Em 1894, este imóvel, juntamente com seu terreno, foi adquirido por
Caetano Morgante, que, em 1897, edificou mais três imóveis, um deles no estilo chalé.
Em 1898, foi instalado, no antigo casarão de arquitetura colonial da Rua Barão da Aliança, o teatro do Club
17 de Março, cujo local havia sido ocupado anteriormente pela Sociedade de Música, Commercio e Artes,
criada por volta de 1876. Durante décadas, este espaço foi palco de reuniões políticas, festas, bailes
carnavalescos e peças teatrais. Em seus salões foi fundado, em 1888, o Club Republicano da Freguesia de
Santa Tereza. Durante o período compreendido entre 1890 e 1898, serviu este casarão de sede provisória
da Intendência Municipal (Câmara Municipal). A primeira sessão ocorreu no dia 22 de abril de 1890,

12
O prédio recebeu um fichamento individual neste inventário.
97
Histórico/Evolução Urbana

presidida pelo Barão da Aliança, com a presença do então governador do Estado, Dr. Francisco Portela.
O único lugar para se hospedar na vila era o tradicional Grande Hotel 12 de Maio, de Santos & Mourão,
instalado no antigo sobrado de arquitetura colonial situado na Praça Marechal Deodoro, que ficou conhecido
na memória de muitos rio-florenses como o “Casarão do Miguel Elias” (f91 e f92). Foi construído
provavelmente na segunda metade do século XIX e demolido entre fins da década de 1980 e inicio da
década de 1990. Pouco à frente do Grande Hotel 12 de Maio, ficava a tradicional Pharmácia Garnett,
fundada por Manuel Tiburcio Garnett, na década de 1880 (situava-se na Praça Marechal Deodoro, atual
Praça Coronel Sucena).
Após ser vendido, em 1888, o hotel passou a ser alugado para diversas pessoas e para distintas
finalidades. No andar superior, funcionava o hotel; no térreo e na parte inferior, ficavam as instalações para
negócios. Ao prédio, foram anexados três pequenos chalés, voltados para a Rua Barão da Aliança
(observar a seta indicativa na imagem f93). Neles, foram instaladas uma padaria, uma ferraria e uma
residência. Atualmente, o terreno no qual se situavam comporta prédios de dois andares. Contudo, ainda
restaram dois modelos semelhantes, na histórica rua do município (f35 e f94).
De acordo com o Almanak Administrativo, Mercantil e industrial do Rio de Janeiro, a população do município
de Santa Tereza, em 1900, era de dezoito mil habitantes, sendo que, em sua sede, havia cerca de 1.000
(hum mil) habitantes. Esse dado mostra a força que a zona rural exercia na economia do município. Foi
naquela época que ocorreu a transição da cultura cafeeira para a pecuária leiteira. Foi por meio de
pequenas fabriquetas e da abertura de estradas que o município recebeu um novo incremento.

s/d. Nota do “Grande Hotel”. f91 1985. Prédio do “Grande Hotel”. f92
Imagens acima, acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

1899. Prédio do “Grande Hotel”, com os três chalés, indicados na s/d. Chalés ainda existentes na Av. Getulio Vargas.
seta. Acervo: Arquivo Nacional. f93 Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f94

Quarto Momento: 1910 a 1929 – Industrialização e Energia Elétrica

Em 1910, ocorreu a encampação da companhia Estrada de Ferro Rio das Flores pela Estrada de Ferro
Central do Brasil (EFCB), o que ensejou a tão desejada ligação do município com a cidade de Valença e o
Estado de Minas Gerais, através da localidade de Afonso Arinos (antiga Barra Longa), o que levou à
extinção da ligação entre Comércio/Sebastião de Lacerda e ao fechamento do parque ferroviário e das
oficinas que ficavam em Taboas. Surgiram algumas iniciativas de produção de alimentos industrializados
no município, tais como um grande alambique para produção de aguardente; fábricas de licores, de
macarrão e de telhas; e os laticínios.
Durante as décadas de 1920 e 1930, Santa Tereza passou por profundas transformações sociais,
econômicas e urbanas, como a construção de pontes de concreto, praças, calçadas, instalações sanitárias,
abastecimento de água potável e, principalmente, a implementação da energia elétrica, com a inauguração,
em 1918, da usina de força e luz (f95 e f96), que gerava energia aproveitando a queda d‟água da
Cachoeira São Leandro (onde fica o atual Balneário Municipal-f97). A empresa construiu na cidade o prédio
popularmente conhecido como „Belo Antonio‟ (f98 e f51), atual agência dos Correios.

98
Histórico/Evolução Urbana

1921. Interior da casa de força. Cedida por: Julio Cesar Graça Melo. f95 1928. Nota da Empresa de energia.
Acervo: Museu História Regional Rio das Flores. f96

s.d. Cachoeira São Leandro. Fonte: Álbum da EFCB, Ramal Valença- 1985. Prédio da Usina de Força, conhecido como
Afonso Arinos, cedido por Tereza Cristina Mayer Machado. f97 “Belo Antônio”, atual sede dos Correios na cidade.
Imagem cedida por Adriano Novaes. f98

O comércio foi ampliado com a oferta de alfaiataria, barbearias, sapatarias, dentistas, ferraria (na Rua 17 de
Março) e dois consultórios médicos. Havia duas importantes farmácias: a Pharmácia Goulart e a Pharmácia
Santa Rita (sucessora da Pharmácia Condeixa). A Rua Barão de Aliança (atual Getúlio Vargas) ganhou dois
açougues, duas padarias/confeitarias e dois bares. As principais casas comerciais pertenciam a Antonio
Dutra Navarro, com o grande Armazém São José, localizado em frente à Estação Ferroviária; a de Manuel
Dutra Navarro, na entrada da cidade; a de José Elias; a de Hana Barahim; a de Manoel da Rosa Machado
Junior; e a de Manoel Goulart Sucena. O Hotel Brazil-Itália era o único da cidade, geminado com o grande
armazém de secos e molhados. O prédio conservava o estilo colonial e acabou sendo demolido nos
primeiros anos da década de 2000, para dar lugar a um posto de gasolina.

f99
s/d. Ponte de concreto sobre o córrego Manuel Pereira, na Rua Ladislaw Guedes. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores

99
Histórico/Evolução Urbana

f100
s/d. A Praça da Bandeira, na Rua Leoni Ramos, entre os prédios monumentais. Cedida por: Julio Cesar Graça Melo.

O período marcou uma nova mudança na arquitetura, com o surgimento de prédios ecléticos com ornatos e
platibanda. O principal exemplar começou a ser construído em 1927 e foi inaugurado em 1934, para servir
ao Grupo Escolar Miguel Couto (f42 e f101). O estilo não ficou limitado à sede do município (o Hotel
Commercio, por exemplo, ficava na localidade de Comércio). Além das novas construções (como a casa na
f24), ocorreram reformas nas fachadas de alguns prédios, que adotaram o estilo da época (observar as
imagens fotos 102, 103 e 104). Segundo o Album do Estado do Rio de Janeiro (relativo ao Centenário da
Independência do Brasil) lançado em 1922, o município contava então com 14.389 habitantes.

f102
s/d. Grupo Escolar. f101 s/d. Prédio que havia na Praça Cel. Sucena,
Imagens acima, acervo: Museu História Regional Rio das Flores. nº 40. Reforma lhe deu uma fachada eclética.

s/d. Prédio comercial, de arquitetura colonial, ficava no entorno s/d. Casa comercial de arquitetura eclética, que ficou conhecida
da Praça Cel. Sucena. Foi substituído por um eclético (imagem como “Café dos Lavradores”, substituída pelo prédio atual, de
ao lado-f104), que por sua vez deu lugar a outro de dois dois andares, nº 18, na Praça Cel Sucena (f46).
andares (f46). Acervo: Museu História Regional Rio das Flores. f104
Cedida por Julio Cesar Graça Melo. f103

100
Histórico/Evolução Urbana

1925. Matéria destacando as obras do político Manuel Duarte na cidade de Santa Tereza, como a fábrica de tecidos Santa Thereza
(fotos centrais- fachada do prédio e interior) e a Ponte da Amizade (foto na base da folha). Fonte: Revista A Ilustração Brasileira,
setembro, 1925, Ano VI, nº 61, pag 63. Disponível em <http://memoria.bn.br>. f105

Na década de 1920, a cidade sofreu forte influência do deputado estadual e, posteriormente, deputado
federal e senador da República Manuel Duarte, que viabilizou importantes obras para o desenvolvimento do
município (que foram matéria de uma revista - f105), como a construção da Fábrica de Tecidos de Malha
Santa Thereza (inaugurada em 1925, pouco antes da esplanada ferroviária, ao lado da linha do trem) e de
praças, escolas, estradas e pontes, como as do centro, que adotaram o concreto armado (f99), material que
passou a predominar na construção civil do país.13 Nos prédios predominava a alvenaria de tijolos maciços.
13
As principais construções feitas com concreto armado na época foram as duas pontes sobre o Rio Preto: a que liga Manuel Duarte-
RJ a Porto das Flores-MG e a ponte do Barreado. Ambas são interestaduais e receberam um fichamento especifico neste inventário.
101
Histórico/Evolução Urbana

Referente a urbanização da cidade destacamos a construção da Praça João Pessoa, atual Praça da
Bandeira , arborização de cinco ruas de cidade, obras no córrego dos Ingleses, construção da escada da
Ladeira da matriz (com tijolos da olaria do Sr. Eugenio Silva-f49 e f118).

Quinto Momento: 1929 a 1965 – De Vila a Cidade.

Em 27 de dezembro de 1929, a Vila de Santa Tereza foi elevada à categoria de cidade. Sua burguesia
urbana era composta por comerciantes e industriais. Alguns hábitos e costumes iam surgindo, como o
futebol e o cinema.

1929. Matéria sobre a vila de Santa Tereza, meses antes de virar cidade. Fonte: Revista Vida Domestica, abril 1929,
edição 00133, pag 86. Disponível em <http://memoria.bn.br>. f106
102
Histórico / Evolução urbana

Em 1930, foi inaugurado, na confluência da Av. Getúlio Vargas com a Rua 17 de Março, o monumento em
homenagem ao governador Manuel Duarte (fotos 29, 30, 31 e 120). Na base do pedestal consta gravada a
data de “15-10-1957” - quando ele teria passado por uma pequena reforma ou ganhado a feição atual. Seu
revestimento em pó de pedra é um elemento típico do art déco - estilo francês, de linhas geometrizadas,
que predominou no país na década de 1930. O art déco pouco se desenvolveu na cidade, ficando restrito a
exemplares de desenhos simplificados, mediante reforma de fachada dos prédios existentes. As
transformações urbanísticas prosseguiam, juntamente com a renovação arquitetônica. A maioria dessas
mudanças se deu na Praça Coronel Sucena (f108) e na Av. Getúlio Vargas, mas sem alteração de gabarito.
Muitos dos imóveis que passaram por reformas nas décadas de 1920 e 1930 acabaram substituindo suas
tradicionais coberturas coloniais com beiral de telhas de barro por platibandas de alvenaria.

f107
Mapa da vila, posteriormente cidade de Santa Tereza, no período compreendido entre 1880 e 1935. Autoria: Adriano Novaes.

Com o aumento das exportações do café brasileiro, o Departamento Nacional de Café (DNC) construiu, em
1934, uma usina de beneficiamento de produto, com o objetivo de incrementar a cultura, bem como
melhorar a qualidade dos grãos produzidos no Brasil. Nesta época Santa Tereza era o sétimo maior
produtor do Estado. Situado nas proximidades da estação ferroviária, o DNC tornou-se o último prédio de
arquitetura monumental que a cidade ergueu para atender a lavoura cafeeira (fotos 05, 25 e f26).14
Em 1937 o município quase foi extinto e anexado a Paraíba do Sul. Em 1940 Santa Tereza totalizava 7.720
habitantes (sendo apenas 562 na cidade), sendo o município com a menor população no Estado. 15 O
período ficou marcado por sua alteração de nome, que, em 1943, passou a se chamar Rio das Flores.

14
Para maiores informações a respeito do Departamento Nacional do café (DNC), consultar seu fichamento neste inventário..
15
Sinopse Estatística do Município de Rio das Flores (ex-Santa Tereza). IBGE, Rio de Janeiro, 1948, pag 17. Fonte:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/164/se_rj_rio_das_flores.pdf>, acessado em agosto de 2013.
103
Histórico/Evolução Urbana

1932. Aspecto da praça Coronel Sucena, com casario térreo de fachadas ecléticas. Cedida por: Julio Cesar Graça Melo . f108

As décadas subseqüentes foram marcadas pela eficiente administração de José Dutra Navarro. Prefeito
pela primeira vez em 1951 e pela segunda vez em 1959, retirando da vida política definitivamente em 1963.
Criou o Bairro Sabóia Lima, loteou o lado esquerdo da Rua 17 de Março e o lado direito da Rua Dr. Getúlio
Vargas. Elaborou a lei de abertura da Av. João de Paiva Lacerda Paiva, não permitindo que os prédios
fossem reformados sem que recuassem, tendo sido a primeira vítima desta lei, pois era possuidor de uma
frente construída de 64 metros. Em seu governo a cidade recebeu o calçamento com blocos de pedra
(parelepípedos-f112), as ruas Braz Carneiro, Cel. Ladislau Rodrigues Guedes, 17 de Março (onde reformou
o monumento a Manuel Duarte), Dr. Leoni Ramos, Aniceto Medeiros, Capitão Jorge Soares e a Ladeira da
Matriz. Também executou obras nas Praças João Pessoa, Santos Dumont, Manuel Duarte e Cel. Sucena.
Alargou duas pontes centrais (do Trabalho e a da Amizade-f05 e f06) e construiu a Ponte dos Amores (f10),
ligando a Rua Leoni Ramos ao Bairro dos Ingleses e a estrada RJ 135. Restaurou a Igreja Matriz e murou o
campo de futebol. Interviu na fundação do Ginásio Santa Tereza e foi um dos fundadores da Associação de
Assistência Social de Rio das Flores. Em seu governo foi construído o primeiro posto de Puericultura do
município. Reformou os cemitérios dos distritos do Abarracamento, Manuel Duarte e Taboas, murando-os.

1943. Panorâmica da cidade. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores. f109

104
Histórico/Evolução Urbana

f110

f111
s/d. Entorno da praça Cel Sucena, ainda com piso de s/d. Colocação do piso dos blocos de pedra
Terra. Imagens cedidas por: Julio Cesar Graça Melo. (paralelepípedos) na cidade. f112

f113
s/d. Rodoviária Major Galileu, marco da arquitetura moderna da cidade. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

O calçamento de paralelepípedos (f112)16 coincidiu com o surgimento das primeiras linhas de ônibus (f116).
Para isso, foi construído um pequeno prédio em concreto armado, destinado a ser a rodoviária (f67 e
f113),17 que se tornou a obra que melhor explorou as potencialidades desse material a favor de uma
arquitetura que seguisse os preceitos do movimento moderno. 18 Implantada no limite da Praça da Bandeira,
quase de frente para a Câmara Municipal, ela apresenta quatro pilares que sustentam a cobertura em laje
maciça com planos inclinados, remetendo ao formato “asa de borboleta”,19 com as águas pluviais vertendo
para uma calha central, adaptada na própria viga. O prédio era complementado por dois bancos e um
anexo, de linhas arredondadas, que deveria ser o guichê, substituído por outro de dimensões semelhantes,

16
Durante as pesquisas, encontramos referências num jornal da cidade de Vassouras que informava que as pedras, ou parte delas,
vieram das localidades de Comércio e Sebastião de Lacerda – Fonte: Correio de Vassouras, nº 745, ano XVI, 18 de março de 1951.
17
A rodoviária ganhou o nome de Major Galileu Belforth de Arantes, homenagem a um dos proprietários da antiga empresa de
energia, responsável por passar os serviços de força e luz para a Prefeitura, em 1957.
18
O primeiro prédio ligado à arquitetura moderna construído no município foi a Escola Agrícola Sabóia Lima (conhecida como
Patronato de Menores), uma das mais emblemáticas construções de Rio das Flores. Situado a poucos quilômetros da cidade-sede, o
complexo foi erguido na década de 1940. Além de explorar as potencialidades do concreto armado, sua arquitetura absorveu
elementos do movimento moderno, com destaque para o brise soleil na parte superior da fachada principal do templo religioso, que foi
revestida com cerâmicas artísticas, replicadas na fachada do teatro, no térreo.
19
O telhado em “asa de borboleta” surgiu em 1930, numa casa projetada, mas não construída, no Chile,por Le Corbusier. O mestre
franco-suíço conseguiu executar seu projeto anos depois, numa casa de veraneio situada na Ville La Sextant, nos arredores de La
Rochelle, na França. A arquitetura moderna brasileira absorveu essa solução no final da década de 1930 e início da seguinte, em
projetos de Oscar Niemeyer, como no Iate Clube e na residência de Juscelino Kubitschek, ambos no bairro da Pampulha, em Belo
Horizonte-MG. Nos arredores de Rio das Flores, esse tipo de telhado pode ser visto numa casa com cobertura em telhas de
fibrocimento (amianto), situada na Vila Klabin, no município de Belmiro Braga-MG, obra feita entre as décadas de 1950 e 1960.
105
Histórico/Evolução Urbana

constituído de uma laje de formas sinuosas e dois pilares de seção circular, elementos que foram
conservados na última intervenção, quando foi instalado o atual bloco, com a lanchonete e os banheiros.
Já a reforma na Praça Coronel Sucena se deu no momento em que se iniciava um novo ciclo de
transformações arquitetônicas em seu entorno. 20 O “Café dos Lavradores” (f104) deu lugar a um prédio de
dois andares (f46, f114 e f115), possivelmente um dos primeiros a adotar o concreto armado na cidade.

f114
Década de 1960. Praça Cel Sucena, as fachadas modificadas e a presença de um prédio com dois andares.

f115
s/d (provavelmente década 1960). Panorâmica do entorno da Praça Cel. Sucena. Percebe-se um prédio
com dois andares. Imagens acima, acervo: Museu História Regional Rio das Flores.

Sexto Momento: 1965 a 1980 – A Estrada de Ferro dá lugar ao Asfalto.

Em 1965, a ferrovia foi oficialmente extinta. A cidade passou a ter como principal acesso a rodovia RJ-145.
Em meados da década seguinte, ela foi alargada e asfaltada, transformando-se numa via expressa de mão
dupla. A decisão de assentá-la sobre o antigo leito da linha férrea (f117) permitiu que o núcleo central da
cidade ficasse livre de um grande fluxo de veículos, o que garantiu a conservação do seu traçado e de suas
peculiaridades urbanas, como o arruamento contornando as pequenas praças e o acesso pelas duas
pontes sobre o córrego Manuel Pereira.
O piso em paralelepípedos da área central e a instalação do asfalto na rodovia marcaram um momento
importante na evolução da cidade, que ganhou uma infraestrutura viária moderna, acabando com os
problemas ocasionados pela lama e pela poeira.
20
Até o fim do século XX, outros imóveis com estrutura de concreto armado surgiram no entorno da Praça Coronel Sucena,
substituindo exemplares de arquitetura colonial e eclética, como o que havia na esquina com a Rua Eurico de Castro (f102).
106
Histórico/Evolução Urbana

f116
s/d. Transporte coletivo (ônibus), se aproximando do leito da ferrovia, já sem os trilhos.

f117
s/d. Antiga esplanada ferroviária da cidade, com rodovia ainda de piso de terra.

Consideramos que, nesse período, a cidade de Rio das Flores atingiu uma harmonia em suas relações
arquitetônicas e urbanísticas. Os prédios formavam um conjunto de gabarito baixo, proporcionando uma
perspectiva de linhas horizontais (f118 e f119). A existência de construções de épocas distintas gerou uma
mescla de estilos arquitetônicos que representavam as fases de sua história, com a presença do colonial,
do chalé de fundo romântico e do eclético com platibanda (fotos 121 a 123). As relações físico-espaciais
teriam obtido uma agradável percepção visual, graças às intervenções humanas, em mantiveram suas
particularidades geográficas, com poucas construções se aproximando das encostas dos morros e das
margens dos dois cursos d`água, que seguiam de forma natural o seu leito sinuoso. Todos esses fatores
contribuíram para a preservação de sua morfologia urbana.21

s/d. Imagem da cidade, mostrando a escadaria da ladeira da Matriz.


Imagens acima (f112, f113 e f114): acervo do Museu de História Regional de Rio das Flores. f118

21
A morfologia urbana tem raízes na geografia, apesar de não possuir um conceito definido adotamos aqui o seguinte: “ela é vista
como o estudo analítico da produção e modificação da forma urbana no tempo. Estuda, portanto, o tecido urbano e seus elementos
constituídos formadores através de sua evolução, transformações, inter-relações e dos processos sociais que o geraram.” Fonte: DEL
RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo – SP: Editora Pini, 1990. pag 71.
107
Histórico/Evolução Urbana

O início na década de 1970 a Light ampliou a oferta de energia elétrica, embora seja um importante avanço
para a cidade, a ação acabou interferindo negativamente na fruição visual dos logradouros e de seus
prédios, como se observa atualmente na Rua Dr. Leoni Ramos.22 A antiga linha com poucos cabos foi
dando lugar a uma profusão de fiação aérea e alguns transformadores. Os postes de ferro (semelhantes a
trilhos de trem) foram substituídos pelos modelos atuais de concreto armado, material que, devido a sua
resistência, se tornaria o principal protagonista nas alterações urbanas das décadas seguintes.

f119
s/d (provavelmente década de 1950 ou 1960). Confluência da Rua 17 de Março com a Av. Getulio Vargas, observa-se o
conjunto de gabarito baixo de linhas ecléticas e coloniais. Acervo: Museu História de Regional de Rio das Flores.

f120 f121

f122 f123
s/d. Lojas comerciais da atual Avenida Getulio Vargas, com a arquitetura eclética. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores .

22
Buscando solucionar a deficiência no abastecimento de energia elétrica, que vinha atrasando o desenvolvimento do município
desde a década de 1940, a Prefeitura adquiriu, em 1957, a antiga usina, instalada na Cachoeira São Leandro. As tentativas de ampliar
seu potencial se limitaram a melhorias na ampliação da linha de transmissão a na qualidade dos serviços. Somente em meados da
década de 1960, aproveitando as próprias benfeitorias realizadas em 1957, que a prefeitura conseguiu comprar energia elétrica
diretamente da Light, por intermédio de sua autarquia de Força e Luz. A conquista foi muito festejada na cidade, mas custou caro aos
cofres municipais. Em 1972, no governo do Prefeito Hilton Dutra Navarro, se deu a transferência da concessão de distribuição da
energia elétrica para a Light, com isso ocorreu a fechamento definitivo da antiga Usina e substituição de toda a linha de transmissão.
108
Histórico/Evolução Urbana

f124
Década 1960. Panorâmica do entorno da Igreja Matriz, mantendo o predomínio de prédios de andar térreo.

Sétimo momento: 1980 a 2010 – O concreto modifica a paisagem urbana


A partir dessa época, Rio das Flores começou a se verticalizar. Em 1983, a Câmara Municipal aprovou duas
legislações edilícias. A de parcelamento e ocupação do solo urbano (Lei nº 507/1983) estipulou o gabarito
máximo em três andares e subdividiu a cidade em três zonas, sendo uma delas a Zona de Preservação
Permanente (ZPP), a única onde foi permitido atingir os três andares. Este setor era formado pelo eixo
central das seguintes vias: Getúlio Vargas, Coronel Eurico de Castro, Desembargador Aniceto de Medeiros,
Dr. Leoni Ramos e Praça Coronel Sucena (artigo 9º). A única objeção que o Código de Obras (Lei nº
508/1983) fazia para não aprovar pedidos de demolição (em seu artigo 53) era o imóvel ser tombado. Por
não contarem com esse mecanismo de preservação, foram ao chão alguns prédios que havia na Av. Getúlio
Vargas e no “miolo” da cidade: o entorno da Praça Coronel Sucena.
O Censo Demográfico feito pelo IBGE em 1990 apontou Rio das Flores como o município menos populoso
do Estado, contando com 6.460 pessoas. Enquanto o Código de Obras continuou a vigorar, foi aprovada
uma nova lei (nº 11/1993) relativa a normas e padrões de urbanismo e edificações. Ela manteve inalterado o
gabarito máximo em três andares, mas inovou, ao dar atenção ao patrimônio arquitetônico e ambiental,
citando elementos como história, cultura e paisagem. O artigo 16 subdividiu a cidade em quatro setores,
destacando-se aqui o Especial de Revitalização e o Especial de Fundo de Vale.23
Além de viabilizar tecnicamente a verticalização, o concreto armado permitiu que as novas edificações
ocupassem locais anteriormente inviáveis, devido à fragilidade das técnicas tradicionais, que empregavam
pedra, barro e madeira. Com isso, fundações e muros de contenção (arrimo) surgiram na calha secundária
e bem próximas ao leito dos córregos Manuel Pereira e dos Ingleses. Na década de 1990, foi iniciada a
canalização de ambos os ribeirões, ação motivada, em grande parte, pelas enchentes que acometiam parte
da cidade nos períodos chuvosos e que atingiam principalmente os prédios próximos às margens. 24 Com
isso, os cursos d`água perderam sua conformação natural e viraram canais artificiais, comprimidos entre
muros de concreto (f125 e f126) 25. A ação pode ser classificada como uma importante intervenção na urbe
rio-florense. Além da questão territorial, ligada à ocupação das áreas alagáveis, percebe-se que eles
ficaram relegados a um plano secundário na estruturação urbana e paisagística local. As canalizações são
um reflexo das decisões tomadas em diversas cidades brasileiras para solucionar os problemas decorrentes
de constantes enchentes que atingem as ocupações que foram se estabelecendo ao longo dos rios.
23
“O Setor Especial de Revitalização se caracterizará pelo incremento de atividades de uso cultural e comercial, em convívio
harmonioso com as atividades atualmente existentes. Trata-se da área central da cidade que abriga os elementos significativos da
história e da cultura arquitetônica local.”
“O Setor Especial de Fundo de Vale compõe as faixas de drenagem vinculadas aos cursos d`água em geral definidas como não
edificáveis e áreas adjacentes, sujeitas à Legislação Federal específica, cuja ocupação terá sempre em vista a preservação e
composição da paisagem.”
24
As margens de cursos d‟água são classificadas como APP (Área de Preservação Permanente). O Brasil possui três legislações
protetivas em relação a elas. Duas utilizam como parâmetro a própria largura do curso d‟água. Como os córregos dos Ingleses e
Manuel Pereira possuem menos de 10 metros de largura, a margem secundária de ambos encontra-se amparada da seguinte forma:
- Código Florestal, Lei nº 4.771/1965 – estabelece largura mínima de 30,00 metros para cursos d‟água com até 10,00 metros de
largura. Salientamos que na época da elaboração do fichamento, o Código Florestal estava sendo revisto.
- Resolução Conama nº 303/2002 – define limites das áreas de preservação permanente. Cursos d‟água com até 10,00 metros de
largura devem manter largura mínima de 30,00 metros na extensão de cada margem.
- A de parcelamento do solo urbano estipula uma medida a ser obedecida em qualquer curso d‟água, independentemente da largura de
sua calha: Lei Federal nº 6.766/1979 – estabelece faixa “non edificandi” de 15,00 metros ao longo das margens dos cursos d‟água.
O Estado do Rio de Janeiro adota como base legal para o estabelecimento da largura mínima da Faixa Marginal de Proteção a Portaria
Serla (hoje Inea) nº 324/2003. Nos cursos d‟água com menos de 10 metros de largura a proteção mínima é de 30 metros (artigo 1º).
25
O aumento da velocidade de escoamento da água na parte canalizada ocasionou a retenção desse fluxo e algumas cheias na
cidade, uma vez que o leito natural à jusante não possui a mesma capacidade de suprir a vazão das águas que chegam.
109
Histórico/Evolução Urbana

Os projetos urbanísticos de modernização desses centros não consideraram a possibilidade de


incorporação desses elementos naturais aos respectivos planos.26 Este tipo de intervenção foi adotada em
diversos países, desde a era da industrialização e da instalação das ferrovias, quando os cursos d‟água
passaram a serem considerados obstáculos para o crescimento das cidades. 27

f125 f126
s/d. Leito natural do curso d‟água na cidade, posteriormente canalizado e retificado. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

f127
s/d. Mapa da cidade, demarcando em azul o trajeto natural do Córrego Manuel Pereira. Acervo: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

O Censo de 2010 registrou 8.561 habitantes no município. Apesar de renovar o cenário e ocupar terrenos
vazios, a volumetria de algumas das novas edificações modificou a estética urbana da área central. O
quadro revela uma transformação no entorno da Praça Coronel Sucena. O posto de gasolina desestruturou
a conformação tradicional, prejudicando a ambiência e a qualidade urbana daquele setor, fortemente
marcado por seu caráter de lugar interiorano. Apesar das transformações, a cidade ainda não possui
nenhum prédio dotado com elevador, equipamento que é um dos símbolos da verticalização imobiliária.
Os esforços mais recentes em prol da valorização cultural da área central podem ser observados em duas
ações: a recuperação do antigo Fórum Quartel Cadeia e a aprovação do Plano Diretor Participativo de Rio
das Flores (Lei Complementar nº 098/2008), 28 que passou a ser o instrumento-mor da política urbana do
município. Ele incorporou mecanismos para a preservação da cidade e dos distritos, destacando a criação
do corredor cultural, acompanhando a Rua Dr. Leoni Ramos até a Matriz de Santa Thereza D‟Ávila (art. 35).

26
Como exemplo de canalizações pode citar os seguintes rios: Tietê, em São Paulo, o Paraibuna (Juiz de Fora-MG), o Arrudas (Belo
Horizonte-MG) e o Carioca, na cidade do Rio de Janeiro.
27
O modelo se intensificou a partir da década de 1920, devido o rodoviarismo, que priorizou os carros particulares em detrimento dos
pedestres no uso dos espaços públicos. Esta tendência começou a ser questionada nas ultimas décadas do século XX, desde então,
muitos países vêm buscando transformar boa parte dos espaços à beira de seus cursos d‟água. Classificados como parques lineares,
enseadas ou cais, os rios e córregos são tratados como elementos estruturadores do espaço urbano. Como exemplo de intervenção de
grande escala, tem-se o Rio Rhône, na cidade de Lyon (França) e o Spree, em Berlim (Alemanha). No início do século atual, a Coreia
do Sul derrubou as vias elevadas sobre o Rio Cheonggyecheon, abrindo-o novamente para a cidade de Seul. O México tem projeto
semelhante para o Rio La Piedad, que corta sua capital. Um exemplo que se aproxima das características da cidade de Rio das Flores
é a do Rio Ljubljanica, na Eslovênia. Canalizado na década de 1910, recentemente foi retomado um projeto da década de 1930, que
integra os espaços lindeiros ao longo de seu trajeto como agente estruturador no processo de revitalização urbana do centro da
cidade. No Brasil, merece registro o projeto de revitalização (iniciado há cerca de trinta anos) do Rio Piracicaba, na cidade de mesmo
nome, situada no estado de São Paulo. O estado do Rio de Janeiro criou o Projeto Iguaçu, englobando faixas de terra ao longo dos
rios Sarapuí, Machambomba e Botas que visam suprir carências de espaços de lazer de cinco municípios da Baixada Fluminense.
28
Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal /1988 garante o direito às funções sociais da cidade e da propriedade, regulamentados
em 2001 pelo Estatuto da Cidade (Lei nº10.257), que definiu como instrumento-mor da política urbana o Plano Diretor Participativo.
Apesar de a obrigatoriedade de elaboração recair sobre os municípios com mais de 20.000 habitantes, ele inseriu condicionantes para
os de pequeno porte, como aqueles que integram área de especial interesse turístico (art. 41, IV), como ocorreu com Rio das Flores.
Conforme consta em seu art. 51, o Plano Diretor Participativo do município (Lei nº 098/2008) deve ser complementado por cinco leis.
Três já foram aprovadas: a de nº 106/2010 (Parcelamento do Solo e Regularização Fundiária de Áreas Urbanas), a de nº 107/2010
(Código de Obras e Edificações) e a de nº 108/2010 (Código de Posturas). Resta aprovar a Lei de Preservação do Patrimônio e a de
Contribuição de Melhoria para Fins de Implantação de Rede Local de Transmissão de Voz, Dados e Imagem.
110
Bibliografia / Fontes

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do próprio registro.

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Rio das Flores. [texto digitado], 2006.
111
Bibliografia / Fontes

SANTOS, Joeusa de Medeiros Corrêa Fortuna Salles. Laços de Família. Rio de Janeiro: Prazerdeler
Editora, 2011.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900/1990. 2.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São
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SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

SIQUEIRA, Mariana. O Resgate de um rio urbano. Revista AU. São Paulo-SP: Editora Pini, ano 26, n. 212,
p 70 a 75, nov/ 2012.

VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil, Sistemas Construtivos. 4. ed. Universidade de Minas
Gerais – UFMG, Escola de Arquitetura. Belo Horizonte: [s.n], 1961.

Acervo particular:
NOVAES, Adriano. Traslado de Autos de Obras entre a Cia Estrada de Ferro União Valenciana
(autora) e a Cia Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores (ré), 1879. [década de 1990]. Museu da
Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Anotações retiradas de um processo da Comarca de Valença
(Processo de Embargo de Obra, 1879).

Leis Municipais:
CÂMARA MUNICIPAL DE RIO DAS FLORES. Lei nº 507 de 27 de Janeiro de 1983. Dispõe sobre o
parcelamento e a ocupação do solo urbano do Município de Rio das Flores, Estado do Rio de Janeiro e dá
outras providências.

__________. Lei nº 508 de 27 de Janeiro de 1983. Dispõe sobre as construções no Município de Rio das
Flores, Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.
__________. Lei Complementar nº 11, de 13 de março de 1993. Institui Normas Gerais e Padrões de
Urbanismo e Edificação para a cidade de Rio das Flores e dá outras providências.
__________. Lei Complementar nº 12, de 13 de março de 1993. Institui o Código de Posturas do
Município de Rio das Flores e dá outras providências.
__________. Lei Complementar nº 098 de 12 de agosto de 2008. Institui Plano Diretor Participativo de
Rio das Flores.
__________. Lei Complementar nº 106, de 20 de maio de 2010. Dispões sobre o Parcelamento do solo
para fins urbanos e sobre a regularização fundiária de áreas urbanas e dá outras providências.
__________. Lei Complementar nº 107, de 20 de maio de 2010. Dispões sobre o Código de obras e
edificações do município de Rio das Flores.
__________. Lei Complementar nº 108, de 20 de maio de 2010. Dispões sobre normas relativas ao
Código de posturas do município de Rio das Flores e dá outras providências.

Arquivos consultados:
Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.
- Jornal Correio de Vassouras, ano XVI, 1951, nº 745.
Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF. Biblioteca Central: Setor Memória Fluminense.
- Album do Estado do Rio de Janeiro. Centenário da Independência do Brasil, 1922.

Consultas Online.
Consultas ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.
Acervo das revistas Vida Domestica e A Ilustração Brasileira, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso
entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.
Acervo do IBGE. Sinopse Estatística do Município de Rio das Flores (ex-Santa Tereza). IBGE, Rio de
Janeiro, 1948, disponível em <http://biblioteca.ibge.gov.br>, Acesso em agosto de 2013.
112
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Cemitério Municipal de Rio das Flores.

Localização: Município:
Ladeira Jovelino Seabra, centro. Rio das Flores.

Época de construção:
1859.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Sepultamentos.

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento de túmulos.

Propriedade:
Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

s/d. Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador do projeto) Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. (Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid)
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

113
Situação e ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth. Acessado em fevereiro de 2013. f02

Imagem gerada pelo Google Earth. Acessado em fevereiro de 2013. f03

Rio das Flores mantém uma típica paisagem de cidade interiorana, com seu núcleo central atravessado por
vias com piso de paralelepípedo, no qual estão situadas algumas praças, ponto de encontro dos moradores.
Muitas construções estão implantadas rente à calçada, e a maioria apresenta gabarito baixo (f04), sendo
que algumas edificadas recentemente já possuem altura superior, atingindo quatro andares. Em sua
estrutura urbana, destacam-se muitas casas antigas com quintais, onde a presença de árvores frutíferas
conserva o ar bucólico do interior. Os morros que contornam a cidade apresentam uma forração rala,
estando completamente desflorestados, com pequenas áreas remanescentes da Mata Atlântica (f02 e f03).
Em dias de céu azul é possível observar, da parte alta do cemitério, um dos principais pontos culminantes
da região despontando ao fundo dos morros: a montanha do Torreão. Com 1.127 metros de altitude, a
colossal pedra fica posicionada quase no alinhamento da torre da igreja de Santa Thereza D´Ávila (f01).
Situada em território mineiro, o Torreão ganhou destaque na historiografia local, ao ser citado por Eloy de
Andrade em sua obra de referencia (O Vale do Paraiba) informando que era conhecido como “Pão de
Açucar”, devido a sua semelhança com o existente na cidade do Rio de Janeiro.

114
Situação e ambiência

f04
O cemitério está situado próximo à Matriz de Santa Thereza D’Ávila (f05), num terreno íngreme de um dos
morros. Para alcançá-lo, passa-se, além da Igreja Matriz, por um casario típico da cidade. O acesso se faz
por uma ladeira em piso de paralelepípedo, denominada Jovelino Seabra. Próximo à sua entrada fica a
capela mortuária.

f05 f06

O acesso ao cemitério é feito por uma escadaria e uma rampa de concreto com guarda-corpo tubular. O
espaço é protegido por um muro caiado que tem sua frontaria protegida por um gradil sobre mureta. O
portão de acesso é de ferro e se abre em duas folhas, chumbadas em pilares de pedra (f07).

f07

115
Descrição arquitetônica

O cemitério é delimitado por muro de alvenaria. O acesso ao interior se faz por um caminho de
paralelepípedo (f08), no qual fica o cruzeiro sobre um pedestal de alvenaria, formado por peças de pedra
talhada, cobertas por uma pintura branca (f09). À sua frente se posta a capelinha, construída sobre um platô
baixo, antecedido por uma escada. Sua fachada frontal possui uma porta arrematada por uma verga
arqueada, tendo, acima, um frontão sobre o qual foi instalada uma cruz de metal (f10).

f08

f09
f10

f11
116
Descrição arquitetônica

De cada lado da passagem central ficam os espaços de terra batida utilizados para os sepultamentos. A
parte baixa do cemitério apresenta uma série de túmulos de formato retangular, revestidos por cerâmica e
mármore (f11). Após a capelinha, chega-se à parte central e ao setor onde ficam os túmulos históricos. O
piso fica delimitado por um pequeno muro de arrimo, vencido por alguns lances em degrau. Este desnível
registra o antigo costume de separação de áreas, em que a parte da frente era destinada aos enterros mais
simplórios, e a de trás, a famílias mais abastadas, pessoas ilustres e nobres (f11). Da parte mais alta do
cemitério, é possível ver a torre da igreja e os bairros residenciais da cidade se espraiando pelas encostas
(f01).

f12 f13

Esses jazigos suntuosos foram feitos por artistas europeus – portugueses ou italianos, utilizando material
importado, e são considerados obras de arte. Tem-se o emprego de símbolos do Romantismo, inspirados
na Antiguidade Clássica, e do estilo diferenciado do art nouveau do final do século XIX, marcando o
surgimento de uma produção artística que utilizava instrumentos e ferramentas em nível industrial.

f15

f14 f16

Juntamente com o cruzeiro de pedra e a capela, este setor abriga os bens de interesse para este
fichamento. O emprego da arte tumular atingiu seu apogeu nos séculos XVIII e XIX, e os materiais utilizados
eram o mármore, o granito, o ferro fundido e o bronze. Sobre o túmulo era instalado um conjunto de
símbolos que representavam, primeiramente, a importância e as posses do falecido – se era nobre ou
burguês, traduzindo o seu perfil dentro de um contexto histórico, social, econômico e ideológico. Era desejo
do abastado (ou de sua família) distinguir-se através de um objeto que o representasse. Nota-se a pátina

117
Descrição arquitetônica

impregnada em algumas dessas peças, registrando as marcas que o tempo deixou nessas obras
centenárias (f15).
Observa-se o contraste da construção de alguns túmulos com o espaço simples do cemitério, já que muitos
são de mármore, enriquecidos com peças ornamentais, como ânforas, estátuas, guirlandas, arabescos e
pináculos, ou com rebuscados gradis de ferro forjado (fotos 14, 15 e 16).
Com relação aos túmulos históricos que aplicaram mármore como revestimento, foram encontrados quatro
modelos no cemitério de Rio das Flores. Eles possuem em comum uma base feita de tijolo maciço,
revestida com argamassa, e a lápide em mármore, deixando registrado em alto relevo a memória do
falecido. O primeiro modelo tem a lápide protegida por um gradil de ferro batido ricamente trabalhado (fotos
14, 15 e 16). No segundo modelo, o tampo de mármore do sepulcro fica desprotegido, tendo, na parte
superior, uma estátua fixada, representando um anjo (f17 e f18).
A utilização dos símbolos pode ser vista nas esculturas de vários anjos, que sempre vão representar os
emissários de Deus. Uma delas apresenta uma criança com as pernas em posição descontraída, infantil,
mas com as mãos em súplica aos céus, significando a inocência e a precocidade do falecido.

f17 f18

O terceiro modelo apresenta as extremidades contornadas por placas de mármore com vazaduras
trabalhadas. O tampo do sepulcro contém inscrições em alto relevo a respeito do falecido (f19 e f20), e, na
parte frontal, eleva-se uma peça de linhas verticais sobre a qual foi instalada uma estátua e símbolos
sagrados como a cruz e até mesmo a âncora (fotos 21, 22 e 23), elemento que está ligado à esperança.

f19 f20

118
Descrição arquitetônica

f21 f22 f23

O quarto modelo é representado pelos túmulos mais suntuosos, totalmente de mármore de Carrara, onde
se observa a riqueza de detalhes. Um deles, de Manoel Vieira Machado da Cunha e Silva (filho do Barão de
Rio das Flores – f24), apresenta, na extremidade superior do jazigo, uma base sobre a qual se apoiam duas
valiosas ânforas decoradas com formato de tecido e, na boca dos vasos, a flama que simboliza a chama da
vida. O arco portal, no centro, marca a passagem entre a vida e a morte, estando representado por um
baldaquim com colunas e arco pleno protegendo um anjo mensageiro de Deus, com suas mãos postas e
com os olhos em súplica voltados para o céu. Na cúpula, há uma cruz, símbolo do amor e da fé (f22).

f24 f25

Com relação a este fichamento, tem-se como exemplo o túmulo do Barão de Rio das Flores (f26), todo
confeccionado em mármore. Sobre as bases escalonadas surgem três pedestais, sustentando altivas
estátuas: um anjo com o olhar fixo no céu, com as mãos cruzadas sobre o peito, em posição de solene
contrição; uma mulher com uma criança no colo, ambas olhando para o chão, onde uma das mãos da
mulher insinua o ato de semear; e uma outra figura feminina fitando o horizonte, segurando uma âncora,
símbolo da esperança. No centro, a coluna sextavada sobressai pela altivez, representando a totalidade da
vida da pessoa que morreu. O ornato com acrotérios faz destacar o pilarete central com guirlanda,

119
Descrição arquitetônica

representando o triunfo da vida sobre a morte. No topo, o vaso simbolizando o corpo separado da alma,
coberto por um manto, refere-se à tristeza que o atingiu, e uma coroa de flores, às belezas e às virtudes do
falecido (f26 e f27).

f26 f27 f28

A arte da escultura cemiterial está quase extinta não só devido à criação de cemitérios-jardins, mas também
ao alto custo dos materiais nobres utilizados na produção artística e à inexistência de artistas de gabarito
dedicados a tal arte. Cabe às municipalidades e às suas respectivas populações valorizar, salvaguardar e
manter este acervo inestimável, que está distribuído em cemitérios simples e seculares.
Os dois maiores túmulos do cemitério da cidade são o do Barão de Rio das Flores e sua esposa; o seu filho,
o 2º Barão de mesmo título; Manoel Vieira Machado da Cunha, também filho do Barão; Marcelino de Avellar
Barbosa e Marcelino do Valle, entre outros. Todos em mármore de Carrara importado, verdadeiras obras de
arte (f29).

f29

120
Histórico

Histórico
Por ocasião da conclusão da primitiva Igreja Matriz de Santa Thereza, em 1858, marco da criação da
Freguesia, seus fundadores e benfeitores trataram de erigir próximo a ela um cemitério que atendesse a
comunidade local, bem como os membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento, instituição auxiliar na
manutenção da Matriz. Construído em 1859, à custa do Visconde do Rio Preto, em terreno próprio, passou
a ser conhecido pelo nome de “Cemitério da Irmandade do Santíssimo Sacramento”.
Com a necessidade de separar os enterramentos de escravos, indigentes e pobres da Freguesia dos de
moradores abastados e membros da Irmandade, bem como dos de suicidas e judeus, surgiu a ideia de
ampliar o cemitério.

1899. Cemitério da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Notar no lado esquerdo, fora do muro o local
reservado para enterramento de suicidas e judeus, desaparecido com o tempo.
Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f30

f31
1894. Obituário de Manoel Vieira Machado da Cunha, filho do
barão do Rio das Flores, enterrado no cemitério. Jornal “O Paiz”
de 03/02/1894, pag 05. Disponível em <http://memoria.bn.br>.

Em 1861, Antonio Correa de Azevedo doou parte do terreno de sua fazenda Paraíso (hoje São Policarpo),
contiguo ao antigo cemitério, e separados apenas por uma cerca de bambu. No alinhamento dessa cerca,
foram construídos um muro de arrimo e uma escada que passou a dar acesso à parte superior do cemitério,
com área de 120 palmos de comprimento sobre outros tantos de extensão, obra executada por Domingos
Francisco da Costa. Esta ampliação ficou destinada, a partir de então, ao enterramento das pessoas mais
abastadas. No ano de 1862, aconteceu outra reforma de ampliação do cemitério, quando foram colocados o
cruzeiro de pedra (hoje coberto por cal), o gradil e os portões de ferro batido na entrada principal. Em 1892,
o cemitério sofreu novos acréscimos.
121
Histórico

f32
s/d. (Época provável: fins da década de 1920). Detalhe do Cemitério Público, antigo da “Irmandade”.
Notar a pequena capela edificada na década de 1920. Acervo: Candido Rodrigues Duarte Silva.

Em 1893, devido a conflitos administrativos entre os membros da Irmandade responsável pelo Cemitério e a
administração municipal, esta tomou a iniciativa de trancá-lo, proibição que durou cerca de cinco anos. A
municipalidade, então, construiu outro cemitério, no morro fronteiro à Vila de Santa Tereza, em terras de
Severino José de Arantes, proprietário da Fazenda da Natividade (o local deste antigo cemitério é onde hoje
se encontra a Pousada Rio das Flores, situada no alto do morro, com acesso pela Rua Pacheco Leão).
A partir de 1919, o antigo cemitério passou a ser administrado pela Prefeitura, mas ainda com a
denominação de Cemitério da Irmandade.1

f33 f34

f35 f36

1
A importância de se preservar os cemitérios históricos foi citada em 1970, numa das resoluções adotadas no Compromisso de
Brasília: “19 - Urge legislação defensiva dos antigos cemitérios e especialmente dos túmulos históricos e artísticos e monumentos
funerários. Fonte: CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. pp 140.
Até o ano de 2012 o Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), havia tombado o Cemitério dos Ingleses (na cidade do Rio de
Janeiro - 1984) e o Cemitério do Riachuelo e Capela (em Valença - 2001), ambos como bem isolado. No caso da Capela de São José
(em Angra dos Reis-1982) o cemitério integra o perímetro do tombamento.
122
Representação gráfica

s/d. Planta cadastral do cemitério. Acervo Prefeitura Municipal de Rio das Flores. f41

123
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. (Tradução de Beatriz Kuhl). Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Guia dos


Bens Tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. 2. ed. (Coord. Editorial Dina Lerner e Marcos
Bitencourt). Rio de Janeiro: Governo do estado do Rio de Janeiro: INEPAC, 2012.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MENDES, Francisco Roberval; et. al. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2007. (Coleção Arquitetura no Brasil, V.1).

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

124
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Igreja Matriz de Santa Thereza D’Ávila

Localização: Município:
Praça Manuel Duarte, Centro Rio das Flores.

Época de construção:
15 de outubro de 1858 – prédio primitivo.
27, 28 e 29 de maio de 1887 – prédio atual.
Estado de conservação:
No corpo da ficha.
Uso atual / Original:
Templo de Celebração Religiosa.
Proteção existente/Proposta
Preservado pela Lei Complementar n.º 098/2008 (*) / Tombamento
(*) Institui o Plano Diretor Participativo de Rio das Flores: Art. 35:
“Fica criado o Corredor Cultural, área de preservação
paisagística, histórica e ambiental da Cidade de Rio das Flores,
acompanhando a Rua Dr. Leoni Ramos até a Matriz de Santa
Tereza D’Ávila.” Título XII: do Patrimônio Histórico e Cultural.

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença-RJ.
s/d. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

125
Situação e ambiência

f02
Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em Fevereiro de 2013.

f03
Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em Fevereiro de 2013.

Existem dois caminhos principais para se chegar à cidade-sede de Rio das Flores: acessando a rodovia RJ-
145, no sentido da cidade de Barra do Piraí e prosseguindo até Valença, de onde se percorrem mais 16
quilômetros até Rio das Flores, ou utilizando a BR-040, que atende os arredores da Zona da Mata mineira,
como Juiz de Fora, e a região fluminense onde se situam cidades como Três Rios e Petrópolis. Acessando
a rodovia federal (BR-040), chega-se a duas pequenas localidades ribeirinhas, separadas pelo Rio
Paraibuna: Paraibuna e Mont Serrat, pertencentes aos municípios de Simão Pereira-MG e Comendador
Levy Gasparian-RJ, respectivamente. Neste ponto, seguindo pela RJ-151, a cerca de 30 km está o distrito
rio-florense de Manuel Duarte. A partir daí, prosseguindo pela RJ-145, ficam faltando apenas 11 km para se
chegar à sede do município. Há também a rodovia RJ-135, que está sendo asfaltada e conduz ao distrito do
Abarracamento, fazendo ligação com a BR-393 (conhecida como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do Aço).

f04

126
Descrição arquitetônica

f05

Rio das Flores mantém uma típica paisagem de cidade interiorana. Seu núcleo central possui várias vias
com piso de paralelepípedo que contornam algumas praças e as pontes sobre os córregos que cortam seu
perímetro urbano. Boa parte das edificações estão implantadas em terrenos com quintais e pomar e se
caracterizam, basicamente, por serem de andar térreo. Contudo, já se pode observar um processo de
verticalização na Avenida Getulio Vargas. O conjunto arquitetônico mais expressivo situa-se na Rua Dr.
Leoni Ramos, que abriga dois exemplares de porte monumental: o antigo Fórum Quartel Cadeia e o edifício
da Câmara Municipal, construídos para abrigar os poderes republicanos do município, dando ares de
imponência a esse trecho da rua, com uma visada singular, valorizada, ao fundo, pela presença da Igreja
Matriz de Santa Thereza D`Ávila (f06). O templo religioso está situado no Centro urbano do município (f01),
em um dos pontos elevados da cidade. Sua torre se destaca na paisagem urbana (f04 e f05). A localização
privilegiada permite que seja avistada de vários pontos da área central (f07) e de bairros mais afastados.

f06

A igreja fica implantada num trecho da área central circundado por ruas que levam a diversos pontos da
cidade. Dentre elas, destaca-se a Ladeira da Matriz, que se inicia num lance de escadaria, situada defronte
à Praça Coronel Sucena. A rua de paralelepípedo que contorna o prédio da matriz propiciou a formação de
um largo com balaustrada, com uma praça fronteiriça, criando um espaço que valoriza sua arquitetura e
permite sua contemplação (f08).

127
Descrição arquitetônica

f07

Algumas construções importantes da cidade ladeiam o templo religioso, como o centro cultural. Atrás da
igreja fica o Museu de História Regional Padre Sebastião da Silva Pereira (onde se encontra preservado um
valioso acervo de bens patrimoniais rio-florenses e da região-f16). Após o museu, no final de uma ladeira,
está o cemitério da cidade.

f08

A praça fronteiriça integra-se ao espaço da matriz criando um adro (f08 e 09), utilizado também como
passagem de veículos. O ambiente é dotado de equipamentos urbanos, como bancos e postes de
iluminação, bem como de espécies da flora, como arvoredos, palmeiras e plantas ornamentais (f01 e f09). A
praça homenageia o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro: Manuel Duarte. Ao centro, fica o busto em
bronze do ilustre brasileiro Santos Dumont, considerado o Pai da Aviação, contendo uma placa alusiva ao
ano de seu centenário de nascimento (f10).1 Segundo algumas pesquisas, o monumento foi erigido onde
ficava a primitiva igreja em que foram batizados, em 1877, Alberto Santos Dumont e sua irmã Sofia,
conforme atesta o livro de batismo da Matriz (f83). O acontecimento também ficou registrado no atual prédio
religioso, onde foi fixada uma placa ao lado da porta de entrada (f11 e f12).

1
A placa contém a seguinte inscrição: “ . . . e tudo começou com ele, alma de todas as conquistas aéreas. Comissão Estadual do Ano
Centenário de Santos Dumont 1873 – 1973.”

128
Descrição arquitetônica

f09 f10

f11 f12

A igreja tem uma sólida construção, com paredes de tijolos maciços e um primoroso embasamento em
pedra que reveste as fachadas. A cúpula foi construída com tijolos furados, apoiados em vergas de pedra
talhada. Com uma concepção de estilo neogótico, o partido adotado apresenta a torre sineira no eixo da
composição (f17). Sua volumetria destaca a nave central, com a capela-mor ladeada por dois espaços para
capelas, que, devido à diferença de pé-direito em relação à nave central, permite a entrada de luz através
de básculas envidraçadas.

f13 f14

f15 f16

129
Descrição arquitetônica

f18

f17 f19 f20

A fachada possui linhas que a verticalizam, como as decorativas meias colunas que demarcam os tramos. A
parte central é ressaltada pela portada de madeira maciça (f19), complementada por uma bandeira de arco
ogival. Logo acima está a roseta (f18) em massa e os decorativos pilaretes com frisos de arcos trilobados,
fazendo uma composição harmoniosa com as pronunciadas básculas de estilo gótico. A torre sineira é
encimada por um corucheu, em forma piramidal, de base octogonal, encimado por uma cruz (fotos 17, 20 e
22). As esquadrias laterais mantêm as bandeiras em arco ogival, caixilhos de madeira e vidros coloridos
(f21).

f21 f22
Inicio da década de 2000. Acervo: Julio Cezar Graça Mello.

A igreja está sendo submetida a uma reforma (f23 e f24), e se encontra fechada para realização das
celebrações religiosas. O forro em saia e camisa da nave e o decorativo forro da nave-mor já foram
recuperados. As ações preveem ainda a substituição das básculas de ferro por modelos de esquadrias em
folhas em madeira, resgatando o modelo que existia anteriormente (fotos 25 a 29).

130
Descrição arquitetônica

f23 f24

f25 f26 f27 f28 f29


A entrada da Igreja se faz por uma escada em pedra, talhada com esmero, possuindo arestas adoçadas. O
átrio é separado da nave central por uma parede com abertura em arco pleno (f30). Nas alas laterais, há
portões de ferro batido, e, na parede, um painel pintado representando o batismo de Cristo (f31). À
esquerda, fica o batistério, com a pia batismal de mármore (f32 e f33), e, à direita, o hall com uma escada
helicoidal (f34 e f35), com piso e guarda-corpo em ferro, que conduz ao coro (f36).
No interior da nave, um para-vento de madeira mantém a privacidade do templo.

f30 f31

f32 f33 f34 f35


131
Descrição arquitetônica

f36 f37

O amplo e iluminado espaço do coro tem piso de tábuas corridas e o guarda-corpo em ferro trabalhado
(f35). O coro se projeta em balanço (f36), a frente das paredes com aberturas em arco gótico pintadas com
a técnica de escaiola (imitação de mármore-f30 e f37). Pinturas parietais complementam os trabalhos
artísticos na parte superior dessas arcadas (f30).
Outra escada em caracol, toda de madeira, leva até a parte do forro que conduz ao interior da torre (f38 e
f39).

f39 f40

f38

f41 f42 f43

A cobertura com telhas francesas e o madeiramento do telhado já estão refeitos, recebendo reforço de perfil
metálico (f40). Dali se chega à cúpula do campanário, estruturada em tijolos cerâmicos furados (f41). O local
acolhe os sinos (f42 e f43) e dá acesso ao nicho envidraçado com a imagem de N.S. de Lourdes (f44).

132
Descrição arquitetônica

f44 f45

Ao final do levantamento, a imagem de Santa Tereza D’Ávila (f45) havia sido colocada em seu local de
origem, no altar principal (f50 e f51). A nave central distribui em cada lateral dois retábulos de madeira
pintada, com pináculos, rendilhados, frisos e ornatos, ricos lavores com douramento (f46 e f47). O
revestimento do piso, desde o átrio até a nave central, é de ladrilho hidráulico de diversas composições (f48
e f49).

f46 f47

f48 f49
Ao fundo, o arco cruzeiro é emoldurado com painel de pintura parietal (f50 e f51), com motivos de anjos e
embasamento em pedra (f52). A capela-mor, com piso de tabuado, tem barrado de pintura ilusionista,
imitando madeira, e um rico retábulo, com colunas jônicas, lavores, ornatos, volutas e frontão cimbrado
interrompido, arrematado com pinturas parietais em douramentos (fotos 53, f54 e f55). Decorativas
portinhas laterais com verga em arco pleno dão passagem para um espaço sob o retábulo, utilizado como
depósito.
133
Descrição arquitetônica

f50 f51

f52 f53 f54

As portas laterais da capela-mor (f55) levam à capela do Santíssimo e à sacristia, que possuem portas para
o exterior da edificação. Percebe-se uma grande diversidade de estilos no interior da Matriz, se opondo à
fachada, descrita como neogótica.

f55 f56 f57

134
Descrição arquitetônica

As imagens abaixo permitem visualizar o interior da Matriz no período em que estava aberta para as
celebrações religiosas (fotos 58 a f62).

f58 f59

f60 f61

f62
Imagens acima: inicio da década de 2000. Acervo: Julio Cezar Graça Mello.

135
Estado de conservação

Pelo fato de as obras de reforma estarem em andamento, não foi possível descrever o estado de
conservação da construção, bem como mensurar o resultado das intervenções. Há de se ressaltar a
retirada das esquadrias de ferro, que serão substituídas por janelas de madeira, baseadas no modelo que
havia anteriormente (que provavelmente era o original).
Até o início deste século, a igreja apresentava uma variedade de cores nas fachadas (f63), que foram
substituídas pela cor branca em meados da década passada (f64), ocasião em que ela foi contemplada com
um projeto de receber iluminação externa, com o intuito de enaltecer o prédio histórico. No entanto, não
foram tomados os cuidados necessários de preservação de alguns elementos que compõem seus valores
patrimoniais. É o que se percebe nos pontos de iluminação instalados próximos às portas de entrada, pois,
para serem colocados, foi necessário quebrar a base de pedra lavrada, o que comprometeu
irremediavelmente sua integridade (f65 e f66). Nota-se que o para-raios não se encontra mais fixado na
torre sineira (f68).

f63
2003. Acervo: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

f64
2006. Acervo: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

f65 f66
136
Estado de conservação

Um ponto que se deve ressaltar é a interferência que as construções do entorno causam na visibilidade do
prédio, a começar pelo próprio bloco de banheiros, construído próximo à sacristia, na lateral voltada para a
Rua Dr. Leoni Ramos (f69). Na fachada dos fundos, o edifício do Museu de História Regional (f16) também
compromete observar sua volumetria.

f67 f68 f69

Quanto a preservação da ambiência da Igreja é preocupante a permissibilidade da legislação urbanística


em relação a ocupação no seu entorno, que ameaça comprometer a qualidade das tradicionais visadas
panorâmicas do monumento (f04 e f05).
Atualmente, observa-se, da rodovia RJ-145, que as edificações de dois pavimentos estão obstruindo a
visibilidade do templo religioso (f70). A solução está em buscar um maior e mais cuidadoso controle no
gabarito das construções adjacentes ao Centro Histórico da cidade, fixando parâmetros de construção que
garantam a preservação adequada de sua visibilidade.

2012. Percebe-se que as novas construções vem obstruindo a visibilidade da igreja matriz. f70

137
Histórico

Histórico:
Em meados do século XIX, durante o apogeu da produção cafeeira, a região onde hoje se encontra o
município de Rio das Flores era parte integrante do município de Valença. A população, que crescia a cada
ano, sentia necessidade de conforto espiritual. É desta carência que surgiu a ideia de se criar uma paróquia,
desmembrando-a da freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença. Na sessão do dia 29 de novembro
de 1849, o presidente da Câmara Municipal de Valença, Braz Carneiro da Costa e Gama, então Visconde
de Baependy, apresentou uma proposta de criação de um curato no território da freguesia de Nossa
Senhora da Glória de Valença, na parte que limita com o município de Paraíba do Sul, com a justificativa de
que os moradores daquela zona estavam isolados da assistência da Igreja.

1899. Panorâmica da cidade de Rio das Flores, onde se destaca a torre da igreja matriz .
Acervo: Arquivo Nacional. f71

Aprovado em primeira discussão, o projeto foi encaminhado à Presidência da Província. Em 6 de outubro de


1851, o decreto Provincial nº 560 cria o Curato de Santa Tereza de Valença e autoriza a construção de uma
capela. Através do Decreto Provincial nº 814, de 6 de outubro de 1855, o Visconde de Baependy, então
vice-presidente da Província do Rio de Janeiro, elevou o curato a freguesia, com a mesma denominação.
Um fato curioso é que só em 1858 seria construída a Matriz de Santa Thereza, levando a crer que, no
período de 1851 a 1858, serviu de matriz o oratório da fazenda Cachoeira do Bom Sucesso, hoje
denominada Natividade, como consta em documentos da época. Em 1856, é organizada uma comissão
para angariar recursos para a construção da matriz em lugar apropriado. Outro dado importante, sem
nenhum documento comprobatório, foi que o fazendeiro José Vieira Machado da Cunha, mais tarde Barão
do Rio das Flores, ofereceu um terreno no alto de uma colina para se construir a referida matriz, terreno
este na divisa das fazendas São Luiz (atual bairro dos Ingleses) e Paraíso (hoje fazenda São Polycarpo).
Com poucos recursos e inacabada, a obra da primitiva Matriz de Santa Thereza foi inaugurada em 15 de
outubro de 1858. Em meio a muita festa, foi celebrada a primeira missa solene pelo padre Luis Monteiro
Pereira, após ter benzido a igreja e os paramentos. Nesse mesmo dia foi fundada, no consistório, a
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de Santa Thereza de Valença, tendo como primeiro
provedor o Barão do Rio Preto, mais tarde Visconde do mesmo título. Esta irmandade auxiliaria a paróquia
até a década de 1940, quando a mesma foi extinta.
Acredita-se que essa igreja ficasse situada poucos metros à frente da atual. Menor e mais simples,
constava de uma nave principal, capela-mor e dois consistórios: um do lado esquerdo, e outro, do direito.
Sua fachada apresentava duas torres sineiras, com uma porta principal e janelas que davam para o coro.
Internamente era forrada e assoalhada, possuindo três retábulos: o principal, com a imagem da padroeira;
um lateral, ofertado pelo fazendeiro José Rodrigues Alves Barbosa (mais tarde Barão de Santa Fé); e outro,
oferecido pelo também fazendeiro José Vieira Machado da Cunha (mais tarde Barão de Rio das Flores),
construído em 1862. Suas paredes eram de pedra e adobe. No trono do retábulo-mor estava a primeira
imagem de Santa Thereza D’Ávila, com resplendor e pena de prata, provavelmente trazida da Europa pelo
138
Histórico

Conde de Baependy e ofertada pela aia da Irmandade do Santíssimo Sacramento, D. Maria Jacintha Alves
Barbosa. Havia também nos retábulos as imagens de São Sebastião e Sant’Anna, Santo Antonio, Santa
Cecília, Santa Luzia, Menino Jesus, Nossa Senhora, São Luis e Santa Rita, seis castiçais grandes de metal
e um crucifixo, cruz paroquial, 16 vasos para flores, um lustre, dois confessionários, um par de arandelas,
três mesas, um sacrário e quatro redomas de vidro para os santos. O material de pouca qualidade
empregado na construção dessa Matriz fez com que sofresse reparos constantes. Um laudo do engenheiro
José Antonio Rodrigues, datado de junho de 1870, aconselhou o Governo Provincial a construir outro
templo, em vez de reformar, pois o mesmo encontrava-se cheio de rachaduras e com o madeiramento
podre. Em 1876, formou-se uma nova comissão para angariar recursos para a reconstrução da Matriz,
formada pelos fazendeiros Barão do Pilar, tenente Marcelino de Avellar Barbosa, vigário Luis Monteiro
Pereira e alferes Luis Vieira Machado da Cunha.
Em 1881, uma portaria do Governo Provincial, datada de 4/6/1881, autorizou a demolição da primitiva
Matriz, cujos trabalhos tiveram início em 6/9/1882 e foram concluídos em 15 de dezembro do mesmo ano. A
demolição ficou orçada em 1:884$900 de réis. Provisoriamente, as alfaias foram transferidas para a
residência do Barão do Pilar, que serviu também para celebração de missas.
A inauguração da nova Matriz se deu nos dias 27, 28 e 29 de maio de 1887, em meio a muita festa e
queima de fogos. A obra, orçada em 53:872$035 de réis, levou seis anos para ficar pronta e foi construída
em arquitetura neogótica, muito comum em igrejas do final do século XIX, tradicionalmente em forma de
cruz latina. Foi empregada na sua construção grande quantidade de material importado da Europa, como as
telhas, de Marselha; grades e escada, de Portugal; madeira e vidros. A nave era forrada com forro tipo saia
e blusa, pintado de branco e, pendendo dele, lustres de velas de cristal da Boêmia e uma lâmpada de prata.
O piso da nave, da capela-mor e das sacristias era em tábuas de pinho-de-riga, e o da entrada, em ladrilhos
hidráulicos. No arco cruzeiro havia uma balaustrada também em pinho-de-riga, separando a nave da
capela-mor. Todas as janelas com arco em ogiva tinham bandeiras com vidros coloridos e basculantes
abrindo na vertical (as seis maiores e as das sacristias). Havia duas escadas: uma de ferro, importada de
Portugal, que dava acesso ao coro, local em que foi instalada a outra, de madeira, que conduzia à torre
sineira, onde foi colocado o antigo sino da primeira Matriz.
A portada de entrada de madeira era encimada por um arco em ogiva, decorado com vidro colorido, que
servia de iluminação para o coro. Após a porta de entrada, no lado direito, a escada caracol dava acesso ao
coro, e, no lado esquerdo, ficava o batistério com a pia batismal em mármore de Carrara, provavelmente a
usada por Santo Dumont em seu batismo. Os arcos desse vestíbulo eram pintados imitando mármore. Os
retábulos da nave e da capela-mor (cinco), em estilo neogótico lituano, foram feitos, muito provavelmente,
por artistas italianos. Nos tronos dos mesmos, as imagens da primitiva e da nova Matriz, como, por
exemplo, as de Santa Thereza, São Sebastião, Santa Efigênia, Santa Maria Salomé e Sant’Anna, todas em
madeira policromada. Um fato curioso sobre o altar de Santa Maria Salomé foi ter ele sido construído com
recursos exclusivos do Barão do Rio das Flores, que não viveu para vê-lo pronto, mas deixou em
testamento a quantia específica para tal e disse que o altar teria que ser em homenagem à mencionada
santa, homônima de sua distinta mulher. Este altar foi bento em 1888.
Havia nos altares crucifixos e tocheiros em madeira policromada, e, na sacristia, arcazes de vinhático
adquiridos em 1887. Na torre sineira foram instalados dois sinos de bronze: um menor, adquirido em 1873
(da antiga matriz), e um outro maior, em 1887. O lustre grande de cristal da Boêmia foi fornecido pela firma
“Seabra e Almeida”, em 1888. Em 21 de agosto de 1895, a Matriz recebeu a visita do bispo de Niterói,
cidade a cuja diocese pertencia a paróquia de Santa Thereza. O bispo fez muitos elogios ao templo, mas
reclamou da ausência de um para-vento na entrada da igreja e de uma lâmpada para o Santíssimo.
Na noite do carnaval do dia 18 de fevereiro de 1896, um lamentável incêndio destruiu a capela-mor,
implicando a perda do altar e da primeira imagem de Santa Thereza. No mesmo ano, o provedor da
Irmandade do Santíssimo Sacramento providenciou recursos para a reconstrução da capela, que foi
concluída em 16 de fevereiro de 1897. A obra, que ficou orçada em 25:000$000 de réis, foi realizada graças
aos esforços do provedor, o Barão da Aliança. Para a obra de reconstrução foram contratados os artistas
mineiros conhecidos como “Os Capitéis”, que reconstruíram o retábulo-mor em linhas ecléticas. Estes
mesmos artistas foram também responsáveis pela colocação dos para-ventos de madeira com vidros
pintados representando os quatros evangelistas e pela pintura dos painéis da capela-mor, do arco cruzeiro,
do coro e do batistério.
O cidadão José Rodrigues Sucena ofertou à Irmandade uma nova imagem da padroeira, adquirida na
Europa e que ficou exposta, até a conclusão da obra, na residência do coronel Vicente Augusto Rodrigues.
Em 1903, é fundada a Associação do Sagrado Coração de Jesus. A associada Ernestina Sucena e seu
esposo, Dr. Lopes Domingues, oferecem à Matriz a venerada imagem do Sagrado Coração de Jesus. No
ano de 1914, a Liga do Sagrado Coração de Jesus da Matriz de Santa Thereza adquiriu a imagem do
“Senhor Morto“ para os dias da Semana Santa.
Em 1923 a igreja foi reformada e embelezada internamente, na mesma década foi construído ao lado da
Igreja um anexo, conhecido como barracão (como se fosse um salão paroquial), ele seguia o estilo chalé, o
beiral da cobertura era adornado com lambrequins. Em 1928, a igreja passou pela primeira grande reforma
desde sua inauguração, no ano seguinte o pároco Francisco Antonio Acquafredda, por meio de uma circular
datada de 23 de maio de 1929, pediu aos fiéis que contribuíssem com o livro de ouro das obras.

139
Histórico

s/d. (Época provável: fins da década de 1920). Obras na praça envoltória da igreja matriz de Santa Thereza D’Ávila.
Acervo: Candido Rodrigues Duarte Silva. f72

Foram realizados serviços urbanísticos no entorno da igreja. Próximo ao Centro da cidade (atual Praça
Coronel Sucena) foi construída uma escadaria, dando acesso ao Largo da Matriz (que, a partir da década
de 1890, passou a se chamar Praça Governador Portela). O espaço recebeu tratamento paisagístico (f72),
possuindo um formato circular, ornamentado com grama intercalada com piso, tendo, ao centro, um
gramado com uma pedra (f73). Entre as décadas de 1920 e 1930, ela passou a ser denominada Praça
Presidente Manuel Duarte (homenagem ao ilustre político que frequentava a cidade), ganhando um espelho
d’água em formato circular e bancos de alvenaria. Também foram plantados fícus, podados à moda tupiara.

s/d. Panorâmica da praça construída a frente da matriz de Santa Thereza D’Ávila. Fonte: Revista O Malho, edição outubro de 1929.
Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f73

Foi instalada na janela da torre sineira uma imagem em madeira de Nossa Senhora de Lourdes protegida
por um vidro (f44). Na parede ao lado dessa janela, foram pintados o ano de 1928 e uma inscrição em latim,
cuja tradução é: “puseram-me de guarda” e. A frente do frontispício (ou frontaria) da Igreja foi sobreposta a

140
Histórico

construção de uma galilé com arcadas em ogiva (f74 a f77), que tradicionalmente tinham a função de servir
de abrigo, para que os fiéis iniciassem ali um breve período de contrição, antes de entrarem no templo
sagrado.

1935. Fachada da Igreja, com a galilé. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f74

f76

f75

f77
s/d. Imagens da Igreja matriz de Santa Thereza D’Ávila, com a galilé à frente. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores.

141
Histórico

1941. Foto panorâmica, pegando o adro da Igreja matriz. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f78

1938. Cartaz da festa de Santa Thereza. Acervo: Museu 1952. Comunicado referente às obras realizadas na década de 1950.
de História Regional de Rio das Flores. f79 Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f80

Em 1946, o pároco José Nicodemos Facuri, acusou a doação das imagens de Nosso Senhor dos Passos e
Nossa Senhora das Dores, ofertada pelo bispo diocesano D. Rodolfo de Oliveira Penna. Em 1948 foi
iniciada uma campanha para a realização de obras da igreja (f80). Após quatro anos - 1948, 1949, 1950 e
1951, foi arrecadada quantia suficiente para a uma grande reforma, e que marcou a retirada do galilé da
142
Histórico

frente do templo, bem como da balaustrada de madeira que separava a nave da capela mor. O piso de
assoalho foi trocado por ladrilho hidráulico.

1944. Comunicado de missa na Matriz. s/d. Procissão descendo a Rua Dr Leoni Ramos, tendo ao fundo a matriz de Santa
Acervo: Museu História Regional Rio das Thereza D’Ávila. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores. f82.
Flores. f81.

Foi também na década de 1950 que ocorreu a descoberta de um dos mais valiosos registros documentais
do município, relacionado à ilustre pessoa de Santos Dumont. Além de representar um dos maiores
acontecimentos da história local, o fato ligou a cidade de Rio das Flores a um dos mais importantes
brasileiros da história. O feito coube ao senhor Euvaldo Goulart (f84), que encontrou as certidões de
batismo de Alberto Santos Dumont e de sua irmã, Sofia (nascida em Rio das Flores). O batizado ocorreu no
dia 20 de fevereiro de 1877, na primitiva igreja matriz. A descoberta causou enorme repercussão. Em 1958
foi erguido na praça frontal um busto em homenagem ao Pai da Aviação e no ano seguinte o Ministério da
Aeronáutica concedeu ao autor da descoberta um diploma (f83) e uma medalha de prata “Mérito Santos
Dumont”.

s/d. Certidão de batismo de Santos Dumont. Acervo: Museu de História Regional 1959. Diploma concedido ao senhor Euvaldo
de Rio das Flores. f83 Goulart. Acervo: Museu História Regional Rio das
Flores. f84

Em 1973, ocorreu outra grande reforma no prédio, quando provavelmente foram colocados nas janelas os
basculantes de ferro. Também foi aplicada pintura nas paredes externas e internas. Parte da imaginária foi
retirada e substituída por material de gesso. No arco cruzeiro, nos arcos do vestíbulo e do coro, assim como

143
Histórico

no rodapé da nave, foram realizadas marmorizações pelo polonês Jaroslav Krejei. A imagem da padroeira
(f45), atacada por cupins foi quase que destruída, tendo sido então retirada e restaurada.

1973. f85 1973. f86 1973. f87


Evento do centenário de Santos Dumont, com a instalação do busto atual. Acervo: Museu de Historia Regional de Rio das Flores.

É provável que todas essas obras no templo religioso estivessem ligadas ao evento comemorativo dos cem
anos de nascimento do Pai da Aviação, ocorrido em 1973, quando a Aeronáutica promoveu homenagens ao
patrono da Força Aérea Brasileira. Para isso, foi montada no município uma comissão do centenário. Além
da igreja, a praça também teria sido reformulada naquela época. O busto primitivo (f88) foi substituído pelo
atual, surgindo dúvidas quanto à forma de posicioná-lo: se deveria ficar com a face voltada para a fachada
da igreja ou para a cidade (f85, f86 e f87). Decidiu-se, por fim, pela primeira opção. O busto anterior (f88) foi
deslocado para uma das pracinhas da cidade (f07), que ganhou o nome de Santos Dumont. Décadas
depois, o assunto foi matéria em um dos jornais de maior circulação do país (f89):

2012. Busto primitivo (sem chapéu), em seu 02 de fevereiro de1992. Fonte: Jornal do Brasil (material cedido pelo Museu de
novo local. f88 História Regional de Rio das Flores). f89

O evento do batizado do Pai da Aviação tornou-se um dos maiores destaques na mídia, explorado pelo
turismo local e merecedor de várias citação em eventos expositivos.
144
Histórico

s/d. Acervo: Museu História Regional de Rio das Flores. f90 2008. Folheto dos 150 anos da paróquia. Acervo: Paróquia de
Santa Thereza D’Ávila. f91

Em 1935, o então prefeito da época, João Lacerda Paiva, decretou a criação do feriado de 15 de outubro,
em louvor a Santa Thereza, padroeira dos rio-florenses, data em que ocorre a tradicional festa de Santa
Thereza D’Ávila2 na cidade.3
Até o seu fechamento para obras, eram realizadas missas na matriz sempre aos domingos, no horário das
19:00 horas.

2
Santa Thereza D’Ávila: nasceu no dia 28 de março de 1515, batizada como Tereza de Cepeda Y Ahumada, em Avila, Castilha,
Espanha. Filha de Alonso Sanchez de Cepeda e Beatrice Davila y Ahumada, Tereza foi educada pelas irmãs Agostinianas até 1532,
quando voltou para casa por causa de sua saúde. Quatro anos mais tarde, entrou para o Convento das Carmelitas Descalças, em
Ávila, um estabelecimento que era negligente com relação a pobreza e clausura. Ela voltou de novo para casa em 1536, por dois anos,
devido à sua saúde. De 1555 a 1556, ela teve visões e ouviu vozes. No ano seguinte, São Pedro de Alcântara passou a ser o seu
diretor espiritual e ajudou-a sobremaneira no seu apostolado religioso. Desejosa de ser uma freira que obedecesse rigidamente às
regra das Carmelitas, Santa Tereza fundou, em 1567, o convento de São José em Ávila, onde ela foi seguida por outras irmãs que
desejavam uma vida mais rígida. Em 1568, recebeu permissão do Pio Geral da Ordem das Carmelitas para continuar o seu trabalho e
fundou dezesseis outros conventos, recebendo o apelido de "a freira perambulante", devido às suas frequentes viagens. Tereza se
encontrou com São João da Cruz, outro Carmelita, buscando a reforma, em Medino del Campo, local do seu segundo convento. Ela
fundou ainda um monastério para homens em Duruelo, em 1568, mas passou a responsabilidade de dirigir e reformar ou fundar outros
novos monastérios para São João da Cruz. A oposição se desenvolveu entre as Carmelitas (calçadas) e membros da Ordem original, e
o Concílio de Piacenza, em 1575, restringiu muito as suas atividades. A rixa continuou até que o Papa Gregório XIII (1572-1585), a
pedido do Rei Felipe II, da Espanha, reconheceu as Reformadas Carmelitas Descalças como uma província separada da Ordem das
Carmelitas original. Nesta altura, a maturidade espiritual de Santa Tereza era evidente, e os seus livros e cartas foram sendo
conhecidos e passaram a se tornar clássicos da literatura espiritual e logo incluíram sua autobiografia, chamada "O Caminho da
Perfeição", e o seu livro "Castelo Interior" como clássicos da teologia espiritual. Santa Tereza foi reverenciada como uma grande
mística, tendo notável senso de humor e bom senso, combinando uma deslumbrante atividade com uma mística contemplação. Ela
morreu no dia 4 de outubro de 1582 (14 de outubro pelo calendário gregoriano, adotado no dia seguinte à sua morte e que avançou o
calendário por 10 dias). Foi canonizada em 1622 pelo Papa Gregório XV e declarada Doutora da Igreja em 1970, pelo Papa Paulo VI.
3
Párocos que passaram pela Matriz de Santa Thereza D’Ávila: Luis Monteiro Pereira (1856-1870), Theodoro Theotonio da Silva
Carolina (1870-1878), Joaquim José de Carvalho (1879 –1884), João Luis Rodrigues Torres (1884), Cônego Cândido Marinho
D’Oliveira (1884 –1887), João Alves Guedes Pereira (1887 –1890), João Luis Rodrigues Torres (1891 –1895), Theodoro Theotonio da
Silva Carolina (1895-1898), Melquiades Augusto de Mourão Matos (1898–1900), Frederico kaber (1903), Ambrózio Azevedo de
Coutinho (1903 –1908), Miguel Siebler (1908 – 1912), Carlos Gorchteimer (1912 – 1917), Augusto Joaquim Rocha (1917 – 1921),
Francisco Antonio Acuafreda (1921 – 1934), Oscar Silva (1936 – 1937), Antonio de Paula Dutra (1937 –1938), Martins Destert (1938 –
1941), Francisco Weber (1941-1943), Reinaldo Brito (1943 – 1945), José Nicodemos Cafuri (1945 –1965), Sebastião da Silva Pereira
(1965 – 1974), Argemiro Brochado Neves (1974 – 1977), Johusan Ferreira Mury (1977 – 1982), Sebastião da Silva Pereira (1982 –
1986), Juvenal Aranha Netto (1987 – 1992), Wilson Wermelinger (1992 – 1996), Joel Martins de Abreu (1996 – 1999), Pedro Mendes
Rodrigues (2000-2007), Décio Epifanio (a partir de 2007).

145
146
147
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. (Tradução Beatriz Kuhl). Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

OLIVEIRA, João Carlos C. Igreja de Santa Tereza D`Ávila – projeto cultural para restauração. Rio das
Flores, [texto digitado].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Leis Municipais:

CÂMARA MUNICIPAL DE RIO DAS FLORES. Lei Complementar nº 098 de 12 de agosto de 2008.
Institui Plano Diretor Participativo de Rio das Flores.

Consultas Online.

Acesso e consultas ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

148
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Câmara Municipal de Rio das Flores

Localização: Município:
Rua Dr. Leoni Ramos, nº14, centro Rio das Flores.

Época de construção:
Inaugurado em 1898.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Sede da Câmara Legislativa e do Poder Executivo de Rio das
Flores/Sede da Câmara Legislativa Municipal.

Proteção existente//Proposta:
Preservado pela Lei Complementar n.º 098/2008 (*) / Tombamento
(*) Institui o Plano Diretor Participativo de Rio das Flores: Art. 35:
“Fica criado o Corredor Cultural, área de preservação
paisagística, histórica e ambiental da Cidade de Rio das Flores,
acompanhando a Rua Dr. Leoni Ramos até a Matriz de Santa
Tereza D’Ávila.” Título XII: do Patrimônio Histórico e Cultural.

Propriedade:
Câmara Legislativa de Rio das Flores.
s/d. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

149
Situação e Ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em Fevereiro de 2013. f02

Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em Fevereiro de 2013. f03

A cidade de Rio das Flores fica situada no Médio Paraíba fluminense e, geograficamente, caracteriza-se por
ser circundada por morros em formato meia laranja, estando a maioria tomada por uma rala pastagem (f04).
Existem dois acessos principais para se chegar à cidade: a rodovia RJ-145, que, a partir de Barra do Piraí,
cruza a BR-393 e segue em direção a Valença, distante 16 quilômetros de Rio das Flores, e um caminho
que utiliza a BR-040, que atende os arredores da Zona da Mata mineira, como Juiz de Fora, e a região
fluminense onde se situam cidades como Três Rios e Petrópolis. Acessando a rodovia federal (BR-040),
chega-se a dois pequenos núcleos urbanos, separados pelo Rio Paraibuna: as localidades de Paraibuna e
Mont Serrat, pertencentes aos municípios de Simão Pereira-MG e Comendador Levy Gasparian-RJ,
respectivamente. Neste ponto, seguindo pela RJ-151, a cerca de 30 km está o distrito rio-florense de
Manuel Duarte. A partir daí, prosseguindo pela RJ-145, ficam faltando apenas 11 km para se chegar à sede
do município. Há também a rodovia RJ-135, que está sendo asfaltada. Com acesso próximo ao bairro dos
Ingleses, ela conduz ao distrito do Abarracamento, de onde segue até encontrar com a BR-393 (conhecida
como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do Aço) nas proximidades de Andrade Pinto (distrito de Vassouras).

150
Descrição arquitetônica

Rio das Flores mantém uma típica paisagem de cidade interiorana. Seu núcleo central é marcado por vias
com piso de paralelepípedo e, nele, encontram-se pequenas praças – pontos de encontro dos moradores
locais. Muitas construções ficam implantadas rente à calçada, e a maioria apresenta gabarito baixo.
Algumas edificações recentes já apresentam gabarito superior, atingindo quatro andares. A paisagem é
composta por quintais, onde as árvores frutíferas mantêm o ar bucólico do interior (f04). Já os morros que
contornam a cidade apresentam um quadro inverso, onde a mata foi substituída por forração de pastagem,
já apresentando erosões em certos pontos (f02 e f03).

f04

O conjunto urbano mais expressivo situa-se na Rua Dr. Leoni Ramos (f04), onde se destacam a Igreja
Matriz de Santa Thereza D`Ávila aos fundos, o antigo Fórum Quartel Cadeia e o prédio da Câmara
Municipal, exemplares arquitetônicos de porte monumental (f05), representantes do rico patrimônio legado
pelo apogeu do café nesta região. Construídos para abrigar os poderes constituídos do município, são
edifícios que dão ares de imponência a este trecho da rua, estando circundados por outros prédios, como o
ginásio Santa Thereza, a sede da Prefeitura Municipal, o Posto de Saúde, a Rodoviária Major Galileu (f06) e
a Praça da Bandeira (f07), que tem, ao fundo, uma quadra esportiva coberta por estrutura metálica, situada
no entorno do grande espaço que engloba o parque de eventos e o campo de futebol.

f05

151
Descrição arquitetônica

f06

f07

A Câmara fica localizada num lote estreito e de esquina. Ambas as divisas laterais são muradas, uma faz
rumo com uma residência e a outra com uma rua em aclive, que leva a um setor residencial, de onde se tem
uma visão panorâmica da cidade.

s/d (data provável: início da década de 1990). Acervo: Câmara Municipal de Rio das Flores. f08
152
Descrição arquitetônica

f09

Apesar de não terem sido realizadas prospecções, tudo indica que as paredes do prédio são de tijolo
maciço. Seu embasamento foi revestido de chapisco e possui orifícios guarnecidos de grade de ferro, que
garantem a ventilação do porão. A frente da fachada principal fica quatro pilares de alvenaria, dispostos
simetricamente sobre a calçada, servindo de apoio a pequenos postes de ferro com luminárias imitando
lampiões (f09).
O prédio, com dois pavimentos, apresenta uma arquitetura imponente, que se destaca do conjunto das
demais edificações do centro histórico. Possui características marcadamente neoclássicas, evidenciando
uma preocupação estética, visível no tratamento apurado de todos os elementos que compõem as suas
fachadas. A principal tem seu tramo central projetado a frente, dando-lhe uma movimentação que enriquece
a percepção dos detalhes no tratamento das esquadrias, dos cunhais almofadados, das cornijas e dos frisos
contínuos, arrematados por telhas cerâmicas, que contornam todo perímetro do prédio. A fachada dos
fundos também apresenta essa movimentação, dado pelo volume central (ocupado pela caixa de escada),
que se projeta para o exterior (f70).

f10

Pela parte superior das paredes externas segue uma platibanda, que esconde as quatro águas do telhado -
executado com telhas francesas. A fachada frontal apresenta o tramo central rompendo a citada platibanda,
tendo seu eixo coroado por uma estrutura na forma de um pórtico neoclássico, onde se lê a inscrição
"Municipalidade". Sobre ele há um pequeno frontão, arrematado por um pináculo (f10).

153
Descrição arquitetônica

A entrada principal situa-se no eixo da composição, possuindo uma porta de madeira maciça almofadada. O
tramo central é complementado por uma janela em cada lado, cujo vão chega até o nível do piso, havendo
engastado um guarda-corpo de balaustrada vazada, sobre o qual ficam as folhas de abrir que conjugam
paletas de venezianas na parte baixa e caixilhos de vidro acima (f12 e f13). Essas aberturas (porta e
janelas) se diferenciam de todo o restante por possuírem vergas em arco pleno, com as bandeiras em
caixilho de vidro mantendo a curvatura (f09 e f12). Sobre elas alinham-se no andar superior três janelas que
sustentam os mastros para exposição das bandeiras do Brasil, do Estado do Rio de Janeiro e do município
(f11). Sua parte exterior é definida por uma balaustrada vazada na base, sobre o qual ficam dispostas
janelas com folhas de madeira, conjugando paletas de veneziana e caixilhos de vidro. Esse modelo é,
idêntico ao das demais janelas das fachadas (f01 e f09), possuindo na parte superior bandeira com caixilho
de vidro, fechamento em verga reta e sobreverga em moldura em massa (f15). Nas janelas do pavimento
térreo, a sobreverga é arrematada por um ornato com delicadas mísulas, com reticulado, folhas de acanto e
minúsculo leque (f14). Internamente as janelas apresentam folhas de madeira maciça almofadada (f22),
sendo que as três folhas existentes no plenário são inteiriças, vedando os balaústres vazados e adquirindo
o caráter de portas, semelhantes às que atendem os ambientes internos (f11 e f23).

f13 f14
f11

f12
f15

O prédio tem como um dos principais destaques seu revestimento externo, que, além da discreta pintura de
frisos, técnica de ilusionismo que dá aspecto de paredes almofadadas, recebeu a pintura de imitação de
mármore, que segundo nossas pesquisas, seria conhecida como escaiola.1
O acesso da rua ao interior do prédio se faz por uma escada com quatro degraus em pedra talhada,
chegando ao salão de recepção, cujo piso é de ladrilho hidráulico com paginação de faixas decorativas (f16
e f17). As paredes do ambiente receberam revestimento semelhante a utilizada em toda a fachada externa:
1
Escaiola; também conhecida como técnica do mármore-estuque; é uma argamassa de gesso, cola e pigmento que imita o mármore e
outras pedras semipreciosas e serve para revestir paredes, colunas e demais componentes, bem como à ornamentação artística. Ela é
obtida de forma artificial, utilizado um sofisticado processo de manipulação dos materiais, possibilitando a inserção de nuances de
cores vivas e suaves, o que enriquece o contraste das peças mais elaboradas. Após seca e polida a massa encontra-se pronta para
aplicação. Existe uma outra técnica de enxertos ou incrustações em pedras e cantarias, semelhante à marchetaria, conhecida como
escaiola carpigiana.
Apesar de ser uma invenção datada do século XVII, atribuída ao italiano Guido Fassi, alguns acreditam que a scagliola (seu nome em
italiano) seja um aprimoramento de uma técnica mais antiga. Por ser mais barata do que a aplicação de pedras semipreciosas nas
cantarias, muitos consideram que ela apareceu como uma alternativa para substituir minerais naturais raros e caros. Contudo, alguns
pesquisadores afirmam que ela nunca foi usada como alternativa econômica. Pelo contrario, surgiu como uma arte plena de riqueza,
sendo até hoje apreciada. Sua difusão atingiu o ponto máximo com os artistas da cidade italiana de Florença no final do século XIX,
com a introdução de novos materiais, como o cimento Portland. No Brasil, a escaiola foi amplamente produzida a partir da segunda
metade do século XIX. Até meados da década de 1960, havia demanda de serviços para os escaiolistas no país.
154
Descrição arquitetônica

a técnica em escaiola, imitando a pedra mármore. As portas situadas em ambas as laterais dão acesso a
alguns gabinetes dos vereadores e a que fica posicionada de frente para a escada de acesso conduz ao
hall, tendo a sua direita os banheiros e um cômodo maior, com divisórias para acomodar as salas dos
vereadores. À esquerda, ficam o arquivo e outros cômodos de uso geral. A porta que acessa os fundos do
prédio possui a altura do vão reduzida (f18), em função do patamar da escada – sendo ela uma valiosa
peça feita toda em madeira pinho-de-riga, com peças torneadas (f19), cujo ambiente apresenta as paredes
revestidas com a técnica de escaiola (f20). O acesso a escada se dá pelo lance central, e o patamar
distribui para outros lances laterais (f19). Observa-se, junto à base do patamar, duas básculas fixas, que
são as bandeiras da porta e da janela do hall dos fundos da escada (f20 e f25), tendo acima duas janelas
com paletas de veneziana e caixilhos de vidro. O relógio de pêndulo é uma peça rara (f21), além de
fornecer as horas, mostra o dia e as fases da Lua. O segundo pavimento é recepcionado por um pequeno
hall. À direita, ficam a sala de reuniões, a tesouraria e a contabilidade, e, à esquerda, os banheiros e a sala
do presidente da Câmara (f22), com lavabo. No salão, à frente, funciona o plenário (f23).

f16 f17

f18

f19 f20

f21 f22
155
Descrição arquitetônica

f23

f24 f25 f26

f27 f28

Todo o forro do edifício é de madeira, com encaixe em saia e camisa, pintado na cor branca. O rodapé é em
massa. Os banheiros possuem lavabo, tendo paredes internas à meia altura (f29). O piso das salas possui
tábuas corridas de cedro e da madeira nobre pinho-de-riga (f30), que também embeleza o piso do plenário
(f31). As altas portas com bandeiras em vidro são de duas folhas de madeira almofadadas, mantendo a
harmonia com o alto pé direito do prédio.
Numa das laterais fica um gradil com portão que dá acesso aos veículos (f24), com a rampa conduzindo ao
setor da garagem. A fachada de fundos conserva esquadrias semelhantes às existentes nas demais
fachadas (f25 e f26). O terreno abriga um anexo, construído na primeira década do século XXI, visando
oferecer infraestrutura de garagem, copa, cozinha, depósito e banheiros (f27). O espaço ganhou piso de
ladrilho cerâmico, com misto de laje e forro de madeira pintada. As esquadrias em madeira com caixilhos de
vidro reproduzem o mesmo estilo das janelas originais do prédio histórico. Um corredor, com cobertura de
laje de concreto armado, faz a ligação entre as duas construções (f36). O espaço dos fundos é circundado
por um pequeno jardim gramado, tendo, de um lado, um chafariz (f27), e, do outro, um nicho em pedra com
a imagem de uma santa (f28).
O prédio apresenta solidez. Seu embasamento de pedra, barrotes, paredes e cobertura aparentam estar
bem conservados, assim como as esquadrias e o forro. O assoalho, de pinho-de-riga, de uma maneira geral
(f30 e f31), encontra-se em bom estado, mas nota-se que já está ficando deteriorado devido à ação do
tempo, à exposição às intempéries, ao ataque de xilófagos (cupins) e à fixação de divisórias (f30).

156
Estado de conservação

Observando registros iconográficos, vemos que as duas folhas internas das janelas laterais à portada de
acesso (f12), foram substituídas por folhas dobradiças. Apesar de não ter sido possível datá-la, essa
intervenção pode ser analisada comparando as imagens f60 e f61.

f29 f30 f31

A última grande reforma empreendida no prédio se deu há poucos anos, na primeira década do século XXI,
quando foi realizada uma prospecção estratigráfica nas esquadrias e ornatos, decidindo por adotar uma cor
amarela semelhante a que havia sido aplicada num período anterior. O antigo piso cerâmico do salão e dos
halls foi substituído por ladrilho hidráulico, com paginação e tapetes decorativos (f16 e f17). Os novos
banheiros também foram adaptados à funcionalidade do espaço (f29).

f32

f33 f34

A pintura do imóvel apresenta uma rara técnica, sendo merecedora de uma análise à parte. Observando as
fachadas do prédio, bem como seus ambientes internos, é possível notar que, ao longo do tempo, ela sofreu
danos, com origem em causas intrínsecas (devido às características do próprio material, como sua
resistência e o próprio envelhecimento) e extrínsecas, que estão ligadas à intervenção humana e à ação da
natureza. A análise aponta que, externamente, a pintura apresenta um considerável índice de degradação
(f32 e f35), causadas provavelmente pelo somatório de ações pontuais, que foram sendo realizadas em
épocas distintas.
Percebe-se também que algumas fachadas receberam recomposição, em virtude da desagregação do
revestimento. As intervenções relativas aos projetos de reforma também interferiram na pintura, como na
fachada de fundos, na qual, em determinada época, foram instaladas as básculas dos banheiros (f34).
Recentemente foi ancorada a laje de concreto armado, ligando o prédio histórico ao novo anexo nos fundos
(f35 e f36).

157
Estado de conservação

2005. Acervo: R.M Arquitetura. f35 f36

O valioso resvestimento também sofreu degradação devido à ação das chuvas, ocasionando umidade
descendente e ascendente (que atinge a base das paredes-f32), causando intumescimento e desagregação
do emboço. Observou-se que a platibanda da fachada frontal apresentava bolor e sujidade, e o desgaste
poderia estar relacionado à infiltração das águas pluviais no topo da parede ou a alguma falha na calha
coletora no telhado (f37 e f38). Na última grande obra realizada no prédio, a antiga pintura foi então
recoberta por outra, que buscou atingir a tonalidade da técnica original (f39). Entretanto, percebe-se que ela
vem apresentando os mesmos sintomas (f40), revelando que a intervenção não conseguiu resolver as
causas dos danos verificados.

f37 f38
2005. Acervo: R.M Arquitetura.

f40
f39 2013. Platibanda começa a apresentar novamente bolor e sujidade

A solução de recompor a pintura vem sendo realizada em épocas distintas (f41 e f42). Uma intervenção
grosseira ocorreu na parede de fundos da caixa de escada, que foi revestida com argamassa de cimento
(f48). A avaliação que se faz é que essas tentativas de retoques não resultaram na correta conservação
dessa valiosa técnica. É imprevisível o efeito de possíveis reações químicas que os novos produtos

158
Estado de conservação

aplicados podem causar na pintura original. Outros problemas relacionados à sua conservação residem em
ações como fixar apoio da fiação de energia elétrica (f43), furar a parede para atravessar fios (f44), inserir
pregos e parafusos para fixar peças, como o extintor de incêndio (f45) e placas (f46 e f47). Neste último
caso, os quadros levam a uma alteração de sua coloração.

f41 f42 f43

Na parte superior da parede lateral da caixa de escada que faz divisa com os banheiros é visível o
desprendimento de uma grande placa do emboço, mantida no local devido a um adesivo transparente (f49),
solução adotada há pelo menos vinte anos e que possivelmente prejudica a necessária trocar de ar da
parede com o ambiente.
Segundo nossas análises, a solução ideal seria contratar uma equipe especializada, para realizar um
mapeamento dos danos e montar um caderno de conservação preventiva do prédio.

f44 f45 f46 f47

f48 f49

O prédio sofre com a constante trepidação produzida pelo trânsito de veículos, principalmente aquela
relacionada aos ônibus circulares, já que a rodoviária está localizada em frente da Câmara (f50 e f51).
Com relação a sua ambiência, o maior dano refere-se às interferências causadas pela profusão de fiação
elétrica instalada na Rua Dr. Leoni Ramos, que intere negativamente na visualização de sua arquitetura (f01
e f09). Por volta da década de 1960 foi edificada a rodoviária (f50). A concepção original do prédio, dado
pela cobertura sustentada por pilares não prejudicava demasiadamente o contexto (f51), mas o acréscimo

159
Estado de conservação

do atual ponto comercial e dos banheiros acabou prejudicando a visualização da fachada da Câmara
Municipal e rompendo a ligação do mesmo com a praça contígua a ele (f07 e f52).2
A instalação de uma cobertura metálica na quadra poliesportiva acabou destruindo a escadaria que
integrava a praça com o terreno do parque de exposições, local de onde era possível visualizar a fachada
do prédio (f53 e f54).

f50 f51

f52
2013. Bloco dos banheiros e da lanchonete da Rodoviária bloqueia a ligação e a visão da praça, com o prédio da Câmara Municipal.

f53
2012. Panorâmica, abrangendo os prédios da Câmara Legislativa e o antigo “Forum Quartel Cadeia”,
nota-se a cobertura metálica da quadra poli esportiva, que prejudica a ambiência dos prédios monumentais.

2
A concepção original do prédio da rodoviária pode ser visualizada na foto publicada na ficha da cidade de Rio das Flores, que consta
neste inventário, onde se percebe que o mesmo não prejudicava demasiadamente a relação entre o prédio da Câmara e a praça..

160
Estado de conservação

f54
2012. Estrutura da quadra poli esportiva acabou com a escadaria e fechou a visibilidade que dali se
tinha da Praça da Bandeira e do prédio da Câmara Municipal.

Analisando as fotos históricas, podemos observar a praça com seus canteiros ornamentados com plantas
topiadas, circundada pelos prédios monumentais da Câmara Municipal e o antigo Forum Quartel Cadeia,
sem a presença das construções que acabaram a prejudicando essa ambiência (fotos 55, 56 e 57).

f55

f56 f57
s/d. Imagens acima (fotos 53, 54 e 55), a praça aparece circundada pelos prédios da Muncipalidade e do Forum Quartel Cadeia,
mantendo-se livre das construções que lhe suprimiram sua espacialidade. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores
161
Histórico

f58
s/d. Projeto original da fachada do prédio. Notar que o projeto não foi fielmente obedecido, como se nota na platibanda e
na escadaria de acesso, que aparece na parte externa da fachada. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

Histórico
Fundada pelo Conde de Baependy, Santa Tereza tornou-se, durante a fase mais rica do ciclo do café, a
freguesia mais importante do município de Valença. Com a proclamação da República, ocorrida em 1889, o
próprio governo federal buscou facilitar uma política de fragmentação dos antigos redutos monarquistas na
velha zona cafeeira, incentivando a criação de novos municípios, visando fortalecer o Partido Republicano
no interior do Estado do Rio de Janeiro.

s/d. Acervo: Julio Cesar Graça Mello. f59

“Filhote” do Partido Republicano, o município de Santa Tereza foi um dos primeiros a serem criados no
interior do estado, emancipando-se de Valença em 17 de março de 1890. Logo em seguida, recebeu uma
injeção de verbas para sua instalação. Seu principal líder político na época era o Barão da Aliança (que
162
Histórico

disputava a hegemonia política com um imigrante português, o fazendeiro Coronel Sucena). Aliança foi o
principal catalisador de verbas estaduais para o município. Graças a sua influência na Capital Federal foram
construídos, entre 1895 e 1898, na gestão de Carolino Leoni Ramos, os prédios do “Fórum Quartel e
Cadeia” e da Municipalidade, na época, obras de grande vulto para o estado.

1920. Acervo: Câmara Municipal de Rio das Flores. f60

s/d. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f61

As duas imponentes construções foram símbolos do poderio político do então recém-criado município, além
de marcarem a expansão da antiga vila (então limitada a apenas uma única rua principal, a Rua São
Domingos, hoje Avenida Getúlio Vargas), elas passaram a figurar entre as principais edificações da região e
do estado, equipando a urbe com uma arquitetura suntuosa, que, até aquele momento, só poderia ser
equiparada ao novo prédio da igreja Matriz de Santa Thereza D’Ávila (de 1887) e com as sedes cafeeiras
existentes na área rural do município.

163
Histórico

Menor, mas não menos imponente que o do “Fórum Quartel Cadeia”, o prédio da “Municipalidade” foi
construído para ser a sede da Câmara Municipal (na época, o Executivo e o Legislativo funcionavam
juntos), tendo substituído o primeiro prédio (já demolido), que ficava na atual Avenida Getúlio Vargas.
A construção, iniciada em 1896 e terminada em 1898, teve projeto do arquiteto francês “Beigerot", e seu
traçado também segue as linhas arquitetônicas do ecletismo. Sua arquitetura é marcada pela pintura feita
em suas fachadas, imitando mármore, técnica conhecida como faux marbre (falso mármore em francês),
que, segundo especialistas, é, sem dúvida nenhuma, trabalho de artista italiano. Assim como o Fórum,
também teve materiais empregados em sua construção trazidos da Europa, como telhas e madeira pinho-
de-riga. O salão nobre era revestido internamente com papel de parede (f62 a f66).
Em 1913, a Fon Fon (uma das principais revistas do país) publicou matéria a respeito da posse na Câmara
de Santa Tereza (atual Rio das Flores), deixando registrada raras imagens daquela época (f67 e f68).

f62 f63

f64 f65
s/d. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

f66
s/d. Interior do salão nobre da Câmara, nota-se as paredes ainda revestidas com papel de parede.
Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.
164
Histórico

f67
1913. Pagina de revista, com os membros da Câmara Municipal (imagem superior) e a população presente
na posse (imagem inferior). Fonte: Revista Fon Fon, 19 de abril de 1913 edição 16. pp 47.
Disponível em <http://memoria.bn.br>.
165
Histórico

f68
1913. A imagem superior mostra o salão nobre da Câmara Municipal e a imagem inferior o público que esteve presente
à frente do prédio vizinho do “Forum Quartel Cadeia”. Fonte: Revista Fon Fon, 19 de abril de 1913 edição 16. pp48.
Disponível em <http://memoria.bn.br>.

166
Histórico

s/d (provavelmente década de 1970). Cedida por João Bosco Furtado da Silva. f69

O centenário prédio conserva sua volumetria praticamente intacta. Contudo, resta muito pouco de seu
despojado mobiliário original, bem como da decoração interna do salão nobre, que inicialmente era todo
revestido com papel de parede com motivos florais (fotos 62 a 66 e f68).
No início do século XX, a Prefeitura de Rio das Flores precisou entregar os espaços que ocupava no imóvel.
Com isso, o tradicional prédio passou a servir exclusivamente ao Poder Legislativo, abrigando a Câmara de
Vereadores do município de Rio das Flores.

f70

167
168
169
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Foto 01, ano de 2011, acervo de Annibal Affonso M. Silva

Fotos 35, 37 e 38, ano de 2005, cedidas pelo escritório R.M. Arquitetura.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. (Tradução Beatriz Kuhl). Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. (Tradução Ana M. Godsberger). São Paulo:
Editora Perspectiva, 1997.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MENDES, Francisco Roberval; et. al. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2007. (Coleção Arquitetura no Brasil, V.1).

OLIVEIRA, João Carlos C. Igreja de Santa Tereza D`Ávila – projeto cultural para restauração. Rio das
Flores, [texto digitado].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Leis Municipais:

CÂMARA MUNICIPAL DE RIO DAS FLORES. Lei Complementar nº 098 de 12 de agosto de 2008.
Institui Plano Diretor Participativo de Rio das Flores.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo da revista Fon Fon, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro
de 2013.

170
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Antigo Fórum, Quartel e Cadeia

Localização: Município:
Rua Dr. Leoni Ramos, centro. Rio das Flores.

Época de construção:

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Desativado / Poder Judiciário, Quartel Policial e Cárcere.

Proteção existente/Proposta:
Preservado pela Lei Complementar n.º 098/2008 (*) / Tombamento
(*) Institui o Plano Diretor Participativo de Rio das Flores: Art. 35:
“Fica criado o Corredor Cultural, área de preservação
paisagística, histórica e ambiental da Cidade de Rio das Flores,
acompanhando a Rua Dr. Leoni Ramos até a Matriz de Santa
Tereza D’Ávila.” Título XII: do Patrimônio Histórico e Cultural.

Propriedade:

s/d. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

2006. Antigo “Forum, Quartel e Cadeia”. Acervo: Julio Cezar Graça Mello. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
171
Situação e Ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em Fevereiro de 2013. f02

Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em Fevereiro de 2013. f03

Situada na região do Médio Paraíba fluminense, a cidade de Rio das Flores fica circundada por morros em
formato meia laranja, a maioria tomados por uma rala pastagem. Para se chegar a ela existem dois acessos
principais: a rodovia RJ-145, que, a partir de Barra do Piraí, cruza a BR-393 e segue em direção a Valença,
distante 16 quilômetros de Rio das Flores, e um outro caminho, via BR-040, que atende os arredores da
Zona da Mata mineira, como Juiz de Fora, e a região fluminense onde se situam cidades como Três Rios e
Petrópolis. Acessando a rodovia federal (BR-040), chega-se a duas pequenas localidades ribeirinhas,
separadas pelo Rio Paraibuna: Paraibuna e Mont Serrat, pertencentes aos municípios de Simão Pereira-MG
e Comendador Levy Gasparian-RJ, respectivamente. Neste ponto, seguindo pela RJ-151, a cerca de 30 km
está o distrito rio-florense de Manuel Duarte. A partir daí, prosseguindo pela RJ-145, ficam faltando apenas
11 km para se chegar à sede do município. Há também há a rodovia RJ-135, uma estrada que está sendo
asfaltada, seu acesso fica próximo ao bairro dos Ingleses e conduz ao distrito do Abarracamento, de onde
ela segue até encontrar com a BR-393 (conhecida como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do Aço), nas
proximidades de Andrade Pinto (distrito de Vassouras-RJ).

172
Descrição arquitetônica

f04

Rio das Flores mantém uma típica paisagem de cidade interiorana. Seu núcleo central possui várias vias
com piso de paralelepípedo que contornam pequenas praças. Muitas construções ficam implantadas rente à
calçada, e a maioria apresenta gabarito baixo (de um a dois pavimentos-f04), havendo algumas, edificadas
recentemente, com gabarito superior, que chegam a quatro pavimentos. O conjunto mais expressivo situa-
se na Rua Dr. Leoni Ramos, onde se destaca o antigo Fórum Quartel Cadeia e seu vizinho, o edifício da
Câmara Municipal, dois belos exemplares arquitetônicos representantes do rico patrimônio legado pelo
apogeu do café nesta região. Complementa este quadro a Igreja Matriz de Santa Thereza D`Ávila, ao fundo
(f05).

f05

O antigo Fórum está circundado por outros prédios e estruturas urbanas significativas: à sua frente ficam o
ginásio Santa Thereza e a sede da Prefeitura Municipal; à sua esquerda, o prédio do Posto de Saúde; à
direita, a praça e a rodoviária; e, atrás, uma grande área livre (ocupada por algumas construções), que
engloba o parque de eventos e o campo de futebol.

173
Descrição arquitetônica

f06

f07 f08

f09 f10

O prédio apresenta a fachada principal com dois pavimentos e se destaca pelo tratamento dado às
fachadas e por sua volumetria imponente, fazendo um contraponto com o da Câmara Municipal, situado do
outro lado da rua (f05). Sua planta apresenta formato de "U", com um bloco principal a frente e dois aos
fundos (f11), formando ao centro um pátio, situado num nível bem abaixo em relação ao pavimento térreo.
Já o bloco frontal apresenta um sólido embasamento de pedra com um porão baixo, possuindo orifícios
guarnecidos de gradil que funcionam como respiradouros na fachada principal (f09 e f10). O desnível que
existe entre o bloco frontal e os de fundos é pouco percebido pela rua principal e pelas laterais (f06 a f10).

174
Descrição arquitetônica

f11

f12 f13 f14

f15 f16

Apesar de ser necessária uma pesquisa para identificar os materiais construtivos que compõem a
edificação, o acesso aos registros fotográficos; datados de anos atrás durante a execução de obras no
imóvel; revela que as paredes intercalam trechos de tijolo maciço e alvenaria composta por pedra de mão
(fotos 26, 27 e 28).
O antigo Forum encontra-se desabitado, por conta das obras pelas quais vem passando desde a segunda
metade da década passada. A planta que corresponde ao primeiro piso é praticamente simétrica, o bloco
frontal é constituído por salas em ambos os lados, tendo um corredor ao centro que se estende da porta de
entrada (f10) ao avarandado situado aos fundos, que funciona como uma circulação externa, por onde se
acessa outros ambientes do bloco central, dos blocos de fundos, bem como escadaria de pedra (f12),
175
Descrição arquitetônica

protegida por um guarda-corpo metálico, que conduz ao pátio central (f14). Esse espaço fica ao ar livre,
estando resguardado por um muro e um portão gradeado (f16). O grande desnível do terreno possibilitou
criar uma planta de subsolo nos dois blocos laterais (f13 e f14). Nota-se que um desses blocos conserva em
ambas as fachadas laterais do compartimento térreo estreitas aberturas gradeadas (f14 e f30),
possivelmente instaladas na parte que servia de prisão, guardando assim uma referência a uma das
funções originais do prédio.
A varanda que circunda toda a ala de fundos possui guarda-corpo de alvenaria, laje de piso (f21), pilares e
vigas em concreto armado (f12 e f29), elementos que revelam que este setor passou, em época não
determinada, por uma drástica intervenção (possivelmente as peças originais eram de madeira e ferro). Por
ela se acessa o cômodo onde fica a escada interna, toda de madeira, com balaústres torneados e que se
desenvolve em quatro lances (em forma do “O” - f17 e f18) e conduz até a varanda do andar superior, que
apresenta a mesma estrutura de concreto no piso (revestido com ladrilho hidráulico) e nas vigas superiores,
de onde saem esbeltos pilares metálicos até o guarda corpo de alvenaria (f12 e f14). Assim como no andar
inferior, a varanda cumpre a função de circulação, interligando os três blocos. Para ela se voltam as portas
de acesso ao interior do prédio, cujos ambientes possuem, em sua maioria, assoalho em tábuas corridas
(f19), forros de madeira (f20) com encaixe macho e fêmea (possivelmente substituiu o anterior). Boa parte
dos compartimentos dos blocos de fundos segue as dimensões dos que existem no pavimento inferior. Já o
bloco frontal possui dois amplos salões, com destaque para o do júri (f20).

f17 f18

f19 f20

f21 f22 f23 f24

Uma das principais intervenções realizadas durante as últimas obras foi a completa remoção de sua pintura
externa (como os tijolinhos falsos, aplicados principalmente no pavimento superior), o que prejudicou a
realização de um estudo mais aprofundado sobre o seu histórico construtivo e dos elementos decorativos e
artísticos (f06 a f11).

176
Descrição arquitetônica

Para realizar uma descrição condizente com sua significação cultural,1 foi necessário utilizar imagens
produzidas antes das intervenções atuais (f34 a f43), período em que, apesar do lastimável estado de
conservação, o pomposo prédio eclético conservava sua valiosa pintura externa.

f25 f26 f27 f28

f29 f30 f31

f32 f33

Suas fachadas são rebuscadas (f01), revestidas com argamassa, criando uma superfície almofadada,
formada por caneluras de seção quadrada, expondo um apurado trabalho decorativo. Cornijas e frisos
contínuos percorrem as fachadas e, sobre as paredes externas, uma platibanda esconde a cobertura de
telhas francesas (f11 e f34), sempre com um filete de telhas de cerâmica fazendo o acabamento. Altivos
coruchéus e pináculos fazem o coroamento de suas extremidades. As fachadas laterais tem o tramo central
interrompido, e, no lugar da platibanda, destacam-se pilaretes alternados. A fachada principal apresenta três
tramos, demarcados pelos cunhais em massa, com o centro ressaltado e enquadrado por meias pilastras.
Todo o conjunto é encimado por um frontão cimbrado interrompido (f35), em cuja base estão destacadas
suas antigas funções: Fórum, Quartel e Cadeia (f35 e f36). No centro, um pequeno frontão triangular abriga
os elementos que simbolizam o brasão do Estado do Rio de Janeiro - uma guirlanda de folhas de acanto na
base, precedida pelo escudo, a data “9 de abril de 1892” e águia de asas abertas.2 Na parte superior foi
fixada o ano 1896. Acima do frontão, eleva-se uma lápide com a espada e a balança (f33 e f36).

1
Definição embasada na Carta de Burra. “A expressão Significação Cultural designará o valor estético, histórico, científico ou social de
um bem para gerações passadas, presentes e futuras”. CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. pp
247.
2
O brasão aparece em outro prédio na cidade – o Grupo Escolar, que também ganhou um fichamento individual neste inventário.
177
Descrição arquitetônica

2003. Acervo: Annibal Affonso Magalhães da Silva. f34

O acesso principal se faz pela portada de duas folhas, almofadadas, com escadaria de pedra talhada se
estendendo sobre a calçada. As esquadrias são de caixilho de vidro com venezianas e portas cegas no
interior. No pavimento térreo possuem bandeiras de vidro, com verga em arco pleno, decoradas com
alizares de massa que ressaltam o arqueado (f37 e f38). No piso superior, as esquadrias têm vergas retas,
e no tramo central, destacam-se as três janelas rasgadas, em cujos vãos está engastado um guarda-corpo
de balaustrada (f35). Nota-se que as folhas internas são inteiriças, vedando os balaústres vazados.
A fachada lateral direita3 (voltada para o posto de saúde) conservava em sua parte externa uma escadaria
com guarda-corpo de ferro (f39), semelhante ao da escada para o pátio interno (f41 e f42). Essa entrada
lateral levava ao avarandado central, sendo vista em imagens históricas (f50). Até os primeiros anos da
década de 1990 havia na fachada lateral oposta uma escadaria semelhante (f54), ocupando o primeiro vão.
Com sua retirada, a porta que ali havia foi substituída por uma janela (comparar fotos 06, 07 e 34).

f36
f35 2003. Autor: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

3
A definição do lado direito segue o critério adotado em desenho arquitetônico, que se baseia numa pessoa dentro do prédio, olhando
para a rua principal.
178
Descrição arquitetônica

f37 f38 f39

f40

f41 f42 f43


Imagens acima (f36 a f42): 2003. Autor: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

179
Descrição arquitetônica

f44

f45
Imagens acima (f44 e f45). Meados da década de 2000. Acervo: Adriano Novaes.

180
Estado de conservação

f46 f47
s/d. Acervo: Museu Historia Regional de Rio das Flores. 2006. Acervo: Julio Cesar Graça Mello.

A secular construção apresenta boa solidez: o embasamento de pedra, os barrotes, as paredes e a


cobertura estão íntegros. Cumpre registrar que o fluxo de veículos que transita diariamente pela Rua Leoni
Ramos contribui para um silencioso comprometimento estrutural das antigas edificações. Uma iconografia
antiga revela que o guarda-corpo que protegia a varanda em seu pavimento superior era constituído por um
gradil de ferro (f46), que foi, posteriormente, substituído pelo atual guarda-corpo de alvenaria (f47).
A paralisação da obra deixou o prédio em estado de abandono (fotos 21 a 28). Diversos trabalhos de
reforma já executados estão se perdendo, pela ação das intempéries e pelo dejeto dos pombos (que
aceleram a degradação). A escada interna em madeira começa a se deteriorar, assim como as esquadrias
(algumas em madeira de pinho-de-riga), o assoalho e o forro.
Analisando uma planta do projeto de reforma, percebe-se que alguns vãos de esquadrias serão adequados
às futuras funções do prédio.4 A entrada que havia na lateral direita terá sua porta transformada em janela,
uma vez que é previsto o deslocamento da nova entrada em rampa para um dos vãos dos compartimentos
subseqüentes, onde o uso como banheiro foi extinto. O compartimento situado ao centro vai receber um
elevador (f28) e o seguinte será um hall. Para isso, vai ser preciso rasgar o vão da janela para servir de
porta, atendendo o novo acesso por rampa até seu patamar - que possivelmente receberá o antigo gradil de
ferro batido (f39). Quanto a lateral esquerda, as antigas portas já haviam virado janelas (f06 e f34).

f48 f49

Observa-se que a evolução urbana também veio comprometer a paisagem circundante: o posteamento e a
profusão de fios da rede elétrica instalada na Rua Dr. Leoni Ramos dificultam a visualização dos detalhes
das fachadas do prédio (f01 e f06). Todo esse conjunto de intervenções não levou em consideração o
merecido tratamento a esse valioso patrimônio arquitetônico. Durante os anos, foram sendo levantadas
algumas estruturas ao seu redor. A partir da década de 1980, o terreno dos fundos recebeu os galpões para
atender a estrutura do parque de exposições (f48). Em seguida, vieram outros prédios, como a obra de
tijolos maciços edificada junto à fachada de fundos do antigo Fórum (f49).
O quadro se agravou com a cobertura da quadra poliesportiva em estrutura metálica (f44), constituindo uma
danosa intervenção ao valioso conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade, formado pelos prédios do
Fórum e da Câmara e pela Praça da Bandeira, que, outrora, com seus canteiros ornamentados com plantas
topiadas, formava uma composição harmônica com os prédios históricos.
A principal mudança diz respeito a remoção completa da pintura das fachadas. Além de fundamental na
valorização de seus atributos estético, artístico e histórico como bem cultural, nota-se como esta mudança
interfere negativamente na fruição visual da ambiência com os prédios vizinhos (comparar f05 e f45). Cabe
registrar que as fachadas apresentavam partes das paredes na tonalidade rosa (f01 e f34), que pode estar
ligada a sua cor tradicional ou tratar-se de uma intervenção, realizada em determinada época do século XX.
4
Apesar de até o momento não existir uma definição das novas funções, o projeto apresentado possui um cunho sócio cultural,
contemplando acessibilidade para pessoas portadoras de necessidades especiais, o que levou a instalação de um elevador na parte
interna. Externamente será feita uma rampa faceando a fachada lateral. Os ambientes internos foram destinados para administração,
salas de informações turísticas, associação de turismo, de artes cênicas, de música, um local para o museu regional de arte sacra, o
memorial Santos Dumont, um centro de convenções, além de infraestrutura de banheiros, cozinha e café.
181
Histórico

f50
s/d. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

Histórico:
A construção do emblemático prédio do “Fórum Quartel Cadeia” está ligada à criação do município de Rio
das Flores, que, até o período imperial, era uma freguesia de Valença, denominada Santa Tereza, de onde
saíram incontáveis sacas de café para os portos de exportação na cidade do Rio de Janeiro.
Com a proclamação da República, ocorrida em 1889, o governo federal buscou fragmentar os antigos
redutos monarquistas na velha zona cafeeira. Para isso, incentivou a criação de novos municípios,
buscando assim fortalecer a República no interior do estado. “Filhote” do Partido Republicano, Santa Tereza
foi um dos primeiros municípios a serem criados no interior do estado, emancipando-se de Valença em 17
de março de 1890.
O novo município recebeu grandes investimentos. Seu principal líder político na época era o Barão da
Aliança, que disputava a hegemonia política com um imigrante português, o fazendeiro Coronel Sucena.
Aliança foi o principal catalisador de verbas estaduais para o Santa Tereza. Graças à sua influência junto à
Capital Federal, foram construídos, na gestão de Carolino Leoni Ramos, entre 1895 e 1898, os prédios do
“Fórum Quartel e Cadeia” e da Municipalidade, símbolos do poderio político do recém- criado município.
Ambos passaram a figurar entre as principais edificações da região e do estado, equipando a urbe com uma
arquitetura suntuosa, encontrada apenas no prédio em estilo neogótico da Igreja Matriz de Santa Thereza
D’Ávila ou em algumas sedes cafeeiras existentes na área rural do município.

f51
1900. Em primeiro plano o predio do antigo Forum, tendo ao fundo o da municipalidade. Acervo: Vilma Dutra Novaes.
182
Histórico

f52
s/d. Fachada do antigo Forum. Fonte; Album do Estado do Rio de Janeiro. Centenário da Independência do
Brasil, 1922. Arquivo da Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF. Biblioteca Central: Setor Memória Fluminense.

Sendo até os dias de hoje o maior do gênero, em área construída, em todo o Vale do Paraíba, 5 o prédio do
antigo Fórum é um belo exemplar de arquitetura eclética com resquícios do neoclássico do final do século
XIX, cuja presença na construção é marcada pela perfeita simetria e pela imponência, principais
características do estilo. Caro aos cofres públicos da época, ele teve madeira e telhas importadas da
Europa. O piso e o forro eram de pinho-de-riga, assim como toda a madeira do telhado. As telhas vieram de
Marselha (França), e os ambientes foram decorados com móveis em estilo eclético simples, em madeira de
jacarandá e peroba-do-campo.

s/d. Panorãmica da Rua leoni Ramos tendo aos fundos o predio do Forum. Acervo: Vilma Dutra Novaes. f53

5
Conforme medidas tomadas nas plantas baixas em anexo o prédio possui ao todo 1.087,22 m2.
183
Histórico

s/d. Fachada frontal e lateral do antigo Forum Quartel Cadeia. Cedida por: Julio Cesar Graça Melo. f54

Os dois prédios de porte monumental foram destinados aos poderes republicanos que seriam instalados em
Santa Tereza. Enquanto o da Municipalidade servia aos poderes Executivo e Legislativo, o Fórum Quartel
Cadeia foi construído para abrigar o Poder Judiciário, bem como o cárcere e o quartel policial.
A imponente edificação do Fórum Quartel Cadeia foi inaugurada em 1896, seis anos após a criação da
Comarca de Santa Thereza, criada pelo Decreto nº 78, de 28 de abril de 1890, sendo nomeado juiz o Dr.
Carolino Leoni Ramos, em 12 de junho do referido ano. Por efeito do Decreto nº 8, de 19 de dezembro de
1891, a Comarca de Santa Thereza foi extinta, tendo sido restaurada pelo Decreto nº 268, de 11 de abril de
1896. Em consequência do Decreto nº 667, de 16 de fevereiro de 1901, ela foi novamente extinta. A Lei nº
1.804, de 12 de janeiro de 1924, elevou, novamente, o termo de Santa Tereza à categoria de Comarca.
Segundo as divisões territoriais datadas de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de 1937 e o
Decreto-Lei estadual nº 392-A, de 31 de março de 1938, o termo de Santa Tereza passou a pertencer à
Comarca de Valença.

1928. Banquete oferecido a governador Manuel Duarte. Acervo: 1928. Banquete oferecido a governador Manuel Duarte. Acervo:
Museu de História Regional de Rio das Flores. f55 Museu de História Regional de Rio das Flores. f56

O tribunal do júri ocupava todo o andar superior da edificação, e, no térreo, funcionavam a Coletoria
Estadual, o quartel, a delegacia, o Cartório do Oficio Único e o Cartório de Registro Civil. Durante o século
XX ele foi utilizado para diversos fins. Seus salões serviram também para festividades de gala da cidade,
como o banquete oferecido em 1928 para Manuel Duarte, então presidente do Estado do Rio de Janeiro
(f55 e f56). Ocorriam também com frequência bailes de debutantes e de formatura, devido à demolição do
antigo Clube 17 de Março, que abrigava essas atividades. Em meados do século XX, o prédio entraria para
a história do município, através da figura do jornalista e ex-governador do antigo Estado da Guanabara
Carlos Lacerda, que atuou no tribunal do júri como rábula, conseguindo absolver um homem que matara
uma criança por causa do roubo de pão. Embora tenha nascido no Rio de Janeiro, Lacerda tinha raízes em
Rio das Flores, pois descendia, pelo lado paterno, da família Paiva, proprietária da fazenda da Forquilha,
onde passou parte de sua infância.Um mês antes de morrer, ele voltou ao Fórum, para relembrar a
184
Histórico

experiência e olhar o processo em que atuou, mas ele não foi encontrado. Em 1960 o governador Roberto
Silveira anunciou a contratação de operários para as obras que estavam em andamento no prédio.

s/d (data provável, década de 1970). Panorãmica da Rua Leoni Ramos. Cedida por Annibal Affonso M. Silva. f57

Em fins do século XX, o Fórum de Justiça da cidade foi transferido para um novo prédio, com isso, o antigo
ficou com suas instalações subutilizadas. Tempos depois, os demais órgãos buscaram um novo endereço.
A saída do Departamento de Polícia, em meados da década de 2000, marcou o momento em que ele ficou
totalmente desocupado. A saída do Poder Judiciário produziu efeitos nas relações urbanas da cidade. Ao se
desligar de um dos mais emblemáticos prédios históricos de uso público do Vale do Paraíba fluminense,
este poder abdicou de continuar em um local da urbe que sempre foi reconhecido como o centro das
principais decisões municipais. Apesar de não haver provas de que o projeto de implantação dos prédios
tivesse essa intenção, a proximidade entre eles carrega um forte simbolismo,6 denotando uma das mais
expressivas inter-relações urbanísticas entre os três poderes republicanos (Executivo, Legislativo e
Judiciário) em todo o território do Estado do Rio de Janeiro.
Logo após o esvaziamento de seus espaços, a Prefeitura Municipal de Rio das Flores adquiriu o imóvel,
visando dar-lhe uma destinação sociocultural, voltada para o setor de turismo.7 As obras tiveram início na
segunda metade da década passada. Apesar do seu precário estado de conservação, havia um problema
de maior gravidade, situado na fachada lateral esquerda (voltada para a Praça da Bandeira), em seu trecho
central-superior (fotos 58, 59 e 60), que apresentava umidade descendente, a ponto da linha de uma das
tesouras encontrar-se escorada (f61 e f62).
A infiltração da água ocasionou a degradação do revestimento das paredes, comprometendo
irremediavelmente a pintura do prédio, tanto nesse ponto quanto em outros locais. A solução de retirar
quase que integralmente o antigo emboço e aplicar um novo (fotos 63, 64 e 65) levaram a perda completa
de toda pintura externa, elemento que lhe conferia um alto grau de autenticidade, como se via na fachada
frontal, cuja superfície encontrava-se impregnada com a pátina formada com o passar do tempo (f34, f35 e
f36). Apesar do entendimento de que ela teria mesmo de ser removida nos pontos em que o emboço estava
destruído, a ação realizada nas demais partes das fachadas somente se justificaria mediante a
apresentação de laudos técnicos, que comprovassem o desgaste e a necessidade de troca de todo o
revestimento (emboço, reboco e pintura).8 Ao observar a imagem embranquecida das fachadas tem-se a
sensação de que a raspagem das paredes acarretou não apenas a perda da pintura, como também de
parte da própria identidade do prédio. O mais provável é que em sua reinauguração o antigo “Forum Quartel
Cadeia” apresente uma coloração semelhante à anterior, atributo que o credencia como um bem cultural.
6
A ligação entre prédios dotados dessas nobres funções surgiu na Europa, entre os séculos XVI e XVIII, e pode ser observada no
arranjo do Capitólio (feito por Michelangelo) e na Place de La Concorde. Vários exemplos se sucederam naquele continente,
valorizando a mistura de perspectivas próximas e longínquas, utilizando para isso a relação entre as construções e os espaços livres.
No caso do Brasil, o exemplo mais significativo é o projeto da Capital Federal. O conceito foi incorporado por Lúcio Costa no Plano
Piloto de Brasília. A Praça dos Três Poderes é triangular, e os prédios do Executivo, do Legislativo e do Judiciário são de autoria Oscar
Niemeyer, que reatou a tradição das praças europeias, devido à profunda impressão que estas lhe causaram quando as visitou na
década de 1950. Fonte: BRUAND, Yves, Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Ed Perspectiva, 1997. págs. 204 a 206.
7
A descrição do projeto foi comentada na citação 02, algumas páginas acima.
8
Não temos informações sobre a realização dos laudos, bem como dos estudos relativos a uma futura recomposição da pintura.
185
Histórico

f58 f59 f60

f61 f62 f63 f64

Década de 2000. Antigo Forum, quando eram iniciadas as obras de troca do revestimento externo.
Imagens acima, acervo: R.M. Arquitetura. f65

186
187
188
189
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Fotos 58 a 65, capturadas entre os anos de 2007 e 2008. Cedidas pelo escritório R.M. Arquitetura.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Obs: A escolha de uma foto produzida em 2006 para ilustrar a capa da ficha deve-se a dois fatores: a
pesquisa ter sido feita durante um período de obras, estando às fachadas completamente embranquecidas,
condição que provavelmente se modificará até o final da intervenção. A outra está ligada aos valores de
originalidade e autenticidade impregnados na antiga pintura, elemento que contribuía para legitimar o prédio
do “Forum Quartel Cadeia” como um bem cultural.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. (Tradução Ana M. Godsberger). São Paulo:
Editora Perspectiva, 1997.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

GUEDES, Octavio. Rio das Flores, a cidade que esqueceu de crescer. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,
09 de fevereiro de 1992. 1º Caderno p27.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MENDES, Francisco Roberval; et. al. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2007. (Coleção Arquitetura no Brasil, V.1).

NASCIMENTO, Luiz Fernando. Prédio do Fórum, Quartel e Cadeia: um símbolo da Urbanização de Rio
das Flores como Patrimônio Cultural. Juiz de Fora – MG: Faculdade Metodista Granbery/ FMG, 2011.
CD-ROM (Monografia de Pós-Graduação).

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Arquivo consultado:
Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF. Biblioteca Central: Setor Memória Fluminense.
- Album do Estado do Rio de Janeiro. Centenário da Independência do Brasil, 1922.

Leis Municipais:

CÂMARA MUNICIPAL DE RIO DAS FLORES. Lei Complementar nº 098 de 12 de agosto de 2008.
Institui Plano Diretor Participativo de Rio das Flores.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.


190
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Antigo Conjunto do Departamento Nacional do Café (DNC).

Localização: Município:
Esquina da Avenida João de Lacerda Paiva (RJ 145) com a Rio das Flores.
Rua Ladislaw Guedes.

Época de construção:
1934.

Estado de conservação:
Detalhamento no corpo da ficha

Uso atual / Original:


Departamento Beneficiamento de Café / Instalações da
Prefeitura Municipal de Rio das Flores (Secretaria de Obras e
Serviços Públicos, Almoxarifado, Garagem, Oficina e
Carpintaria).

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento.

Propriedade:
Prefeitura Municipal de Rio das Flores.
s/d. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

2013. Fachada principal do antigo galpão do DNC, atual pavilhão João Côrrea Filho. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

191
Situação e ambiência

f02
Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro de 2013.

Rio das Flores, assim como outras cidades da região do Médio Paraíba fluminense, fica circundada por
morros em formato meia laranja, a maioria tomada por uma rala pastagem e grotões remanescentes da
Mata Atlântica. Para se chegar até este município, existem dois caminhos principais: acessando a rodovia
RJ-145, que, a partir de Barra do Piraí, cruza a BR-393 e segue em direção a Valença, distante 16
quilômetros de Rio das Flores, ou utilizando a BR-040, que atende os arredores da Zona da Mata mineira,
como Juiz de Fora, e a região fluminense onde se situam cidades como Três Rios e Petrópolis. Acessando
a rodovia federal (BR-040), chega-se a duas pequenas localidades ribeirinhas, separadas pelo Rio
Paraibuna: Paraibuna e Mont Serrat, pertencentes aos municípios de Simão Pereira-MG e Comendador
Levy Gasparian-RJ, respectivamente. Neste ponto, seguindo pela RJ-151, a cerca de 30 km está o distrito
rio-florense de Manuel Duarte. A partir daí, prosseguindo pela RJ-145, ficam faltando apenas 11 km para se
chegar à cidade sede. Há também a rodovia RJ-135, cujo trajeto tem início nas proximidades do bairro dos
Ingleses, passa pelo distrito do Abarracamento e termina na BR-393 (conhecida como Rodovia Lucio Meira
ou Rodovia do Aço), na altura da localidade de Andrade Pinto (distrito de Vassouras-RJ).

f03

192
Descrição arquitetônica

Ao passar pelo perímetro urbano da cidade, a RJ-145 converte-se numa via arterial, ganhando, nas
proximidades da estação ferroviária, a denominação de Avenida João de Lacerda Paiva. Nesse trecho a via
apresenta canteiros centrais, que lhe confere um valioso tratamento paisagístico. Logo a frente avista-se o
antigo conjunto do Departamento Nacional do Café (f03), implantado num terreno plano, com formato que
se assemelha a um triângulo (f02 e f07). O imóvel situa-se na confluência da rodovia com a Rua Coronel
Ladislaw Guedes, onde fica o acesso principal ao imóvel, feito por dois amplos portões metálicos que
deslizam sobre trilhos (f01). A outra testada (delimitada por tela metálica – f33) está voltada para a Rodovia
RJ-145, cujo leito de rodagem fica quase dois metros acima do nível do terreno, possuindo um muro de
arrimo de tijolo maciço para fazer a contenção (f39). Já a face voltada para o centro da cidade conserva
uma mureta de tijolo maciço, fazendo limite com o córrego Manuel Pereira, curso d’água que perdeu sua
conformação natural e ganhou margens de concreto armado (f04).
O imóvel é ocupado por setores da Prefeitura Municipal de Rio das Flores. O pátio interno foi pavimentado
com asfalto e serve como local de estacionamento da frota de veículos e demais equipamentos
responsáveis pela conservação das estradas municipais, constituída por caminhões basculantes,
retroescavadeiras, patróis e alguns carros menores (fotos 57 a 62). O movimento começa às 6 horas da
manhã, mantendo-se constante no decorrer do dia. Veículos de outros setores da prefeitura, como ônibus
escolares, ambulâncias, tratores e carros oficiais, chegam para manutenção na oficina ou para uma limpeza
no lavador, equipamento este que, ao ser construído, modificou a delimitação original do terreno, ficando
nos fundos, sobre uma laje de concreto armado (f04 e f12).

f04

As construções são remanescentes do período do beneficiamento do café e foram adaptadas pela


prefeitura para novas funções. São três prédios, cuja implantação procurou respeitar os aspectos da
funcionalidade do processo de controle do beneficiamento. Hoje eles abrigam a Secretaria de Obras, o
almoxarifado, a oficina e a carpintaria. Possuem a mesma técnica construtiva: ficam assentados ao rés do
chão, as paredes são de tijolos maciços (f05) e a cobertura é constituída por uma estrutura de madeira
revestida por telhas francesas (f06).

f05 f06
193
Descrição arquitetônica

f07
Década de 1980. Planta do imóvel, contendo os três prédios do DNC. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores .

2013. panorâmica sobre a ponte, englobando as três construções que compõe o conjunto do antigo DNC. f08

f09

194
Descrição arquitetônica

Na divisa da rua com o córrego Manuel Pereira fica o prédio do antigo escritório do DNC, com um único
pavimento e cobertura em três águas (f08 e f09). Ele abriga a parte burocrática da Secretaria de Obras e
dos serviços de água e esgoto. A sala maior é utilizada pelos diretores e secretários (f10). As esquadrias de
ferro (dotadas com grades externas e folhas de vidro de correr) e o piso de cerâmica revelam que o prédio
passou por reformas. O avarandado em “L” que contorna as duas fachadas voltadas para o pátio central
(f09 e f63) era originalmente em “U” (f53 e f54), sendo que a parte que anteriormente dava para a rua foi
fechada, transformando-se na sala de atendimento (f11). Um trecho voltado para o pátio (f63) também foi
fechado e hoje serve como cozinha. A varanda possuía uma mureta de alvenaria, que foi substituída pelo
atual guarda-corpo de madeira. Essas modificações ocorreram dentro do perímetro original, sem alterar sua
área construída. A compartimentação interna também recebeu mudanças, ganhando uma sala menor, para
desenvolvimento de projetos, análise de processos e arquivo de plantas (mapoteca), e um banheiro.

f10 f11

Nos fundos do terreno fica outro prédio, com tipologia semelhante ao do escritório (f12). Não foi possível
vistoriar toda sua área interna, e apesar de estar servindo de carpintaria (f64), tudo indica que se encontra
subutilizado. Seu estado de conservação é precário, mas mantém um significativo grau de autenticidade. Ao
seu lado foi construído um puxado em telhas de fibrocimento, para servir de cantina para os funcionários.

f12

A principal construção do conjunto é o pavilhão João Correa Filho (fotos 01, 13 a 16), situado na confluência
da rodovia com a Rua Coronel Ladislaw Guedes e considerado um dos mais representativos patrimônios
edificados da cidade. Pelo fato de ser destinado originalmente como galpão para beneficiamento de café, o
prédio possui altura e pé direito condizentes com os equipamentos que abrigava para a execução dos
trabalhos. Em termos comparativos, sua altura equivale hoje em dia a um prédio de três andares.

195
Descrição arquitetônica

f14 f15

f13 f16

Suas paredes externas intercalam panos de alvenaria com uma sequência ritmada de pilastras pintadas na
cor branca, com espaçamento entre elas de 05 em 05 metros, que contribuem visualmente para destacar
sua verticalidade. O caimento da cobertura se faz em duas águas protegidas por telhas francesas
terminadas com beiral para as fachadas laterais, enquanto que as fachadas de frente e fundos são
encimadas por um generoso frontão (f04 e f13). Seu interior é rústico: o piso é cimentado e a cobertura não
possui forro, conservando algumas tesouras de seção robusta.

Setorização original do galpão do DNC, com base na atual planta baixa do prédio. Desenho: Annibal Silva. f17

Os espaços internos são divididos por duas paredes cegas de tijolo maciço, criando três setores
independentes, havendo entre eles uma diferença de nível. A atual oficina (f19), na parte de fundos do
prédio, abrigava a tulha que recebia o café vindo das fazendas produtoras. A escada de madeira existente
em seu interior, próxima à parede (f20), e o passadiço de madeira (f21 e f22) que corre entre as tesouras da
cobertura (f23), são um dos poucos elementos que restaram da época dos engenhos. Da tulha, o café
seguia para parte central, onde ficava a caldeira, espaço que agora serve para estoque de materiais e
possui armários individuais, onde os funcionários da prefeitura guardam seus pertences (f21 e f24). A parte
frontal que hoje abriga o almoxarifado (f18) era o setor dos maquinários, de onde o café saía processado.

f18 f19
196
Descrição arquitetônica

f20 f21

f22 f23

f25

f24 f26

O compartimento central da antiga caldeira, atualmente utilizado pelos funcionários da prefeitura (f24)
caracteriza-se pela ausência de aberturas e pelas paredes internas em tijolos maciços aparentes (f21).
Além da porta de acesso percebe-se apenas a presença de vãos estreitos, semelhantes a seteiras,
próximas ao nível do solo. Essas aberturas são remanescentes do período do beneficiamento do café. Duas
ficam na fachada voltada para a rodovia, além de estarem parcialmente vedadas com alvenaria, possuem
vidro liso e barras de ferro (f25). Já a fachada voltada para o pátio central teve as seteiras completamente
197
Descrição arquitetônica

emparedadas (f26). Se na parte central o galpão apresenta as paredes cegas, nas extremidades (tanto o
setor do almoxarifado quanto o da oficina) suas fachadas conservam as amplas aberturas originais (fotos
13, 27 e 28), tendo, as portas guarnecidas por folhas metálicas de enrolar, encimadas pelos vãos
retangulares. Conforme se observa nas imagens históricas, os vãos superiores possuíam anteriormente
esquadrias com caixilharia de vidro (f29 e f30). Atualmente eles encontram-se vazados na oficina (f31) ou
fechados por compensados de madeira (que se abrem no sistema pivotante - máximo ar), como se observa
no almoxarifado (f32). Na oficina (f19 e f27), esses vãos estão vazados (f28 e f31), e apenas um, situado na
fachada oposta, está fechado com tábuas de compensado (f33 e f34).

f27 f28

s/d. Fachada de fundos do galpão. Acervo: Museu História Regional s/d. Detalhe do galpão e do anexo (atual carpintaria). Acervo:
de Rio das Flores. f29 Museu História Regional de Rio das Flores. f30

f31 f32

198
Descrição arquitetônica

f34
f33

Com relação aos vãos das portas originais, somente um na fachada de fundos está sendo utilizado, tendo
sofrido um rasgo para comportar a entrada de caminhões (comparar f28 e f29), o que levou a substituição
da antiga folha metálica de enrolar por um portão de abrir em estrutura de ferro.
A fachada frontal teve um dos vãos de porta totalmente emparedado e o outro ganhou um fechamento de
alvenaria até meia altura (comparar f35 e f36), contudo, as folhas de enrolar foram mantidas no local.
As duas amplas portas existentes na fachada voltada para o pátio central ficam praticamente fechadas (f31
e f32). O acesso ao interior do prédio se faz por meio de duas portas de madeira de seção comercial
contemporânea, de 0,80 x 2,10 metros, desproporcionais à escala do galpão (f32). A do almoxarifado
denota ser uma intervenção, enquanto que a situada mais ao centro (hoje utilizado pelos funcionários da
prefeitura - f24 e f37) pode fazer parte do projeto original do prédio, quando ali funcionava a antiga caldeira.

f35

f36
s.d. Galpão do DNC. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

199
Descrição arquitetônica

f37 f38

O galpão é complementado por um bloco menor, ficando colado com a oficina (f38) e próximo ao muro de
contenção com a rodovia (f39). O bloco não possui acesso direto com o galpão, estando protegido por uma
cobertura de telhas de fibrocimento (f40). Uma das partes, hoje ocupada pela sala de ferramentas (f41),
provavelmente foi construída juntamente com o prédio principal e apresenta janelas com aberturas
semelhantes, preenchidas por caixilhos de madeira em paletas de veneziana (f43 e f44). A parte dos
fundos, utilizada pela borracharia, é de uma época mais recente (f42) e suas aberturas são vedadas com
tijolos vazados, conhecidos como cobogós (f40).

f39 f40

f41 f42

f43 f44

200
Estado de conservação

Apesar do conjunto conservar as construções originais, as modificações ocorridas no entorno do antigo


DNC acabaram por prejudicar a fruição de sua visibilidade. Elencamos aqui o próprio muro de divisa do
imóvel que fica na face voltada para a Rua Ladislaw Guedes (f01 e f13), o posteamento de energia elétrica,
com sua profusão de fios, e a construção de dois pequenos prédios comerciais (que servem lanches
rápidos e bebidas) às margens da Avenida João de Lacerda Paiva (rodovia RJ-145).
De início, o conjunto era delimitado por uma murada baixa de tijolos maciços, com pilares e grades de
madeira (f52). Parte dela mantém-se conservada, na confrontação com o córrego Manuel Pereira (f27).
Os prédios da Secretaria de Obras (f09) e da carpintaria (f12) e o galpão de beneficiamento dos grãos (f13)
mantiveram a mesma tipologia, mas as intervenções ocorridas ao longo dos anos acarretaram modificações
que conflitam com seus atributos estéticos e históricos.

f46

f45 f47

A parte da carpintaria (f12) apresenta estado de conservação deplorável (f64). Além de reformas, necessita
de um uso condizente com sua importância dentro do conjunto edificado.
Anos atrás, quando foram realizadas reformas no prédio da Secretaria de Obras e Serviços Públicos (f09),
ocorreu a retirada de elementos do período em que funcionava como escritório do DNC: o piso de taco de
madeira na sala da diretoria e a murada de alvenaria contornando seu avarandado (f63). O prédio mantém
a cobertura em telhas francesas e a porta central da sala da diretoria (de madeira almofadada em duas
folhas). As demais esquadrias foram substituídas por portas de madeira e janelas de ferro com fechamento
em vidro.
Com relação ao amplo galpão, percebe-se pelas imagens históricas que ele possuía beiral de madeira (f36),
semelhante ao modelo que se encontra conservado no prédio do antigo escritório, hoje ocupado pela
Secretaria de Obras e Serviços Públicos. Apesar das pequenas rachaduras visíveis nas paredes internas, o
galpão não apresenta indícios de abalos que possam comprometer sua estabilidade. Um dos maiores
problemas está relacionado à umidade descendente. Segundo relatos de alguns funcionários, a cobertura
está repleta de frestas, causando goteiras no período de chuvas. A ausência de rufo no encontro das telhas
com a parte interna dos frontões de frente e de fundos é a principal causa da infiltração e do escorrimento
de água pelas paredes internas (f45). Nessas fachadas (frontal e de fundos), os frisos apresentam acumulo
de sujidade, pela falta de manutenção, como limpeza e pintura (f46). Nota-se ausência de esquadria de
vedação em alguns vãos das básculas (f47).
As imagens históricas (f29 e f56) e os relatos dos entrevistados reforçam a hipótese de que sejam originais
as amplas portas metálicas de enrolar (fotos 32, 35 e 37). Nota-se que em determinada época, as bandeiras
das básculas eram vedadas com vidro (fotos 29, 30 e 36), atualmente, os vãos estão fechados com folhas
de madeira no setor do almoxarifado (f13 e f32) e encontram-se sem vedação na oficina (fotos 27, 28 e 31).
Observa-se que o anexo do galpão possuía cobertura de telhas francesas em duas águas (f36),
substituídas por uma de fibrocimento (f38 e f40). Anteriormente, havia uma porta central (f36), substituída
por outra porta e uma janela (f41).
Uma das descaracterizações corresponde à aplicação da atual pintura de tonalidade avermelhada, por volta
do ano de 2005, em sua superfície externa. O galpão possui um revestimento áspero e até aquele momento
era reconhecido pela sua cor amarela ocre e pela cor branca nas pilastras e frisos. A cor amarela ocre pode
ser visualizada em imagens capturadas nas fachadas em épocas distintas (f48 e f49), ela encontra-se
conservada no interior da borracharia (f42) e da oficina (fotos 19, 20 e 45). Esse anexo apresenta, na
parede de divisa com a sala de ferramentas, uma das janelas de madeira em veneziana (f43 e f44).
Outra perda significativa foi a retirada das inscrições em alto relevo “1934” e “DNC” que havia no frontão da
fachada frontal (fotos 50, 52 e 56). Elas marcavam o ano da inauguração e as iniciais do complexo.
Analisando com cuidado, é possível situar o posicionamento delas na fachada (f51).

201
Estado de conservação

f48
2001. O galpão com a tradicional pintura amarelo ocre. Acervo: Centro Cultural Professor Antonio Pacheco Leão.

f49
1985. Antigo galpão, com a tradicional cor amarela. Acervo: Adriano Novaes.

f51
f50
2013. Frontão apresenta atualmente as inscrições pagadas.
s/d. Detalhe do frontão do DNC.
Acervo: Museu História Regional Rio das Flores.
202
Histórico

Histórico:
Com o aumento das exportações do café brasileiro, em 1931, foi criado o Conselho Nacional do Café
(CNC), que, em 1933 (Decreto nº 22.452, de 10/02/1933), foi substituído pelo Departamento Nacional de
Café (DNC, sigla pela qual ficou conhecido), autarquia federal subordinada ao Ministério da Fazenda, que
controlou o setor até 1946, quando foi extinto. A construção da unidade de beneficiamento de café da atual
cidade de Rio das Flores fazia parte de um programa de incrementar a atividade econômica, bem como
melhorar a qualidade dos grãos produzidos no Brasil.1 Sua construção gerou polêmica, uma vez que muitos
agricultores a julgavam desnecessária, devido a crise na produção cafeeira do município, cujo cultivo
encontrava-se em franca decadência. Num relatório de 1933, o prefeito João de Lacerda Paiva citou a
situação angustiante pela qual a classe dos lavradores passava:2

“O serviço nos campos vai aos poucos se tornando impraticável, ameaçado de paralização
completa, o que significa despovoamento, com tristeza, já observada em nosso município. Êxodo
em massa da população agrária, para os centros industriais . . .”

Na época, Rio das Flores era um município essencialmente agrícola, possuía 264 propriedades rurais.
Apesar de contar com aproximadamente quatro milhões de pés de café, seu território já abrigava umas 18
mil cabeças e duas usinas exportadores de leite, revelando que a pecuária leiteira já vinha se consolidando
como alternativa econômica. Mas em 1934, durante a gestão do Dr. Armando Vidal Leite Ribeiro como
presidente do DNC, foi construída a Usina de Beneficiamento de Café da cidade de Santa Tereza, que
contou com o empenho do governador do estado, Ary Parreiras (interventor federal nomeado pelo
presidente Getúlio Vargas).
Apesar das dificuldades enfrentadas pela lavoura cafeeira, o empreendimento ganhou adeptos, inclusive do
o próprio prefeito João Lacerda Paiva, que em seu relatório de 1935, desmentiu a situação de crise:

“Por intermédio de Ary Parreiras, temos também, já em pleno funcionamento, a importante usina
de beneficiar café, installada neste Município, pelo D.N.C. que, no primeiro período de trabalho,
desmente os pessimistas, que apregoavam a desnecessidade dessas machinas, onde não havia
café. Já passaram pelas suas machinas, mais de 12 mil arrobas de café de nosso Município;
sabido é que 50% dos productores não mandaram preparar suas safras, por desconhecerem as
vantagens para o typo de seus productos, preparados em machinas de grande aperfeiçoamento
technico, e trabalhadas por especialistas, conhecedores de café padrões para exportação.”

Edificada estrategicamente próximo à estação ferroviária de Santa Tereza, a usina começou a operar em
1934, contudo, são escassas as informações acerca de seu funcionamento. Registros dão conta que a crise
na lavoura cafeeira se manteve, a ponto da colheita do ano seguinte ter sido 50% menor que a de 1933-
1934. O quadro piorou ainda mais com uma resolução do próprio Departamento (DNC) que reteve 70% da
safra exportável, tornando uma séria ameaça, tanto para as classes produtoras quanto para a própria
economia rio-florense.
Com a erradicação dos cafezais no município, o fechamento da usina de beneficiamento tornou-se
inevitável. O encerramento de suas atividades teria ocorrido na década seguinte, com a liquidação do
Departamento Nacional do Café, ocorrida no governo de Eurico Gaspar Dutra, através do Decreto-Lei nº
9.068, de 15 de março de 1946 (“Dispõe sobre a extinção do Departamento Nacional do Café e dá outras

1
Em 1937 foi inaugurado o DNC no atual município fluminense de Varre-Sai. A imagem aérea existente na obra consultada revela um
galpão (denominado casa das máquinas) com arquitetura e dimensões semelhantes ao de Rio das Flores. Contudo, ele possuía na
área externa terreiros para a secagem do café bem maiores. Cabe registrar que no seu período de funcionamento a instalação contava
com um engenheiro. Considerando que o DNC estabeleceu certa padronização nas instalações das usinas de beneficiamento
(construções e equipamentos), apresentamos a descrição daquela unidade:
“A Usina de Varre-Sai foi instalada num terreno com 30.200 m2, . . . Possuía as seguintes benfeitorias: Casa das
máquinas, medindo 50,00 x 10,45 metros; Casa do Despolpador, medindo 12,80 x 8,20 metros. Ligados ao mesmo,
encontram-se cinco tanques de fermentação, medindo 5,00 x 2,00 metros, com 1,15 de profundidade; Casa da
Administração medindo 11,95 por 9,90 m; Casa dos Sanitários, medindo 4,60 x 2,95 metros; Casa da Palha, medindo 7,75
x 7,75 metros; Casa da Bomba, medindo 3,50 x 3,50 metros; Galpão para recebimento do café, medindo 7,80 x 4,80
metros, composto de três tanques, uma borbolha, uma moega de recebimento de café; Caixas d'água; oito tulhas de
madeira; um terreiro de tijolos cimentado, medindo 60,00 x 40,00 metros.
Nas benfeitorias encontravam-se instaladas as seguintes maquinarias: um conjunto Pinhalense, tipo 800, RPM, 500 1963,
sendo um catador, dois descascadores e um classificador com capacidade de 800 arrobas; um conjunto classificador
marca Penteado, tipo 3, modelo 1932; um catador, tipo 3, modelo1934; um descascador tipo 3, modelo 1933; um catador
de Escolha, modelo 1935; dois secadores mecânicos marca Penteado; um despolpador marca Lidgererwood; um elevador
gigante; uma bomba 1964; um transformador AEG; diversos motores, utensílios e ferramentas.”
Fonte: MARTINO, Marcelo Salim de. Inventário do Patrimônio Ambiental e Urbano do Núcleo Histórico de Varre–Sai. Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro / INEPAC. Miracema - RJ: Edição do Autor, 2011, pags 524 e 525.
2
Periódico Jornal de Vassouras, ano I, 1935, nº 06.
203
Histórico

providências. - Art. 1º: Fica fixada a data de 30 de junho de 1946 para a extinção do Departamento Nacional
do Café, iniciando-se desde então a sua liquidação”).Parte da história do DNC no município foi obtida
através de depoimentos de descendentes das pessoas que ali trabalharam. É o caso do senhor Marcio
Leite Correa, que frequentou o ambiente quando criança:

“Meu avô (Teodoro Pereira Leite) trabalhava no setor de classificação. Vem daí minha ligação
com o departamento. Sua função era absorver a produção de café das fazendas, que chegava em
sacos. Desconheço a forma de negociação: se o Governo adquiria integralmente o café ou se os
produtores recebiam uma parte depois do beneficiamento.3
Ao chegar aqui ao complexo do DNC, o café era secado, selecionado e classificado, seguindo as
categorias de qualidade, que não sei definir. Em seguida, era colocado nos vagões da ferrovia e
enviado para a sede do departamento, situada na cidade do Rio de Janeiro.”

s/d. Galpão do DNC. f52 s/d. Escritório do DNC, atual Secretaria de Obras. f53

s/d. Antigo escritório, atual Secretaria de Obras. f54 s/d. Anexo da atual carpintaria. f55
Imagens acima, acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

A seguir, a descrição das construções, com destaque para a distribuição interna do galpão:

“A construção próximo à rua, onde hoje funciona a Secretaria de Obras, era o escritório;
Lembro-me vagamente do galpão e posso fazer um relato superficial de seu interior e
funcionamento. Na parte de trás, onde hoje fica a oficina, havia uma tulha para armazenar o café
que chegava. No centro do pavilhão, (atual escaninho dos funcionários da prefeitura) ficava a
caldeira e havia uma chaminé larga instalada na altura do piso da fachada lateral, próximo ao
bloco anexo. Elas expeliam cascas de café, formando montes no terreno. Como eram macias, as
crianças vinham correndo pela estrada que havia no atual asfalto e pulavam sobre ela. A
compartimentação de frente (atual almoxarifado) abrigava os maquinários. Haviam bandejas na
base, que se movimentavam, e um sistema de cordas para operar o conjunto.”

3
Com relação a forma de negociação entre os produtores e o departamento, o entrevistado comentou que ela devia ser por divisão da
produção, condição comprovada neste histórico, onde uma fonte consultada informa que o Departamento reteve 70% da safra.

204
Histórico

No ano de 1952, através do Decreto-Lei nº 1779, de 22/12/1952 foi criado o Instituto Brasileiro do Café (IBC,
que foi extinto em 1989). Contudo, não ocorreu a reativação das instalações do extinto DNC (é possível que
a derrocada da lavoura cafeeira no município tenha contribuído para isso).
Numa das entrevistas realizadas pelo presente inventário, foi relatado que em seu fechamento, o prédio foi
lacrado com todo seu equipamento, inclusive com as sacas de café, ficando assim durante anos, sem
passar por nenhuma manutenção. A primeira tentativa de reutilização dos espaços ocorreu na década de
1960: quando o pároco da paróquia de Santa Thereza D`Ávila, Sebastião da Silva Pereira, pensou em
utilizá-lo para fins turísticos. O projeto contemplava a reativação de todo o maquinário, que estava em
perfeito estado e em condições de funcionamento. As antigas sacas de café ainda estavam no local. Mas a
proposta não foi aceita pelas pessoas locais que detinham o poder de decisão na época.

f56
s/d. Galpão do DNC. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

Na década seguinte, uma empresa sediada na cidade vizinha de Valença manifestou interesse em utilizar
as instalações para produzir fubá de milho, garantindo que iria gerar cerca de vinte empregos diretos em
Rio das Flores, o que acabou agradando às autoridades, que, assim, apoiaram a ideia.
A cessão do imóvel terminou numa grande polêmica, ocasionando um enorme desfalque para o município.
O negócio chegou a funcionar, mas o empresário acabou desistindo e, quando foi embora, levou todo o
maquinário que processava o café para o Estado do Paraná. Este fato ocorreu nos primeiros anos da
década de 1970. Na época, o imóvel e seus equipamentos pertenciam ao governo federal e estavam
cedidos à municipalidade. Tempos depois, a prefeitura arrematou a propriedade num leilão. É provável que
todos os galpões de propriedade do Departamento Nacional do Café tiveram o mesmo destino do existente
em Rio das Flores.4
Por volta de meados da década de 1980, o imóvel abrigou a fábrica de tênis Qantas, que poucos anos
depois acabou saindo de lá, permitindo que a prefeitura adentrasse naqueles espaços, instalando a
Biblioteca Municipal Emmanuel Guimarães no prédio anexo do escritório (f53-atual Secretaria de Obras).
Em meados da década de 1990, o Poder Executivo decidiu instalar alguns setores no complexo do antigo
DNC, sendo eles a Secretaria de Obras e Transportes Públicos e a parte de oficinas. O galpão, um dos
prédios mais emblemáticos do município (f56), passou a se chamar Pavilhão João Correa Filho (f13 e f16),
homenageando um destacado funcionário público municipal. Durante o levantamento corria a informação
que a prefeitura buscava desenvolver um projeto para transformá-lo num espaço para fins turísticos.
Mesmo com todas as alterações pela qual sua arquitetura passou, o antigo conjunto do DNC segue
participando da vida dos rio-florenses, tendo se tornado um marco na história do município. Seu galpão é a
única edificação de envergadura monumental que surgiu no município durante o século XX, cuja origem se
deve a cultura do café, condição esta que o vincula a outras construções do mesmo porte erguidas em Rio
das Flores durante o período cafeeiro - como as sedes das fazendas e os prédios públicos da Câmara
Municipal e do Fórum Quartel Cadeia.

4
A Usina de Beneficiamento de Café de Varre-Sai foi vendida a um particular em 1966, através de Edital de Concorrência Pública.
Fonte: MARTINO, Marcelo Salim de. Inventário do Patrimônio Ambiental e Urbano do Núcleo Histórico de Varre–Sai. Pag 525.

205
206
207
208
Acervo fotográfico

f57 f58

f59 f60 f61

f62

f63 f64

209
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Pessoas entrevistadas para a produção do texto:


Jane Leite Correa;
Marcio Leite Correa.

Funcionários da Prefeitura que auxiliaram no levantamento do prédio:


Francisco Novaes
João Paulo Cesar

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MARTINO, Marcelo Salim de. Inventário do Patrimônio Ambiental e Urbano do Núcleo Histórico de
Varre–Sai. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro / INEPAC. Miracema - RJ:
Edição do Autor, 2011.

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Arquivos consultados:

Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.


- Jornal de Vassouras, ano I, 1935, nº 06.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

210
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Antiga Casa Comercial na Avenida Getúlio Vargas.

Localização: Município:
Avenida Getúlio Vargas, nº 05, centro. Rio das Flores.

Época de construção:
Provavelmente meados do século XIX.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Residência / Residência e Comércio

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Particular.

s/d. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
211
Situação e ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth, Janeiro de 2013. f02

O casarão fica situado no Centro da cidade de Rio das Flores, na Avenida Getúlio Vargas (f01), próximo à
confluência com as ruas 17 de Março e Coronel Ladislaw Guedes, ponto onde foi instalado um monumento
em homenagem ao ex-governador Manuel Duarte (f04).

Imagem gerada pelo Google Earth, Janeiro de 2013. f03

212
Descrição arquitetônica

f04

O prédio fica implantado junto à calçada (f05 e f06), assim como a maioria dos existentes na Avenida
Getúlio Vargas. Ele foi construído na tradicional técnica de gaiola de madeira estrutural (barrotes, pilares,
madres e frechal), suas paredes são feitas de pau a pique, revestidas com argamassa de cal e areia e
acabamento em pintura na cor branca. A cobertura em duas águas conserva as telhas cerâmicas capa e
bica, modelo fazenda de café. O beiral encachorrado é arrematado na fachada frontal por uma tabeira
corrida. Outra característica que este bem preserva é a conjugação, em seus espaços internos, da parte
comercial com a residência do proprietário. No momento deste levantamento, o prédio estava sendo
reformado, utilizando as técnicas e os materiais empregados em sua construção (fotos 21 a 27).

f05

A fachada frontal apresenta cinco aberturas: duas janelas e três portas, posicionadas de forma simétrica na
extensão da parede. As portas abrem-se em duas folhas de madeira maciça, e as janelas possuem
guilhotinas com postigos de vidro na parte externa e, nas internas, com folhas também de madeira maciça
(f05). Uma imagem revela que esta fachada possuía apenas uma porta central, com duas janelas de cada
lado (f28), como se pode comprovar no soco em pedra dos caixonetes da citada porta central (f07).
Percebe-se também que ela possui uma largura maior que as demais aberturas. A parte dos fundos do
prédio denota ter sido feita posteriormente, provavelmente para instalar a cozinha e o banheiro, este último
compartimento não existia dentro dos imóveis quando de sua construção, pois não faziam parte do
programa de necessidades da arquitetura daquela época. Essa ampliação corresponde a toda a extensão
da cobertura de fundos e ao embasamento em parede de pedra (f08). Na lateral direita (de quem olha da
rua), há um portão que dá acesso ao jardim, havendo um pequeno avarandado com cobertura de telha
francesa que protege uma porta. Contudo, nota-se, pelo caixonete cortado, que naquele ponto havia
anteriormente uma janela (f09 e f10).
A propriedade é complementada por um terreno de fundos, situado em cota inferior, inserido na calha
secundária do Córrego Manuel Pereira. Esses espaços conservam um pomar de árvores frutíferas e uma
horta típica. O desnível do terreno possibilitou o aproveitamento desta parte como porão habitável (f11),
utilizado como depósito e oficina.
213
Descrição arquitetônica

f06 f07

f08 f09

f10 f11

f12 f13
214
Descrição arquitetônica

O casarão mantém a antiga subdivisão de comércio e moradia. O salão frontal, com as três portas, onde
ficava a farmácia, não está sendo utilizado. Pelo alpendre lateral (f10), chega-se à sala de estar. A porta
que se encontra emparedada dava acesso à antiga farmácia (f14). O ambiente da sala de jantar (f15) serve
como distribuidor para os quatro quartos (f16) – um deles teve parte da parede retirada, ficando o espaço
contíguo a outro quarto (f17), a copa/cozinha (f18) e o banheiro. Um alçapão no piso, com uma escada de
madeira, conduz ao porão (f19 e f20).

f14 f15

f16 f17 f18

f19 f20

As janelas de guilhotina têm folhas cegas no interior. Observa-se que as poucas portas com bandeira de
caixilho de vidro são as históricas (possivelmente as originais). O forro foi substituído por cedrinho, e o
assoalho de tabuado corrido foi preservado. Na copa/cozinha, o piso é de cimento com vermelhão, e, no
banheiro adotou laje, revestida com azulejo cerâmico.

215
Estado de conservação

Registramos que a reforma ora iniciada neste prédio busca seguir as técnicas construtivas seculares das
edificações históricas. É o caso de uma das fachadas laterais, que passou por uma intervenção. A trama do
antigo pau a pique foi substituída por uma de bambu, e o emboço de terra com cal foi aplicado pelo
pedreiro. Muitas esquadrias estão deterioradas, mas várias já estão sendo recuperadas (fotos 21 a 27).

f21 f22 f23

f24

f25 f26 f27

Apesar de o prédio apresentar, de forma geral, um bom estado de conservação, percebem-se pequenos
pontos de degradação em colunas, frechais e madres. Alguns pontos das paredes apresentam sujidade,
intumescimento do emboço e pintura desgastada. Uma peça de madeira do cunhal encontra-se fora do
prumo, mas isso não chegou a comprometer as paredes estruturais. No porão, foram feitas colunas de
tijolos, e os barrotes estão em bom estado de conservação (f11).

216
Histórico

s/d. Fachada do prédio, na época em que mantinha quatro portas e uma janela.
Acervo: Museu História Regional de Rio das Flores. f28

Histórico
Um dos prédios mais antigos da cidade, o casarão assistiu à história passar literalmente na sua frente. O
mais provável é que ele tenha sido edificado em meados do século XIX, para servir de residência. Quando
de propriedade do farmacêutico Manoel Pereira de Carvalho, ele sofreu uma série de modificações na sua
fachada para se tornar a “Pharmácia do Carvalho”. Entre elas, a abertura de duas portas, completando três,
com a antiga porta principal da residência. Desde então, a entrada principal passou a ser pela lateral
esquerda, aproveitando o vão de uma janela. Esta obra de adaptação ocorreu provavelmente entre 1874 e
1875. O memorialista Eloy de Andrade, que muito bem descreveu a vida familiar nos povoados da região,
deixou publicado a seguinte informação a respeito da Pharmácia do Carvalho:

“Ás tardes, as reuniões dos principais, ou do “senado” e “Câmara”, de cada lugarejo, às vezes,
eram bem numerosas. Variavam de acordo com os locais preferidos. Em Santa Tereza, eram
procuradas as farmácias do Garnett e a do Carvalho: o primeiro, liberal, e o segundo,
conservador. Em ambas o principal era a política...” p. 40

O major Manoel Pereira de Carvalho foi casado com Brazilina Viçosa de Carvalho e deixou muitos
descendentes na cidade. Em 1898, o casarão era propriedade de Luis Augusto Rodrigues e sua
mulher, Altina Tereza Rodrigues, e confrontava, por um lado, com Sucena & Irmãos, e, por outro, com
herdeiros de Ludovina Rosa de Azevedo. Em 1938, a propriedade voltou a pertencer à família de Manoel
Pereira de Carvalho.

f29
s/d. Fachada apresenta três portas e duas janelas. Acervo: Museu História Regional de Rio das Flores.
217
Histórico

f30
s/d. Panorâmica da rua, entre fins do século XX e inicio do XXI. Acervo: Centro Cultural Professor Antonio Pacheco Leão.

Trata-se de um dos raros remanescentes da formação urbana da então Freguesia de Santa Tereza. O
casarão constitui uma importante referencia para a preservação da memória rio-florense. Implantado nas
margens da estrada que marcou o surgimento do único logradouro que ganhou nome no período imperial: a
Rua São Domigos (hoje Avenida Getulio Vargas) cujo traçado seguia até o Largo do Quartel (atual praça
Coronel Sucena). Com o passar do tempo os exemplares que compunham o acervo arquitetônico de estilo
colonial foram ao chão (f32 e f33), dentre eles a primeira sede da Câmara Municipal, o casarão do “Miguel
Elias” e o hotel Brazil-Itália.

1899. Panorâmica da cidade, quando mantinha o casario edificado no século XIX. Ao centro a praça Sucena, o casarão aqui em
análise está indicado na seta azul. Acervo: Arquivo Nacional f31

f32 f33
s/d (entre meados décadas de 1990 e 2000). Construções sendo erguidas no local de prédios históricos que haviam no entorno da
praça Coronel Sucena com a Av. Getulio Vargas. Acervo: Centro Cultural Prof. Antonio Pacheco Leão.

218
219
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Imagens 21 a 27 – cedidas pela Sra Jane Leite Correa.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MENDES, Francisco Roberval; et. al. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2007. (Coleção Arquitetura no Brasil, V.1).

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Pessoas entrevistadas para a produção do texto:


Jane Leite Correa;
Marcio Leite Correa.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

220
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Estação ferroviária de Rio das Flores (antiga Santa Tereza).

Localização: Município:
Avenida João de Lacerda Paiva, nº 241, Rio das Flores.
Rio das Flores
Época de construção:
1º de agosto de 1883 (estação provisória)/Entre fins de 1884 a
1885 (prédio atual).

Estado de conservação:
No corpo da ficha.
Estação
Uso atual/Original: Ferroviária
Sem utilização/Estação ferroviária.

Proteção existente:
Lei Federal nº 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da
extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) .

Propriedade:
Particular.

s/d. Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

Fachada da estação, anteriormente voltada para a extinta via férrea, agora ocupada pelo asfalto. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

221
Situação e ambiência

A cidade de Rio das Flores fica circundada por morros em formato meia laranja, tomados por uma rala
pastagem. Uma importante referência geográfica é o Córrego Manuel Pereira, curso d’água que dentro do
perímetro urbano da cidade perdeu sua conformação natural e ganhou margens de concreto armado.

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f02

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. O retângulo em vermelho destaca a estação ferroviária. f03

O principal acesso é feito pela rodovia RJ-145, que, a partir de Barra do Piraí, cruza a BR-393 e segue em
direção a Valença. Percorrendo mais 16 quilômetros, chega-se à cidade de Rio das Flores. Outro caminho
utiliza a BR-040, que atende os arredores da Zona da Mata mineira, como Juiz de Fora, e a região
fluminense onde se situam cidades como Três Rios e Petrópolis. Acessando, então, a rodovia federal (BR-
040), é preciso seguir até duas pequenas localidades ribeirinhas, separadas pelo Rio Paraibuna: Paraibuna
e Mont Serrat, pertencentes aos municípios de Simão Pereira-MG e Comendador Levy Gasparian-RJ,
respectivamente. Neste ponto, adentra-se a RJ-151 e, cerca de 30 km à frente, fica o distrito rio-florense de
Manuel Duarte. Prosseguindo pela RJ-145, ficam faltando apenas mais 11 km para se chegar à sede do
município de Rio das Flores.

222
Descrição arquitetônica

f04

Dentro do perímetro urbano da cidade, a RJ-145 converte-se numa via arterial, ganhando, nas proximidades
da estação, a denominação de Avenida João de Lacerda Paiva (f04), quando então suas vias ficam
separadas por canteiros centrais, conferindo à antiga esplanada ferroviária um valioso tratamento
paisagístico (f04 e f05). O conjunto de imóveis geminados dispostos à sua frente conserva o gabarito e
parte da modenatura das lojas comerciais que ali funcionavam, abrindo suas portas para a linha férrea (f06
e f07). A casa do agente ferroviário fica implantada na pequena via denominada Ladeira Conceição
Cardoso, que leva à igrejinha de Nossa Senhora Aparecida.

f05

A rodovia foi assentada sobre a antiga linha férrea e segue um trajeto retilíneo, fora da parte adensada da
cidade, a que se tem acesso por duas ruas que atravessam o Córrego Manuel Pereira. A estação se posta
na confrontação com a via (atual Avenida João de Lacerda Paiva). Os serviços de asfaltamento acabaram
por deixá-la num nível bem elevado em relação à pista, favorecendo uma melhor visualização de sua
frontaria, o que foi facilitado pela espacialidade, que se manteve conservada (f01 e f05). A observação da
fachada de fundos ficou prejudicada por um galpão que possui a mesma altura da estação e serve como
complemento da propriedade (f09 e f10).

223
Descrição arquitetônica

f06

f07

f08

224
Descrição arquitetônica

f09 f10

A sua frente fica um bloco retangular de pedra, aproveitado como plataforma de embarque e desembarque
e que se encontra revestido por argamassa (f11). O prédio possui peças de madeira formando uma gaiola
estrutural composta por pilares, madres, frechais e pelos batentes das esquadrias (portais e vergas) que
ficam intertravados por peças dispostas na diagonal, conhecidos como aspas ou cruz de Santo André. A
vedação dos panos de alvenaria é feita por tijolos maciços, dispostos na horizontal ou em ângulos, criando
uma compressão, possivelmente para evitar futuros recalques nas paredes. 1

f11

f12 f13

1
A descrição do sistema construtivo original se baseia em análises coletadas na estação de Cachoeira do Funil, construída na mesma
época e que adotou o mesmo estilo arquitetônico e a mesma técnica construtiva.
225
Descrição arquitetônica

A cobertura também possui a trama toda em madeira, e as tesouras formam uma angulação em duas águas
preenchidas por telhas francesas, que avançam até o limite das plataformas, onde são sustentadas por
esbeltas peças de madeira instaladas em ângulo, conhecidas como mão-francesa (f12).
Sua tipologia é de pavimento térreo, formando nas laterais empenas terminadas em frontão triangular
preenchido por vazadura em óculo trilobado, onde também foi aplicada uma pintura contendo as iniciais da
Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) e o nome da estação (f01 e f05). As fachadas longitudinais são
recepcionadas pelas plataformas, para onde se voltam quatro portas (f11), sendo que três delas se
assemelham, possuindo folhas de abrir em madeira cega, anteparadas por bandeira de vidro (f13). O outro
modelo apresenta maiores dimensões e desliza por meio de roldanas instaladas sobre a verga (f16), tendo,
em sua parte superior, uma bandeira de madeira vazada trabalhada artisticamente (f14 e f15).

f16

f17
f14 f15

Atualmente o prédio encontra-se desocupado. Os espaços internos se dividem em dois setores. À direita,
posicionam-se quatro compartimentos, interligados por portas. Pelo que se percebe, a única alteração foi a
adaptação de dois banheiros dentro de um desses ambientes. Devido a este quadro, foi possível fazer uma
leitura de sua distribuição interna original, que comportava a sala do guichê (comprovado por meio da
abertura na parede – f18), a sala do agente, a sala de espera e uma toalete. Estes eram os compartimentos
originais encontrados em estações semelhantes da linha férrea rio-florense, construídas no entroncamento
da linha férrea central em Commercio e na localidade de Taboas. A outra parte abriga o antigo armazém de
cargas (f19), acessado pelas duas portas que deslizam por meio das roldanas (fotos 16, 17 e 19).

f18 f19

Com relação aos valores arquitetônicos do prédio, é importante registrar uma característica que se manteve
preservada. Muitas empresas ferroviárias buscavam projetar suas estações seguindo uma mesma tipologia
e corrente estilística, criando uma identidade própria que as diferenciassem das outras companhias que
atuavam até mesmo em suas vizinhanças. Percebe-se claramente a aplicação desses conceitos nas
estações construídas no município de Rio das Flores até 1885. Naquela época, contava a linha com seis
estações. Com exceção da Marambaia (da qual se conseguiram poucas informações) e da estação terminal
de Porto das Flores (que apresenta dimensões e estilo arquitetônico diferenciados), as demais seguiram
um projeto padrão, que foi replicado na estação de entroncamento com a Estrada de Ferro D. Pedro II, em
Commercio (atual Sebastião de Lacerda – f24), e nas estações de Taboas (f25), Santa Tereza (atual Rio
das Flores – f01 e f29) e Cachoeira do Funil. Embora se percebam algumas particularidades individuais,
como dimensões e distribuição interna, todas elas possuíam tipologia retangular térrea.

226
Descrição arquitetônica

f21

Fachada lateral, adotada em outras estações


pela companhia ferroviária. f20 s/d. Fachada da estação com suas janelas
f22 tradicionais. Cedida por: Julio Cezar Graça
Melo. f23

As fachadas laterais ganharam empenas terminadas com frontão triangular onde havia, na parte superior,
uma vazadura em óculo trilobado com cercaduras de madeira. Abaixo desta peça foi aplicada uma estampa
contendo o nome da estação (f20). A principal ligação visual entre elas estava numa dessas fachadas, que
apresentava vazadura em óculo no frontão (f27), bem como duas janelas com folhas internas de madeira e
as externas utilizando vidro nas folhas e na bandeira (f21 e f22).
Com a demolição das duas primitivas estações da companhia férrea (a de Commercio e a de Taboas),
somado com o arruinamento da de Cachoeira do Funil, apenas a de Rio das Flores conservou essa
identidade. Apesar de serem necessárias maiores pesquisas, tudo indica que o projeto das estações foi
realizado pela Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores. Após esta ser extinta, os projetos passaram
para sua sucessora, a Estrada de Ferro Rio das Flores, responsável pela construção dos prédios.

1908. Estação de entroncamento da E.F. Rio das Flores em s/d (Provavelmente início do século XX). Locomotiva tendo ao
Commercio. Cedida por Manoel Monachesi, publicação (FIGUEIRA, fundo a estação de madeira, com sua fachada lateral.
Manoel Fernandes. Memória Histórica E. F. C. B). f24 Acervo: Vilma Dutra Novaes. f25

Construídas durante a vigência do ecletismo na arquitetura brasileira, elas ganharam peças decorativas
típicas daquele estilo, como lambrequins de madeira contornando os beirais, pontaletes nas extremidades e
um acrotério no topo das cumeeiras (f24 e f29). Com o tempo, os lambrequins e seus adornos foram
retirados. Algumas estações tiveram janelas e portas substituídas por novos modelos. Dentre as estações
existentes no município de Rio das Flores, esta é a que conserva o maior número de esquadrias originais.
Apesar de ter perdido os lambrequins, ganhou um conjunto de calhas zincadas que ainda pode ser visto nas
estações de Manuel Duarte e Taboas. Este elemento foi instalado na plataforma de embarque (f31),
provavelmente para proteger os passageiros contra as goteiras do beiral em épocas de chuva, sendo um
elemento dotado de autenticidade, ligado aos valores estéticos e históricos do prédio.
Ocorreu também a retirada das pinturas indicativas de “Altitude” e “Distância”, que ficavam entre a porta de
correr do armazém, que são uma marca da arquitetura ferroviária e foram aplicadas em praticamente todas
as estações, podendo ser encontradas modelos autênticos na de Manuel Duarte e cópia na de Cachoeira
do Funil.

227
Estado de conservação

Para um melhor entendimento das condições do prédio, buscou-se analisar separadamente sua integridade
física e o estado de conservação do material que compõe seus valores patrimoniais, começando pela
plataforma, acessada, de um lado, por uma escadaria, e, de outro, por uma rampa. Devido à proximidade
com a rua, ela ganhou um guarda-corpo de madeira em toda a sua extensão. O revestimento aplicado em
sua frontaria encobriu os tradicionais blocos de pedra, que ficaram parcialmente aparentes em alguns
trechos da plataforma frontal, e melhor conservados na de fundos.
Trata-se de um imóvel em bom estado de conservação física, um dos raros prédios de estação ferroviária a
apresentar tal condição na região, não aparentando nenhum tipo de problema estrutural ou relativo à falta
de manutenção, como desprendimento de emboço, pintura desbotada e goteiras, que costumam acometer
com mais frequência os prédios históricos. Suas esquadrias aparentem perfeitas condições.

f26

As tradicionais salas foram adaptadas para novos usos. Uma delas foi subdividida para abrigar os
banheiros, típico caso de adequação às funções atuais. Assim como na parte interna, o piso, a pintura e o
forro estão muito bem cuidados. As salas ganharam piso de madeira. Já o tradicional cimentado do
armazém foi encoberto por placas cerâmicas. Foi instalado também um forro, acompanhando a inclinação
do telhado.
Ao longo do tempo, o prédio perdeu os lambrequins e o conjunto de calhas zincadas, lembrando que tais
elementos não se complementavam, pois são referências de épocas diferentes.
Diversos fatores, que não puderam ser analisados neste inventário, podem ter contribuído para a supressão
completa de sua pigmentação histórica. A tradicional inscrição, contendo o nome do prédio nas fachadas
laterais, foi mantida (f26 e f27). Ainda que a nova inscrição tenha sido criada respeitando uma pintura
anterior, observa-se que ela possui uma camada nova, aplicada provavelmente numa era pós-ferroviária.
Pelo que se percebe, determinadas ações suprimiram importantes detalhes do prédio, como as estampas
“Altitude” e “Distância”.

f27

228
Histórico

Histórico
A criação de uma ferrovia em Rio das Flores remonta ao período em que este município fluminense era
uma próspera freguesia de Valença, denominada Santa Tereza. As obras tiveram início em dezembro de
1876, por meio da Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores. A ferrovia saía das margens do Rio
Paraíba do Sul e seguia por 36 km até Porto das Flores (atual Manuel Duarte), nas margens do Rio Preto.
Nesse trajeto, foram projetadas seis estações: a primeira ficava no entroncamento com a linha férrea de
bitola larga, na vila de Commercio (atual Sebastião de Lacerda), seguida pelas de Marambaia, Taboas,
Santa Tereza (Rio das Flores), Vendinha (Cachoeira do Funil) e Porto das Flores (Manuel Duarte).

1901. Movimento na estação ferroviária de Santa Tereza (atual Rio das Flores). f28
Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores-RJ.

A Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores ficou marcada pelas inúmeras dificuldades que enfrentou.
Quando chegou a Taboas, em 1882, inaugurando sua primeira seção, sua estrutura financeira estava
corroída. Com o intuito de gerar receita em seu caixa, logo em seguida lançou-se em direção à sede da
freguesia. No dia 1º de agosto de 1883, os trilhos finalmente alcançaram Santa Tereza, cumprindo a meta
de chegar a tempo de aproveitar a safra do ano, que ajudaria a cobrir o rombo financeiro. A abertura do
trecho estava condicionada a erguer um barracão de madeira para recebimento de cargas. Como o estado
financeiro da companhia não comportava gastos, coube a um de seus diretores emprestar o material
necessário para construí-lo.
No ano seguinte (1884), a companhia foi liquidada em leilão. Em seu lugar entrou a Estrada de Ferro Rio
das Flores, que retomou os trabalhos em 1885. Entre os compromissos assumidos estavam o de terminar
os últimos quilômetros e construir as duas estações restantes (Cachoeira do Funil e Porto das Flores). Foi
imposta também a necessidade de serem construídas as estações definitivas de Commercio e Santa
Tereza. Não se descobriu o dia em que foi inaugurada a estação definitiva. Provavelmente isto ocorreu
durante o andamento da frente de trabalho.2 A data mais provável é o primeiro semestre de 1885, conforme
pesquisas realizadas num dos principais registros disponíveis, referente à transição das duas companhias
ferroviárias.3 Ela foi implantada na entrada da freguesia, em terras desmembradas da fazenda da Paciência,
da família Correia de Azevedo.
Com a liquidação da Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores, o diretor que havia cedido o material
para erguer o prédio provisório exigiu a devolução da madeira que lhe pertencia, dizendo que a mesma não
fazia parte da massa falida arrematada em leilão. No entanto, os donos da nova empresa (a Estrada de
Ferro Rio das Flores) ainda aproveitaram o prédio até os primeiros dias de janeiro de 1885, quando então o
desmancharam, apropriaram-se de uma parte do material, repassaram algumas peças a terceiros e
lançaram o restante nas terras da fazenda do dito diretor, devolvendo a este o que ele achava ter direito.
Pode ser que a atitude tenha ocorrido quando a estação definitiva estivesse pronta ou com sua execução
adiantada. A seguir, o movimento de trens, desde a época em que a estação de Santa Tereza era o ponto
final da linha, posteriormente alongada até Porto das Flores (Manuel Duarte) e, por fim, até Três Ilhas:

2
A de Cachoeira do Funil ocorreu em julho de 1885, e a de Manuel Duarte (Porto das Flores), cerca de 70 dias depois.
3
Relatório da Diretoria da Companhia de E. de F. Rio das Flores. Rio de Janeiro, 1886 (acervo particular de Vilma Dutra Novaes).

229
Histórico

Quadro de Horários – 1884 e 1885

Saídas de Commercio Saídas de Santa Tereza (Rio


(atual Sebastião de Lacerda) das Flores)
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 9:25 Santa Tereza (Rio das Flores) 13:10
Marambaia 9:51 9:56 Taboas 13:30 13:40
Taboas 10:30 10:40 Marambaia 14:14 14:19
Santa Tereza (Rio das Flores) 11:00 Estação em Commercio 14:45
Adaptado do Almanack Laemmert, anos 1884 e 1885. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Quadro de Horários – 1886

Saídas de Commercio Saídas de Porto das Flores


(atual Sebastião de Lacerda) (atual Manuel Duarte)
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 9:10 Porto Flores (Manuel Duarte) 12:50
Marambaia 9:42 9:47 Cachoeira do Funil (Vendinha) 1:00 13:05
Taboas 10:19 10:25 Santa Tereza (Rio das Flores) 13:25 13:30
Santa Tereza (Rio das Flores) 10:39 10:44 Taboas 13:47 14:02
Cachoeira do Funil (Vendinha) 11:00 11:05 Marambaia 14:35 14:40
Porto Flores (Manuel Duarte) 11:14 Estação em Commercio 15:00
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1886. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Quadro de Horários – 1893

Saídas de Commercio
(atual Sebastião Lacerda) Saídas de Três Ilhas
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 8:40 Três Ilhas 12:30
Marambaia 9:17 9:20 Santa Rosa 12:57 13:00
Taboas 9:50 10:00 Porto Flores (Manuel Duarte) 13:24 13:40
Santa Tereza (Rio das Flores) 10:17 10:24 Cachoeira do Funil 13:51 13:56
Cachoeira do Funil 10:44 10:47 Santa Tereza (Rio das Flores) 14:16 14:24
Porto Flores (Manuel Duarte) 10:58 11:15 Taboas 14:42 15:00
Santa Rosa 11:40 11:43 Marambaia 15:33 15:38
Três Ilhas 12:10 Estação em Commercio 16:02
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1893. Disponível em <http://memoria.bn>. Acesso novembro 2012.

O trem fortaleceu a criação de uma nova centralidade urbana, atraindo, um conjunto de lojas comerciais,
situadas próximo à linha e com suas fachadas voltadas para a estação. No início do século XX, o café já
não sobressaía com tanto vigor nos morros da região do Médio Paraíba fluminense. Mesmo assim, o
produto se mantinha como a principal sustentação econômica do município.
Em 1910, a Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) encampou diversas companhias particulares e,
dentre elas, a Estrada de Ferro Rio das Flores e a E. F. União Valenciana, que deram origem ao sub-ramal
Valença-Afonso Arinos, inaugurado em 1911. Com isso, o prédio da estação passou a ser propriedade da
E.F. Central do Brasil. A seção entre Comércio/Sebastião de Lacerda e Taboas foi extinta, e o novo trajeto
saía de Valença até Taboas, de onde seguia sobre o leito existente. De Três Ilhas, ele foi prolongado até
Barra Longa (atual Afonso Arinos, distrito de Comendador Levy Gasparian), onde fazia a conexão com a
linha férrea central de bitola larga que seguia para o Estado de Minas Gerais. A remodelação levou à
inclusão das estações de Valença e Barra Longa (Afonso Arinos) à linha.
Na década de 1920, foi inaugurada uma fábrica de tecidos, implantada na confrontação com a linha férrea,
algumas centenas de metros antes da estação. Em 1934, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) montou uma
estrutura para beneficiar a produção de café do município. Conhecido como Departamento Nacional do
Café (DNC, hoje ocupado pela Secretaria de Obras e de Transportes), suas instalações ficaram situadas a
cerca de 100 metros da estação ferroviária, facilitando que seu estoque era despachado para os vagões.
Em 1936, a cidade contava com seis horários de trem, cujas composições paravam por até cinco minutos
na estação de Santa Tereza.

Sub-Ramal Valença – Afonso Arinos


Chegada dos trens à estação de Santa Tereza. Horário em vigor a partir de 1936.
Estação de Santa Tereza (Rio das Flores) – saídas de Valença 5:42 11:01 16:29
Estação de Santa Tereza (Rio das Flores) – saídas de Afonso Arinos 8:47 10:59 15:55
Extraído do Quadro de Horários da E. F. Central do Brasil – Rede Fluminense. Acervo: Museu Ferroviário de Valença.

230
Histórico

s/d (Últimos anos da década de 1920). População na esplanada ferroviária, junto à estação.
Acervo: Candido Rodrigues Duarte Silva. f29

Naquela época, a produção leiteira começou a se tornar uma atividade mais atraente para as fazendas,
marcando o surgimento de cooperativas e laticínios, que, em sua maioria, procuravam se instalar nas
proximidades das estações. As plataformas testemunhariam significativas transformações, ocasionadas
pela transição da economia cafeeira para a pecuária leiteira.
Em 1937, os moradores se uniram contra um projeto de anexação do município ao de Paraíba do Sul.
Representando o Poder Executivo do estado, o senhor Manuel Duarte proferiu um discurso na própria
estação, levando uma multidão à esplanada ferroviária da cidade.

f30
1937. Discurso de Manuel Duarte à frente da estação. Acervo: Museu de História Regional
de Rio das Flores (retirado do jornal Correio da Manhã de 3 de junho de 1937).

Através do decreto estadual nº 1.056, de 31 de dezembro de 1943, o município passou a se chamar Rio das
Flores. Com isso, a estação adotou a mesma denominação. Três anos antes contava com 7.832
moradores, e, desses, apenas 557 residiam na sede. O reduzido número de habitantes resultou num dos
maiores despovoamentos da região. Por volta de meados do século XX, Rio das Flores tornou-se o

231
Histórico
4
município com a menor população do Estado do Rio de Janeiro, situação que pode ter causado reflexos
negativos no movimento de passageiros e de cargas da ferrovia.
Nessa época, os trens começaram a enfrentar a concorrência dos automóveis. Em 1947, começou a circular
uma linha de ônibus ligando Valença a Rio das Flores. Na década de 1950, o rodoviarismo se intensificou,
e, por volta de meados da década, a cidade passou a ser atendida por ônibus, ligando as cidades de
Valença e Juiz de Fora-MG. Em 1957, a Estrada de Ferro Central do Brasil foi substituída pela Rede
Ferroviária Federal (RFFSA). No início da década de 1960, o governo começou a erradicar diversos ramais
ferroviários considerados antieconômicos e, entre eles, estava o sub-ramal Valença-Afonso Arinos. A
seguir, o movimento dos trens em Rio das Flores naquela época:
Quadro de Horários em 1960
Saídas de Afonso Arinos Saídas de Valença
Afonso Arinos 4:41 10:26 14:45 Valença 7:23 10:58 18:49
Três Ilhas 5:16 10:58 15:17 Taboas 7:50 11:24 19:07
Santa Rosa 5:37 11:20 15:38 Rio das Flores 8:09 11:38 19:21
Manuel Duarte 5:56 11:43 15:57 Cachoeira do Funil 8:27 11:55 19:39
Cachoeira do Funil 6:07 11:57 16:08 Manuel Duarte 8:41 12:05 19:49
Rio das Flores 6:27 12:20 16:28 Santa Rosa 8:59 12:23 20:07
Taboas 6:42 12:36 16:43 Três Ilhas 9:23 12:42 20:26
Valença 7:06 13:00 17:07 Afonso Arinos 9:50 13:08 20:55
Fonte: Guia Levi, 1960. Acervo: Manoel Monachesi.

f31
s/d (provavelmente década de 1960). Estação ferroviária de Rio das Flores (antiga Santa Tereza), após a retirada
dos trilhos da linha férrea. Acervo: Museu de História Regional.

Não foi possível definir com exatidão a data da extinção do ramal. Os registros pesquisados apontam 15 de
outubro de 1965 como a data oficial. Há, também, um decreto do ano seguinte (nº 58.992/1966)
5
relacionando o ramal entre aqueles que foram erradicados ou que tiveram o tráfego suspenso. Importante
esclarecer que o fechamento da estrada de ferro para os trens não correspondia à extinção da mesma.
Primeiramente, os trens deixavam de circular, para, em seguida, decidir-se se a linha seria erradicada ou
não. Tudo indica que foi isto que aconteceu com o ramal de Valença-Afonso Arinos. Segundo a maioria dos
moradores consultados, a última vez que uma composição de horário regular para transportar passageiros e
cargas estacionou na estação de Rio das Flores foi no ano de 1964.
Com o passar dos anos, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) se desfez de vários imóveis das linhas, dentre
eles, as estações ferroviárias. Atualmente, a de Rio das Flores está nas mãos de um particular.

4
IORIO, Leoni. Valença de Ontem e Hoje (1789 – 1952). 1ª ed. Juiz de Fora-MG: Companhia Dias Cardoso S.A., 1953. p. 171.
5
Consta o ano de 1965 na publicação de RODRIGUEZ, 2004. p. 174. O trabalho de Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krisna Neffa
(Caminhos e Descaminhos do Sistema Ferroviário na Região do Médio Paraíba – Séculos XIX e XX) cita 1965 como o ano em
que foi decretado o fim do sub-ramal Valença-Afonso Arinos (p. 14). Segundo informações cedidas por Manoel Monachesi, a data de
15 de outubro de 1965 tem como fonte a Revista Ferroviária de agosto de 2000, sobre trechos erradicados. O decreto de 1966 é um
documento da Superintendência Regional 3 de Patrimônio (SR-3) de Juiz de Fora-MG, publicado em 17 de julho de 1984, que trata das
áreas sem os trilhos.

232
233
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 11, 12 e 13 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FERREIRA, Luis Damasceno. História de Valença. 2ª ed. Rio de Janeiro: [s.n], 1978.

IORIO, Leoni. Valença de Ontem e Hoje (1789 – 1952). 1ª ed. Juiz de Fora-MG: Companhia Dias Cardoso
S.A., 1953.

MORAIS, Sergio Santos. A Arquitetura das Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro Central do
Brasil no século XIX – 1858/1900. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/ PROARQ. Rio de Janeiro: 2002.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: O Resgate de sua
Memória. Rio de Janeiro: RR Donneley, 2004.

Relatório da Diretoria da Companhia de E. de F. Rio das Flores. Rio de Janeiro, 1886 (Acervo particular
de Vilma Dutra Novaes).

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac. Rio das
Flores-RJ: Edição do Autor, 2011.

VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha
Auxiliar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional 1935.

VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil, Sistemas Construtivos. 4ª ed. Universidade de


Minas Gerais – UFMG, Escola de Arquitetura. Belo Horizonte: [s.n], 1961.

Arquivos consultados:

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.


- Fundo Presidente de Província.

Consultas On-line:

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em


<http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acesso ao portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.

234
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Chalé em Rio das Flores.

Localização: Município:
Rua Aniceto de Medeiros, nº 13, Centro. Rio das Flores.

Época de construção:
1896.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Residencial.

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Particular.

s/d. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

235
Situação e ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth. Fevereiro de 2013. f02

O imóvel fica situado no Centro de Rio das Flores, nas proximidades da Igreja Matriz de Santa Thereza
D’Ávila, do Centro Cultural e do parque de eventos da cidade (f02 e f03). Além da residência, ele possui um
terreno, com diversas plantas ornamentais e algumas árvores, fazendo rumo, nos fundos, com o Córrego
dos Ingleses.

f03

Situada na Rua Aniceto de Medeiros (f06), o prédio em chalés é um raro exemplar deste estilo
arquitetônico, difundido na cidade de Rio das Flores na última década do século XIX. Os demais que
existiam foram demolidos ou passaram por modificações que acabaram por causar-lhes
descaracterizações.1

1
Este inventário fez o fichamento de um outro chalé no município, situado na localidade de Comércio.
236
Descrição Arquitetônica

f04 f05

O chalé se revela mesmo quando admirado a certa distância (f04 e f05), permitindo a observação de sua
construção escalonada, por estar implantado no desnível do terreno (f03). A propriedade é delimitada por
muros laterais, havendo, na parte da frente, dois portões de acesso: um para a varanda e outro para a
garagem, cuja obra encontra-se em andamento (f06).

f06

f07 f08

A residência se sobressai entre as construções contemporâneas, apresentando a tradicional implantação da


época: fica assentado sobre um porão baixo, dotado de pequenos orifícios (respiradouros) para a entrada
de ar. A fachada frontal posiciona-se rente à calçada (f01 e f07). O pequeno avarandado na lateral
recepciona a entrada principal da casa. É provável que este elemento tenha precedido um anterior, como se
comprova nos valiosos recortes escalonados de suas quinas superiores (f17), claramente inspirados no art
déco, estilo que vigorou na década de 1930, ou seja, bem após a construção do chalé (f08).
237
Descrição Arquitetônica

Trata-se de uma construção com paredes de tijolo maciço, elevada sobre sólida estrutura de pedra. Devido
ao desnível do terreno, foi possível instalar um pavimento inferior (porão) na parte dos fundos. A fachada
frontal possui na base um porão baixo com vãos de ventilação gradeados. Logo acima se posicionam
quatro janelas de verga reta, com uma sobreverga em massa. As folhas externas em venezianas e,
internamente, com guilhotinas com caixilhos de vidro (f01). Na parte central do frontão ficam duas janelas
decorativas, com verga em arco pleno. Uma dessas aberturas conserva um significativo detalhe, onde
consta o ano provável de sua construção: 1896 (f09).
A cobertura em duas águas é protegida por telhas francesas importadas de Marseille (f11), e o beiral é
arrematado por tabuado corrido, conservando alguns fragmentos do lambrequim de madeira (f10).

f09

f10 f11

f12 f13

Um portão simples conduz à varanda alteada (f08), com piso de pedra de ardósia e forro de cedrinho. A
porta principal é de madeira maciça almofadada que se abre em duas folhas, dando acesso a um hall (f14)
e a dois cômodos utilizados como quartos, que devem ter sido um escritório e uma sala de estar.

f14 f15 f16

238
Descrição arquitetônica

O corredor conduz até a sala de jantar (f15), onde mais três quartos são distribuídos, seguindo o banheiro e
a cozinha. Segundo informações do atual proprietário, foram reformados na década de 1980, ganhando piso
de cimento queimado com pigmentação (conhecida como “vermelhão”), forro de cedrinho e esquadrias de
perfil de ferro (f16).
As portas internas mantêm bandeira de vidro, o piso é de tabuado de madeira e o forro é no estilo saia e
camisa, na cor branca (f14 e f15).

f17 f18

f19 f20 f21

O jardim lateral se distribui no terreno em declive, e uma escada de cimento leva à calçada que circunda o
porão (f17 e f18), cuja parte habitável possui maciças paredes de pedra com 40 centímetros de largura, com
vários formatos de esquadrias (f19), sendo as básculas de ferro, as portas e as janelas em madeira em
verga reta, mas com bandeira em arco pleno (f19 e f20). Os espaços do porão são utilizados para depósito
(f20), apresentando piso de cimento e forro deixando à mostra a trama dos barrotes do assoalho.
Destaque para o decorativo gradil de ferro batido, datado de 1858 (f23).

f22 f23

239
Estado de conservação

A residência encontra-se desabitada há algum tempo. Durante esse período, ela foi vendida, com a
promessa de uma merecida reforma, que já se encontra em andamento.
Visualmente, não se percebe nenhum tipo de comprometimento estrutural na edificação, que possa
ameaçar de imediato sua integridade.
Nota-se que as fachadas possuem trechos com sujidade (f21) e algumas áreas estão sem o emboço,
deixando à mostra as paredes estruturais. O porão apresenta as paredes com pontos de umidade e limo e
uma parte obstruída por entulho, acelerando o processo de umidade e a degradação das janelas (f20).
Deve-se destacar que seus barrotes estão em bom estado de conservação.
A fachada principal está sem o beiral (f24), onde se observa o madeiramento degradado. Em diversas áreas
do telhado é possível notar a incidência de vegetação, o que compromete ainda mais a cobertura. Do
decorativo lambrequim (autêntico elemento aplicado nos prédios em estilo chalé) restam algumas partes
(f25).
As esquadrias, em sua maioria, estão em estado regular, necessitando de uma manutenção que as proteja
das intempéries. Algumas estão em completo estado de deterioração.
O antigo assoalho de madeira do sobrado está em bom estado de conservação. Observa-se infiltração
descendente no forro da varanda.

f24 f25 f26

Por meio de uma iconografia antiga (f27), é possível observar que o bloco dos fundos, onde estão o
banheiro e a cozinha, já existia desde 1899 (época da foto). Nota-se também que as esquadrias do porão
eram de verga quadrada e que, originalmente, a varanda era mais esbelta, sustentada possivelmente por
pilares metálicos, e tinha apenas um guarda-corpo vazado.
A citada foto permite especular que havia um lambrequim recobrindo o beiral das fachadas.
Além das mudanças no prédio, observa-se mais recentemente a construção de uma garagem bem próxima
à lateral do casarão, o que irá comprometer visualmente seu entorno e sua ventilação.

f27
1899. Imagem do chalé logo após sua construção. Acervo: Arquivo Nacional.
240
Histórico

1899. Panorâmica mostra o chalé (indicado pela seta branca) poucos anos depois de ser construído. Acervo: Arquivo Nacional. f28

Histórico
Construído em 1896, tudo indica que a primeira moradora e proprietária tenha sido Luiza Vieira da Cunha
Fraga (1849-1919), que lá teria residido até o ano de 1906. Conhecida na Freguesia de Santa Tereza por
sua formosura, D. Luizinha, como era carinhosamente chamada, era filha do 1º Barão do Rio das Flores. Foi
casada com o médico Camilo Bernardino da Fraga e não deixou descendentes. O casal foi ainda
proprietário da Fazenda União, onde viveu entre 1873 e 1888, quando Dr. Camilo faleceu.
Dona Luizinha vendeu seu chalé da Rua Barão do Rio das Flores (atual Aniceto de Medeiros) para seu
sobrinho José Vieira Machado da Cunha, em 28 de fevereiro de 1906. Na década de 1920, José Vieira
Machado da Cunha, casado com Rosa Goulart, instalou no porão do chalé uma fábrica de tecidos Jersey,
que funcionou até 1931, quando ele resolveu vender a propriedade com toda a instalação da fábrica. Em
1938, ela pertenceu a Francisco Rodrigues Guedes e, tempos depois, foi adquirida por Humberto Tavolaro.
Em 1970, seus herdeiros venderam o antigo chalé para o Dr. Cândido Duarte.
À direita do chalé aqui analisado havia um outro, construído na mesma época, de propriedade de Otaviano
da Rosa Machado. Além deles, haviam outros exemplares na cidade, que foram demolidos ou encontram-
se descaracterizados. Foram erguidos exemplares também nos distritos e localidades, como Comércio.

s/d. Panorâmica cidade de Rio das Flores, com o chalé (indicado pela seta amarela) situado no canto inferior esquerdo
da foto. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f29

As estações ferroviárias também adotaram a arquitetura em chalé. A ferrovia, que trouxe, com ela, uma
gama enorme de produtos industrializados, como as telhas francesas, o tijolo queimado e a madeira
serrada, aplicados tanto nas próprias estações ferroviárias como nas demais construções civis, onde a
entrada se dava por um avarandado lateral. Muitas desses prédio eram guarnecidos com peças metálicas e
cobertura em chapa ou telha francesa. Ocorreu também uma redistribuição dos espaços internos e externos
das novas casas em relação aos exemplares anteriores, que eram muito influenciadas pelo colonial mineiro.

241
242
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MENDES, Francisco Roberval; et. al. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2007. (Coleção Arquitetura no Brasil, V.1).

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Morador entrevistado para a produção do texto:

Candido Rodrigues Duarte Silva.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

243
244
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Grupo Escolar.

Localização: Município:
Rua Eurico de Lacerda Castro nº 14, centro. Rio das Flores.

Época de construção:
Inaugurado em 1934.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Universidade Pública, (EaD – Ensino a Distância).

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Governo do Estado do Rio de Janeiro.

s/d. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

Fachada principal do Grupo Escolar. f01


Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

245
Situação e ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth, Janeiro de 2013. f02

O antigo Grupo Escolar fica situado na Rua Eurico de Lacerda Castro, nº 14, no Centro da cidade de Rio
das Flores. O núcleo urbano que se desenvolveu ao redor é constituído de casas simples, típicas de uma
cidade do interior (f02). O prédio histórico (f01), ao longo do tempo, foi sendo adaptado para outras funções,
com a implantação de edificações anexas, passando a ocupar o pequeno quarteirão no rumo da Rua Santa
Tereza (f03).

f03

246
Descrição Arquitetônica

A rua de paralelepípedos com estreitas calçadas conduz até o antigo Grupo Escolar, que abriga atualmente
o Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro e, nele, é ministrada educação
para crianças com necessidades especiais.
O prédio alteado foi construído sobre um soco de pedras e, para acessá-lo, há uma escada de alvenaria
que vence o desnível, ocupando o passeio público (calçada-f04).

f04

A leitura do conjunto se ateve ao bloco principal, sem considerar a construção lateral, acrescida
posteriormente.
Trata-se do mais representativo exemplar da arquitetura eclética difundida no município a partir da década
de 1920. Apesar de possuir apenas um pavimento, sua fachada traduz imponência e atrai os olhares para
sua composição de linhas simétricas e acabamentos apurados (f05).

f05

A volumetria retangular do prédio tem cobertura em quatro águas, com telhas de cerâmica francesa. A
fachada principal é demarcada em três tramos, distribuindo simetricamente suas esquadrias, com uma
portada central ladeada por três janelas de cada lado (f05). A porta de duas folhas almofadadas se destaca
pela bandeira em arco pleno, com gradil trabalhado em ferro batido (f07), e as janelas mantêm as bandeiras
de verga em arco, com folhas duplas, de caixilho de vidro no exterior e folhas cegas no interior (f08). Ainda
nesta fachada, demarcando as janelas laterais, o alisar em massa tem composição de sobreverga reta, e,
no tramo central, as bandeiras receberam ornatos de cártulas com delicadas volutas coloridas de verde. Do
friso que percorre horizontalmente toda a fachada, ressaltam dois pingentes de frutos, com acabamento na
base de folhas de acanto (f08).
247
Descrição Arquitetônica

Os cunhais, assim como as falsas colunas, se apoiam no embasamento de pedra e terminam com um
gracioso ornato de flores e folhagens. Acima, o friso longitudinal é destacado, com cobertura de telhas
francesas e um corredor de pequenas mísulas arrematando sua base. Todo o telhado é encoberto por uma
platibanda, interrompida por pilaretes, sendo que, na fachada frontal, os das extremidades são coroados
com uma pinha estilizada com folhagens (f09 e f10). No centro, o frontão com volutas e ornatos enaltece o
brasão do Estado do Rio de Janeiro,1 com a águia e as estrelas, marcando a data de 9 de abril de 1892 (f11
e f12).

f06

f07 f08 f09 f10

f11 f12

1
O brasão aparece no antigo prédio do “Forum Quartel Cadeia”, que também ganhou um fichamento individual neste inventário.
248
Descrição Arquitetônica

O prédio possui paredes de tijolo maciço e tem assoalho de tacos e ladrilho hidráulico (f16), rodapé em
massa e forro de madeira.
Nas fachadas laterais (f04) e de fundos (f13), as janelas e as portas são de verga reta, com bandeira de
veneziana, duas folhas de caixilho de vidro e folhas cegas almofadadas. No interior, as portas mantêm as
folhas cegas (f14).
A portada frontal abre para uma sala de recepção, tendo, à frente, a secretaria (f15). Cada porta lateral
conduz aos corredores que, contornando um pequeno pátio, distribuem as salas de aula (fotos 16, 17 e 18).
Observa-se que este espaço descoberto, mas com revestimento no piso e mureta baixa, provavelmente era
um jardim interno (f18). Este recurso arquitetônico era muito utilizado nas edificações educacionais e de
saúde. Além da privacidade, proporcionava ventilação, iluminação e beleza, com sua área ajardinada.

f13 f14

f15 f16

f17

249
Descrição Arquitetônica

f18

Ao longo do tempo, as dependências do prédio foram se adaptando aos novos usos, ganhando anexos
externos de linhas contemporâneas, levando a formação de um amplo pátio descoberto (f19). Atualmente,
sua infraestrutura comporta laboratórios, salas de aula, biblioteca, arquivo, depósitos, banheiros e cozinha,
atendendo assim à demanda de suas funções (f20), sendo mantido um padrão nas esquadrias, na
cobertura e na pintura que integram o conjunto (f21 e f22).

f19

f20 f21

f22
250
Histórico

Histórico
Em 1920, o Dr. Adolpho Sucena, advogado e, mais tarde, ministro do Tribunal de Contas do Estado do Rio
de Janeiro e proprietário da Fazenda da Natividade, doou para a Câmara Municipal um terreno,
desmembrado de sua citada fazenda, para, no local, ser construído um hospital chamado “Casa dos
Pobres”. Em 1927, a obra do futuro hospital estava em pleno andamento, graças ao empenho do juiz de
Direito Dr. Aniceto de Medeiros. Por motivos desconhecidos, as obras foram paralisadas em 1929.
Por interferência do interventor estadual Ary Parreiras, o projeto foi alterado de hospital para escola
estadual. Em junho de 1934 foi inaugurado o então Grupo Escolar Miguel Couto, na gestão do prefeito João
de Lacerda Paiva, através do Decreto nº 3.078, de 26/5/1934, publicado no D.O. em 31 de maio de 1934. O
atraso permitiu que a cidade recebesse na década de 1930 (quando passou a vigorar o art déco, um estilo
francês de linhas geometrizadas) um prédio com a arquitetura eclética, típica da década de 1920.

s/d. Imagem do prédio, com sua volumetria original. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f23

Apesar da presença do interventor no ato da inauguração, não houve solenidade festiva. Para essa ocasião,
foi escrita pela rio-florense Dora Villares uma poesia que deveria ser declamada por uma aluna na
solenidade, fato que acabou não acontecendo. A citada poesia foi publicada num jornal da cidade de
Valença-RJ: “O Gymnasial”, em 2 de setembro de 1934, nº2, ano I. Para professora-diretora, foi nomeada
Nadir de Araújo Valle. Em 1938, a casa de ensino atendia os alunos até a 5ª série (que, na época, fazia
parte do ensino primário) e era dirigido pela professora Ormezinda Pereira, auxiliada pelas professoras
Marina Ielpo, Maria de Lourdes Fernandes, Maria da Glória Leite Pinto e Izolina Silva.
A partir de 1976, o Grupo Escolar Miguel Couto passou a ser designado como Escola Estadual Manuel
Duarte, em virtude de um Decreto (nº 804, publicado no Diário Oficial em 16 de julho de 1976), da secretária
de Educação, Myrthes Wenzel, que estendeu o ensino até a 8ª série. No início desse curso, toda escola
continuava funcionando no antigo prédio situado à Rua Eurico de Castro, nº 14.
Em 1981, ao passar a ministrar o Curso de Formação de Professores (2º grau), a escola foi elevada à
categoria de colégio, ganhando a denominação de Colégio Estadual Manuel Duarte (através do Decreto
3.959, de 13/3/81, Portaria 3.977/ECDAT, de 4/2/83). Esta é a data mais provável da construção dos
anexos que existem ao redor do prédio original, onde constam salas de aula, biblioteca, banheiros, cozinha
e o pátio central. Mesmo com essas ampliações, seus espaços passaram a não mais comportar o novo
contingente de alunos, condição esta, que somada à necessidade de maior entrosamento entre o corpo
docente do Curso de Formação de Professores e alunos, levou à cessão do antigo Ginásio Santa Tereza
(situado à Rua Dr. Leoni Ramos), que passou a abrigar as turmas de 5ª à 8ª série e o curso de 2º grau.
Com a criação do 2 º grau (cursos de Formação de Professor, Contabilidade e Formação Geral) as aulas do
foram transferidas para o prédio do CIEP 298 (Jarbas de Castro Salles Abreu), inaugurado em 1993. Após
uma votação aberta, para funcionários, alunos e pais, o nome permaneceu sendo Colégio Estadual Manuel
Duarte. Contudo, houve uma pequena alteração, atualmente, ele se chama Colégio Estadual Brizolão
Manuel Duarte. Mesmo após todas essas mudanças, o histórico prédio da Rua Eurico de Castro nº 14
nunca deixou de funcionar como Colégio Estadual Manuel Duarte, mantendo o curso de Jardim de Infância
e 1º segmento do 1º grau (até a 4ª série) do ensino fundamental. Atualmente o edifício abriga também um
polo do Cederj, com cursos de graduação a distancia e gratuitos.

251
Representação gráfica

s/d. Planta baixa atual do Grupo Escolar, contendo seus anexos. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores. f27.

252
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

253
254
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de Santo Antônio do Paciello.

Localização: Município:
Paciello, área rural do 1º Distrito. Rio das Flores

Época de construção:
Inaugurada em 1915.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Templo de celebração religiosa.

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento.

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença.

1995. Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

Fachada da Capela de Santo Antônio – Paciello, localidade da zona rural do Bairro do Formoso. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

255
Situação e ambiência

Paciello

Ponte
Ferro

Rio das
Flores
Ferro

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro de 2013. f02

A capela fica em território do primeiro distrito. Estando na cidade-sede de Rio das Flores, o acesso é feito
por uma rodovia asfaltada, denominada Avenida Gilberto Garcia da Fonseca (ou estrada municipal RF-01),
em direção ao bairro do Formoso. Alguns quilômetros depois, ela continua sobre leito de terra, passando
por uma área rural, com fazendas e sítios, onde predomina uma paisagem de morros com pastagem e
grotões remanescentes da Mata Atlântica e bambuzais definindo o limite das terras. A próxima referência no
caminho é uma ponte de ferro, instalada sobre um pequeno curso d’água, o Rio das Flores. A partir daí,
deve-se entrar na primeira via à esquerda, denominada RF- 04, com piso de terra batida e apresentando
trechos de erosão e muita poeira na época das secas. Cerca de três quilômetros à frente, chega-se ao
lugarejo de Paciello (f02 e f03).

Capela Paciello

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro de 2013. f03

256
Situação e ambiência

Na pequena localidade de Paciello, predomina um ambiente tipicamente rural, com a presença de carroças
como meio de transporte e a criação de animais, como cavalos e gado leiteiro (f04). A comunidade reside
em sítios e chácaras situados nas redondezas.
A capela de Santo Antônio está localizada junto à estrada RF-04, sendo delimitada por um muro e por uma
cerca de arame. O espaço à sua frente foi pavimentado com cimento e, ao seu lado, há uma área coberta,
onde a comunidade realiza seus festejos (f05). Este anexo foi feito com pilares de madeira roliça e protegido
com telhas de fibrocimento (amianto). Aos fundos da capela está sendo construído um banheiro, que se
encontra inacabado (f06).

f04

f05

f06 f07

Trata-se de uma das capelas religiosas existentes na área rural do município 1 que não possuem torre
sineira. Sua volumetria é definida pelo bloco principal, que abriga a nave e o altar, e um bloco menor de
fundos (f07).

1
Os bens classificados como capelas de caráter rural no município de Rio das Flores pelo presente inventário são os seguintes:
Capela de Santo Antônio (no Paciello-aqui em análise); Capela de São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida (em Torres), Capela de
São Lourenço (no Barreiro); e Capela de São João Batista (no distrito do Abarracamento). Cabe registrar a Capela de São Sebastião,
que apesar de possuir torre sineira e ficar situada a margem da estrada asfaltada rodovia RJ 145, encontra-se situada em Cachoeira
do Funil, uma localidade que preserva hábitos rurais.
257
Descrição arquitetônica

A capela fica assentada quase ao nível do solo e possui paredes mistas de adobe e pau a pique,
emboçadas com argamassa e caiadas de branco, apresentando um azul desbotado que demarca os
cunhais, o barrado, os frisos e as esquadrias. Os blocos que compõem o bloco da capela podem ser
distinguidos, do exterior, pela cobertura em duas águas, protegida pelas tradicionais telhas capa e bica do
período colonial (f06). O beiral possui acabamento em cimalha de madeira (f01).

f08 f09

A fachada frontal é antecedida por uma pequena escada em meio círculo cimentada, que recepciona a
porta principal do templo, uma peça de madeira que se abre em duas folhas, sendo arrematada por uma
verga em arco pleno (f08 e f09). Logo acima fica uma rústica janela de madeira, contendo, embaixo, o ano
de 1900 inscrito na parede. A fachada é complementada por uma platibanda escalonada, protegida por
telhas francesas e encimada por três cruzes, e arrematada com um pequeno frontão (f10).

f10

258
Descrição arquitetônica

A edificação é definida pela nave, o altar nos fundos e dois pequenos cômodos nas laterais – a sacristia,
com uma janela (f07), e um hall, com uma porta, utilizado como depósito. Observa-se o capricho no
tratamento dado às suas paredes internas, que receberam uma pintura de escaiola (imitação de mármore)
no barrado das paredes, nas colunas, nos caixonetes e nos arcos do altar e dos simplórios retábulos
laterais (fotos 11, 12 e 13).
O espaço do altar conserva o antigo retábulo em madeira, com decorativos frisos dourados e, na parede de
fundo (f14), pintura imitando um nicho. O teto em gamela é de tabuado corrido, assim como toda a capela,
onde o forro segue o caimento da cobertura (f11).
O piso é de ladrilho hidráulico, tendo sido instalado há dois anos.
Uma tosca escada de madeira leva ao reduzido espaço do coro, situado acima da portada de entrada, com
assoalho e guarda-corpo de madeira recortada (f15), elemento dotado de grande autenticidade.

f11

f12 f13

f14 f15
259
Estado de conservação

A capela apresenta sua estrutura consolidada, sem danos visíveis que possam comprometer de imediato
sua integridade. Não foi possível avaliar o madeiramento da cobertura, mas nota-se que as paredes
apresentam sujidade por infiltração descendente, originada em alguns pontos do telhado. Observa-se que
parte do frechal encontra-se exposta ao tempo, o que está causando deterioração pela ação de cupins
(f16).

f16

As demais informações relativas à Capela de Santo Antônio referem-se às atuais reformas e foram
fornecidas pelo sr. Manoel Dias Filho, que as vem acompanhando. Ele relatou que foram inseridas colunas
de concreto armado como reforço das paredes e que, no fechamento do muro frontal, será utilizado o gradil
que foi doado por um morador e que se encontra depositado no anexo lateral, cujo posicionamento,
juntamente com o banheiro de fundos, prejudica a fruição visual da capela (f17).

f17

Registramos aqui, que é admirável e louvável todo o esforço de uma comunidade para salvaguardar este
rico e quase extinto patrimônio rural. No entanto, é de se lamentar a ausência de um acompanhamento
técnico, com orientações básicas de valorização, preservação e até de restauro do material de construção,
que seria de enorme valia, pois essas joias quase seculares da arquitetura regional seriam, de certa forma,
poupadas de tantas descaracterizações.

260
Histórico

Histórico
Durante décadas, principalmente na primeira metade do século XIX, a comunidade rural do Paciello foi uma
das mais expressivas na região de São Benedicto do Formoso, cuja área de influência era a Estrada do
Barreado, que ligava o distrito de São Sebastião do Barreado (pertencente à cidade de Santa Bárbara do
Monte Verde-MG) à atual cidade de Rio das Flores (antiga Santa Tereza).

f18

A capela foi construída no ano de 1900, pela família de imigrantes italianos Branda e Paciello, proprietários
da Fazenda Paraíso das Flores, também conhecida por Fazenda Paciello. Naquela época atual o município
de Rio das Flores possuía 18 mil habitantes, sendo que apenas umas mil pessoas moravam na sede.
Acredita-se que grande parte da população era constituída por ex-escravos (libertos pela Lei Áurea), que
ficaram trabalhando como colono nas fazendas, agora voltadas para a pecuária leiteira. A concentração das
pessoas na área rural levou ao desenvolvimento e a criação de pequenas nucleações (também conhecidas
como arraiais), onde havia comércio, escola, cartório, cemitério e capela.2
A primitiva imagem do padroeiro foi trazida da Itália pelos Paciello – Carmo Antonio Branda e sua mulher,
Rafaella Paciello, e seu irmão Antonio Paciello e sua mulher, Josefina Branda, sócios na fazenda. Um
quadro existente no interior da capela descreve que sua inauguração ocorreu provavelmente em 1915:

“Promessa feita por Antonio Paciello pedido pela sua esposa d. Josefina Brandi, falecida a 31 de
maio de 1900 para a capela de Santo Antonio acabada em 12 de junho de 1915 Fazenda do
Paraizo das Flores.”

f19 f20
1942 e 1943. Cartazes de festa na capela de Santo Antonio. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

2
Entre as localidades com suas respectivas capelas citamos: Porto Velho - S. Sebastião; Bela Vista (Tapinhoã) - S. João Nepomuceno
(1886); Barreiro - S. Lourenço (aberta ao culto em 1907); Paciello - S. Antônio (1900); Abarracamento - S. Pedro (edificada por volta de
1890); Bom Jardim – S. João Batista (edificada por volta de 1885); Cachoeira do Funil - S. Sebastião (terreno doado em 1903);
Formoso - S. Benedito (edificada por volta de 1890) e Torres - S. Sebastião e N. S. Aparecida (aberta provavelmente em 1887).
261
Histórico

Havia na localidade do Paciello uma escola municipal, uma venda e diversas casas de colonos. Com o
passar do tempo, a maioria das construções entrou em processo de arruinamento, dentre elas, a própria
capela (f21 e f22), que foi recuperada. Já o prédio da venda acabou desaparecendo (f23), assim como o
antigo barracão ao lado da capela (f22), tradicional construção que servia de apoio aos templos religiosos.
Essa realidade é atribuída ao êxodo rural. Atualmente a celebração de missas ficou restrita ao dia da
festividade de Santo Antonio ou a pedido da comunidade.

f21

f22
Década de 1990. Imagens acima f21 e f22. Capela de Santo Antonio do Paciello em estado de abandono. Acervo: Adriano Novaes.

f23
Década de 1990. Ruínas do prédio da antiga venda comercial. Acervo: Adriano Novaes.

262
263
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:


Manoel Dias Filho (senhor Manoel Labamba);

Referência bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

264
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Ponte metálica sobre o Rio das Flores (Ponte do Roseiral)

Localização: Município:
Travessia sobre curso d’água (Rio das Flores), Rio das Flores
na rodovia RF-01.

Época de construção:
15 de janeiro de 1926 (inauguração).

Estado de conservação:
Detalhamento no corpo da ficha

Uso atual/Original:
Ponte rodoviária

Proteção existente:
Nenhuma

Propriedade:
Sem informações

1995. Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores

f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

265
Situação e ambiência

Ponte

Formoso

Rio das Flores

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f02

Barreado-MG

Rio das Flores

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f03

Instalada sobre o curso d’água que dá nome ao município, a ponte metálica está situada no território do
primeiro distrito, servindo a rodovia municipal RF-01, que, começando na cidade de Rio das Flores, segue
asfaltada até o bairro do Formoso, para chegar à ponte é necessário continuar a viagem por cerca de oito
quilômetros. A travessia fica situada nas proximidades da localidade do Paciello e de algumas propriedades
rurais, como a fazenda Travessão de Cima. A geografia circundante é tipicamente rural, predominando,
entre as propriedades, o mar de morros em formato meia laranja, tomados, em sua maioria, por uma rala
pastagem.

266
Descrição

f04

Possuindo cerca de 21,10m de comprimento por 3,70m de largura, com capacidade de suportar, no
máximo, oito toneladas, a ponte metálica fica num trecho com muitas pedras do Rio das Flores e transpõe
seu leito sem o auxílio de pilares intermediários, com a estrutura ficando engastada nas cabeceiras de
pedra bruta trabalhada (f05).
O conjunto apresenta linhas leves e esbeltas e, de longe, parece pousar de forma suave sobre as
cabeceiras de pedra (f04). A armação de ferro é formada por chapas metálicas de alma plena, dobradas em
perfis “T”, “L” e “I” (f05 e f06), unidas por meio de parafusos e rebites. A união dessas peças confere rigidez
ao conjunto principal, formado pelas vigas de base, bem como pela que percorre sua parte superior (fotos
07 a 12).

f05

f06
267
Descrição

f08

f07

f09

f10 f11 f12


Ilustrações de peças de metal, unidas por rebites. Fonte: KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária
em São Paulo: reflexões sobre sua preservação. Secretaria da Cultura. São Paulo: Ateliê Editorial Fapesp, 1998, p. 31.

Esta ponte representa o único exemplar que utiliza de forma plena o potencial da estrutura metálica em
obras civis no município. Contudo, sua estrutura parece estar abalada, pois sua capacidade de carga
máxima, anteriormente estipulada para 12 toneladas (vide placa que aparece na foto 01) foi recentemente
revista para oito toneladas.

f14

f15
f13

268
Histórico

1926. Imagem publicada na revista Careta, 31 de julho de 1926, ano XIX, n 945, pag 25, com o seguinte texto: “Ponte metálica
do Roseiral sobre o Rio das Flores, com 20 metros de vão, na estrada de automóvel Santa Tereza – Barreado”.
Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: setembro 2012 a fevereiro 2013. f16

- Histórico.
Apesar de ser uma construção das primeiras décadas do século XX, a ponte metálica é fruto da revolução
industrial, que chegou ao Vale do Paraíba fluminense na década de 1860, com o advento das ferrovias. 1 Até
o início da década de 1990, o município de Rio das Flores possuía uma das mais importantes pontes de
ferro de toda a região, construída pela ferrovia para cruzar o Rio Paraíba do Sul, ligando a localidade de
Comércio à vizinha Sebastião de Lacerda, mas ela acabou perdendo esta estrutura (f17).2
Depois das ferrovias, a tecnologia começou a ser empregada nas estradas de rodagem. Em 1885, o
governo da província do Rio de Janeiro já visava trocar as pontes de madeira por novas travessias de
estrutura metálica, o que veio a se realizar nas duas primeiras décadas do século XX. Contudo, a maioria
ficava situada bem perto das linhas férreas. Como a ponte sobre o Rio Paraibuna, ligando duas pequenas
localidades mineiras: Sobragy e Cotegipe (distritos de Belmiro Braga e Simão Pereira, respectivamente).
Nela consta fixado o emblema da cidade escocesa de Glasgow, em 1906 (f18 e f19).

f18

f19
s/d. Estrutura metálica da ponte do Commercio, que ficava sobre o Rio Paraíba 2009. Ponte metálica sobre o Rio Paraibuna,
do Sul. Acervo: Paschoal Tubirahy D’Ámato. f17 em Sobragy, distrito de Belmiro Braga-MG.
Acervo: Annibal A. Magalhães da Silva.

1
O exemplar mais representativo que existe nas proximidades do município é o que fica na cidade de Barra do Piraí: a ponte
Presidente Getúlio Vargas. Construída pela Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto, ela agora atende automóveis e pedestres.
2
Para maiores detalhes, consultar a ficha da ponte do Commercio, disponibilizada neste inventário.
269
Histórico

Popularmente conhecida como ponte de ferro, a travessia sobre o Rio das Flores faz parte de um conjunto
de estruturas metálicas construídas na região.3 Sua existência está vinculada à estrada da qual faz parte,
aberta no século XIX, onde se desenvolveu, durante o século XIX, um intenso trânsito de tropas, ligando a
sede da freguesia de Santa Tereza (atual cidade de Rio das Flores) à localidade de São Sebastião do
Barreado-MG. Na parte fluminense, mais precisamente nas terras da fazenda Ouro Fala, ficava o Rancho e
Venda do Barreado ou Ponte do Barreado, que foi o mais movimentado da freguesia de Santa Tereza.
Próximo a atual ponte de ferro, havia o Rancho e Venda do Formoso, que deu origem ao lugar conhecido
como São Benedito do Formoso, que contava com uma capela dedicada a São Benedito. Apesar de ter
desaparecido, ele marca a formação primitiva do bairro de mesmo nome, situada há alguns quilômetros.
Em 1924, no mandato do governador Feliciano Sodré, foi iniciada a recuperação dos 18 quilômetros
daquela via (f20), que tinha a ponte como uma importante estrutura nos serviços a serem implementados.
No ano de 1925 as obras chegaram até as margens do Rio das Flores, marcando provavelmente a data da
montagem definitiva da travessia, que aparece em matérias das revistas Careta e O Malho com o nome de
Ponte do Roseiral. Segundo a revista O Malho, a travessia foi inaugurada em 15 de janeiro de 1926:4

Disponível < http://www.crl.edu/brazil/provincial/rio_de_janeiro>.


Ano 1925. Acesso: setembro 2012 a fevereiro 2013. f20

Disponível < http://www.crl.edu/brazil/provincial/rio_de_janeiro>.


Ano 1926. Acesso: setembro 2012 a fevereiro 2013. f21

Não se descobriu a origem da estrutura metálica. Ela teria chegado ao município pelos vagões da ferrovia,
tendo ficado alguns dias no pátio ferroviário de Barão de Juparanã (distrito de Valença). O motivo de não
existir outro modelo semelhante nas estradas rurais de Rio das Flores pode estar ligado ao fato da ponte ter
sido construída num período em que esta tecnologia começava a ser suplantada pelo concreto armado
(material que acabou sendo adotado em larga escala pela construção civil do país). Em 1923, Rio das
Flores já contava com duas pontes de concreto sobre o Rio Preto, ligando o seu território à parte mineira
(uma em Manuel Duarte-RJ e Porto das Flores-MG, e a outra, em São Sebastião do Barreado-MG).5 Na
década de 1950, as pequenas pontes das estradas rurais foram refeitas em concreto armado.

3
Em 1911 foi concluída a ponte de ferro sobre o Rio Preto, para ligar o distrito valenciano de Parapeúna à cidade mineira de Rio Preto,
situada junto à linha férrea. Nesse ano, havia dezoito modelos semelhantes no Estado de Minas Gerais. Em 1921 ficou pronta a ponte
de ferro de Santa Delfina (atual localidade de Alberto Furtado-RJ), também ao lado da linha do trem.
4
Revista O Malho, 30 de janeiro de 1926 , n.1220, pag 29. Disponível em
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116300&PagFis=58226&Pesq=rio das flores>.
5
As duas pontes receberam um fichamento individual neste inventário.
270
Bibliografia/Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

A foto 17 foi utilizada na publicação O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em Rio das
Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Guia dos


Bens Tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. (Coord. Editorial Dina Lerner e Marcos Bitencourt). Rio
de Janeiro: Governo do estado do Rio de Janeiro: INEPAC, 2005.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre
sua preservação. Secretarias da Cultura. São Paulo: Ateliê Editorial FAPESP, 1998.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

Consultas Online.

- <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso


entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo das revistas Careta e O Malho, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e
fevereiro de 2013.

271
272
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Ponte interestadual do Barreado

Localização: Município:
Entre o município de Rio das Flores e a localidade de São Travessia sobre o Rio Preto, entre os municípios de Rio das
Sebastião do Barreado-MG. Flores-RJ e de Santa Bárbara do Monte Verde-MG.

Época de construção:
Ponte primitiva de madeira – 1871.
Inaugurada provavelmente entre 1923 e 1924.

Estado de conservação:
Detalhamento no corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Ponte Rodoviária.

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Governo Federal.

1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

Ponte de concreto do Barreado, pela margem do município de Santa Bárbara do Monte Verde-MG. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

273
Situação e ambiência

A ponte de concreto (f01) liga o território de Rio das Flores à pequena localidade de São Sebastião do
Barreado, distrito de Santa Bárbara do Monte Verde-MG. O curso d’água que passa por baixo dela é o Rio
Preto (um dos principais afluentes da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), e seu leito serve de divisa
entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Dos caminhos para se chegar àquela localidade, o
mais utilizado, para quem se encontra na cidade de Rio das Flores, é seguir a rodovia municipal RF-01, que
encontra-se asfaltada até o bairro do Formoso. Alguns quilômetros depois, o asfalto termina, e a estrada
prossegue com piso de terra, adentrando a área rural, onde a geografia apresenta a típica paisagem de mar
de morros em formato meia laranja, a maioria tomada por uma rala pastagem. Após cruzar a ponte metálica
que vence o curso d’água que dá nome ao município, a viagem continua por cerca 8,3 quilômetros, até
surgir um cruzamento, onde sobressai a capela de São Pedro, instalada num pequeno alto de morro. O
caminho à direita leva até o distrito rio-florense de Manuel Duarte. Para se chegar ao destino proposto,
deve-se entrar à esquerda e seguir por cerca de três quilômetros, até avistar a ponte de São Sebastião do
Barreado, tendo, aos fundos, uma paisagem em que se sobressai um morro em cumeada (f04). A visão
também é atraída pelas construções que emolduram a margem oposta da pequena localidade (f03).

Município de Santa Bárbara do Monte Verde - MG

São Sebastião do
Barreado-MG

Município de Rio das Flores-RJ

Imagem gerada pelo Google Earth. Acessada em fevereiro de 2013. f02

São Sebastião do
Barreado-MG

Município de Rio das Flores-RJ

Imagem gerada pelo Google Earth. Acessada em fevereiro de 2013. f03

274
Descrição arquitetônica

f04

Os arredores do território rio-florense encontram-se desabitados (f05). Ao atravessar a ponte, chega-se à


parte central da localidade de São Sebastião do Barreado (tradicionalmente conhecida como Barreado). A
capela de São Sebastião, instalada bem perto da ponte, fica de fundos para o rio e de frente para a praça
(f06 e f07), circundada por poucas casas (f08 e f09). Dentre as demais construções, destacam-se a escola e
o posto de saúde. O cemitério local fica mais afastado, numa área descampada, bem próximo às margens
do Rio Preto.

f05

f06 f07

275
Descrição arquitetônica

f08 f09

Possuindo 72,60 metros de comprimento por 3,00 metros de largura, a ponte fica sobre um lajeado natural
do rio (f10). Sua superfície é constituída de um revestimento de argamassa de cimento e areia de
granulometria média, condição natural que lhe confere uma forte autenticidade (f11). A caixa de passagem
comporta a travessia de veículos apenas em mão única e é complementada por calçadas em ambas as
laterais (f12), anteparadas por um guarda-corpo em formato de cruzeta, replicado em toda a extensão do
gradeamento (f13).

f10 f11 f12

f13

Apesar de contar com cabeceiras feitas de pedra bruta, a travessia sobre o rio é de concreto armado, sendo
formada por três estruturas independentes separadas por um pequeno espaçamento, conhecido como junta
de dilatação, que permite a retração e a livre movimentação da estrutura de concreto (f14).

276
Descrição arquitetônica

A ponte fica apoiada nas cabeceiras construídas em cada margem (f15) e nas três sapatas de concreto
sobre a lâmina d’água, que possuem, na parte superior, um formato triangular para cortar de forma mais
eficiente a resistência da água. Sobre cada sapata se elevam duas linhas de pilares independentes –
conhecidas como cavalete. Cada linha de quatro pilares é unida por uma peça contraventada (f16). Logo
acima fica a plataforma de rodagem, reforçada, na parte inferior, por pequenas vigotas (f17) que transferem
as cargas para as robustas vigas laterais. Estas, por sua vez, descarregam os esforços a que estão
submetidas à linha vertical de pilares (cavaletes).
As espessas vigas laterais (f17) conferem à ponte um aspecto maciço, condição que se deve
provavelmente à tecnologia empregada em sua construção (barras metálicas redondas e peças
semelhantes a trilhos de trem), material que passou a ser utilizado como armadura do concreto armado a
partir da primeira década do século XX.
É visível sua semelhança com uma outra ponte, construída na mesma época, também sobre o Rio Preto,
ligando as localidades vizinhas de Porto das Flores-MG e Manuel Duarte – RJ.1

f14 f15 f16

f17

1
A ficha da ponte sobre o Rio Preto, ligando Manuel Duarte-RJ e Porto das Flores-MG, pode ser consultada neste inventário.
277
Histórico

Histórico
A travessia tem sua origem na criação das primeiras vias da região, como o Caminho de Meneses. Aberto
em 1782, ele seguia pela margem mineira do Rio Preto, iniciando no Porto de Meneses-MG (próximo à
localidade atual de Afonso Arinos-RJ) e terminando em Lima Duarte-MG. Ao longo desse trajeto surgiram
importantes propriedades, como a Fazenda do Barreado (situada em São Sebastião do Barreado) e
pequenas ocupações humanas, dentre elas a que deu origem a atual localidade de São Sebastião do
Barreado-MG. Da Fazenda do Barreado saía a Estrada do Barreado, ligando a província de Minas Gerais
com o território rio-florense, onde foi instalado, nas terras na fazenda Ouro Fala, o rancho de tropas mais
movimentado de Rio das Flores: o Rancho e Venda do Barreado ou Ponte do Barreado. Tamanho
movimento justificava um acesso ligando as duas margens do rio.

s/d (provavelmente década 1910). Imagem da parte fluminense, mostrando a ponte de madeira sobre o Rio Preto.
Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f18

As ligações entre a província do Rio de Janeiro à de Minas Gerais eram feitas inicialmente por meio de
balsas. A partir de meados do século XIX elas foram substituídas pelas pontes de madeira, cuja construção
exigia esmero e demandava madeira de qualidade. Os apoios eram constituídos em linhas de pilares,
composto por esbeltos esteios, posicionados em ângulo e fincados sobre a calha e as margens do curso
d`água - este conjunto era chamado de cavalete. A construção geralmente partia do governo da província
mineira, com ajuda da parte fluminense e dos proprietários de terras locais. As informações dão conta de
que a primeira travessia sobre o Rio Preto foi construída na década de 1840, ligando a cidade de mesmo
nome (então sede de São Sebastião do Barreado-MG) ao distrito valenciano de Parapeúna-RJ.
Na década de 1850, foi construída outra ponte de madeira na calha do Rio Preto, situada nas atuais
localidades de Porto das Flores-MG e Manuel Duarte-RJ, e, na década de 1860, a que ligou Três Ilhas-MG
a Três Ilhas-RJ. Apesar de ser um importante ponto de entreposto, possuindo, inclusive, capela e
construções com dois andares, somente em 1871 a província de Minas Gerais anunciou a construção de
uma ponte de madeira na localidade de São Sebastião do Barreado:

Fonte: <http://www.crl.edu/brazil/provincial>. Período compreendido: entre os anos de 1890 a 1930, f19

Era comum o trabalho de manutenção dessas pontes. O ponto fraco de suas estruturas se encontrava em
seus pilares, que, precisavam resistir a grandes enchentes. Pressionados pela força das águas, eles
quebravam, sendo arrastados rio abaixo. Segundo os relatórios elaborados pelo governo do Estado de
Minas Gerais2 entre 1900 e 1930, boa parte do valor aplicado em obras públicas era para reparos,
reconstruções e consertos das pontes, por danos ocasionados, principalmente, pelas enchentes.
2
Apesar de a pesquisa ter abrangido tanto o atual Estado do Rio de Janeiro quanto o de Minas Gerais, os dados sobre as pontes
sobre o Rio Preto foram localizados apenas nos arquivos mineiros, possivelmente por serem os principais responsáveis e os mais
interessados pela construção e manutenção das pontes. Fonte: <http://www.crl.edu/brazil/provincial /minas_gerais>. Período
compreendido: entre os anos de 1890 a 1930, Páginas referentes a obras públicas.
278
Histórico

Registros apontam uma grande cheia na região em 1913, que destruiu diversas travessias de madeira.
Um relatório elaborado em 1915 mostra a dimensão da situação e as dificuldades enfrentadas:3

“As últimas tempestades derrubaram grande número de pontes. O Governo tem a preocupação de
construir pontes duradouras e resistentes, embora seja obrigado, pela escassez da verba, a fazê-lo
em menor número.”

1911. Projeto da ponte de madeira do Barreado. Acervo: Arquivo Público Mineiro. f20

Não há informações se a ponte do Barreado foi atingida pela mencionada enchente, mas registros indicam
que, em 1914, ela estava sendo construída. No Arquivo Público Mineiro, encontra-se um projeto de uma
nova ponte para a localidade (f20). O desenho foi aprovado em 23 de dezembro de 1911, com o seguinte
título: “Ponte do Barreado sobre o Rio Preto, município de mesmo nome”. Na outra extremidade da planta
há um carimbo em letras vermelhas com a palavra “substituído”.

s/d (provavelmente década 1910). Imagem da ponte de madeira, tomada pela parte mineira de São Sebastião
do Barreado. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f21

3
Fonte; <http://www.crl.edu/brazil/provincial /minas_gerais>. Ano de 1915, p. 101.
279
Histórico

Além do fato de as pontes serem muito frágeis, sua execução estava se tornando cada vez mais
dispendiosa, devido à escassez de madeiras de qualidade. 4 Em 1917, Minas Gerais iniciou um movimento
para substituir essas precárias travessias por outras de cimento armado.

s/d (provavelmente década 1910). Imagem de uma passagem provisória de madeira. Foto capturada pela margem fluminense.
Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f22

A questão começou a se resolver com o emprego de estruturas metálicas, difundidas no país e no mundo
pelas ferrovias.5 Em 1910, foi contratada uma ponte metálica sobre o Rio Preto, ligando a cidade mineira de
mesmo nome com o distrito valenciano de Parapeúna, que foi concluída no ano seguinte, quando havia
dezoito dessas travessias em todo o Estado de Minas Gerais. Anos depois surgiu o material que iria
dominar a construção civil do país a partir do segundo quartel do século XX: o concreto armado. Elas se
tornaram um símbolo de progresso, consideradas resistentes o suficiente para durarem por tempo
indeterminado.6

f23 f24
s/d. Localidade do Barreado e a capela de São Sebastião. Com a construção da ponte ela perdeu sua torre sineira externa.
Fonte:DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos, Valença – RJ: Gráfica PC Duboc ltda, 2006.

O que mais influenciava a existência de pontes de estrutura metálica e de concreto armado num
determinado local era a presença de uma ferrovia, essencial para o transporte dos novos materiais. Esta
condição propiciou a construção da ponte metálica da cidade de Rio Preto-MG, em 1911, bem como da
de concreto de Porto das Flores, no início da década de 1920. Mas a ausência da via férrea não se
tornou um obstáculo para a instalação de uma ponte de concreto armado na localidade de São
Sebastião do Barreado, o que revela o movimento que havia na localidade. As obras começaram em
1921, quase que juntamente com a de Porto das Flores. Em 1923, havia, em todo o Estado de Minas
Gerais, apenas 23 pontes de concreto iniciadas ou prontas, dentre elas as duas citadas acima: 7

4
Até 1923 haviam sido iniciadas 14 pontes de concreto em Minas Gerais. Em 1924, foram entregues mais vinte e duas. Em 1925,
Minas Gerais possuía um número de pontes de concreto superior ao de todos os demais estados. Em 1929, contava com 147.
5
Com relação às pontes metálicas ver neste inventário o fichamento da ponte do Commercio e o da ponte sobre o Rio das Flores.
6
As pontes de concreto armado surgiram no início do século XX, pelas mãos do engenheiro suíço Robbert Maillart. Fonte: BRUAND,
Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. (Tradução Ana M. Godsberger). São Paulo: Editora Perspectiva, 1997. pp 157.
7
Fonte: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>. Mensagem do ano de 1922, pag 89.
280
Histórico

“No mesmo ano foram iniciadas as construções de numerosas outras pontes de concreto armado,
que são as seguintes:
- Ponte de Porto das Flores – Esta ponte atravessa o Rio Preto em 6 vãos com 111m, 60 de
comprimento . . . A sua construção, orçada em ................ 182:300$000, está correndo por
conta dos Estados de Minas e do Rio de Janeiro, que Ella liga no referido ponto.
- Ponte do Barreado – Sobre o mesmo rio, no posto fiscal do Barreado, esta ponte tem o
comprimento total de 97 metros em cinco vãos e foi orçada em 86:983$000.”

Início da década de 1920. Ponte do Barreado em obras, com os cavaletes (pilares) sendo construídos. f25
Acervo: Arquivo Publico Mineiro.

Não foi possível confirmar a data de inauguração da ponte do Barreado, uma vez que não foram localizados
qualquer placa ou registros sobre o evento. Tudo indica que tenha ocorrido em 1923 ou 1924, pouco depois
da inauguração da ponte de Porto das Flores e Manuel Duarte (realizada em 28 de janeiro de 1923,
conforme consta em uma placa afixada na mesma). Segundo as informações, a ponte do Barreado custou
190:948$200 contos de réis. Não se sabe se ela tinha postes de iluminação. Devido à presença do posto de
fiscalização da localidade é provável que possuísse o portão. Abaixo a mensagem do governo do estado de
Minas Gerais, de 1924, referente à sua conclusão: 8

“Ficaram concluídas e foram entregues ao transito publico muitas dessas pontes de concreto
armado, algumas metallicas e outras de alvenaria de pedra e tijolo, todas de caracter definitivo e
das quaes dou em seguida resumida noticia:
Em concreto armado – ficou terminada a do Barreado, sobre o Rio Preto. E de vigas rectas
nervuradas, calculada para carga de 400 kilos por metro quadrado e carga móvel de 16
toneladas. Tem 80 metros de vão total, dividido em quatro lances de 20 metros, repousando as
vigas em três bons cavalletes também em concreto armado, com duas series de esteios. A
armadura é feita de trilhos e ferro redondos, sujeita a craga de 1.100 kilos por centímetro
quadrado. Esta ponte que liga o Estado de Minas ao do Rio de Janeiro está num posto fiscal que
rende cerca de 40 contos por anno. Custou a sua construcção, feita por administração de um
engenheiro do Estado, a quantia de 190.948$200.”

8
Fonte: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>. Mensagem do ano de 1924, pags 192 e 193.
281
Histórico

f26
Início da década de 1920. Panorâmica da ponte do Barreado em obras. Dá para ver a torre sineira externa da capela, bem como
a ponte de madeira (ao fundo da imagem).

f27
1924. Ponte do Barreado, em sua inauguração. Imagens acima (f26 e f27). Acervo: Arquivo Publico Mineiro.

A ponte de concreto foi construída em local diferente do da ponte de madeira. A mudança deve ter se dado
em função do leito rochoso do rio. Analisando as imagens (fotos 21, 22, 28 e 29), é possível verificar que o
local da antiga travessia ficava cerca de 130 metros depois do atual. Quanto a esta última, é provável que
ainda restem estruturas de suas cabeceiras e rastros da estrada de acesso.

282
Histórico

Dentre os profissionais que trabalharam na construção da nova ponte estava o senhor João Durço, que ali
chegou após entregar a ponte vizinha de Porto das Flores (da qual foi chefe de carpintaria). Em seguida, foi
executar outras pontes no Estado do Rio e em Minas Gerais, tendo realizado uma sólida carreira na
construção civil.9
Abaixo imagens mostrando o posicionamento da antiga ponte de madeira, em relação a atual de concreto
(f28 e f29), obra que até hoje se destaca por sua qualidade construtiva.

Local da Ponte
de Madeira

s/d. Panorâmica pela parte mineira, tendo aos fundos a ponte de concreto. Pouco acima do rio observa-se as peças de madeira
(indicada na seta amarela), possivelmente da antiga ponte que ali existia. Acervo: Arquivo Publico Mineiro. f28

Município Rio das Flores-RJ

São Sebastião do
Barreado-MG

Local Ponte Madeira

Imagem gerada pelo Google Earth. Acessada em fevereiro de 2013. Marcação do ponto onde ficava a ponte de madeira. f29

9
DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos, Valença – RJ: Gráfica PC Duboc ltda, 2006, pags 86 e 87.
283
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a origem da fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece
logo abaixo do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. (Tradução Ana M. Godsberger). São Paulo:
Editora Perspectiva, 1997.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença – RJ: Gráfica PC Duboc
ltda, 2006.

ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

IORIO, Leoni. Valença de Ontem e Hoje (1789 – 1952). 1. ed. Juiz de Fora – MG: Companhia Dias
Cardoso S.A, 1953.

LAMANA, Rita Maria Souza Lima Leal. Rio Preto, nossa História. Rio Preto-MG. Edição do autor, 2007.

TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Consultas ao Arquivo Público Mineiro, disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br>. Acesso entre


julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso


entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

284
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Centro Histórico de Manuel Duarte.

Localização: Município:
Sede do 2º Distrito. Rio das Flores.

Época de formação:
Primeiras décadas do século XIX.

Proteção existente/Proposta
Patrimônio construído: Nenhuma
Patrimônio natural: Lei Complementar n.º 098/2008 (Plano
Diretor Participativo de Rio das Flores); Código Florestal;
Resolução Conama 303/2002; Lei 6766/1979. Tombamento e
elaboração de Leis que garantam a preservação da paisagem
cultural da localidade.

Mapa Rodoviário, 1995. Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

2013. Panorâmica de Manuel Duarte, do outro lado do rio fica Porto da Flores-MG. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

285
Situação e Ambiência

2013. Panorâmica, tendo Porto da Flores-MG em primeiro plano e Manuel Duarte no outro lado do Rio Preto. f02

O principal meio para se chegar a Manuel Duarte é pela rodovia que passa pelo seu perímetro urbano.
Estando na cidade da Barra do Piraí, o acesso é feito pela RJ-145, no sentido de Valença e Rio das Flores.
Prosseguindo por 11 km depois da sede do município de Rio das Flores, chega-se a um entroncamento
com uma estrada de terra (que leva a fazenda da Loanda), marcando a entrada da localidade. A partir deste
ponto, a via asfaltada segue nomeada como RJ-151.1 Para quem se encontra nas proximidades de
Petrópolis-RJ ou mesmo de Juiz de Fora-MG, deve-se seguir pela BR-040 e acessar a estrada para
Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ (localidades vizinhas, separadas pelo Rio Paraibuna), de onde é preciso
percorrer cerca de 30km pela rodovia RJ-151, até chegar a Manuel Duarte. Há também o acesso pela
localidade vizinha Porto das Flores-MG, onde uma via de terra conduz principalmente à cidade-sede de
Belmiro Braga. Este caminho, contudo, é pouco utilizado.

f03
2013. Desenho representando as duas localidades e as fazendas envoltórias. Autoria: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Sede do 2º Distrito de Rio das Flores, Manuel Duarte possui uma estreita ligação com Porto das Flores
(pertencente a Belmiro Braga-MG). Os dois distritos são separados pelo Rio Preto, curso d‟água que faz a
divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (fotos 01, 02 e 03). Até o ano de 1943, ambos

1
A rodovia RJ 151 caracteriza-se por seguir margeando o Rio Preto, desde sua nascente até sua desembocadura. Com exceção de um
trecho situado dentro do parque Nacional do Itatiaia (que está sendo asfaltada e se transformará na primeira estrada parque do país) a
via apresenta piso de terra até Manuel Duarte, a partir de onde ela segue asfaltada, até ligar com a BR 040 - em Mont Serrat-RJ.
286
Situação e Ambiência

eram chamados de Porto das Flores. Em virtude de uma lei federal que proibia a existência de duas
localidades com o mesmo nome, a parte fluminense passou a se chamar Manuel Duarte.2 Contudo, ambos
os lados mantém o habito de se denominarem moradores do “Porto”.
Contando atualmente com cerca de 1.500 habitantes nas áreas urbanas, os dois distritos mantêm hábitos
rurais. Devido à proximidade com as terras do entorno, ocupadas por sítios e fazendas, eles possuem suas
atividades estruturadas principalmente na pecuária leiteira. Os pequenos núcleos urbanos possuem uma
vasta área rural, onde residia, até meados do século passado, grande parte de seu contingente
populacional. As fazendas mais próximas são, no lado fluminense, Paraízo e Loanda, e no lado mineiro,
São Joaquim e a fazenda Velha (f05). As casas históricas eram estruturadas em dois ou três blocos
(formando blocos em “L” ou “U” – f04). No primeiro caso, temos a Loanda, e, no segundo, a São Joaquim.
Com exceção da Paraízo, as demais sofreram demolições após a derrocada da economia cafeeira, ocorrida
em fins do século XIX. O processo consistiu em retalhar trechos da casa-sede que havia ficado ociosa
(f04). Boa parte das peças retiradas era reaproveitada nas edificações erguidas nas áreas urbanas.

Representação de fazendas retalhadas. f04 2005. Fazenda Velha. f05

f06 f07 f08


2005. Fazenda Velha, a varanda descaracterizou a fachada. Acima, esquadrias originais.

Desenho representando o corte na Fazenda Velha. f09 Reprodução do que seria o conjunto da Fazenda Velha. f10
Imagens acima (fotos e desenhos) - autoria: Annibal Affonso M. Silva

Manuel Duarte-RJ fica situado nas proximidades da fazenda do Paraízo (antiga fazenda Flores do Paraízo),
enquanto Porto das Flores-MG originou-se nas propriedades do capitão Domingos Antonio Ribeiro,
personagem que fundou o lugar. Segundo o historiador Eloy de Andrade, Domingos Antonio chegou em
1829, ocasião em que foi iniciada a ocupação das terras da fazenda das Flores (situada cerca de dois
quilômetros acima da localidade – f05), à beira do córrego da Conceição. A sede da fazenda é conhecida
hoje em dia como fazenda Velha (fotos 05 a 08) e dela restou uma das pernas de seu bloco, que
originalmente deveria ser em forma de “L” (f09 e f10). Mesmo não tendo sido encontrados documentos
textuais, imagens ou pessoas que pudessem relatar sua história, foi possivel montar uma descrição gráfica

2
O nome homenageia Manuel Mattos Duarte, político de grande influência no município de Rio das Flores nas décadas de 1920 e
1930. Foi deputado estadual, deputado federal, senador da República e governador do Estado do Rio de Janeiro entre 1927 e 1931.
287
Situação e Ambiência

das fachadas (f09 e f10). Sua arquitetura assemelha-se à da fazenda Ribeirão das Rosas, situada na cidade
de Juiz de Fora-MG, uma das mais antigas da região, condição que permite classificá-la como um pioneiro
exemplar arquitetônico da época do desbravamento e da abertura das sesmarias. Da casa avista-se o
torreão (uma imponente montanha de pedra), um dos principais pontos culminantes da região. Tanto a
fazenda Velha, a São Joaquim e a localidade de Porto das Flores-MG ficam na beira do Caminho de
Meneses, primeira via aberta na região (em fins do século XVIII).
Com relação ao sitio natural das duas localidades vizinhas, a sua geografia caracteriza-se por morros em
formato meia laranja, cobertos por uma rala pastagem, sendo que a parte mineira conserva um expressivo
fragmento de Mata Atlântica, em contraste com o morro na encosta da parte fluminense (f01 e f02), que
sofreu, na década de 1970, os impactos decorrentes da retirada de saibro para o asfaltamento das rodovias.

2013. Desenho representando o núcleo urbano de Manuel Duarte-RJ e a vizinha Porto das Flores-MG.
Autoria: Annibal Affonso Magalhães da Silva. f11

A localidade de Manuel Duarte está voltada para a rodovia RJ-151, renomeada no perímetro urbano como
Rua Major Belforth. Trata-se de uma via para onde confluem as demais ruas. O asfalto a divide em dois
trechos, e a parte situada à direita da rodovia corresponde às terras onde ocorreu a ocupação urbana mais
recente, abrigando o conjunto habitacional e as instalações de uso público: escola, creche, posto de saúde
e capela mortuária. O cemitério local fica distante cerca de um quilômetro da área urbana. Há de se
destacar que alguns equipamentos de uso comum a população local estão situados na parte mineira, com
destaque para o campo de futebol e os espaços do antigo parque onde era realizada a tradicional
Exposição Agropecuária e Artística de Porto das Flores e Manuel Duarte (f12).3

Década de 1970. Imagem da exposição em seus primeiros anos. Acervo: Vera Silva. f12

3
O parque situa-se ao lado da igreja de Nossa Senhora das Dores, em Porto das Flores-MG. Apesar de ter contado com a iniciativa
dos fazendeiros locais, o formato original da exposição era voltado para a produção dos artesãos. A três primeiras edições ocorreram
na primeira metade da década de 1970. Ela retornou em 1984, ocorrendo de forma ininterrupta até o ano de 1999 ou 2000. Nesse
período o evento tinha duração de quatro ou cinco dias, e acontecia entre a última semana de julho e inicio de agosto.
288
Análise Urbana e Arquitetônica

s/d (provavelmente início da década de 1990). Imagem aérea do núcleo histórico de Manuel Duarte-RJ. Fonte:TJADER,
Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008. Detalhe da capa. f13

O núcleo histórico de Manuel Duarte fica implantado na calha secundária do Rio Preto. Quase todos os
terrenos situados abaixo (ou à esquerda) do asfalto dão fundos para o curso d‟água (f13). Aqueles que
estão no entorno da antiga estação ferroviária possuem uma extensa faixa de terra. Já os lotes instalados
após a ponte de concreto são mais estreitos (f26 e f28).
A demarcação da área para este fichamento compreende a faixa que vai da capela de Nossa Senhora
Aparecida (f14), abrangendo os imóveis situados entre a rodovia asfaltada (Rua Major Belforth) e a Rua
José Theotônio da Silva até a desembocadura da ponte de concreto (f23 e f26). Complementa este quadro
o corredor de imóveis que seguem até a residência de arquitetura colonial da família Cavassoni (f33).

f14

A análise enfocou a parte externa e visível das edificações. Os bens arquitetônicos históricos que mais se
destacam são a capela de Nossa Senhora Aparecida (f14) e o laticínio Luso Brasileiro (f15), que, fechado
há poucos anos, absorvia a produção leiteira das fazendas dos territórios mineiro e fluminense.4 A empresa
sucedeu à pioneira companhia de laticínios, denominada Olyntho, Belfort & Garcia (f16 e f17), de
propriedade dos donos das fazendas da Loanda e Paraízo.5 A origem dessas instalações está ligada com a
chegada da energia elétrica à localidade (f18). Segundo as pesquisas, a imagem histórica seria do prédio
anterior possuía uma arquitetura de linhas ecléticas (f16), possuindo telhado embutido por platibanda.

4
O laticínio Luso Brasileiro é uma das mais representativas estruturas arquitetônicas dessas instalações do ciclo leiteiro no município e
da região. A estação é a que conserva maior autenticidade da era ferroviária e recebeu um fichamento individual neste inventário.
5
Existia uma linha de telefone particular que servia como comunicação interna entre o laticínio e as citadas fazendas.
289
Análise Urbana e Arquitetônica

f15 f16

f17 f18
Imagens acima (f16, f17 e f18). Acervo do Museu História Regional Rio das Flores.

A grande maioria dos prédios constitui-se de construções térreas ou com altura máxima de 10 metros,
apresentando uma mescla de estilos arquitetônicos, resultado de vários processos que levaram à
substituição dos antigos por novas construções. Em alguns casos, as mudanças vieram acompanhadas
apenas de reformas, introduzindo modificações nas fachadas, incorporando influências de diferentes estilos
arquitetônicos, ou causando descaracterizações em exemplares significativos para a memória urbana.

f19 f20

f21 1934. Nota do Armazém Zélia, quando ficava no prédio primitivo, de


s/d. Prédio construído em 1957. Foto período em que a
arquitetura colonial, que conjugava comércio e residência. f22
fachada não havia sofrido alterações arquitetônicas.
Imagens acima (f21 e f22), acervo: João Bosco F. Silva.

290
Análise Urbana e Arquitetônica

A casa de cor amarelo ocre, que era moradia do mestre de linha (funcionário da estrada de ferro) situa-se
antes da quadra de esportes, mas não foi possível vistoria-la. A estação de trem (f19) posiciona-se entre a
via asfaltada e a de fundos, denominada Rua José Theotonio da Silva - por onde seguia a via férrea.
Destaque para um prédio, construído na década de 1950 para ser a nova sede do Armazém Zélia (fotos 20,
21 e 22), um dos pontos comerciais mais tradicionais do lugar e que, durante a era ferroviária, apresentava
uma implantação privilegiada, pelo fato de ficar de frente para a estação.
Os demais imóveis ficam dispostos nas proximidades da desembocadura da ponte de concreto, formando
um conjunto heterogêneo, mantendo atividades comerciais ou mistas (comerciais e residenciais – f23).

f23

À esquerda da ponte fica um prédio que abriga uma residência e a venda “A Barateza” (f23 e f24). O imóvel
se destaca por ser um dos únicos exemplares que conserva em sua parte comercial a fachada a influência
do art déco, rara de se encontrar no município. Seu revestimento em pó de pedra foi encoberto por tinta, e o
piso em ladrilho hidráulico, por placas cerâmicas. O letreiro é um elemento ímpar (f25), mas sua visibilidade
ficou comprometida, com a instalação de uma placa de propaganda de uma cervejaria. Havia ali um
tradicional ponto comercial do lugar. A parte residencial ganhou beiral e esquadrias de madeira, que
remetem à arquitetura colonial (f24). Essa construção é contígua a uma casa de dois pavimentos que
pertencia ao mesmo lote, e que hoje ocupa o terreno de esquina, logo na entrada da ponte (f26).

f24 e f25

Na outra extremidade da ponte, posiciona-se um imóvel desocupado, propriedade do governo estadual,


onde funcionou uma escola e posto de correios (f26). Apesar de seu precário estado físico, ele conserva
suas características tipológicas de época, sendo uma das poucas construções seculares que restaram no
lugar. Nos fundos do terreno, foi instalada uma estação fluviométrica para monitorar o Rio Preto (f27).

f26 f27
291
Análise Urbana e Arquitetônica

f28

Em sequência à antiga escola destaca-se o casario (f28) que compõe o conjunto: o prédio do "Bar Dino"
(f29) conjuga a função residencial e comercial, cujo gabarito equipara-se aos prédios de dois pavimentos a
seu lado. Apesar de a fachada frontal ter sido completamente descaracterizada, é possível identificar alguns
elementos de sua antiga arquitetura que permaneceram preservados. Trata-se do último remanescente
chalé na localidade, construído com porão a meia altura e cobertura em duas águas. Sua arquitetura data
de fins do século XIX, apesar das descaracterizações sofridas ele mantém as telhas francesas e outros
elementos, como fragmentos do lambrequim no beiral e os tradicionais óculos de ventilação no frontão
(fotos 30, 31 e 32). Em meados do século XX, funcionou como hotel (administrado pelo senhor Augusto
Moreira). Segundo alguns moradores, a fachada frontal possuía quatro janelas. A entrada ficava na fachada
lateral esquerda (voltada para a casa da família Cavassoni-f33), aonde uma escadaria conduzia a um
avarandado recepcionando a porta de acesso.

f30

f29 f31 f32

f34

f33 f35

O conjunto finaliza com o prédio da família Cavassoni (f33), edificado para uso misto (armazém e residência
do comerciante). Sua arquitetura possui tipologia característica das construções de meados do século XIX,
como se observa em sua cobertura, com as telhas capa e bica, no sistema estrutural e nas esquadrias. Até
a década de 1980 ele abrigava um ponto comercial, conforme se observa nas antigas placas de
propaganda conservadas nas paredes (f34 e f35). Este exemplar seria o único remanescente do casario
primitivo, correspondente ao período das diligências que seguiam pelo ramal da Estrada União e Indústria,
posteriormente substituído pela estrada de ferro. Atualmente, o prédio tem uma rodovia junto à sua fachada,
e o asfaltamento acabou o prejudicando, por deixá-lo num nível inferior ao da caixa da rua.
292
Análise Urbana e Arquitetônica

Abastecimento de água.
Até a década de 1940 a água para consumo humano era proveniente de Porto das Flores-MG. Conhecidas
como “bicas d`água” elas também atendiam a parte fluminense. Apesar dos principais elementos físicos
daquele período terem se perdido, pessoas que vivenciaram aquela época prestaram informações a
respeito das atividades e do funcionamento dos serviços:6

“A água utilizada em casa vinha do lado mineiro. Trazíamos em baldes, coletadas numa das três
bicas que existiam. A mais distante ficava na esquina da Rua Portuense com a estrada que segue
em direção ao campo de futebol. As outras duas na Rua do Amaral, próximas a ponte: uma logo
acima, junto a casa do senhor Zeca Salgado (f36).
A terceira ficava abaixo da ponte, também na parte da rua voltada para a margem do rio, quase
de frente para a capela de Nossa Senhora das Dores.
As bicas tinham cerca de 1,20 metro de altura. Haviam dois modelos: o inteiramente de pedra e o
com coluna feita de peça madeira grossa e muito resistente, a braúna.”

As bicas eram servidas por tributários do Rio Preto, cujas nascentes ficavam na mata que emoldura as
encostas (f41). É provável que a necessidade de manter o estoque de água potável seja o principal indício
desse remanescente florestal (f41) ter sido preservado.

Bica d´água

f36 f37 f38


s/d. Detalhe da foto, indicando ponto de uma bica d`água. 2008 E 2012. Modelos de bica d`água de pedra (fradinhos), existente
Foto cedida por João Bosco F. Silva. na fazenda Laranjeiras (f37- no distrito de Porto das Flores) e numa
residência em Taboas (f38), que anteriormente abastecia a localidade.

Na década de 1950 a localidade de Manuel Duarte ganhou um sistema de abastecimento próprio, com a
construção da caixa d`água de concreto armado. Sua inauguração atraiu um importante número de pessoas
(f39). Inicialmente o sistema utilizava a mesma nascente que servia a usina de laticínio (f15 e f16). Tempos
depois retornou com o abastecimento pela parte mineira, não mais das fontes existente na mata fronteiriça,
mas de um ponto quilômetros abaixo, situado nas terras do sítio São Tomaz. A rede coletora era servida por
canos de ferro, instalados na ponte de concreto. Mesmo desativados, eles permanecem na parte externa do
gradilhado, fixados por meio de garras metálicas (f40).

f39 f40
1950. A paisagem de fundo corresponde atualmente ao conjunto habitacional, tendo 2013. Cano de ferro engastado ao longo da
em primeiro plano a capela primitiva de N. S. Aparecida. Ao fundo o morro que se ponte de concreto. A peça garantia o
transformou na atual saibreira. Acervo: João Bosco Furtado da Silva. abastecimento de água de Manuel Duarte.

6
Depoimento prestado pelo senhor João Bosco Furtado da Silva (morador local, nascido no ano de 1934).
293
Histórico/Evolução Urbana

f41

- Histórico/Evolução Urbana:
Manuel Duarte e Porto das Flores surgiram no primeiro quartel do século XIX, batizadas com o nome de
Porto das Flores, referência ao ponto que servia à primitiva travessia de barcas do local. Das construções
do século XIX, restaram, na parte fluminense, a estação ferroviária, a antiga escola e a residência da família
Cavassoni. Entretanto, a disposição das edificações erguidas em ambas as extremidades da ponte remonta
àquele período. Os estudos indicam que a implantação dos imóveis no trecho fluminense sofreu forte
orientação do ramal da carruagens da União e Indústria e, posteriormente, da ferrovia, que passava logo à
frente, onde hoje está o atual asfalto. Seu conjunto arquitetônico formava uma volumetria homogênea,
conjugando ponto comercial e residência. Eram em sua maioria, armazéns ou vendas, com suas portas
voltadas diretamente para os trilhos (f42). Havia também o cartório, a farmácia e o hotel. Em fins do século
XIX surgiram alguns chalés (f29), estilo difundido na época e que pode ser encontrado em algumas
fazendas de café da área rural do município (como a Forquilha e a Santo Antonio), bem como na própria
cidade-sede (Rio das Flores) e no sub-distrito de Comércio. Em Manuel Duarte, existiu ao menos uma
residência semelhante (situava-se de frente para a atual praça), demolida na década de 1990 (f43 e f44).

Década de 1920. Panorâmica, com o conjunto de prédios na entrada da ponte. Acervo: Arquivo Público Mineiro. f42
294
Histórico/Evolução Urbana

s/d. Antiga Residência em estilo chalé Década de 1980. Fachada frontal do antigo chalé.
Acervo: Fazenda da Loanda. f43 Acervo: João Ricardo Suzano Paiva. f44

Os armazéns eram tradicionais casas de comércio, conhecidos por “vender de tudo”, estabelecidos tanto na
parte mineira quanto na fluminense, que tinha a vantagem de estar situada próximo aos trilhos da ferrovia,
para onde se abriam as portas do “Armazéns Brazil”, do “Armazém Zélia” (que posteriormente deu lugar a
“A Fidelidade Fluminense”-f20) e da “A Barateza” (f24) – implantada no local do prédio em estilo colonial
que havia a esquerda da ponte na parte fluminense (f42), cuja fachada passou por uma grande
transformação por volta de meados do século XX, ganhando fachada art déco, revestida com pó de pedra,
letreiro e piso com ladrilhos hidráulicos (f45). Além dessa mudança, uma das extremidades do extenso
prédio colonial foi retalhado para a construção, na década de 1960, de uma residência em dois pavimentos,
com uma arquitetura de linhas modernas, situada na entrada da ponte (f26).

f45
s/d (época provável: década 1980). Fachada art decó do prédio da “A Barateza”,onde havia
também uma padaria com residência ao lado. Acervo: João Ricardo Suzano Paiva.

As casas comerciais sofreram um forte impacto em meados da década de 1960, com a extinção do ramal
ferroviário. Até o fim do século XX os pontos comerciais alteraram sua atividade ou se transformaram em
residências. Na década de 1970, começaram as intervenções que culminariam na modificação dessa
ambiência. O asfaltamento da via deixou todos os prédios numa cota inferior. O antigo hotel teve sua
fachada em estilo chalé completamente descaracterizada (f29). Entre o final da década de 1980 e o início
da seguinte, parte da fachada do prédio art déco foi modificada (f45), ganhando cobertura em telhas de
barro, esquadrias e revestimento, o que remete à arquitetura colonial (f23 e f24). A fachada do Armazém
Zélia (Mercearia A Fidelidade Fluminense) passou por mudanças na década de 1990, quando o imóvel foi
subdividido em três pontos comerciais distintos (f20 e f21).

1897. Nota de um antigo armazém em Manuel Duarte f46 1925. Nota do “Armazens Brazil”. f47
Imagens acima, acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.
295
Histórico/Evolução Urbana

Na mesma época, o prédio onde funcionou o “Armazéns Brazil” (f48 e f49), uma das mais tradicionais casas
de comércio do local, teve uma de suas extremidades demolida, resultando, posteriormente, na construção
de num imóvel de dois andares. Na década de 1980, seus espaços serviram de moradia. O fechamento do
prédio, em fins do século XX, resultou na perda de uma importante referência das antigas casas comerciais
(f50). 7 No ano de 2009 ele foi completamente demolido (f51 e f52).

f48 f49
s/d. Fachada do prédio da tradicional casa comercial „Armazéns Brazil”. Acervo: João Bosco Furtado da Silva.

2007. f50

f51 f52

7
O nome “Armazéns Brazil” teria surgido na década de 1910 ou 1920. Em 1907 a localidade possuía diversos pontos comerciais. Na
parte mineira havia duas casas de negócios e um alfaiate, sapataria, seleiro, barbeiro e cabeleireiro, além de cartório, a capela N. S.
das Dores e escola para meninos e meninas. No lado fluminense a Farmácia N. S. da Conceição, agencia de correios, uma padaria e a
casa comercial Nunes & Filho. Jornal O Fluminense, edição 06657, pag 03, de 05 de julho de1907. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
296
Histórico/Evolução Urbana

A perda do emblemático “Armazéns Brazil” contribuiu para a descaracterização da valiosa ambiência que se
formou no entorno da ponte que cruza o Rio Preto. Através das imagens, é possível mensurar essas
mudanças (fotos 53, 54 e 55):

f53
1987. A fachada do antigo “Armazéns Brazil” ainda íntegra. Acervo: Museu História Regional Rio das Flores.

f54
2005. A extremidade da fachada deu lugar a um prédio de dois pavimentos. Acervo: Annibal Affonso M. Silva.

f55
2012. A paisagem urbana após a perda do antigo prédio comercial. Acervo: Annibal Affonso M. Silva.

297
Histórico/Evolução Urbana

Grande parte da freguesia das casas comerciais era formada por fazendeiros e colonos da área rural. A
ferrovia era o principal meio de transporte pelo qual chegavam as mercadorias a serem negociadas nos
balcões. A parte mineira também abrigava importantes prédios comerciais que, juntamente com os
existentes na parte fluminense, constituíam um expressivo conjunto de armazéns que abastecia a região.
Com relação ao lado de Porto das Flores-MG, um dos estabelecimentos comerciais mais lembrados é o
"Colosso Mineiro", situado na esquina da Rua do Amaral com a Rua Portuense (f56 e f57). Conforme os
demais, abrigava em seu interior casa de negócios e moradia. A fachada principal possuía quatro portas
comerciais, e a platibanda seguia as linhas ecléticas difundidas entre as décadas de 1910 e 1930. O mais
provável é que tenha sido fruto da reforma de um imóvel preexistente, em estilo colonial, tendo mantido as
tradicionais telhas capa e bica, com a fachada lateral, voltada para a Rua Portuense, conservando o beiral
(f57). Nesta fachada, ficavam mais duas portas do armazém e a que acessava a parte residencial era
ladeada por duas janelas. No passado, o prédio teria pertencido ao Visconde do Rio Preto, importante
personagem da história regional e dono de várias fazendas em ambas as margens do rio, dentre elas a
fazenda Flores do Paraízo, atual fazenda do Paraízo. O “Colosso Mineiro” foi demolido na década de 1970,
para dar lugar à atual residência. Dele restaram dois blocos de pedra, provavelmente das soleiras das
portas. Os últimos donos, comerciantes foram o senhor Juquinha e a senhora Margarida.

s/d. Fachada frontal do Colosso Mineiro, visto de longe. s/d. Fachada lateral do Colosso Mineiro, na esquina da rua.
Acervo: Joao Bosco F. Silva. f56 Acervo: Joao Bosco F. Silva. f57

Outro prédio que deixou apenas as soleiras como vestígio foi o da “Fidelidade Mineira” (f58 e f62), que
ficava quase de frente para a ponte (ao lado da atual escola). Sua demolição teria ocorrido entre fins da
década de 1970 e início da seguinte. A maioria das construções deram lugar a moradias unifamiliares.
Apenas dois prédios resistiram, ambos situados nas extremidades da ponte. Um deles hoje em dia é um bar
(f59), internamente ele conserva no alto da parede voltada para o rio uma pintura com inscrição “Snucker”,
remanescente do período que possuía uma sinuca de caçapa de dimensões profissionais. O prédio acabou
sendo retalhado. Ele apresentava anteriormente disposição em “L”, com seu trecho mais estreito seguindo
paralelo à ponte, em direção à margem do rio, já o corpo mais alongado ficava alinhado com a rua (f42).

s/d. Cartão da “Fidelidade Mineira”. Acervo: João Bosco F. Silva. f58 Um dos prédios que resistiram ao tempo. f59

A manutenção da tradição das vendas, caracterizada pelo comerciante que fica atrás do balcão, a postos
para atender os fregueses, encontra-se preservado no prédio situado na esquina com a ponte (f60). Isto se
deve a seu próprio dono, o senhor Maurício Maciel da Silva, que atua no ramo há mais de quarenta anos. A
atividade é exercida, em parte, com equipamentos, como a balança de prato, e utilizando estantes de
madeira com portas de (onde funcionou a “Casa Oliveira” – f60 e f61). Comparando as imagens desses
períodos, percebe-se uma grande transformação na paisagem edificada, mas tendo sido mantido o traçado
urbano original (f62 e f63).
298
Histórico/Evolução Urbana

f60 f61

Fidelidade
Mineira

Casa Oliveira

Colosso Mineiro

s/d (época provável: décadas 1930-1940). Antigo casario de Porto das Flores-MG. Foto cedida por João Bosco Furtado da Silva. f62

f63
Nota - O jornal “O Pharol”, de 13 de janeiro de 1914 - Fonte: <http://memoria.bn.br>, listou as seguintes indústrias e profissões em
Porto das Flores-MG na época: constam seis postos de “Gêneros e Molhados”, três mercadores de gado e dois armazéns agrícolas.
Havia apenas um ofício de barbeiro, açougue, dentista, armarinho, concerto de relógios e taverna.

299
Histórico/Evolução Urbana

As construções erguidas em ambas as margens do rio seguiram as características da arquitetura colonial:


ficavam assentados sobre uma base de pedra, formando um porão. A estrutura era constituída de peças de
madeira (pilares, madres e frechal), perfazendo um sistema em armação de gaiola, tendo as paredes
vedadas com pau a pique (nas reformas e acréscimos realizados nas primeiras décadas do século XX
foram utilizados tijolos maciços cerâmicos). As esquadrias eram de folhas de madeira cega, com as janelas
apresentando folhas de guilhotina de vidro com postigos de madeira. A cobertura era de telhas de barro,
modelo capa e bica, semelhante às utilizadas nas fazendas de café.
Atualmente restam poucos exemplares arquitetônicos da formação inicial das localidades, situados entre
construções recentes. Para exemplificar essas mudanças tem-se em Manuel Duarte a Rua José Theotônio
da Silva, por onde seguia o trem. Até o início da década de 1980 ela conservava quatro prédios daquele
período (f64 e f65). No ano 2000 eles já haviam dado lugar a novas construções. Um deles se perdeu
devido ao abandono/arruinamento. Os outros três foram ao chão, mesmo apresentando condições de
recuperação. Cabe mencionar que eles haviam sido atingidos por grandes enchentes, que invadiram a rua
em algumas ocasiões do século XX (a última dessa proporção ocorreu entre 12 e 14 de janeiro de 1978).

s/d. Imagem da rua na era ferroviária, em primeiro plano a s/d (possivelmente década de 1970). Prédios que haviam na Rua
residência chalé. Acervo: fazenda da Loanda. f64 José Theotônio da Silva. Acervo: Annibal A. M. Silva. f65

f66 f67
Década 1920. Acervo: Arquivo Público Mineiro. 1925. Acervo: João Bosco F. Silva.
Imagens acima (f66 e f67): Fachada do prédio próximo a ponte. Provavelmente o de maiores dimensões que existiu no período
de formação de Manuel Duarte. Ali funcionou em meados do século XX o cartório e uma padaria.

As localidades entraram no século atual sem grande parte das referências arquitetônicas históricas do
século XIX. Uma das primeiras mudanças ocorreu provavelmente entre as décadas de 1920 e 1930, com a
substituição da primitiva capela de Nossa Senhora das Dores pela atual, de feições neogóticas (f68). A
principal característica para a manutenção do meio ambiente urbano foi sempre contar com as águas do rio
como protagonista na formação da identidade local (f69). A paisagem mantém-se conservada através da
presença das torres dos templos religiosos rompendo o gabarito das demais construções (f69 e f91).

f68 f69

300
Histórico/Evolução Urbana

Entre as duas localidades destaca-se o Rio Preto (f70). Apesar de dividi-las fisicamente, ele é o elemento
de maior destaque na paisagem e o agente formador de uma identidade local, sendo o principal elo no
processo histórico-cultural que contribuiu para forjar uma comunidade mineiro-fluminense.
Este vínculo geográfico e afetivo entre as duas localidades e o rio está enraizado na memória social e na
sua estruturação espacial, como em seus primórdios, marcado pela presença do porto de atracação que
servia à balsa que fazia a travessia entre as duas margens. Aquele período foi descrito por um morador que
viveu no local no último quartel do século XIX: o historiador Joaquim dos Santos Eloy de Andrade:8

“A formação de povoados, na bacia sul-paraibana, transformados mais tarde, muito deles, em


vilas e cidades, não se processou arbitrariamente, sem motivos, havendo sempre, para a
escolha de determinados pontos, o interesse comercial justificando a reunião ou agrupamento
dos seus primeiros moradores.”
“Eram pontos de referência as encruzilhadas de caminhos, além do pouso certo de tropeiros,
os portos, às margens dos rios, servidos por barcaças para a travessia de pedestres, cavaleiros
e cargas.”

O nome Porto das Flores teve sua origem no ponto de atracação das barcas e na presença de flores ao
longo das margens do rio:9

“O movimento delas datava de 1790, mas só em 1830 apareceram a primeira venda, o


primeiro rancho para tropas, do lado mineiro.”
“Pouco abaixo do Rio das Flores, afluente do Rio Preto, que separa as duas províncias –
Minas e Rio – foi o ponto escolhido para o serviço das barcas, por ser menor a distância entre
as duas margens e correrem mansamente.”
“Antes da construção da ponte, na segunda metade do século, o transporte de produtos e de
viajantes de uma para outra província era feita por uma barca e por ser o local onde ela era
amarrada ou porto de embarque um pouco abaixo da foz do Rio das Flores, afluente do Rio
Preto, começou a ser conhecido como Porto das Flores.”

f70

O porto de travessia passou a conectar duas vias da época do desbravamento da região, e que seguiam
paralelas ao rio: a Estrada da Independência, que seguia pela parte fluminense, e o Caminho de Meneses,
situada ao longo da parte mineira, e que foi a primeira via aberta (em 1782) no “Sertão do Rio Preto”.
É provável que antes disso o local tenha sido ocupado por índios. Apesar de ser necessário um estudo
aprofundado para elucidar a questão, cabe registrar o fato, ocorrido na década de 1970, quando os fundos
de um terreno de uma casa de Porto das Flores-MG, voltado para a mata, foram removidos. Segundo
moradores e um historiador entre os vestígios encontrados estavam pedaços de cerâmicas e algumas
ossadas.10
Eloy de Andrade registrou a inauguração do ramal de carruagens da União e Indústria, na data de 7 de
setembro de 1868, quando a atual localidade de Manuel Duarte recebeu uma estação de mudas. Contudo,
8
ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda, 1989, paginas 37 e 38.
9
Idem.
10
TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008, pag 25.

301
Histórico/Evolução Urbana

a localização exata do prédio, bem como as descrições sobre sua arquitetura, ainda não foi elucidada. O
mais provável é que tenha sido demolido com a chegada da ferrovia, em 1885, ou que tenha convivido com
as máquinas a vapor até o ano de 1893, quando a linha férrea foi estendida até a localidade de Três Ilhas.
Outra grande dúvida reside na exata localização do porto de travessia. Eloy de Andrade registrou seu
posicionamento pouco abaixo da foz do Rio das Flores, deixando dúvidas em relação ao ponto onde ficava
este marco. O transporte, por meio de balsa, funcionou por cerca de meio século, até ser construída a ponte
de madeira, em 1858. A ligação entre as duas margens é feita atualmente por uma ponte de concreto (f42 e
f82), que pode ser classificada como o mais representativo patrimônio construído para ambas as
comunidades. Além da sua função específica, desde sua inauguração em 1923, a população a utiliza para
fins diversos, como contemplação da paisagem, pescaria e local para fotografias (fotos 71, 72 e 73).

f71

1939 f72 s/d (provavelmente décadas 1930/1940). f73


Imagens acima, acervo: João Bosco F. Silva.

Antes de passar pelas localidades, o rio faz uma volta de cerca de 180 graus (fotos 03, 74 e 75), típica de
sua geomorfologia de traçado meândrico. A grande volta tem início nas proximidades da fazenda da
Loanda, vindo a receber, logo à frente, dois afluentes: o Rio das Flores e o córrego Manuel Pereira.

2013. Panorâmica, com a volta do Rio Preto, pouco antes do perímetro urbano de Manuel Duarte f74

302
Histórico/Evolução Urbana

2013. Panorâmica tomada da região da fazenda da Loanda, ao fundo as localidades de Porto das Flores-MG e Manuel Duarte-RJ. f75

O trecho onde se consolidou o núcleo urbano fica numa região em que ele perfaz um trajeto sinuoso,
marcado por uma curva de raio longo, condição que, provavelmente, levou à construção de uma extensa
murada de pedra bruta na parte mineira, com o intuito de protegê-la da força da água na época das
enchentes e para conter a erosão que atinge regularmente as margens côncavas dos rios.
Esta obra serviu também de atracadouro para as tradicionais canoas de madeira e como local de
contemplação para as pessoas (fotos 76, 77 e 78). Foi também uma importante referência na recreação dos
rapazes, que a utilizavam como estrutura de apoio para nadar no rio.

Imagem capturada da ponte mostrando a atual da ocupação urbana pelo lado mineiro, por onde seguia a murada de pedra. f76

s/d (época provável: décadas 1930-1940). f77 s/d (época provável: décadas 1930-1940). f78
Imagens acima, moradores na murada de pedra, à beira do Rio Preto. Imagens cedidas por Annibal Affonso Magalhães da Silva.
303
Histórico/Evolução Urbana

s/d (época provável: décadas 1930-1940). Observa-se a murada com canoa atracada. Acervo: João Bosco Furtado da Silva. f79

Imagem capturada do rio, mostrando a atual ocupação urbana pelo lado mineiro, por onde seguia a murada de pedra. f80

Representação da murada na margem mineira, feita provavelmente para conter as águas do rio – elemento se destacava na paisagem.
Desenho: Annibal Affonso Magalhães da Silva. f81

As mudanças ocorridas nos lotes voltados para a margem mineira levaram a perda da murada (f79). Parte
dela resiste atualmente nas proximidades da ponte de concreto, onde ela apresenta cerca de 1,50 metro de
largura. Percebe-se que a integridade deste elemento feito de pedra bruta, aliada a uma ocupação esparsa
dos prédios nos terrenos (f79), criava uma inter-relação ambiente construído e natureza que além de
valorizar a identidade ribeirinha das localidades, conferia um sentido poético à sua paisagem urbana.

304
Histórico/Evolução Urbana

f82

Além do papel que essas construções – ponte e murada – desempenhavam na integração das
comunidades ribeirinhas, nota-se que as pessoas mantinham uma relação mais qualificada e harmoniosa
com o Rio Preto, que era utilizado para o lazer contemplativo e para o banho de rio, por vezes aproveitando-
se dos trechos de pedras escarpadas, como no lajeado natural, pouco abaixo da ponte, que aflora na época
das secas (f82 e f83). No início do perímetro urbano de Manuel Duarte (à frente da rua que abriga o posto
de saúde e a creche), há outro desses afloramentos de pedras (f84). Ambos eram usados pelas lavadeiras,
um ofício que se perdeu. Essa atividade foi relatada pela senhora Ana Clemente (conhecida como Biúca):

“Havia muitas lavadeiras aqui na localidade, e utilizávamos os dois pontos do rio. De início, eu
ia com minha mãe. Fazíamos serviço para casa e para terceiros, como forma de garantir um
dinheiro. Usávamos sabão de cinza, feito em casa. Botávamos as roupas na pedra e sentávamos
para lavar e, depois, elas ficavam quarando. Por fim, bastava torcer e colocar na bacia.
Usávamos os dois pontos do rio (f83 e f84). Estava na situada perto de casa (f84) quando uma
máquina que preparava o asfalto passou na estrada e movimentou a água. Parecia que o rio
estava enchendo, levei um susto danado, nunca mais voltei naquele lugar.”

Pessoas nas pedras utilizadas pelas lavadeiras. f83 f84


Imagens acima: s/d (provavelmente décadas de 1930-1940). Acervo: João Bosco Furtado da Silva.

O relato acima refere-se as obras de asfaltamento da estrada, ocorrido na década de 1970, anos após a
extinção da ferrovia, marcando um momento importante no urbanismo local. Além de ficar parcialmente
encoberta por terra, aquele simbólico ponto (f84) teve seu acesso vedado, ao se transformar num lote, hoje
ocupado por uma casa. As obras da rodovia utilizou uma jazida de saibro num morro próximo, criando um
305
Histórico/Evolução Urbana

imenso dano à paisagem, essa intervenção não considerou as particularidades urbanísticas da localidade, 11
que sofreu uma grande movimentação de terra, 12 com o intuito de inserir em seu tecido uma via de mão
dupla. Para isso, a antiga caixa da rua foi alargada, levando ao desbaste de alguns morros laterais e ao
aterro de trechos voltados para a margem do rio.

f85
s/d (provavelmente fins da década de 1970). Antiga “rua da estação”, já sem os trilhos da ferrovia, quando a localidade
já havia recebido o asfaltamento e os postes de concreto de energia elétrica. Acervo: João Bosco Furtado da Silva.

Assentada sobre uma base de cerca de oitenta centímetros acima do antigo nível, a nova pista de rodagem
deixou o conjunto de imóveis próximo à ponte numa cota inferior. Ao seguir pelo outro lado da estação, ela
fez com que o acesso por onde seguia o trem virasse uma simples rua (comparar fotos 64, 65 e 85).

s/d Imagem pela parte mineira, abaixo da ponte, percebe-se o casario típico das localidades e os meandros do
Rio Preto, determinantes na geomorfologia local. Acervo: João Bosco Furtado da Silva. f86

11
Foi cogitado o desvio da rodovia para fora localidade, criando uma variante que entraria à frente da fazenda do Paraízo e seguiria
até as proximidades da atual usina de compostagem e reciclagem de resíduos sólidos, nas proximidades da “subida da garganta”.
Pode-se dizer que o asfaltamento que foi realizado seguiu o conceito de urbanização, difundido no país durante o século XX. Algo
semelhante voltou a ocorrer na década de 1990, quando a prefeitura desapropriou uma gleba de terra da fazenda do Paraízo para
construir o conjunto habitacional de Manuel Duarte. Tratava-se de uma área encravada entre morros, tomada por pastagens e algumas
casas de colonos. Ali próximo já funcionava o prédio escolar. A execução do projeto demandou um significativo movimento de terra,
com aterros e aplainamento da área. O serviço teria encoberto um tributário do Rio Preto e levou à perda de uma nascente de água.
12
As obras foram realizadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro e foram concluídas em 1977. Eram relativas à RJ-145, tendo
como ponto final a localidade de Manuel Duarte. Foram utilizadas máquinas específicas para abertura de estradas, como o trator de
esteira “D 8” e o caminhão “W”, um veículo alto que possuía pneus com cerca de 1,50m de diâmetro por 0,60m de espessura.
306
Histórico/Evolução Urbana

Os momentos mais dramáticos da relação entre a população e o Rio Preto se deram na época das grandes
cheias, conhecidas como enchentes (f87). Antigos moradores mencionam que as maiores aconteceram nas
décadas de 1940 e 1960 e no ano de 1978. Esta última é a mais recordada, tendo ocorrido entre os dias 12
e 14 de janeiro, e chegou a uma vazão de 256,2 m³/s. A cheia de maior vulto ocorreu entre fins de 1945 e
início de 1946.13 Nesses momentos, as pessoas contaram com a ajuda daqueles que possuíam destreza
para conduzir embarcações pelas águas do rio. Eram os canoeiros, e a maioria exercia o ofício de
pescador. Eles mesmos construíam suas canoas, e a madeira mais utilizada era o vinhático, devido à sua
leveza (hoje é uma madeira rara de se encontrar). Para conduzir as embarcações nas águas, lançavam
mão de remos compridos e finos, geralmente varas de bambu (fotos 88, 89 e 90).
Atualmente, percebe-se uma grande mudança na relação entre a população e o curso d‟água, gerando um
distanciamento da sua ligação histórica e de sua identidade. Hoje em dia, são os pescadores, com suas
tradicionais canoas, os maiores guardiões desse modo de vida ribeirinho. 14 Eles exerciam o ofício se
valendo da rica fauna ictiológica do rio. Essa questão foi relatada por uma ex-moradora, a senhora Ilza
Figueira (nascida em 1918), que relembrou sua vida nas localidades nas décadas de 1920 e 1930:

“Havia muitas canoas, era o forte de Porto das Flores. Morávamos numa casa na parte
fluminense, que dava fundos para o Rio Preto. Todos os dias, às 06 da manhã, meu pai nadava no
rio, conseguia atravessá-lo de uma margem a outra. Ele comprava peixe com o João Barqueiro,
morador local que tirava seu sustento da pesca. Toda quarta-feira ele chegava na margem do rio
com sua canoa com várias espécies para escolhermos. O piau tinha muito espinho. Gostávamos
muito da acará e da traíra, mas o melhor era o surubim, que comíamos assado.”

1943.Enchente na localidade vizinha de Porto das Flores. Fonte: DURÇO, João Adalberto Camargo.
Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença – RJ: Gráfica PC Duboc ltda, 2006, p 47. f87

João Barqueiro remava com desenvoltura pelo Rio Preto e pelo seu afluente, o Rio das Flores. Acabou
sofrendo dois acidentes em épocas distintas, que prejudicaram a mobilidade de suas pernas. A partir de
então, usou sua destreza de remador, e passou a utilizar sua canoa para se locomover entre as duas
localidades. Antes disso (início da década de 1920), conduziu as pessoas pelas águas do Rio Preto, quando
da retirada da ponte de madeira e a construção da atual ponte de concreto. Antigos moradores relatam que
13
Segundo a historiadora Rita Lamana (livro Rio Preto, nossa História, páginas 113 e 114), o evento ocorreu dia 29 de dezembro de
1945 e ficou marcado pela perda da ponte metálica, que ligava a cidade de Rio Preto-MG com o distrito valenciano de Parapeúna-RJ.
A cheia arrastou rio abaixo a ponte de madeira da fazenda Santa Clara, que, ao topar com a ponte de ferro, vedou a passagem da
água, passando então a exercer uma pressão na citada travessia, levando-a ao fundo do rio (ela foi substituída pela atual,de concreto
armado).O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da PCH Santa Rosa I relaciona o histórico de vazões naturais do Rio Preto, entre 1931
e 1994,considerando a região próxima a Manuel Duarte e Porto das Flores. As maiores cheias ocorreram nos seguintes meses e anos:
518,9 m³/s (janeiro de 1946), 493,8 e 399,2 m³/s (fevereiro e março de 1931) e 373,4 e 455,6 m³/s (janeiro e fevereiro de 1967).
14
Com relação aos contos de fundo folclórico, conseguimos o relato de dois seres que habitam as águas do Rio Preto. O mais
conhecido é o caboclo d´água, ele assemelha-se a um macaco, é cabeludo, tem o tamanho de um garoto e o braço grosso. Aparece
geralmente nas noites de lua cheia, mas existem casos de aparições diurnas. Foi avistado nas margens e tentando virar canoa no meio
do rio e correndo em direção as lavadeiras na localidade de Três Ilhas. A outra criatura é o arural, apesar de ser pouco comentado,
seria mais perigoso. Ele busca engolir a sombra das pessoas que ficam nas margens do rio, com isso a vitima se sente atraída por ele,
seguindo diretamente em sua direção. Entrevista realizada com o senhor Alcides Isaú (71 anos) e o sobrinho, José Geraldo.
307
Histórico/Evolução Urbana

durante as obras, a travessia era feita numa balsa, ficava instalada cerca de cem metros acima da ponte (na
esquina da Rua do Amaral com a Rua Portuense) e se movimentava mediante um cabo de aço amarrado
em ambas as margens. Dona Ilza relata que fez a travessia bem perto da ponte numa canoa.

s/d (época provável: décadas 1930-1940). Canoeiro Típica canoa de madeira, atracada no Rio Preto, pouco abaixo da foz do Rio
com sua embarcação e a vara de bambu. das Flores (próximo a fazenda da Loanda).
Acervo: João Bosco F. Silva. f88 f89

Até a década de 1990, o Rio Preto apresentava peixes em abundância, como se percebe no relato feito por
dois moradores, os irmãos Paulo e Nelson Cavassoni, a respeito da região das corredeiras (situada cerca
de quatro quilômetros abaixo das localidades), em que citam a existência de um lar de reprodução e a
ocorrência do fenômeno da piracema:

“Éramos donos do sítio da Cachoeira, e a sede ficava bem perto da ilha que forma o cachoeirão.
A gente sempre presenciava a piracema, momento em que o peixe da espécie pirapitinga buscava
subir a correnteza para desovar. Isso se dava entre junho, julho e agosto. Havia muito peixe, e os
machos eram os primeiros a subir. Sua função era limpar as pedras, tirar o lodo e as pequenas
sujeiras. As fêmeas ficavam na parte de baixo, no remanso. Elas subiam aos saltos, em fila, uma
atrás da outra.
Havia outras espécies em abundância, como lambari e acará. Comíamos peixe o mês todo,
chegávamos a distribuí-los para as pessoas. Nosso pai pegava o surubim, uma espécie sem
escamas, cheio de pintas, que pesava entre sete e 10 quilos. Para pescá-lo, era preciso que a água
estivesse morna. Desde que nossa família vendeu o sítio, há uns 20 anos, não voltamos mais lá,
mas o rio não tem mais peixe como naquela época.”

A descrição a respeito da pirapitinga 15 e do surubim-do-paraíba16 reforça os estudos que apontam a região


formada pelas corredeiras e a “barra do óleo”, situada cerca de oito quilômetros abaixo da área
urbana,como de sensibilidade ecológica significativa. Ambas as espécies são dependentes do bom estado
de conservação dos rios, como a qualidade da água e suas características lóticas originais. Classificado
como um dos peixes mais nobres da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, o surubim-do-paraíba consta
na lista de espécies ameaçadas de extinção, tanto na lista do Ministério do Meio Ambiente quanto na do
Estado do Rio de Janeiro.
15
A pirapitinga-do-sul (Bryconopalinus) é uma espécie de porte médio, atingindo 35 cm e pesando até 1 kg. Habita rios de cabeceiras,
de água relativamente fria, encachoeirados, de pequeno e médio porte, localizados nas bacias dos rios Paraíba do Sul e Doce. É
altamente dependente do bom estado de conservação dos rios em que vive. No caso do Rio Preto, a espécie é encontrada no
município de Visconde de Mauá, havendo também registros recentes no município de Rio Preto. Fonte: ICMBio. Plano de ação
nacional para a conservação das espécies aquáticas ameaçadas de extinção da bacia do Rio Paraíba do Sul. Série Espécies
Ameaçadas nº 16.Págs. 33 e 34. A espécie aparece com grau “vulnerável” no site do Instituto Chico Mendes (acessado em setembro
de 2013): <http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/fauna-brasileira/lista-especies/1519-pirapitinga-brycon-opalinus>.
16
O Steindachneridion parahybae, popularmente conhecido como surubim-do-paraíba é um bagre de grande porte, atingindo em
média 60 centímetros de comprimento. A região do Rio Preto é propícia à sua existência, pelo fato de o surubim ter como habitat
pontos de água limpa, com fortes corredeiras e poços profundos. Ele consta no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de
Extinção (págs. 236 a 238), lançado pelo Ministério do Meio Ambiente. O Governo do Rio de Janeiro o inseriu na lista das dez
principais espécies ameaçadas de extinção no estado. O Instituto Chico Mendes (site acessado em setembro de 2013) classifica a
espécie como “criticamente ameaçada”:
<http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/fauna-brasileira/lista-especies/745-surubim-do-paraiba.html>.
308
Histórico/Evolução Urbana

f90

Com relação ao empobrecimento da ictiofauna nativa, estudos recentes indicam que isso se deve a fatores
como a supressão da mata ciliar, expansão urbana com ocupação desordenada, pecuária extensiva,
lançamento de efluentes domésticos sem tratamento adequado, uso indevido de agrotóxicos, extração
abusiva de areia e introdução de espécies exóticas. Destacamos aqui o garimpo predatório, que tomou
conta da calha do Rio Preto entre os últimos anos da década de 1980 e o início da de 1990.
Recentemente, a maioria dos pescadores relatou que o problema relativo à ausência dos peixes se
agravou. Ele estaria relacionado à instalação das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) de Mont Serrat e
Bonfante na década passada, poucos quilômetros abaixo da foz do Rio Preto, no Rio Paraibuna. Esse fato
está ligado a um polêmico projeto, que vem se arrastando desde a década de 1960, quando foi cogitada a
construção de uma usina hidrelétrica no Rio Preto, que seria instalada a cerca de oito quilômetros abaixo de
Manuel Duarte e Porto das Flores, no afloramento rochoso que existe na região da “barra do óleo”. A
execução do plano original demandaria a completa retirada dos moradores, seguida pelo alagamento de
ambas as localidades. Delas restariam apenas as torres das igrejas despontando acima da lâmina d‟água.

Panorâmica tomada nas proximidades da fazenda da Loanda, antes do o Rio Preto adentrar nas localidades. f91
309
Histórico/Evolução Urbana

O projeto não foi adiante, mas, em 2002 e 2011, ocorreram duas reuniões entre empresários, autoridades,
órgãos governamentais e moradores, para discutir o projeto da pequena central hidrelétrica (PCH) Santa
Rosa I, a ser instalada no mesmo local (f92).17 Dispondo de reservatório a fio d`água, ela não atingiria as
nucleações urbanas. Contudo, a análise do EIA revela que a água chegaria ao limite do perímetro urbano,
condição que provavelmente causaria remanso até as proximidades da ponte de concreto, ou mais acima.
Tal projeto foi contestado e encontra-se paralisado por decisão judicial, entre outros motivos, por não
considerar os valores ambientais, paisagísticos e culturais dessa região do Rio Preto (fotos 93 a 95).18

2001. Mapa demarcando toda a extensão do Rio Preto a ser atingido pela PCH. Fonte: Encarte do EIA da PCH Santa Rosa I. f92

f94

2010. Cartaz contra a instalação da PCH nas corredeiras. f95


Acervo: Associação de Moradores de Porto das Flores-MG. f93

17
Em 2002 ocorreu a Audiência Pública, com vistas à obtenção da licença prévia (LP) do empreendimento. Em 2011 ocorreu uma
Reunião Pública, visando a retomada do projeto. Ambas as reuniões foram presididas pelo IBAMA.
O EIA (Estudo de Impacto Ambiental) apresenta os dados da PCH Santa Rosa I e, dentre eles, citamos: potência instalada de 18
megawatts, reservatório ocupando uma área total de 112 hectares e barragem de concreto com 21,5 metros de altura máxima.
18
Devido a seu porte e a qualidade de suas águas, o Rio Preto é considerado o mais importante curso d‟água da bacia hidrográfica do
Rio Paraíba do Sul, sendo o último grande rio do Estado do Rio de Janeiro não poluído por resíduos industriais. Especialistas afirmam
que ele é o último berçário das espécies da região que tem o potencial de reprodução natural na bacia do Paraíba. Seu nome primitivo
é Parapeuna, dado pelos índios, em referencia ao pó preto, encontrado em sua areia. Nasce a uma altitude de 2.440 metros, no
Parque Nacional das Agulhas Negras, em Itatiaia-RJ. Em seus cerca de 200 km de quilômetros ele serve de divisa entre os estados do
Rio de Janeiro e Minas Gerais, desaguando no Rio Paraibuna, em Afonso Arinos, distrito de Comendador Levy Gasparian-RJ.
310
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário.

Fotos, autoria de Annibal Affonso Magalhães da Silva


05, 06, 07, 08 e 51, ano de 2005;
15, ano de 2011;
37, ano de 2008;
50, ano de 2007;
52, ano de 2009;
90, 94 e 95, ano de 2010.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:


Affonso Durço, Alcides Isaú, Ana Clemente Guilherme (Biúca), Ilza Figueira, João Bosco Furtado da Silva,
José Geraldo Isaú, Maurício Maciel da Silva, Nelson Cavassoni de Oliveira, Paulo José Cavassoni de
Oliveira.

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Acervo dos jornais O Fluminense e O Pharol, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de
2012 e fevereiro de 2013.

Obs: A ausência de imagens áreas (geradas por satélite) se deve a falta de cobertura pelo site
googleearth.com

312
b

Instituto Estadual do Patrimônio Cultural


Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Ponte interestadual de Manuel Duarte e Porto das Flores.

Localização: Município:
Entre Manuel Duarte e Porto das Flores, distritos de Rio das Travessia sobre o RioPreto.Divisa dos municípios de Rio das
Flores/RJ e Belmiro Braga/MG, respectivamente. Flores/RJ e Belmiro Braga/MG.

Época de construção:
Ponte primitiva de madeira – inaugurada entre 1858 e 1864.
Ponte de concreto atual – inaugurada em 28 de janeiro de 1923.

Estado de conservação:
Detalhamento no corpo da ficha / Ausência dos postes e do
portão central original.

Uso atual / Original:


Ponte Rodoviária.

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Governo Federal.

1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

2010. Panorâmica da ponte, no momento que a população fazia vigília para a canoada em louvor a Nossa Senhora Aparecida.
Acervo: Annibal Affonso Magalhães da Silva. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

313
Situação e ambiência

A ponte de concreto (f01) une Manuel Duarte e Porto das Flores, duas pequenas sedes de distrito,
pertencentes a Rio das Flores-RJ e Belmiro Braga-MG, respectivamente. Separadas pelo Rio Preto (curso
d’água que serve de divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais), essas localidades
ribeirinhas mantêm um estreito vínculo e comungam um mesmo estilo de vida sociocultural (f01). O principal
acesso é o asfalto que passa pela parte fluminense. A partir de Barra do Piraí e pegando a RJ-145, no
sentido das cidades de Valença e Rio das Flores, chega-se, 11km depois, à entrada do perímetro urbano de
Manuel Duarte. A partir deste ponto, a via segue nomeada como RJ-151. Para quem se encontra nas
proximidades de Petrópolis-RJ ou mesmo de Juiz de Fora-MG, deve-se seguir pela BR-040 e prosseguir
pela estrada que leva até Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ (localidades vizinhas, separadas pelo Rio
Paraibuna). A partir de então, percorre-se cerca de 30km até chegar a Manuel Duarte, pela rodovia RJ-151.

f02

A paisagem, no entorno, é composta por morros em formato de meia laranja e cobertos, em sua grande
maioria, por uma rala pastagem. A parte mineira conserva um expressivo fragmento de Mata Atlântica (f02),
contrastando com os morros nas encostas da parte fluminense (Manuel Duarte), quando um deles passou
por uma danosa intervenção na década de 1970, com a retirada de saibro para o asfaltamento das rodovias
RJ-145 e RJ-151.
A principal referência geográfica local é o Rio Preto (f02). Pouco antes de penetrar no perímetro urbano de
Manuel Duarte–RJ e de Porto das Flores-MG,1 ele recebe a contribuição do Rio das Flores e do córrego
Manuel Pereira, bem no ponto onde seu leito faz um contorno de cerca de 180 graus, formando uma volta
em torno do campo de futebol e da antiga raia do prado de Porto das Flores-MG.
Trata-se de uma das nove travessias instaladas na calha do Rio Preto, que podem ser avistadas a partir do
acesso a Santa Rita do Jacutinga-MG até sua foz, em Afonso Arinos2.
A ponte é um local privilegiado para observar pássaros, como as andorinhas, executarem ágeis manobras
sobre o rio. Com suas rígidas asas, elas cortam o ar com grande agilidade, e seguem plainando em vôos
rasantes, poucos centímetros acima da lâmina d`água, arrementendo em seguida para o alto.
Ela é um bom lugar para observar na época das secas a tonalidade esverdeada do rio (f05 e f08), quando
as sapatas de concreto da ponte e os lajeados e escarpas de pedras existentes em seu leito ficam
expostas. Na época das chuvas a água ganha uma cor barrenta e aumenta de volume, formando um rio
encorpado (fotos 09, 10 e 11) e com fluxo em velocidade, fatores que geram um som continuo ao cortar os
pilares da ponte e os trechos empredrados, agora cobertos e transformados em pequenas corredeiras.

1
Inicialmente, as duas partes eram denominadas de Porto das Flores.Em 1943, a parte fluminense passou a se chamar Manuel Duarte,
enquanto que o lado mineiro manteve o mesmo nome.
2
As travessias são as seguintes: ponte do Zacarias; ruínas da antiga ponte ferroviária (desativada, próxima a localidade de Barbosa);
ponte da fazenda Santa Clara, em seguida vem as que atendem as localidades de Rio Preto/Parapeúna, Alberto Furtado, São
Sebastião do Barreado, Porto das Flores/Manuel Duarte e Três Ilhas. Por fim a ponte ferroviária em Afonso Arinos (em atividade).
314
Descrição arquitetônica

f03

A ponte fica no centro das localidades, implantada numa cota (nível) mais elevada, possivelmente para
evitar as grandes enchentes. Suas desembocaduras de acesso são constituídas de uma estrutura de pedra,
revestida com argamassa de areia e cimento, que se prolonga além do vão livre da ponte, seguindo por
terra com um espesso guarda-corpo de pedra. Enquanto na parte fluminense a entrada é alongada e tem
piso de asfalto (f03), no lado mineiro ela é mais curta, espraiando-se num piso de pedra de mão
(provavelmente da época de sua inauguração ou até mesmo posterior a isso – f04) ladeado por dois
tradicionais prédios comerciais do século XIX.

f04
O tabuleiro de travessia sobre o Rio Preto é feito de concreto armado (f01), dividido em cinco lances
independentes, separados por um pequeno espaçamento, que garante a retração e a dilatação da estrutura.
Cada uma dessas plataformas é reforçada por pequenas vigotas (f05), que transferem as cargas para as
robustas vigas laterais com cerca de 1,50m de altura por 0,30m de espessura (f06). Estas, por sua vez,
descarregam os esforços a que estão submetidas nos apoios verticais, que são as cabeceiras em ambas as
margens, e em quatro lances de pilares (f05 e f07) – conhecidos como cavaletes. Um deles fica sobre a
terra (na margem fluminense) e os três restantes estão fincados diretamente sobre a calha do rio, apoiados
em sapatas (também de concreto-f07 e f08), sendo que no trecho superior elas foram moldadas em formato
triangular, para vencer a resistência da água que a banha ininterruptamente (f07). Em cada sapata, elevam-
se quatro pilares (f06), unidos no topo por uma viga contínua, onde se apoiam as plataformas de acesso.

315
Descrição arquitetônica

f05

f07

f06 f08

A travessia possui cerca de 93,00m de comprimento por 3,85m de largura, permitindo o trânsito de veículos
em mão única. As espessas vigas laterais (f06) conferem à ponte um sólido aspecto, condição que se deve
provavelmente à tecnologia empregada em sua construção: barras metálicas de seção redonda e peças
semelhantes a trilhos de trem - materiais utilizados como armadura do concreto armado naquela época.

f10

f09 f11

316
Descrição arquitetônica

f12

A ponte possui superfície constituída por um revestimento de argamassa de cimento e areia de


granulometria média, condição que lhe confere uma forte autenticidade. Conta com estreitas calçadas nas
laterais, protegidas por um guarda-corpo em toda a sua extensão (f12), elemento com um valioso
tratamento artístico, constituído por módulos com cinco aberturas em acabamento em arco pleno nas
extremidades, formando um gradilhado contínuo, com linhas inspiradas no estilo art déco (f13 e f14).Vale
citar que a face externa (voltada para o rio) é realçada por detalhes em relevos em forma de círculo (f15).

f13

f14

A construção mantém conservada a placa de mármore da sua inauguração, instalada na murada da


desembocadura da parte mineira (f36). Há também os pilaretes de concreto de seção cilíndrica nas duas
317
Descrição arquitetônica

entradas, sobre os quais foram instalados postes metálicos de chapa de aço (f16). No meio da ponte, há
outros dois postes, fixados no próprio guarda-corpo, feitos com a mesma chapa de aço.

f15 f16

Os postes de iluminação existentes são frutos de intervenções posteriores. Na época de sua inauguração, a
ponte recebeu os atuais pilaretes da entrada, bem como dois esbeltos postes (também de concreto) ao
centro (f17), para fixar as folhas do portão. Esses elementos eram complementados por tubos de ferro,
terminados em curvatura suave (f19), numa linha de inspiração art déco, que também havia nos pilaretes de
entrada (f18). Lamentavelmente, esses valiosos elementos foram retirados (f20 e f21).

Poste Central

2003. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f17 2003. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f18
Imagem dos primeiros anos do século XXI, quando a ponte conservava os postes originais.

f19 f20 f21


Imagens acima, ano de 2007. Detalhe dos postes originais. Acervo: Annibal Affonso Magalháes Silva.

318
Estado de conservação

Ao longo de sua existência, a ponte vem passando por intervenções que lhe causaram danos estéticos e
estruturais. Com relação a seus valores artísticos, há de se destacar a perda de elementos originais, como
os postes de cimento (f21) e o portão central de ferro (f43), que possuía linhas inspiradas no estilo art
nouveau. Até o início da década de 1980 uma das duas folhas do portão permanecia em seu lugar de
origem, mas em mal estado de conservação (retorcida e com marcas de ferrugem). Antes do fim daquela
década a peça foi retirada. Apesar de não se conhecer seu paradeiro, algumas pessoas dizem que as
bandeiras dos portões foram jogadas no Rio Preto.
Por volta de meados da década de 2000, um dos pilares centrais (f17) que servia para sustentar o portão foi
retirado, para facilitar a travessia de ônibus e caminhões. Em maio de 2007, o complexo de turismo e lazer
situado em Porto das Flores cortou as partes superiores dos pilaretes da entrada e instalou a iluminação
que hoje se encontra fixada (f16). As peças originais foram recolhidas por um comerciante e morador da
parte mineira (f20). O poste central que restava foi retirado e encontrava-se depositado num terreno ao lado
da ponte, juntamente com seu par (f21). A citada intervenção constou também de uma pintura, destoando
da sua tradicional cor, mas com o passar do tempo, o produto aplicado foi se desgastando.
Percebem-se outras degradações, como o acúmulo de descolamento do emboço. Por ocasião das
campanhas eleitorais de 1982, foi aplicada uma pintura na face de uma das vigas.
Alguns gradilhados estão quebrados (f22) e, das chapas metálicas que encobriam o espaçamento entre os
vãos de dilatação, restam poucas. A murada esquerda de entrada da parte fluminense teve uma parte
suprimida para permitir a entrada de automóveis da residência ao lado.
Contudo, os danos mais severos correspondem ao trânsito de caminhões (f25), que se tornaram motivo de
grande preocupação dos moradores e dos frequentadores locais. Muitos desses veículos transitam sobre a
ponte aplicando um esforço de 18 a 30 toneladas em sua estrutura, bem acima da sua capacidade,
estipulada em 12 toneladas, conforme registram as placas indicativas que haviam nas duas entradas até
alguns anos atrás. A maioria dos caminhões atravessa para o lado mineiro em direção a um areal existente
nas proximidades. Essa situação ocorre, diariamente, há uns cinco anos, o que pode estar ocasionando
severos danos, como se percebe tanto no esmagamento das juntas de dilatação quanto nas fissuras dos
gradilhados (fotos 22, 23 e 24) e no apoio esquerdo do lance de pilares situados sobre a terra na margem
fluminense (f26). Por fim, há de se mencionar que a ponte não passa por conservação há várias décadas.
Segundo as pessoas entrevistadas e a uma fonte, a última intervenção ocorreu em 1954, quando foi
realizada uma reforma geral nos pilares e na pista de rolamento.3

f22 f23 f24

f25 f26

3
TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008, pp 45.

319
Histórico

s/d (provavelmente década de 1910). Imagem, capturada de Porto das Flores-MG, mostrando a ponte de madeira sobre
o Rio Preto. Fonte: ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915. p. 481. f27

Histórico: O Porto das Balsas e a Ponte de Madeira


A travessia sobre o Rio Preto, ligando Manuel Duarte e Porto das Flores, iniciou-se cerca de dois séculos
atrás, com a instalação de um serviço de barcas (ou balsas), que propiciou a formação urbana de ambos os
lados. Aquele período foi descrito por um morador, que viveu no local no último quartel do século XIX, o
historiador Joaquim dos Santos Eloy de Andrade:4

“A formação de povoados, na bacia sul-paraibana, transformados mais tarde, muito deles, em


vilas e cidades, não se processou arbitrariamente, sem motivos, havendo sempre, para a escolha
de determinados pontos, o interesse comercial justificando a reunião ou agrupamento dos seus
primeiros moradores.”
“Eram pontos de referência as encruzilhadas de caminhos, além do pouso certo de tropeiros, os
portos, às margens dos rios, servidos por barcaças para a travessia de pedestres, cavaleiros e
cargas.”

Segundo Eloy de Andrade, foi o ponto de atracação das barcas e as flores existentes nas margens do rio
que deram origem ao nome Porto das Flores:

“Pouco abaixo do Rio das Flores, afluente do Rio Preto, que separa as duas províncias – Minas e
Rio – foi o ponto escolhido para o serviço das barcas, por ser menor a distância entre as duas
margens e correrem mansamente.”
“Antes da construção da ponte, na segunda metade do século, o transporte de produtos e de
viajantes de uma para outra província era feita por uma barca e por ser o local onde ela era
amarrada ou porto de embarque um pouco abaixo da foz do Rio das Flores, afluente do Rio Preto,
começou a ser conhecido como Porto das Flores.”
“O movimento delas datava de 1790, mas só em 1830 apareceram a primeira venda, o primeiro
rancho para tropas, do lado mineiro.”

Ao longo do Rio Preto, foram instalados outros serviços semelhantes,5 o de Porto das Flores funcionou por
cerca de meio século, até ser construída uma ponte de madeira. Apesar do historiador acima citado ter
registrado que a ponte foi inaugurada em 1864, pesquisas registram que ela foi iniciada em 1853, ficando
pronta em 1858. A construção de pontes sobre o Rio Preto muita vezes ficava a cargo das províncias do Rio
de Janeiro e de Minas Gerais, mas a conclusão da ponte de Porto das Flores deve-se a Domingos Custódio
Guimarães, Barão e futuro Visconde do Rio Preto, que era dono das fazendas Flores do Paraizo e Loanda
(situadas nas terras flumineses) e de outras propriedades rurais na parte de Porto das Flores-MG. O
fazendeiro a terminou com recursos próprios. Apesar da localidade já contar com alguns prédios, não se
sabe se ela ficou instalada no local das antigas barcas ou num trecho mais apropriado para suas fundações.

4
Eloi de Andrade, páginas 37 e 38.
5
Como a travessia de balsas em Comércio/Sebastião de Lacerda, nas margens do Rio Paraíba do Sul.Vide ficha da localidade de
Comércio e ponte do Commercio, neste inventário.
320
Histórico

nota: Vale registrar que a localidade pode ter abrigado uma outra travessia, ligando a fazenda da Loanda à
parte mineira, nas proximidades do atual campo de futebol. Tudo que foi levantado sobre ela até hoje são
hipóteses.6 O principal indício de sua existência é a aléia de palmeiras imperiais perfiladas para um trecho
empedrado do Rio Preto (f28 e f29). Esse posicionamento se caracteriza por dermacar a entrada nobre das
fazendas cafeeiras, conduzindo as pessoas até a porta principal da casa sede.7

f28 f29
s/d. Palmeiras marcam o local de uma provável ponte na localidade, à frente da fazenda da Loanda. Autoria: Annibal Silva
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O Governo acabou adquirindo-a e instalou um portão para cobrança da recebedoria,8 que ficou conhecida
como “barreira”, onde a passagem era liberada mediante um pagamento. Pela ponte seguiam boiadas9 e os
tropeiros conduzindo suas cargas, rumo aos portos exportadores, como o da cidade do Rio de Janeiro.
Um relatório da província de Minas Gerais cita que a Câmara de Juiz de Fora-MG autorizou, em março de
1868, consertos na ponte de Porto das Flores. O orçamento foi elaborado por um engenheiro da Companhia
União e Indústria. É provável que essas obras estivessem relacionadas à inauguração do ramal da União e
Indústria, ocorrido em 7 de setembro de 1868, ligando a fazenda Flores do Paraízo (atual Paraízo) até a
estação de mudas da União e Indústria (hoje adaptado como museu rodoviáio de Mont Serrat-RJ). É
mencionada que durante sua recuperação foi feita uma ponte provisória.
A construção de uma ponte exigia esmero e demandava madeira de qualidade. Os apoios eram
constituídos de linhas de pilares, com espaçamento de cerca de 10 metros, denominados cavaletes:
compostos por quatro esteios, posicionados em ângulo, fincados sobre a calha e a margem do rio. Apesar
de significar um grande avanço em relação à travessia de balsas, as pontes tinham como deficiência não
suportar as grandes enchentes, que exerciam forte pressão em seus cavaletes. Fragilizadas perante a força
das águas, acabavam por quebrar, permitindo que as correntezas as arrastassem rio abaixo. Os registros
mencionam consertos na ponte de Porto das Flores entre a década de 1860 até a segunda década do
século XX. Um periódico da cidade de Juiz de Fora relatou seu precário estado de conservação em 1886:10

“ . . . cheia de buracos, com o assoalho solto, obrigando os passageiros a passar no centro, com
muito cuidado e devagar, para não cair no rio, sem corrimãos, tal é o estado da ponte de Porto
das Flores . . . Os passageiros clamam que, além de pagarem direitos, arriscam suas vidas.”

Uma matéria em 1907 citou que a ponte de Porto das Flores estava em ótimas condições. Administrada
pelo major Simplico Luiz da Cunha, ela era uma das poucas da região a não apresentar flambagem 11.
Segundo os relatórios do governo mineiro12 entre 1900 e 1930, boa parte do valor a ser aplicado em obras
públicas era investida em serviços de reparos, reconstruções e consertos das pontes, ocasionados, em sua
maioria, pelas enchentes, como a de 1913. O relatório de 1915 também expressou a situação:
“As últimas tempestades derrubaram grande número de pontes. O Governo tem a preocupação de
construir pontes duradouras e resistentes, embora seja obrigado, pela escassez da verba, a fazê-lo
em menor número.”
6
As análises no local devem considerar que a estrada do lado mineiro fica numa cota acima da anterior (que seguia próxima a margem
do rio). Os fragmentos da ponte que eventualmente teriam resistido ao tempo (como arranques dos pilares de madeira), podem ter
apodrecido ou se perdido nas décadas de 1980 e 1990, com o garimpo do ouro, que removeu boa parte do leito do rio.
7
A fachada principal da fazenda Loanda se perdeu na demolição do bloco principal. Até hoje não foram encontras imagens ou
descrições textuais dela. O posicionamento da aléia de palmeiras leva a entender que ela ficava voltada para o Rio Preto.
8
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>. Ano de 1858, p. 48.
9
Em 1907, os boiadeiros de Santa Barbara do Monte Verde-MG pagavam 4$160 por cabeça na travessia da ponte. Jornal O Pharol,
ano LXII, número 226, pag 01. Edição de 23 e 24 de setembro de 1907. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
10
Jornal O Pharol, ano XX, número 226, pag 01. Edição de 20 de agosto de 1886. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
11
Jornal O Fluminense, 1907, edição 06657, pag 03. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
12
Apesar da pesquisa ter abrangido tanto o atual Estado do Rio de Janeiro quanto o de Minas Gerais, os dados sobre as pontes sobre
o Rio Preto foram localizados apenas nos arquivos mineiros. Isto provavelmente ocorreu porque os mineiros eram os principais
responsáveis e os mais interessados na construção e manutenção das pontes.
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>. Período compreendido: 1890 a 1930, páginas referentes a obras públicas.
321
Histórico

Em 1918, boa parte da ponte de Porto das Flores desabou, devido a uma cheia do rio e por apresentar
partes podres (f30). Além da fragilidade, a execução dessas travessias estava se tornando cada vez mais
dispendiosa, devido à escassez de madeiras de qualidade, que começavam a rarear em certas regiões. 13
Em 1917, Minas Gerais iniciou o movimento de substituir as pontes de madeira pelas de concreto armado.
A precariedade das travessias de madeira começou a se resolver com o emprego de estruturas metálicas.14
Anos depois apareceu o concreto armado, material que iria dominar a construção civil do país a partir do
segundo quartel do século XX. As pontes feitas com esse material tornaram um símbolo de progresso,
consideradas resistentes e com um tempo de duração indeterminado.

1917. Fonte: Jornal Correio da Manhã, 07 janeiro s/d (data provável: inicio da década de 1920). O mestre-de-obras João
1917, ed 06527, pag 03. Disponível Morgado, ao lado da maquete da nova ponte de concreto. Cedida por João
<http://memoria.bn.br>.Acesso: janeiro 2013. f30 Bosco Furtado da Silva. f31

A Ponte de Concreto.
Uma das questões que condicionavam um lugar a ter uma ponte de concreto era sua importância no
contexto social e econômico da região, bem como a presença de uma ferrovia, que era por onde chegavam
os materiais.15 Juntamente com a ponte da vizinha vila de São Sebastião do Barreado, a ponte de Porto das
Flores constava entre as 14 iniciais a serem feitas com concreto no Estado de Minas Gerais.16 A placa de
inauguração, instalada na desembocadura mineira (f36), registra que as obras foram iniciadas em junho de
1921, não havendo nenhuma menção ao governo fluminense na obra. Contudo, os relatórios do governo da
província, registram que o custo da construção foi dividido com o Estado do Rio de Janeiro. As pesquisas
revelam que os mineiros consideravam essas obras de grande importância para o desenvolvimento do
estado e que estavam mais adiantados em relação ao restante do país quanto a estas realizações. A placa
de inauguração também informa que ela foi iniciada no governo de Arthur Bernardes e concluída no de Raul
Soares, tendo sido projetada por Benedicto dos Santos e construída por Carlos Alberto Pinto Coelho,
ambos engenheiros do setor de Obras Públicas do Estado de Minas Gerais.
As dificuldades nos lançamentos das ensecadeiras foram enormes. Um dos pilares da ponte foi construído
sobre estacas de madeira aroeira, gerando um ótimo resultado.17
Durante a retirada da ponte de madeira e a construção da nova de concreto, as localidades contavam com
uma travessia improvisada de balsa, instalada cerca de cem metros acima do canteiro de obras. A balsa se
movimentava no rio mediante um cabo de aço amarrado em ambas as margens. O principal responsável
por conduzir as pessoas pelas águas do Rio Preto era João Duarte da Silva, que ficou conhecido como
João Barqueiro (f32), por ganhar a vida com a pesca artesanal no Rio Preto e em alguns afluentes, como o
13
Até 1923, haviam sido iniciadas 14 pontes de concreto em Minas Gerais. Em 1924, foram entregues mais 22. Em 1925, o estado
possuía um número de pontes de concreto superior ao de todas as demais federações do país. Em 1929, contava com 147.
14
Em 1909, já estava em montagem, nas proximidades de Porto das Flores, a ponte metálica de Sobragy (distrito de Belmiro Braga-
MG), sobre o Rio Paraibuna. Em 1912 foi concluída a ponte metálica sobre o Rio Preto, ligando a cidade mineira de mesmo nome ao
distrito valenciano de Parapeúna. Com relação às pontes metálicas, ver neste inventário o fichamento da ponte do Commercio e o da
ponte sobre o Rio das Flores.
15
As pontes de concreto armado surgiram no início do século XX, pelas mãos do engenheiro suíço Robbert Maillart. Fonte: BRUAND,
Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. (Tradução Ana M. Godsberger). São Paulo: Editora Perspectiva, 1997. pp 157. A
primeira construída no Brasil com esta tecnologia foi em Amparo-SP, no ano de 1911.
Segundo pesquisas no site <http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>, a primeira citação de pontes de concreto no Estado de
Minas Gerais aparece no ano de 1917, reforçando que as novas travessias não iriam sofrer com as cheias dos rios.
16
As obras da ponte de concreto do Barreado também tiveram início em 1921, mesmo ano do começo da construção de uma nova
ponte de madeira em Três Ilhas. As duas receberam um fichamento individual neste inventário.
17
Jornal O Pharol, ano LVIII, número 224, pag 01. Edição de 31 de janeiro de 1923. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
322
Histórico

Rio das Flores. Uma testemunha ocular, dona Ilza Figueira, nascida em 1918, relata que fez a travessia nas
proximidades da ponte, dentro de uma tradicional canoa, e se lembra perfeitamente disso. Por ser criança,
João Barqueiro não lhe cobrava, e fazia a travessia cantando:

“Ao passo da barca,


Me disse o barqueiro
Menina bonita
Não paga dinheiro.”

s/d . João Barqueiro. Acervo: João Desenho retratando a travessia por canoa no rio, na época da construção
Bosco Furtado da Silva. f32 da ponte de concreto. Autoria: Annibal Affonso M. Silva. f33

Alguns moradores foram contratados para trabalhar como pedreiros e serventes. Dois dos mais destacados
profissionais foram o espanhol João Baptista Morgado Gomez (f31), que trabalhou como mestre de obras e
acabou se radicando na região, e o senhor João Durço, que foi chefe de carpintaria na ponte, constituiu
família em Porto das Flores-MG e iniciou uma sólida carreira na construção civil. Após entregar a ponte de
Porto das Flores, foi trabalhar na ponte vizinha do Barreado. Em seguida, foi executar outras pontes no
Estado do Rio e em Minas Gerais.18 Além de recrutar moradores para serem funcionários, informações dão
conta de que garotos buscavam garantir alguns trocados quebrando pedras para vender como brita.
João Durço teve um irmão mais novo, Pedro Durço, que também trabalhou nas obras da ponte. Um de seus
filhos, o senhor Affonso Durço (72 anos de idade), prestou um depoimento a respeito do que ouviu do pai:

“Meu pai trabalhou como ajudante na ponte de Porto das Flores. As obras duraram dois anos.
Ele dizia que a ferragem é constituída de barras de ferro e trilho de trem. A altura que se tem da
lâmina d’água até o piso da ponte é a mesma que tem da lâmina d’água para baixo, que
corresponde às estacas de trilhos fincadas na calha do rio até a rocha. Sobre essas estacas fica a
primeira sapata e sobre ela se apoia a sapata superior, em formato triangular,que podemos
avistar. Na época das secas, a sapata inferior também costuma aflorar.”
“As cabeceiras da ponte ganharam barras de chumbo, que servem para amortecer o impacto dos
veículos. Devido a esses chumbadores ela se movimenta quando exposta a uma grande carga .
Ao ficar pronta, ela passou por um teste de carga, espalhando sobre o piso tambores cheios de
areia. Papai dizia que o peso ultrapassou o limite de carga calculado em projeto.”

Apesar de não termos encontrado documentos referentes à descrição técnica da ponte, os registros de
algumas inauguradas na mesma época, do mesmo porte e feitas com técnica semelhante, permitem
tomarmos conhecimento a respeito de suas características construtivas. 19

- Ponte do Barreado: Possui 80 metros de vão, divididos em quatro lances de 20 metros,


repousando as vigas em bons cavaletes de concreto armado, com duas séries de esteios. Possui
vigas retas nervuradas, calculadas para carga de 400 kg/m² e carga móvel de 16 toneladas. A
armadura é feita de trilhos de ferros redondos, sujeita a uma carga de 1.100 cm/m².

- Ponte de Tres Corações-MG (sobre o Rio Verde): Tem 68 metros ao todo. Bela ponte de
concreto armado, de armadura dupla de extensão e compressão, e vigas retas de 1,36 metro de
altura por 30 centímetros de largura. A armadura é constituída de trilhos de 18 quilos,
trabalhando o concreto a 50 quilos e o aço a 1.100 quilos. Os pilares são em numero de três. São
cavaletes com quatro montantes verticais. Os cavaletes se apoiam em semipilares de concreto que
assentam em estaca de madeira com um radier armado de trilhos.

18
DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença – RJ: Gráfica PC Duboc ltda, 2006, pgs 86 e 87.
19
Fonte: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais >. Mensagem do ano de 1924, pag 192.
323
Histórico

f34

f35
Imagens acima (f32 e f33), década de 1920. Obras de construção da ponte. Acervo: Arquivo Publico Mineiro.

Orçada em 183.300$000 de réis, a nova ponte de concreto apresentava inicialmente um comprimento de


111,60 metros, possuindo seis vãos, para atravessar o Rio Preto. A carga máxima suportada para o tráfego
de veículos foi calculada em 16 toneladas. Após dezenove meses de obra, ocorreu sua inauguração, num
domingo, 28 de janeiro de 1923. Percebe-se que houve alterações no seu comprimento final, o que se
refletiu nos custos. A capacidade de carga manteve-se em 16 toneladas, a mesma aplicada a diversas
pontes construídas na época. Com o gradilhado seguindo as linhas do estilo art déco e elementos de ferro
que remetiam ao art nouveau, ela se tornou a primeira travessia feita de concreto armado sobre o Rio Preto,
cuja extensão lhe deu o status de principal construção erguida com o material na região.

<http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais >.
Placa de inauguração da ponte. f36 Mensagem do ano de 1923, pag 192. f37
324
Histórico

A inauguração saiu nas revistas “Fon Fon” e “O Malho” (f38)20. A benção foi feita pelo Monsenhor Manoel
Nogueira Duarte (f38), vigário da paróquia de São José das Três Ilhas-MG e diretor do Colégio do
Patrocínio. O jornal O Pharol citou que o evento ocorreu em meio a festividades, com a presença de uma
grande massa popular, dos responsaveis pela obra e de políticos mineiros e fluminenses.21 Numa das
imagens abaixo (f39) é possível identificar a presença de Manuel Duarte (governador do Estado do Rio de
Janeiro entre 1927 e 1931) e que a partir de 1943 passou a nomear o lado fluminense.

f38

f39
1923. Inauguração da ponte, foto de topo (f38), capturada pelo lado mineiro. Monsenhor Nogueira e a população, onde se observa os
postes e seu portão centrais (f39). Fonte: Revista Fon Fon, 03 de março de 1923, edição 09. Disponível em <http://memoria.bn.br>.

20
A revista O Malho publicou uma única foto, a mesma que a Fon Fon (f38). A matéria saiu na edição n.1.110 de 22 dezembro 1923.
Com o título “O Malho em Minas Geraes”, ela apresenta a seguinte informação: “A ponte de Porto das Flores, sobre o Rio Preto, entre
os Estados de Minas e do Rio de Janeiro. Iniciada no Governo do Dr. Arthur Bernardes e terminada no do Dr. Raul Soares.
Constructor, o engenheiro de obras públicas do estado de Minas, Carlos Alberto Pinto Coelho. Projecto do engenheiro Benedicto dos
Santos, Diretor de Obras Públicas do estado de Minas.”
21
Jornal O Pharol. Edição de 01 de fevereiro de 1923. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
325
Histórico

s/d (provavelmente decada de 1920). Panorâmica das localidades, com a ponte de concreto. Cedida por João Bosco F. da Silva. f40

Pessoas locais mencionam que havia um plano para dinamitar a ponte na Revolução de 1930: um
movimento armado, liderados por três estados, entre eles o de Minas Gerais, e que depôs o presidente
Washington Luis. A ponte de Porto das Flores ficou sendo visada como um dos caminhos para a passagem
das forças oposicionistas ao governo federal. Apesar da dinamitação não ter sido levada a cabo, o corte que
existe em sua estrutura teria sido realizado para fixar os explosivos (f41 e f42).22
Sua resistência foi posta à prova nas grandes enchentes, momentos em que as águas invadiam as ruas e o
interior de muitas casas, obrigando as pessoas a abandoná-las. Os moradores mais antigos mencionam
que as maiores cheias ocorreram nas décadas de 1940, 1960 e em 1978.23 Uma moradora nonagenária, a
senhora de Anna de Souza Ferreira, descreve a da década de 1940:

“Foi a maior enchente que presenciei. A localidade ficou tomada d’água. O nível do rio chegou
bem próximo da viga da ponte. Lembro-me das sacas de carvão, que eram produzidos numa
fazenda quilômetros acima, desceram pelo rio, e ficaram agarradas na ponte.”

A cheia mais recordada atualmente foi a ocorrida entre os dias 12 e 14 de janeiro de 1978. Na ocasião, um
tubulão cilíndrico de ferro, que servia como estrutura de uma balsa para retirar areia, se desprendeu e ficou
travado acima da ponte, dando-lhe impactos constantes, semelhantes a golpes de aríete, o que poderia ter
abalado seriamente sua estrutura. A solução foi cortá-lo com maçarico, levando-o para o fundo do rio.24
A ponte é a principal construção de Manuel Duarte e Porto das Flores. Desde sua inauguração, ocorreram
significativas mudanças, como a substituição de antigos meios de transporte (carroças, charretes e carros
de boi) por veículos motorizados (carros, tratores e caminhões). Durante esse período, se deu o fim da era
ferroviária (encerrada na metade da década de 1960) e uma diminuição na produção leiteira das fazendas.
Em 1954 ocorreu a última grande intervenção, com uma reforma geral nos pilares e na pista de rolamento.25
22
Trata-se de um corte vertical que existe no lance central da ponte, pela parte fluminense. Ele situa-se na base da viga e possui cerca
de 15 centimetros de altura por uns 5 cm de profundidade. Fica na face da ponte voltada para as “águas que chegam” (f06 e f07).
23
Na página 47 da obra Giuseppe D’Urso: desdobramentos, aparece a ilustração de uma cheia, em 2 de novembro de 1943
(reproduzida na pagina 304 deste inventário). Cabe citar a ocorrida entre fins de 1945 e início de 1946, considerada a de maior vulto,
desde a década de 1930 até os dias atuais. Antigos moradores de Manuel Duarte e Porto das Flores relatam que foram avisados via
telex pelos cidadãos riopretanos. Segundo a historiadora daquela cidade Rita Lamana (Rio Preto, nossa História, páginas 113 e 114),
o evento ocorreu dia 29 de dezembro de 1945 e ficou marcado por derrubar a ponte metálica entre a cidade de Rio Preto-MG e o
distrito valenciano de Parapeúna-RJ. Isto ocorreu após as águas carregarem a ponte de madeira da fazenda Santa Clara, que acabou
presa na ponte metálica, fazendo com que a força das águas derrubasse esta última.
Para confrontar as informações, foram consultados os dados do Estudo de Impacto Ambiental – EIA da PCH Santa Rosa I. Na página
16, consta o histórico de vazões naturais do Rio Preto, entre 1931 e 1994. O estudo considera a região próxima a Manuel Duarte e
Porto das Flores. As maiores cheias ocorreram nos seguintes meses e anos: 518,9 m³/s (janeiro 1946); 493,8 e 399,2 m³/s (fevereiro e
março 1931) e 373,4 e 455,6 m³/s (janeiro e fevereiro 1967). A cheia que a Sra Anna de Souza Ferreira comenta seria a de 1946.
24
Para efeito de comparação, os tubulões atuais possuem cerca de um metro de diâmetro por oito de comprimento. A enchente de
1978 chegou a 256,2 m3/s, muito inferior as ocorrências listadas na citação acima, contudo, antigos moradores a classificam como a
última grande enchente, superior a de janeiro de 1983, que atingiu 286,9 m3/s.
25
TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008, pp 45.
326
Histórico

f41

f42
2013. Corte feito na estrutura em 1930, para colocar f43
os explosivos. Fotos acima, acervo:Annibal Silva. Década de 1920. Portão da ponte. Acervo: Arquivo Publico Mineiro.

Quanto ao portão de ferro (f43) que existia no centro da ponte, a informação difundida no local é que era
fechado durante a noite; a exemplo do modelo que havia na antiga ponte de madeira; pelo fiscal da casa de
recebedoria que havia na entrada da parte mineira - onde eram coletadas as taxas dos produtos
comercializados. Esses pontos eram instalados pelo governo próximos à cabeceira das pontes, tanto em
Porto das Flores quanto em outros lugares, como Rio Preto e São Sebastião do Barreado. Para evitar o
pagamento das taxas, as pessoas evitavam cruzar a ponte com a carga a ser comercializada, havendo,
assim, casos de rebanhos de gado sendo atravessados no rio.

s/d. Acervo: Edsel Figueira. f44 s/d. Acervo: Edsel Figueira. f45

A ponte destinou-se a outras finalidades, como servir de local de mergulho, que era realizado num ponto
ideal do Rio Preto, com mais de 10 metros de profundidade. Contudo, a atividade não é mais praticada (f44
e f45). Uma tradição que se mantém presente é utilizar seu gradilhado como apoio dos molinetes por
pescadores, cuja presença foi diminuindo ao longo dos anos, devido a queda da população de espécies da
ictiofauna nativa.26
26
A diminuição da ictiofauna nativa se deve a diversos fatores, como a supressão da mata ciliar, expansão urbana desordenada,
pecuária extensiva, descarte e destinação indevida de resíduos sólidos, lançamento de efluentes domésticos sem tratamento
adequado no curso d`água, uso indevido de agrotóxicos, extração abusiva de areia na calha do rio e introdução de espécies exóticas
de peixes. Apesar desses problemas, podemos citar que um dos principais responsáveis foi o garimpo predatório, que tomou conta da
calha do rio entre os últimos anos da década de 1980 e o início da de 1990. O caso se agravou nesse início de século XXI, quando
foram construídas as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) de Mont Serrat e Bonfante, situadas poucos quilômetros abaixo da foz
do Rio Preto, no Rio Paraibuna. Segundo os pescadores, a partir de então, a população de peixes caiu drasticamente.
327
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.
Fotos 01 e 09. Autoria: Annibal Affonso Magalhães da Silva, produzidas no ano de 2010.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:

Anna de Souza Ferreira; Affonso Durço; João Bosco Furtado da Silva; Ilza Figueira.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. (Tradução Ana M. Godsberger). São Paulo:
Editora Perspectiva, 1997.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença – RJ: Gráfica PC Duboc
ltda, 2006.

ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

IORIO, Leoni. Valença de Ontem e Hoje (1789 – 1952). 1. ed. Juiz de Fora – MG: Companhia Dias
Cardoso S.A, 1953.

LAMANA, Rita Maria Souza Lima Leal. Rio Preto, nossa História. Rio Preto-MG. Edição do autor, 2007.

LIMIAR Engenharia Ambiental. Relatório de Impacto Ambiental – EIA da PCH Santa Rosa I. Belo
Horizonte - MG, abril de 2001.

TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008.

Acervo particular:

Roteiro de uma Vida. Manuel Duarte-RJ, 1994. Vídeo produzido por ocasião dos 70 anos de José Annibal
Silva. Obra familiar (realizada no sistema VHS e replicada em mídia digital, que somam quatro DVDs).

Consultas Online.
Acervo do Arquivo Público Mineiro, disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br>. Acesso entre
julho de 2012 a fevereiro de 2013.
Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso
entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo das revistas Fon Fon e O Malho, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012
e fevereiro de 2013.
Acervo dos jornais Correio da Manhã, O Fluminense e O Pharol, disponível em: <http://memoria.bn.br>.
Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Relatórios do Governo de Minas Gerais, disponível em <http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>.


Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Obs.: A ausência de imagens áreas (geradas por satélite) se deve a falta de cobertura pelo site
googleearth.com

328
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de Nossa Senhora Aparecida.

Localização: Município:
Praça Emilia Alves de Magalhães, Manuel Duarte, 2º Distrito Rio das Flores

Época de construção:
Capela primitiva: possivelmente último quartel do século XIX.
Prédio atual: meados da década de 1950.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Templo de celebração religiosa.

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento.

Propriedade:
Diocese de Valença-RJ.
1995, Mapa Rodoviário, Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

Igreja de Nossa Senhora Aparecida, situada na sede do distrito de Manuel Duarte, Rio das Flores, RJ. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

329
Situação e ambiência

A principal via de acesso a Manuel Duarte é a estrada asfaltada que passa pelo seu perímetro urbano.
Estando na cidade da Barra do Piraí, o caminho se faz pela RJ-145, no sentido de Valença e Rio das
Flores. Prosseguindo por 11 km depois de Rio das Flores, chega-se à entrada da localidade, que é o seu 2º
distrito. A partir deste ponto, a via segue nomeada como RJ-151. Para quem se encontra nas proximidades
de Petrópolis-RJ ou mesmo de Juiz de Fora-MG, deve-se pegar a BR-040 e seguir pela estrada que leva
até Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ, localidades vizinhas, separadas pelo Rio Paraibuna. A partir daí,
percorrendo mais 30 km pela rodovia RJ-151, chega-se, finalmente, a Manuel Duarte.

f02

Uma das características da localidade é sua estreita ligação com Porto das Flores (distrito de Belmiro
Braga-MG). Separadas pelo Rio Preto (f02), esses núcleos urbanos são circundados por morros em formato
meia laranja. Apesar da predominância de uma rala forração de pastagem, os morros mineiros conservam
um expressivo fragmento de Mata Atlântica, em contraste com a parte fluminense (Manuel Duarte), que
apresenta, desde a década de 1970, um morro muito degradado, ocasionado pela retirada de saibro para o
asfaltamento das rodovias RJ-145 e RJ-151.
Uma ponte de concreto une as duas partes, mantendo um estreito vínculo, que se originou da formação
histórica conjunta de ambas, o que levou à constituição de uma única comunidade mineiro-fluminense. Essa
particularidade é percebida em alguns hábitos dos moradores, em especial o ritual religioso das missas, já
1
que ambos os lados são assistidos pela paróquia de Santa Thereza D`Àvila, que realiza celebrações nas
capelas de Nossa Senhora Aparecida, situada em Manuel Duarte (f01 e f03), e de Nossa Senhora das
Dores, edificada em Porto das Flores-MG - portadora de uma bela arquitetura neogótica (f04). Construídos
com suas fachadas voltadas para o Rio Preto, os templos católicos se destacam na paisagem local, muito
em função do protagonismo de suas torres sineiras, que são avistadas ao longe (fotos 05 a 08).

f03 f04

1
Porto das Flores-MG pertence a Belmiro Braga, cujas paróquias (de SantAnna e de São José) são vinculadas à Diocese de Juiz de
Fora-MG. Um acordo garante às localidades de Porto das Flores-MG e Três Ilhas-MG serem assistidas pelo pároco de Rio das Flores.
330
Descrição arquitetônica

Porto das Flores-MG


Igreja N. S. Dores
Manuel Duarte-RJ
Igreja N. S. Aparecida

2007. f05

Porto das Flores-MG


Capela N. S. Dores

Manuel Duarte-RJ
Capela N. S. Aparecida

2013. As torres campanárias das capelas locais destacam-se na paisagem de Manuel Duarte-RJ e Porto das Flores-MG. f06

f07 f08
2013. A torre da capela de N. S. Aparecida se destaca na paisagem de Manuel Duarte-RJ e Porto das Flores-MG

A capela está implantada sobre um morrote (f01), no centro do distrito de Manuel Duarte, próxima de
residências unifamiliares (fotos 09 e 10). O acesso ao templo religioso se faz por uma escadaria (f11) à sua
frente, bem como por uma ladeira com piso de paralelepípedo (denominada Rua Vovó Rosária Durço
Duarte), que leva ao conjunto habitacional e à escola local.
O talude gramado que a circunda traz uma inscrição em pedras brancas com o nome da localidade (f13). A
escadaria de piso cimentado conduz ao adro do templo, que possui um coreto. O amplo espaço tem piso de
bloquete, sendo protegido por uma balaustrada. Compondo o paisagismo frontal, a espécie Ravenala
madagascariensis, conhecida como árvore-do-viajante, e um flamboyant. Complementando o conjunto, o
bloco lateral, que abriga o salão, na parte frontal, e a casa paroquial, nos fundos (f15).
331
Descrição arquitetônica

Apesar de não ter porão, o prédio fica num nível acima da cota do adro, possuindo embasamento
chapiscado na cor cinza. As paredes são compostas de tijolos cerâmicos (possivelmente do modelo furado,
e não maciço), assentados deitados. A cobertura da nave se faz em duas águas, com telha cerâmica
modelo paulista. Na sacristia, o ponto da cobertura é mais baixo, passando a ter quatro águas. Todo o beiral
é arrematado por uma cimalha de alvenaria. O acesso a seu interior se faz por quatro pontos: o principal é
pela escadaria junto à fachada frontal e sua ampla porta de acesso (f01). As fachadas laterais possuem
entradas menores, uma delas foi adaptada para receber uma rampa para atender os portadores de
necessidades especiais. As portas são de madeira, com verga reta. O quarto e último acesso situa-se na
torre campanária e serve ao pároco e seus colaboradores.

f09 f10

A fachada principal termina com um frontão, encimado por uma cruz (f11 e f12). Sua porta de acesso é
ladeada por duas janelas ao nível do coro e por uma central, instalada na pestana do frontão. Terminadas
com vergas de arcos ogivais, essas esquadrias são de estrutura de ferro e caixilhos de vidro. A portada em
ferro com motivos decorativos complementa as esquadrias com uma bandeira e um alisar escalonado em
formato ogival, com uma palheta de cores tingindo os vidros de azul, rosa e amarelo. A pintura das paredes
em azul pastel faz destacar o branco dos cunhais, das cimalhas, dos frisos e do alisares.

f12

2010 f11

A torre sineira fica recuada para os fundos, fora do corpo da nave, marcando a verticalidade do templo
(fotos 14, 18 e 19). Além da porta de madeira no piso térreo, a torre possui, no nível intermediário (f29), uma
janela em cada face, feitas de estrutura de ferro, vedadas com vidro (f16 e f17). Em seu nível mais alto
(f30), onde estão os dois sinos (f32 e f33), distribuem-se duas básculas vazadas em cada face. Sua
cobertura de concreto em formato de pirâmide (f31), encimada por uma cruz, recebe ainda, na platibanda,
decorativos acrotérios, e os buzinotes, por onde escoam as águas pluviais.
332
Descrição arquitetônica

f13 f14

f16

f15 f17

f18 f19

A nave (f20 e f25) possui piso de azulejo hidráulico com desenhos geométricos coloridos (f22) provenientes,
possivelmente, da renomada firma Pantaleone Arcuri, que ficava sediada na cidade de Juiz de Fora-MG. O
forro em cedrinho envernizado dispõe de uma paginação em losango (f21). O pé-direito duplo do ambiente
permitiu a instalação do coro logo acima da entrada (f23), apoiado sobre quatro pilares de concreto, mesmo
material utilizado em sua laje e na escada de acesso (f24).
333
Descrição arquitetônica

f21

f20 f22

f23 f24

Nas paredes pintadas de branco sobressai o azul do rodapé, do friso junto ao forro, dos alisares, dos nichos
e do arco pleno que delimita o espaço do altar (f26). Este ambiente fica num nível mais alto, e seu piso
(também hidráulico) se diferencia do existente na nave. Uma parede com cinco faces compõe os espaços.
A do meio se destaca pelo revestimento de pedra britada, pintada na cor azul-celeste, que reveste toda sua
superfície (f26), onde foi fixado um crucifixo ao centro, e, ao lado, exposta a imagem de Nossa Senhora
Aparecida (f27), entronizada no lugar da imagem que pertencia à primitiva capela (f39) que ali existia
anteriormente (f28).

f25 f26
334
Descrição arquitetônica

f27 f28
Altar e as duas imagens de Nossa Senhora Aparecida. A imagem de uma delas (f18) foi capturada
no interior da capela de N. S das Dores, em Porto das Flores

Uma porta lateral conduz à sacristia, que ocupa o bloco da torre sineira. O espaço possui um banheiro, o
piso é de cimento liso colorido e o forro é de madeira (cedrinho envernizado). Deste cômodo se acessa o
hall, situado no térreo da torre sineira, e uma escada íngreme em concreto armado, com um frágil guarda-
corpo de madeira, leva aos dois níveis superiores. Os ambientes são rústicos e sem acabamento. O nível
intermediário ganhou uma báscula em cada face (f29). O nível superior abriga dois sinos e os alto-falantes
(fotos 30 a 33) e suas quatro faces possuem aberturas em forma de seteiras que não receberam esquadrias
(estão vedadas com uma tela metálica). Por elas é possível visualizar o centro primitivo da localidade, com
o Rio Preto contornando aos fundos e fazendo a divisa com Porto das Flores-MG (f34).

f29 f30 f31

f32

f33
f34

335
Estado de conservação

Manuel Duarte e Porto das Flores se caracterizam por terem, basicamente, residências de pavimento térreo,
o que permite que as torres campanárias de ambas as capelas sejam uma importante referência na
paisagem urbana local (f02 a f05). Contudo, é preciso ressaltar que alguns imóveis situados nas
proximidades da capela de Nossa Senhora Aparecida vêm ganhando altura, e um deles já causa mudança
na ambiência (f10), trazendo prejuízos para a manutenção de uma paisagem que perdura há décadas (f35).

f35
Década de 2000. Panorâmica de Manuel Duarte, a capela se destaca na paisagem. Acervo: Annibal Affonso M. Silva.

O templo está bem conservado, demonstrando uma estrutura sólida, sem nenhum comprometimento das
paredes e do embasamento. A pintura externa apresenta manchas de infiltração ascendente. Junto à
empena situada entre as coberturas da nave e da sacristia, há uma infiltração descendente, já afetando o
madeiramento do forro. No coro, o forro está danificado, indicando a presença de animais xilófagos e
morcegos. Parte do revestimento do piso também está comprometida, e a instalação elétrica deficiente põe
em risco a integridade do imóvel. Provavelmente a construção do coro foi executada sem considerar que tal
intervenção iria comprometer esteticamente as esquadrias com caixilho de vidro, já que a laje sobrepôs
parte da porta principal e duas básculas laterais (f23).
Analisando imagens de outras épocas, nota-se que o prédio foi pintado com outras cores (f36, f49 e f50),
mas é recorrente a adoção da cor azul, como a encontrada atualmente.
O sino instalado na torre possui uma inscrição datando-o de 2002 (f32 e f33). Segundo alguns moradores, o
anterior era de bronze e teria pertencido a primitiva capela, tendo sido transferido para a atual em sua
inauguração. Ele acabou rachando e, na última década, foi retirado para reparos e, ao que tudo indica, foi
trocado pelo atual. Um dos efeitos da troca é que sino atual não apresenta a mesma reverberação que o
anterior.

2001. A capela apresentava outra pintura. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f36

336
Histórico

Histórico
A criação de um templo religioso na atual localidade de Manuel Duarte remonta ao primeiro quartel do
século XIX, quando se iniciou a ocupação humana em ambos os lados do Rio Preto, batizadas como Porto
das Flores, nome que tem origem no ponto que servia para a primitiva travessia de barcas que ali existia,
antes da construção da ponte que ligava os dois lados. Vem daquela época a ligação entre as populações
das duas margens do rio e que levou a um estreito vínculo social entre elas. A ocupação começou pelas
terras do lado mineiro, por volta da segunda década do século XIX. A parte fluminense começou a
prosperar na década de 1840, quando o Visconde do Rio Preto adquiriu as sesmarias Barra das Flores
(atual Loanda) e da Flores do Paraízo (atual fazenda do Paraízo), onde construiu uma magnífica sede.

f37 f38
Década de 1920. Panorâmica da parte mineira, com a primitiva igreja vizinha de N. S das Dores. Acervo: Arquivo Publico Mineiro.

Para se assistir a um culto religioso nessas localidades, era necessário se locomover até as capelas das
fazendas ou residências. No terceiro quartel do século XIX, as dioceses que atendiam esses territórios (a de
Mariana, pela província de Minas Gerais, e a do Rio de Janeiro pela parte fluminense) construíram templos
religiosos em ambos os lados do rio. Em 1º de maio de 1887, o Barão do Rio Preto (filho do Visconde do
Rio Preto) doou terras para que fosse erguida em Porto das Flores-MG uma igreja dedicada a Nossa
2
Senhora das Dores (f37 e f38).
O lado fluminense ganhou uma capelinha, tendo como padroeira Nossa Senhora Aparecida. Ela surgiu de
3
uma promessa da senhora Adelaide Neves, após ser atendida uma melhora em sua saúde. O terreno foi
doado pelo seu primeiro esposo, o senhor Alfredo Neves (ao casar novamente ela passou a se chamar
Adelaide Soares). Não foram localizados registros de sua inauguração. O que possibilitou datá-la foi sua
semelhança arquitetônica com a Igreja Matriz de Santa Thereza D’Ávila (situada em Rio das Flores),
inaugurada em 1887, surgindo, então, a hipótese de que ela seja da mesma época (fotos 39, 40 e 41).

s/d (provavelmente década 1940). f39 1946. Torre da capela ao fundo. f40 s/d (provável inicio dec 1950) f41
Primeira capela dedicada a N. S. Aparecida, em Manuel Duarte-RJ. Acervo de João Bosco Furtado da Silva.

A primitiva capela de Nossa Senhora Aparecida era composta de um corpo retangular, que abrigava a nave
e o altar, havendo, em cada parede lateral, uma janela. Seu acesso era recepcionado por uma escadaria de
pedra, tendo, à frente, uma porta de madeira de duas folhas, arrematada em arco pleno. A cobertura
possuía duas águas. A semelhança com a Matriz de Santa Thereza é percebida na parte superior da

2
O Barão do Rio Preto escolheu N. S. das Dores para padroeira em homenagem a sua esposa, D. Maria das Dores Guimarães.
3 Fonte: Roteiro de uma vida. 70 anos de José Annibal Silva. Obra familiar, 1994.
337
Histórico

fachada e no desenho da torre, coroada por uma cobertura, em formato de pirâmide, sobre a qual ficava
uma cruz. Apesar de possuir aberturas vedadas com esquadrias de madeira, em três de suas faces a torre
não abrigava sinos, que eram em número de dois e ficavam na parte externa, ao nível do solo, sustentados
por uma estrutura de madeira (f43). Mas é provável que tenha sido projetada para esta função.
Ela foi erigida no momento em que foram construídas um conjunto de capelas no território do município de
4
Rio das Flores: Santo Antonio (Paciello, 1915), S. Lourenço (Barreiro, 1907), S. João (Abarracamento,
1885), S. Sebastião e N. S. Aparecida (Torres, década 1880) e S. Sebastião (Cachoeira do Funil, 1903).

Desenho representativo da capelinha de N. S Aparecida. Autoria: Annibal Affonso M. Silva f42

Década de 1940. Sinos instalados ao lado da primitiva capela. Acervo: João Bosco Furtado da Silva. f43

A diferença na volumetria entre as capelas das atuais localidades de Porto das Flores-MG e Manuel Duarte-
RJ pode estar relacionada à atuação das arquidioceses em relação às localidades existentes ao longo do
5
Rio Preto. Percebe-se que a de Mariana-MG edificou prédios maiores. Na década de 1920 foram criadas
as dioceses de Juiz de Fora-MG e de Valença-RJ. A partir de então, os templos primitivos foram
substituídos pelos atuais. Ao final da década de 1920 e início da seguinte, foi edificado o novo prédio da
Igreja de Nossa Senhora das Dores, seguindo o estilo neogótico (f04). Se a parte mineira pouco alterou as
dimensões, a diocese de Valença optou por construir uma igreja bem maior que a antiga capela (f01).
A construção da nova igreja contou com a faixa de terreno doada pelo senhor Maximiano Cavassoni.
Embora a comunidade tivesse um projeto para o novo templo, moradores comentam que este foi enviado
da Itália, chegando pelas mãos do bispo de Valença, D. Rodolfo Pena, por ocasião da viagem que fez para
4
Todas receberam um fichamento individual neste inventário.
5
Com relação às localidades fundadas às margens do Rio Preto, percebe-se que a Igreja católica erigiu maior número de templos na
parte mineira, sendo eles geralmente em maiores dimensões e mais antigos que os da parte fluminense. Isto pode ser constatado nas
localidades de Parapeúna-RJ e Rio Preto-MG, São Sebastião do Barreado-MG (sem localidade confrontante), Manuel Duarte-RJ e
Porto das Flores-MG, São José das Três Ilhas-MG (sem localidade confrontante), Três Ilhas-MG e Três Ilhas-RJ (capela apenas no
lado mineiro). Mais á frente, situa-se Afonso Arinos-RJ (sem localidade confrontante) e Mont Serrat-RJ e Paraibuna-MG (templo
apenas no lado fluminense.
338
Histórico

aquele país, em 1950. Confrontando os dados coletados, descobriu-se que a capelinha ainda existia em
6
1950, mas sua demolição teria ocorrido logo em seguida. A inauguração da nova igreja teria acontecido em
meados da década de 1950. Um cartaz de 1951 (f45) registra que as obras estavam bem adiantadas.
Houve uma grande mobilização da população, um que colaborou intensamente foi o senhor Augusto
Moreira.

1943. Cartaz de festa (ano de 1943) na antiga capelinha 1951. Cartaz de festa em prol das obras da nova igreja de Nossa
de N. S. Aparecida. Acervo: Museu História Regional de Senhora Aparecida. Cedida por João Bosco Furtado da Silva. f45
Rio das Flores. f44

Em 1958, a Prefeitura de Rio das Flores inaugurou a escadaria frontal (f46 e f47), fixando uma placa
comemorativa na murada esquerda (f48). O prédio onde ficam a casa paroquial e o salão seria da década
de 1960. Até o início do século XXI, seu adro não havia recebido um bom tratamento urbanístico (f49), mas,
naquela época, a prefeitura realizou obras de infraestrutura urbana em seu entorno (f50).

f46 f47
Década de 1950. Inauguração da escadaria que dá acesso a igreja. Acervo: João Bosco Furtado da Silva.

6
A foto 31, em que aparece a capelinha nos fundos, teria sido capturada por ocasião da inauguração do novo abastecimento de água
da localidade, que ocorreu em 20 de agosto de 1950, conforme registra a placa de mármore fixada na citada caixa d’água.
339
Histórico

Placa de inauguração da escadaria f48 1990. Entorno da igreja, na ultima década do século XX. f49

Década de 2000. Acervo: Annibal Affonso M. Silva f50

Com o passar dos anos, as tradições católicas foram se transformando. Por meio de um acordo entre as
dioceses, a paróquia de Santa Thereza D`Ávila (Rio das Flores) é quem realiza celebrações religiosas em
ambas as igrejas.7 Entretanto, continua a haver uma alternância entre as partes, para as festas da
padroeira, e na realização de procissões, que se iniciam em uma e terminam na outra. O resultado dessa
união entre os dois estados (Rio de Janeiro e Minas Gerais) pode ser notado na celebração das missas,
que, num domingo, ocorre na capela do “Estado de Minas”, e, no outro, na capela do “Estado do Rio de
Janeiro” (f51), contribuindo para uma autêntica comunhão entre as localidades e as dioceses vizinhas.

2011. f51

7
O acordo ocorreu por volta da década de 1940, devido à dificuldade que o pároco da parte mineira tinha em se deslocar até Porto das
Flores-MG e a Igreja de Nossa Senhora das Dores. O vigário de Rio das Flores também ficou incumbido de celebrar missas na Igreja
Sagrado Coração de Jesus, situada na parte mineira de Três Ilhas.
340
Histórico

Desde 2009, as comunidades vêm promovendo o cortejo de Nossa Senhora Aparecida pelas águas do Rio
Preto. As embarcações são conduzidas pelos barqueiros locais, introduzindo a imagem da padroeira no
contexto em que ela surgiu para o povo brasileiro: os pescadores e as águas do rio Paraíba do Sul. O
evento é realizado no dia 12 de outubro, e além do cunho religioso, visa promover a conscientização
ambiental do Rio Preto e a valorização dos ofícios dos canoeiros e dos pescadores, que representam uma
das maiores tradições dessas localidades (fotos 52 a 55). O evento termina com uma celebração religiosa
no interior da capela de Nossa Senhora Aparecida (f51).

2013. Acervo: Iran Souza da Conceição. f52

2013. Acervo: Annibal Affonso Magalhães da Silva. f53 2013. Acervo: Iran Souza da Conceição. f54

2013. População faz vigília da canoada na ponte que liga as duas localidades. Acervo: Annibal Affonso Magalhães da Silva. f55

341
342
343
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário.

Foto 02, ano de 2010. Autor: Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:


Ilza Figueira e João Bosco Furtado da Silva.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (coord.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho
Arquitetos, 2010.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença – RJ: Gráfica PC Duboc
ltda, 2006.

ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

IORIO, Leoni. Valença de Ontem e Hoje (1789 – 1952). 1. ed. Juiz de Fora – MG: Companhia Dias
Cardoso S.A, 1953.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Acervo particular:
Roteiro de uma Vida. Manuel Duarte-RJ, 1994. Vídeo produzido por ocasião dos 70 anos de José Annibal
Silva. Obra familiar (realizada no sistema VHS e replicada em mídia digital, que somam quatro DVDs).

Obs.:
- A ausência de imagens áreas (geradas por satélite) se deve a falta de cobertura pelo site
googleearth.com.

344
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Estação ferroviária de Manuel Duarte (primitiva Rio das Flores, posteriormente nomeada como Porto das Flores)

Localização: Município:
Entre as Ruas Major Belforth (RJ-151) e José Theotônio da Silva, Rio das Flores
Manuel Duarte, 2º Distrito

Época de construção:
28 de setembro de 1885 (data mais provável)

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Residências e associação de artesanato/Estação ferroviária

Proteção existente:
Lei Federal nº 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da
extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA).

Propriedade:
Particular (residências) e Prefeitura Municipal de Rio das Flores
(antigo armazém, parte utilizada pelo artesanato)
1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores

2011. Fachada da estação ferroviária, vista da rua por onde seguia a extinta linha férrea. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

345
Situação e ambiência

A antiga estação ferroviária se situa no centro de Manuel Duarte, 2º distrito de Rio das Flores. O principal
acesso é pelo asfalto que passa pela localidade. Estando na região de Barra do Piraí, acessa-se a RJ-145
no sentido das cidades de Valença e Rio das Flores e, 11 km à frente, chega-se à entrada do perímetro
urbano. A partir deste ponto, a via segue nomeada como RJ-151. Para quem se encontra nas proximidades
de Petrópolis-RJ ou mesmo de Juiz de Fora-MG, deve-se seguir pela BR-040 e pegar a estrada que leva
até Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ (localidades vizinhas, separadas pelo Rio Paraibuna). A partir de então,
percorre-se cerca de 30 km até Manuel Duarte, pela rodovia RJ-151.

Estação de
Manuel Duarte

f02

A principal referência geográfica do lugar é o Rio Preto, curso d’água que faz a divisa entre os estados do
Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Manuel Duarte possui um estreito vínculo com Porto das Flores (distrito
de Belmiro Braga-MG), pois comungam um mesmo tipo de vida ao longo de todo um processo de formação
histórica. Ligadas por uma ponte de concreto, essas duas localidades ribeirinhas somam atualmente com
cerca de 1.500 a 2.000 habitantes na área urbana.
Os morros em formato meia laranja que contornam o lugar são cobertos por uma rala pastagem, sendo que
a parte mineira conserva um expressivo fragmento de Mata Atlântica, em contraponto com o morro nas
encostas da parte fluminense (Manuel Duarte), que sofreu um imenso dano à sua paisagem na década de
1970, com a retirada de saibro para o asfaltamento das rodovias RJ-145 e RJ-151.

f03

346
Descrição arquitetônica

A rodovia RJ-151 corta o perímetro urbano da localidade (f03), servindo como artéria principal, para onde
convergem as ruas secundárias e a ponte que dá acesso a Porto das Flores-MG. A estação ferroviária fica
na área central, na divisa com o asfalto (que recebeu o nome de Rua Major Belforth). Seu entorno é
marcado pela presença de uma quadra esportiva com cobertura metálica, pelas instalações do laticínio
Luso Brasileiro (fotos 03, 05 e f46) e por uma residência unifamiliar. Pouco mais à frente, uma pequena
praça (f04) faz a ligação da rodovia com a Rua José Theotônio da Silva. O prédio da estação fica
posicionado entre o asfalto e essa via, que era por onde seguia o antigo trajeto do trem (f01).

f04

O prédio é antecedido pela estrutura de pedra da antiga plataforma. As paredes da estação foram erguidas
com tijolos maciços, intercalados por pilares de madeira, que servem de sustentação da trama estrutural de
sua cobertura, composta por tesouras de madeira e caibros de seção robusta, para os padrões atuais.
Telhas francesas fazem a proteção contra as intempéries, avançando até o limite das plataformas,
sustentadas por peças estruturais conhecidas como mão-francesa (f13). O prédio apresenta características
arquitetônicas distintas das de outras estações da linha. Fato que surpreende, pois muitas companhias
ferroviárias as projetaram com um estilo padronizado, buscando criar uma identidade nos locais em que se
instalavam. As semelhanças com as estações da linha se dão em sua tipologia térrea, composta por um
bloco retangular, terminado por um frontão com cobertura de duas águas.

f05

A estação foi disposta no sentido longitudinal, para melhor atender à funcionalidade do embarque e do
desembarque das composições puxadas por locomotivas a vapor. A fachada principal fica voltada para a
Rua José Theotônio da Silva (f06), possuindo uma extensa plataforma, que avançava para o terreno hoje

347
Descrição arquitetônica

ocupado pela quadra esportiva (f07), e para a faixa de terra anteriormente ocupada pelos trilhos ferroviários,
numa cota inferior. No lado externo, ficam dois anexos: o primeiro foi construído na era ferroviária, por volta
da década de 1930, para servir como banheiro e depósito (f08), e o segundo foi edificado mais
recentemente, em 2005, como apoio para o artesanato que funciona ali.

f06

f07 f08

f09 f10

348
Descrição arquitetônica

A parte interna encontra-se subdividida: duas residências particulares ocupam metade do espaço, e a outra
parte abriga uma associação de artesãos, instalada numa área antes ocupada por um amplo armazém de
cargas (f11) e por um outro compartimento originado a partir da integração de dois cômodos (f12).
O acesso ao interior das casas se faz principalmente pela via dos fundos (Rua José Theotônio da Silva),
uma vez que um muro impede o acesso pela estrada asfaltada. Neste ponto foram instalados pilares de
concreto para sustentar um acréscimo na cobertura, com telhas de fibrocimento. Inseridas junto ao beiral do
telhado original, esses espaços foram aproveitados como área de serviço.
Já o artesanato utiliza a fachada voltada para a rodovia como acesso principal, condição dada pelas portas
que se abrem para as duas ruas. Ambas são de madeira e deslizam para as extremidades por meio de
guias fixadas no chão e roldanas instaladas acima das vergas (f14). Nota-se que o antigo armazém
manteve a rusticidade, não possui forro e o piso é de cimento liso.
Os banheiros ocupam o bloco construído por volta da década de 1930, sendo agora exclusivos: as portas
externas da época da ferrovia tiveram seus vãos vedados por alvenaria e agora comunicam-se apenas
internamente, com o novo acesso feito pelo armazém central.

f11 f12

f13 f14

Análise cronológica das mudanças arquitetônicas que ocorreram na estação


Com relação à segmentação residencial e à comercial, percebe-se uma diferenciação entre as esquadrias.
As duas casas ganharam básculas de ferro preenchidas com panos de vidro, sendo que apenas uma não
fica na fachada voltada para o asfalto. As demais portas e janelas dessas residências são de folhas de abrir,
preenchidas na parte inferior por venezianas e, na superior, por postigos de madeira e vidro (f15 e f16).
Já as esquadrias do setor ocupado pelo artesanato contam com duas janelas com estrutura de madeira e
panos de vidro de guilhotina abrindo para o exterior e, na parte interna, com folhas cegas de madeira (f17).
Essa diferenciação pode ser um indício de modificações realizadas em sua distribuição interna. Os modelos
da área do armazém são mais rústicos e seriam da época de inauguração do prédio. Já as esquadrias das
residências possuem maior aprimoramento (como venezianas) e sua instalação teria origem provavelmente
na década de 1930. Esta análise permite entender as modificações que ocorreram ao longo do tempo. As
aberturas originais correspondem a vergas e umbrais de madeira maciça que contornam as esquadrias,
presentes no espaço do armazém utilizado pelo artesanato e na parte central da estação, ocupada por uma
349
Descrição arquitetônica

residência. Essas aberturas existem tanto na via interna por onde seguia o trem quanto na parte oposta,
voltada para o asfalto. Até o início da década de 1980, a parte central, que se abre para a Rua José
Theotônio da Silva (f18), conservava a porta central do hall e as janelas laterais originais, como se percebe
numa foto da época (f19). A que foi retirada possuía a portinhola para atendimento do guichê (f20).
A partir de então, alguns desses portais ganharam modelos mais recentes, o acesso pelo hall foi vedado e
uma das janelas foi rasgada para a instalação de uma porta, encomendada pelo dono do imóvel, seguindo o
desenho das que existiam no restante da parte residencial. Nota-se que essas esquadrias não possuem os
portais de madeira, tendo sido inseridas mediante simples aberturas nas paredes (f15 e f16). Esse fato leva
a acreditar que elas são frutos de mudanças posteriores, que também foram realizadas na estação de
Cachoeira do Funil e na de Três Ilhas.

f15 f16 f17

f18

Década de 1980. Parte central da fachada voltada para a extinta linha férrea. A 1994. Janela da estação, com a portinhola do
porta ao centro, ladeada por duas janelas, corresponde à abertura do período guichê. Fonte: Roteiro de uma vida. 70 anos
ferroviário. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f19 de José Annibal Silva. Obra familiar. f20

350
Descrição arquitetônica

Analisando a planta baixa do prédio, percebe-se que o banheiro ao centro correspondia à porta de entrada
do hall. Os compartimentos laterais (da residência e do artesanato) formavam quatro ambientes. Antigos
moradores relataram que, por volta da década de 1950, a estação possuía, ao centro, um hall, entremeado
por dois compartimentos em ambos os lados (bilheteria e quarto, à esquerda, e sala do conferente e quarto,
à direita). Numa das extremidades ficava o armazém para carga e descarga, e, na outra, a casa do agente
1
da estação. Contudo, a parte da casa foi uma intervenção posterior, tendo ocupado o espaço de um outro
armazém, conforme consta num relato sobre as localidades, publicado num jornal de 1907:

f21
1907. Texto mencionando a estação, então denominada Rio das Flores e possuindo dois armazéns laterais. Fonte: Jornal
O Fluminense, 05 de junho 1907, edição 06657, pag 03. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: janeiro de 2013.

O mais provável é que a modificação foi ocasionada numa reforma, quando um dos armazéns foi adaptado
para servir como residência do chefe da estação. A distribuição interna anterior pode ser encontrada em
diversas estações do país. Os exemplos mais próximos são as estações de Valença (atual rodoviária da
cidade) e duas pertencentes à própria linha férrea que passava em Manuel Duarte: as estações de Santa
Rosa e de Três Ilhas. Apesar de não ter sido autorizada uma vistoria interna nessas duas estações,
percebe-se que elas também possuem o armazém numa das extremidades, e, na outra, a casa do agente.
Na parte central fica um hall e quatro compartimentos. Esta semelhança leva a duas possibilidades: ou a
estação de Manuel Duarte balizou o projeto delas, ou então foi construída na mesma época.
Ao longo do tempo, o prédio sofreu transformações de cunho estético para adaptá-lo às diversas fases
pelas quais passou, abrangendo desde o ciclo do café até o período da pecuária leiteira. Neste último caso,
deve-se mencionar os trilhos existentes no armazém e na plataforma (f22 e f23). A informação que se tem é
que havia uma pequena linha (bitola de 01 metro) que servia para transportar produtos da empresa de
laticínios (fotos 44, 45 e 46). Era em sua grande maioria latas de leite, que eram colocadas num pequeno
vagão, conhecido como trole, que cruzava a estrada de terra batida (por onde passa a rodovia, atualmente),
adentrando no armazém da estação até chegar na plataforma de embarque.

f22 f23

Com relação às partes decorativas, a análise começa pelas duas fachadas terminadas em frontão, onde
existe, na parte superior, um óculo de vazadura circular, preenchido por um rendilhado de madeira. Logo
abaixo fica uma estampa contendo o nome da estação e, por conseguinte, da própria localidade. Na
verdade, cada estampa ostenta um nome (f24 e f25). Cabe esclarecer que, até a década de 1940, as duas
localidades se chamavam Porto das Flores. Tem-se, assim, o nome atual – Manuel Duarte – inserido na
fachada ocupada pelas residências, e o nome antigo – Porto das Flores – aplicado na fachada do armazém.
Essas pinturas podem ser consideradas um valioso acervo artístico e patrimonial. Modelos semelhantes
2
estão conservados na plataforma de embarque, indicando a “Altitude” e a “Distância” em relação à estação
central, na cidade do Rio de Janeiro. É possível notar que houve uma sobreposição de apliques sobre
essas informações e a presença de uma camada pictórica em tons amarelados (que devia cobrir toda a
1
A parte ocupada pelas residências não foi vistoriada internamente por ocasião deste inventário.
2
Os quadros ficam posicionados próximos às janelas que ladeiam a antiga entrada do hall, nas paredes que fazem divisa com os
compartimentos das extremidades (o armazém e a outra residência) e possuem 95,00cm de comprimento por 46,00cm de largura. A
linha inferior dos mesmos fica a dois metros do piso da plataforma.
351
Descrição arquitetônica

fachada do prédio em determinado período – f26 e f27). Teria assim a estação ferroviária uma cor na
tonalidade amarelada, semelhante a encontrada na casa do mestre de linha
Apesar de ser necessário realizar prospecções, é provável que a pintura e os apliques cobertos
(sobrepostos – f26 e f27), correspondam à tonalidade empregada pela Estrada de Ferro Central do Brasil,
ou até mesmo pela companhia que construiu o prédio, a Estrada de Ferro Rio das Flores. A estação
manteve parte do conjunto de calhas de folhas zincadas (f29) com paramentos (f30), instalada na
plataforma de embarque, provavelmente para proteger os passageiros contra as goteiras em épocas de
chuva. A estação de Taboas ainda conserva alguns fragmentos dessas peças. Através de uma foto da
década de 1930, foi possível comprovar a presença das mesmas na estação de Rio das Flores.
Vale citar que uma residência ao lado da estação de Manuel Duarte conserva um trilho de trem como
suporte vertical de antena, no qual estão inscritos palavras em inglês e o ano de 1893, ano mais provável
da inauguração da ampliação da linha férrea até Três Ilhas (f31).

f24

f25

f26 f28

f30

f31
f27 f29

352
Estado de conservação

A estação ficou com sua ambiência prejudicada em virtude da instalação inadequada de construções ao
redor. Na década de 1970, o asfaltamento da rodovia deixou diversos imóveis da localidade numa cota
inferior. A rodovia passou bem próximo à antiga estação, e, para evitar algum sinistro com os veículos de
maior porte, uma das extremidades do seu beiral recebeu um corte em chanfro (f05 e f09).
Em seguida, veio a construção dos imóveis ao seu redor, como a cobertura metálica da quadra de esportes
(causando a sensação de que “esmagou” a estação – f06 e f07). Além de tudo, existe a possibilidade de as
casas situadas na extremidade e à frente da plataforma aumentarem seu gabarito. A respeito desses
problemas, somente a aplicação de normas urbanísticas de preservação do entorno de bens de valor
patrimonial poderá livrar a estação dessas danosas intervenções.

Década de 1990. Imagem da estação, antes da instalação da cobertura na quadra de esportes. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f32

A presente análise limitou-se a uma vistoria externa das fachadas e do interior do antigo armazém de
cargas, sem considerar ações que possam causar prejuízos à integridade física do prédio. Nota-se porém
que ele apresenta partes em estado precário, contudo, não foram encontradas rachaduras que possam vir a
causar um sério dano às suas paredes.
Um dos maiores problemas refere-se à estrutura de madeira e a certos pilares que apresentam avarias (f09
e f10). O mesmo se percebe em algumas peças de mão-francesa e na madeira inserida horizontalmente na
base do frontão das fachadas. A degradação de todas essas partes aparenta ser proveniente do ataque de
xilófagos (cupins) e do acúmulo de água da chuva. As peças que preenchem a vazadura do óculo dão
mostra de estarem fragilizadas (f28).
A umidade atinge a base do prédio na extremidade voltada para a rodovia. Na área interna do armazém,
percebe-se frequentemente bolor e manchas na parte inferior da parede. A causa teve origem
provavelmente na época da instalação da base do asfalto, que ficou elevado em relação a esta fachada.
Apesar da boa inclinação da cobertura, quando começa o período de chuvas, observa-se a infiltração
descendente no interior do armazém. A origem pode estar na falta de padronização das telhas, já que se
percebe a existência de modelos diferentes de pelo menos três fábricas. Percebe-se também o
deslocamento e a ausência de algumas telhas no beiral na área das residências.
O espaço ocupado pelas residências está com a pintura parcialmente desgastada e com o emboço se
desprendendo em alguns pontos.
Com relação às partes decorativas, muitas peças que compõem o conjunto zincado das calhas se
perderam, restando fragmentos que podem ser reproduzidos numa futura restauração. Os apliques
contendo o nome da estação e a marcação de “Altitude” e “Distância” (f26 e f27). Percebe-se que a
estampa indicativa de “Distância” passou por uma intervenção inadequada, ganhando uma pintura grotesca
(f26) que não condiz com o trabalho realizado pela ferrovia. No caso das marcações presentes nos frontões,
uma das partes, inclusive, já sofreu um enxerto (f25). A degradação da própria argamassa de sustentação
poderá levar à destruição desses valiosos quadros. É bom citar que esta é a única estação ferroviária do
município que conserva tais registros, uma vez que, nas demais eles foram apagados ou se encontram
cobertos com uma camada de tinta.

353
Histórico

Histórico
A construção da estação de Manuel Duarte ocorreu nos primórdios da criação das ferrovias particulares na
região. A história começou em 1875, quando a E.F.Commercio e Rio das Flores obteve a concessão para
abrir uma ferrovia para atender as fazendas na freguesia de Santa Tereza (atual município de Rio das
Flores). O trajeto, de 36 km, começava na beira do Rio Paraíba do Sul e seguia até o vale do Rio Preto,
região que abrigava grande parte da produção de café. Ao longo do caminho, foi projetado um conjunto de
estações, começando pela de entroncamento com a E. F. D. Pedro II em Commercio (atual Sebastião de
Lacerda), seguida pelas de Marambaia, Taboas, Santa Tereza (atual Rio das Flores), Cachoeira do Funil e,
por fim, pela terminal de Porto das Flores, denominação que abrangia as duas localidades que se formaram
em ambas as margens do Rio Preto, na divisa das províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
Antes da ferrovia, foi aberta, em 1865 o ramal da União e Indústria que começava na atual localidade de
Mont Serrat (distrito de Comendador Levy Gasparian) e terminava exatamente em Porto das Flores-RJ
(atual Manuel Duarte), onde foi construída sua principal estação de mudas, prédio este que abrigava as
diligências. Não foi possível averiguar com exatidão se a ferrovia conviveu com o movimento das diligências
do ramal da União e Indústria ou se ela o extinguiu. No caso da última hipótese, é possível que a estação
tenha sido construída onde ficava o prédio para troca de mudas. 3

f33
s/d (Provavelmente início da década de 1940). Seminaristas de Juiz de Fora - MG aguardam o trem, após
visita a algumas fazendas situadas na parte mineira de Porto das Flores. Acervo: Annibal Affonso M. Silva.

Em 1884 a Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores foi substituída pela Estrada de Ferro Rio das
Flores. A nova companhia terminou a estrada no dia 28 de setembro de 1885, liberando todo o tráfego até
seu ponto terminal, em Porto das Flores-RJ (atual Manuel Duarte). Além da estação, foram construídos no
local um girador e uma caixa d’água para abastecer as caldeiras das locomotivas, equipamento este que
ficava, provavelmente, no local onde hoje existe uma pequena praça pública (f04).4
Apesar da data citada anteriormente ser a mais provável de sua inauguração, isto não foi totalmente
esclarecido. A dúvida é motivada pelo seu estilo arquitetônico, que não seguiu a padronização das demais,
existentes na linha: Commercio (atual Sebastião de Lacerda), Taboas (prédio de madeira) Santa Tereza,
Cachoeira do Funil e possivelmente a da Marambaia (da qual se tem poucas informações). Um documento
de 1879,5 ressaltou algumas particularidades em relação as demais estações, a classificando como a de
maior dimensão e mais importante da linha, pelo fato de absorver quase toda produção das lavouras
situadas às margens do Rio Preto, tanto da província do Rio de Janeiro quanto da província mineira.
Contando inicialmente com dois armazéns, a estação de Manuel Duarte apresentava distribuição interna
semelhante a das estações de Santa Rosa e Três Ilhas, abertas posteriormente (quando a estrada de ferro
foi estendida até o limite do município), mas suas características arquitetônicas divergem. Segundo a
publicação Nominata das Estações Ferroviárias, as três foram inauguradas em 28 de setembro de 1893. 6
Inicialmente, uma composição levava mais de duas horas para cobrir os 36 quilômetros entre
Commercio/Sebastião de Lacerda e Porto das Flores, conforme se observa no quadro de horários a seguir:

3
O ramal de carruagens deu lugar a Ferro Carril em 1884, mas o trecho entre Santa Rosa e Porto das Flores manteve o piso de terra.
4
É possível que o girador tenha sido transferido para Três Ilhas, quando a linha foi prolongada até aquela localidade. A caixa d’água
de Manuel Duarte ficou instalada até o fim da linha férrea, e não se sabe a destinação dada a ela.
5
Fonte: Anotações particulares de Adriano Novaes, retiradas de um processo da Comarca de Valença (Processo de Embargo de
Obra; autor: Cia E. F. União Valenciana; ré: Cia E. F. Commercio e Rio das Flores. 1879). Museu de Justiça do Estado Rio de Janeiro.
6
A data de abertura da seção entre Manuel Duarte e Três Ilhas necessita de pesquisas mais aprofundadas. As feitas recentemente em
jornais disponíveis no site <http://memoria.bn.br> revelam movimentos em Três Ilhas anos antes, como a troca de agente de correios
da estação da estrada de ferro em 1890 (Diário de Notícias, pag 02, 23 de fevereiro de 1890) e a chegada da locomotiva da E.F. Rio
das Flores em sua na estação no início de 1892 (jornal de Juiz de Fora-MG: O Pharol, 19 de janeiro de 1892).
354
Histórico

Estrada de Ferro Rio das Flores – Horários em 1887


Chegada Partida Chegada Partida

f34
Fonte: Almanack Laemmert, 1887. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Na primeira década do século XX, a linha já contava com dois horários: um terminava em Porto das Flores
(Manuel Duarte), e o segundo seguia até a nova estação terminal da linha, situada em Três Ilhas:

Horário em vigor em 1907

f35
Fonte: Adaptado do Almanack Laemmert, 1907. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

No decorrer das primeiras décadas do século XX, a pecuária leiteira assumiu o lugar que antes era do café.
Em 1910, a E. F. Central do Brasil encampou diversas companhias particulares, dentre elas, a E. F. Rio das
Flores, que foi substituída pelo sub-ramal Valença – Afonso Arinos. A remodelação da linha ocasionou
mudança no trajeto e no número de estações atendidas, conforme se observa no quadro abaixo:
Sub-Ramal Valença/Afonso Arinos – Horários em 1915
Estações Chegada Partida Estações Chegada Partida

Fonte: Jornal Correio da Manhã, 12 outubro 1915, edição 06074, pag 08. Disponível <http://memoria.bn.br>. f36

Nota-se que na maioria dos documentos a atual estação de Manuel Duarte aparece nomeada como Rio das
Flores - formando um elo com o nome da primeira companhia ferroviária (assim batizada por sair de
Commercio e terminar próxima a foz do Rio das Flores). A estação manteve o nome primitivo até as
primeiras décadas do século XX (fotos 35, 36 e f37). Em 1918, um jornal publicou uma nota, informando a
troca de nome para Porto das Flores (f38).7

f38
f37 1918. Nota que registra a troca de nome da estação. Fonte:
1888. Jornal de Juiz de Fora-MG registra propaganda na Jornal Correio da Manhã, 15 maio 1918, edição 07018, pag 03.
localidade, nomeando a estação como Rio das Flores. Fonte: Disponível <http://memoria.bn.br>. Acesso: janeiro de 2013.
Jornal Diário de Minas, ano II, n 445, 23 setembro 1888, pag 01.
Disponível <http://memoria.bn.br>. Acesso: janeiro de 2013.

7
Quando o município de Santa Tereza passou a se chamar Rio das Flores na década de 1940, o nome voltou a ser aplicado, agora na
estação ferroviária da cidade sede.
355
Histórico

Acredita-se que, na década de 1930, a Estrada de Ferro Central do Brasil fez reformas internas no prédio,
instalando novos modelos de esquadrias em sua parte residencial, onde morava o chefe da estação.
Externamente, já havia, na década de 1950, a casa do mestre de linha (f39) e, ao lado do armazém de
cargas, o anexo com um banheiro e um compartimento (f40). A seguir, o movimento dos trens em 1936:

Sub-Ramal Valença – Afonso Arinos


Chegada dos trens à estação de Porto das Flores, horário em vigor a partir de 1936.
Estação de Porto das Flores (Manuel Duarte) – saídas de Valença 6:07 11:30 17:01
Estação de Porto das Flores (Manuel Duarte) – saídas Afonso Arinos 8:16 10:32 15:22
Extraído do Quadro de Horários da E. F. Central do Brasil – Rede Fluminense. Acervo: Museu Ferroviário de Valença.

f39 f40
Década de 1950. Inauguração da escadaria da igreja revela elementos da esplanada ferroviária local. A casa do mestre de linha
(canto esquerdo da f35) e o anexo da estação (f36) devem ser da década de 1930. Acervo: João Bosco Furtado da Silva.

f42
Década de 1930. Propaganda de aguardente de cana, contendo
as iniciais da Estrada de Ferro Central do Brasil.

s/d (Provavelmente meados do século XX). 1945. Parte Superior de folha de anotação de um armazém, quando Manuel
Movimento de pessoas na plataforma da estação. Duarte ainda se chamava Porto das Flores -RJ. As iniciais da Estrada de
Imagens, acervo: João Bosco F. da Silva. f41 Ferro Central do Brasil (EFCB) aparecem com destaque. f43

As duas comunidades mantinham uma forte relação de convivência com o trem. Sem qualquer tipo de
cerimônia, mineiros e fluminenses frequentavam suas plataformas, tanto os que iam viajar, quanto aqueles
que iam acompanhar a chegada ou a partida de um conhecido (f41). Diversos armazéns, vendas e casas
comerciais dependiam da ferrovia. Muitos estabelecimentos estampavam as letras da Estrada de Ferro
Central do Brasil (EFCB) em seus anúncios (fotos 37, 42 e 43).
Nos primeiros anos da década de 1940, a parte fluminense passou a se chamar Manuel Duarte, época em
que o laticínio Luso-Brasileiro sucedeu à pioneira companhia de laticínios, denominada Olyntho, Belfort &
Garcia (f44 e f45). Essas firmas teriam sido as principais clientes da E. F. Central do Brasil na localidade, no
ano de 1920 ela passou a fornecer energia elétrica à estação ferroviária.
356
Histórico

Com suas instalações situadas na outra extremidade da via férrea, elas se valiam da ferrovia para embarcar
o leite produzido na região para os vagões das locomotivas. O Luso Brasileiro (f46) acabou substituindo o
prédio da primeira firma (f45) por outro de maiores dimensões. Suas atividades foram encerradas há poucos
anos atrás.

1933. Nota da antiga usina de laticínios. f44


Imagens acima, acervo: Museu de História Regional de
Rio das Flores. s/d. Fachada do prédio primitivo da firma Olyntho, Belfort & Garcia. f45

2011. Fachada das instalações do laticínio Luso Brasileiro. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f46

Em meados do século XX, os trens passaram a sofrer a concorrência dos coletivos rodoviários pelo
transporte de passageiros: em 1947, foi inaugurada uma linha de ônibus entre Valença e Rio das Flores,
que chegava até Manuel Duarte. Anos depois, a Viação Unida colocou uma linha entre as cidades de
Valença e Juiz de Fora-MG, cobrindo assim toda a extensão da linha férrea. Em 1957, a Estrada de Ferro
Central do Brasil foi substituída pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA). No início da década de 1960, o
governo começou a erradicar diversos ramais ferroviários considerados antieconômicos e, entre eles,
estava o sub-ramal Valença-Afonso Arinos. O movimento dos trens naquela época pode ser visto a seguir:
Quadro de Horários em 1960
Saídas de Afonso Arinos Saídas de Valença
Afonso Arinos 4:41 10:26 14:45 Valença 7:23 10:58 18:49
Três Ilhas 5:16 10:58 15:17 Taboas 7:50 11:24 19:07
Santa Rosa 5:37 11:20 15:38 Rio das Flores 8:09 11:38 19:21
Manuel Duarte 5:56 11:43 15:57 Cachoeira do Funil 8:27 11:55 19:39
Cachoeira do Funil 6:07 11:57 16:08 Manuel Duarte 8:41 12:05 19:49
Rio das Flores 6:27 12:20 16:28 Santa Rosa 8:59 12:23 20:07
Taboas 6:42 12:36 16:43 Três Ilhas 9:23 12:42 20:26
Valença 7:06 13:00 17:07 Afonso Arinos 9:50 13:08 20:55
Fonte: Guia Levi, 1960. Acervo: Manoel Monachesi.

357
Histórico

Os registros pesquisados apontam com precisão o dia 15 de outubro de 1965 como a data oficial da
extinção do ramal. Há, também, um decreto do ano seguinte (nº 58.992/1966) relacionando-o entre os
ramais erradicados ou com o tráfego suspenso. É importante esclarecer que o fechamento da estrada para
os trens não correspondia à extinção da mesma. Primeiramente, era suspenso o movimento dos trens,
8
paraem seguida, decidir-se se a linha seria erradicada ou não. Apesar de sua extinção ter sido decretada
9
em 1965, a ultima vez que uma composição regular passou na localidade foi em 14 de maio de 1964.
Com a extinção da estrada de ferro, a população deixou de frequentar a estação. Por volta dos anos oitenta,
a parte residencial estava nas mãos de um particular e o setor do armazém de cargas foi adquirido pelo
proprietário do laticínio e um sócio, que o utilizaram como loja de produtos agrícolas. A Rede Ferroviária
Federal (RFFSA) se desfez também da faixa de terra do entorno, fato que permitiu a construção dos imóveis
que atualmente prejudicam a visibilidade do prédio.

f47
Década de 1980. Nota-se a cobertura voltada para o asfalto íntegra (sem as telhas de amianto). Acervo: Annibal Affonso M. Silva.

Atualmente, as residências são ocupadas por inquilinos. Na parte do armazém, funciona, desde 2006, a
sede da Florart (Associação de Artesãos de Manuel Duarte e Porto das Flores), através de um termo de
cessão assinado com a Prefeitura de Rio das Flores, que adquiriu o espaço. Este gesto permitiu que a
população e os visitantes se reaproximassem deste bem cultural de grande valor no processo de formação
dessas duas localidades coirmãs, que têm seus nomes grafados nos frontões da estação (f24 e f25).

f48
Década de 1990. Fachada por onde passava a linha férrea. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

8
Consta 1965 na publicação de RODRIGUEZ, 2004. p. 174. O trabalho de Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krisna Neffa (Caminhos
e Descaminhos do Sistema Ferroviário na Região do Médio Paraíba – Séculos XIX e XX) cita 1965 como o ano em que foi
decretado o fim do sub-ramal Valença-Afonso Arinos (p. 14). Segundo as informações cedidas por Manoel Monachesi, 15 de outubro
de 1965 tem como fonte a Revista Ferroviária de agosto de 2000, sobre trechos erradicados. O decreto de 1966 é um documento da
Superintendência Regional 3 de Patrimônio (SR-3), publicado em 17 de julho de 1984, que trata das áreas sem os trilhos.
9
Depoimento de um antigo morador e comerciante (João Bosco Furtado da Silva, nascido em 1934). Sua memória refere-se ao dia
que uma rádio da cidade do Rio de Janeiro anunciou a desativação da linha.
358
359
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013. As fotos 06, 08, 13, 15, 16, 17 e 22 até 30 foram utilizadas na publicação O legado dos trilhos:
inventário das estradas de ferro em Rio das Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2004.

CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (coord.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho
Arquitetos, 2010.

CURY, Isabelle (org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença-RJ: Gráfica PC Duboc
Ltda., 2006.

ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

MORAIS, Sergio Santos. A Arquitetura das Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro Central do
Brasil no século XIX – 1858/1900. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/ PROARQ. Rio de Janeiro: 2002.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (coord.). O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac. Rio das
Flores-RJ: Edição do Autor, 2011.

VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha
Auxiliar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

Acervo particular:
NOVAES, Adriano. Traslado de Autos de Obras entre a Cia Estrada de Ferro União Valenciana
(autora) e a Cia Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores (ré), 1879. [década de 1990]. Museu da
Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Anotações retiradas de um processo da Comarca de Valença
(Processo de Embargo de Obra, 1879).

Roteiro de uma Vida. Manuel Duarte-RJ, 1994. Vídeo produzido por ocasião dos 70 anos de José Annibal
Silva. Obra familiar (realizada no sistema VHS e replicada em mídia digital, que somam quatro DVDs).

Consultas On-line:
Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso
entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.
Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.
Acervo do Jornal Diario de Minas (de Juiz de Fora-MG), disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso
entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.
Acervo do Jornal O Fluminense, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e
fevereiro de 2013.

Acesso ao portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.


Obs: A ausência de imagens áreas (geradas por satélite) se deve a falta de cobertura pelo site
googleearth.com
Nota: Os desenhos gráficos da estação (planta baixa e de situação) podem ser consultados na publicação
O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em Rio das Flores, relacionada anteriormente.
360
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de São Sebastião.

Localização: Município:
Rodovia RJ 145, perímetro urbano de Cachoeira do Funil. Rio das Flores.

Época de construção:
1903. Ano de doação do terreno.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Abandonada/Templo de celebração religiosa.

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento.

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença.

1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

2012. Capela de São Sebastião. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

361
Situação e ambiência

O acesso a Cachoeira do Funil é feito pela rodovia RJ-145. A localidade dista 7 km da cidade-sede de Rio
das Flores e fica a 4 km de Manuel Duarte - distrito a qual pertence. Quem parte da cidade mineira de Juiz
de Fora ou de Petrópolis e Três Rios na parte fluminense, deve acessar a BR-040, no sentido de Paraibuna-
MG e Mont Serrat-RJ, localidades separadas pelo Rio Paraibuna e que pertencem, respectivamente, a
Simão Pereira-MG e Comendador Levy Gasparian-RJ. A partir de então, adentra-se a rodovia RJ-151,
seguindo para Afonso Arinos, até chegar a Manuel Duarte, onde a RJ-151 encontra-se com a RJ-145.

Manuel Duarte

Cachoeira do Funil

Rio das Flores

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f02

Sua geografia caracteriza-se pelos típicos morros em formato meia laranja, tomados em sua grande maioria
por uma rala pastagem (f02 e f03). O Córrego Manuel Pereira circunda de forma sinuosa sua extremidade
esquerda e, nos metros finais do perímetro urbano, ele forma a queda d’água que originou o nome do lugar.

Capela

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f03

362
Descrição Arquitetônica

Apesar de estar ligada à rodovia RJ-145, Cachoeira do Funil mantém hábitos de uma pequena localidade
semirrural. Sua área urbana caracteriza-se por construções voltadas para a rodovia, havendo um
loteamento residencial construído na década de 1990 (f04). A cerca de 500 metros fica o núcleo primitivo,
onde estão inseridos os imóveis históricos, como a estação ferroviária e a capela.

f04

A fachada principal da capelinha fica voltada para a rua situada abaixo da antiga estação ferroviária. O
caminho original, ligando o logradouro público até o templo religioso, encontra-se fechado e tomado por
mato. Para chegar ao prédio foi preciso entrar pela lateral voltada para a RJ-145, delimitada por uma cerca
de arame farpado, havendo um desnível da estrada para o terreno.
A capela fica implantada na calha secundária do Córrego Manuel Pereira, que passa próximo à edificação,
em meio a um bambuzal (f05) e com uma vegetação densa aos fundos. O terreno forma uma baixada
gramada, que está sendo utilizada para pastagem de bovinos (f01 e f05).

f05

A construção possui embasamento de pedra e paredes de tijolos maciços, caiadas de branco, com barrado
chapiscado. Uma estreita calçada contorna o prédio. Sua arquitetura é singela, constituída pela nave e a
torre campanária, que formam um único volume, com cobertura em duas águas de telhas francesas (fotos
01, 06 e 07).

363
Descrição Arquitetônica

f06

Há quase duas décadas que o prédio não é utilizado para celebrações religiosas. A fachada principal é
voltada para o acesso primitivo e possui uma portada de madeira maciça de duas folhas almofadadas,
terminadas com verga de arco pleno, encimada por um frontão, em que foi inserido um óculo em formato
quadrifólio (f01 e f07). Já nas laterais, a iluminação da nave é feita pelos óculos, tipo olho de boi (f17). No
interior, a nave apresenta forro de madeira (cedrinho – f08). Mesmo sem estar com o espaço montado e
limpo, observam-se, na base do altar (f08), o antigo retábulo em madeira, o móvel de apoio e os bancos
(f09), bem como o piso de ladrilho hidráulico (f10 e f11), o que dá a ideia de como era bem cuidada a
capelinha.

f07

O campanário é acessado por uma porta interna (f12). Suas esquadrias são de báscula de ferro com
fechamento em vidro (f01). No térreo fica um vitral fixo, retratando uma paisagem de cisnes e ninfeias (f13).
Para acessar o nível superior da torre sineira, usa-se uma tosca escadaria de madeira. O piso da laje da
torre é de concreto maciço (f14). As básculas da pavimento superior também são de caixilho de ferro e vidro
coloridos, terminados com verga em arco pleno (f07 e f15). Uma cruz de metal arremata a cumeeira (f16).
364
Descrição Arquitetônica

f08 f09 f10

f11 f12

f14

f16

f13

f15

365
Estado de Conservação

f17 f18

A edificação está com suas paredes estruturais comprometidas, sendo observada uma rachadura contínua
na parede atrás do altar e em parte do piso, assim como nas paredes laterais (f17). Na parede dos fundos,
a situação é crítica, apresentando recalque com fenda (f18).
O prédio está em processo de arruinamento, provocado, em parte, pelas enchentes do córrego, sendo
relatado pelos moradores que por ocasião das cheias maiores, a base inferior das paredes sempre ficam
submersas, como pode ser observado nas marcas de barro e no piso hidráulico totalmente recoberto pela
poeira da lama (fotos 08 a 11). A porta principal está com uma folha avariada, a cobertura apresenta pontos
com goteiras e, nas paredes, observa-se umidade ascendente e descendente, bem como sujidade. No pátio
restaram as ruínas das paredes de tijolo maciço, bem como alguns tabuados dos bancos do barracão onde
era feito o leilão de prendas nos dias festivos (f19 e f20).1

f19 f20

f21

1
Para conhecer a disposição de um barracão semelhante, consultar a ficha da Capela de São Lourenço, na localidade do Barreiro.
366
Histórico

Histórico
A capela foi construída num terreno denominado Vargem (devido à sua localização, em uma várzea às
margens do Córrego Manuel Pereira), doado por Francisco Rodrigues Garcia e sua esposa, Emilianna
Garcia Vieira e D. Isabel Castilho de Avellar Garcia, destinada ao mártir São Sebastião. A escritura de
doação foi lavrada em 20 de junho de 1903, na cidade de Santa Teresa (atual Rio das Flores), onde
compareceram os doadores e, do outro lado, como outorgados donatários por procuração, de Dom João
Francisco Braga, bispo da Diocese de Petrópolis, e o padre vigário Amâncio Ambrosio de Souza Coutinho.2
O pequeno templo religioso foi bento e aberto ao culto em 1903, ficando de frente para a rua que assistia ao
movimento dos trens, inserindo-se no grupo de prédios que constituíam o núcleo central da localidade,
juntamente com a estação ferroviária e a Casa São José (um prédio que conjugava residência e loja
comercial). Naquela época (1900) o atual o município de Rio das Flores contava com 18 mil habitantes,
sendo que apenas umas mil pessoas moravam na sede. Acredita-se que grande parte da população era
constituída por ex-escravos libertos pela Lei Áurea, que ficaram trabalhando como colono nas fazendas,
agora voltadas para a pecuária leiteira. A presença de grande parte do contingente de pessoas na área rural
levou ao desenvolvimento e a criação de pequenas nucleações (também conhecidas como arraiais), onde
havia comércio, escola, cartório, cemitério e capela.3

1942. Cartaz de Festa na capela de São Sebastião, em Cachoeira do Funil.


Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f22

2
Nesta época Santa Tereza pertencia a jurisdicão eclesiastica de Petrópolis, com a criação da Diocese de Valença em 1925, passou
o a capela a pertencer a jurisdição de Valença.
3
Entre as localidades com suas respectivas capelas citamos: Porto Velho - S. Sebastião; Bela Vista (Tapinhoã) - S. João Nepomuceno
(1886); Barreiro - S. Lourenço (aberta ao culto em 1907); Paciello - S. Antônio (1900); Abarracamento - S. Pedro (edificada por volta de
1890); Bom Jardim – S. João Batista (edificada por volta de 1885); Cachoeira do Funil - S. Sebastião (terreno doado em 1903);
Formoso - S. Benedito (edificada por volta de 1890) e Torres - S. Sebastião e N. S. Aparecida (aberta provavelmente em 1887).
367
Histórico

1985. Fachada da capela, voltada para sua entrada, ao lado, o antigo salão paroquial. Acervo: Adriano Novaes. f23

Com a extinção da linha férrea, em meados da década de 1960, a estrada de rodagem (atual RJ 145)
acabou sendo asfaltada, deixando a capela numa cota inferior. A partir da década de 1980, a localidade
passou por um processo de esvaziamento populacional, ocasionando o arruinamento ou mesmo a perda de
algumas edificações históricas do lugar.
A Capela de São Sebastião não ficou livre desta triste realidade, segundo as pesquisas, por volta de
meados da década de 1990 foi celebrada a última missa no templo religioso, marcando seu fechamento,
que contribuiu para que ela chegasse ao quadro atual.
Na mesma época, a Prefeitura Municipal de Rio das Flores inaugurou o conjunto habitacional, um pouco
afastado do núcleo primitivo, criando, assim, uma nova centralidade urbana na localidade. No início do
século XXI, a rua à frente da capela (f23) foi fechada e transformada num lote urbano. Com isso, além de
perder seu acesso tradicional, ela ficou deslocada de seu contexto original. Em 2012, o sino de bronze foi
roubado da torre. A imagem de cerâmica do padroeiro (São Sebastião) está guardada na casa de um
particular.
A secular Capela de São Sebastião, apesar de seu estado de abandono, é considerada pelos moradores
uma referência religiosa da localidade, já que, ao longo dos anos, várias cerimônias e festas foram
realizadas neste templo (f22). Tanto as pessoas locais as de fora lamentam seu estado precário de
conservação.
Apesar de haver um grupo de pessoas tentando iniciar um movimento em prol de sua recuperação, seu
destino é incerto, uma vez que uma corrente clama por sua recuperação e a outra pede sua demolição,
dando lugar a um prédio novo. Caso esse último ponto prevaleça, o município sofrerá uma perda
significativa em seu patrimônio cultural, uma vez que a capela de São Sebastião de Cachoeira do Funil
integra um conjunto de pequenos templos religiosos existentes nas pequenas localidades de Rio das Flores,
e que constituem um valioso conjunto patrimonial do município.4

4
O conjunto de capelas de caráter rural é formado pela de São Sebastião (de Cachoeira do Funil), Santo Antonio (no Paciello), São
Sebastião e N. S. Aparecida (em Torres), São Lourenço (no Barreiro) e São João (no distrito de Abarracamento). Todas receberam um
fichamento individual neste inventário.

368
369
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Morador entrevistado para a produção do texto:

Olguete dos Santos Frias;

Referência bibliográfica

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

OLIVEIRA, João Carlos C. Igreja de Santa Tereza D`Ávila – projeto cultural para restauração. Rio das
Flores, [texto digitado].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.

370
R5

Instituto Estadual do Patrimônio Cultural


Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Estação ferroviária de Cachoeira do Funil

Localização: Município:
Rodovia RJ-145, perímetro urbano de Cachoeira do Funil Rio das Flores

Época de construção:
17 de julho de 1885

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Em vias de ser reaberta, provavelmente para o artesanato local/
Estação ferroviária

Proteção existente:
Lei Federal nº 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da extinta
Rede Ferroviária Federal – RFFSA).

Propriedade:
Prefeitura Municipal de Rio das Flores

.
1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Mun. Rio das Flores.

Fachada da estação, voltada para a rua interna. Os trilhos da ferrovia passavam na fachada oposta. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

371
Situação e ambiência

Cachoeira do Funil situa-se no território de Manuel Duarte - 2° distrito de Rio das Flores. A geografia do
entorno caracteriza-se por um conjunto de morros típicos da região, em formato meia laranja, tomados, em
sua grande maioria, por uma rala pastagem. O Córrego Manuel Pereira circunda de forma sinuosa a
extremidade esquerda, e, nos metros finais do perímetro urbano, é possível ouvir o som ininterrupto da
queda d’água que originou o nome do lugar.

f02

O acesso é feito pela RJ-145, e a localidade dista 7km de sua cidade-sede e 25km de Valença. No outro
sentido, a estrada conduz até Manuel Duarte, onde o território é banhado pelo Rio Preto, curso d’água que
faz a divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Quem parte da cidade mineira de Juiz de
Fora ou das cidades de Petrópolis e Três Rios, acessa a BR-040, no sentido de Paraibuna-MG e Mont
Serrat-RJ, localidades separadas pelo Rio Paraibuna e que pertencem, respectivamente, a Simão Pereira-
MG e Comendador Levy Gasparian-RJ. A partir de então, adentra-se a rodovia RJ-151, passando por
Afonso Arinos, até chegar a Manuel Duarte, onde a RJ-151 encontra a RJ-145. Quatro quilômetros à frente
chega-se ao pequeno lugarejo, que abriga o prédio aqui em estudo (t03).

f03

372
Situação e ambiência

A localidade vem se desenvolvendo ao longo da rodovia, e quase todas as construções possuem acesso
direto ao asfalto. Dentro de seu perímetro urbano existem também duas estradas vicinais que atendem
propriedades rurais. A área urbana é composta de dois núcleos, separados por cerca de trezentos metros.
A parte mais recente abriga um conjunto habitacional, uma quadra esportiva e uma escola. A outra
corresponde à sua formação primitiva, onde fica uma pequena Capela de São Sebastião (atualmente
fechada), alguns imóveis remanescentes do século XIX e a estação ferroviária, posicionada
longitudinalmente à rodovia RJ 145 (que ocupa o leito da extinta estrada de ferro). Uma via secundária a
contorna pelas suas extremidades (f03). Esta rua abriga duas residências, construídas nas últimas décadas.
Anteriormente havia, voltado para a estação, um imóvel que conjugava residência e armazém. O nome do
estabelecimento – Casa São José – ficava estampado na parte superior da frontaria da fachada frontal.

f04

Dentre todas as estações ferroviárias existentes no município de Rio das Flores, a de Cachoeira do Funil é
a única que preservou integralmente a sua espacialidade. Para observar suas quatro fachadas, basta
caminhar pelas ruas que circundam o prédio (fotos 01 a 05), que, após anos de abandono, acabou de
passar por uma grande intervenção. Apesar de as obras estarem praticamente concluídas, no período deste
levantamento ele se encontrava fechado, impedindo o acesso a seus espaços internos. A fachada principal
volta-se para o asfalto, caminho por onde a linha férrea passava (f04), sendo que, na época da ferrovia, o
leito era mais baixo, deixando o trem nivelado com a plataforma.

f05 f06
373
Descrição arquitetônica

O prédio fica entre duas estruturas constituídas integralmente de uma base de pedra (f05), que formam
suas antigas plataformas de embarque e desembarque - ambas receberam um guarda-corpo de ferro em
toda sua extensão (f05 e f07). O corpo central da estação possui volumetria retangular e é protegido por
uma cobertura em duas águas, preenchidas por telhas francesas que avançam até o limite das plataformas,
sendo sustentadas por esbeltas peças de madeira conhecidas como mão francesa (f08 e f09).
O sistema construtivo original possui estrutura de madeira em sistema de gaiola - composta por pilares,
madres, frechais e pelos batentes das esquadrias (portais e vergas) que ficam intertravados por peças
dispostas na diagonal, conhecidas como aspas ou Cruz de Santo André.1 A vedação dos panos da alvenaria
é feita por tijolos maciços, dispostos na horizontal ou em ângulos, criando uma compressão, possivelmente
para evitar futuros recalques nas paredes. As fachadas foram pintadas na cor salmão, intercalando detalhes
em branco nos pontos que demarcam tanto o tramo de madeira do sistema construtivo (como pilares e
frechais), quanto elementos, como a vazadura do óculo (f06), o alizar da porta da fachada lateral e
lambrequins que contornam o beiral do telhado (instalados nas obras atuais-f09).

f07 f08 f09

f10 f11 f12

As paredes do trecho que vai do armazém central até a residência do chefe da estação sofreram poucas
alterações, diferentemente da parte que corresponde ao setor que era ocupado pelo guichê e pelos
passageiros,2 cujo sistema construtivo original, formado pela gaiola estrutural, pelos tijolos maciços das
paredes e pelas esquadrias (folhas e batentes), foi completamente removido.
A parte que foi reedificada utilizou materiais e técnicas difundidas na construção civil atual: estrutura de
concreto armado, e paredes vedadas com tijolos cerâmicos furados. Nesses ambientes foram instalados um
salão e dois banheiros. As esquadrias da parte refeita são de madeira em folhas de abrir e conjugam
venezianas com vidros (f11). Uma bossagem de alvenaria contorna todas as portas e janelas, remetendo
aos portais de madeira do antigo sistema construtivo do prédio. O armazém central é o único local onde os
portais de madeira ficaram conservados. Eles atuam como parte estrutural da estação (f12). Suas portas se
abrem para ambas as fachadas, deslizando sobre roldanas instaladas acima da verga.
Com relação as suas características arquitetônicas, o prédio faz parte do conjunto de estações rio-florenses,
que possuem uma tipologia retangular térrea, com as fachadas alongadas voltadas para as plataformas e
onde ficavam as portas e a maioria das janelas. As outras duas fachadas são mais estreitas (f03 e f13) e
possuem empenas com uma vazadura em óculo trilobado na parte superior do frontão triangular. Uma delas
apresenta duas janelas, modelo que apresenta forte identidade com a linha férrea, tendo sido replicado nas
estações construídas até 1885, ano em que a estrada teve seu traçado original integralmente aberto ao
1
As peças que compõem a Cruz de Santo André não são visíveis, pois ficam embutidas nas paredes. O sistema construtivo original
foi analisado no período em que o prédio se encontrava em estado de ruína. Fonte de pesquisa: VASCONCELLOS, Sylvio de.
Arquitetura no Brasil, Sistemas Construtivos. 4ª ed. Universidade de Minas Gerais – UFMG, Escola de Arquitetura. Belo Horizonte:
[s.n], 1961, p. 25.
2
A distribuição interna pode ser observada no projeto da estação, presente numa das páginas seguintes. A planta foi disponibilizada
pela Secretaria de Obras da Prefeitura de Rio das Flores.
374
Descrição arquitetônica

tráfego. Com exceção da Marambaia (da qual se tem poucas informações) e da estação terminal de Porto
das Flores, as demais estações adotaram esse modelo padrão, seguindo as mesmas características
arquitetônicas e construtivas, como a de entroncamento que ficava em Commercio (atual Sebastião de
Lacerda – f29), a primitiva estação de madeira de Taboas e a de Santa Tereza (Rio das Flores – f30).
A de Cachoeira do Funil também integrava esse grupo (f32), mas essa fachada acabou se arruinando (f37).
Com o intuito de reproduzir essa importante característica arquitetônica, sua reconstrução acabou por
instalar duas janelas numa parede cega, que ficam permanentemente lacradas (f13).

f13

O prédio recebeu novas estampas, que remetem as que haviam na era ferroviária. Elas foram aplicadas nas
fachadas mais estreitas, contendo as iniciais da E.F.C.B (Estrada de Ferro Central do Brasil) e o nome da
estação (fotos 05, 06, 13 e 14). A fachada voltada para o asfalto (onde se dava o embarque e o
desembarque nos trens) recebeu, entre a porta do antigo armazém central, as inscrições “Altitude” e
“Distância”, (fotos 02, 15, 16 e 17), números que tem como referência a altitude em relação ao nível do mar
e a distância para a estação da “Central do Brasil”, situada na cidade do Rio de Janeiro.

f14 f15

f16 f17

Outro elemento inserido na atual reforma são os lambrequins contornando o beiral do telhado, que remetem
aos que existiram, provavelmente entre as décadas de 1880 e 1930, na estação que fazia o entroncamento
em Comércio (f29) e na de Rio das Flores (f30). Eles eram complementados por pontaletes nas
extremidades e por um acrotério no topo das cumeeiras. Apesar da ausência de registros, é possível que os
lambrequins tenham realmente existido na estação aqui em análise.

375
Estado de conservação

As obras recém-concluídas garantiram ao imóvel um bom estado de conservação física, não aparentando
nenhum tipo de problema estrutural relativo a falta de manutenção. Antes do início das obras, o prédio
conservava três valiosas inscrições de cunho artístico e histórico, que constituíam uma marca exclusiva da
arquitetura ferroviária. A maior delas ficava na parte superior da fachada lateral, contendo a sigla E.F.C.B. e
o nome da estação (Cachoeira do Funil - f18). As demais ficavam na fachada voltada para a plataforma de
embarque e desembarque e estampavam informações relativas a “Altitude” e “Distância” (f19 e f20). Todas
apresentavam aplicação sobreposta, mostrando que nos quadros haviam informações de época distintas.
O projeto atual inseriu novos quadros com as mesmas referências (fotos 14 a 17), adotando um fundo
branco e uma fonte diferente para letras e números. Nota-se que as estampas de “Altitude” e “Distância”
(f16 e f17) não ficaram no mesmo ponto (f23), havendo sutis diferenças no quadro informativo. A estampa
contendo as iniciais “EFCB” e o nome da estação (f14 e f18) foi replicada tanto na fachada em que ela já
existia (f05) e na que estava arruinada (f01 e f13). Cumpre registrar que além das estampas, haviam
pequenas inscrições ao lado da porta de entrada da casa do agente, que correspondia ao cadastro do
prédio (f21 e f22), feito provavelmente no período da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA-f21 e f22).

Local das
inscrições

f19

f21

f18 f20 f22

Local onde ficava o


Local onde ficava o quadro ALTITUDE
quadro DISTÂNCIA

f23

f24 f25 f26

As intervenções atuais optaram por padronizar as esquadrias do prédio, sendo que antes existia uma
mescla de modelos de épocas distintas (f23). A parte arruinada abrigava os portais de madeira maciça, que
atuavam como alizar e como elemento da gaiola estrutural do prédio. As folhas de portas e janelas
conjugavam venezianas com postigos de madeira (f24). Desses exemplares mais antigos restaram apenas

376
Estado de conservação

as portas de frente e de fundos do armazém central (f12 e f25). Na parte que era utilizada como casa do
agente, as esquadrias eram de madeira, conjugando venezianas e postigos de madeira (f10 e f26). A
principal diferenciação entre os modelos se dava na ausência dos portais de madeira (f26), levando a crer
que toda essa parte era fruto de alguma intervenção, realizada possivelmente na década de 1930. Essas
mudanças também ocorreram nas estações de Manuel Duarte, Rio das Flores e Três Ilhas.
Outra mudança relacionada às esquadrias diz respeito ao posicionamento delas nas fachadas longitudinais,
acessadas pelas plataformas. Percebe-se que esquadrias recompostas na parte arruinada não ficaram no
mesmo alinhamento. As duas portas que existiam foram substituídas por janelas, conforme pode ser
observado ao comparar as plantas baixas representadas abaixo (f27 e f28):

f27
Planta baixa da estação ferroviária de Cachoeira do Funil, com as divisões antes das intervenções.
As paredes marcadas apenas em linhas (sem o preenchimento) correspondem ao trecho que ficou arruinado.

f28
Planta baixa, com a divisão atual da estação ferroviária de Cachoeira do Funil.

f29 f30
1908. Estação de entroncamento em Commercio. FIGUEIRA,
Manoel Fernandes. Memória Histórica E. F. C. B.

Além das intervenções nas fachadas longitudinais, a reconstituição da que se encontrava arruinada buscou
sua recuperação integral. Nota-se porém que as janelas ficaram deslocadas do alinhamento original (ver as
fotos 01, 13 e 34), suprimindo do prédio a capacidade de representar fielmente, por meio de sua arquitetura,
uma das principais características da ferrovia rio-florense, dada pela padronização de uma das fachadas
das estações (f29 e f30).
Em seus anos iniciais, as estações apresentavam essa representativa fachada com janelas com folhas
cegas de abrir para o interior e folhas com bandeiras de vidro externas, arrematadas por uma bandeira fixa.
Com a posterior demolição das estações originais de Commercio e Taboas, apenas a estação de Rio das
Flores manteve a bandeira de vidro conservada em sua fachada (f30). Com o tempo, os lambrequins que
contornavam o beiral das estações foram retirados. As folhas das primitivas janelas (conforme se vê na de
Commercio-f29) foram substituídas por outros modelos, com postigos de vidro e paletas de veneziana (f11).

377
Histórico

Histórico
A estação de Cachoeira do Funil tem sua história vinculada aos primórdios da ferrovia em Santa Tereza
(atual município de Rio das Flores), que, até março de 1890, era uma freguesia de Valença. O projeto
contava com 36 quilômetros e seis estações: a de entroncamento em Commercio (atual Sebastião de
Lacerda), a da Marambaia, Taboas, Santa Tereza (Rio das Flores), Vendinha (Cachoeira do Funil) e a de
Porto das Flores (Manuel Duarte). Tudo indica que seu nome primitivo (Vendinha) tenha ligação com rancho
e venda de tropas de mesmo nome que existia no local, pertencente a fazenda Bom Sucesso.
Em 1876, a Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores iniciou as obras da estrada de ferro, chegando
em Taboas no ano de 1882. Devido a complicações de ordem financeira e administrativa, os serviços foram
paralisados na região da Cachoeira São Leandro (atual balneário municipal). Os trabalhos foram retomados
em 1885 por uma nova companhia, a Estrada de Ferro Rio das Flores, que terminou os últimos quilômetros
e construiu as duas estações restantes. Foi acordada a necessidade de refazer a de Commercio e a de
Santa Tereza, pois as que existiam eram provisórias. Com exceção da estação de Porto das Flores, foi
adotado, nas outras três, um projeto com as mesmas características, imprimindo uma identidade
arquitetônica à linha. Todas elas foram edificadas com tijolos maciços.
No dia 17 de julho de 1885, foi inaugurada a estação de Cachoeira do Funil, condição que lhe deu a
classificação de ponto final da linha - uma vez que os serviços até estação terminal de Porto das Flores não
haviam sido concluídos. Abaixo, dois quadros com o movimento dos trens no século XIX:
Quadro de Horários da Estrada de Ferro em 1886

Saídas de Commercio Saídas de Porto das Flores


(atual Sebastião Lacerda) (atual Manuel Duarte)
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 9:10 Porto Flores (Manuel Duarte) 12:50
Marambaia 9:42 9:47 Cachoeira do Funil (Vendinha) 13:00 13:05
Taboas 10:19 10:25 Santa Tereza (Rio das Flores) 13:25 13:30
Santa Tereza (Rio das Flores) 10:39 10:44 Taboas 13:47 14:02
Cachoeira do Funil (Vendinha) 11:00 11:05 Marambaia 14:35 14:40
Porto Flores (Manuel Duarte) 11:14 Estação em Commercio 15:00
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1886. Disponível em <http://memoria.bn.br> Acesso: novembro de 2012.

Quadro de Horários da Estrada de Ferro em 1893

Saídas de Commercio
(atual Sebastião Lacerda) Saídas de Três Ilhas
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 8:40 Três Ilhas 12:30
Marambaia 9:17 9:20 Santa Rosa 12:57 13:00
Taboas 9:50 10:00 Porto Flores (Manuel Duarte) 13:24 13:40
Santa Tereza (Rio das Flores) 10:17 10:24 Cachoeira do Funil 13:51 13:56
Cachoeira do Funil 10:44 10:47 Santa Tereza (Rio das Flores) 14:16 14:24
Porto Flores (Manuel Duarte) 10:58 11:15 Taboas 14:42 15:00
Santa Rosa 11:40 11:43 Marambaia 15:33 15:38
Três Ilhas 12:10 Estação em Commercio 16:02
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1893. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Não foram encontrados registros a respeito da distribuição interna do prédio. O espaço central, com as
tradicionais portas de correr (f12 e f25), demonstra que ali ficava o armazém, dando a entender que ela não
seguiu a disposição existente nas estações de entroncamento de Commercio e de Taboas ou então possuía
outro armazém (posteriormente adaptado para ser casa do agente). 3 Contudo, somente através de estudos
mais apurados (como realizar prospecções na alvenaria), pode-se fazer uma análise cronológica da
distribuição interna dos espaços da estação. Isso vale apenas para a parte da antiga residência, pois o
outro trecho que havia arruinado foi completamente removido nas obras de reforma.
A estação ocupava o ponto central do pequeno núcleo urbano, ficando circundada pelo armazém paralelo a
uma rua. Em 1903 foi construída a capela de São Sebastião, nas proximidades da estação. A região trocava
a produção de café pela pecuária leiteira. Em 1910, a E. F. Central do Brasil (EFCB) encampou diversas
companhias particulares, dentre elas, a E. F. Rio das Flores e a E. F. União Valenciana, substituídas pelo
sub-ramal Valença-Afonso Arinos. Naquela época, a população contava com dois horários de trem:

3
A estação situada na esplanada de Commercio (f29) possuía dimensões de 17,00m x 6,90m, com um amplo armazém de 12,50
metros, agência, sala de espera e toalete. A estação de madeira de Taboas tinha 24m de comprimento por 8m de largura e era
dividida, internamente, num armazém de 18m e mais três compartimentos, sendo um para a agência. Até mesmo a estação da
Marambaia, a menor de todas, possuía distribuição semelhante.
.

378
Histórico

f31
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1907. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Na década de 1930, a linha contava com três composições de ida e três de volta, entre Valença e Afonso
Arinos. A seguir, os horários em que os trens chegavam a suas plataformas:

Sub-ramal Valença – Afonso Arinos


Chegada dos trens à estação de Cachoeira do Funil Horário em vigor a partir de 1936
Estação de Cachoeira do Funil (saídas de Valença) 5:58 11:20 16:50
Estação de Cachoeira do Funil (saídas de Afonso Arinos) 8:28 10:42 15:35
Extraído do Quadro de Horários da E. F. Central do Brasil – Rede Fluminense. Acervo: Museu Ferroviário de Valença.

f32
s/d. Imagem com a estação ferroviária ao fundo. Acervo: Olguete dos Santos Frias.

Em 1957, a E. F. Central do Brasil foi substituída pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), num período em
que os trens já enfrentavam a concorrência das linhas de ônibus pelo transporte de passageiros: em 1947,
foi inaugurada uma linha entre Valença e Rio das Flores, que chegava até Manuel Duarte. Alguns anos
depois, a Viação Unida colocou uma linha ligando as cidades de Valença e Juiz de Fora-MG, passando,
assim, a cobrir todo o percurso que era feito pela linha férrea. No início da década de 1960, o governo
começou a erradicar diversos ramais ferroviários considerados antieconômicos e, entre eles, estava o sub-
ramal Valença-Afonso Arinos. O movimento dos trens naquela época pode ser visto a seguir:
Quadro de Horários em 1960
Saídas de Afonso Arinos Saídas de Valença
Afonso Arinos 4:41 10:26 14:45 Valença 7:23 10:58 18:49
Três Ilhas 5:16 10:58 15:17 Taboas 7:50 11:24 19:07
Santa Rosa 5:37 11:20 15:38 Rio das Flores 8:09 11:38 19:21
Manuel Duarte 5:56 11:43 15:57 Cachoeira do Funil 8:27 11:55 19:39
Cachoeira do Funil 6:07 11:57 16:08 Manuel Duarte 8:41 12:05 19:49
Rio das Flores 6:27 12:20 16:28 Santa Rosa 8:59 12:23 20:07
Taboas 6:42 12:36 16:43 Três Ilhas 9:23 12:42 20:26
Valença 7:06 13:00 17:07 Afonso Arinos 9:50 13:08 20:55
Fonte: Guia Levi, 1960. Acervo: Manoel Monachesi.

379
Histórico

f33
1985. Fachada do prédio que ficava na rua de fundos e que abrigava a Casa José. Acervo: Olguete dos Santos Frias

Os registros pesquisados apontam o dia 15 de outubro de 1965 como a data oficial da extinção do ramal.
Há, também, um decreto do ano seguinte relacionando-o entre os ramais erradicados ou com o tráfego
4
suspenso. É importante esclarecer que a paralisação do tráfego de trens não correspondia à extinção da
linha. Primeiramente, o tráfego da linha era suspenso, para, em seguida, decidir-se se o ramal seria
erradicado ou não. Tudo indica que foi isto que aconteceu com o ramal de Valença-Afonso Arinos. Segundo
as pesquisas realizadas, a última vez em que uma composição de horário regular para transportar
passageiros e cargas passou pela estação de Cachoeira do Funil foi no ano de 1964.
O asfaltamento realizado na década de 1970 ocupou o leito da antiga ferrovia. Além de passar muito
próximo à estação, a estrada acabou ficando numa cota superior à da antiga plataforma de embarque e
desembarque. Desde a sua desativação, a localidade sofreu um esvaziamento populacional. Por volta de
meados da década de 1980, o armazém, conhecido como “Casa São José” (que ficava alinhado com a rua
de fundos), já havia encerrado suas atividades comerciais (f33). A estação estava semiabandonada e a
ausência de algumas telhas perto do beiral iniciou o lento processo de arruinamento de sua fachada lateral
(f34), culminando com a perda total da parede por volta do inicio do século atual (f35 e f36). Nessa época, a
Rede Ferroviária Federal (RFFSA) levou o prédio a leilão.

f34
1985. Estação já em processo de arruinamento. Na rua de fundos aparece o prédio da Casa São José. Acervo: Adriano Novaes.

4
Consta 1965 na publicação de RODRIGUEZ (2004. p. 174). O trabalho de Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krisna Neffa (Caminhos
e Descaminhos do Sistema Ferroviário na Região do Médio Paraíba – Séculos XIX e XX) cita 1965 como o ano em que foi
decretado o fim do sub-ramal Valença-Afonso Arinos (p. 14). Segundo informações cedidas por Manoel Monachesi, 15 de outubro de
1965 tem como fonte a Revista Ferroviária de agosto de 2000, sobre trechos erradicados. O decreto nº 58.992/1966 é um documento
da Superintendência Regional 3 do Patrimônio (SR-3), publicado em 17 de julho de 1984, que trata das áreas sem os trilhos.

380
Histórico

2004. Fachada da estação pela rua de fundos 2004. Fachada pela rua de fundos.
Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f35 Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f36

Em meados da década de 2000, o trecho antes ocupado pelo guichê já havia perdido a cobertura, o que
acelerou o processo de arruinamento (fotos 37, 38 e 39). A integridade da parte que abrigava a antiga
residência do chefe da estação se deveu à presença de um morador (senhor Jayr de Souza), que ficou ali
durante uns vinte anos, até meados de 2011, época em que concedeu uma entrevista, relatando que fizera
diversas obras, o que evitou a perda total do imóvel. Quando da vistoria do prédio, ele mostrou as terças e a
cumeeira, onde instalou peças metálicas. Comentou também que recebeu ofertas para vender as portas e
janelas, para serem comercializadas como móveis de demolição. Durante o transcorrer desses anos, a
situação de abandono pôde ser constatada nos outros prédios históricos situados no entorno da estação: o
armazém da Casa São José (f33) acabou demolido, na década de 1990, e a capela encontra-se em
5
péssimo estado de conservação.

f37 f38

f39

5
A capela, dedicada a São Sebastião, recebeu um fichamento individual neste inventário.

381
Histórico

A recuperação do imóvel ocorreu através da Prefeitura de Rio das Flores, que adquiriu a estação há alguns
6
anos. Em agosto de 2011, as obras foram iniciadas, e os tijolos maciços que compunham sua substância
original ficaram amontoados (f40) nas proximidades de uma pilha de tijolos furados e da bancada para
dobrar as ferragens das novas estruturas de concreto que iam substituir a parte arruinada, que foi
completamente removida (f41).

f40 f41

Situada às margens da rodovia RJ 151, a antiga estação de Cachoeira do Funil manteve-se conectada com
os principais meios de transporte dos tempos atuais. Meio século após a passagem do último trem, ela está
prestes a reabrir seus espaços. Seu interior encontra-se dividido em dois setores distintos: a casa do agente
será adaptada para servir de empório. A extremidade que estava arruinada, e que anteriormente era
destinada a serviços como guichê e sala de espera do trem, vai abrigar o setor de artesanato local, que
avançará para o armazém central, onde será instalado um pequeno memorial da ferrovia no município.

f42
2013. O asfaltamento deixou a estação abaixo do nível da rodovia RJ145. Autoria: Annibal A. M. Silva.

6
A definição foi embasada na Carta de Burra. “Substância: conjunto de materiais que fisicamente constituem o bem”. CURY, Isabelle
(Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. pp 247.
382
383
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário.

As fotos 18 a 26, 27 (planta baixa), 30 e 37 a 41 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos:
inventário das estradas de ferro em Rio das Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Imagem 28 - planta baixa elaborada a partir da matriz em arquivo digital fornecido pela Prefeitura Municipal
de Rio das Flores.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

MORAIS, Sergio Santos. A Arquitetura das Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro Central do
Brasil no século XIX – 1858/1900. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/ PROARQ. Rio de Janeiro: 2002.

MUSEU DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Comarca de Valença. Processo de Embargo


de Obra; autor: Companhia Estrada de Ferro União Valenciana; ré: Companhia Estrada de Ferro
Commercio e Rio das Flores. 1879.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: O Resgate de sua
Memória. Rio de Janeiro: RR Donneley, 2004.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha
Auxiliar. 3. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional 1935.

Consultas Online.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso


entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acesso ao portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Obs.: A ausência de imagens aéreas (geradas por satélite) se deve à falta de cobertura pelo site
googleearth.com.

Nota: Para ter acesso aos desenhos gráficos da estação (planta baixa e planta de situação) antes das
atuais reformas, deve-se consultar a ficha do imóvel na publicação O Legado dos trilhos: inventário das
estradas de ferro em Rio das Flores, relacionada anteriormente.

384
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Armazém em Santa Rosa.

Localização: Município:
Rodovia RJ 151, Sítio Santa Rosa, localidade de Santa Rosa Rio das Flores.
(situada no distrito de Manuel Duarte).

Época de construção:
Século XIX.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Residencial/Comercial e Residencial.

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Particular.

1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal Rio das Flores.

f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

385
Situação e ambiência

O antigo armazém (f01) fica em Santa Rosa, um pequeno núcleo urbano, que se desenvolveu às margens
do Rio Preto (f02) e por onde passa a rodovia RJ-151. A localidade dista cerca de sete quilômetros do
distrito de Manuel Duarte, 18 km de sua cidade-sede (Rio das Flores), e 35km de Valença. Quem se
encontra na região de Petrópolis-RJ, ou mesmo de Juiz de Fora-MG, deve acessar a BR-040 e seguir pela
estrada que leva até as localidades vizinhas de Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ, separadas pelo Rio
Paraibuna, que marcam o término da RJ- 151, e ficam 25 km antes de Santa Rosa.

Três Rios
Juiz de Fora-MG

Rio das Flores


Armazém

f02
s/d (época provável: inicio década 2000).Imagem aérea da localidade de Santa Rosa.
Acervo: Escola Antonio Magalhães Alves (Porto das Flores-MG).

A paisagem do entorno é composta por morros em formato meia laranja, cobertos, em sua maioria, por uma
rala pastagem. O Rio Preto (curso d’água que divide os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais)
enriquece a paisagem com diversas ilhas florestadas e trechos com corredeiras (f02 e f03). Nas
proximidades do perímetro urbano da localidade, na altura da fazenda Independência, é possível avistar, do
lado mineiro, a magnífica queda da Cachoeira São Felipe.

f03

Santa Rosa vem passando por um significativo processo de crescimento populacional nas últimas décadas.
Além das construções existentes ao longo da rodovia, o lugar recebeu um conjunto habitacional, posto de
saúde e uma praça (implantada numa parte elevada), que formam seu núcleo principal.

386
Descrição arquitetônica

f04

O acesso ao armazém (f01) se faz pela estrada situada próximo à antiga estação ferroviária. Ao adentrar na
via chega-se ao conjunto habitacional da localidade, deve-se então acessar a estrada de terra à esquerda.
Depois de cruzar a pequena ponte de concreto sobre o Ribeirão Santa Rosa, é possível avistar o casarão
de arquitetura colonial, implantado bem na confrontação com a estrada (f04 e f05), por cujo leito, aliás,
seguia a pioneira Parahybuna- Porto das Flores, aberta para escoar o café da região até a Rodovia União e
Indústria. Posteriormente, ela foi adaptada para automóveis e serviu como leito da RJ-151. Atualmente é
uma rodovia municipal, denominada RF-24, mas encontra-se obstruída por porteiras particulares.
O prédio faz parte do sítio Santa Rosa, complementado por um extenso terreno de fundos, onde um cabuí
centenário divide espaço com várias árvores frutíferas, como bananeiras e laranjeiras. Há também
plantação de mandioca, uma horta e criação de galinhas caipiras. Os fundos da propriedade são
delimitados pelo Rio Preto, e as terras às suas margens são propícias para contemplação da paisagem e
pescarias (f03).

f05

Durante o levantamento, contamos com a colaboração do senhor Francisco Roberto Cavassoni de Oliveira,
um dos proprietários do imóvel, que utiliza a casa para veraneio. O terreno abriga alguns resquícios de
construções anexas ao velho armazém, como um tanque, de onde jorra uma água de mina que abastece a
propriedade (f06 e f07). Bem ao lado ficam os marcos do primitivo banheiro externo, que era conhecido
como casinha. Segundo o proprietário, tratava-se de uma pequena construção, instalada num nível acima
do solo, que possuía escada e paredes de madeira. A cobertura era de chapa metálica, aproveitada das
latas de banha que eram negociadas no armazém. O assento sanitário era um caixote de madeira com um
furo no meio. Embaixo passava o pequeno curso d’água originado do tanque acima citado e que era
represado por uma portinhola.
Alguns trilhos, possivelmente da antiga estrada Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores faziam a
contenção das pequenas margens do córrego. Ainda existem algumas peças na propriedade.
387
Descrição arquitetônica

f06 f07

f08

Com relação ao prédio, sua parte original possui sistema construtivo em gaiola de madeira (barrotes,
pilares, madres e frechal) e paredes vedadas com a técnica de pau a pique. Os anexos de fundos utilizam
materiais de construção da época atual, como estrutura de concreto armado, tijolos cerâmicos queimados e
telhas modelo plan ou de fibrocimento (f08).

f09

O antigo armazém corresponde ao bloco protegido pela tradicional cobertura em quatro águas, que utiliza
telhas capa e bica da arquitetura colonial, com a varanda postada na frente, coberta com telhas francesas e
acessada por uma escadaria lateral (f01 e f09). A fachada frontal apresenta duas portas no tramo central,
antecedidas por uma escadaria revestida com cimento (f09). Alisares, cunhais e madres possuem a mesma
tonalidade marrom das esquadrias. As paredes ganharam uma pintura na cor creme, e um barrado cinza na
388
Descrição arquitetônica

base próxima às antigas portas de acesso do armazém (fotos 01, 04, 09 e 10).
As esquadrias são de verga reta, com alisar na cor marrom e as folhas na cor azul del rey. As portas abrem-
se por meio de duas folhas em madeira maciça. A janela posicionada à direita possui bandeira em caixilho
de vidros com fechamento em guilhotina para o exterior e folhas cegas abrindo para o interior. Já a que fica
na extremidade esquerda apresenta fechamento em gradil de madeira, uma peça raramente encontrada
nos imóveis urbanos.

f10
O desnível do terreno permitiu que os espaços inferiores da parte direita fossem utilizados como garagem e
depósito (f10), transformando-se, assim, num porão, acessado pela fachada lateral (f11). A estrutura foi
reforçada por colunas de concreto e de alvenaria, bem como por arrimos com tijolos de cimento (f12 e f13).

f11

f12 f13

389
Descrição arquitetônica

f14 f15
Atualmente, o prédio abriga duas residências unifamiliares, sendo que uma delas já existia, integrada à
parte comercial do prédio. Ela manteve a entrada pela varanda frontal (fotos 10, 14 e 15) e utiliza os
ambientes internos originais como sala de estar (f16 e f18), de jantar (f17) e dois quartos (f19). O
compartimento de vendas do antigo armazém foi subdividido (com uma divisória de madeira) num quarto
(f20) e como espaço para usos diversos, conhecido como oficina (f21). Esta mantém o acesso ao exterior
por uma das portas centrais do antigo armazém, que foi cortada a meia altura, para servir como janela (f09).
o mesmo procedimento foi adotado na porta que havia ao lado (adaptada como janela do quarto).
Boa parte da instalação hidráulica ainda mantém os antigos canos de chumbo.
A casa ganhou um banheiro interno no fundo do antigo compartimento de vendas. A cozinha ficou num
bloco de fundos, anexo ao corpo principal do prédio (f08 e f11).

f16 f17

f18 f19

A outra residência possui entrada por um avarandado lateral de telhas cerâmicas, modelo paulista ou plan,
construído recentemente (f05 e f23). Do armazém, ela utiliza o quarto principal (protegido pela janela
gradeada – f24), onde ficava o depósito de sal. A atual sala de estar e a cozinha (f25) serviam como
armazém de estoque.
390
Descrição arquitetônica

f20 f21

f22
A fachada de fundos foi alterada de forma significativa, com o acréscimo de cômodos, feitos com materiais
utilizados habitualmente na construção civil: tijolo furado, esquadrias de ferro e telhas de fibrocimento (fotos
08, 23 e 26).

f23

O proprietário relatou que o prédio ficou abandonado por cerca de dez anos, chegando a apresentar um
péssimo estado de conservação. Isto ocorreu após sua família vender o imóvel, na década de 1980. Quem
o comprou utilizava o sítio para criação de gado, com isso, o prédio chegou inclusive, a servir como abrigo
para os animais. Com o tempo, a estrutura do telhado cedeu, levando o antigo armazém à ruína. A
construção foi salva do desaparecimento pelas mãos do sr. José Teixeira, que pediu ao dono permissão
para morar no prédio e, assim, estancou o processo de arruinamento e recuperou as partes danificadas.

391
Descrição arquitetônica

f24 f25

A família Cavassoni readquiriu o imóvel na década de 1990 e promoveu sua recuperação. Foi preciso
recuperar o engradamento do telhado (caibros e ripas). As tesouras estavam conservadas, e boa parte das
telhas foi reaproveitada. O subsolo, que abrigava uma carrocinha, foi escavado, evitando a umidade, e
ganhou altura e um espaço suficiente para servir como garagem de automóveis. Os pontaletes da estrutura
foram trocados por peças de concreto. Os barrotes estavam em bom estado e foram mantidos

f26

f27

Na recente vistoria, foi possível notar que o assoalho de madeira está muito deteriorado, devido ao tempo
que o casarão ficou sem cobertura e sem morador, estando agora coberto, em sua maioria, por tapetes. O
piso alterna compartimentos de cimento queimado, ardósia e tabuado de madeira (presente na sala, na
copa e nos quartos principais). Apenas o quarto ao lado da sala de entrada mantém o assoalho do
armazém, os demais ganharam tábuas novas. Portas e janelas são as mesmas, e foram mantidas as
mesmas cores: tom de azul nas folhas e batentes marrons. O forro era em madeira, no sistema saia e
camisa, na cor branca, em tábua larga. Segundo o proprietário, originalmente ele tinha relevo, era
trabalhado e se perdeu totalmente numa reforma feita na década de 1960. Atualmente, aplicou-se o recurso
de adesivos de plástico sobrepondo o forro em alguns cômodos, visando impermeabilizar a madeira
danificada e minimizar as infiltrações descendentes. Em outras partes, foram utilizadas telhas de
fibrocimento (amianto) como forro.
392
Histórico

Histórico
Devido à ausência de documentos manuscritos acerca da origem do antigo Armazém de Santa Rosa,
buscamos relembrar sua existência através das referências históricas. A própria localização do prédio
enseja importantes considerações. Deslocado da rodovia asfaltada (RJ 151) que passa pela localidade, ele
ficava às margens da estrada aberta em 1868 pelo Visconde do Rio Preto, ligando a Fazenda do Paraízo
(situada na atual localidade de Manuel Duarte) à estação de mudas da Estrada União e Indústria, em Mont
Serrat (distrito de Comendador Levy Gasparian). Este ramal, conhecido como Paraibuna/Porto das Flores,
(ou “Estrada das Flores”) possuía o leito de macadame e tinha a função de escoar a produção de café das
fazendas envoltórias para os portos do Rio de Janeiro. Em 1884 o trecho entre Paraibuna e Santa Rosa deu
lugar a uma linha férrea sobre trilhos, puxada a burros: a Cia Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores.
Mas o primeiro caminho aberto na região foi a Estrada da Independência, ou Estrada Geral. Percorrida por
D. Pedro I em 1824, ela saía de Valença, passava por Taboas, Santa Tereza (atual Rio das Flores) e Porto
das Flores (Manuel Duarte), até chegar em Paraibuna (atual Mont Serrat - por onde seguia a Estrada Real
do ouro). Seu é nome alusivo à fazenda da Independência, situada poucos quilômetros abaixo do Armazém.
Caso seu trajeto corresponda à atual pista que fica em frente ao antigo ponto comercial de Santa Rosa,
teríamos um vasto período cronológico para datar a época em que se deu a construção do armazém.
O atual proprietário relatou que em 1958 chegou ao estabelecimento um senhor chamado João Bernardino
de Souza que declarava ter 68 anos de idade, afirmando que tinha nascido na casa que era geminada com
o armazém e que a mesma já se tratava de uma antiga construção da qual seu pai, Francisco Bernardino
de Souza, fora o proprietário e exercera sua atividade de comerciante.

1953. Fachada do Armazém, quando era denominado “Casa Giesta”. Observa-se o alpendre anterior, a entrada no porão para a
carrocinha e os anexos laterais. Acervo: Francisco Roberto Cavassoni de Oliveira. f28

A estrada de ferro (que passava no leito atual do asfalto) chegou à Santa Rosa em 1893, retirando boa
parte do movimento da estrada de macadame, que virou leito da rodovia RJ-151, muito utilizada para ligar
os municípios de Valença e Rio das Flores (RJ) à cidade mineira de Juiz de Fora.
Na década de 1950, já havia movimento de ônibus na frente do tradicional armazém, eram quatro horários
por dia, cumpridos pela empresa Unida, ligando Valença-RJ a Juiz de Fora-MG. Havia também um bom
movimento de caminhões, e muitos paravam apenas para ver a hora no relógio que havia na casa
comercial, que ficou conhecida como “a vendinha do relógio”.
Esses fatos foram relatados pelo senhor Francisco Roberto Cavassoni de Oliveira e por seu irmão, José
Carlos. Entre 1953 e 1958, seu pai, que era comerciante em Porto das Flores-MG, comprou o
estabelecimento de Santa Rosa do senhor Manoel Martins Giesta, que mantinha o ponto desde a década
de 1940. Com isso, o nome “Casa Giesta” foi retirado, passando a se chamar “Casa Oliveira”, conforme
marcava a placa indicativa em letras garrafais vermelhas, instalada acima das portas de entrada, que podia
ser avistada pelos passageiros do trem. Em 1958, o pequeno alpendre coberto por folhas zincadas foi
substituído pela atual varanda. Antes disso, por volta das décadas de 1920 e 1930, o ponto foi explorado
por seu avô, Gabriel Rosa de Oliveira, tendo sido também o local onde o sr. Cobofe (um dos mais
393
Histórico

tradicionais comerciantes de Porto das Flores–MG e Manuel Duarte-RJ), ajudado pela mãe, montou seu
primeiro negócio. Na época (década de 1930) o senhor Gabriel Rosa produziu aguardente na propriedade,
cujo rótulo, que aparece abaixo (f29) pertence a um de seus netos - José Carlos. Segundo o senhor
Francisco Cavassoni, o estabelecimento ditava o movimento local, principalmente nos finais de semana,
quando colonos e proprietários de fazendas vizinhas iam até lá com o objetivo de adquirir mantimentos e
utensílios. O dia de maior movimento era sábado. A maioria dos fregueses usava vale das fazendas, e não
dinheiro.
Era um comércio de “secos e molhados”, que atendia os mais abastados e os mais simples e vendia de
tudo um pouco (fumo, tecidos, grãos, utensílios para o campo e de uso doméstico). Havia também venda de
ferragens.
O prédio não tinha local para receber vendedores para pernoites. O ponto comercial possuía três portas.
Uma delas foi emparedada e ficava próximo à janela de grade. A venda tinha sacaria, banca de toucinho,
quartinho de despensa e também um armazém para estoque. O porão era baixo e abrigava a carrocinha
puxada a mão, que servia para buscar compras e encomendas na estação ferroviária de Santa Rosa.
Havia outras construções anexas ao prédio, como o quartinho de arreio, seguido pelo depósito de guardar
sal. Abaixo, a narrativa do proprietário a respeito do movimento da casa comercial na década de 1950:

“A iluminação era à luz de querosene e usava-se um lampião belga, substituído depois pelo
lampião Aladin.
Os viajantes chegavam de trem. O arroz vinha de São Paulo; massas e bebidas, da cidade de Três
Rios. De Barra do Piraí chegava a massa Zamponi (que depois virou a Belprato).
“O açúcar refinado era para quem recebia melhores salários, como os funcionários da ferrovia
(Estrada de Ferro Central do Brasil). Os demais compravam o açúcar mascavinho ou o mascavo.
Este último parecia rapadura, era o mais barato, utilizado pelos mais pobres.
Havia três tipos de arroz: o agulha, o japonês e o canjiquinha, que era quebradinho.
Vendia muita carne-seca (chegava em fardos de 100kg). O bacalhau era para quem tinha
melhores condições financeiras. Para os pobres, vendíamos peixe mulato-velho, que é o bagre.
Fumo era em rolo, medido no dedo, não era pesado. Biscoito vinha em lata, era pesado na hora.
Usávamos balança da marca Filizola de 300 kg para pesar porco que comprávamos nas fazendas,
de onde vinham também milho e fubá. A venda aproveitava o moinho aqui perto, da já demolida
fazenda da Cachoeira.”

f29
s/d. Rótulo do aguardente que era engarrafado na propriedade e
vendido no armazém. Acervo: José Carlos Cavassoni de Oliveira.

Boa parte do movimento comercial se devia à estrada de ferro. A erradicação do ramal ferroviário, em
meados da década de 1860, levou à perda dos clientes de melhor situação financeira, que eram os
funcionários da Estrada de Ferro Central do Brasil (substituída, em 1957, pela Rede Ferroviária Federal). O
leito da ferrovia foi adaptado para a passagem de veículos e, na década de 1970, acabou sendo asfaltado.
Com isso, o armazém ficou deslocado da rota de passagem dos veículos. A estrada à sua frente passou a
servir apenas a um pequeno movimento local, tendo sido renomeada como estrada municipal RF-24.
O armazém encerrou suas atividades no inicio da década de 1960, tendo sido reaberto em 1969 com outro
nome, mas fechou por volta de 1972. No inicio da década de 1990 funcionou uma mercearia (que não tinha
ligação com o armazém), a mesma acabou fechando anos depois, possivelmente em 1994.
O Armazém de Santa Rosa é um dos mais representativos prédios comerciais do município, sendo um dos
poucos do gênero que restaram do período da abertura das estradas e da consolidação dos núcleos
urbanos da região.
394
395
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 10 e 28 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em
Rio das Flores (citada na referência bibliográfica abaixo).

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Morador entrevistado para a produção do texto:


Francisco Roberto Cavassoni de Oliveira, em 13 de julho de 2012.
José Carlos Cavassoni de Oliveira, em dezembro de 2013.

Referências bibliográficas:

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ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (coord.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho
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CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

DURÇO, João Adalberto Camargo. Giuseppe D’Urso: desdobramentos. Valença – RJ: Gráfica PC Duboc
ltda, 2006.

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KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
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MENDES, Francisco Roberval; et. al. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. Rio de Janeiro:
Imperial Novo Milênio, 2007. (Coleção Arquitetura no Brasil, V.1).

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008.

VASQUEZ, Pedro Karp. Álbum da Estrada União e Indústria. 2. Ed. Rio de Janeiro: Quadratim G, 1998.

Obs.:

- A ausência de imagens áreas (geradas por satélite) se deve a falta de cobertura pelo site googleearth.com

396
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Estação ferroviária de Santa Rosa

Localização: Município:
Rodovia RJ-151, localidade de Santa Rosa (situada no distrito de Rio das Flores
Manuel Duarte)

Época de construção:
1893 (data provável da inauguração)

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Residencial e comercial / Estação ferroviária

Proteção existente:
Lei Federal nº 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da
extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA).

Propriedade:
Sem informações

1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

Fachada da estação voltada para estrada asfaltada. Os trilhos da ferrovia seguiam paralelos à fachada oposta. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

397
Situação e ambiência

Situada às margens do Rio Preto (curso d’água que divide os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais),
a localidade de Santa Rosa é circundada por morros em formato meia laranja, cobertos, em sua maioria,
por uma rala pastagem. Sua paisagem é enriquecida pelas diversas ilhas florestadas e pelas corredeiras
existentes no Rio Preto (f02). Na parte final de seu perímetro urbano, próximo à fazenda Independência,
pode ser avistada, pela parte mineira, a magnífica queda da Cachoeira São Felipe.
A localidade é cortada pela rodovia RJ-151, distando cerca de sete quilômetros do distrito de Manuel
Duarte, 18 km de sua cidade-sede (Rio das Flores) e 35 km de Valença. Quem se encontra na região de
Petrópolis-RJ, ou mesmo em Juiz de Fora-MG, deve seguir pela BR-040 e acessar a estrada que leva até
Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ (localidades vizinhas, separadas pelo Rio Paraibuna). A partir de então,
percorre-se cerca de 25km pela rodovia RJ-151, margeando o Rio Preto.

Três Rios
Juiz de Fora-MG

Estação Ferroviária

Rio das Flores

f02
Por volta do ano de 2005. Acervo disponibilizado pela Escola Antônio Magalhães Alves (de Porto das Flores-MG).

Estação Ferroviária

f03
Por volta do ano de 2005. Acervo disponibilizado pela Escola Antônio Magalhães Alves (de Porto das Flores-MG).

398
Descrição arquitetônica

Santa Rosa registrou, nas últimas duas décadas, um dos mais significativos índices de crescimento
populacional do município de Rio das Flores. Além da estação ferroviária, outro prédio de grande valor para
o patrimônio histórico do município é um armazém, que fica afastado da rodovia, posicionando-se à beira do
trecho preservado do antigo ramal de diligências da estrada União e Indústria (f04).

f04
2012. Antigo armazém de Santa Rosa.

Próximo a esses prédios, houve uma ocupação planejada, com a implantação de um pequeno conjunto
habitacional, um posto de saúde, o centro comunitário e uma praça de lazer com uma quadra poliesportiva,
instalada numa área mais elevada (f03). A escola fica distante pouco mais de meio quilômetro desse
conjunto urbano, bem como de uma estrada vicinal que leva a propriedades rurais, dentre elas, a fazenda
Santa Rosa, cujas terras deram nome à localidade (f05).
O restante dos imóveis ocupa uma extensa faixa de terra situada entre o Rio Preto e o asfalto. Grande parte
dos moradores da comunidade guarda hábitos rurais, como a plantação de hortas. Alguns adotaram
costumes de uma típica localidade ribeirinha, mantendo as tradicionais canoas de madeira para praticar a
pesca ou simplesmente navegar pelo rio.

f05
2007. Acervo de Antonio Carlos de Oliveira Lima.

A antiga estação ferroviária se posiciona ao lado da rodovia RJ-151, ficando numa cota inferior ao nível do
asfalto (f01 e f07). A estrada de ferro passava junto à fachada oposta, entre a estação e o rio. Entretanto, o
pátio por onde seguia o trem encontra-se fechado por uma cerca. Sua ambiência se manteve preservada,
sem o comprometimento de outras construções, e somente algumas árvores de porte médio dificultam a
completa visibilidade do prédio (f06).
Não foi autorizado o levantamento arquitetônico e fotográfico do interior do imóvel. A vistoria limitou-se a
uma rápida visita aos ambientes internos e à plataforma de fundos, onde estacionavam as composições
ferroviárias (f08).
O prédio apresenta volumetria retangular, ficando sobre uma base de pedra que servia como plataforma de
embarque e desembarque. As paredes são de tijolo maciço, e o telhado possui trama de madeira e é
coberto por telhas francesas de barro, formando um caimento em duas águas, que avança até o limite das

399
Descrição arquitetônica

plataformas, apoiadas por esbeltas peças de madeira, executadas no sistema conhecido como mão-
francesa (f12). Portas e janelas foram instaladas na fachada voltada para a rodovia (f07) e na de fundos, por
onde seguia o trem. As fachadas laterais terminam com uma empena, criando um frontão. Numa dessas
fachadas foi pintado o nome da estação (f08 e f09).

f06

Atualmente seus espaços servem como uma residência e um ponto comercial. Um banheiro foi construído
na área externa, sobre a plataforma (f01 e f07). A rápida vistoria em seu interior dá a entender que a
estação preserva toda a distribuição interna da época ferroviária. Possui dois amplos salões nas
extremidades: o da direita corresponde ao armazém de cargas, hoje adaptado para ponto comercial; o da
esquerda possui divisão interna, pois este setor foi residência do chefe da estação. Os dois espaços,
porém, apresentam as mesmas dimensões, e suas amplas portas de madeira (f10) são arrematadas por um
gradilhado de ferro (f10 e f12). A porta do armazém é de correr, enquanto a da residência ganhou folhas de
abrir. Essas portas são intercaladas por janelas de folhas de madeira cega (f11).
O acesso era feito por meio de um hall central. Contudo, a porta que ficava voltada para a fachada da
rodovia foi emparedada, mantendo apenas a bandeira de ferro (f13), e apenas a porta de fundos foi
preservada. A parte central possui dois compartimentos menores, ocupados atualmente pela residência.
Originalmente, devia ser a sala de espera dos passageiros, e o cômodo aos fundos, que fica voltado para a
antiga plataforma de embarque, a sala do guichê. Complementa o conjunto um bloco de dimensão menor,
que fica interligado a uma das fachadas laterais, servindo como cozinha da casa. É provável que este
acréscimo tenha sido construído por volta da década de 1930.

f07

Este projeto foi replicado na estação vizinha de Três Ilhas, no entanto, sua fachada passou por significativas
descaracterizações. Essas duas estações (Santa Rosa e Três Ilhas) não seguiram a padronização arquite-

400
Estado de conservação

tônica implementada nas outras estações da linha, construídas anteriormente: estação de entroncamento
(situada em Commercio), Marambaia, Taboas, Santa Tereza e Cachoeira do Funil. Ficou fora desse grupo a
estação de Manuel Duarte, que apresenta dimensões e características arquitetônicas diferenciadas, mas
sua distribuição original (com dois armazéns nas extremidades e área central destinada a administração e
aos passageiros), guarda fortes semelhanças com as de Santa Rosa e Três Ilhas.

Local do leito da ferrovia

f08

f09 f10 f11

f12 f13

401
Estado de conservação

f14

Dentro do que foi possível averiguar, o prédio não apresenta ocorrências estruturais como trincas e
rachaduras, que possam vir a comprometer sua integridade física. As intervenções tiveram início com as
obras de asfaltamento da rodovia, que o deixaram em cota inferior.
Tudo indica que a estação preserva toda a distribuição interna da era ferroviária. A atual parte comercial
passou recentemente por uma reforma. Suas paredes foram pintadas de branco, e as esquadrias, de
vermelho. As telhas, com aparência de novas, podem ter sido lavadas. Já o espaço da residência mantém a
pintura anterior: as esquadrias na cor verde-escuro e as paredes numa tonalidade creme.
Observa-se que os apliques, onde estão as informações referentes a “Altitude” e “Distância” (situados na
fachada voltada para a plataforma de embarque - f15 e f16), foram encobertos pelas pinturas mais recentes,
mas tal intervenção não apagou por completo estes registros, que marcam a localização da estação em
relação à da Central do Brasil, situada na cidade do Rio de Janeiro.
Esses quadros constituem um dos principais elementos artísticos das estações ferroviárias de pequeno
porte. Presente nesse prédio, essa identificação encontra-se conservada de forma autentica em apenas
mais uma estação da antiga linha: a de Manuel Duarte (Porto das Flores). As que existem atualmente na
estação de Cachoeira do Funil são cópias, feitas a partir das que existiam anteriormente.
Para recuperá-las, será necessário um trabalho de prospecção e pesquisa. As estampas da estação de
Santa Rosa ficam sobre as janelas voltadas para a plataforma onde acontecia a movimentação dos
passageiros. Os números impressos estão registrados na obra Nominata das Estações:1

Altitude: 371,371 – Distância: 221,310

f15 f16

1
Museu Ferroviário de Valença-RJ. Estrada de Ferro Central do Brasil: Nominata das Estações. [s.n], 1953. p. 19.
A obra Vias Brasileiras de Communicação, E. De F. Central do Brasil, Linha Auxiliar (1935), de Max Vasconcellos, registra, na
pág. 77: 221,316 (Distância) e Sem dados (Altitude). Já na pág. 130 consta: 222,316 (Distância) e 372,100 (Altitude).
Outra obra, Valença de Ontem e Hoje (1789-1952), de Leoni Iorio (1953, p. 227), registra: 371,60 (Altitude) e Sem dados (Distância).

402
Histórico

Histórico
A decisão de construir uma estação na localidade de Santa Rosa está diretamente ligada a importantes
personagens da formação da estrada de ferro e da criação do município de Rio das Flores. O prédio
ferroviário ficou nas terras da fazenda Santa Rosa, diferentemente da grande maioria das outras estações,
construídas em áreas urbanizadas ou que haviam iniciado um processo de crescimento.2 Essas estações
também contribuíram para o processo de formação e desenvolvimento dos lugares. A primeira estrada a
cortar a região seguia pela parte mineira, chamada Caminho de Meneses, aberta em 1782. Na primeira
metade do século XIX, surgiu um caminho pelo lado fluminense, para escoar o café até os portos do Rio de
Janeiro. A consolidação econômica dessa região se deu com a inauguração da estrada União e Indústria,
ocorrida em 1861, permitindo que o Visconde do Rio Preto inaugurasse, em 1868, um ramal de diligências,
denominado Paraibuna/Porto das Flores (ou “Estrada das Flores”). O traçado começava na atual localidade
de Mont Serrat e seguia pela margem fluminense até a fazenda Flores do Paraizo (atual fazenda do
Paraízo), a cerca de um quilômetro de Manuel Duarte.
Em 1870, a Estrada de Ferro D. Pedro II chegou a Juiz de Fora-MG, levando a União e Indústria à
decadência. Com isso, o ramal de diligências acabou substituído por uma linha de bondes sobre trilhos,
tracionados por animais. Assentada sobre o leito do antigo ramal da União e Indústria, a Ferro Carril
Parahybuna e Porto das Flores atendia as propriedades rurais e os diminutos núcleos urbanos,
consolidados pelo extinto caminho das diligências. No dia 1º de janeiro de 1884, foi inaugurada sua primeira
seção, que começava em Mont Serrat e terminava em Santa Rosa, uma vez que ela foi impedida de chegar
até o ponto final (Porto das Flores). Esse fato teve origem numa disputa com a companhia férrea tracionada
por locomotivas a vapor, que alcançou a Porto das Flores em 1885. 3 O embargo ao restante do trecho
(entre Santa Rosa e Manuel Duarte) foi uma medida adotada pela E. F. Rio das Flores para impedir que a
Ferro Carril estendesse seus trilhos até Porto das Flores, e assim, prejudicasse seus lucros.

f17
Os círculos em vermelho demarcam a estação de Santa Rosa e a sede
da fazenda de mesmo nome. Fonte: Mapa do IBGE, folha de Valença-RJ.

No ano de 1885, a Estrada de Ferro Rio das Flores substituiu a primeira companhia (E. F. Commercio e Rio
das Flores). Três anos depois (1888) ela comprou a companhia Parahybuna e Porto das Flores,
conseguindo em novembro permissão para levar suas máquinas a vapor até Santa Rosa. A compra abriu
condições para estender seus trilhos até Três Ilhas, deixando os bonds da Ferro Carril trafegando daquele
ponto até Barra Longa (Afonso Arinos).
É provável que a abertura oficial do trecho da estrada de ferro tenha ocorrido após a emancipação político-
administrativa de Santa Tereza, em 17 de março de 1890. Segundo consta na publicação Nominata das
Estações, os dois prédios (Santa Rosa e Três Ilhas) foram inaugurados no mesmo dia: 28 de novembro de
1893. Entretanto, a confirmação dessa data exige maiores estudos. A de Três Ilhas é citada em 1890 pelo
jornal Diário de Notícias (de 23 de fevereiro de 1890, pag 02), relatando a troca de agente de correios da
estação da estrada de ferro. Já O Pharol da cidade de Juiz de Fora-MG publicou matéria, citando a chegada
da locomotiva da E. F. Rio das Flores na mesma estação em 19 de janeiro de 1892, ano em que foi criada
uma agencia correios na estação de Santa Rosa, pertencente a E. F. Rio das Flores (Diário de Notícias,
edição 02626, 20 de setembro de 1892).4

2
Além da estação de Santa Rosa, havia outra situada em área rural: a da Marambaia, inaugurada no período embrionário da ferrovia
no município, e demolida provavelmente na década de 1910.
3
A era dos trens a vapor na freguesia de Santa Tereza (atual município de Rio das Flores) começou com a Companhia Estrada de
Ferro Commercio e Rio das Flores. O trajeto contava com 36 quilômetros e seis estações, a saber: Commercio, Marambaia, Taboas,
Santa Tereza (Rio das Flores), Vendinha (Cachoeira do Funil) e Porto das Flores (Manuel Duarte). A primeira seção, entre Commercio
e Taboas, foi inaugurada em 1882.
4
Jornais pesquisados, fonte: <http://memoria.bn.br>.
403
Histórico

As estações eram instaladas por etapas, seguindo o ritmo de abertura da estrada.5 Partindo desta lógica, a
de Santa Rosa teria sido aberta ao trafego antes, favorecendo o embarque nas composições a vapor dos
produtos das fazendas vizinhas, gerando lucro financeiro para a companhia. Os festejos inaugurais de todo
o trecho podem ter ocorrido num mesmo dia, então considerado como a data oficial de inauguração dessas
duas estações.
Nos primeiros anos da linha férrea, existia apenas um horário de funcionamento. Este quadro se manteve
inalterado quando a linha chegou a Três Ilhas. A viagem de Comércio (atual Sebastião de Lacerda) até
Santa Rosa demorava três horas.

Quadro de Horários da Estrada de Ferro em 1893

Saídas de Commercio
(atual Sebastião de Lacerda) Saídas de Três Ilhas
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 8:40 Três Ilhas 12:30
Marambaia 9:17 9:20 Santa Rosa 12:57 13:00
Taboas 9:50 10:00 Porto Flores (Manuel Duarte) 13:24 13:40
Santa Tereza (Rio das Flores) 10:17 10:24 Cachoeira do Funil 13:51 13:56
Cachoeira do Funil 10:44 10:47 Santa Tereza (Rio das Flores) 14:16 14:24
Porto Flores (Manuel Duarte) 10:58 11:15 Taboas 14:42 15:00
Santa Rosa 11:40 11:43 Marambaia 15:33 15:38
Três Ilhas 12:10 Estação em Commercio 16:02
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1893. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

No início do século XX, os tempos áureos da plantação de café já haviam passado, mesmo assim, ele
continuou sendo o produto mais cultivado nas fazendas. A população contava com dois horários de trem:

f18
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1907. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Nessa época, as companhias ferroviárias particulares encontravam sérias dificuldades de se sustentarem


economicamente. Em 1910, a Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) encampou diversos ramais
ferroviários, dentre eles, a União Valenciana e a Estrada de Ferro Rio das Flores. Visando a uma maior
integração regional, a Central do Brasil promoveu um reordenamento na malha ferroviária, completando
com máquinas a vapor o trajeto entre a cidade de Valença e a linha central entre o Rio de Janeiro e Belo
Horizonte, ligando a região do Médio Paraíba fluminense à Zona da Mata mineira. Contando com cerca de
sessenta quilômetros, o novo acesso abandonou a seção entre Comércio e Taboas, passando a sair de
Valença e seguindo pelas estações de Taboas, Santa Tereza (Rio das Flores), Cachoeira do Funil, Porto
das Flores (Manuel Duarte), Santa Rosa, Três Ilhas e Barra Longa (Afonso Arinos).
Na década de 1930, a linha contava com três composições de ida e três de volta, entre Valença e Afonso
Arinos. A seguir, os horários em que os trens chegavam as plataformas de Santa Rosa:

Sub-Ramal Valença – Afonso Arinos


Horário de chegada dos trens na estação de Santa Rosa. Quadro em vigor a partir de 1936.
Estação de Santa Rosa – saídas de Valença 6:25 11:55 17:23
Estação de Santa Rosa – saídas de Afonso Arinos 7:57 10:14 15:01
Extraído do Quadro de Horários da E. F. Central do Brasil – Rede Fluminense. Acervo: Museu Ferroviário de Valença.

5
Estrada de Ferro Central do Brasil: Nominata das Estações. [s.n], 1953, pg. 19. Como exemplos têm-se as estações de
Cachoeira do Funil e Porto das Flores. Consta que foram inauguradas em 28 de setembro de 1893. Outra fonte descreve que a
inauguração das mesmas ocorreu em dias separados: em 17 de julho e 28 de setembro de 1885, respectivamente.
404
Histórico

Anos depois, as ferrovias brasileiras passaram a enfrentar a concorrência dos coletivos rodoviários. Em
1947, os ônibus começaram a circular entre Valença, Rio das Flores e Manuel Duarte. Apesar de não
chegarem até a estação de Santa Rosa, eles acabaram interferindo no movimento dos trens. Em meados
da década de 1950, entrou em funcionamento outra linha de ônibus, entre as cidades de Valença e Juiz de
Fora-MG, cobrindo toda a extensão atendida pela estrada de ferro. Em 1957, a Estrada de Ferro Central do
Brasil foi substituída pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Os trens mantinham, naquela época, três
horários por dia, conforme pode ser visto a seguir:
Quadro de Horários em 1960
Saídas de Afonso Arinos Saídas de Valença
Afonso Arinos 4:41 10:26 14:45 Valença 7:23 10:58 18:49
Três Ilhas 5:16 10:58 15:17 Taboas 7:50 11:24 19:07
Santa Rosa 5:37 11:20 15:38 Rio das Flores 8:09 11:38 19:21
Manuel Duarte 5:56 11:43 15:57 Cachoeira do Funil 8:27 11:55 19:39
Cachoeira do Funil 6:07 11:57 16:08 Manuel Duarte 8:41 12:05 19:49
Rio das Flores 6:27 12:20 16:28 Santa Rosa 8:59 12:23 20:07
Taboas 6:42 12:36 16:43 Três Ilhas 9:23 12:42 20:26
Valença 7:06 13:00 17:07 Afonso Arinos 9:50 13:08 20:55
Fonte: Guia Levi, 1960. Acervo: Manoel Monachesi.

No início da década de 1960, o governo começou a erradicar diversos ramais ferroviários considerados
antieconômicos e, entre eles, estava o sub-ramal Valença-Afonso Arinos. Os registros apontam com
precisão o dia 15 de outubro de 1965 como a data oficial da extinção do ramal. Há, também, um decreto do
6
ano seguinte (nº 58.992/1966) relacionando-o entre os ramais erradicados ou com o tráfego suspenso. É
importante mencionar que o fechamento da estrada para os trens não correspondia à sua total extinção.
Primeiramente, era suspenso o tráfego de trens, para, em seguida, decidir-se se a linha seria erradicada ou
não. Segundo informações coletadas com antigos moradores da região, a última composição de horário
regular para transportar passageiros e cargas passou pela localidade no ano de 1964.
Depois disso, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi se desfazendo de vários imóveis das linhas. Durante
muitos anos, uma fração do terreno e o antigo armazém da estação de Santa Rosa foram utilizados pelo
Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ). A parte da casa do agente passou a abrigar uma
família. Não foi possível estabelecer um contato que pudesse esclarecer se os moradores têm a posse
definitiva do imóvel ou se ele ainda pertence ao governo. Contudo, um documento entre o DNIT e IPHAN,
referente a valoração das estações ferroviárias, registra que a Prefeitura Municipal de Rio das Flores
comunicou ter interesse em adquirir o imóvel.

f19
s/d (Provavelmente primeira década do ano 2000). Antiga área de embarque da estação, quando era utilizada
pelo DER. Fonte: Retirado do site <www.estacoesferroviarias.com.br>. Acesso: abril de 2011.

6
Consta 1965 na publicação de RODRIGUEZ, 2004. p. 174. A obra de Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krisna Neffa Caminhos e
Descaminhos do Sistema Ferroviário na Região do Médio Paraíba – Séculos XIX e XX cita 1965 como o ano em que foi decretado
o fim do sub-ramal Valença-Afonso Arinos (p. 14). Segundo as informações cedidas por Manoel Monachesi, a data de 15 de outubro de
1965 tem como fonte a Revista Ferroviária de agosto de 2000, sobre trechos erradicados. O decreto de 1966 é um documento da
Superintendência Regional 3 de Patrimônio (SR-3), publicado em 17 de julho de 1984, que trata das áreas sem os trilhos.

405
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram utilizadas na publicação O legado dos trilhos: inventário
das estradas de ferro em Rio das Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2004.

CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (coord.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho
Arquitetos, 2010.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

ESTEVES, Albino e LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói-
RJ: Imprensa Oficial, 1990.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Inventário


das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense – Tomo I. (Coord. Técnica: Dina Lerner, produção
executiva: Francis Miszputem). Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cidade Viva: Inepac, 2008. Fichas
consultadas: Fazenda Santa Luíza, p. 313-326. Fazenda Santa Rosa, p. 327-336.

MORAIS, Sergio Santos. A Arquitetura das Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro Central do
Brasil no século XIX – 1858/1900. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/ PROARQ. Rio de Janeiro: 2002.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: O Resgate de sua
Memória. Rio de Janeiro: RR Donneley, 2004.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da. (Coord.). O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac. Rio das
Flores-RJ: Edição do Autor, 2011.

VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha
Auxiliar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

Consultas On-line:

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso


entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo do jornal O Pharol, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de
2013.

Acesso ao portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Obs.: A ausência de imagens aéreas (geradas por satélite) se deve à falta de cobertura pelo site
googleearth.com.

406
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Ponte Interestadual de Três Ilhas (Ponte Presidente Antônio Carlos).

Localização: Município:
Entre as localidades, denominadas respectivamente de Três Travessia sobre o Rio Preto. Divisa dos municípios de Rio das
Ilhas. Flores/RJ e Belmiro Braga/MG.

Época de construção:
1862 – ponte primitiva de madeira.
1922 – base de pedra.
04 de fevereiro de 1934 – inauguração do piso atual de concreto
armado.

Estado de conservação:
Detalhamento no corpo da ficha /

Uso atual / Original:


Ponte Rodoviária.

Proteção existente:
Nenhuma.

Propriedade:
Governo Federal.
1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

Vista da ponte pela margem da localidade de Três Ilhas/RJ f01


Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

407
Situação e ambiência

Três Ilhas fica situado na confrontação do município de Rio das Flores com o de Paraíba do Sul. A pequena
localidade é geograficamente privilegiada, marcada por elementos que lhe conferem uma bela paisagem
natural, como o maciço de pedra que faz parte da cordilheira da Serra das Abóboras (f03) e o caudaloso Rio
Preto, curso d’água que serve de divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (f02 e f03), e
sobre o qual fica uma das pontes que ligam os dois territórios.

Três Ilhas - MG

Três Ilhas - RJ

Imagem gerada pelo Google Earth. Fevereiro de 2013. f02

Ponte

Imagem gerada pelo Google Earth. Agosto de 2012. f03

A localidade é cortada pela rodovia RJ-151, distando cerca de 25 quilômetros de sua cidade-sede (Rio das
Flores). Para quem se encontra nas proximidades de Petrópolis-RJ ou mesmo de Juiz de Fora-MG, é
preciso seguir pela BR-040 e acessar a estrada que leva até Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ, localidades
vizinhas, separadas pelo Rio Paraibuna. A partir daí, percorrendo mais 17km pela rodovia RJ-151,
margeando o Rio Preto, chega-se ao perímetro urbano de Três Ilhas.
O assentamento humano ocorreu em ambos os lados do curso d’água. No lado mineiro, fica a localidade de
Três Ilhas-MG (f05 e f09), pertencente ao município de Belmiro Braga, e que é servida por uma estrada de
piso de terra. O caminho à esquerda leva à pequena vila de São José das Três Ilhas (distante 8 km), e o da
direita, leva à cidade-sede do município de Belmiro Braga-MG (cerca de 15km à frente).
408
Descrição arquitetônica

f04

A parte fluminense, onde reside a maioria da população, abriga praticamente toda a infraestrutura que
atende os dois lugarejos, como pontos comerciais, escola, praça, campo de futebol e posto de saúde. Pela
via asfaltada (RJ-151) que corta seu núcleo urbano, passam os transportes coletivos a caminho das
principais cidades vizinhas, como Rio das Flores, Valença e Três Rios, no lado fluminense, e Juiz de Fora-
MG (f04). A localidade mineira não apresenta o mesmo dinamismo, encontrando-se estagnada, a estrada é
de terra, e as construções se distribuem de forma esparsa ao longo do perímetro urbano (fotos 05, 06, 07,
08 e 09). Destaque para a Capela do Sagrado Coração de Jesus (f06), onde ocorrem as celebrações
religiosas e festivas. A travessia sobre o Rio Preto também é de muita utilidade para São José das Três
Ilhas, um distrito de Belmiro Braga situado a cerca de oito quilômetros, e que preserva seu casario colonial
e uma colossal igreja de pedra em estilo neorromânico.

f05 f06

f07 f08

409
Descrição arquitetônica

f09

A ponte fica num nível mais elevado em relação as estradas, possivelmente para evitar as grandes
enchentes. Suas desembocaduras são curtas, contíguas à plataforma de travessia, que é feita de concreto
armado, com largura considerável para a passagem de um veículo e o trânsito de pedestres (f10 e f12). Em
cada cabeceira foi colocada uma placa de inauguração da ponte (f11). Em 2003, foi instalada, na parte
fluminense, uma estrutura de concreto, onde foi fixada uma placa comemorativa pelos seus setenta anos
(f13).

f10 f11

f12 f13
410
Descrição arquitetônica

f14 f15
A travessia se faz por um tabuleiro inteiriço de concreto armado, sem juntas de dilatação. As laterais são
anteparadas por um guarda-corpo (possivelmente de concreto armado), constituído por vãos em forma de
arco pleno nas extremidades inferior e superior, que formam um gradeamento contínuo de grande
expressão artística (f14 e f15).
A base da plataforma é reforçada por vigotas na face inferior, que transferem as cargas para as esbeltas
vigas laterais, que descarregam os esforços a que estão submetidas em quatro contrafortes de pedra
fincados sobre a calha do Rio Preto (fotos 01, 16 e 17), apoiados sobre sapatas. Estas peças foram
talhadas de forma primorosa, afilando-se à medida que atingem o topo (f18 e f19).

f16 f17

f18 f19

411
Estado de conservação

f20 f21

A respeito da integridade da construção, é importante mencionar as questões relativas às suas condições


estruturais e às suas características artísticas. Com relação a estas últimas, foi aplicada, poucos anos atrás,
uma tinta sobre o gradeamento, encobrindo sua superfície tradicional, constituída de um revestimento de
argamassa de cimento e areia de granulometria média, que lhe conferia uma valiosa autenticidade (f20 e
f21).
Uma das vigas que fazem o engaste da plataforma com a cabeceira pela parte fluminense encontra-se
rompida, e as varas de aço estão expostas ao tempo (f22 e f23). A causa deve estar relacionada ao tráfego
pesado. Em 2009, uma placa informava que a carga máxima que a ponte suportava era de 10 toneladas
(f24). Contudo, na mesma época, ocorria a passagem de caminhões basculantes com dois eixos traseiros,
com capacidade de transportar carga acima do limite estipulado (f25 e f26).

f22 f23

f24

f25 f26
412
Histórico

s/d (provavelmente década de 1910). Fonte: ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915. p. 407. f27

Histórico
A primeira via cortando o atual território de Três Ilhas foi o Caminho de Meneses, uma ramificação da
Estrada Real, aberta no século XVIII (em 1782), na margem mineira do Rio Preto, pelo alferes Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes. No início do século XIX, intensificou-se a concessão de sesmarias na
região, o que levou à instalação de um caminho, no lado fluminense, para levar o café colhido nas fazendas
até os portos do Rio de Janeiro. A construção de pontes sobre o Rio Preto remonta à metade do século XIX
e foi uma solução para transpor cursos d’água em pontos por onde passavam importantes caminhos ligando
as províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essas travessias estavam ligadas às vias de comunicação,
ficando inseridas em locais onde se desenvolveram núcleos populacionais.
A construção das pontes exigia esmero e demandava madeiras de qualidade. Os apoios eram constituídos
em linhas de pilares, cada um composto por quatro esbeltos esteios, posicionados em ângulo, fincados
sobre a calha e a margem do rio. A construção geralmente ficava a cargo do governo da província mineira,
recebendo ajuda da parte fluminense e dos proprietários de terras locais. As informações coletadas dão
conta de que a primeira travessia construída sobre o Rio Preto foi instalada na década de 1840, na cidade
de mesmo nome, ligando-a ao distrito valenciano de Parapeúna-RJ. Na década de 1850, foi construída a
ponte ligando as atuais localidades de Porto das Flores-MG e Manuel Duarte-RJ.
Em 1861, havia um sem-número de construções de madeira na província de Minas Gerais, e, no ano
seguinte, foi viabilizada a construção da ponte ligando ambas as localidades denominadas Três Ilhas. O
empreendimento contou com a colaboração financeira dos proprietários de terras locais, alguns deles do
vizinho arraial cafeeiro de São José do Vale do Rio Preto (atual São José das Três Ilhas-MG): os
fazendeiros Joaquim de Paula Souza, Francisco Assis Alves, José de Barros Monteiro, Ildefonso Monteiro
de Barros e José Bernardino de Barros. A obra foi examinada por um engenheiro da União e Indústria
(companhia que inaugurou, em 1861, a principal via do país na época, ligando Petrópolis-RJ a Juiz de Fora-
MG). Em 1863, o governo da província comprou a ponte de Três Ilhas, adquirindo-a integralmente. Em
1868, a província de Minas Gerais sentiu a necessidade de reformar essas pontes, dentre elas, as que
ficavam sobre o Rio Preto: a que ficava na recebedoria de Zacarias (que estava em ruínas), a de Porto das
Flores-Manuel Duarte e a de Três Ilhas. Estas duas últimas foram orçadas pela Companhia União e
Indústria, que, naquele mesmo ano, inauguraria um ramal, passando por esses dois pontos: denominado
Paraibuna/Porto das Flores (ou “Estrada das Flores”), ele ligava Porto das Flores (Manuel Duarte) ao ponto
de mudas da União e Indústria, em Paraibuna (atual Mont Serrat, distrito de Comendador Levy Gasparian,
onde, hoje, está instalado o Museu Rodoviário). Devido à sua localização e importância, Três Ilhas recebeu
umas das paradas para embarque e desembarque do citado ramal.
Um dos fatores que levavam tanto a população como a produção das propriedades situadas na parte
mineira (que pertencia ao município de Juiz de Fora) a atravessar a ponte eram os meios de transporte que
seguiam pela margem fluminense: em 1884, a estrada de carruagens foi substituída por uma linha de

413
Histórico

bondes sobre trilhos tracionados por animais, a Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores, inaugurada no
dia 1ª de janeiro de 1884, saindo de Paraibuna (atual Mont Serrat-RJ) e terminando em Três Ilhas. Em
1885, a estrada foi prolongada em seis quilômetros, até a atual localidade de Santa Rosa. Nesse mesmo
ano, Porto das Flores (atual Manuel Duarte) recebia os trilhos da ferrovia a vapor, vinda de Santa Tereza
(Rio das Flores), em 1893 ela chegou a Três Ilhas, inaugurando a estação ferroviária local. Assim, o
transporte da ferro carril ficou restrito da divisa da localidade de Três Ilhas até Paraibuna.

s/d. A ponte de madeira, ainda com os pilares de madeira. Imagem tomada da parte fluminense. IMPRENSA OFICIAL DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói – RJ: Imprensa Oficial, 1990. p 07. f28

As pontes de madeira necessitavam de manutenção constante, devido a fatores relacionados a exposição


às intempéries, vida útil do material, pouca manutenção e desgaste provocado pelo esforços a que eram
submetidas. A principal causa estava relacionada à baixa condição das estruturas para resistir às grandes
enchentes, que exerciam forte pressão em seus pilares. Fragilizados perante a força das águas, eles
quebravam, e a correnteza arrastavam as pontes rio abaixo. Isso acarretava a necessidade de reparos
quase que constantes. A ponte de Três Ilhas passou por obras de recuperação já na década de 1870. Em
1873, foram realizadas algumas intervenções, que ficaram a cargo do engenheiro Rodrigo Ribeiro, quando
foram feitos reparos no portão. Dois anos depois, ela já necessitava de consertos urgentes, e sua
recuperação era vital, para que a província mineira não ficasse prejudicada. Em 1877, a população pediu
sua reconstrução, e a aprovação para isto muito se deveu a ela ser ligada a uma estrada “bastante
concorrida” pelo lado fluminense (o ramal da União e Indústria). Não se sabe se essa obra foi realizada,
pois, em 1879, a Recebedoria de Três Ilhas solicitou a construção de uma “tosca ponte de madeira branca”,
com o intuito de ter uma passagem provisória para atender ao trânsito de veículos, enquanto se preparava a
reconstrução da ponte que desabara. Sua reconstrução se deu em 1880.
Em 1905, foram realizadas reformas na ponte. Segundo os relatórios elaborados pelo governo do Estado de
Minas Gerais,1 entre 1900 e 1930, boa parte do valor a ser aplicado em obras públicas era investida em
serviços de reparos, reconstruções e consertos das pontes, devido a danos ocasionados, em sua maioria,
pelas enchentes. Registros apontam uma grande cheia na região, em 1913, que destruiu diversas pontes de
madeira. Um relatório elaborado em 1915 mostra a dimensão da situação e as dificuldades enfrentadas:

“As últimas tempestades derrubaram grande número de pontes. O Governo tem a preocupação de
construir pontes duradouras e resistentes, embora seja obrigado, pela escassez da verba, a fazê-lo
em menor número.”

1
Apesar de a pesquisa ter abrangido tanto o atual Estado do Rio de Janeiro quanto o de Minas Gerais, os dados relativos às pontes
sobre o Rio Preto foram localizados apenas nos arquivos mineiros, possivelmente porque foram os mineiros os principais responsáveis
e os mais interessados pela construção e manutenção das pontes.
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/minas_gerais>. Período compreendido: 1890 a 1930, páginas referentes a obras públicas.
414
Histórico

Não se sabe se a de Três Ilhas foi destruída pela mencionada enchente. Na época, surgia uma nova
tecnologia, que iria substituir a madeira como matéria-prima: as estruturas metálicas, difundidas no país e
no mundo pelas ferrovias.2 Em 1911, quando havia dezoito dessas travessias em todo o Estado de Minas
Gerais, foi concluída a primeira travessia de estrutura de ferro sobre o Rio Preto, na cidade de mesmo
nome, fazendo a ligação com o distrito valenciano de Parapeúna-RJ.
Além do aspecto da fragilidade, a execução das travessias de madeira estava se tornando cada vez mais
dispendiosa, em virtude da escassez de madeiras de qualidade, que começavam a rarear em certas
regiões. O investimento começava a ficar inviável, a ponto de o custo das construídas entre 1918 e 1922 ter
alcançado um patamar elevadíssimo.

s/d Fonte: Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Album de Fotos da Linha Valença a Afonso Arinos. [?]. f29

Em 1917, Minas Gerais iniciou um movimento para substituir as velhas pontes de madeira, de duração
sempre precária, por outras de concreto armado. Em 1918, foi edificada a primeira em concreto.
Consideradas resistentes o suficiente para durarem um tempo indeterminado, elas se tornaram um símbolo
do progresso. Em 1921, iniciaram-se as obras das pontes de concreto próximas a Três Ilhas: a de São
Sebastião do Barreado e de Porto das Flores-Manuel Duarte, inauguradas em 1923, quando havia apenas
23 modelos semelhantes iniciados ou prontos em todo o Estado de Minas Gerais.
Em 1922, havia três pontes sobre o Rio Preto em construção: as duas de concreto anteriormente citadas e
a de Três Ilhas, que, na época, adotou pregões de pedra, sobre a qual se apoiou uma travessia de madeira
(f29). Com isso, foi extinta a ameaça de sua base ser arrastada pelas fortes correntezas das épocas
chuvosas. É curioso que não tenha sido adotada a construção em concreto armado em Três Ilhas, pois a
localidade devia gozar da mesma importância e prestígio que tinham São Sebastião do Barreado, bem
como Porto das Flores/Manuel Duarte, possuindo, inclusive, acesso por estrada de ferro (uma das
condições para se conseguir levar ferragem, cimento e grandes quantidades de pedra aos canteiros de
obras).
Em 1927, havia 113 pontes de concreto em Minas Gerais, e, em 1929, 147. Na década de 1930, a ponte de
Três Ilhas finalmente recebeu a travessia em concreto armado, utilizando como ferragem vergalhões de aço
de superfície lisa, o que possibilitou a criação de uma estrutura bem mais esbelta que a das pontes vizinhas
de Porto das Flores-Manuel Duarte e São Sebastião do Barreado (onde foram utilizadas barras de ferro
semelhantes a trilhos de trem). As placas de inauguração, instaladas tanto na parte fluminense quanto na
mineira (f11), registram que as obras começaram em 1933 e a inauguração se deu em 4 de fevereiro de
1934, ganhando o nome de Ponte Presidente Antonio Carlos. Alguns historiadores atribuem a homenagem
ao fato de que foi em sua gestão como governador do estado (entre 1926 e 1930) que o projeto foi
alavancado, e por ter sido o ilustre político mineiro o principal responsável pela região banhada pelas águas
do Rio Preto receber as pontes de concreto. Segundo informações locais, a ponte possuía um portão de
ferro, na entrada pelo Estado de Minas Gerais, servia para a cobrança na travessia e era fechada toda
noite. Apesar de algumas pessoas informarem que ele foi jogado no rio, não se pode afirmar qual foi seu
verdadeiro paradeiro.
2
Com relação às pontes metálicas, ver dois fichamentos neste inventário: Ponte do Commercio e ponte sobre o Rio das Flores.
415
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Fotos 20 a 26, produzidas entre os anos de 2009 e 2011: acervo de Annibal Affonso Magalhães da Silva.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (coord.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho
Arquitetos, 2010.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL (EFCB). Álbum de Fotos da Linha Valença a Afonso
Arinos. [?], (acervo particular, disponibilizado por Tereza Cristina Meyer Machado).

ESTEVES, Albino; LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

IORIO, Leoni. Valença de Ontem e Hoje (1789 – 1952). 1. ed. Juiz de Fora – MG: Companhia Dias
Cardoso S.A, 1953.

LAMEGO, Alberto. O Homem e a Serra. Biblioteca Geográfica Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1963.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

TJADER, Rogério da Silva. Porto das Flores, um esboço histórico. Valença – RJ: Gráfica Duboc, 2008.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Consultas ao Arquivo Público Mineiro, disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br>. Acesso entre


julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso


entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

416
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Estação ferroviária de Três Ilhas

Localização: Município:
Rodovia RJ-151, Três Ilhas Rio das Flores

Época de construção:
28 de novembro de 1893 (data provável da inauguração)

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Residencial e comercial/Estação ferroviária

Proteção existente:
Lei Federal nº 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da
extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA)

Propriedade:
Sem informações

1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores

2012. Fachada da estação voltada para a rodovia, por onde seguiam os trilhos da estrada de ferro. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

417
Situação e ambiência

Igreja
Três Ilhas MG

Juiz Fora
Três Rios

São José das


Três Ilhas-MG
Estação

Três Ilhas RJ
Rio das Flores
Valença

Imagem gerada pelo Google Earth. Acesso em fevereiro de 2013. f02

Três Ilhas fica situado na confrontação do município de Rio das Flores com o de Paraíba do Sul. A pequena
localidade é geograficamente privilegiada, marcada por elementos que lhe conferem uma bela paisagem
natural: o maciço de pedra que faz parte da cordilheira da Serra das Abóboras (f03) e o caudaloso Rio
Preto, curso d’água que serve de divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (f02 e f04).
A localidade é cortada pela rodovia RJ-151, distando cerca de 25 quilômetros de sua cidade-sede (Rio das
Flores). Quem se encontra nas proximidades de Petrópolis-RJ ou mesmo de Juiz de Fora-MG, deve seguir
pela BR-040 e acessar a estrada que leva até Paraibuna-MG e Mont Serrat-RJ (localidades vizinhas,
separadas pelo Rio Paraibuna). A partir de então, percorre-se cerca de 17 km pela rodovia RJ-151,
margeando o Rio Preto, até chegar ao perímetro urbano de Três Ilhas.
O assentamento humano ocorreu em ambos os lados do curso d’água, e a margem mineira é denominada
Três Ilhas-MG (f04), pertencente ao município de Belmiro Braga, onde se chega por uma estrada de terra.
Uma capela atende a população dos dois lados do rio (f22). O caminho à esquerda leva à pequena vila de
São José das Três Ilhas (distante 8 km), e o à direita, à cidade-sede do município de Belmiro Braga-MG.

Panorama visto da parte mineira. O imenso maciço de pedra marca a paisagem do território fluminense de Três Ilhas. f03

418
Descrição arquitetônica

f04
2011. Parte mineira de Três Ilhas, a capela em primeiro plano e aponte ao fundo. A estação ferroviária fica na outra margem do rio.

A estação ferroviária localiza-se no núcleo central, próximo à desembocadura da ponte (f01). Circundada
por vias, ela ficou com sua visibilidade prejudicada pelas construções erguidas nas proximidades,
comprometendo sua ambiência (f05 e f06).
O conjunto do entorno apresenta ainda uma praça (f23), uma escola e o posto de saúde. Na direção da
pedreira, ficam um conjunto habitacional e o campo de futebol. Nas proximidades da divisa com o município
de Paraíba do Sul, posicionam-se os tradicionais armazéns, implantados com suas portas voltadas para o
asfalto, por onde passava antigamente a linha férrea (f24).

Estação

f05
Construções nas proximidades da ponte. Erguidas recentemente, elas comprometem a visibilidade da estação.

A estação abriga atualmente um ponto comercial e duas residências, estando posicionado de forma
longitudinal à rodovia (antigo leito da linha do trem – f01 e f06). O prédio é ladeado por uma base de pedra,
que servia de plataforma de embarque e desembarque, como pode ser visto na estação vizinha de Santa
1
Rosa. Suas paredes são de tijolo maciço, intercalando pilastras, que ficam aparentes na fachada. O
telhado é constituído por uma cobertura em trama de madeira, com caimento de duas águas e telhas
francesas de barro. Elas avançam cerca de um metro além das fachadas, ficando apoiadas por esbeltas
peças de madeira, executadas no sistema conhecido como mão-francesa (f11 e f12).
Na fachada frontal, voltada para a atual rodovia, foram instaladas as portas e as janelas (f01). A fachada de
fundos (f07), voltada para a rua interna, encontra-se fechada por muros, dando a entender que, ao ser
adaptada para residência, esses espaços externos foram transformados em área de serviço.

1
Devido à ausência de plantas de arquitetura, fotografias e relatos orais, tomou-se a iniciativa de analisar e confrontar a estação de
Santa Rosa (construída na mesma época) com a estação de Três Ilhas, adotando o princípio de que seguiram um mesmo projeto.
419
Descrição arquitetônica

Panorâmica de Três Ilhas. Observa-se que o prédio de dois andares encobriu a fachada da estação. f06

Fachada da estação ferroviária na rua de fundos. f07

A volumetria da antiga estação é formada por dois blocos, permitindo perceber uma clara distinção entre
eles. O de maior dimensão corresponde à sua parte original, que recebeu esquadrias contemporâneas, de
padrão comercial, fabricadas com ferro e vidro. Na atual mercearia, a porta frontal do antigo armazém foi
substituída por uma porta metálica de enrolar. A outra extremidade conserva lacrada a porta de madeira,
que desliza sobre roldanas. Este foi o único compartimento que recebeu autorização para ser vistoriado.
Segundo o levantamento realizado na parte externa, o prédio possui 6,70m de largura por 25,75m de
comprimento (sendo 5,95m do bloco menor). A análise dos demais espaços internos foi baseada numa
planta arquivada no cadastro imobiliário da Prefeitura de Rio das Flores (f08 e f09). Os desenhos foram
elaborados pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Apesar de a planta baixa estar seccionada, é possível
visualizar o armazém de cargas e boa parte da compartimentação da parte residencial.
A planta de situação está completa (f09), demarcando o armazém e denominando a parte central como
sendo a estação. Na extremidade, fica a casa do agente.
A análise visual do prédio traz novas contribuições a esta leitura. Com relação ao bloco menor (f10), sua
cobertura não se prolonga sobre a área das antigas plataformas, e as esquadrias são de folhas de abrir,
preenchidas na parte inferior por venezianas e, na superior, por postigos de madeira e vidro (f10), modelo
que corresponde a um período posterior à inauguração da estação. É provável que este bloco secundário
2
(menor) tenha sido construído por volta da década de 1930, e que as atuais janelas tenham sido aplicadas
no bloco maior (f09). Este modelo existe em duas estações da linha, na de Manuel Duarte e de Cachoeira
do Funil.

2
Essas esquadrias são encontradas nas estações de Rio das Flores, Cachoeira do Funil e Manuel Duarte, tendo sido obra posterior,
dotada de autenticidade, mas não seriam as originais.
420
Descrição arquitetônica

s/d. Fragmento da planta baixa da estação , confeccionado Rede Ferroviária Federal. Acervo: Prefeitura Municipal Rio das Flores. f08

s/d. Planta de situação da estação , confeccionado Rede Ferroviária Federal. Acervo: Prefeitura Municipal Rio das Flores. f09

f10

Análise Cronológica das Mudanças que Ocorreram na Estação


Percebe-se que a fachada do prédio sofreu descaracterizações. No entanto, é possível recriá-la, com base
na disposição original dos cômodos. As análises apontam a existência apenas do bloco maior, que possuía
uma porta, ao centro, que levava a um hall, o qual disponibilizava espaços laterais para acomodar os
passageiros e fazer o atendimento ao público (o guichê). Nas extremidades, ficavam dois cômodos amplos.
O da esquerda (atual mercearia) era o armazém para carga e descarga; o da direita, provavelmente outro
armazém ou então um espaço ocupado pelo chefe da estação. Certamente este setor deveria possuir
421
Descrição arquitetônica

alguma divisão interna, conforme a existente na vizinha estação ferroviária de Santa Rosa.
A fachada contava com duas grandes portas nas extremidades e duas janelas posicionadas entre elas e, ao
centro, uma porta mais estreita (do hall). Esta disposição foi replicada na fachada de fundos.
A localização dessas antigas aberturas só foi possível devido à conservação das molduras que
contornavam as esquadrias, constatando-se que sua escala é compatível com o gabarito (altura) da
estação. A maioria delas foi vedada e novas peças foram instaladas na fachada principal, que apresenta
apenas uma moldura de janela, enquanto a fachada de fundos conserva as duas molduras, mantendo sua
composição original. Salientamos que a veracidade quanto a essas mudanças do prédio só poderá ser
comprovada através de pesquisas mais rigorosas, incluindo uma visita a todo o interior do imóvel.

f11 f12

f13

f14
422
Estado de Conservação

Dentro do que foi possível averiguar, o prédio não apresenta ocorrências estruturais que possam vir a
comprometer sua integridade física. Entretanto, as intervenções pelas quais passou durante os anos
acabaram atingindo seus valores estéticos e prejudicando de forma significativa sua ambiência.
O asfaltamento provocou o rebaixamento da cota de alguns imóveis e da estação, ação esta que encobriu
sua plataforma, substituída por uma calçada. A partir da última década, começaram a ser edificados imóveis
de gabarito elevado em suas extremidades, vetando por completo a visibilidade que se tinha do prédio
quando se chegava à localidade (f15). Um dos imóveis foi erguido bem ao seu lado, danificando sua
composição arquitetônica, com a supressão de seu beiral (f16). As duas imagens a seguir (f15 E f16)
mostram a estação com a fachada parcialmente encoberta.

Fachada da estação, entre os anos de 2003 e 2006. Acervo: Annibal Affonso. M. Silva. f15

2009. As duas imagens acima mostram a estação quando era construído um dos imóveis que prejudicaram
sua visibilidade. Acervo: Annibal A. M. Silva. f16

Já as intervenções realizadas no prédio da estação fizeram que ela se tornasse a que sofreu mais
descaracterizações no município. Um exemplo disso foi o fechamento dos vãos originais e a instalação de
esquadrias de padrão comercial em sua fachada frontal. A pintura em verde e amarelo foi aplicada há
poucos anos. Antes, o prédio possuía paredes na cor branca com os detalhes em cinza escuro (f21). Com
relação às pinturas aplicadas ao longo do tempo, elas podem ter suprimido importantes registros, como os
apliques que continham as informações referentes a “Altitude” e “Distância” em relação à estação da cidade
do Rio de Janeiro.

423
Histórico

Histórico
A primeira via cortando o atual território de Três Ilhas foi o Caminho de Meneses, uma ramificação da
Estrada Real, aberta em 1782 na margem mineira do Rio Preto pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes. Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, intensificou-se a concessão de sesmarias
na região. Na primeira metade do século XIX, foi instalado um caminho, no lado fluminense, para escoar o
café colhido nas fazendas até os portos do Rio de Janeiro. Em 1861, foi inaugurada a Estrada União e
Indústria, ligando as cidades de Juiz de Fora-MG e Petrópolis-RJ, o que permitiu ao Visconde do Rio Preto
inaugurar, em 1868, um ramal da União e Indústria, denominado Paraibuna/Porto das Flores (ou “Estrada
das Flores”), para atender as grandes propriedades cafeeiras da região. O traçado seguia pela margem
fluminense, e, com isso, Três Ilhas recebeu umas das paradas para embarque e desembarque.
Em 1870, os trilhos da E.F.D.Pedro II chegaram a Juiz de Fora-MG, levando a União e Indústria à
decadência, inclusive o seu ramal Paraibuna/Porto das Flores, que foi substituído por uma linha de bondes
sobre trilhos tracionados por animais, a Ferro Carril Parahybuna e Porto das Flores. Sua primeira seção foi
inaugurada no dia 1º de janeiro de 1884, saindo de Paraibuna (atual Mont Serrat-RJ) e terminando em Três
Ilhas. Em 1885, a estrada foi prolongada em seis quilômetros, terminando na atual localidade de Santa
Rosa. Nesse mesmo ano (1885), as locomotivas a vapor alcançaram Porto das Flores (atual Manuel
Duarte). Inaugurada em 1882 pela Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores, o percurso tinha início
nas margens do Rio Paraíba do Sul, na localidade de Commercio (atual Sebastião de Lacerda, distrito de
Vassouras-RJ) e contava com seis estações: Commercio, Marambaia, Taboas, Santa Tereza (Rio das
Flores), Vendinha (Cachoeira do Funil) e Porto das Flores (Manuel Duarte).
Em 1885, a Estrada de Ferro Rio das Flores substituiu a antiga companhia. Uma das medidas adotadas
pelos diretores foi impedir que a Ferro Carril estendesse seus trilhos até Porto das Flores. Em 1888 a E. F.
Rio das Flores comprou a companhia e bonds, e no mês de novembro conseguiu permissão para chegar
até Santa Rosa, e, tempos depois, conseguiu levar seus trilhos até Três Ilhas. Com isso, a Ferro Carril ficou
com o percurso restrito ao trecho entre Três Ilhas e Paraibuna (atual Mont Serrat).3 A seguir, o quadro de
horário de 1893, já incluídas as duas novas estações, de Santa Rosa e Três Ilhas. Na época, a linha férrea
mantinha, na época, apenas um horário por dia.

Quadro de Horários da Estrada de Ferro Rio das Flores em 1893

Fonte: Almanack Laemmert, 1893. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012. f17

A data exata da abertura da estação ainda é uma incógnita. Os documentos mais conhecidos são as
publicações Vias Brasileiras de Communicação e Nominata das Estações, que registram a inauguração das
estações de Santa Rosa e Três Ilhas em 28 de novembro de 1893.4 A confirmação exige maiores estudos.
O jornal Diário de Notícias (de 23 de fevereiro de 1890, pag 02) menciona a troca de agente de correios da
estação da estrada de ferro em Três Ilhas no ano de 1890. Dois anos depois, o jornal O Pharol, da cidade
de Juiz de Fora-MG (edição de 19 de janeiro de 1892, pag 01), citava a chegada da locomotiva da E. F. Rio
das Flores na estação de Três Ilhas, revelando que as obras do prédio já estavam bem adiantadas (ou
mesmo concluídas). Naquele momento, Três Ilhas passava por grandes melhorias,
3
A Estrada de Ferro Rio das Flores comprou a Ferro Carril em agosto de 1888. Fonte: Jornal O Pharol. Edição de 31 de agosto de
1888, pag 01. Fonte: <http://memoria.bn.br >.
4
Estrada de Ferro Central do Brasil: Nominata das Estações. [s.n], 1953. p 19. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de
Ferro Central do Brasil, Linha Auxiliar. 3ª ed.1935. p 130.
424
Histórico

como a criação de uma escola e as obras de construção de uma igreja (possivelmente a capela do Sagrado
Coração de Jesus, existente na parte vizinha de Minas Gerais).5

“ . . . Dois factos, ambos de certa importância, fazem crer para este logar melhores
dias em tempos que hão de vir.
Um delles a chegada da locomotiva à nossa estação, facto que, com justíssima razão,
foi festejado pelos habitantes do logar, outro - o estabelecimento de um collegio
internato e externato, para instrução e educação de meninos . . .
Projecta-se a construção de uma egreja e consta-nos que grande parte do material
preciso já se acha prompto . . . ”

Ambas as estações adotaram o estilo arquitetônico semelhante e possivelmente a mesma distribuição


interna encontrada na que foi edificada em Porto das Flores (atual Manuel Duarte) anos antes: armazéns
ocupando ambas as extremidades e a parte central reservada para a parte administrativa e para os
passageiros.6
Localizada na confrontação com o município de Paraíba do Sul, a estação de Três Ilhas era de vital
importância para o território mineiro à sua frente, onde havia uma localidade de mesmo nome, pertencente
ao distrito de São José do Rio Preto (atual São José das Três Ilhas-MG), pequena vila distante oito
quilômetros da ponte sobre o Rio Preto. A parte mineira pertencia a Juiz de Fora, até ser criado, na década
de 1960, o município de Belmiro Braga.
Durante anos, Três Ilhas conviveu com o movimento da linha da Ferro Carril, tracionada por burros, que
seguia até Paraibuna (atual Mont Serrat), e a movida pelos trens a vapor, que ficava instalada no município
de Santa Tereza (atual Rio das Flores). A seguir, o quadro de horários em 1907.

Quadro de Horários da E. F. Rio das Flores e da Ferro Carril em 1907

Fonte: Almanack Laemmert, 1907. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012. f19

5
Jornais pesquisados na fonte: <http://memoria.bn.br>.
6
As estações construídas até 1885 seguiram uma identidade arquitetônica. Com exceção das estações da Marambaia (demolida há
cerca de cem anos, da qual se conseguiram poucas informações) e de Manuel Duarte (que apresenta dimensões e características
arquitetônicas diferenciadas), as que adotaram um mesmo estilo foram a estação de entroncamento (situada em Commercio), a de
Taboas, a de Santa Tereza e, por fim, a de Cachoeira do Funil.
425
Histórico

No início do século XX, as companhias ferroviárias particulares encontravam sérias dificuldades


econômicas, sendo encampadas, em 1910, pela Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), que absorveu
as linhas da União Valenciana e da Estrada de Ferro Rio das Flores e criou um ramal que saía da cidade de
Valença e terminava em Barra Longa (Afonso Arinos), localidade em que passava a linha central entre o Rio
de Janeiro e Belo Horizonte. O trecho entre Taboas e Comércio foi extinto, e foi aberta uma linha de
Valença a Taboas, de onde os trens seguiam até Três Ilhas. O funcionamento do trecho entre Três Ilhas e
Barra Longa (Afonso Arinos) começou em 21 de julho de 1911, extinguindo assim a antiga linha de bondes
da Ferro Carril.
Nas primeiras décadas do século XX, a região começou a substituir os cafezais pela agropecuária leiteira. O
trem continuava sendo o melhor meio de transporte. Para a estação de Três Ilhas seguia a produção das
fazendas mineiras, como Prosperidade, São Felipe, Olinda e Três Ilhas 7. Já as fazendas fluminenses, como
a Recreio e a Santa Justa, utilizavam paradas ao longo da linha férrea.
Essa característica (de atender o território mineiro) não se resumia apenas à produção das fazendas. A
estação de Três Ilhas era vital para a população do atual distrito de São José das Três Ilhas-MG, que, em
sua maioria, buscava seguir para a cidade de Juiz de Fora-MG.
A seguir, o quadro de horários em 1936, marcando o horário em que as composições paravam na
plataforma da estação de Três Ilhas.

Sub-Ramal Valença – Afonso Arinos


Horário de chegada dos trens na estação de Três Ilhas. Quadro em vigor a partir de 1936
Estação de Três Ilhas – saídas de Valença 6:41 12:13 17:42
Estação de Três Ilhas – saídas de Afonso Arinos 7:38 9:57 14:43
Extraído do Quadro de Horários da E. F. Central do Brasil – Rede Fluminense. Acervo: Museu Ferroviário de Valença.

Em 1947, os ônibus começaram a circular entre Valença, Rio das Flores e Manuel Duarte. Em meados da
década de 1950, entrou em funcionamento uma linha entre as cidades de Valença e Juiz de Fora-MG,
cobrindo toda a extensão da linha da estrada de ferro. Em 1957, a Estrada de Ferro Central do Brasil foi
substituída pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA). No início da década de 1960, o governo começou a
erradicar diversos ramais ferroviários considerados antieconômicos e, entre eles, estava o sub-ramal
Valença-Afonso Arinos.
Naquela época, os trens mantinham três horários por dia, conforme pode ser visto a seguir.

Quadro de Horários em 1960


Saídas de Afonso Arinos Saídas de Valença
Afonso Arinos 4:41 10:26 14:45 Valença 7:23 10:58 18:49
Três Ilhas 5:16 10:58 15:17 Taboas 7:50 11:24 19:07
Santa Rosa 5:37 11:20 15:38 Rio das Flores 8:09 11:38 19:21
Manuel Duarte 5:56 11:43 15:57 Cachoeira do Funil 8:27 11:55 19:39
Cachoeira do Funil 6:07 11:57 16:08 Manuel Duarte 8:41 12:05 19:49
Rio das Flores 6:27 12:20 16:28 Santa Rosa 8:59 12:23 20:07
Taboas 6:42 12:36 16:43 Três Ilhas 9:23 12:42 20:26
Valença 7:06 13:00 17:07 Afonso Arinos 9:50 13:08 20:55
Fonte: Guia Levi, 1960. Acervo: Manoel Monachesi.

A ligação férrea entre Valença e Afonso Arinos durou até meados da década de 1960. Segundo
informações coletadas com antigos moradores da região, a última composição de horário regular para
transportar passageiros e cargas passou pela localidade no ano de 1964. Os registros apontam com
precisão o dia 15 de outubro de 1965 como a data oficial da extinção do ramal. Há, também, um decreto do
8
ano seguinte (nº 58.992/1966) relacionando-o entre os ramais erradicados ou com o tráfego suspenso .
Importante mencionar que o fechamento da estrada para os trens não correspondia à extinção da linha.
Primeiramente era suspenso o tráfego, para, em seguida, decidir-se se a linha seria erradicada ou não.

7
As fazendas fluminenses não utilizavam tanto as estações ferroviárias e optaram por construir paradas à frente da linha do trem para
embarcarem sua produção. No distrito de Manuel Duarte, existiram paradas nas seguintes fazendas: Santa Justa, Independência
(denominada parada Guarda Fernandes) e Paraíso (a única que restou no município).
8
Consta 1965 na publicação de RODRIGUEZ, 2004, pg. 174. A obra de Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krisna Neffa Caminhos e
Descaminhos do Sistema Ferroviário na Região do Médio Paraíba – Séculos XIX e XX cita 1965 como o ano em que foi decretado
o fim do sub-ramal Valença-Afonso Arinos (pg. 14). Segundo as informações cedidas por Manoel Monachesi, a data de 15 de outubro
de 1965 tem como fonte a Revista Ferroviária de agosto de 2000, sobre trechos erradicados. O decreto de 1966 é um documento da
Superintendência Regional de Patrimônio 3 (SR-3), publicado em 17 de julho de 1984, que trata das áreas sem os trilhos.

426
Histórico

Década de 1980. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f20

Após a retirada dos trilhos, o leito da estrada de ferro foi adaptado para rodovia. Posteriormente, a Rede
Ferroviária Federal (RFFSA) foi se desfazendo de vários imóveis das linhas. Atualmente, a estação de Três
Ilhas está ocupada por particulares, mas não foi possível estabelecer um contato que pudesse esclarecer se
os moradores têm a posse definitiva do imóvel ou se ele ainda pertence ao governo.

2009. Estação, ostentando a pintura anterior e seu entorno melhor conservado. Acervo: Annibal Affonso M. Silva. f21

427
Acervo fotográfico

f22 f23

f24

f25 f26

f27

428
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 04, 05, 22 e 27 foram utilizadas na publicação O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Eloy de. O vale do Paraíba. Rio de Janeiro, Real Rio Gráfica e Editora Ltda., 1989.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2004.

CARVALHO, Maria Cristina Wolff de (coord.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho
Arquitetos, 2010.

CURY, Isabelle (org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

ESTEVES, Albino e LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói-
RJ: Imprensa Oficial, 1990.

MORAIS, Sergio Santos. A Arquitetura das Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro Central do
Brasil no século XIX – 1858/1900. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/ PROARQ. Rio de Janeiro: 2002.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: O Resgate de sua
Memória. Rio de Janeiro: RR Donneley, 2004.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (coord.). O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac. Rio das
Flores-RJ: Edição do Autor, 2011.

VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha
Auxiliar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

Consultas On-line:

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em


<http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo do jornal O Pharol, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de
2013.
Acesso ao portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.

429
430
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de São José de Taboas

Localização: Município:
Rua Olier Freitas da Silveira, Taboas, 3º Distrito. Rio das Flores.

Época de construção:
Inaugurada em 1869.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Templo de celebração religiosa.

Proteção existente / Proposta:


Nenhuma / Tombamento.

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença.

1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal de Rio das Flores,

Fachada da Capela de São José de Taboas. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
431
Situação e ambiência

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro de 2013. f02

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro de 2013. f03

Sede do 3º distrito de Rio das Flores, a localidade de Taboas fica numa região de altitude elevada. Os
morros do entorno são tomados, em sua maioria, por uma rala pastagem, mas o lugar preserva uma área
florestada com espécies da Mata Atlântica, emoldurando os fundos da Capela de São José (f04).
A localidade dista pouco mais de 12 km de Valença e 6 km de sua cidade-sede. O principal acesso é feito
através da RJ-145, que segue em direção ao distrito de Manuel Duarte. Há também o caminho pela RJ-115,
uma estrada estadual de piso de terra, que foi implantada sobre o antigo leito da ferrovia. Ela começa na
Rua São José e segue por quase dezoito quilômetros até a localidade de Comércio e a vizinha Sebastião
de Lacerda, localidades situadas às margens do Rio Paraíba do Sul, de onde se originam outras estradas
de terra que possibilitam chegar ao distrito valenciano de Barão de Juparanã, à cidade de Vassouras e à
rodovia BR-393 (conhecida como Lucio Meira ou Rodovia do Aço).

432
Descrição Arquitetônica

f04

Taboas é cortada pela rodovia RJ-145, que, a partir da divisa com o município de Valença, segue nomeada
como Rua Walker Machado Mynssen e, mais à frente, na área central da localidade, passa a ser
denominada Rua Olier Freitas da Silveira. A partir daí, a via apresenta um pequeno trecho com piso em
pedras aparelhadas (paralelepípedos – f04), próxima a pequena ponte de concreto que cruza um riacho.
Neste trecho fica implantada a capela, voltada para a rua, sobre um terreno alteado, permitindo que o
singelo templo religioso e seu campanário se destaquem, tendo a mata verdejante aos fundos compondo o
cenário bucólico, típico das vilas interioranas (f05 e f07).

f05

f06

433
Descrição Arquitetônica

A murada frontal (possivelmente feita de pedra bruta) encontra-se revestida de argamassa e caiada de
branco, obra de mais de cinquenta anos, que veio substituir o extenso barranco em declive de antigamente,
servindo como uma contenção. Sobre ela foi instalado um guarda-corpo de grade de ferro. Numa das
laterais há um portão de acesso, que fica junto a uma gruta de pedra, construída em 1958, para Nossa
Senhora de Lourdes (f06).

f07

A entrada principal fica no centro da murada, alinhada com a fachada da capela (f07). O desnível é vencido
por uma escadaria de cimento, sucedida por um portão e pelo gradil que circunda toda a área gramada à
frente da fachada frontal. A capela fica ladeada pela torre campanária e pelo salão paroquial (f01).
Das janelas do coro é possível avistar parte do lugarejo, com sua topografia de morros, a estrada que corta
o distrito e o corredor de casas com seus amplos quintais (f08 e f09).

f08

f09

434
Descrição Arquitetônica

Uma passagem de concreto corta o espaçoso adro, verdejante pela forração do gramado, chegando à
escadaria formada por pedras aparelhadas, com o patamar em pedras costaneiras. A inscrição lateral indica
o ano de 1917 (f10 e f11).

f10 f11

A capela fica sobre embasamento em pedra com pintura na cor concreto, formando um porão baixo e
apresentando seteiras como respiradouros. Uma calçada de cimento circunda a construção. Tudo indica
que as paredes são mistas, em adobe e pau a pique, e estão pintadas de branco, destacando os cunhais, a
portada, os frisos e os caixonetes em azul.
A volumetria da edificação é escalonada, sendo observada a demarcação de três alturas, marcadas pelos
espaços da nave, do altar (ambos com pé-direito duplo) e da sacristia na parte final, com um gabarito mais
baixo (f12 e f13). A cobertura mantém as tradicionais telhas cerâmicas, modelo capa e bica.

f12

f14

f13

435
Descrição Arquitetônica

A fachada apresenta um frontão triangular com cimalha, arrematada com telhas e um óculo central (f14). A
portada possui duas folhas almofadadas, com arco pleno e sobreverga ressaltada em massa, e a soleira é
de pedra aparelhada. Compondo ainda a fachada, três portas-sacadas com sobreverga reta, com duas
folhas de caixilho de vidro e, internamente, postigo. Seu guarda-corpo engastado é de ferro batido (f14).
As fachadas laterais mantêm a mesma conformação. No corpo da nave, próximo à cobertura, duas janelas
de verga reta, com caixilho de vidro, cumprem apenas o papel de iluminar, no altar, um óculo de cada lado,
aparentando estarem emparedados (f12 e f13). Nos fundos, a sacristia tem uma janela tipo guilhotina (f15),
com duas folhas cegas no interior, e uma porta também de duas folhas que dá acesso, por uma escada de
pedra, ao terreno gramado (f16).

f15 f16

A ausência do forro na nave deixa visível o primoroso trabalho do madeiramento do telhado em caibro
armado, que insinua um formato de gamela ou abóboda de berço (f17). O piso da capela tem um tabuado
antigo, mas que, provavelmente, não deve ser o original. A pequena nave de paredes brancas distribui seu
espaço de forma harmônica (f18 e f19). Além dos bancos de madeira, há dois púlpitos dispostos
lateralmente, tendo, nos parapeitos, ornatos de pilares frisados em douramento e detalhe em formato de
consolo no pingente. Uma escada de madeira permite o acesso a eles (f20 e f21).

f17 f18
436
Descrição Arquitetônica

f19 f20

Observa-se ainda, nas paredes laterais, dois retábulos com altar (f22), constituindo nichos adornados. O
vão em arco pleno está decorado com colunas de fuste canelado, sendo que o retábulo da direita abriga a
imagem de São Judas Tadeu (f23). Nas laterais, duas pequenas peanhas encimadas por baldaquins e
frontão sustentam mais duas imagens. O frontão, enriquecido com lavores de madeira e guirlandas, tem, no
centro, o símbolo da sabedoria, com um triângulo e um livro, ressaltados por raios de luz e encimados por
uma cruz. O retábulo do lado esquerdo mantém a mesma riqueza de detalhes, abrigando Nossa Senhora
Maria Eterna (f24). Nas peanhas, Santa Thereza D’Ávila (padroeira de Rio das Flores) e Sant’Ana e, no
frontão, o dístico de Maria.

f21 f22

f23 f24
437
Descrição Arquitetônica

O supedâneo do altar possui dois degraus. As paredes contrastam pela palheta de tons de verde e branco,
com marcações de douramento nos pilares, frisos, sancas e medalhões. O retábulo escalonado abriga a
imagem de São José (f25). O frontão acima revela o esplendor e tem, no centro, o símbolo da Maçonaria –
o esquadro e o compasso. Nos nichos laterais estão as antigas imagens portuguesas, policromadas, de São
João Batista Menino e de Santo Antônio (fotos 25, 26 e 27).

f25

f26 f27

f28

O forro, em formato de abóboda de berço, está revestido por tabuado fino envernizado, intercalado por
frisos pintados com motivo de folhagem (f28), sendo que um deles faz o acabamento da testada. Duas
portas com verga em arco pleno, nas laterais do retábulo, dão acesso a pequenos vestíbulos que levam à
sacristia, sendo que o da esquerda conduz também a uma saleta para o Santíssimo, situada sob o retábulo.
Observa-se que o assoalho da sacristia, em tábuas corridas, está no mesmo nível do piso da nave (f29). O
forro é de cedrinho, e as duas janelas e a porta de duas folhas abrem para os fundos. A antiga pia batismal,
em mármore de Carrara, está depositada na sacristia (f30).

438
Descrição Arquitetônica

f29 f30

O coro fica acima da porta de entrada da capela, com acesso por uma escada em caracol de madeira (f31 e
f32). O ambiente possui assoalho de tábuas corridas e guarda-corpo em balaustrada de madeira recortada,
pintado na cor branca (f33). Três portas sacadas se abrem em folhas maciças almofadadas para a fachada
frontal da capela (f34), protegidas por guarda-corpo de ferro, e possibilitam uma visão panorâmica da
localidade (f08 e f09).

f32 f33

f31 f34
O conjunto é composto por um singelo campanário, localizado próximo ao templo, o piso é utilizado como
depósito, o jirau de madeira com uma rústica escada dá acesso aos dois sinos (fotos 35 a 39). Nos quatro
lados, os vãos arqueados são vazados e a cobertura em telha zincada, remete a que havia nas instalações
da antiga oficina ferroviária que ficava na localidade (f37). 1 Sobre ela fica um galo dos ventos, indicando a
direção do vento incidente (f36). Esta peça é encontrada nas igrejas desde a Idade Média, sendo
considerado um símbolo religioso para os cristãos.
A edificação que fica do outro lado da capela é o Salão Paroquial (f40), utilizado como espaço de apoio para
eventos e reuniões, mantendo nos fundos uma cozinha, banheiros e depósito. O prédio atual veio a
substituir um anterior, que era de madeira. Suas paredes são de alvenaria, com barrado em chapisco, as
esquadrias são de madeira, o piso de ardósia, não existe forro e a cobertura em duas águas é protegida por
telhas francesas. Os banheiros aos fundos tem cobertura de telha de amianto, com esquadrias de ferro e
metalon. O depósito possui laje na cobertura, que serve para sustentar as caixas d’água (f41).
1
É provável que a cobertura original do campanário fosse de telhas de cerâmica tipo capa e bica (semelhantes às da capela). A
origem da troca pelas atuais telhas metálicas pode estar relacionada à chegada da ferrovia à localidade, onde, na década de 1880, foi
edificado um amplo galpão de oficinas, para guardar as locomotivas. Demolido na década de 1910, o citado prédio era todo de madeira
e possuía cobertura zincada. Para mais informações, consultar a ficha da estação ferroviária de Taboas, contida neste inventário.

439
Descrição Arquitetônica

f36

f38

f35

f37 f39

f40

f41

440
Estado de conservação

A capela foi reformada há aproximadamente cinco anos, apresentando um bom estado de conservação.
Cabe mencionar que, durante aquelas obras, o prédio recebeu alguns enxertos de concreto, como o que foi
feito acima da portada central, servindo de verga. É provável que, futuramente, esta intervenção venha a
causar algum problema, devido à incompatibilidade do novo material com a estrutura histórica.
Foi feita uma iluminação indireta de todo o conjunto.
Não foram encontrados registros da existência de um forro na capela, sendo que sua riqueza de detalhes
não condiz com o madeiramento exposto. Observa-se, na fachada frontal, ausência de telhas no beiral, e o
espaço avariado da cimalha foi atribuído à retirada de enxames de abelhas (f42). O beiral apresenta
também a substituição da capa antiga por telhas novas. No interior, o forro do altar demonstra sujidade
proveniente de excremento de morcegos (f43). No óculo frontal (f44), percebe-se infiltração descendente, e
as portas do coro apresentam desgaste na pintura e no peitoril (f45), com presença de ninho de pássaros
entre o gradil e a soleira (f46).

f42

f43 f44

f45 f46

O posteamento e a fiação elétrica prejudicam a visibilidade da capela por quem passa pela rua (f05 e f07).
Recentemente, começou a ser erguida no terreno vizinho uma residência de dois andares, o que
certamente comprometerá a ambiência do conjunto.

441
Histórico

Histórico
Foram vários os acampamentos de tropeiros surgidos ao longo das estradas do Commercio e da Polícia, as
duas vias de acesso mais importantes do Vale do Paraíba, durante o século XIX. Um deles foi construído,
ainda na primeira metade do século XIX, na fazenda das Taboas, local para onde convergiam as estradas
da Independência e do Commercio. Graças ao grande movimento de tropas que transportavam o café das
fazendas da então freguesia de Santa Tereza de Valença para os portos do Rio de Janeiro, via Estrada do
Commercio, o pequeno rancho de tropas e antiga venda que atendiam os tropeiros em dias de descanso se
transformou num pequeno arraial - núcleo primitivo da atual localidade.

1945. Cartaz da festa de São José, em Taboas. 2012. Cartaz recente da festa, realizada no ano de 2012.
Acervo: Museu História Regional de Rio das Flores. f47 Acervo: Paróquia de Santa Thereza D’Ávila. f48

A necessidade dos sacramentos da Igreja Católica era indispensável aos moradores das redondezas,
mesmo porque cabia à Igreja o registro civil, obrigatório em todo o território nacional.
A origem da construção da capela na atual localidade de Taboas está ligada aos fazendeiros de recursos,
que tomaram a iniciativa de construir um templo em honra ao “glorioso Patriarca São José”. A capela, cuja
jurisdição eclesiástica era a Matriz de Santa Thereza, ficou pronta em 1869. Foram seus fundadores José
Joaquim Lobo, Luiz José do Nascimento, Luiz Gomes Cardoso, José Franco de Medeiros, Quitéria Felícia
de Santa Rosa, José Pereira da Costa Maldonado, Luiz Gomes Freire e Maximiano de Carvalho.
Atualmente são realizadas missas sempre no primeiro e terceiro domingo de cada mês. Em maio acontece
a tradicional Festa de São José (f49).

442
Histórico

f49
Década de 2000. Movimento no Adro da capela, no dia da festa de São José. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

As fotos a seguir (f50 e f51) foram capturadas em meados da década de 2000 e revelam o estado de
conservação do prédio naquela época. Tais imagens fazem parte de um projeto de restauração do imóvel,
que não foi realizado. Anos depois ocorreu a última reforma no conjunto, composto pela capela, a torre
sineira e o salão paroquial.

f50

f51
Meados década de 2000. Acervo: OLIVEIRA, João Carlos C. Capela de São José de Taboas - projeto cultural para a restauração.

A Capela de São José de Taboas é uma das mais representativas construções religiosas do Vale do
Paraíba fluminense. Sua arquitetura teria origem nos templos edificados em Minas Gerais no século XVIII,
estes, por sua vez, possuem raízes nas capelas e ermidas de gosto românico existentes em regiões do

443
Histórico

norte de Portugal, como na Extremadura, na Beira Alta. Embora vinculadas as raízes portuguesas, capelas
e matrizes mineiras seguiram uma evolução arquitetônica própria. Sua primeira e mais notável expressão se
dava pela capela-mor, a nave e a sacristia, constituindo o que de mais essencial existia no programa do
templo mineiro.
Tratava-se de um partido simples, com volumetria singela. A estes componentes eram acrescentados outros
elementos, como o coro, elevado por esteios de madeira logo à entrada da nave, cujo acesso se faz por
uma escada, geralmente situada à direita de quem entra, no lado que é chamado de Espítola, enquanto o
esquerdo denomina-se Evangelho (no caso da capela de São José de Taboas, a escada fica à direita).
Aproximadamente no meio da nave ficava o púlpito, às vezes em colocação duplicada, um de cada lado,
para as leituras dos textos sagrados e para pregações. O acesso era feito primordialmente por escadas
portáteis, embora estas pudessem ser também fixas, incluídas em sacristias ou mesmo externas.
A fachada era resolvida com grande simplicidade, na maioria das vezes com três aberturas: uma única
porta principal da nave, acima da qual abriam-se duas portas-sacadas (ou janelas) para iluminação do coro.
A fachada frontal, com três aberturas (a porta principal da nave e as esquadrias do coro) ficavam dispostas
em forma de triângulo com o vértice para baixo e foram adotadas logo de começo na maioria das capelas
de Minas, marcando o nascimento do partido que viria a tornar-se típico do frontispício do templo mineiro e
que só ocasionalmente seria também encontrado noutras regiões do país.2 Essas particularidades
mereceram a atenção de um dos maiores estudiosos da arquitetura brasileira:
.
“A esse partido simples correspondeu uma volumetria igualmente singela que, no entanto, guarda ainda, na sua
pobreza e humildade – quase indigência – certo sabor primitivo e ingênuo, que é grande parte de seu encanto.”
(Paulo Santos).

f51
1985. Estudo das tipologias básicas dos templos religiosos mineiros. A capela de São José de Taboas encaixa
no modelo “capela sem torre”. Fonte: MELLO, Suzy de. Barroco Mineiro. São Paulo-SP: Editora Brasiliense. pp 136.

A Capela de São José de Taboas apresenta uma variação do modelo sem torre, possuindo três portas
sacadas no coro. Seu elemento de destaque é o campanário separado do corpo principal. Segundo o
estudioso Paulo Santos este seria original das construções religiosas mineiras, sendo uma prática
desconhecida em Portugal e outras regiões do país.
Durante o inventário localizamos uma imagem histórica comprovando que havia outra capela com torre
sineira - ficava em São Sebastião do Barreado (localidade mineira, às margens do Rio Preto, fazendo
confrontação com o município de Rio das Flores). Acredita-se que a construção da ponte de concreto
naquela localidade levou a demolição daquela torre. 3
2
MELLO, Suzy de. Barroco Mineiro. São Paulo-SP: Editora Brasiliense, 1985.
3
A imagem histórica foi inserida na ficha 13, relativa a Ponte do Barreado. A capela com a antiga torre aparece ao fundo da foto.

444
445
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

MELLO, Suzy de. Barroco Mineiro. São Paulo-SP: Editora Brasiliense, 1985.

OLIVEIRA, João Carlos C. Capela de São José de Taboas – projeto cultural para restauração. Rio das
Flores, [texto digitado].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

446
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Estação ferroviária de Taboas

Localização: Município:
Rua Pedro Dantas, nº 22, Taboas, 3º Distrito Rio das Flores

Época de construção:
1882 (prédio original de madeira)
Entre fim década 1930 e Início década 1940 (prédio atual)

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Residências/Estação ferroviária

Proteção existente:
Lei Federal nº 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da
extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA).

Propriedade:
Particular

1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores

Fachada da estação voltada para a rua. Na outra extremidade passavam os trilhos da ferrovia. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.
447
Situação e ambiência

Sede do 3º distrito de Rio das Flores, a localidade de Taboas fica situada numa região de topografia
elevada. Devido a esta particularidade, seus morros do entorno não apresentam cumes muito altos, sendo
eles tomados, em sua maioria, por rala pastagem. Cortado pelo Córrego Manuel Pereira, o lugar preserva,
entretanto, uma área florestada com espécies da Mata Atlântica, emoldurando os fundos da Capela de São
José (f04).

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f02

Estação Ferroviária

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f03

A localidade dista pouco mais de 12 km de Valença e 6 km de sua cidade-sede, e tem acesso pela RJ-145,
estrada que segue em direção ao distrito de Manuel Duarte. Há também um acesso por uma estrada
estadual de piso de terra (RJ-115), que ocupa o antigo leito da estrada de ferro. Ela começa na Rua São
José e segue por quase 18 quilômetros até a localidade de Comércio, situada às margens do Rio Paraíba
do Sul. Naquele ponto, a estrada de terra se ramifica, possibilitando chegar ao distrito valenciano de Barão
de Juparanã, à cidade de Vassouras e à rodovia BR-393 (conhecida como Lucio Meira ou Rodovia do Aço).

448
Descrição arquitetônica

Rua Pedro Dantas

f04

A rodovia RJ-145 segue por dentro de Taboas, servindo como via arterial para onde convergem as demais
ruas. Na entrada do perímetro urbano, após a divisa com o município de Valença, ela é nomeada como Rua
Walker Machado Mynssen e, mais à frente, como Rua Olier Freitas da Silveira.
A estação fica na Rua Pedro Dantas, uma via estreita de mão única, situada um pouco antes da Igreja São
José (f04). Logo depois que se cruza a ponte sobre o Córrego Manuel Pereira (f05), aparece a estação
(f01), implantada em sentido longitudinal. As vias de acesso a contornam, com ramificações à esquerda e à
direita, seguindo em direção aos lotes ocupados por residências unifamiliares de andar térreo (f06).

f05 f06

A área que abrigava toda a estrutura do parque ferroviário fica em uma parte plana. Buscar registros dos
galpões, dos escritórios e das antigas oficinas que existiram no lugar tornou-se inviável, devido ao matagal
e aos imóveis construídos posteriormente. A única estrutura daquele complexo passível de registro ( e
talvez o único que se manteve de pé) é um prédio com sistema construtivo de pau a pique e linhas
arquitetônicas típicas do século XIX. Além de ter sido parcialmente demolido, ele perdeu também sua
tradicional cobertura de telha capa e bica, substituída por modelos de fibrocimento (popularmente
conhecidas como amianto-f07 e f08). Este prédio aparece representado em fotos históricas (f32), sendo
assim um exemplar do antigo pátio ferroviário implantado na localidade entre as décadas de 1870 e 1880.

f07 f08

449
Descrição arquitetônica

Trata-se da estação de menor dimensão existente no município, e a única construída no século XX (após a
demolição do prédio primitivo). Sua antiga estrutura de embarque e desembarque é formada por uma
extensa plataforma longitudinal, voltada para a extremidade oposta da rua, por onde, antes, passava o trem.
A estação fica ao centro, e, à sua direita, está sendo finalizada uma casa unifamiliar, num ponto em que
havia uma estrutura complementar do prédio (f09).

f09

A estação foi construída com alvenaria de tijolo maciço, sobre a qual se apoia uma cobertura de duas águas
com trama de madeira e telhas francesas de cerâmica, que, sustentadas por esbeltas mãos-francesas de
madeira, se estendem até o limite das plataformas. Sua tipologia forma um bloco retangular terminado em
frontão nas fachadas laterais, onde foi grafado em alto-relevo o nome da estação e da localidade (f10).

f10 f11

Com o passar dos anos, a visada desse conjunto ficou comprometida pelas construções erguidas ao seu
redor, prejudicando também a captura de imagens panorâmicas. A fachada voltada para a rua é protegida
por muro divisório, e a de fundos (por onde seguia a linha férrea) transformou-se no quintal da propriedade,
onde foram erguidas residências. A linha férrea seguia por este trecho e passava ao lado da antiga casa do
século XIX que pertencia à ferrovia (f11) e se encontra representada com imagens no Histórico (f32).

f12 f13 f14 f15


450
Descrição arquitetônica

Atualmente, o prédio serve de moradia. O antigo armazém foi adaptado para sala, conservando o piso
cimentado, intercalado com trilhos metálicos,1 mantendo ainda as duas amplas portas de correr, com
roldanas instaladas acima da verga (fotos 13, 14 e 15). O ambiente conserva sua rusticidade, como a
ausência de forro (f16). O compartimento à esquerda, que anteriormente era o guichê, virou quarto. O piso é
de taco de madeira (f18) e o forro tem encaixe macho e fêmea (f19). Uma outra porta, com duas folhas,
abre-se para a antiga plataforma. Já os cômodos situados à direita do antigo armazém abrigam o banheiro
e uma cozinha. Ao longo do tempo, foram realizados acréscimos, que ocupam o espaço da plataforma de
embarque e desembarque: uma copa, dois quartos e um conjunto de compartimentos em fase de
construção, que servirão provavelmente a outros banheiros e quartos. Os anexos ficaram protegidos pela
cobertura da plataforma e ganharam telhas de fibrocimento (amianto).

f17

f16

Com a ampliação da casa, os espaços da antiga plataforma foram transformados em cômodos. Nota-se que
as peças de madeira das mãos-francesas continuam no lugar (f21 e f22). A placa fixada pela Rede
Ferroviária Federal (RFFSA) também foi mantida (f17). A moradora disse que uma pintura encobriu a
aplicação que indicava a sua distância em relação à estação da cidade do Rio de Janeiro.

f18 f19 f20

f21 f22

1
Os trilhos eram instalados para facilitar a movimentação das latas de leite.
451
Estado de conservação

O prédio não apresenta nenhum tipo de abalo estrutural que possa vir a comprometer sua integridade física,
condição esta proporcionada pelas espessas paredes de tijolo maciço e pela sólida base da plataforma
sobre a qual está assentada. O piso de cimentado e os trilhos metálicos do antigo armazém, bem como as
duas portas de correr, estão conservados, e o mesmo vale para o piso de taco e o forro de madeira do
quarto ao lado. Nesse último ambiente, foi retirada a janela que ficava na fachada lateral e fechada a
abertura do guichê.
Além de todas essas transformações, é possível perceber algumas mudanças na fachada voltada para a
rua e nas laterais, onde uma delas (a do antigo compartimento do guichê) teve o vão da janela emparedado,
e a peça da esquadria foi instalada num dos cômodos construídos ao fundo. Essas janelas são de madeira
com folhas de abrir, conjugando veneziana, na parte inferior, com vidro, na superior (f12).

f23 f24 f25

A antiga estação era complementada por uma cobertura à sua direita, apoiada em pilares de ferro e
protegida por telhas francesas, distribuídas em duas águas (fotos 23, 24 e 25). Esta estrutura servia para
aguardar a chegada do trem e foi retirada há cerca de um ano, para se construir uma residência unifamiliar
de dois pavimentos. Seu piso também mesclava plataforma cimentada com trilhos de trem (f25).
O mesmo destino teve o pequeno compartimento de alvenaria, também em duas águas cobertas pelo
mesmo tipo de telha (f26).

f26

452
Histórico

Histórico
A estação ferroviária de Taboas tem origem nos primórdios da ferrovia no município, quando Rio das Flores
era uma freguesia de Valença, denominada de Santa Tereza. Tudo começou em 1875, com a Estrada de
Ferro Commercio e Rio das Flores. O projeto contava ao todo com 36 quilômetros, dividido em duas seções,
tendo a localidade de Taboas como ponto central. Ao todo, foram planejadas seis estações: a primeira
ficava situada no entroncamento em Commercio, e, depois, vinham Marambaia,2 Taboas, Santa Tereza (Rio
das Flores), Cachoeira do Funil e Porto das Flores (Manuel Duarte).
Devido ao seu posicionamento geográfico, Taboas abrigou a parte administrativa e toda a estrutura de
serviços de manutenção, como oficinas e depósitos. A companhia acabou recebendo, em doação, o terreno
situado nos fundos da Igreja São José, onde implantou todas as instalações, que contavam, também, com a
estação. Num documento de 1879,3 a companhia ferroviária classificou Taboas como um local que possuía
boas condições para se tornar uma magnífica vila, sendo o lugar mais apropriado para ser a sede da
freguesia de Santa Tereza. Taboas possuía na época uma capela, uma escola pública e umas 60 casas,
sendo vinte de negócios. A estação ficou situada numa bonita margem, com dimensões suficientes para a
construção das oficinas e depósitos da ferrovia.
As obras da primeira seção começaram em dezembro de 1876, e, devido a problemas judiciais, somente no
mês de maio de 1882 esta seção começou a funcionar provisoriamente. Sua abertura oficial ocorreu em 14
de setembro, data mais indicada como o dia de inauguração do parque ferroviário e da estação de Taboas,
prédio este edificado com réguas de madeira, dispostas na horizontal, e que possuía uma plataforma de
pedra voltada para a área de embarque e desembarque dos trens. Possuía cobertura em duas águas
protegida por telhas francesas. As fachadas laterais terminavam em frontão e tiveram o nome da estação
grafado na parte superior (f32). A estação possuía 24 metros de comprimento por oito de largura, dividida
internamente em um grande armazém de 18 metros de comprimento e outros três cômodos de dimensões
menores, sendo que um deles servia de agência.

f27
1890 (data provável). Locomotiva (possivelmente de manobra ou serviço) em Taboas. Acervo: Vilma Dutra Novaes

f28
s/d. Locomotiva em Taboas. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

2
A falta de registros históricos e o fato de ter sido demolida há muito tempo inviabilizaram a confecção de um fichamento individual da
estação da Marambaia. Os dados sobre ela podem ser encontrados em outro trabalho, O legado dos trilhos: inventário das
estradas de ferro em Rio das Flores, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.
3
Fonte: Anotações particulares de Adriano Novaes, retiradas de um processo da Comarca de Valença (Processo de Embargo de
Obra; autor: Cia E. F. União Valenciana; ré: Cia E. F. Commercio e Rio das Flores. 1879). Museu de Justiça do Estado Rio de Janeiro.

453
Histórico

O galpão das oficinas (f29) teria sido o principal prédio da companhia ferroviária. Sua cobertura em duas
águas possuía telhas, ao que tudo indica, eram zincadas. Esse prédio possuía altura considerável,
permitindo a entrada das locomotivas por duas amplas aberturas de vergas arqueadas. Assim como a
estação, suas paredes eram todas de madeira, mas as réguas de vedação foram dispostas na vertical. Nas
fachadas laterais, elas não chegavam até o chão, deixando uma abertura em relação ao nível do solo, e
também não atingiam o beiral na parte superior, facilitando a entrada de luz e ventilação natural. A
implantação desse conjunto necessitou de um amplo espaço para distribuir os blocos e instalar as linhas
férreas auxiliares de manobra das composições, que formavam um “triângulo”.

1899. Prédio das oficinas em Taboas. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f29

Pelas análises, os prédios ficavam alinhados de forma longitudinal: de um lado da linha férrea posicionava-
se o galpão das oficinas e, na outra extremidade, ficavam a estação e a casa com alvenaria de pau a pique
que existe até hoje (f07 e f08). Tudo indica que havia também, outras construções de menores proporções.
Nos anos iniciais, a viagem de Commercio a Taboas era feita em pouco mais de uma hora (65 minutos).
Nota-se que havia uma parada mais demorada na estação da localidade (10 minutos), provavelmente por
estar situada no parque ferroviário.

Quadro de Horários da Estrada de Ferro em 1884 e 1885

Saídas de Commercio Saídas de Santa Tereza


(atual Sebastião de Lacerda) Chegada Partida (Rio das Flores) Chegada Partida
Estação em Commercio 9:25 Santa Tereza (Rio das Flores) 13:10
Marambaia 9:51 9:56 Taboas 13:30 13:40
Taboas 10:30 10:40 Marambaia 14:14 14:19
Santa Tereza (Rio das Flores) 11:00 Estação em Commercio 14:45
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1884 (parte iv, p. 1.022) e
1885 (parte iv, p. 1.019). Disponível em <http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso em: outubro de 2011.

Em 1884, a E. F. Commércio e Rio das Flores foi substituída pela Companhia Estrada de Ferro Rio das
Flores, que terminou o restante da estrada e construiu as duas estações que faltavam (Cachoeira do Funil e
Porto das Flores), além de substituir a estação provisória situada no entroncamento da linha central em
Commercio (atual Sebastião de Lacerda) e a da sede da freguesia (Santa Tereza) por prédios definitivos.
Inaugurados em 1885, eles foram construídos com tijolo maciço e telhas francesas. A linha férrea ganhou
uma identidade arquitetônica, originada num projeto padrão que havia sido implantado em Taboas. As
estações possuíam fachadas laterais com empenas encimadas com frontão triangular. Na parte superior,
havia uma vazadura em óculo trilobado com cercaduras de madeira, único elemento que não existia no
prédio de Taboas. Uma das fachadas apresentava duas janelas com folhas internas de madeira, e as
externas utilizavam vidro nas folhas, conferindo uma identidade arquitetônica comum a esses prédios.
454
Histórico

Segundo pesquisas realizadas, acredita-se que o projeto foi elaborado pela E. F. Commercio e Rio das
Flores, que construiu a estação de Taboas. Sua sucessora (Estrada de Ferro Rio das Flores) teria aplicado
esta concepção nas demais estações (feitas de tijolo maciço). As principais diferenças entre essas estações
se referiam a pequenas variações em suas dimensões e distribuição interna, sendo que em todas havia um
armazém de cargas. A seguir, imagens das fachadas das estações em Commercio (f30) e Rio das Flores
(Santa Tereza – f31), que podem ser comparadas com a de madeira de Taboas (f32).

1908, Estação de entroncamento em Commercio. Imagem cedida 2010. Estação de Rio das Flores. Autor: Annibal A. M. Silva. f31
por Manoel Monachesi,(publicação FIGUEIRA, Manoel
Fernandes. Memória Histórica da Estrada de Ferro Central do
Brasil). f30

f32
s/d (Provavelmente início do século XX). Locomotiva tendo ao fundo a estação de madeira, com sua fachada lateral, adotada
em outras estações da linha. A casa que aparece é a mesma existente até hoje (f07 e f08). Acervo: Vilma Dutra Novaes.

Em 1890, Santa Tereza (atual Rio das Flores) se emancipou política e administrativamente de Valença,
numa década em que a linha férrea foi estendida até os limites territoriais do município, ganhando mais
duas estações: a de Santa Rosa e de Três Ilhas:

Quadro de Horários da Estrada de Ferro em 1893

Saídas de Commercio
(atual Sebastião de Lacerda) Saídas de Três Ilhas
Chegada Partida Chegada Partida
Estação em Commercio 8:40 Três Ilhas 12:30
Marambaia 9:17 9:20 Santa Rosa 12:57 13:00
Taboas 9:50 10:00 Porto Flores (Manuel Duarte) 13:24 13:40
Santa Tereza (Rio das Flores) 10:17 10:24 Cachoeira do Funil 13:51 13:56
Cachoeira do Funil 10:44 10:47 Santa Tereza (Rio das Flores) 14:16 14:24
Porto Flores (Manuel Duarte) 10:58 11:15 Taboas 14:42 15:00
Santa Rosa 11:40 11:43 Marambaia 15:33 15:38
Três Ilhas 12:10 Estação em Commercio 16:02
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1893. Disponível em <http://memoria.bn>. Acesso: novembro de 2012.

455
Histórico

No início do século XX a linha possuía cerca de cinquenta quilômetros, o novo acesso saía de Comércio
(Sebastião de Lacerda) e passava pelas estações de Taboas, Santa Tereza (Rio das Flores), Cachoeira do
Funil, Porto das Flores (Manuel Duarte), Santa Rosa, Três Ilhas e Barra Longa (Afonso Arinos). Na época, a
população contava com dois horários de trem:

f33
Adaptado do Almanack Laemmert, ano 1907. Disponível em <http://memoria.bn.br>. Acesso: novembro de 2012.

Na localidade residia um mais destacados profissionais da E. F. Rio das Flores, o engenheiro João de
Barros Carvalhaes (f34), que ocupou também o cargo de diretor da companhia. O escritório da ferrovia
ficava em Taboas. Em 1910 a Estrada de Ferro Central do Brasil, incorporou a Estrada de Ferro Rio das
Flores e a União Valenciana. Por volta de 1908 e 1909 João Carvalhaes fez um relatório (com várias fotos),
relativo a fusão das três ferrovias regionais (a União Valenciana, a E.F. Rio das Flores e a E.F. Santa Izabel
do Rio Preto) que seria enviado ao diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil. O engenheiro acabou
sendo o responsável pelo projeto do sub-ramal ligando Valença até a localidade de Afonso Arinos, tanto do
trecho entre Valença e Taboas como provavelmente do prolongamento entre Três Ilhas e Afonso Arinos,
onde foi homenageado com a instalação de uma parada de trem, denominada Engenheiro Carvalhaes.
Segundo relatos, ele guardou um expressivo material, como fotos, livros de anotações e outros
documentos, que constituíam um valioso acervo da memória ferroviária rio- florense.4 Infelizmente grande
foi destruído, o que restou encontra-se disperso, na mão de particulares e em instituições. Acredita-se que
boa parte as fotos históricas presentes no fichamento (fotos 27, 28, 29, 32 e 37) sejam de sua autoria.

1910. João de Barros Carvalhaes, morador de Taboas, engenheiro 1904. Imagens retiradas de um relatório da EFRF, de 1904,
E.F. Rio das Flores e posteriormente da E.F. Central Brasil. Fonte: Imagem superior: carimbo da E .F. Rio das Flores;
Revista O Malho, 29 de janeiro de 1910 n.1.110. Disponível em: Imagem inferior: assinatura do engenheiro chefe da ferrovia,
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116300&pe João de Barros Carvalhaes.
sq=taboas&pasta=ano%20191>. f34 Fonte: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. f35

Com a abertura do Ramal Valença-Afonso Arinos, em 01 de março de 1911 (f36) a estação de Taboas
passou a fazer conexão com a cidade de Valença, visto que o trecho para Comércio/Sebastião de Lacerda
acabou sendo desativado. Aquele momento marcou o fechamento das oficinas e da garagem, que ficavam
em Taboas. A estrutura construída nos primórdios da ferrovia foi transferida para o parque industrial da
Estrada de Ferro Central do Brasil, inaugurado na cidade de Valença em 1914. Com isso, as oficinas de
Taboas acabaram sendo demolidas, mas o prédio da estação foi mantido.
4
CARVALHAES, João de Barros. “Fiscalização, Concessões, Estudos das Estradas de Ferro, menos a Estrada de Ferro central
do Brasil, que tem livro especial.” Caderno Particular de Anotações do engenheiro da Estrada de Ferro Rio das Flores, contendo
Recortes de Jornais, dos anos de 1908 e 1909 (o documento não possui marcação de páginas). Acervo do Museu de História Regional
de Rio das Flores).
456
Histórico

1910. Inauguração do trecho entre Valença e Taboas. Fonte: Revista O Malho, 09 de março de 1912 n.495. Disponível em
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116300&pesq=taboas&pasta=ano%20191>. f36

f37
s/d. Funcionários no pátio ferroviário de Taboas, à época das obras de abertura da linha férrea
entre Valença e a localidade. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

Na década de 1930, a linha contava com três composições de ida e três de volta, entre Valença e Afonso
Arinos. A seguir, os horários em que os trens chegavam a suas plataformas.
Sub-Ramal Valença – Afonso Arinos
Horário de chegada dos trens à estação de Taboas. Quadro em vigor a partir de 1936
Estação de Taboas – saídas de Valença 5:28 10:46 16:08
Estação de Taboas – saídas de Afonso Arinos 9:05 11:15 16:14
Extraído do Quadro de Horários da E. F. Central do Brasil – Rede Fluminense. Acervo: Museu Ferroviário de Valença.

Anos depois, a primitiva estação foi substituída. Dois moradores da localidade que conheceram esse prédio,
o sr. Affonso Myhrra e o sr. Newton Dantas, comentaram que ele era todo em madeira pinho-de-riga e que
5
foi demolido em fins da década de 1930 ou nos anos iniciais da década seguinte. Seu desaparecimento
significou a perda do último exemplar edificado no período embrionário das ferrovias rio-florenses.
Uma nova estação foi implantada no local da anterior. De dimensões menores, feita com alvenaria de
tijolos, seguia o estilo arquitetônico difundido em outros prédios da linha, como as “casas de turma”
construídas na localidade de Três Ilhas em 1936. O período ficou marcado pela forte produção leiteira das

5
Segundo o sr. Affonso Myhra, a demolição ocorreu em 1939. O sr. Newton Dantas cita que foi entre os anos de 1939 e 1940.
457
Histórico

redondezas, que era enviada para ser embarcada nos trens. Com isso, as plataformas receberam os
tradicionais trilhos metálicos no piso (f14 e f25).
Nessa época, teve início a concorrência dos automóveis com os trens. Em meados da década seguinte, a
região passou a ser atendida por ônibus que ligavam as cidades de Valença e Juiz de Fora-MG, atraindo
boa parte das pessoas que antes utilizavam as composições ferroviárias.
Em 1957, a Estrada de Ferro Central do Brasil foi substituída pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA). No
início da década de 1960, o governo começou a erradicar diversos ramais ferroviários, considerados
antieconômicos, e, entre eles, estava o sub-ramal Valença-Afonso Arinos. Naquela época, a estrada de
ferro contava com seis horários (três de ida e dois de volta). O movimento dos trens em Taboas aparece no
quadro a seguir.
Quadro de Horários em 1960
Saídas de Afonso Arinos Saídas de Valença
Afonso Arinos 4:41 10:26 14:45 Valença 7:23 10:58 18:49
Três Ilhas 5:16 10:58 15:17 Taboas 7:50 11:24 19:07
Santa Rosa 5:37 11:20 15:38 Rio das Flores 8:09 11:38 19:21
Manuel Duarte 5:56 11:43 15:57 Cachoeira do Funil 8:27 11:55 19:39
Cachoeira do Funil 6:07 11:57 16:08 Manuel Duarte 8:41 12:05 19:49
Rio das Flores 6:27 12:20 16:28 Santa Rosa 8:59 12:23 20:07
Taboas 6:42 12:36 16:43 Três Ilhas 9:23 12:42 20:26
Valença 7:06 13:00 17:07 Afonso Arinos 9:50 13:08 20:55
Fonte: Guia Levi, 1960. Acervo: Manoel Monachesi.

Uma pesquisa aponta com precisão o dia 15 de outubro de 1965 como a data oficial da extinção do ramal.
Há, também, um decreto do ano seguinte (nº 58.992/1966) relacionando-o entre os ramais erradicados ou
6
com o tráfego suspenso. É importante atentar que o fechamento da estrada para os trens não correspondia
à extinção da linha. Primeiramente, os trens paravam de trafegar, para, em seguida, decidir-se se a linha
seria erradicada ou não. Tudo indica que foi isto que aconteceu com o ramal de Valença-Afonso Arinos.
Segundo pesquisas, a última composição de horário regular para transporte de passageiros e cargas
passou pela estação de Taboas no ano de 1964.
Com a erradicação da estrada de ferro, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi se desfazendo de vários
imóveis, e a estação de Taboas passou a ser propriedade particular. O mesmo deve ter ocorrido com a
parte do entorno onde ficavam as oficinas, que foi transformada em lotes residenciais. Pouca coisa restou
7
da época em que a localidade era o centro ferroviário do município.
Ao caminhar pelas redondezas, percebe-se como a perda das referências patrimoniais afetou os vínculos
de pertencimento da comunidade com o lugar. A memória não foi completamente esquecida: a rua de
acesso homenageia o sr. Pedro Dantas (f38), um dos chefes da estação da localidade, que pode ser
classificada como o coração das ferrovias rio-florenses.

f38
s/d (Década de 1940). Chefe da estação, sr. Pedro Dantas, na plataforma do prédio. Acervo: Newton Dantas.

6
Consta o ano de 1965 na publicação de RODRIGUEZ, 2004. p. 174. O trabalho de Antonio Carlos de Oliveira Lima e Krisna Neffa
Caminhos e Descaminhos do Sistema Ferroviário na Região do Médio Paraíba – Séculos XIX e XX cita 1965 como o ano em que
foi decretado o fim do sub-ramal Valença-Afonso Arinos (p. 14). Segundo as informações cedidas por Manoel Monachesi, a data de 15
de outubro de 1965 tem como fonte a Revista Ferroviária de agosto de 2000, sobre trechos erradicados. O decreto de 1966 é um
documento da Superintendência Regional 3 de Patrimônio (SR-3) de Juiz de Fora-MG, publicado em 17 de julho de 1984, que trata das
áreas sem os trilhos.
7
Além do engenheiro João de Barros Carvalhaes, muitos profissionais da ferrovia moravam em Taboas, como o mestre de linha João
Ferreira Myhra.
458
459
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.
As fotos 04, 05, 06, 09, 10 e 16 até 26 foram utilizadas na publicação O legado dos trilhos: inventário das
estradas de ferro em Rio das Flores, citada nas Referências Bibliográficas, a seguir.

Nas demais fotos e imagens, a origem ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo
abaixo do próprio registro.

Referências Bibliográficas:
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.


MORAIS, Sergio Santos. A Arquitetura das Estações Ferroviárias da Estrada de Ferro Central do
Brasil no século XIX – 1858/1900. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU/ PROARQ. Rio de Janeiro: 2002.

MUSEU DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Comarca de Valença. Processo de Embargo


de Obra; autor: Companhia Estrada de Ferro União Valenciana; ré: Companhia Estrada de Ferro
Commercio e Rio das Flores. 1879.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: O Resgate de sua
Memória. Rio de Janeiro: RR Donneley, 2004.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (coord.). O legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/Inepac. Rio das
Flores-RJ: Edição do Autor, 2011.

VASCONCELLOS, Max. Vias Brasileiras de Communicação, Estrada de Ferro Central do Brasil, Linha
Auxiliar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935.

Arquivos Consultados:
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
- Coleção Sala Matoso Maia, História Fluminense, Período Republicano: 1889-1951.
- Fundo Presidente de Província.

Museu de História Regional de Rio das Flores-RJ.


- Arquivo textual e iconográfico.

Consultas On-line:

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em


<http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Acervo da revista O Malho, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro
de 2013.

Acesso ao portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.

460
n

Instituto Estadual do Patrimônio Cultural


Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de São Sebastião e de Nossa Senhora Aparecida

Localização: Município:
Torres, área rural do 3º distrito - Taboas Rio das Flores

Época de construção:
1880 – consta batizados na capela.
1887 - ano provável de sua abertura.

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Templo de celebração religiosa

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença

1995. Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores

Fachada da Capela de São Sebastião e de Nossa Senhora Aparecida. f01


Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

461
Situação e ambiência

Torres

Formoso

Rio das Flores

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f02

Rio das Flores


Rio das Flores

CAPELA

Taboas

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f03

A capela de São Sebastião e de Nossa Senhora Aparecida fica situada no território do distrito de Taboas. O
principal acesso, para quem se encontra na cidade-sede de Rio das Flores, é seguir pela Avenida Gilberto
Garcia da Fonseca, uma via asfaltada que leva ao bairro do Formoso, de onde o percurso continua em piso
de terra (momento que a via passa a ser denominada rodovia municipal RF-01) em direção à ponte de ferro
sobre o Rio das Flores (curso d’água que dá nome ao município). Atravessando a ponte, deve-se seguir em
direção ao lugarejo denominado Torres, onde se situa o pequeno templo religioso (f01). A paisagem
circundante é marcada pelos morros tipo meia laranja, com cobertura rala de pastagem e algumas áreas
remanescentes de Mata Atlântica. Durante o trajeto são avistadas plantações diversas e criações de gado
leiteiro. Os currais presentes na região são um valioso testemunho do meio de vida do homem rural.

462
Descrição arquitetônica

f04

A estrada de terra corta a localidade de Torres, que apresenta uma paisagem de morros em formato meia
laranja, com forração rala. O Rio das Flores é a principal referência da paisagem, passando de forma
sinuosa (f03), com sua margem formando uma baixada, utilizada como pastagem dos animais.
A população se distribui de forma esparsa no território, em chácaras e sítios residenciais. Há também
alguns currais e estábulos, onde os colonos trabalham na tradicional lida com o gado leiteiro. A capela fica
protegida da estrada por uma cerca de madeira (f04 e f05) e, ao seu lado, há partes de uma construção, em
processo de demolição (f06 e f07), que representa um ponto de apoio e pode ser encontrado em diversas
capelas, um local onde a comunidade realiza seus festejos, leilões e encontros. Conhecido como barracão
paroquial, ele dará lugar a um prédio maior.1
Nos fundos da capela está sendo edificado um banheiro (f08).

f05

f06

1
Um barracão semelhante pode ser visto na Capela São Lourenço (aqui inventariada), situada na localidade do Barreiro.
463
Descrição arquitetônica

f07

f08

Situada junto à estrada, a capela é um marco de toda a comunidade de Torres, e faz parte do grupo de
exemplares de arquitetura religiosa erguidos na área rural do município que se destacam por não possuir
torre sineira.2 Fica assentada ao rés do chão, com suas paredes de tijolos maciços autoportantes e
cobertura em duas águas, protegida com telhas francesas, tendo o beiral em tábuas corridas.
O singelo prédio se destaca ao longe, com suas paredes brancas pintadas com cal, contrastando com o
barrado, os frisos e as esquadrias pintadas na cor azul del rey (f01). Uma cerca de madeira delimita a
propriedade. O adro é cimentado, assim como a calçada que o circunda (f09 e f10).

f09

2
Os bens classificados como capelas de caráter rural no município de Rio das Flores pelo presente inventário são os seguintes:
Capela de Santo Antônio (no Paciello); Capela de São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida (em Torres, aqui em análise), Capela de
São Lourenço (no Barreiro); e Capela de São João Batista (no distrito do Abarracamento). Cabe registrar a Capela de São Sebastião,
que apesar de possuir torre sineira e ficar situada a margem da estrada asfaltada rodovia RJ 145, encontra-se situada em Cachoeira
do Funil, uma localidade que preserva hábitos rurais.

464
Descrição arquitetônica

Sua volumetria divide-se em dois blocos. O da frente possui pé-direito alto e abriga a nave. Em cada
fachada lateral há uma báscula de madeira com caixilho de vidro colorido. O bloco de fundos é menor e
comporta o altar, a sacristia e um depósito nas laterais, com portas abrindo para o exterior (f09).
A fachada principal é recepcionada por um degrau em semicírculo, e a portada de acesso ao centro abre-se
em duas folhas de madeira almofadadas, arrematadas com verga em arco pleno (f10 e f11). Acima, ficam
duas pequenas janelas, também com folhas de madeira e verga em arco pleno (f12). Entre elas há uma
moldura circular em alto relevo, destacando a inscrição “janeiro de 1880”, data de sua inauguração. Abaixo,
consta outra data – 5 de dezembro de 1963 –, que deve se referir a alguma reforma (f13). Sobre ela corre
uma peça de madeira, decorada com pequenos leques nas extremidades. Na peça foi grafado o nome do
pequeno templo religioso (f11). O frontão é arrematado por um óculo circular envidraçado. Sobre a
cumeeira fica uma cruz de metal (f12).

f10 f11

f12 f13

Não foi possível avaliar o interior da capela, pois ela se encontrava fechada. As fotos publicadas foram
disponibilizadas pelo senhor Eduardo Simões (fotos 14 a 17). Observa-se que a capela está sendo
reformada, servindo, inclusive, para guardar material de construção (f14 e f15). A nave não possui forro,
mas o madeiramento da trama (caibros, ripas, terças, cumeeiras e tesouras) está conservado. O piso é de
ladrilho cerâmico. O gracioso retábulo de madeira com detalhes de estrelas e flor-de-lis em douramento
está inserido num nicho, arrematado pelo friso azul do arco pleno (f15 e f16). De cada lado, ficam as portas
de acesso aos cômodos de apoio, com vergas em arco pleno.
Nas laterais da nave, estão mais dois retábulos, também em madeira (f17), pintados de branco e
ornamentados, com o nicho em azul, e, sobre eles, dois pináculos decorativos.

465
Descrição arquitetônica

f14

f15

f16 f17
s/d. Imagens acima (fotos 14 a 17), disponibilizada por Eduardo Simões.

Estado de Conservação
A capela apresenta sua estrutura consolidada, sem danos visíveis que possam comprometer de imediato
sua integridade. As paredes caiadas apresentam pouca sujidade, assim como o barrado cinza. Há de se
mencionar a importância de se preservar os retábulos de madeira, com seus adornos e paramentos
originais, cada vez mais raros de se encontrar nas capelas.
Apesar de classificar como positivo todo o esforço de uma comunidade para salvaguardar este rico e quase
extinto patrimônio rural, contudo, cabe registrar que a ausência de um acompanhamento técnico, em que
orientações básicas de valorização, preservação e até de restauro do material de construção seriam de
enorme valia, pois essas joias da arquitetura regional estariam, de certa forma, sendo poupadas de tantas
descaracterizações.
466
Histórico

Histórico
Desde meados do século XIX, a região de Torres era conhecida por “Flores”, devido ao curso d’água que
banha a localidade e que dá nome ao município. O local da capela de São Sebastião ficava próximo à divisa
das terras das sesmarias de José Joaquim da Costa (Ponte do Cotovelo/ Fazenda Barras das Flores), de
Manoel Pimentel (Fazenda das Palmeiras) e de Vicente da Silva Campelo (Paciello).
Ainda na primeira metade do século XIX, essas sesmarias foram partilhadas em diversas fazendas e sítios,
pertencentes, na sua maioria, a José Vicente Cesar. Todas as suas propriedades eram capitaneadas pela
Fazenda Santo Antonio da Cachoeira. Por ocasião do falecimento de sua primeira mulher, Apolinária Rita
do Sacramento (filha do sesmeiro Manoel Pimentel), ele vendeu a terça parte dos bens a Luis Antonio
Duque. Por volta de 1879, Duque adquiriu, dos herdeiros Cesar, mais uma porção de terra, denominada
“Sítio das Flores”, onde, por volta de 1880, foi erguida a capela de São Sebastião.
Junto à mesma, Luiz Duque cedeu gratuitamente, em 1881, parte das instalações do sítio, para que ali
funcionasse a Escola das Flores, uma das primeiras do município de Rio das Flores. No mesmo lugar havia,
desde 1875, o Armazém do Torres, de Joaquim Fernandes Torres. Tudo indica que, próximo ao armazém,
havia um rancho que atendia as tropas, na estrada que fazia a ligação da Estrada do Barreado com a
Estrada da Polícia, na altura da Fazenda Boa Vista, hoje conhecida por Santa Inácia, em Valença.

1941. Cartaz de festa na capela de São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida, situada
na localidade do Barreiro. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores. f18

Consta, em documentos da Matriz de Santa Tereza, que a capela só foi aberta em 9 de agosto de 1887. No
entanto, além da inscrição contendo a data de “janeiro de 1880” em sua fachada frontal (f13), existem
informações de batizados ocorridos nela em 1880. Atualmente as celebrações religiosas são realizadas no
dia dos padroeiros ou então a pedido da comunidade.
Quanto a sua origem, o mais provável é que pequeno templo religioso tenha surgido devido às mudanças
ocorridas na década de 1880, com a abolição da escravidão e o declínio da lavoura cafeeira, que causaram
uma grande transformação no quadro sócio econômico da região e do país. Em 1900 o atual município de
Rio das Flores possuía 18 mil habitantes, desses, sendo que na sede moravam apenas umas mil moravam
pessoas. Acredita-se que grande parte era constituída pela população libertada pela Lei Áurea, agora
absorvida como colonos das fazendas, agora adaptadas a produção da pecuária leiteira. A concentração de
um grande contingente populacional na área rural levou ao desenvolvimento e a criação de pequenas
nucleações (também conhecidas como arraiais), onde havia comércio, escola, cartório, cemitério e capela.3

3
Entre as localidades com suas respectivas capelas citamos: Porto Velho - S. Sebastião; Bela Vista (Tapinhoã) - S. João Nepomuceno
(1886); Barreiro - S. Lourenço (aberta ao culto em 1907); Paciello - S. Antônio (1900); Abarracamento - S. Pedro (edificada por volta de
1890); Bom Jardim – S. João Batista (edificada por volta de 1885); Cachoeira do Funil - S. Sebastião (terreno doado em 1903);
Formoso - S. Benedito (edificada por volta de 1890) e Torres - S. Sebastião e N. S. Aparecida (aberta provavelmente em 1887).
467
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

468
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de São Lourenço

Localização: Município:
Barreiro, área rural do 3º distrito - Taboas Rio das Flores.

Época de construção:
1907 – Abertura ao Culto.
01 de Dezembro de 1943 – Inauguração nova Capela.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Templo de celebração religiosa.

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento.

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença.
1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal Rio das Flores.

Capela de São Lourenço – Barreiro. f01


Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

469
Situação e ambiência

Rio das Flores

Barreiro

Valença

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f02

Rio das Flores

CAPELA

Rodovia RF 09

Taboas

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f03

A capela de São Lourenço fica situada na área rural do terceiro distrito (Taboas). A paisagem que a
circunda é caracterizada pelos morros tipo meia laranja, cobertos por uma rala pastagem e áreas
remanescentes de Mata Atlântica (f02 e f03). Notam-se também plantações diversas e criação de gado
leiteiro. Os currais estão presentes em toda a região.
Para quem se encontra em Rio das Flores o principal acesso à capela é seguir pela rodovia RJ-145 até o
pórtico da cidade, onde há uma estrada de terra batida que tem como principal referência a fazenda Santo
Inácio. Um quilômetro à frente da sede da citada fazenda há um entroncamento, dali deve-se prosseguir
pela via direita por mais 700 metros, até encontrar a rodovia municipal RF-08, por onde, percorrendo mais
cinco quilômetros, chega-se ao lugarejo denominado Barreiro, onde se situa o pequeno templo religioso
(f01).

470
Descrição arquitetônica

f04

f05

f06

A população do Barreiro se distribui em chácaras e sítios, situados espaçadamente ao longo da estrada que
corta o lugarejo. O campo de futebol, os botequins e as vendas são os pontos de encontro dos moradores.
A capelinha é um marco referencial religioso, social e cultural de toda a comunidade e pode ser vista a
distância, pois fica situada junto à estrada, com uma cerca de arame farpado e uma tronqueira delimitando
o espaço, em piso de terra batida.
Assim como a grande maioria das construções religiosas inventariadas neste trabalho, ela possui, numa das
laterais, um prédio anexo, conhecido como barracão ou salão paroquial, utilizado nas confraternizações,
reuniões e leilões (f04 e f05). Atrás da capela fica outro anexo, de pequena dimensão, onde estão
localizados os banheiros e um tanque (f06).

471
Descrição arquitetônica

f07

O prédio faz parte do grupo de exemplares da arquitetura religiosa erguidos na área rural do município que
se destacam por não possuir torre sineira.1 Sua volumetria é definida pelo bloco principal, que abriga a nave
e o altar, e por um bloco menor na parte de trás, onde fica a sacristia (que já serviu de confessionário) e um
hall com porta para a área externa. Ambos os blocos podem ser distinguidos externamente através do jogo
de cobertura em duas águas, protegida por telhas cerâmicas francesas (f08).
A capela fica assentada quase ao nível do solo, circundada por uma calçada de cimento (f07). As paredes
são mistas, de tijolo maciço e adobe, revestidas com argamassa e caiadas de branco. Um barrado de
chapisco contorna toda a sua base (f07 e f08).
A fachada principal possui, ao centro, uma porta de madeira que se abre em duas folhas, com verga em
arco pleno (f07). O beiral da cobertura foi decorado com um lambrequim de madeira, e, na cumeeira, uma
cruz de metal indica o espaço sagrado. Em ambas as fachadas laterais deste bloco ficam duas diminutas
básculas vedadas com grade. Já o bloco de fundos apresenta uma pequena janela de madeira na parte da
sacristia e a porta de acesso pela parte do hall.

f08

1
Os bens classificados como capelas de caráter rural no município de Rio das Flores pelo presente inventário são os seguintes:
Capela de Santo Antônio (no Paciello); Capela de São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida (em Torres), Capela de São Lourenço
(no Barreiro, aqui em análise); e Capela de São João Batista (no distrito do Abarracamento). Cabe registrar a Capela de São
Sebastião, que apesar de possuir torre sineira e ficar situada a margem da estrada asfaltada rodovia RJ 145, encontra-se situada em
Cachoeira do Funil, uma localidade que preserva hábitos rurais.

472
Descrição arquitetônica

O prédio vem passando por obras, iniciadas em 2011, visando a melhorias no telhado e no forro. No
momento da visita, as reformas estavam sendo realizadas no interior do prédio, que se encontrava
destituído de adornos. A nave apresenta as paredes caiadas de branco, e o piso é de cerâmica. O forro está
recebendo um material sintético (conhecido como PVC), que acompanha a inclinação da cobertura (f09).
Observa-se que a instalação do novo forro (em PVC) foi deficitária, pois parte se desprendeu da cobertura
(f10), também foi detectada a presença de vários escorpiões sob as réguas do material plástico. Este tipo
de material encontra-se instalado em outros dois ambientes – na sacristia e no altar (f11 e f12). Neste
último, foi mantido o formato de abóboda de berço, mas o espaço conserva resquícios de um lambrequim
de madeira.
Todas as esquadrias foram pintadas em cor azul del rey. O espaço do altar é delimitado por um caixonete
de madeira terminado em arco pleno. O atual retábulo de alvenaria veio substituir um de madeira. Em cada
lateral há uma abertura também com vergas em arco pleno que conduzem à sacristia e ao hall (fotos 10 a
13).

f09 f10

f11

f13

f12

473
Estado de conservação

Quando se observa a pequena capela de São Lourenço, a leitura que se faz é que as intervenções
realizadas durante os anos foram suprimindo elementos que conferiam valores primordiais às suas
características estéticas e históricas. Dentre as mudanças ocorridas, percebe-se, na parte interna, a perda
do piso de tábua corrida e a substituição do altar de madeira por um de alvenaria.
Boa parte das informações relativas à Capela de São Lourenço foram passadas pelo senhor Dirlei
Nascimento, que nasceu na localidade e vem acompanhando as reformas. Relatou que a sacristia havia
desmoronado e, por medida de segurança, as novas paredes utilizaram tijolos furados e pilares junto ao
bloco de fundos.
Com relação às obras atuais, o forro de PVC não se harmonizou com as características da capela, que está
inserida num ambiente rural. A cobertura apresenta telhas francesas contemporâneas (fotos 01, 06 e 08).
Aparentemente, elas substituíram um modelo anterior, conforme atesta a peça encontrada entre os
entulhos, com inscrições em língua francesa, indicando ser originária de Marseille (f14). Apesar de ter
retirado a telha original (f14), essa mudança pode ser considerada acertada, pois manteve o mesmo tipo de
telha, não prejudicando visualmente, a leitura do prédio. Nota-se que a trama da cobertura, composta por
cumeeira, terças, caibros e ripas, possui peças de madeira de seção comercial. O lambrequim instalado no
beiral é um modelo encontrado nas construções atuais e certamente não possui nenhuma relação com a
capela. Além dele, percebe-se o emprego do barrado de chapisco contornando a base das fachadas,
técnica comumente utilizada nas construções do país.

f14

O barracão ao lado da capela tem acesso por duas amplas portas laterais, feitas de madeira (f04 e f05). A
cobertura possui trama de madeira roliça (f15), comumente encontrada nas construções rurais. Seu interior
conserva uma rústica arquibancada (sobre a qual estão depositados alguns bancos de madeira, que
provavelmente serviram a capela), com uma mesa no centro para o apoio das prendas utilizadas nos leilões
(f15), uma disposição típica de alguns barracões religiosos e que é merecedora de preservação, por
representar o modo de vida da comunidade. O já citado morador comentou que o barracão possui paredes
de adobe e será reformado, com a provável substituição das paredes por tijolos de solo-cimento que
encontram-se estocados em seu interior.

f15

A análise que se faz é que é admirável e louvável todo o esforço de uma comunidade para salvaguardar
este rico e quase extinto patrimônio rural. No entanto, há de se lamentar a ausência de um
acompanhamento técnico, em que orientações básicas de valorização, preservação e até de restauro do
material de construção seriam de enorme valia, pois essas joias seculares da arquitetura regional estariam
de certa forma sendo poupadas de tantas descaracterizações.

474
Histórico

Histórico
São poucas as informações coletadas a respeito da Capela de São Lourenço, situada no território do 3º
distrito, na localidade do Barreiro. Sua origem remonta ao inicio do século passado, logo após as mudanças
que causaram uma grande transformação no quadro sócio econômico na região e no país: a abolição da
escravidão e o declínio da cultura cafeeira. Em 1900 o atual município de Rio das Flores possuía 18 mil
habitantes, desses, cerca de mil moravam na sede. Acredita-se que grande parte da população era
constituída de ex-escravos, que ficaram nas fazendas, trabalhando como colonos na pecuária leiteira. A
concentração das pessoas na área rural levou ao desenvolvimento e a criação de pequenas nucleações
(também conhecidas como arraiais), onde havia comércio, escola, cartório, cemitério e capela.2
A data de abertura da Capela de São Lourenço ao culto público seria no ano de 1907. No entanto somente
em 1935, foi feita a escritura de doação do patrimônio para a Mitra Diocesana da Valença, por João
Constancio Jose dos Anjos e sua mulher Otilia Custodia do Nascimento, através de escritura de 1
de dezembro de 1943. O cartaz da festa realizada em 7 e 8 de agosto de 1943 (f16) menciona a
inauguração da nova capela (provavelmente por conta de alguma reforma) o que dá a entender que ela foi
aberta antes da escritura ser lavrada.
A programação da citada festa registra ainda que a procissão “percorrerá o itinerário de costume”,
revelando que na comunidade do Barreiro já ocorriam eventos religiosos. O morador entrevistado (senhor
Dirlei Nascimento) disse que antigamente os festejos eram realizados com a iluminação de tochas. Outra
informação relevante e que está ligada aos valores imateriais da capela é que a imagem primitiva do
padroeiro foi confeccionada por pessoas da localidade.
Desde o início, no pequeno templo foram realizados casamentos, batizados, missas, rezas. Atualmente as
celebrações religiosas são realizadas somente a pedido da comunidade ou então na tão afamada e
concorrida festa do padroeiro São Lourenço, que mantém sua tradição, sendo comemorada no primeiro
sábado do mês de agosto, com barraquinhas e o animado leilão de prendas doadas pela comunidade.

1943. Cartaz Festa na capela de São Lourenço, no Barreiro. 2013. Cartaz da festa a ser realizada em agosto de 2013.
Acervo: Museu História Regional Rio das Flores. f16 Acervo: Paróquia Santa Thereza D’Ávila. f17

2
Entre as localidades com suas respectivas capelas citamos: Porto Velho - S. Sebastião; Bela Vista (Tapinhoã) - S. João Nepomuceno
(1886); Barreiro - S. Lourenço (aberta ao culto em 1907); Paciello - S. Antônio (1900); Abarracamento - S. Pedro (edificada por volta de
1890); Bom Jardim – S. João Batista (edificada por volta de 1885); Cachoeira do Funil - S. Sebastião (terreno doado em 1903);
Formoso - S. Benedito (edificada por volta de 1890) e Torres - S. Sebastião e N. S. Aparecida (aberta provavelmente em 1887).
475
476
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Morador entrevistado para a produção do texto:


Dirlei Nascimento.

Referência bibliográfica

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

477
478
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Localidade de Comércio, situada no distrito de Taboas.

Localização: Município:
As margens do Rio Paraíba do Sul, acesso principal pela Rio das Flores-RJ.
rodovia RJ 115.
Época em que surgiu:
Início do século XIX.

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma / Tombamento do Largo do Comércio, incluindo o
cruzeiro de pedra; Elaboração de Leis que garantam a
preservação da paisagem urbana da localidade.
1995. Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal de Rio das Flores.

Largo do cruzeiro (ou do Commercio), com a Rua Vasco Ortigão ao fundo. f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto “O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

479
Situação e ambiência

Uma das principais características a localidade de Comércio é seu estreito vínculo com a vizinha Sebastião
de Lacerda, pertencente ao município de Vassouras (f02). Separados pelo Rio Paraíba do Sul, esses
diminutos centros urbanos compartilham praticamente o mesmo modo de vida e uma história bem
semelhante.

Sebastião de Lacerda

Comércio
Linha Férrea

Taboas
Rio Flores

Imagem gerada pelo Google Earth, Janeiro de 2013. f02

Comércio

Largo do
Comercio

Taboas Rio Paraíba do Sul


Rio Flores

Estações Ferroviárias

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth, Janeiro de 2013. f03

O Rio Paraíba do Sul é o agente principal da paisagem, formada por morros em formato meia laranja,
cobertos, em sua maioria, por uma rala pastagem. Nas encostas da área urbana de Comércio existe uma
densa área florestada, remanescente da Mata Atlântica (f03 e f07).
Os acessos são feitos por estradas de terra, sendo que, destas, a mais utilizada é a rodovia RJ-115. Para
quem está próximo às cidades de Rio das Flores ou Valença, o ideal é seguir até a localidade de Taboas,
de onde se percorre um trajeto de dezessete quilômetros em via bem conservada. A outra extremidade da
RJ-115 fica no distrito valenciano de Barão de Juparanã e segue em direção a Comércio, num trajeto de
cerca de dezessete quilômetros, paralelamente ao Rio Paraíba do Sul.
Nota: Para facilitar a identificação, o presente fichamento adotou, desde o início, o nome atual das localidades: Comercio para a parte
situada no território de Rio das Flores e Sebastião de Lacerda, no de Vassouras. Esclarecemos que até o ano de 1931 ambas
possuíam a mesma denominação: Commercio.
480
Situação e ambiência

Há outro acesso que, segundo relatos, se encontra em péssimas condições, o que permite afirmar que seu
leito se torna intransitável na época das chuvas. Essa estrada liga Sebastião de Lacerda (f03) ao distrito de
Massambará (pertencente a Vassouras), cruzando antes a BR-393, conhecida como Rodovia Lúcio Meira
ou Rodovia do Aço, em seu trecho entre as cidades de Vassouras e Paraíba do Sul.

f04

f05

f06

Os prédios das estações ferroviárias e o corredor de lojas comerciais situados em Sebastião de Lacerda
(fotos 04 a 06) são testemunhos da época em que o transporte ferroviário trazia desenvolvimento às duas
localidades. Atualmente, as composições que trafegam por ali são trens cargueiros.
As localidades são atendidas diariamente por uma linha de transporte coletivo (feito pela empresa de ônibus
Pedro Antônio), com poucas opções de horários.1

1
O trajeto possui cerca de cinquenta quilômetros, saindo da cidade de Vassouras, passa em seguida pelo distrito de Barão de
Vassouras, rumando de lá até Barão de Juparanã (distrito de Valença) de onde a viagem segue pela estrada em piso de terra,
margeando o Rio Paraíba do Sul, até Comércio / Sebastião de Lacerda. O próximo destino é o distrito rio-florense de Taboas, de onde
a viagem segue pela rodovia asfaltada RJ 145, terminando na cidade de Valença.
481
Análise Urbana e Arquitetônica

Comércio é a única localidade de Rio das Flores à beira do Rio Paraíba do Sul. Apesar de ser atendida pela
citada linha de ônibus, percebe-se um certo isolamento em relação à parte mais adensada do município. O
pouco movimento de pessoas permite que se caminhe livremente pelas ruas, sem preocupações com o
trânsito. Este cotidiano bucólico é alterado em algumas épocas do ano, como nas festividades de
Sant’Anna.2 Diariamente se escuta o som das locomotivas de carga cortando as terras vizinhas, mantendo
vívida a referência ao movimento que os trens de passageiros traziam ao vilarejo.

Localidade de Comércio, situada do outro lado do rio. f07

A ligação entre os dois lados é feita por uma ponte sobre o Rio Paraíba do Sul (f08), construída na era
ferroviária. Apesar de ter perdido sua trama metálica, ela conserva a base de pedra de expressiva
plasticidade artística (f09).
A parte inicial do perímetro urbano de Comércio é denominada Rua Santa Emília, onde ficam a quadra
poliesportiva e um pequeno conjunto de casas padronizadas (f57). À esquerda, em cota elevada, estão a
escola e o campo de futebol. Nas proximidades da desembocadura da ponte existe uma pequena parada de
ônibus (f10) e uma casa, que preserva sua arquitetura (f58). A partir aquele ponto a via passa a ser
denominada Rua Vasco Ortigão (f11). Os lotes da parte direita ficam com os fundos para a margem do rio, e
os da esquerda, junto à encosta de um morro coberto por mata (f02 e f07). A rua termina no largo ao fundo
(f01 e f31). A mão à direita leva a um pequeno conjunto populacional, construído na década passada pela
Prefeitura. Deste ponto, a estrada adentra a área rural, levando até as fazendas Guaritá e Campos Elíseos.

f08 f09

2
Nossa Senhora de Sant’Anna é a padroeira da localidade. A festa católica vem sendo comemorada há muitas décadas, caindo
sempre na segunda quinzena de julho.
482
Análise Urbana e Arquitetônica

f10

A Rua Vasco Ortigão apresenta arruamento retilíneo e arborização padronizada (f11 e f12). Em toda a sua
extensão há um conjunto de casas, construídas ao longo do século XX, que ficam protegidas na frente por
pequenos muros ou grades, o que permite uma conformação urbanística harmoniosa. Esse acervo forma
um conjunto arquitetônico homogêneo, mas com estilos diferenciados. A grande maioria desses imóveis
está situada nos lotes da parte direita, dando fundos para o rio (fotos 13 a 18).

f11

f12

Estas residências foram edificadas a partir de meados do século XX, no amplo terreno que servia como
parque do Hotel Commercio, cuja sede fica no outro lado da rua (fotos 19, 20 e 21), onde existem outras
casas representativas (f22) e o salão paroquial em seu trecho final (f23).
483
Análise Urbana e Arquitetônica

f13 f14 f15

f16 f17 f18

f20

f21
f19

f22 f23

Uma pequena ponte de concreto armado (f59) com gradilhado em alvenaria transpassa o pequeno riacho,
tributário do Rio Paraíba do Sul. As cabeceiras dessa travessia são pedras de mão, que se prolongam em
ambas as margens do pequeno curso dágua. Este ponto é marcado por um largo que tem, em seu entorno,
uma praça de convívio (fotos 24, 25 e 26) e um posto de saúde, ambos de linhas contemporâneas.

f24
484
Análise Urbana e Arquitetônica

f25

f26

O ponto dominante do logradouro é o cruzeiro esculpido num bloco de pedra lavrada (f27 e f28). Trata-se de
um tipo de obra raramente encontrada na região, que se assenta sobre uma pequena base, envolvida por
uma camada de cimento, onde se apoiam dois lances em degrau, também de pedra lavrada. O
embasamento acima sustenta o corpo central de seção circular encimado por um capitel com uma cruz de
topo com um formato trifólio. Esta peça simbólica passou por uma intervenção, mas manteve as proporções
da original. Antes disso, apresentava o aspecto de uma Cruz Latina (f29).
Nota-se que sua face frontal está com a visibilidade comprometida, devido à instalação de uma peça de
madeira com cinco pontos de luz, em suas extremidades e no centro.

f29
Dec 1920. Detalhe da cruz primitiva.
f27 f28 Fonte: Encarte de Commercio.

485
Análise Urbana e Arquitetônica

O largo é circundado por um pequeno acervo de construções peculiares às cidades interioranas. A


paisagem que se descortina é prejudicada por um poste da rede elétrica próximo à capela e pela profusão
de fios que passam junto às fachadas.
O destaque é a Capela de Sant’Anna (f30). À sua direita fica um antigo chalé da Prefeitura de Rio das
Flores, que o utiliza como agência dos Correios e ponto de informações turísticas, e, à esquerda, uma
residência de paredes brancas e janelas vermelhas (f31) que veio substituir um imóvel anterior, também no
estilo chalé.

f30

Mais ao fundo fica um casarão de cor amarelada (f32), principal exemplar do estilo chalé do município,
difundido a partir do último quartel do século XIX e que teve seu maior destaque em meados da década de
1880, conforme atesta a data existente em seu óculo (f33).3

f31

f32 f33

3
O prédio recebeu um fichamento individual neste inventário.
486
Representação Gráfica

Largo do
Comercio

Estações Ferroviárias

Hotel Rio Paraíba


Commercio
do Sul

Estação Sebastião de Lacerda


Ferroviária
Estação
Local da Ferroviária
“Casa Velha”

Comércio

Estação
Ferroviária
Campo Linha Férrea Central
Futebol (em atividade)

Estação
Ferroviária

Taboas Barão de Juparanã


Rio das Flores Vassouras

Década de 1990. Planta da localidade de Comércio. Acervo: Prefeitura Municipal de Rio das Flores. f34

487
Histórico/Evolução Urbana

Histórico/Evolução Urbana:
A localidade de Comércio e a vizinha Sebastião de Lacerda surgiram em função da Estrada do Commercio,
importante via de acesso aberta entre 1813 e 18174 por Conrado Niemeyer para escoar a produção que
descia pelas tropas de mulas do Vale do Paraíba fluminense para a Vila de Iguaçu, na Baixada Fluminense,
de onde seguia para a Corte, no Rio de Janeiro. A origem de seu nome se deve à Real Junta de
Commercio, Agricultura, Fábrica e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, que foi quem
patrocinou sua construção. Por ocasião de sua segunda viagem à Capitania de Minas Gerais, em 1822, o
naturalista Saint-Hilaire registrou suas impressões sobre o local:

“Ao cabo de algumas horas cheguei às margens do Paraíba, que aqui tem, mais ou menos, a
mesma largura do que no lugar em que atravessamos, perto de Ubá. Corre o rio, majestosamente,
num vale circundado de altas montanhas cobertas de mata virgem.”

“Sobre as encostas fizeram-se algumas plantações de milho. De cada lado do rio fica um rancho,
e, à sua margem, vê-se uma casinhola, moradia do empregado encarregado de receber a
postagem. A paisagem é animada por canoas que vão e vêm de uma margem a outra, pelas pontas
de bois e varas de porcos que atravessam o rio a nado, o movimento dos homens obrigando aos
animais a entrarem no rio e o atravessar, pelas tropas de mulas que se carregam e descarregam.”

Segundo o desembargador Vieira Ferreira, somente após a viagem de Saint Hilaire a travessia passou a ser
feita mediante uma balsa, presa a um cabo em ambas as margens do rio, a embarcação pertenceu a um
ascendente de Sebastião de Lacerda e era movida pelas correntezas. 5 Uma outra obra narrou a travessia:6

“. . . se atravessava o Paraíba numa barca movida pela própria força do rio, ao longo de um
cabo, a que era presa, lançado entre as duas margens”.

Conforme os registros pesquisados, o local era denominado como Porto do Commercio e a travessia como
a barca de passagem de Ubá. Havia uma rampa de embarque e desembarque em cada margem do rio.
Abaixo duas notas, referentes aos reparos, que utilizavam madeiras, cabos, alcatrão e etc (f35). Os serviços
eram administrados pela Diretoria de Obras Públicas do Governo da Província (f36).

f35

f36
1874 e 1870. Notas relativas a serviços de reformas no Porto do Commercio. Acervo: Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundo: Presidentes de Província; notação 448.

4
O inventário utilizou como parâmetro para definir a data da abertura da Estrada do Commercio a publicação: LENHORO, Alcir, As
Tropas da Moderação: o Abastecimento da Corte na Formação Política do Brasil -1808-1842. São Paulo, Símbolo. 1979, p.60.
5
FERREIRA, Vieira desembargador. Cachoeira e Porangaba - A Concessão de Sesmarias no Brasil e a Lavoura de Café nas
Montanhas de Valença. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro V. 213, out./dez. Rio de Janeiro: 1951, pp 272.
6
Azambuja e Urussanga – Memória sobre a fundação, pelo engenheiro Joaquim Vieira Ferreira, de uma colônia de imigrantes
italianos em Santa Catarina. Oficinas Graficas do Diário Oficial, 1939. Niterói, pag 09.
Nota: Com relação ao período da travessia no rio, registramos o depoimento de outro morador local, José Halfeld Alves (Sr. Zezé).
Segundo ele, a balsa era toda de ferro e está enterrada, a cerca de três metros de profundidade, num terreno próximo à sua casa,
situada em Sebastião de Lacerda, logo após a ponte e quase defronte à travessia da atual linha do trem.
488
Histórico/Evolução Urbana

Durante as visitas à localidade entrevistamos a senhora Maria José Henriques D’Ámato. Ela descende do
balseiro do Paraíba e relatou o que lhe foram transmitidos por seus familiares:

“Meu avô era Antonio Pinto Capitão, ele veio da Ilha da Madeira, vivia de transportar pessoas e
cargas entre as duas margens do rio. Morava numa casa muito simples, no caminho para a
fazenda do Guaritá. Eram muito pobres, tanto que penteavam cabelo olhando o reflexo na água.”

Chegando às margens do Rio Paraíba do Sul foi erguido um posto de fiscalização e registro de
mercadorias, para controlar o intenso movimento das sacas de café que chegavam das fazendas. O serviço
era feito no prédio do Registro do Commercio, que já não existe mais. A localização do prédio é incerta,
Vieira Ferreira comenta que ele ficava no local onde a E. F. D. Pedro II edificou a estação ferroviária de
Commercio (atuais estações de Sebastião de Lacerda-fotos 04, 41 e 45). Há informações que ele ficava na
margem esquerda do Paraíba do Sul, em terras da sesmaria de Sant’Anna do Parahyba, cuja sede situava-
se pouco mais adiante da passagem do rio. A fazenda pertencia ao casal Maximiano Rodrigues de Araújo e
Anna do Espírito Santo, que teve nove filhos. A maioria se estabeleceu em propriedades (sítios e fazendas)
na sesmaria dos pais. Uma deu origem ao sítio Santo Antonio da Paz, atual Fazenda Santo Antonio.

s/d. Mapa demonstrativo das terras pertencente ao Visconde de Ipiabas e seus herdeiros. O trecho demarcado na cor vinho,
na beira do Rio Paraíba do Sul, corresponde a localidade de Comércio. Fonte: Arquivo Nacional. f37

Entre 1847 e 1870, o fazendeiro Peregrino José d’América, mais tarde 1º Barão e, posteriormente, Visconde
7
de Ipiabas, adquiriu quase todas as propriedades dos Rodrigues de Araújo, agrupado-as em fazendas.
Anexou às terras herdadas de seus pais na parte da sesmaria São João, onde fundou as fazendas Santa
Emília e Santa Rita. Ipiabas adquiriu também parte da Fazenda do Bom Jardim, rebatizando-a com o nome
de Campos Elíseos, reservando parte das terras para o seu filho, João Pinheiro de Souza Werneck,
agraciado com titulo de 2º Barão de Ipiabas. A propriedade recebeu o nome de Fazenda Guaritá. Por
décadas, as principais fazendas da região de Comércio pertenceram ao Visconde de Ipiabas e aos seus
filhos e genros. Após a sua morte, em 1882, as propriedades foram partilhadas entre eles.
Além do prédio do registro, havia também um rancho de tropas e o correio, é provável que essas
construções ficassem onde se desenvolveu a localidade. Segundo as informações colhidas de antigos
7
Peregrino José da América Pinheiro era neto do patriarca da família Werneck, Inácio de Souza Werneck. Chegou em Valença aos 11
anos de idade, em companhia dos pais. Alistou-se na Guarda Nacional ainda jovem, em 1837 foi promovido ao posto de capitão e em
1842 ao de major. Em 1849 chegou ao posto de Coronel-Chefe da 8ª Legião da Guarda Nacional do município de Valença. Três anos
depois foi nomeado Comandante Superior da Guarda Nacional dos municípios de Valença e Paraíba do Sul. Em 1855 foi elevado ao
grau de Comendador da Ordem da Rosa. Foi reformado no posto de coronel, com honras de Comandante Superior dos municípios de
Valença e Paraíba do Sul. No ano de 1866 foi agraciado com o título de Barão e em 17 de junho de 1882 com o titulo de Visconde.
Faleceu no dia 09 de julho de 1882.
489
Histórico/Evolução Urbana

moradores, os primórdios da formação urbana contou com a chegada do mascate Pedro Miguel, que
herdou terras na localidade ao se casar com a filha de um rico fazendeiro da região (que não conseguimos
identificar) e acabou utilizando o lugar como “quintal de sua casa”. Ele e a esposa moraram num imóvel que
conjugava residência e armazém, onde mais tarde seria construído o Hotel Commercio. Haviam outros
armazéns similares, situados entre a ponte e o largo do cruzeiro, que ficavam voltados para a Estrada do
Commercio, cujo trajeto seguia pela atual Rua Vasco Ortigão até o largo do cruzeiro, daquele ponto ela
subia pelo morro aos fundos do chalé (f32), seguindo em direção a província de Minas Gerais.8
As poucas fontes iconográficas existentes revelam que os prédios daquele período eram feitos de pau a
pique, com o piso ao rés do chão, possuindo cobertura de telhas capa e bica, como se vê em duas raras
imagens (f39 e f40) e num remanescente daquele período, situado em Sebastião de Lacerda (f05).

s/d. Vila de Sebastião de Lacerda, antes das fachadas coloniais s/d. Vila de Comercio, na época em que apresentava os prédios de
passarem por reformas que lhe deram a feição atual. f39 arquitetura colonial. f40
Fonte: O Brazil Próspero, série Os Municípios Fluminenses: Vassouras, nº 01. Rio de Janeiro: Edições Hugo Leal, 1926.

Em 1866 os trilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II, chegaram na outra margem do rio, onde foi construída a
estação de Commercio (atual Sebastião de Lacerda-f41). Sua inauguração ocorreu no dia 27 de novembro,
juntamente com a da majestosa Ponte do Paraíso (perto da localidade de Barão de Juparanã). O evento
contou com a presença de pessoas influentes da região, bem como do imperador D. Pedro II, que veio da
Corte num trem especial, acompanhado de sua comitiva, de ministros e do diretor da companhia ferroviária.
A partir de então, o império rural dos Ipiabas tomou um salto de desenvolvimento, aumentando também o
trânsito das tropas que desciam da freguesia de Santa Tereza para esta estação. Logo surgiu o movimento
em prol da construção de uma linha férrea que ligasse a Estação de Commercio a Santa Tereza (atual
município de Rio das Flores).9 Em 1875 foi fundada a companhia Estrada de Ferro Commercio e Rio das
Flores, que tinha entre seus principais acionistas o Visconde de Ipiabas. O trajeto contemplava o
desenvolvimento urbano das antigas localidades por onde passava, em especial Comercio, Taboas e a
sede: Santa Tereza (atual Rio das Flores).

f38
1877. Nota de antigo armazém em Commercio, que ficava ao lado da estação ferroviária. Acervo:
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundo: Presidentes de Província; notação 448.

Como a estação ferroviária ficava na outra margem do rio, foi erguida em 1878 uma majestosa ponte com
bases de pedra e uma passagem de armadura metálica importada do continente europeu (fotos 08, 09 e
52), extinguindo o serviço de balsas que marcou a criação do lugar. A ferrovia a ponte, adentrando na
localidade por uma estrutura rampada (possivelmente de pedras lavradas) até atingir a cota do atual campo

8
A informação sobre Pedro Miguel consta uma obra familiar - COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus
cem anos de existência: 1911-2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.
Moradores locais informaram que a estrada seguia pela mata situada atrás do chalé amarelo (f31 e f32-onde hoje existe uma área de
lazer nos fundos) há partes dela conservada, inclusive trechos com blocos de pedra.
9
Para mais informações a respeito da vila, bem como das estações de Sebastião de Lacerda, consultar suas respectivas fichas de
inventário na obra O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio das Flores, inserida na referencia bibliográfica.
490
Histórico/Evolução Urbana

de futebol, de onde as composições seguiam em direção a Taboas e ao restante do atual município.


Segundo os relatos orais, esta passagem ganhou, em sua parte inferior, uma abertura arqueada que
permitia o livre acesso ao nível da rua. Outro fator importante para o funcionamento da ferrovia foi a
instalação do girador das locomotivas, que ficava na atual escola.

f41
1908. Estações originais da E. F. D. Pedro II e da E. F. Rio das Flores na esplanada de Commercio (atual Sebastião de Lacerda).
Cedida por Manoel Monachesi (fonte: Figueira, Manoel Fernandes. Memória Histórica da Estrada de Ferro Central do Brasil).

Com a estrada de ferro local, um surto de desenvolvimento tomou conta de Comércio. O Visconde de
Ipiabas, juntamente com seus filhos e genros, angariou recursos para a construção de uma capela dedicada
a Sant’Anna (f30) cuja inauguração ocorreu em 1876. Ao redor do templo religioso foram erguidos três
residências em estilo chalé. Um deles ficou no lado esquerdo da capela e foi construído por Ipiabas para ser
sua residência, bem como um colégio para meninas. De frente para a ponte ele edificou um armazém para
depósito de café, uma venda e um rancho para tropas, além de três casas próximas do citado armazém e
outra onde foi instalada uma estação telefônica. Em setembro de 1882 foi aberto o tráfego de trens de carga
e de passageiros da E. F. Commercio e Rio das Flores. Na boca da ponte (pela margem da atual localidade
de Sebastião de Lacerda) foi edificado um chalé para cobrar pedágio dos transeuntes que faziam travessia
pela ponte metálica. Em 1884, a Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores foi liquidada, sendo
substituída pela Estrada de Ferro Rio das Flores.
Nas últimas décadas do século, passou pela localidade o artista alemão Johann Georg Grimm, 10 que fez
uma pintura, provavelmente na década de 1880, da Fazenda Guaritá, situada três quilômetros à frente do
núcleo urbano de Comércio, então propriedade do segundo Barão de Ipiabas, Francisco Pinheiro de Souza
Werneck.11 Apesar de carecer de maiores pesquisas, na década de 1920 uma revista publicou matéria a
respeito de outra obra de Grimm, que retratava a área urbana das duas localidades.12

“Como um verdadeiro andarilho, Grimm atravessou Minas e Rio, pintando aqui e ali, trocando
muitas vezes as suas pinturas por mantimentos e hospedagens.
Uma das fases mais interessantes da vida desse artista original passou-se, talvez, no Estado do
Rio, no povoado que fica à margem do Paraíba e onde está situada a Estação de Commercio da
E. F. Central do Brasil, no município de Vassouras.
Ali estavam instalados alguns comerciantes fortes e a oficina mecânica do ilustre comendador
Bernardino Correa de Mattos.
Um belo dia apareceu Grimm no arraial, pedindo trabalho ao referido industrial. Aceito como
operário, durante mais de um mês limitou-se o grande artista a tocar as forjas da oficina. Não
tardou contudo a mostrar suas habilidades de consumado desenhista, sendo aproveitado nessa
especialidade para o desenho de máquinas. Por fim, começou o artista a pintar, e,às margens do
poético Paraíba, vibravam suas magníficas telas, cheias de viço e beleza.”

O texto menciona que ele pintou retratos familiares para Bernardino Correa de Mattos e para dois irmãos do
industrial, datados de 1882, oferecendo a cada um uma bela paisagem. Era um período em que as
10
Johann Georg Grimm nasceu em 1846 na Baviera. Formado pela Academia de Belas Artes de Munique, o artista alemão chegou ao
Rio de Janeiro em 1878 e se destacou pelas pinturas paisagísticas, influenciando diversos artistas brasileiros. Tornou-se, ao lado de
Nicolau Facchinetti, um dos principais artistas a inserir a paisagem da região do Vale do Paraíba fluminense em suas telas, como as
fazendas cafeeiras.
11
Disponível em: <http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2010/12/16_carlos_levy.pdf>, pp14.
12
Revista A Ilustração Brasileira, edição 38, outubro de 1923. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
A publicação se embasou na pesquisa realizada por Anibal Mattos, um ex-aluno da Escola Nacional de Belas Artes e que fixou
residência em Belo Horizonte, tornando-se um destacado intelectual em Minas Gerais.Nascido em Commercio (atual Sebastião de
Lacerda), em 1866, Mattos foi influenciado por Georg Grimm, herdando assim o gosto pela pintura paisagística.
491
Histórico/Evolução Urbana

localidades passavam por grandes transformações: além da estação da E. F. D. Pedro II, desde 1878 havia
a ponte metálica e a linha férrea que seguia para Santa Tereza (atual município de Rio das Flores. Naquele
ano, o pintor se destacou na exposição da Sociedade Brasileira de Belas Artes, sendo posteriormente
contratado como professor da cadeira de Paisagem na Academia Imperial das Belas Artes. O provável
trabalho (ou trabalhos) artístico enquadrando a área urbana de Comércio e Sebastião de Lacerda
permanece envolto em mistério. A tela deve apresentar uma imagem panorâmica, capturando a ponte sobre
o Rio Paraíba e os morros envoltórios. Esse cenário, típico da região, serviu de inspiração a Grimm, que
produziu pinturas em óleo sobre tela, datadas de 1886, retratando três cidades fluminenses: “Vista da
cidade de Sapucaia”, “Vista da cidade de São José do Vale do Rio Preto” e uma panorâmica de Paraíba do
Sul (cujo título desconhecemos-f42).13

f42
1886. Panorâmica da cidade de Paraíba do Sul, autoria de Georg Grimm, que pode ter produzido obra semelhante em Comércio e
Sebastião de Lacerda. Disponível em: <http://miracemarj.blogspot.com.br/2010/07/camara-de-paraiba-do-sul-resgata-quadro.html>.

No início da década de 1910, a Estrada de Ferro Central do Brasil encampou diversas companhias
ferroviárias regionais, dentre elas, a Estrada de Ferro Rio das Flores. Com isso, a seção entre
Comércio/Sebastião de Lacerda e Taboas foi fechada, dando lugar ao trecho ligando Valença a Taboas,
inaugurado em 1º de março de 1911. Esse fato marcou a extinção da ligação férrea da localidade de
Comércio com o restante do município de Rio das Flores. Entretanto, foram localizadas ocorrências de
viagens na linha em 1912. Uma fonte cita que os trilhos chegaram a ser retirados, mas foram recolocados, 14
em virtude de problemas relativos às más condições do novo trecho entre Valença e Taboas e,
possivelmente, de imprevistos causados nas obras de remodelação do parque ferroviário de Valença,
inaugurado em 1914, e na seção entre Barão de Juparanã e Valença. 15
Naquele momento, os passageiros chegavam à estação de entroncamento em Comércio/Sebastião de
Lacerda e seguiam viagem numa composição até Taboas. A partir dali, podiam embarcar em dois trens, um
tendo como destino Valença, e o outro, Santa Tereza (Rio das Flores), com ponto final em Barra Longa
(Afonso Arinos). Um jornal registrou um grave desastre no dia 5 de julho de 1912, quando uma máquina
puxando três vagões saiu de Comércio levando cerca de 40 passageiros. Ao descer a forte rampa logo à
frente da parada da Agilidade/Maldonado (atual fazenda Confrarrina), ela se descontrolou, acabando por se
acidentar na curva entre os quilômetros 15 e 16, causando uma morte e deixando muitas pessoas feridas 16.
Em agosto, ocorreu outro acidente na seção, agora dentro da vila de Sebastião de Lacerda.17.

13
A provável pintura retratando as localidades aqui em estudo faz parte da maioria das obras do artista, cujo paradeiro é desconhecido.
Percebe-se que o fato de ser um serviço encomendado ou espontâneo pode ter tido influência no destino das peças. As que se
encaixam no primeiro grupo podem ter ficado na mão de particulares aqui no Brasil (a exemplo da pintura de Paraíba do Sul, que
pertence à Câmara Municipal da cidade desde 1887, e teve sua autoria redescoberta de forma casual em 2006). As espontâneas
deveriam fazer parte do acervo do artista, e provavelmente regressaram com ele para a Europa, condição que abre várias
possibilidades, dentre elas, que estejam na Itália (país onde Grimm morreu e foi enterrado, em 1887), ou que tenham se perdido na
destruição das cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial.
14
Jornal Correio da Manhã, 7 de maio de 1912, edição nº 3.945, pág. 2. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
15
A maioria dos livros consultados, e das fontes que se baseiam neles, diverge quanto à data do fechamento da seção entre Valença e
Taboas - que teria ocorrido entre 01 de março de 1911 e o ano de 1922. Acreditamos que ela tenha funcionado até a inauguração do
parque ferroviário de Valença, em 30 de maio de 1914. Após esta data é provável que o trânsito neste trecho tenha ficado restrito a um
movimento ínfimo, ou que ele tenha se tornado uma linha auxiliar de serviço. Um morador de Taboas (senhor Affonso Mhyrra) relatou
que seu pai trabalhou na linha, e ajudou a arrancar os trilhos, no ano de 1918. A página 05 da edição nº 09272 do jornal Correio da
Manha, de 1924, informa que o governo autorizou o uso do antigo leito da ferrovia como estrada de rodagem.
16
Jornal Correio da Manhã, 12 de julho de 1912, edição nº 4.011, pág. 5. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
17
Jornal “O Seculo”, edição de 17 de agosto de 1912. Fonte: <http://memoria.bn.br>.
Apesar de ficar em Sebastião de Lacerda (distrito de Vassouras), o caso merece registro por ter influenciado ambas as localidades e
por ser um acontecimento ainda não esclarecido. Os trilhos da linha férrea regional de bitola estreita, que seguiam para o atual
município de Rio das Flores ficavam entre a margem do Rio Paraíba do Sul e a linha férrea que existe. Para maiores detalhes consultar
a obra: “O Legado dos Trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio das Flores”.
492
Histórico/Evolução Urbana

“As 8:50 da manhã do dia 11 deste mês (domingo), na estação do Commercio, um trem de carga
vindo de Valença com um maquinista, um folguista e dois guardas freios, ao chegar no quilometro
dois da estação do Commercio, tendo os freios deixado de funcionar por imprestáveis, foi o
comboio de encontro a um carro de cargas, que ali estava estacionado em frente a casa de
residência do agente, prédio de propriedade da central.
Com o violento embate, o carro e a maquina entraram para a casa destruindo não só as paredes
como também os móveis.”

Ambos os acidentes alcançaram grandes proporções, sendo que o citado acima ainda é relembrado por
alguns moradores,18 a ponto de mostrarem uma prova física do ocorrido: uma murada, erguida
posteriormente na lateral da casa do agente (f43), com a função de proteger a residência (f44).

Murada de proteção Local da Murada

Proteção contra acidentes na extinta linha


férrea para Rio das Flores. f43 2013. Casa do agente da estação. Acervo: Annibal Silva f44

O fechamento da linha foi um acontecimento drástico para Comércio, uma vez que, ao longo de sua
história, ela se desenvolveu à custa do trânsito de pessoas e cargas, que primeiramente chegavam em
tropas de mulas pela Estrada do Commercio e, posteriormente, nos vagões das locomotivas com destino a
Santa Tereza (atual Rio das Flores). Rompido o contato ferroviário com a sede do município e a parte do
território voltada para a região do Vale do Rio Preto e a província de Minas Gerais, o desenvolvimento
urbano da localidade ficou restrito às fazendas existentes em seu entorno. No entanto, o lugar continuou
servido pelos trens que trafegavam pela margem oposta do rio (atual Sebastião de Lacerda). Naquela
época, a E. F. Central do Brasil havia promovido a duplicação da linha e renovado a esplanada ferroviária,
com a substituição das antigas estações por dois novos prédios de arquitetura eclética (f04 e f45).

f45
Década 1920. Novas estações na atual esplanada de Sebastião de Lacerda. Fonte: Encarte publicitário do Hotel Commercio.

As vilas e localidades que possuíam uma estação ao longo da linha central da Estrada de Ferro Central do
Brasil se desenvolveram devido a presença dos trens de passageiros e de cargas, que seguiam no sentido
de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Para a esplanada ferroviária de Sebastião de Lacerda voltava-se um
correr de lojas comerciais e outros imóveis, como a casa do agente da estação, consultório médico, cartório,
correio, farmácia e uma escola. Uma estrutura, que atendia a parte vizinha de Comércio.
Por volta da década de 1910 uma publicação familiar registrou a precariedade da infra-estrutura urbana da
localidade:19 “Comércio, nesse tempo, embora aprazível, não tinha os requisitos de que um povo necessita:
iluminação, saneamento etc. . .” . O texto foi motivado pelo péssimo estado de conservação da ponte
metálica, entre 1918 e 1922 ela foi reformada e seu piso de madeira substituído por um de concreto.
18
O acidente foi registrado na obra O Legado dos Trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio das Flores, na página 314,
referente à ficha “Estação de entroncamento da Estrada de Ferro Rio das Flores com a estação ferroviária de Sebastião de Lacerda”.
493
Histórico/Evolução Urbana

f46
1950. Propaganda de um armazém que existia em Sebastião de Lacerda (Casa Baptista) e de outro, situado
na vizinha esplanada ferroviária de Casal. Fonte: Correio de Vassouras, n 722, ano XV, 30 de setembro de 1950.

A década de 1920 marcou uma nova era de desenvolvimento urbano local, com a chegada de José Vasco
Ramalho Ortigão. Sua contribuição pode ser compreendida analisando seu perfil e posição na sociedade da
época.20 Tratava-se de um bem sucedido imigrante português, proprietário do Parc Royal, uma das
principais lojas de departamentos do Rio de Janeiro, que viveu seu apogeu nas décadas de 1910 e 1920,
trazendo para o mercado brasileiro o padrão europeu de modernidade, principalmente o francês. Este
período ditou referências em segmentos como moda, artes e arquitetura, ficando conhecido como belle
époque carioca.

f47
1928. Memorandum do Parc Royal, constando a assinatura de Vasco Ortigão. Fonte: GORBERG,
Marissa. Parc Royal: um magazine na belle époque carioca. Rio de Janeiro: G. Ermakoff, 2013.

Vasco Ortigão comprou terras na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, situadas entre Barão de
Juparanã (distrito de Valença-RJ) e a localidade de Comércio, dentre elas a fazenda Santa Emília. A sede
ficava próxima a estação ferroviária de Teixeira Leite, situada na outra margem do rio, o acesso entre as
partes era feito por uma embarcação. Além de desenvolver atividades agrícolas e agropecuárias a Santa
Emília serviu como colônia de férias dos funcionários do Parc Royal. O Comendador Ortigão (como era
conhecido) comprou propriedades nas áreas urbanas de Sebastião de Lacerda e de Comércio, as
localidades o encantaram a tal ponto, que ele buscou transformá-las numa “cidadezinha”.
Boa parte dos registros que compõe as páginas seguintes dessa ficha faz parte de um encarte de 24
páginas, que nos foi cedido anos atrás para reprodução por um morador local, já falecido: Francisco
Eduardo Neves Henriques (conhecido como senhor Nunu). 21
A capa do folheto foi criada pelo português Manoel de Mora, o artista trabalhou para o Parc Royal e
imprimiu um traço peculiar às suas obras, inserindo figuras e paisagens sofisticadas nos anúncios da
famosa casa comercial. Estes eram sinônimos de elegância, requinte e modernidade e foram vinculados em
revistas semanais (como Fon Fon e Revista a Semana-f48) e em cartazes de temporada do Teatro
Municipal (f49). A loja chegou a ter uma publicação própria, denominada Parc Royal Magazine (f50).

19
HENRIQUES, Alberto. Recordações de Minha Vida. Publicação familiar, 1973, pg. 71.
20
José Vasco Ramalho Ortigão nasceu em 1860, em Portugal, era filho do renomado escritor José Duarte Ramalho Ortigão. Durante
as décadas de 1910 e 1920, ele se tornou o principal administrador do Au Parc Royal, um dos mais frequentados magazines do Rio de
Janeiro. Fundada na década de 1870, a loja prezava pela beleza do seu interior, tendo sido a precursora dos preços fixos e possuía
uma quantidade imensa de seções e vendia desde produtos a preços populares a peças da alta costura importadas de Paris (onde
possuía um escritório). O estabelecimento chegou a contar com mil funcionários e teria sido o primeiro da cidade instalar escada
rolante. Vasco Ortigão faleceu em 1932 e a administração passou para seu filho (falecido em 1942). No ano seguinte o vestuto
magazine encerrou suas atividades, após sua matriz, situada na atual Rua Ramalho Ortigão (ex-Travessa São Francisco de Paula), ter
sido consumida por um incêndio, classificado como o de maiores proporções que o Rio de Janeiro presenciara até aquela data.
21
Havia também um folhetim, formato de jornal, contendo na frente e no verso imagens e textos semelhantes ao do encarte. Segundo
a Sra Maria Cecília Costa (que possui um modelo original), ele era distribuído na estação ferroviária de Sebastião de Lacerda.
494
Histórico/Evolução Urbana

f48 f49 f50


Anúncios vinculados pelo Parc Royal. f48: Revista O Malho, 1919; f49: capa de programa do Teatro Municipal, 1918; f50: Revista Parc
Royal Magazine, 1922. Fonte: GORBERG, Marissa. Parc Royal: um magazine na belle époque carioca. Rio de Janeiro: G.
Ermakoff, 2013.

f51
Dec 1920. Capa do encarte, valorizando a área a beira rio e a ponte metálica. Fonte: Encarte publicitário de Commercio.

Com um título sugestivo: “Estação de Commercio: uma cidade que surge”, ambientada na área à beira rio e
na primorosa ponte metálica, a capa do encarte sobre Commercio buscava passar ares de modernidade,
deixando clara a presença de uma estação ferroviária no local. Manoel de Mora utilizou o mesmo conceito
aplicado nos catálogos cariocas (que valorizavam a paisagem natural e urbana do Rio de Janeiro) e
manteve no canto direito sua assinatura, com o nome do Parc Royal abaixo (f51).
O encarte (f51) é preenchido internamente por fotos e textos, mencionando as realizações em Comercio e
Sebastião de Lacerda - tratadas como uma única localidade. Percebe-se que as obras de infraestrutura
eram primordiais para atingir um bom padrão urbanístico, além de galerias para drenagem pluvial, recebeu
destaque a caixa de abastecimento de água feita de concreto armado (f53) e a usina de energia elétrica
(f54), ambas uma marca inconteste do progresso na época. Abaixo a descrição de uma das páginas:

495
Histórico/Evolução Urbana

“. . . Outrora, centro de grande efervecência commercial, por ahi transitando avultadas


mercadorias que abasteciam innumeras cidades do Estado do Rio, achava-se ultimamente
relegado a quase completo abandono, quando graças a acção intelligente de um homem de acção,
ganhou novo e eficaz surto de progresso, constituindo actualmente razoável nucleo de população.
Melhoramentos importantes, taes como illuminação electrica, publica e particular, abastecimento
de água potável puríssima, escoamento etc, foram empreehendidos e realisados, bem como a
construcçao de numerosos prédios, dotados todos, dos mais modestos aos mais confortáveis dos
riquisitos de hygiene. O commercio local, satisfazendo plenamente as necessidades da população,
acha-se funcionando em prédios adrede edificados.
Acha-se concluído o novo prédio onde funcciona a escola publica, as agencias, postal e
telegraphica, facilitam a rápida expedição e entrega de toda a correspondencia.
. . . Pharmacia bem sortida e consultório medico, ao serviço da população.”

s/d (provavelmente década 1920). Panorâmica de Comércio, tendo do outro lado do rio a vizinha Sebastião de Lacerda.
Acervo: Maria José Henriques D’Ámato. f52

Essas ações também saíram na publicação O Brazil Próspero - série Os Municípios Fluminenses. O
primeiro exemplar (de 1926) foi dedicado a Vassouras. A reportagem cita a fazenda Santa Emília, o Hotel
Commercio e as obras de infraestrutura e das reformas modernizadoras, implementadas na reforma de
prédios existentes (f39 e f40) quanto na construção de novos imóveis, como o pequeno conjunto de
residências em Comercio (f55 e f57).

f53
Dec 1920. Caixas de abastecimento de
água. Fonte: O Brazil Próspero, série Os f54 f55
Municípios Fluminenses: Vassouras, nº 01. Dec 1920. Casa da Usina de Força e residências construídas naquela época. Fonte:
Edições Hugo Leal, Rio de Janeiro, 1926. Encarte publicitário de Commercio.

496
Histórico/Evolução Urbana

Com exceção da antiga usina de força (f54), as demais construções podem ser avistadas na localidade, a
caixa dágua de concreto (f53 e f56) fica no morro florestado, atrás do Hotel Commercio, o conjunto de casas
na entrada da localidade, próximo a quadra de esportes (f55 e f57) e a residência unifamiliar (f55 e f58) de
frente a ponte.

f58

f56

f59

f60
f57

Estas mudanças custaram a perda de importantes referências urbanas. Na época, a localidade conservava
a direita da entrada da ponte um prédio onde era estocado o café. A construção pode ter convivido com a
balsa do porto do Commercio ou ter sido o armazém para depósito de café, erguido pelo Visconde de
Ipiabas na década de 1880. No início do século XX o prédio era conhecido como “casa velha” (f61), ao
perder sua função original, serviu como ponto de encontro das moças que iriam embarcar no trem. Algumas
estacionavam ali suas charretes e utilizavam o local para repouso.

f61
s/d (entre as décadas de 1920 e1930). Ao fundo o prédio utilizado para estocar o café. Acervo: Maria Cecília Costa.

Vasco Ortigão promoveu uma série de obras nas localidades, gerenciadas pelo engenheiro Edmundo
Lousach. Em Sebastião de Lacerda ele cedeu um prédio para servir de escola (já demolido – f62), também
são citadas as reformas das antigas fachadas de arquitetura colonial existente na vila ferroviária (fotos 06,
39 e 40), que ganharam uma feição eclética.
497
Histórico/Evolução Urbana

O imóvel que melhor representou todas estas mudanças foi o Hotel Commercio (fotos 19, 20, 21 e 63), além
do prédio, o empreendimento possuía do outro lado da rua um parque arborizado, voltado para as águas do
Rio Paraíba do Sul. Tudo indica que o estabelecimento foi inaugurado no início da década de 1920, no
momento em que eram erguidos na então capital federal o Hotel Gloria e o Copacabana Palace, para a
Exposição Internacional de 1922 (comemorativa do Centenário da Independência do Brasil).
O Hotel Commercio (f63) era muito bem frequentado, a maioria dos hóspedes vinham do Rio de Janeiro. A
qualidade do clima e a salubridade da região atraía pessoas devido conterrâneos devido ao fato das
estações da E. F. Central do Brasil na região de Vassouras serem muito procuradas, o que favoreceu a
instalação de estabelecimentos semelhantes na própria cidade de Vassouras.22

f62
Dec 1920. Prédio (já demolido) da antiga escola em Sebastião de Lacerda. Fonte: Encarte publicitário de Commercio.

f63
s/d. Hotel Commercio. Acervo: Aderbal Rosa Henriques

“Uma Avenida às Margens do Paraíba”.

O título acima é a forma como o próprio comerciante português classificou na publicação O Brazil Próspero
a via que hoje leva seu nome. As obras realizadas em Comércio e Sebastião de Lacerda podem estar
ligadas ao que ele vivenciou na década de 1900 e 1910, quando a cidade do Rio de Janeiro passou por
grandes mudanças, tendo como ponto principal a abertura da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco),
dotando a então capital federal com uma majestosa via, ladeada por suntuosos imóveis. Além de
imponentes prédios públicos, como o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Artes e o
Palácio Monroe, buscaram espaço no majestoso logradouro destacados setores da economia, dentre eles
figurava, na parte térrea do prédio de numero 130-132, Os Armazéns do Parc Royal – Secção Avenida.
É provável que os cerca de 230 metros de extensão do traçado da antiga Estrada do Commercio (atual Rua
Vasco Ortigão) tenha sido concebida dentro desse espírito, se transformado numa via arborizada, dotada de
rede de drenagem e de postes de iluminação elétrica (conforme se vê numa foto do encarte – f65). A
instalação do parque do hotel deu à renovada via ares de um pequeno boulevard, sendo destaque no
desenho da contra capa elaborado por Manoel de Mora (f64) e na foto interna do mesmo (f65). A área livre,
lindeira ao caudaloso Paraíba ocupava toda a gleba (f66), desde as proximidades da ponte metálica até o
riacho, que recebeu uma pequena ponte de concreto com guarda corpo gradilhado (f59).
O coroamento de todas essas melhorias urbanísticas se deu com a instalação de um cruzeiro de pedra
encimado por uma cruz latina (f01 e f67). Moradores comentam que ele foi encomendado pela senhora
Rosinha (esposa de Vasco Ortigão) e foi executado por um artífice da região, de origem portuguesa. A
presença dessa artística peça de pedra lavrada valorizou o largo circundado pela Capela de Sant’Anna (que
passou por reformas na época-f30 e f67) e por residências em estilo chalé, remanescentes da era
ferroviária (fotos 31, 32 e 33). Moradores disseram que em sua inauguração o cruzeiro recebeu uma pedra
fundamental, contendo matérias de jornais da época. O mais provável é que a data tenha sido um marco
comemorativo, englobando as demais realizações, como o hotel e a própria rua.

22
A publicação O Brazil Próspero possui anúncio dos seguintes hotéis na cidade de Vassouras: Fluminense Hotel, Parque Hotel,
Hotel Brasil e Hotel Cananea. Há também o anuncio do Hotel Avenida, situado em Governador Portela.
498
Histórico/Evolução Urbana

f64 f65
Fonte imagens acima: Encarte publicitário de Commercio.

s/d (provavelmente fins da década de 1920). Panorâmica de Comercio, com a ponte metálica, a área do parque
e a atual Rua Vasco Ortigão. Acervo: Maria José Henriques D’Amato. f66

f67
Dec 1920. Serviços de urbanização, mostrando o cruzeiro e a capela de Sant’Anna. Fonte: Encarte publicitário de Commercio.

499
Histórico/Evolução Urbana

Até o ano de 1931 o nome Commercio era adotado pelas duas partes, quando o lado pertencente ao
município de Vassouras passou a se chamar Sebastião de Lacerda, homenagem a Sebastião Eurico
Gonçalves de Lacerda, que foi deputado federal e ministro do Supremo Tribunal Federal. Sua família
chegou à localidade na década de 1870, ficando numa propriedade bem próxima a estação ferroviária.
Cercada por um amplo pomar, a chácara Lacerda possuía um prédio em estilo chalé, substituído em 1914
pelo atual de arquitetura eclética de três pavimentos (f68). Sebastião era advogado, naquela época
trabalhou em Vassouras juntamente com seu filho, Maurício de Lacerda (f69), que veio a ser prefeito do
município por dois mandatos (1915 -1920 e 1932-1935). A linhagem política da família prosseguiu com seu
neto, Carlos Lacerda, que foi governador do estado da Guanabara e tornou-se um dos mais influentes
políticos brasileiros do século XX.

1989. Pintura da sede da chácara Lacerda. Autoria Zirley Ávila. 1910. Acervo: Arquivo P. Municipal Vassouras.
Acervo da Chácara Lacerda. f68 Jornal O Município. Ano XII, nº 6. f69

Nas décadas de 1940 e 1950 ambas as localidades passaram por um novo período de estagnação, o Hotel
Commercio acabou fechando e seu parque fronteiriço foi loteado, dando lugar as atuais residências térreas
(fotos 13 a 18). As matérias publicadas nos jornais da cidade de Vassouras registram críticas a estrutura
ferroviária (f70), bem como o constante atraso das composições. Também é mencionado o péssimo estado
das estradas de rodagem. Em meados do século XX, a infraestrutura urbana, como energia elétrica e
abastecimento de água, encontrava-se obsoleta ou sem conservação adequada, gerando transtornos aos
moradores (f71). Em 1951 um dos lances da ponte de ferro caiu no Rio Paraíba do Sul, sendo
posteriormente reconstituído. A época coincidiu com o momento que o governo brasileiro optou pelo
desmonte de sua malha ferroviária, até que em meados da década de 1970 foi extinto os trens de
passageiros da linha central, levando ao fechamento da estação. O fim do transporte ferroviário não foi
acompanhado de realização de obras de infraestrutura para suprir esses lugares com boas estradas de
rodagem, condição que consideramos como decisiva para o quadro de estagnação atual desses pequenos
centros urbanos.

Titulo de reportagens que registram a precariedade das localidades vizinhas de Comércio e Sebastião de Lacerda.
1935. Acervo: Arquivo Publico Municipal Vassouras. 1950. Acervo: Arquivo Publico Municipal de Vassouras-RJ. Jornal Correio
Jornal de Vassouras. ano I, nº 23. f70 de Vassouras. ano XV, nº 693. f71

Em 1990, um jornal de grande circulação nacional, percorreu as localidades nascidas à beira da linha férrea
de bitola larga, como Sebastião de Lacerda, Teixeira Leite, Casal e Aliança, inserindo-as num mapa
classificado como “Roteiro do Abandono” (f72). Segundo a publicação, Sebastião de Lacerda contava na
época com apenas com 5% da população de quando era uma próspera vila, praticamente auto-suficiente.
Na época da matéria, sua estação ferroviária encontrava-se esvaziada de toda produção agrícola da região
e do contingente de pessoas. A estrutura metálica da ponte havia sofrido uma nova queda e sua
recuperação se deu mediante a retirada da sua ferragem, marcando a perda daquele valioso bem cultural e
paisagístico dessas localidades, que concentram em seus diminutos núcleos urbanos um diversificado
patrimônio edificado de grande valor para a cultura fluminense. Percebe-se que a estagnação verificada nas
ultimas décadas contribuiu para Comercio e Sebastião de Lacerda conservar sua espacialidade urbana.
Mas na desde então a parte rio-florense passou a ter mais importância na vida das pessoas que moravam
nos dois lados do rio, contando com ruas calçadas por bloquetes de concreto e um melhor atendimento de
serviços comunitários, como saúde, educação e correios.
500
Histórico/Evolução Urbana

1990. Matéria retirada do site do jornal O Estado de São Paulo, <http://acervo.estadao.com.br > f72
501
502
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 09, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 31 e 43 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos: inventário
das estradas de ferro em Rio das Flores (citada na referência bibliográfica abaixo).

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:


José Halfeld Alves (Sr. Zezé); Maria José Henriques D’Amato.; Paschoal Tubirahy D’Amato e Therezinha
Coelho de Mello.

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Autor desconhecido (possivelmente do setor de propaganda do Parc Royal). Encarte publicitário: Estação
de Commercio: uma cidade que surge. [década de 1920].

Acervo Particular:
COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de existência: 1911-
2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

Leis Municipais:
CÂMARA MUNICIPAL DE RIO DAS FLORES. Lei Complementar nº 098 de 12 de agosto de 2008. Institui
Plano Diretor Participativo de Rio das Flores.

Arquivo consultado:
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
- Fundo Presidente de Província.
Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.
- Jornal O Município. Ano XII, nº 6.
- Jornal Jornal de Vassouras. ano I, nº 23.
- Jornal Correio de Vassouras. ano XV, nº 693.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do jornal O Estado de São Paulo, <http://acervo.estadao.com.br>, em 20 de janeiro de 2013.

Acervo da revista A Ilustração Brasileira, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012
e fevereiro de 2013.

Acervo dos jornais (RJ) Correio da Manhã e O Seculo, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre
julho de 2012 e fevereiro de 2013.

Quadro de Georg Grimm, retratando a cidade de Paraíba do Sul, disponível em


<http://miracemarj.blogspot.com.br/2010/07/camara-de-paraiba-do-sul-resgata-quadro.html>. Acesso em
novembro de 2013.

504
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Ponte do Commercio.

Localização: Município:
Entre Comércio e Sebastião de Lacerda, localidades Travessia sobre o Rio Paraíba do Sul. Divisa dos municípios de
pertencentes a Rio das Flores e Vassouras, respectivamente. Rio das Flores e Vassouras.

Época de construção:
18 de agosto de 1878 – aberta a uso público e ao tráfego
provisório de cargas.
14 de setembro de 1882 – inauguração da linha ferroviária.
Entre 1992 e 1993 – Inauguração da atual plataforma em piso
de concreto, para uso rodoviário.

Estado de conservação:
Detalhamento no corpo da ficha / Ausência da estrutura de
ferro original.

Uso atual / Original:


Ponte rodoviária / Ponte ferrorodoviária.

Proteção existente:
Lei Federal 11.483/2007 (cabe ao Iphan a tutela dos bens da
extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA)

Propriedade:
Governo do Estado do Rio de Janeiro.
1995, Mapa Rodoviário. Fonte Prefeitura Municipal de Rio das Flores,

Vista da ponte pela margem da localidade de Comércio. f01


Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto “O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.
505
Situação e ambiência

A ponte foi construída sobre um trecho caudaloso do Rio Paraíba do Sul (f01), unindo dois pequenos
núcleos urbanos nascidos às suas margens: Comércio e Sebastião de Lacerda (f02), pertencentes aos
municípios de Rio das Flores e Vassouras, respectivamente.
A tranquilidade que reina nesses lugares possibilita apreciar a bela e sólida estrutura de pedra da ponte.
Além de servir de apoio para os molinetes dos pescadores, sua mureta de proteção é o melhor ponto para
contemplar sua paisagem bucólica. Alguns deques marcam presença nas margens do rio, que segue
contornando algumas ilhotas, até que suas águas se fundem num cenário envolto por morros em formato de
meia laranja cobertos por uma rala pastagem e algumas partes florestadas (f03).

Comércio

Ponte do Commercio

Rio Paraíba do Sul

Rio Flores
Taboas

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth. Janeiro de 2013. f02

Fevereiro de 2013. Panorâmica da ponte, tomada por Sebastião de Lacerda, tendo na outra parte do rio está Comércio.
f03

506
Descrição arquitetônica

f04 f05

f07
f06

f08 f09

As desembocaduras de acesso da ponte são compostas de murada de contenção em pedra bruta,


perfazendo uma curvatura suave (f05). Com aproximadamente 112 metros de comprimento, a travessia é
composta por duas estruturas. Na parte superior, assenta-se a via de concreto armado. Apesar da largura
total de 4,50 metros, a faixa carroçável possui cerca de três metros, obrigando os veículos a intercalarem a
travessia nas duas direções (f04). As bordas, em ambos os lados, receberam calçadas, protegidas
externamente por um peitoril com barras de seção circular (f06). Este corpo se apoia sobre duas vigas
metálicas que percorrem toda a sua extensão (fotos 01, 07 e 08).

507
Descrição arquitetônica

Além de sua grande resistência, o material rochoso que compõe sua base inferior passou por um primoroso
trabalho de cantaria, conferindo ao conjunto uma expressiva beleza (f09). Os dois contrafortes (f07)
fincados sobre os lajeados naturais na calha do rio possuem uma base inteiriça que se subdivide quando
atinge a meia altura (f08 e f13). A esbelteza dessas peças se deve à maneira encontrada para desviar as
águas que as banham ininterruptamente - suas extremidades foram moldadas à feição de uma quilha de
navio, seguindo uma suave curvatura (f09). Esta rica plasticidade foi muito bem realçada nos blocos que
fazem o coroamento de suas chanfraduras (f10). Todo esse trabalho é complementado nas peças de seção
quadrada que foram assentados sobre as duas extremidades das cabeceiras (f11).

f10 f11

As pontes metálicas se constituíram num campo privilegiado na experimentação do emprego do metal,


tendo origem na difusão da produção industrial no mundo ocidental, iniciada na Inglaterra na segunda
metade do século XVIII. O primeiro modelo foi construído sobre o Rio Savern, entre 1877 e 1881, e possuía
um vão de 30 metros. No século seguinte, as linhas ferroviárias foram um fator muito importante para o
emprego de tais construções. As estruturas eram projetadas e executadas por diversos engenheiros, dentre
eles, Gustave Eiffel, que, apesar de ter ficado conhecido pelo projeto da famosa torre que leva seu nome,
na cidade de Paris (França), iniciou sua carreira construindo notáveis modelos de pontes.
Cabe registrar que a Ponte do Commercio e a Torre Eifell são contemporâneas, tendo sido construídas
entre 1887 e 1889. Isto revela o protagonismo das ferrovias da região do Médio Paraíba fluminense em
adotar as principais tecnologias disponíveis na época.

s/d.. Ponte do Commercio com a estrutura metálica (a foto está fixada num quadro de vidro, causando reflexos nesta reprodução).
Acervo: Paschoal Tubirahy D’Ámato. f12
508
Descrição arquitetônica

Essas pontes traziam uma grande inovação: sobre as tradicionais bases de pedra (geralmente executadas
por mestres portugueses ou espanhóis) foram instaladas tramas metálicas. A nova tecnologia era fruto da
revolução industrial. Diversas empresas europeias produziam e as enviavam dentro de navios, e a
montagem no local determinado ficava a cargo de profissionais estrangeiros, principalmente de empresas
belgas, francesas e inglesas. Tais estruturas transformaram essas pontes num dos principais expoentes da
arquitetura do ferro legados pelas ferrovias. Paulo Santos, um dos principais estudiosos da arquitetura
brasileira, citou, em sua obra de referência (Santos, Paulo F.; Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de
Janeiro, IAB, 1981, pg. 71), o valor artístico dessas pontes, sendo elas precursoras das novas técnicas
surgidas com a industrialização:

“Mas foi só na década de 1850-1860, de construção da Estrada de Mauá (do Porto da Estrela à
Raiz da Serra de Petrópolis), da Pedro II (primeira seção) e da Mariano Procópio, - com que se
iniciou o surto rodoferroviário, que, com o emprego das primeiras pontes de ferro fabricadas na
Europa e montadas aqui por engenheiros das empresas de que provinham (. . .), que começou,
também no setor da construção a Era Industrial, e o da arquitetura, o surto dito „Moderno”.
Porque muitas dessas pontes, na sua pureza estrutural, funcionalidade perfeita e forma plástica
atingida com simplicidade, contenção de meios e clareza de intenções – são lindíssimas, com
maior significação como obras de arte, do que muitos dos edifícios que se construíram depois de
1930 – ano que tem sido considerado como o início do Movimento Moderno no Brasil.”

Nem todas essas estruturas metálicas resistiram ao passar do tempo. Foi o que ocorreu com a Ponte do
Commercio (f12). De sua armadura restaram alguns pequenos fragmentos retorcidos dentro do rio,
possíveis de serem avistados na época da seca, quando o volume das águas diminui (f14). Inicialmente, ela
era formada por três lances independentes, feitos na mais pura técnica industrial, com chapas metálicas de
alma plena, dobradas em perfis “T”, “L” e “I”, unidas por meio de parafusos e rebites. Ao fim, a estrutura
ganhava rigidez através da união dessas peças, formada por vigas transversais e longarinas de base e a
trama instalada em sua parte superior.1 O conjunto apresentava linhas leves e esbeltas e, de longe, parecia
estar flutuando sobre os contrafortes de pedra (f24). Esta sensação se perdeu após a instalação da nova
passagem, de aspecto maciço. Segundo alguns moradores, a passagem antiga era mais larga e chegava
até as extremidades, apoiando-se no calço metálico (f13 e f14).

Calço da
Ponte
Ferroviária

f13 f14
Vistoriando os contrafortes assentados sobre o rio, é possível encontrar tais peças (calços) que
sustentavam a parte superior da antiga estrutura (fotos 13, 15 e 16). Pedaços da estrutura metálica são
encontrados dentro d’água (fotos 13, 17 e 18) ou na casa de moradores (f19). Já os blocos de pedra
próximos à sua base (f20) podem ser considerados refugo de material da época de sua construção, como
se percebe ao analisar uma foto histórica (f24).

1
A eficiência dessas chapas de ferro pode ser confirmada com a experiência feita com uma folha de papel, que, ao ser dobrada,
aumenta sua resistência. Através das imagens de sua recuperação (f31 a f35), é possível observar os tipos de chapas que
compunham o conjunto da ponte.
509
Descrição arquitetônica

f15 f16

f17 f19

f18 f20

s/d. A Ponte com a estrutura metálica ainda intacta. Acervo: José Halfeld Alves. f21

510
Histórico

Histórico
Os procedimentos para instalar uma ponte sobre o Rio Paraíba do Sul, ligando as atuais localidades
vizinhas de Comércio e Sebastião de Lacerda, tiveram início em 1870. Tudo indica que, naquele momento,
sua execução estava vinculada a facilitar o acesso das cargas que utilizavam a estrada do Commercio, que,
ao chegarem à margem esquerda do rio, faziam a travessia para a margem oposta utilizando um serviço de
balsas, para, em seguida, serem embarcadas na estação ferroviária de Commercio (inaugurada em 1866),
pertencente à Estrada de Ferro D. Pedro II. O projeto propunha implantá-la duzentos metros abaixo da
estação ferroviária. Pelos registros, até o início de 1883 as obras da ponte não haviam sido iniciadas.
Sua construção se realizou com a criação da Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores, que
inicialmente buscava instalar uma linha férrea tracionada por força animal (ferrocarril) para cargas e
passageiros, saindo da estação de Commercio acima citada (hoje Sebastião de Lacerda), e que,
atravessando o rio, seguia em direção à freguesia de Santa Tereza (atual município de Rio das Flores). 2
A ponte constituiu a principal obrigação daquela ferrovia com o governo da província, e o contrato para
construí-la foi celebrado, em 26 de junho de 1874, com o engenheiro Luiz Antonio Schimid Pereira da
Cunha. Pelas especificações, ela deveria possuir 4,50 metros de largura, ficando a plataforma de passagem
apoiada sobre base em alvenaria de pedra. Além do transporte sobre trilhos, foi permitido seu uso por
pedestres, veículos e animais. As obras iniciaram em 29 de setembro de 1874, ficando a ponte antes da
estação ferroviária, sobre um trecho empedrado e estreito do rio, próxima ao antigo porto de travessia das
balsas. As imagens abaixo são do projeto (f22), revelando que previam uma estrutura metálica seguindo na
parte inferior da plataforma de travessia, modelo que a E. F. D. Pedro II havia adotado anos atrás na
construção de duas pontes da linha férrea central, instaladas sobre o Rio Paraíba do Sul: a do Desengano e
do Paraíso, situadas quilômetros acima, nas proximidades da localidade de Barão de Juparanã.

1876. Partes do desenho de uma planta da Ponte do Commercio, inicialmente projetada para uma linha ferro carril (tracionada por
força animal). Nota-se que a base de pedra foi executada, mas o desenho da treliça metálica é diferente daquele que acabou sendo
instalado. Acervo: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundo: Presidentes de Província; notação 448. f22

A planta á assinada pelo engenheiro contratante, constando a inscrição “01 de 76”, possivelmente relativa a
data de janeiro de 1876 - ano que a etapa de cantaria foi concluída. Em dezembro do mesmo ano, foi
contratada a firma Henry Begbie&C para construir a ferrovia. A companhia acabou descartando a tração
animal, e adotou as locomotivas tracionadas a vapor. Dentre os serviços, constava a instalação da
superestrutura metálica da ponte, com prazo de entrega para 26 de dezembro de 1877.
Em março de 1877 a empresa pediu mudanças na superestrutura metálica. Devido ao risco de ser atingido
pelas enchentes máximas, o modelo anteriormente especificado (que viria dos Estados Unidos-f22) foi
abandonado, dando lugar a um que seguia pela parte superior. Outra mudança ocorreu em sua largura,
passando de 4,50 para 3,965 metros, obedecendo as recomendações do fabricante, cuja alegação se

2
O contrato estipulava um trajeto de apenas seis quilômetros. Uma concessão de 27 de maio de 1874 levava a estrada até a sede da
freguesia de Santa Tereza (atual cidade de Rio das Flores). Em 1875, foi concedido seu prolongamento até Porto das Flores (Manuel
Duarte). Nos dois casos, uma das principais condicionantes impostas pelo governo foi a construção de uma ponte sobre o Rio Paraíba
do Sul, permitindo aos trilhos da E. F. Commercio e Rio das Flores (tracionada a força animal) alcançarem a estação de entroncamento
de Commercio, pertencente à E. F. D. Pedro II.
511
Histórico

baseava no fato da medida original não seguir as que eram estabelecidas para vias a vapor de bitola
3
estreita. Além disso, os moldes metálicos já estavam concluídos. Originária do continente europeu, a
trama metálica conjugava linha férrea de um lado com passagem em pranchões de madeira do outro,
atendendo, assim, os demais usuários (f23).

s/d. Locomotiva a vapor atravessando a ponte de ferro em seus primórdios. Acervo: Museu Ferroviário de Valença. f23

A demora na entrega da superestrutura no porto do Rio de Janeiro e dificuldades de transportá-la até o local
atrasou sua montagem, que adentrou o ano de 1878. Além disso, uma ação judicial, movida pela Estrada de
Ferro União Valenciana causou um embargo da obra, paralisando por completo todos os serviços do
empreendimento. Esta questão se refletiu na execução da ponte. Com seu contrato expirando em abril de
1878, a construtora (Henry Begbie&C) retirou-se das obras, mas a companhia conseguiu, por meios
judiciais, que a ponte fosse concluída. Dessa forma, ela acabou sendo entregue para uso público no dia 18
de agosto de 1878, data que marca sua efetiva abertura. Porém, somente quatro anos depois (em setembro
de 1882), quando a Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores foi aberta é que os trens trafegaram
oficialmente (com passageiros e cargas) sobre ela. As primeiras locomotivas a atravessá-la foram a “Barão
do Rio das Flores” e a “Barão de Ipiabas”.

s/d. Panorâmica da ponte do Commercio, feita pela margem do sub distrito de Comércio (situado no município de Rio das
Flores). Marc Ferrez/ Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles. f24

3
Apesar de não terem sido encontrados documentos comprobatórios, as informações passadas pela maioria dos moradores e
historiadores dão conta de que esta trama veio da Bélgica. Na obra referente à sua vida (Nair Henriques Guacury, lembranças de
seus cem anos de existência: 1911-2011, pp. 72), a autora registra que a ponte foi construída por portugueses e que a estrutura
metálica veio da Inglaterra.
512
Histórico

4
Seu custo atingiu a casa de 170:000$000 em moeda da época. Posteriormente foram acrescentados cerca
de 50:000$000, elevando os investimentos para 220.000$000. Sua conservação ficou a cargo da própria
companhia ferroviária, que, em 1886, aplicou 1:410$365 em sua recuperação. Na margem direita da
travessia, na atual localidade de Sebastião de Lacerda, foi erguido um chalé, utilizado como “barreira”, para
cobrar pedágio dos transeuntes. O valor seguia a tabela utilizada pelas antigas barcas. Existem alguns
registros sobre o serviço de cobrança, como o do desembargador Vieira Ferreira, quando seguia para a
5
fazenda Cachoeira da Alegria. Reproduzimos abaixo o texto de uma obra familiar, que cita a existência de
um portão na ponte (HENRIQUES, Alberto, Recordações de Minha Vida, pp 71):

“ . . . nela trafegavam pedestres, animais e veículos, de toda a espécie, sujeito ao imposto da


“barreira”, cobrada pelo impertinente velhinho Gregório Antonio Pereira, que muito de ufanava
em dizer que fora soldado da Guerra do Paraguai. Pereira, apesar de sua decrepitude, não
perdia, contudo, o garbo de soldado incorruptível. Nas suas atitudes, quer lembrando os tempos
idos, quer abordando as pessoas que fossem transpor a ponte, ostentava algo de militar. . . .
impunha aos transeuntes os $ 0,40 (quarenta réis) da “barreira”. E ai daquele que não pagasse!
O velho, assim como enraivecido, dizia:”fui soldado da Guerra do Paraguai, não tenho caretas.
Pague, pague a “barreira”. Se a pessoa não o atendesse, ele, incontinenti, fechava os dois
grandes portões adaptados à ponte, ficando assim, vedada a passagem . . .”

A travessia sobre o Rio Paraíba do Sul se tornou a principal obra realizada pela Estrada de Ferro
Commercio e Rio das Flores. Sua qualidade construtiva e sua beleza causaram admiração, sendo
merecedora de elogios já naquela época: “a ponte do Commercio, obra importantíssima que com certesa não
possue nenhuma das taes estradas congeneres”. 6

Década 1920. A ponte com o piso de concreto. Fonte: Encarte publicitário do Hotel Commercio. f25

Na década de 1910, a Estrada de Ferro Rio das Flores7 foi incorporada pela Estrada de Ferro Central do
Brasil, levando a extinção da linha férrea entre Comércio e Taboas e do movimento de trens sobre a ponte,
que passou para o governo federal. Decorridos alguns anos, o governo do Estado do Rio de Janeiro a
adquiriu, mas, diferentemente da companhia ferroviária, não executou qualquer trabalho de conservação, 8
condição que levou sua plataforma de madeira ao arruinamento, impossibilitando quase que totalmente a
passagem de veículos. Imensos buracos surgiram no piso, e os transeuntes precisavam se precaver contra
acidentes. Alguns pais chegaram a retirar os filhos da escola, temendo pela vida deles durante a travessia.
Os acontecimentos da época foram registrados por uma testemunha ocular, o sr. Alberto Henriques:9

4
O réis foi a moeda utilizada no Brasil, desde o Descobrimento até 1942, quando foi criado o cruzeiro (Cr$ 1,00 equivalia a 1$000).
5
Temos o seguinte relato de Vieira Ferreira: “Essa barca pertenceu a um ascendente de Sebastião de Lacerda e por ela atravessei o
rio algumas vezes, antes de construir uma grande ponte, por onde passaram os trens da E. F. do Comercio a Rio das Flores. Os
pedestres pagavam a princípio 40 réis (= 4 centavos) na passagem. Ainda me lembro das moedas de cobre, duas grandes moedas de
cor viva, que eu e o preto Tibúrcio pagamos, indo da estação de Comércio para a Cachoeira.” FERREIRA, Vieira desembargador.
Cachoeira e Porangaba - A Concessão de Sesmarias no Brasil e a Lavoura de Café nas Montanhas de Valença. RIHGB V. 213,
out./dez. Rio de Janeiro: 1951, pp 272.
6
Resposta ao Relatório da Companhia E.F.Commercio e Rio das Flores – 1885, pg. 66 (acervo Museu Ferroviário de Valença-RJ).
7
A Estrada de Ferro Rio das Flores substituiu a companhia que construiu a ponte, a Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores.
Ambas eram particulares e serviram exclusivamente ao território de Santa Tereza (atual município de Rio das Flores).
8
O mais provável é que a ponte tenha se tornado um bem da E.F.Central do Brasil (sucessora da E.F.D. Pedro II), que encampou
diversas companhias ferroviárias particulares, como a E. F. Rio das Flores e a União Valenciana. Com o fim do tráfego dos trens para
Taboas, na década de 1910, a ponte passou a atender apenas a estrada de rodagem, deixando-a vinculada ao governo estadual.
9
HENRIQUES, Alberto. Recordações de Minha Vida. Publicação familiar, 1973, pg. 71.
513
Histórico

“Comércio, nesse tempo, embora aprazível, não tinha os requisitos de que um povo necessita:
iluminação, saneamento etc., de maneira que atravessar a ponte em noite escura era levar a vida
à beira do abismo, enfrentar a morte! O estado da ponte causava terror! O assoalho quase
intransponível abria-se em vários pontos, formando verdadeiros precipícios. Os habitantes de um
e outro lado, premidos pela necessidade de embarcar num trem, ou por qualquer circunstância,
enfrentavam o perigo, atravessando a ponte! Havia muita precaução, mas a qualquer passo
esperava-se um acidente dramático, como se viu mais tarde.”

f26
Entre 1899 e 1901. Panorâmica da ponte, pelo lado de Comércio. Acervo: Museu de História Regional de Rio das Flores.

Após a ocorrência de dois acidentes (com perdas de vidas por afogamento), no ano de 1918 o governo
investiu em sua recuperação. O autor citado anteriormente trabalhou nas obras, relatando que as ações
começaram pela trama metálica, então coberta por emulsão betuminosa preta (que seria sua primeira cor).
A treliça foi totalmente raspada e ganhou uma pintura de tonalidade rosa, 10 que em pouco tempo
empalideceu, prejudicando visualmente o seu aspecto. Concluída esta etapa, iniciou-se a substituição do
piso de madeira por um de concreto armado. A base antiga foi sendo desmanchada por trechos. Como a
ponte continuou sendo utilizada pela população, foi instalada uma estreita passagem feita de pranchões
ligando os vãos.11 Em 1920, os serviços foram orçados em 11:622$092, e, em 1922, o custo chegou a
84:867$690, quando seu estrado (com 113,00 metros de comprimento por 3,965 de largura) foi recuperado.
12
A carga máxima estipulada foi de doze toneladas.

f27
Meados do século XX. Panorâmica da ponte, pelo lado de Sebastião de Lacerda. Imagem cedida por Alexsandro Rodrigues.

10
A única imagem retratando a ponte com a ferragem na tonalidade rosada é capa do encarte do Hotel Commercio, de autoria do
artista Manoel de Mora, que utilizou a paisagem da ponte metálica e o Rio Paraíba do Sul como cenário (a mesma pode ser vista no
fichamento da localidade de Comercio neste inventário).
11
A obra citada acima registra que nesse período outras duas pessoas se desequilibraram e morreram nas águas do rio.
12
A base de pedra da ponte possui largura de 4,50 metros, uma vez que foi projetada para receber uma estrutura metálica com essa
dimensão. Como explicado anteriormente, a companhia instalou uma estrutura de travessia com largura de 3,965 metros.
514
Histórico

A falta de uma manutenção constante por parte do governo acabaria levando-a a uma situação lastimável.
Em meados do século, o clamor para evitar sua ruína encontrou espaço nas páginas do Correio de
Vassouras, através de manifestações calorosas do sr. Alberto Henriques, que na época era redator daquele
periódico. Morando na cidade de Vassouras, ele manteve os vínculos com sua terra natal, deixando
registradas, além de textos (f28 e f29), algumas imagens da época (f30).13 Segundo o jornal, a condição da
“artística ponte metálica” era um reflexo da decadência de ambas as localidades servidas pela ponte, que
sofriam problemas relacionados a energia elétrica, abastecimento de água potável e limpeza urbana e
possuíam estradas de rodagem em péssimas condições de conservação, além de constantes atrasos das
composições de trem, que passavam na estação ferroviária de Sebastião de Lacerda. A edição nº 690, de
fevereiro de 1950, registrou o primeiro acidente, acompanhado de um ruído altíssimo: um dos tirantes de
ferro que sustentavam a plataforma de passagem rompeu e retorceu uma de suas vigas principais, abrindo
uma fenda no piso de concreto. O jornal lançou apelos, comentando a situação da travessia e o abandono
das localidades. Apesar de ter sido anunciado um valor de Cr$ 500.000,00 para sua recuperação, nenhuma
providência foi efetivamente tomada.

f28

f29

f30
Imagens acima (f26, f27 e f28): Década de 1950. Acervo: Arquivo Publico Municipal de Vassouras-RJ Jornal
Correio de Vassouras. ano XV, 1950, nº 690 (f26); ano XVI, 1951, nº 739 (f27); ano XVI, 1951, nº 761 (f28).

A edição lançada no dia 28 de janeiro de 1951 publicou, logo abaixo do nome do jornal, o título “Caiu a
Ponte de Comércio” (f29). Os arranques que a prendiam na cabeceira cuja base estava situada na parte do
município de Rio das Flores cederam, ficando uma das extremidades dentro da água, e a outra, presa ao
pilar sobre as águas do rio (f30).14 Além do risco de acidentes, a queda do lance trouxe prejuízos tanto para
as pessoas quanto para as fazendas situadas nas terras da margem esquerda, que ficaram impossibilitadas
de embarcarem seus produtos para a estação ferroviária de Sebastião de Lacerda. Para garantir a
comunicação entre as duas partes, os próprios moradores providenciaram uma passagem provisória, de
aspecto muito frágil (f30). A matéria da edição de 13 de fevereiro de 1952 citava a lastimável condição da
travessia e a demora na recuperação do lance que cedeu. Logo em seguida, o parlamentar vassourense
João Romeiro Netto fez um apelo pela sua restauração, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. No
final do ano de 1952, o material para sua recuperação chegou ao local.

13
O Correio de Vassouras era um semanário, lançado em meados da década de 1930. Apesar de cobrir a região, ele dava ênfase ao
território de Vassouras. Por esse motivo, o município de Rio das Flores e a localidade de Comércio receberam menos menção nos
textos do que a vila de Sebastião de Lacerda (distrito de Vassouras).
14
Foi possível apurar nas conversas de campo que a ponte não sofreu forte sobrecarga no momento da ruptura. Segundo um antigo
morador que entrevistamos, José Halfeld Alves (sr. Zezé), o evento se deu no dia 19 de janeiro de 1951.
515
Histórico

Somente em janeiro de 1954 começaram as obras, realizadas pelo governo estadual. Foi erguido um
canteiro no local (f34 e f35), bem como uma passagem tensionada (f31), substituindo a anterior. O lance
quebrado foi retirado de dentro do rio e recuperado peça por peça. A ferragem passou por uma completa
recuperação, executada de forma artesanal. Com a finalidade de aliviar o peso e evitar uma nova queda, o
piso de concreto foi quebrado a marretadas e substituído por um assoalho de madeira (f32). Segundo
pesquisas, sua reabertura teria ocorrido em meados de 1954, a um custo de Cr$ 700.000,00. 15

f31
A ponte na época da queda, com a segunda passagem provisória concluída.

f32
Nota-se o piso de madeira, que substituiu o de concreto. Imagens acima, década de 1950. Acervo: Paschoal Tubirahy D’Amato.

15
A última edição encontrada do Correio de Vassouras antes da reabertura da ponte foi a de 10 de janeiro de 1954, comentando que
os trabalhos tinham previsão de terminar em três meses.
516
Histórico

f34

f33
Imagens acima, década de 1950. Acervo: Paschoal Tubirahy D’Amato. f35

Passado cerca de trinta anos, sua estrutura metálica se encontrava novamente comprometida. Mais uma
vez se fazia notar a ausência do poder público em sua conservação. Assim como ocorrera no início do
século XX, o piso de madeira estava em estado precário, a ponto de as pessoas passarem com extremo
cuidado, evitando os trechos mais degradados, com receio de sofrerem um sério acidente e caírem no rio. 16
Uma das medidas de precaução adotadas foi instalar uma placa indicando a tonelagem máxima permitida.
Por volta de meados da década de 1980, os mesmos arranques que haviam cedido em 1951 não
suportaram o peso de um caminhão carregado com mudas de café, que foi parar, juntamente com as
ferragens, nas águas do rio. A data desse acontecimento é incerta, mas ele deve ter ocorrido na passagem
de 1985 para 1986,17 provavelmente em dezembro ou janeiro. Com o passar do tempo, o segmento rompido
se desprendeu totalmente da outra base de pedra, ficando então completamente dentro da água (f37).

f36
s/d (possivelmente década de 1960). Ponte do Commercio, com o piso de madeira e a estrutura metálica.
Cedido por Maria José Henriques D’Ámato.

16
Segundo alguns moradores, a década de 1980 registrou uma nova tragédia, quando a madeira cedeu com o peso de uma garota, no
momento em que ela fazia a travessia com sua mãe.
17
As pessoas entrevistadas não conseguiram informar a data precisa do acontecimento. O sr. José Halfeld afirmou que ocorreu entre
dezembro e janeiro, período em que “o Rio Paraíba do Sul estava bem cheio”. O registro encontrado que cita o ano de 1986 como o da
segunda queda da ponte é o do jornal Tribuna do Interior, de 25 de abril de 1992 (ano IX, nº 187, pgs. 1 e 3). Uma matéria de página
inteira publicada no jornal O Estado de São Paulo, no dia 3 de janeiro de 1990, com o título “Cidades que ficaram fora do caminho”
(inserido no fichamento da localidade de Comércio), datando o ocorrido no ano de 1985: “a ponte caiu há cinco anos e não foi
reconstruída [...] As pessoas vão e vêm [...] arriscam-se numa ponte de arame, cabo de aço e madeira, improvisada”.
517
Histórico

s.d. Observa-se, no canto esquerdo da imagem,a passagem tensionada. Fonte: Rio das Flores Um Século História, 1990, p. 16. f37

Na época da queda, foi montada novamente uma nova passagem provisória, conhecida popularmente como
pinguela (f37 e f38). Segundo relatos colhidos, a obra foi uma iniciativa dos moradores, com uma pequena
ajuda do poder público municipal. Era tensionada por cabos de aço e possuía piso de madeira, com largura
para a passagem de mais de uma pessoa por vez e até mesmo de animais, como cavalos e bois.
Como as obras não começavam, este acesso atendeu a população por anos. Muitas pessoas locais
passaram a não mais acreditar na recuperação da então centenária ponte.A forma como ocorreu esta
ruptura permite comparações com a queda anterior, levando a supor que havia algum problema relacionado
à sua construção ou a alguma reforma. Moradores comentaram que os cavaleiros amarravam suas
montarias próximo à sua cabeceira, podendo ter causado a corrosão da ferragem pela urina dos animais.
Citaram também problemas relacionados ao vazamento do encanamento d`água que atravessava a ponte,
presa pela ferragem, e que pode ter causado o enfraquecimento do metal. 18

f38
s/d. A Ponte, com a passagem tensionada (pinguela) e a ferragem dentro do rio. Acervo: Therezinha Coelho de Mello.

As matérias publicadas em meados do século passado, no Correio de Vassouras, permitem traçar um


paralelo entre as duas quedas: uma é que ambas ocorreram no verão, quando a ferragem devia ficar mais
dilatada. Os textos mencionavam preocupações quanto à qualidade dos serviços realizados na década de
1950:

“A impressão que tive é que o trabalho está sendo executado sem qualquer orientação técnica . . .
redundando, certamente, em prejuízo para o Estado e para o povo que jamais terá uma ponte em
condições de segurança satisfatória.” (Edição de 1º de março de 1953.)

18
O encanamento é citado no texto da queda da ponte em 1951. A edição nº 739, de 28 de janeiro do mencionado ano, do “Correio de
Vassouras”, relata que um cano de três polegadas atravessava a estrutura, fornecendo água potável da caixa dágua instalada em
Comércio para Sebastião de Lacerda.
518
Histórico

f39 f40
Década de 1990. Desmonte da trama metálica. Acervo: José Halfeld Alves

O jornal relaciona a queda de 1951 com a obra executada trinta anos antes, na década de 1920,19
quando teriam ocorrido erros de procedimento na retirada do piso de madeira para colocação da nova
passagem de concreto, feita sem nenhuma técnica, o que teria prejudicado a estrutura:

“ . . . o piso que era de madeira foi substituído por um de cimento armado, onde o engenheiro
encarregado do serviço provou sua incapacidade, construindo, em toda extensão da ponte, o piso
contendo um único corpo, quando deveria seccioná-lo de acordo com a própria construção da
ponte, obedecendo a técnica e tendo em vista os movimentos de contração e dilatação da ferragem
. . . o tal movimento de contração e dilatação, . . . , não foi observado e está deslocando as
cabeceiras da "Ponte de Comércio", a qual vai para a ruína.” (Edição nº 598, de 11 abril de
1948).

f41
Década de 1990. Imagem tomada da balsa, no momento em que trama metálica era desmanchada. Acervo: José Halfeld Alves.

19
As obras de 1920 estavam incluídas numa espécie de plano de construção e reconstrução de pontes e pontilhões do governo, e,
dentre elas, estava a ponte metálica da cidade de Barra do Piraí, que teve o piso de madeira substituído por cimento armado.
519
Histórico

É provável que a recuperação da estrutura metálica fosse mais complexa que a realizada nos anos de
1950, uma vez que todo o lance encontrava-se dentro do rio há uns oito anos. O fato de o concreto armado
ter se difundido na construção civil do país pode ter contribuído para a substituição da plataforma. 20 O que
se pode concluir é que a constante falta de manutenção, relacionada a outros fatores, como a capacidade
de carga dos novos caminhões, superior ao limite máximo suportado pela trama metálica, que fora
estipulado em 12 toneladas nas obras da década de 1920,21 comprometeu a estrutura.

Década de 1990. Imagem mostrando as vigas atuais sendo instaladas entre a antiga estrutura de aço. Acervo: José Halfeld Alves. f42

Não foi possível precisar a data exata da reinauguração da ponte. Em fins de 1992, as obras ainda não
haviam começado, conforme registrou a reportagem publicada no jornal Tribuna do Interior (da cidade de
Vassouras), em 25 de abril de 1992, com o secretário de Planejamento do Estado e os prefeitos de
Vassouras e Rio das Flores, que, em visita a Sebastião de Lacerda, fizeram comentários sobre a futura
recuperação da ponte.22 Moradores informaram que sua reconstrução foi viabilizada por intercessão da
família Lacerda23 junto ao governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), que designou uma de suas empreiteiras (a FEM) para realizar os trabalhos de recuperação
(f39 a f42).
Desta vez, a ponte precisou ser interditada, sendo então providenciada uma travessia de balsa no rio (f41).
Os serviços foram realizados em duas fases. Em três meses, foram instaladas duas vigas metálicas entre a
antiga armadura (f40). A partir de então, as formosas peças de aço foram relegadas a simples fragmentos
metálicos, sendo fatiadas por maçaricos e jogadas no rio (f39), para, em seguida, serem recolhidas por um
guindaste e colocadas em vagões com destino aos altos-fornos da siderúrgica de Volta Redonda-RJ (f43).
20
Apesar da diferença de dimensões, há o projeto da Hercílio Luz, construída em Florianópolis, entre 1922 e 1926, para uso
rodoferroviário. Considerada uma das maiores pontes pênseis do mundo, em 1991 ela foi interditada, devido à corrosão causada pela
maresia e à idade avançada de sua armadura. Em 1992, o município a tombou, e, em 1997, o Estado de Santa Catarina aplicou o
mesmo instrumento de proteção. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também reconheceu seu valor, sendo
atualmente o responsável pela supervisão dos trabalhos de restauração, que se tornaram um grande desafio para a engenharia civil.
Mesmo prevendo a necessidade de empresas especializadas em pontes rodoviárias, plataformas de petróleo e profissionais da área
naval, as obras deverão seguir um lento processo artesanal, como o executado na época de sua construção. Foi autorizado o uso de
materiais modernos para reforços estruturais, como o aço carbono, mais resistente e leve do que sua tecnologia original.
21
Pesquisando no endereço eletrônico amazon.com foi possível encontrar literatura referente a pontes metálicas semelhantes. Um dos
livros trata das propriedades técnicas das antigas pontes ferroviárias rebitadas, comentando que muitas são substituídas muito cedo
por desconhecimento (Fatigue Life of Riveted Steel Bridges; autor: Björn Åkesson, CRC Press; 1 edition: April 2010, ISBN-10:
0415876761). A resenha disponível no site apresenta informações quanto a tempo de vida, fadiga do material, estresse causado pelo
tráfego, efeito da temperatura, envelhecimento do material, cisalhamento, força elástica e outros.
22
Entrevistados afirmam que as obras foram viabilizadas e iniciadas entre 1988 e 1991, pelo governador Moreira Franco (ligado à
família Lacerda), e terminadas na gestão seguinte.
23
O nome Sebastião de Lacerda vem da década de 1930, homenagem ao político de mesmo nome, cuja família mantém uma chácara
na localidade desde a década de 1870. Alguns membros se tornaram políticos, como Carlos Lacerda, que foi governador do estado.
520
Histórico

Terminada essa etapa, restava por fazer o tabuleiro superior, concluído provavelmente entre 1993 e 1995,
marcando a reinauguração da ponte, com a nova plataforma de acesso, segundo alguns moradores, com
uma seção transversal (largura) mais estreita que a anterior (f45 e f46). Passadas duas décadas da
intervenção, ainda é possível notar o sentimento pela perda da trama metálica por parte dos moradores.
Imagens da ponte de ferro decoram os ambientes das casas (fotos 12, 21 e 27). Pedaços da estrutura
metálica podem ser avistados dentro do rio (f18) ou mesmo na casa de moradores (f19).24
Mesmo contando com meios oficiais de proteção, 25 não ocorreu uma mobilização em defesa de valores
históricos, artísticos e paisagísticos, tão bem relatados por Alberto Henriques no Correio de Vassouras,
como na edição nº 831, de 16 de novembro de 1952, durante o movimento em prol de sua recuperação:

“. . . A ponte de Sebastião de Lacerda é um monumento de arte . . . , de cujo interior se contempla


um dos mais belos panoramas das terras fluminenses . . .”

f44

Década de 1990. Estrutura retorcida ao lado da ponte


(f43) e equipe que realizou o corte da estrutura (f44).
f43

f45 f46
Década de 1990. Obras da travessia de concreto (f45 e f46). Imagem acima, acervo: José Halfeld Alves.

Apesar de lhe dar uma enorme solidez, a travessia de concreto armado não possui a carga histórica e os
mesmos atributos estéticos da antiga estrutura metálica. Obra símbolo da era da estrada de ferro, ela
impregnava na atmosfera local um caráter ferroviário. Sua retirada da paisagem significou a perda de um
marco da identidade cultural dos moradores de Comércio e Sebastião de Lacerda, deixando também uma
grande lacuna no patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro. 26

24
Segundo um morador, partes significativas da estrutura metálica encontram-se dentro do rio, pois os operários só faziam o
recolhimento quando o engenheiro responsável estava presente. Na sua ausência, eles lançavam as peças na água.
25
Na época, a ponte do Commercio tinha sua proteção assegurada pela Constituição Federal de 1988 (art. 216) e por dois institutos: a
nível federal, pelo Iphan, que, na região, atende os municípios de Barra Mansa, Barra do Piraí, Eng. Paulo de Frontin, Itatiaia, Mendes,
Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do Alferes, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença,
Vassouras e Volta Redonda, e, a nível estadual, pelo Inepac, que, até 2005, havia tombado oito pontes no interior do estado, dentre
elas, a existente na cidade de Paraíba do Sul, a de estrutura metálica (conhecida como Ponte Velha) da cidade de Resende e a ponte
de ferro (também sobre o Rio Paraíba do Sul) em São Francisco do Itabapoana.
26
Conforme as pesquisas realizadas durante o inventário, a partir da metade do século XX, as duas localidades passaram a sofrer um
processo de esvaziamento populacional, quadro que se agravou no final da década de 1970, quando ocorreu a desativação dos trens
de passageiros da linha central. É notório que até hoje elas não receberam investimentos rodoviários suficientes, possuindo acesso por
estrada de terra e sendo atendidas por um precário serviço de transporte coletivo (ônibus), ligando as cidades de Valença e Vassouras.
521
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 04, 05, 08, 09, 10, 13, 14, 15, 16, 18 e 20 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos:
inventário das estradas de ferro em Rio das Flores (citada na referência bibliográfica abaixo).

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Referências Bibliográficas:

FERREIRA, Vieira desembargador. Cachoeira e Porangaba - A Concessão de Sesmarias no Brasil e a


Lavoura de Café nas Montanhas de Valença. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro V. 213,
out./dez. Rio de Janeiro: IHGB, 1951.

GEROLLA, Giovanny. Patrimônio ameaçado: cartão-postal de Florianópolis corre contra o tempo e a


maresia (título da capa). Revista Téchne. São Paulo-SP: Editora Pini, ano 19, nº 173, p 60 a 66, ago 2011.

GORBERG, Marissa. Parc Royal: um magazine na belle époque carioca. Rio de Janeiro: G. Ermakoff,
2013.

HENRIQUES, Alberto. Recordações de Minha Vida. Vassouras – RJ (memória familiar), 1973.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Guia dos


Bens Tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. (Coord. Editorial Dina Lerner e Marcos Bitencourt). Rio
de Janeiro: Governo do estado do Rio de Janeiro: INEPAC, 2005.

KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre
sua preservação. Secretarias da Cultura. São Paulo: Ateliê Editorial FAPESP, 1998.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro, IAB, 1981.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

Autor desconhecido (possivelmente do setor de propaganda do Parc Royal). Encarte publicitário: Estação
de Commercio: uma cidade que surge. [década de 1920].

Acervo Particular:
COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de existência: 1911-
2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

Arquivos consultados:
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
- Fundo Presidente de Província.
Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.
- Jornal Correio de Vassouras, ano XIV, 1949, nº 676; ano XV, 1950, nº 690, 693, 700; ano XVI,
1951, nº 739, 745, 754, 761; ano XVII, 1952, nº 791, 794, 795, 810, 831; ano XVIII, 1954, nº 881.

Consultas Online.
Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em


<http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940, disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

522
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de Sant’Anna.

Localização: Município:
Rua Vasco Ortigão, em Comércio, localidade situada no distrito Rio das Flores.
de Taboas.

Época de construção:
Inaugurada em 30 de julho de 1876.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Templo de celebração religiosa.

Proteção existente / Proposta:


Nenhuma / Tombamento.

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença.
s/d. Planta do sub distrito de Comércio. Fonte Prefeitura Municipal de
Rio das Flores,

f01
Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

523
Situação e ambiência

Comércio

Rio Paraíba do Sul

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f02


A capela situa-se em Comércio, pertencente ao distrito de Taboas. Situada às margens do Rio Paraíba do
Sul (f02 e f03), a localidade tem como acesso principal a rodovia RJ-135, uma estrada em piso de terra, que
fica a 17 quilômetros da sede de Taboas. O percurso é marcado por uma paisagem de morros tipo meia
laranja, com pastagens e áreas remanescentes de Mata Atlântica.
A população local também utiliza o trecho da rodovia que segue, por 17 quilômetros, margeando o rio até o
distrito valenciano de Barão de Juparanã e a cidade de Vassouras-RJ. Na outra margem do Rio Paraíba do
Sul fica Sebastião de Lacerda, distrito de Vassouras, que possui um estreito vínculo com a localidade de
Comércio. Por ela passa uma estrada de terra em precário estado de conservação que leva à BR 393 e a
localidade de Massambará.
A ligação entre as duas partes é feita por uma ponte sobre o Rio Paraíba do Sul, importante elemento da
paisagem local, complementada pelos morros tipo meia laranja, alguns tomados por fragmentos florestais,
como os que emolduram o sítio urbano (f02 e f03).

Comércio

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f03

524
Situação e ambiência

A secular capela pode ser avistada do final da Rua Vasco Ortigão, onde fica situado seu salão paroquial,
denominado Pavilhão Nossa Senhora de Sant’Anna (f04). Logo à frente há uma pequena ponte transpondo
um córrego, marcando o entorno do Largo do Comércio, logradouro que apresenta um valioso tratamento
urbanístico (f05 e f06). Seus espaços são demarcados por um belo cruzeiro de pedra e uma pracinha (ponto
de encontro da comunidade). A capela fica circundada por construções que mantêm a tipologia dos casarios
do interior. Entre eles, estão dois antigos chalés, com seus jardins e quintais.

f04

f05

f06

525
Descrição arquitetônica

f07

O pequeno templo religioso está implantado num terreno elevado, em que sobressai um calçadão frontal às
construções (f07). Junto à capela e ao chalé lateral, segue uma antiga calçada de pedras costaneiras,
acessada por uma escadaria de pedra lavrada (f08).
Dois portões de ferro permitem acessar as laterais do terreno do prédio (f09). Do coro é possível admirar a
paisagem bucólica do lugarejo (f10). A edificação, com embasamento de pedra, foi construída sobre porão
baixo, com respiradouros distribuídos nas fachadas laterais. O barrado recebeu cor cinza e, circundando a
construção, há um piso de pedras aparelhadas.
As paredes autoportantes aparentam ser mistas, em adobe e pau a pique, e estão pintadas num tom verde-
claro, com o branco demarcando os cunhais, a cimalha e os elementos decorativos, destacando-se, na
fachada principal, o artístico embasamento em pedras almofadadas (f11e f12). A volumetria da edificação é
escalonada, tendo a cobertura da nave mais alta, formando uma empena junto ao telhado do altar-mor e da
sacristia (f13 e f14). O caimento se faz em duas águas, com telhas francesas. Nas extremidades do telhado,
imponentes coruchéus ressaltam o conjunto.

f08 f09

f11

f10 f12
526
Descrição arquitetônica

f13 f14

A fachada frontal caracteriza-se pelo acesso ao átrio, feito por três degraus de pedra. Os vãos com vergas
em arco pleno possuem portões de ferro batido e destacam, ao fundo, as duas portadas de madeira maciça,
com bandeiras em vidro e folhas almofadadas e envernizadas, contrastando com as portas menores das
laterais (f15). O rodapé e as soleiras são em pedra (f16). O frontão triangular é contornado por cimalhas,
que seguem por todo o beiral. No centro, há um nicho com o sino, e, na cumeeira, uma cruz de metal.
Abaixo do frontão, existem três pequenas básculas com verga arqueada e envidraçadas (f17).

f15 f16

f17

O átrio comporta apenas um patamar, e, à direita, uma escada de madeira artesanal bem estreita, em
formato helicoidal (f18), leva ao coro, com portinhola no assoalho (f19). O guarda-corpo tem peças
torneadas, e, deste mezanino, é possível acessar o nicho com o sino e a corda do badalo (f20).
As fachadas laterais da nave possuem três básculas e três óculos em formato de quadrifólio, dispostos
simetricamente, complementados por uma báscula de vidros coloridos, fixos e pivotantes (f13 e f21).
Nas fachadas laterais do altar, os óculos são tipo olho de boi, e a báscula colorida é menor (f14 e f23).

527
Descrição arquitetônica

f19

f20
f18

As paredes caiadas de branco no interior da igreja (f21 e f22) fazem destacar as pinturas decorativas, como
os frisos reticulados em tons de azul e dourado que contornam os forros em formato de abóboda de berço
(f23), o arco cruzeiro e a bela composição do forro do altar-mor, com ornatos e florão em estuque (f24 e
f25). O bloco construtivo do altar-mor é mais estreito que o da nave, proporcionando uma visada que
destaca todo o conjunto de seu retábulo (f22 e f26). As janelas laterais são de estrutura de ferro,
preenchidas com vidros coloridos que, provavelmente, substituíram o modelo anterior, de madeira (fotos 21,
23 e 26).

f21 f22

A capela-mor é delimitada por um guarda-corpo de madeira com peças torneadas. O piso alteado é de
tábuas corridas, assim como o da nave (f26). A mesa do altar também é de madeira, com detalhes em
douramento (f27). O retábulo foi instalado num nicho com verga em arco pleno, decorado com pilaretes
canelados e frisos dourados. Destacam-se, em especial, os lustres, peças cada vez mais raras nas capelas
das cidades interioranas (f27 e f28).

528
Descrição arquitetônica

f24

f23 f25

f26 f27

f28 f29 f30

Em cada lateral do altar há uma porta. A da direita é um postigo que conduz à estante do retábulo, através
de uma escada e um corredor, que contorna o trono da imagem, com acesso por uma portinhola a todo o
paramento (f31 e f32). A porta da esquerda leva à sacristia. O piso é de ladrilho hidráulico, e o forro, de
madeira em saia e camisa, é bem rebaixado, pois foi aproveitada a área embaixo do retábulo (f33). O
ambiente abriga também um depósito, havendo uma porta de fundos para o exterior (f34 e f35).

529
Descrição arquitetônica

f31 f32 f33

Logo na saída de fundos há uma área coberta por laje de concreto, onde fica um tanque na parte externa e
o acesso do banheiro (f34). Trata-se de um anexo contíguo à capela, complementado por um salão, que
cumpre as funções de museu, secretaria e depósito. Internamente, o piso é de cerâmica, e as esquadrias
são de madeira (f36 e f37).

f34 f35

f36

f37
530
Estado de conservação

A capela apresenta sua estrutura consolidada, não aparentando danos visíveis que possam vir a
comprometer de imediato sua integridade. As paredes estruturais, os barrotes, o assoalho, o forro e a
cobertura demonstram integridade e que vêm recebendo manutenção ao longo dos anos. Em algumas
partes das fachadas, nota-se apenas sujidade. No coro há infiltração descendente, com degradação do
mesmo (f38), e, no assoalho, veem-se tábuas deterioradas, pela presença de cupins (f39).
O espaço anexo de fundos (que serve de museu) apresenta infiltração descendente e ascendente. A antiga
pia batismal em mármore (que contém a inscrição “Oferta do padre Manoel Dias”), encontra-se, ao que tudo
indica, fora de seu lugar original (f40).
Observa-se que a construção anexa, aos fundos, adotou elementos da arquitetura da centenária capela,
reproduzindo o estilo de época, não seguindo os critérios de intervenção em bens de valor patrimonial
contidos nos documentos que versam sobre o tema (f35). A laje do anexo serve como base da caixa d’água
e teve sua estrutura engastada na antiga parede estrutural, alterando a fachada dos fundos e a visada do
entorno da igreja.
Nota-se que a escada espiral de acesso ao coro obstrui uma das portas da fachada, mas não se pôde
comprovar se essas portas foram intervenções posteriores à construção original da igreja (f41).

f38 f39 f40 f41

f42 f43
2004. Autor: Annibal Affonso M. Silva.

Nota-se que o pequeno templo religioso teve sua visibilidade comprometida pela profusão de fios que
passam pelo largo e por um poste da rede elétrica, instalado entre a capela e o cruzeiro de pedra (f42).
Até os primeiros anos da década passada, a capela apresentava outra pintura (f43). A mudança para a
tonalidade atual pode indicar que ela recebeu outras cores ao longo do tempo, condição que não permitiu
indicar qual representa, de forma autêntica, seus valores estéticos e históricos.
531
Histórico

Histórico
A Capela de Sant’Anna pode ser considerada o prédio mais representativo de Comércio, localidade que tem
sua história dividida em duas partes: antes e depois da chegada da ferrovia. Até o início da década de 1860,
o lugar servia como passagem da Estrada do Commercio, onde havia uma ligação entre as duas margens
do Rio Paraíba do Sul feita por uma balsa. Seu núcleo urbano primitivo era constituído de casas, da
recebedoria alfandegária, de vendas e, provavelmente, de um rancho de tropas.
Com a chegada da Estrada de Ferro D. Pedro II à região, foi inaugurada, em 1866, na margem direita do
Paraíba, a estação ferroviária de Commercio (atual Sebastião de Lacerda), proporcionando à localidade
uma rápida expansão, muito em função do fazendeiro Peregrino José d’América Pinheiro, então o Barão,
depois Visconde de Ipiabas, proprietário de quase todos os imóveis e terrenos do povoado.
Após se beneficiar com a instalação da linha férrea principal na outra margem do rio, Comércio passou por
grande transformação na década de 1870, com a criação de uma estrada de ferro cortando as terras da
então freguesia de Santa Tereza, atual município de Rio das Flores. A companhia local tinha, entre seus
principais mentores e acionistas, o Visconde de Ipiabas, que tratou de construir uma capela dedicada a
Sant’Anna, santa de sua devoção. A inauguração ocorreu em meio a festividades, em 30 de julho de 1876.

f44
Década de 1870. Documento da época da construção da capela, com a assinatura de seus benfeitores.
Acervo: Capela de Sant’Anna, disponibilizado por Therezinha Coelho de Mello.

Em 1878, ficou pronta a ponte ferroviária da Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores (companhia que
atendia exclusivamente a freguesia de Santa Tereza). Com o desenvolvimento trazido pela ferrovia local,
surgiu a necessidade de organizar socialmente o pequeno núcleo de Commercio. No entorno da capela
foram construídas algumas residências em estilo chalé, e uma delas serviu ao próprio Visconde de Ipiabas.
A partir de 1931 o lado pertencente ao município de Vassouras passou a se chamar Sebastião de Lacerda,
homenagem a Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda, cuja família possuía uma residência no local – a
Chácara Lacerda. O nome Comércio foi mantido na parte de Rio das Flores.
532
Histórico

Década de 1920. O cruzeiro e a capela de Sant’Anna. Fonte: Encarte publicitário de Commercio. f45

O estreito vínculo entre as localidades de Comércio e Sebastião de Lacerda tem como ponto máximo a
Festa de Sant’Anna, que vem sendo realizada há várias décadas, sempre na última semana do mês de
julho. Além deste tradicional evento, havia a Coroação de Maria, realizada no mês de maio, conforme
registrou um jornal da cidade de Vassouras na década de 1930 (f46).

Matéria sobre a coroação de Maio. Fonte: Correio s/d (data provável, inicio década de 1950). Fachada da capela.
de Vassouras, Ano 01, nº 18, 07/06/1936. f46 Autoria de Otto Miranda, cedida por Valéria Delgado. f47
Segundo as pesquisas realizadas, foi constatado que a Capela de Sant’Anna passou por pelo menos duas
grandes reformas no século XX, sendo que a primeira ocorreu entre as décadas de 1920 e de 1930, quando
ameaçava ruir. A informação consta na programação da festa de 1936 (f51). A obra foi patrocinada pelo
comendador Vasco Ortigão, um importante comerciante na cidade do Rio de Janeiro, que venerava Nossa
Senhora de Sant’Anna e acabou se encantando pela localidade, da qual se tornou um grande benfeitor.
533
Histórico

Entre as décadas de 1940 e 1950. Dia da festa de Sant’Anna. Acervo: vídeo produzido s/d. Festa de Sant’Anna. Acervo: Maria
por Valéria Delgado, com imagens de autoria do Sr. Otto Miranda. f48 José Henriques D’Amato. f49

A segunda grande intervenção no prédio teria ocorrido por volta da década de 1970, quando apresentava
um estado de conservação crítico. Sua recuperação se deu por intermédio do senhor Marcos Vieira da
Cunha, proprietário das fazendas Guaritá, Campos Elyseos e Santo Antônio. Descendente direto do
Visconde de Ipiabas e um apaixonado pela história e trajetória de sua família no Vale do Paraíba, ele
também patrocinou a construção do anexo de apoio nos fundos, caracterizado como museu (fotos 34 a 37).

f50
2003. Rua Vasco Ortigão, no domingo da Festa de Sant’Anna. Acervo: Annibal Affonso M. Silva.

Atualmente, as missas na capela são realizadas no primeiro e terceiro sábados de cada mês, às 18:00
horas. Apesar de pertencer à paróquia de Rio das Flores, as celebrações religiosas ficam a cargo do padre
responsável pela Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, situada no distrito valenciano de Barão de
Juparanã. Isto provavelmente se deve à ligação que Comércio mantém com as localidades vizinhas
situadas às margens do Rio Paraíba do Sul. É merecedor de registro o fato de a localidade ser
constantemente associada à vizinha Sebastião de Lacerda, a ponto de cartazes da Festa de Sant’Anna
saírem com esta informação (fotos 51, 52 e 53). Contudo, isso parece não causar qualquer tipo de
transtorno, sendo uma prova do estreito vínculo que se formou entre as duas localidades.

534
Histórico

2005. Cartaz da Festa de Sant’Anna


Acervo: Therezinha Coelho de Mello. f52

2010. Cartaz da Festa de Sant’Anna


Programação da Festa de Sant’Anna de 1936.
Fonte: Correio de Vassouras, Ano 01, nº 19, 14/06/1936. f51 Acervo: Therezinha Coelho de Mello. f53

535
536
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

A foto 01 foi utilizada na publicação O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro em Rio das
Flores (citada na referência bibliográfica abaixo).

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:


Maria José Henriques D’Amato.
Therezinha Coelho de Mello.

Referências bibliográficas

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

GOMES, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.I. 1º. Ed. Rio de Janeiro:
Inepac, 2010.

__________, Rafael Azevedo Fontenelle. Inventário de Arte Sacra Fluminense, v.II. 1º. Ed. Rio de
Janeiro: Inepac, 2010.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

Autor desconhecido (possivelmente do setor de propaganda do Parc Royal). Encarte publicitário: Estação
de Commercio: uma cidade que surge. [década de 1920].

Acervo Particular:

COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de existência: 1911-
2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

Arquivos consultados:

Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.


- Jornal Correio de Vassouras, ano I, 1936, nº 18, 19, 20 e 25.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

537
538
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Chalé no Largo do Comércio

Localização: Município:
Situado no Largo do Comércio, nº 45, Comércio, localidade Rio das Flores.
pertencente ao distrito de Taboas.

Época de construção:
Construído em 1882.

Estado de conservação:
No corpo da ficha.

Uso atual / Original:


Residência.

Proteção existente:
Nenhuma

Propriedade:
Particular.

s/d. Planta do sub distrito de Comércio. Fonte Prefeitura Municipal de


Rio das Flores,

Fachada do Chale nº 45. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

539
Situação e ambiência

Comércio

Rio Paraíba do Sul

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f02

Comércio fica no território do distrito de Taboas, situado às margens do Rio Paraíba do Sul (f02 e f03), dista
17 quilômetros de Taboas e tem, como acesso principal, uma estrada em piso de terra: a rodovia RJ-135.
No percurso, destaca-se uma paisagem rural, marcada pelos morros tipo meia laranja, com pastagens e
algumas áreas remanescentes de Mata Atlântica.
Um outro caminho liga a localidade ao distrito valenciano de Barão de Juparanã e à cidade de Vassouras,
num trajeto de 17 quilômetros, sempre margeando o Rio Paraíba do Sul, importante marco na paisagem
local e sobre o qual fica a ponte responsável por ligar Comércio à vizinha Sebastião de Lacerda (um distrito
de Vassouras – f02 e f03), por onde passa uma estrada de terra em precário estado de conservação que
leva até a BR-393, conhecida como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do Aço.

Comércio
Chalé

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth, Fevereiro 2013. f03

540
Situação e ambiência

Chalé

f04

O chalé centenário (f01) situa-se no final da Rua Vasco Ortigão, inserido num dos logradouros com um dos
melhores tratamentos urbanísticos do município: o Largo do Comércio, que tem seus espaços demarcados
por um valioso cruzeiro de pedra ao centro. As demais construções são a Capela de Sant’Anna, um outro
chalé - conhecido como “Casa do Turista”, o posto de saúde, o salão paroquial e a pracinha da comunidade.
A paisagem de fundos é emoldurada por uma mata (fotos 04, 05, 06, 07 e 08). Bem próximo há um
pequeno conjunto habitacional, situado no caminho que vai para as fazendas Guaritá e Campos Elyseos.

f05

Dentre as edificações que compõem o entorno do largo, duas possuíam a mesma tipologia de chalé, mas
um acabou demolido e o outro sofreu descaracterizações significativas, o que torna o exemplar aqui em
estudo uma referência deste estilo tanto na localidade quanto no próprio município (f01).
O casarão foi construído rente à calçada e sua fachada principal posiciona-se numa angulação que se
apresenta em suave perspectiva para quem o avista do largo. Um canteiro frontal separa a entrada social
da entrada de veículos, feita por um portão com cobertura que, apesar de pertencer à casa, é utilizado
como área de lazer, com campinho de futebol, piscina de água corrente natural e outros atrativos.

541
Situação e ambiência

f06

f07

f08

O chalé fica posicionado rente à calçada, assentado sobre um porão baixo (f09). A fachada frontal possui
três janelas de verga reta, distribuídas de forma simétrica, com guilhotina de vidro e postigos de madeira na
parte externa e folhas de madeira cegas abrindo para dentro (f10). Na parte superior do frontão há uma
barra circular de argamassa semelhante a um óculo, elemento típico das residências em estilo chalé,
assinalando o ano de 1882, provável época da inauguração do prédio (f11). A cobertura é feita em duas
águas, protegida por telhas francesas, formando um galbo próximo ao beiral, arrematado por um tabuado
corrido.
542
Descrição Arquitetônica

f09

f11
f10

O acesso principal ao interior do imóvel é feito por um pequeno avarandado lateral, com uma escadaria de
pedra e guarda-corpo de ferro artisticamente trabalhado (f12). Uma antiga dobradiça indica que no local
existia um portão (f13). No patamar, o contorno de pedra aparelhada composta pela soleira delimita um
tapete de ladrilhos hidráulicos (f14). A singela cobertura é toda em chapa galvanizada (f15), assim como o
lambrequim e o acrotério decorativo, e fica apoiada na parede e por dois delgados perfis de ferro (f12 e f15).

f14

f12 f13 f15

543
Descrição Arquitetônica

À esquerda, fica uma murada de pedra com um gradil de ferro batido, que serve para proteger o quintal. O
acesso se faz por um portão ao final da calçada. Um córrego percorre a lateral do terreno, havendo uma
pequena travessia de concreto ligando as duas margens.

f16

f17

A porta principal de acesso ao interior da casa possui duas folhas de madeira maciça, com encaixes, de
verga reta, conduzindo diretamente à ampla sala de estar (f18), onde existem duas portas para os quartos e
outra para a sala de jantar (f20). As portas internas, também com o tom de vinho e as bandeiras, são de
caixilho de vidro. O piso dos ambientes é de tábuas corridas de pinho-de-riga, e o forro, de cedrinho. A
pintura interna revela cores sobrepostas nas caiações desbotadas. Nas salas de estar (f19) e de jantar (f21)
há um friso de florões em molde vazado contornando as paredes na altura da verga.

f18 f20

f19 f21

544
Descrição Arquitetônica

A cozinha foi reformada, e tanto o piso quanto partes da parede foram revestidos com ladrilhos cerâmicos
(f22). O hall e o banheiro também foram reformados, com a instalação de uma báscula metálica. Estes
cômodos receberam laje, em função da construção de mais um pavimento, acessado por uma escada de
perfil metálico (f23). Esse espaço ganhou janelas de venezianas e cobertura de telha plan (f24). Observa-se
também o acréscimo de básculas de Metalon ao lado de uma janela original de madeira (f24).
A antiga porta-janela, situada no hall próximo à cozinha, abre para um varandão (f25), havendo uma escada
interna que conduz ao porão e escadas externas que levam à parte externa do chalé (f26). Observa-se que
esta área avarandada, nos fundos do chalé (com churrasqueira, forno e fogão a lenha, com diferentes
coberturas), foi adaptada para servir como uma extensão da área de lazer (f27).

f22 f23 f24

f25 f26

f27

O porão habitável possui maciças paredes de pedra com 40 cm de largura. As portas são de madeira, com
a instalação de esquadria moderna. Parte do porão está sob o varandão, uma lateral é aberta e o espaço é
utilizado como depósito. Foram construídas colunas de concreto armado e uma laje, e o piso é de cimento
queimado (f27). Não foi possível acessar a parte do porão que fica sob o assoalho da casa.

545
Descrição Arquitetônica

O avarandado metálico é raramente encontrado nos chalés existentes, mesmo em centros urbanos
maiores, como as cidades de Barra do Piraí e Valença. Um dos principais fatores que justificam a presença
deste tipo de construção nessa região semirrural, sem dúvida, foi o convívio com um dos meios de
transporte mais importantes da região, o trem. A arquitetura das construções situadas próximas às linhas
ferroviárias sofreu forte influência do uso dos materiais industrializados.
É provável que a peça tenha sido instalada em outras residências semelhantes e que, ao longo do tempo,
foi sendo substituída. Atualmente, ela pode ser encontrada nas fazendas rurais, geralmente situadas nas
proximidades dos trilhos. Num raio aproximado de três quilômetros, existem algumas casas-sedes de
fazendas cafeeiras com este mesmo anteparo protegendo a portada de entrada: a Santo Antônio, no
caminho para Taboas (f28); a Oriente, no caminho para Barão de Juparanã (f29); e a Guaritá, edificada em
1875 (f30). A sede da fazenda Agilidade (atual Confrarrina-f31) também possuía um avarandado assim, que
foi demolido. Outro local do município que o conservou foi a sede da fazenda Saudade, onde havia uma
parada do trem.

s/d. Fachada da fazenda Santo Antonio, com o avarandado ao centro. Acervo: Julio Cesar Graça Mello. f28

s/d. Avarandado metalico fazenda Oriente. s/d. Avarandado, fazenda do Guaritá. Fonte: s/d. Avarandado da antiga fazenda
Fonte: PIRES, Fernando Tasso Fragoso. PIRES, Fernando Tasso Fragoso. Agilidade. Acervo Museu de História
Fazendas, solares da região cafeeira do Fazendas, solares da região cafeeira do Regional de Rio das Flores.
Brasil imperial. Rio de Janeiro: Editora Brasil imperial. Rio de Janeiro: Ed Nova f31
Nova Fronteira, pag 56. f29 Fronteira, pag 150. f30

Estado de conservação do prédio.


Pelo que se pôde averiguar, não existe nenhum tipo de comprometimento que possa abalar estruturalmente
o prédio. O piso do alpendre sofreu um recalque, trincando a maioria dos ladrilhos hidráulicos (f14).
Algumas áreas estão com emboço aparente e com a pintura está desgastada. Na sala de jantar, observa-se
a sombra de uma pintura decorativa sob a caiação, revelando um friso florido como roda-teto (fotos, 19, 20,
e 21). Muitas esquadrias estão em processo de deterioração, algumas foram substituídas ou estão faltando.
Na fachada lateral, há algumas janelas com folhas de madeira de veneziana (f17 e f24).
O beiral se apresenta bem degradado (f09 e f17). Apesar da ausência de registros iconográficos e textuais,
é provável que ele fosse todo contornado por lambrequins de madeira, elemento típico do estilo chalé.
Na fachada frontal, a instalação de marcadores de energia (f09 e f10) interferiu na plasticidade do conjunto
arquitetônico, assim como a cobertura sobre o muro da fachada lateral. A instalação de básculas de
Metalon e o acréscimo da edificação nos fundos caracterizam intervenções danosas à arquitetura singular
do século XIX. A construção do terceiro pavimento (f17 e f24) interveio irremediavelmente na volumetria da
edificação, alterando a cobertura e as fachadas laterais e dos fundos, como podemos avaliar em uma foto
do chalé, em 2003 (f32 e f33).
546
Histórico

Histórico
Para traduzir o valor da residência de número 45, situada no Largo do Comércio, na lista dos bens culturais
de Rio das Flores é necessário um estudo cronológico. A industrialização da era ferroviária alcançou
máxima representação no município com a ponte metálica sobre o Rio Paraíba do Sul. O estilo chalé
também chegou com o trem a vapor, sendo aplicado nas estações da linha férrea rio-florense, e que se
disseminou na área urbana de Santa Tereza (atual cidade de Rio das Flores) e outras localidades, dentre
elas Comércio e a vizinha Sebastião de Lacerda. O exemplar aqui em análise é o principal representante
direto daquele período dentro do município.
Difundida em fins do século XIX, a arquitetura de chalés está diretamente ligada ao período ferroviário e à
própria evolução da localidade, que pode ser dividida em três momentos.1 O primeiro teve início na década
de 1810, com a construção da Estrada do Commercio, quando a travessia do Rio Paraíba do Sul era feita
por uma balsa, marcando a formação de seu núcleo urbano, constituído por casas, vendas, a recebedoria
alfandegária e, provavelmente, um rancho de tropas. O segundo começou no ano de 1866, com a
inauguração da estação ferroviária de Commercio (pertencente à E. F. D. Pedro II), instalada em Sebastião
de Lacerda (distrito de Vassouras). Com o trem a vapor, as localidades situadas nas duas margens do rio
expandiram-se rapidamente, ainda mantendo a travessia de balsa como meio de ligação entre elas.
Na década seguinte, criou-se o projeto de instalar uma estrada de ferro para atender o território da então
freguesia de Santa Tereza (atual município de Rio das Flores). A companhia tinha, entre seus principais
acionistas, Peregrino José d’América Pinheiro, então Barão, depois Visconde de Ipiabas. Dono de quase
todas as fazendas da região, bem como de imóveis e terrenos na localidade de Comércio, foi o patrocinador
da construção da capela dedicada a Nossa Senhora de Sant’Anna, inaugurada em 1876.
Em 1878, as balsas deram lugar à ponte ferroviária da Estrada de Ferro Commercio e Rio das Flores,
proporcionando à localidade um novo surto de desenvolvimento, sob a liderança de Ipiabas, marcando o
início do segundo ciclo de evolução. O ano inscrito no óculo do frontão (f11) é um indício de que o prédio
ficou pronto em 1882, uma data representativa, quando foi inaugurada a E. F. Commercio e Rio das Flores.

f32 f33
2003. Fachada do chalé, no Largo do Comercio. Autor: Annibal Affonso M. Silva

Segundo relatos dos moradores locais, Ipiabas utilizava seu chalé particular para repouso nos dias de
missas na Capela de Sant’Anna. Ocorre que ele acabou falecendo nos últimos meses do citado ano, sem
poder usufruir plenamente, portanto, de sua nova residência urbana.
A arquitetura em estilo chalé se caracterizou pelo uso de materiais importados, como a madeira pinho-de-
riga e as telhas francesas de Marseille. Os prédios ganharam também decorados lambrequins contornando
o beiral. Um dos destaques ficava por conta da entrada principal das casas, acessado por um avarandado
lateral, feito de pedra lavrada, tendo seu patamar preenchido por piso de ladrilho hidráulico. Algumas
dessas varandas receberam um dos mais representativos elementos da industrialização do período
ferroviário: as pequenas coberturas metálicas. A falta de uma política de proteção ocasionou a perda ou a
descaracterização de muitos exemplares arquitetônicos no município.2 Em Comércio, havia outros dois no
entorno do largo: um foi substituído por uma residência e o outro pertence à prefeitura (tendo sofrido
mudanças significativas). Havia outro exemplar, que na década de 1920 foi adaptado para servir ao Hotel
Commercio, mas sua fachada acabou sendo descaracterizada por volta de meados do século XX.3

1
Além do fichamento individual contido neste inventário, a localidade de Comércio ganhou um estudo semelhante em outro projeto
patrocinado pela SEC-RJ (Edital 015/2010): O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio das Flores.
2
Sebastião de Lacerda (distrito de Vassouras) também ganhou um fichamento individual na publicação citada acima.
3
A década de 1920 marcou o terceiro ciclo de evolução urbana, com a arquitetura eclética e as obras implementadas por Vasco
Ortigão, dentre eles podemos citar o Hotel Commercio e o cruzeiro de pedra instalado no largo da localidade.
547
548
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 05 e 08 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores (citada na referência bibliográfica abaixo).

Nas demais fotos e imagens a origem da fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece
logo abaixo do próprio registro.

Moradora entrevistada para a produção do texto:


Maria José Henriques D’Amato.

Referência bibliográfica

ALBERNAZ, Maria Paula; et. al. Dicionário ilustrado de Arquitetura. 2.ed. São Paulo: Pro Editores, 2009.

BRANDI, Cesare.Teoria da Restauração.Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

KOCK, Wilfield. Dicionários dos estilos arquitetônicos. 2º. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KOOGAN, Abrahão; HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Edições
Delta, [?].

RODRIGUES, Raymundo; et. al. Caderno de conservação preventiva e preservação arquitetônica. Rio
de Janeiro: Instituto Cidade Viva, 2008.

SANTOS, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

Autor desconhecido (possivelmente do setor de propaganda do Parc Royal). Encarte publicitário: Estação
de Commercio: uma cidade que surge. [década de 1920].

Acervo Particular:

COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de existência: 1911-
2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

Páginas Eletrônicas (Internet):


Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

549
550
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Hotel Commercio.

Localização: Município:
Rua Vasco Ortigão, nº 49, 63, 73 e 130, em Comércio, Rio das Flores-RJ.
localidade situada no distrito de Taboas.

Época de construção:
Década de 1920.

Estado de conservação: Hotel


Detalhamento no corpo da ficha.

Uso atual / original:


Residências (05) / Hotel de Vilegiatura.

Proteção existente:
Nenhuma

Propriedade:
Particular
s/d. Planta do sub distrito de Comércio. Fonte Prefeitura Municipal de
Rio das Flores,

Fachada do antigo hotel, situado na Rua Vasco Ortigão. f01


Levantado por: Apoio:
Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.
Nota: Boa parte deste fichamento aproveita o conteúdo publicado no projeto “O legado dos trilhos: Inventário das Estradas de Ferro em Rio
das Flores” patrocinado pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, através do Edital 015/2010.

551
Situação e Ambiência

Comércio

Hotel

Rio Paraíba do Sul

Rio das Flores


Vassouras

Linha Férrea
Estações
Ferroviárias

Sebastião de Lacerda

Imagem gerada pelo Google Earth, Janeiro de 2013. f02

O prédio situa-se em Comércio, localidade às margens do Rio Paraíba do Sul (f02 e f03) e que faz parte do
território do distrito de Taboas, de onde dista 17 quilômetros. O acesso principal é feito pela rodovia RJ-135,
uma estrada de piso de terra. A população utiliza muito o trecho que segue por 17 quilômetros margeando o
rio até o distrito valenciano de Barão de Juparanã. Do outro lado do curso d’água fica Sebastião de Lacerda
(distrito de Vassouras-RJ), uma vila ferroviária que abriga uma gama de prédios com variados estilos
arquitetônicos e que possui um estreito vínculo com a localidade de Comércio. Por ela passa uma estrada
de terra em precário estado de conservação que leva à localidade de Massambará e à BR-393.

f03

552
Descrição arquitetônica

f04

O hotel foi construído na época em que as ferrovias monopolizavam o transporte no Brasil. Seu acesso
principal era pela estação ferroviária, situada em Sebastião de Lacerda (f04), e estava ligado à rede de
hotéis que existia na cidade de Vassouras e arredores nas primeiras décadas do século XX. Tais
empreendimentos foram criados em função da qualidade do clima da região, então considerado um dos
melhores do mundo.

f05

Desde o início do século XXI, quando foi demolido o Hotel Brasil-Itália (que ficava no Centro da cidade de
Rio das Flores), o prédio do Hotel Commercio1 passou a representar o mais importante imóvel histórico do
gênero existente no município onde está instalado. O mesmo está situado na parte esquerda da Rua Vasco
Ortigão (f05), no trecho entre a entrada para a ponte sobre o Rio Paraíba do Sul (f03) e o Largo do Cruzeiro
(f06). Seu terreno termina ao pé de um morro, coberto por uma densa mata que se estende pelas bordas da
localidade (f02 e f03). Ele tem origem em duas construções distintas: um bloco situado na extremidade
direita, rente à calçada, sobre um porão à meia altura (f07), e outro, de linhas ecléticas, implantado ao rés
do chão (f01).

f06

1
Devido a denominações diferentes para se referir ao estabelecimento (como Hotel Comércio e Hotel de Commercio), adotou-se como
correto, para o fichamento, o nome estampado na fachada do prédio: “Hotel Commercio”.
553
Descrição arquitetônica

f07

Todos os espaços do Hotel Commercio servem agora como residência. Sua parte mais antiga
(originalmente em estilo chalé) foi adaptada para servir a hospedaria, e, hoje em dia, dá mostras de estar
subutilizado, aparentando possuir um pé-direito duplo, com o telhado envolvido por uma platibanda (f07 e
f08). O anexo que se observa aos fundos é uma obra feita posteriormente. Sua fachada foi completamente
descaracterizada, após perder o frontão e os esbeltos pilares de sustentação da varanda (f08). Este setor
possui a entrada pelo terreno lateral, delimitada por grades e portão de ferro fundido (f12). Por meio de uma
escadaria, chega-se ao nível da varanda, guarnecida por um guarda-corpo de alvenaria vazada e quatro
vãos arqueados formando um frontispício sobre pilares de alvenaria que sustentam a cobertura em uma
água. As esquadrias de verga reta abrem-se por meio de folhas de madeira cega, e as janelas laterais são
amparadas por bandeira de caixilho de vidro.

f08

A outra parte do imóvel estende-se lateralmente à esquerda, bem na divisa com o passeio (f01 e f09). Os
dois vãos emoldurados por alizar de pedra lavrada fazem o anteparo de duas portas em madeira
almofadada complementadas com bandeiras de vidro (f13 e f16), que formam a entrada original do hotel,
abrindo-se para um amplo salão com piso em ladrilho hidráulico. A segmentação dos espaços internos para
a formação de moradias causou prejuízos à sua aparência, pois as reformas individualizadas não levaram
em consideração o conjunto de valores estéticos do imóvel como um todo.

554
Descrição arquitetônica

Além da aplicação de pinturas diferenciadas, nota-se que um dos vãos de janela virou porta (f14), sendo
visíveis as emendas das tábuas nas duas folhas da esquadria junto à soleira. O avarandado metálico
instalado sobre a calçada interfere na visibilidade das portas e prejudica a visão da platibanda arqueada que
marca o acesso ao hall de entrada do antigo hotel (f10 e f16).

f09 f10

A fruição da frontaria também ficou prejudicada, com o avanço de um muro sobre o passeio público se
estendendo pelas fachadas de duas residências (f11 e f17). A alteração de maior impacto que o conjunto
eclético sofreu foi com a abertura de um amplo rasgo para embutir uma varanda (f17). Esta ação
comprometeu seus atributos arquitetônicos, rompendo com a série ritmada de janelas. Apesar de não ter
interferido na moldura que percorre a platibanda, a inscrição em alto relevo com o nome do estabelecimento
– “Hotel Commercio” – encontra-se agora praticamente apagada.2

f11

Mesmo assim ainda foi possível fazer a leitura da fachada original, uma vez que o restante de sua estrutura
simbólica não foi alterado, como se percebe na modenatura da platibanda, bem como na cimalha, nos
ornatos e nos frisos em alto-relevo que os ornamentam (fotos 18 a 23). As portas e janelas em madeira
estão preservadas e conjugam folhas de abrir e anteparos na parte superior em bandeira de vidro, sendo
que as janelas possuem caixilharia de vidro, venezianas e postigos (f13 e f15). Mesmo sem acesso aos
cômodos íntimos do imóvel, pode-se supor que ocorreram modificações nos ambientes quando foram
adaptados para moradia. Se o antigo hall conserva suas dimensões originais, o mesmo não se pode dizer
das demais dependências, que abrigavam a cozinha do hotel e os quartos de hóspedes. Como em cada
residência provavelmente foram instalados pelo menos um banheiro e uma cozinha, a distribuição original
pode ter passado por uma significativa intervenção.

2
Quem se dispuser a procurar o letreiro irá encontrar cerca de duas letras, sem muitas condições de visibilidade.
555
Descrição arquitetônica

f12 f13 f14 f15

f16

f17

f19
f18 f20

f21 f22 f23

556
Descrição arquitetônica

f24
s/d. Hotel Commercio com sua fachada sem alterações. Acervo: Maria José Henriques D´Amato.

Posicionado no alinhamento da calçada (f01), sua arquitetura é fruto de um prédio pré-existente


(semelhante às duas edificações localizadas no Largo do Cruzeiro),3 com um prolongamento lateral,
representante do ecletismo difundido nas casas geminadas e em outros imóveis da localidade vizinha de
Sebastião de Lacerda (f25).

f25
Dácada 1920. Fachada da escola em Sebastião de Lacerda, construída por Vasco Ortigão.
Acervo: Encarte publicitário de Commercio.

O conjunto nasceu da conjugação de um prédio reformado com um novo imóvel, que, apesar da distinção
volumétrica de estilos, manteve uma harmoniosa composição arquitetônica entre as duas edificações (f24).
A extremidade direita era marcada por um prédio estilo chalé, com porão a meia altura, pé-direito duplo,
frontão com óculo de dupla vazadura circular e cobertura de duas águas, contornada por lambrequim e
arrematada por um acrotério (f29). É possível que a varanda com pilares de madeira de seção esbelta e
gradilhado em alvenaria (f35) tenha sido um acréscimo feito pelo próprio hotel.
O outro setor desenvolve-se num bloco retangular longilíneo ao rés do chão, originalmente com cobertura
em três águas de telhas francesas, substituídas atualmente em algumas partes por telhas de fibrocimento.
A platibanda percorre toda sua extensão, alternando séries escalonadas com recortes e ornamentos que
conferem movimento e uma rica plasticidade ao topo e estão distribuídos em quatro ornatos em pinaretes
com cume cilíndrico (fotos 16 a 23). Esta conjugação produziu um belo efeito visual, destacando-se o
coroamento sobre as portas de acesso, perfazendo um pequeno pórtico, tendo um semicírculo preenchido
por um ornato em forma de leque (f23). Outro ponto de especial atenção é o frontispício da platibanda
central, onde estava grafado em alto-relevo o nome “Hotel Commercio”. As extremidades ainda preservam
as formas geométricas representadas pela interligação de cinco anéis circulares (f21 e f22).

3
Um dos chalés situados no Largo do Cruzeiro ganhou um fichamento individual neste inventário.
557
Estado de Conservação

A análise do prédio limitou-se à sua fachada principal. O bloco do antigo chalé apresenta pontos que
necessitam de conservação. Sua cobertura foi modificada, com a redução da altura do telhado, onde se
construiu a platibanda que contorna seu perímetro (f07). As colunas de madeira da varanda (f29) foram
substituídas por pilares de concreto (f08), causando-lhe mais descaraterizações. Estas intervenções na
cobertura ocorreram provavelmente quando o hotel já havia sido fechado, modificando sua arquitetura
original como chalé e prejudicando a volumetria de todo o conjunto, elaborada na época da sua
inauguração.

2011. Levantamento da fachada original do Hotel Commercio. Autor: Annibal Affonso M. Silva. f26

Na parte de sua fachada eclética (f11), nota-se a presença de equipamentos modernos, que, além de
comprometer sua visibilidade, podem ocasionar degradação da alvenaria, bem como uma umidade
descendente devido ao acúmulo de água pluvial. É o caso da antena de rádio e da parabólica. A platibanda
sofreu uma abertura para instalação de tubos de PVC, que substituíram os antigos buzinotes responsáveis
por lançar as águas da calha no passeio público (f27).

f27 f28

Chamam a atenção as descaracterizações. Se o avarandado metálico (f10 e f16), o quadro de luz e a


aplicação de pintura sem uma uniformidade cromática não aparentam oferecer maiores problemas numa
futura recuperação dos valores artísticos do prédio, o mesmo não se pode dizer da retirada do nome do
estabelecimento e do rasgo feito na fachada para instalar a varanda (f17 e f28), onde será necessário um
trabalho aprimorado de recuperação de sua primorosa arquitetura eclética.

558
Histórico

Histórico
Fundado pelo comendador Vasco Ortigão,4 a existência da antiga hospedaria muito se deu em função da
linha ferroviária situada na margem oposta do Rio Paraíba do Sul, em Sebastião de Lacerda (distrito de
Vassouras-RJ). Além da ferrovia, o empreendimento teve sua origem atrelada ao excelente clima da região
- fator que motivou a construção de estabelecimentos semelhantes na cidade vizinha de Vassouras
naquela época, que buscavam atrair hóspedes, principalmente da cidade do Rio de Janeiro (então capital
federal), para desfrutarem de uma saudável qualidade de vida.
Ao chegar à região, Vasco Ortigão comprou uma ampla faixa de terra às margens do Rio Paraíba do Sul,
que ia desde as proximidades de Barão de Juparanã até Comércio (distrito de Valença-RJ).5 Na área
urbana de Comércio, Vasco Ortigão executou grandes melhorias, como abastecimento de água e instalação
de galerias pluviais na rua que hoje o homenageia. Também realizou melhorias na vizinha Sebastião de
Lacerda: remodelou as fachadas das lojas voltadas para a linha férrea, dando-lhes uma feição eclética, e
edificou um prédio que serviu como escola (f25), seguindo a mesma linhagem arquitetônica do hotel, mas
que acabou demolido na década de 1970.

s/d (provavelmente década de 1930). Fachada do hotel, formada por dois blocos de estilos diferenciados.
Acervo: Maria José Henriques D’Amato. f29

O hotel acabou se tornando uma das principais benfeitorias do lugar, e foi construído no local de um prédio
que conjugava residência e armazém, onde morou o mascate Pedro Miguel (que iniciou a formação urbana
da localidade) e sua esposa, filha de um rico fazendeiro. Sua inauguração ocorreu na época que a ferrovia
que conectava a localidade com o restante do atual município de Rio das Flores estava sendo extinta.6
Quanto ao projeto arquitetônico e sua construção, é possível que tenha havido participação do engenheiro
Edmundo Lousach, que fora contratado por Vasco Ortigão para gerenciar as obras da localidade.
O Hotel Commercio atendia mais ao fluxo de pessoas que chegavam pela Estrada de Ferro Central do
Brasil, desembarcando na estação ferroviária existente em Sebastião de Lacerda. O hotel mantinha uma
ligação estreita com a região de Vassouras. Na década de 1920, ele mereceu destaque nas páginas de
uma publicação sobre aquele município.7

4
Nascido em Portugal, no ano de 1860, José Vasco Ramalho Ortigão era filho do renomado escritor português José Duarte Ramalho
Ortigão. Ligado a alta sociedade carioca da época, Vasco Ortigão administrou o Parc Royal durante seu apogeu. Tratava-se de um dos
principais Magazines de modas e confecções do Rio de Janeiro, fundado na década de 1870. O estabelecimento possuía uma
quantidade imensa de seções e vendia desde produtos a preços populares a peças de alta costura importadas de Paris, onde possuía
um escritório. Teve filiais nas cidades mineiras de Belo Horizonte e Juiz de Fora (na Rua Halfeld). Em 1906, período da belle époque
carioca, foi instalado na majestosa Avenida Central (principal via da então capital federal) os Armazéns Au Parc Royal. O comerciante
faleceu em 1932 e em 1943 a loja encerrou suas atividades de forma trágica, após um incêndio consumir sua matriz, situada na atual
Rua Ramalho Ortigão (ex-Travessa São Francisco de Paula).
5
Dentre elas, destacava-se a fazenda Santa Emília, que servia como colônia de férias dos funcionários do Parc Royal.
6
Inaugurada em 1882, a estrada de ferro para o município de Rio das Flores saía da atual localidade de Sebastião de Lacerda,
atravessava a ponte e seguia de Comércio até Taboas. Segundo pesquisas, esta seção foi extinta na década de 1910, deixando a
localidade isolada de seu município. O leito do trem serve hoje como estrada de acesso (rodovia RJ-115) até Taboas.
7
As informações sobre as melhorias realizadas por Vasco Ortigão em Sebastião de Lacerda estão registradas numa coletânea de
textos históricos, onde consta a publicação O Brazil Próspero, série Os Municípios Fluminenses: Vassouras, nº 01, edições Hugo Leal,
Rio de Janeiro, 1926.
559
Histórico

Vasco Ortigão patrocinou um livreto sobre as localidades, adotando a mesma estratégia utilizada no Parc
Royal, que investia maciçamente em materiais publicitários.8 A capa trazia uma imagem figurativa com o
título “Estação de Commercio uma cidade que surge”. O texto ressaltava os novos empreendimentos e as
qualidades do lugar, procurando contribuir para que a localidade se tornasse um importante polo turístico:

“ Commercio, aprazível localidade, a 3 horas da capital, . . . , apresenta por sua


climatologia as mais benéficas características de estação de villegiatura e de descanso . .
.Excursões e passeios podem ser facilmente emprehendidos a locais aprazíveis, fazendas
ou cidades vizinhas, como Parayba do Sul, Vassouras, Valença, etc.”

O hotel ganhou destaque na publicação. A preocupação com a higiene se fazia necessária naqueles
tempos, para tranquilizar e até mesmo atrair os turistas das áreas urbanas (f30). Um dos cuidados adotados
com relação à saúde pública foi equipar o prédio com importantes avanços que a construção civil começara
a absorver, como instalações elétricas e hidráulicas e banheiros internos (mesmo sendo coletivos, isto
significava uma grande novidade na época).

f30
s/d (época provável década de 1920). Fonte: Encarte publicitário de Commercio.

Também foi lançado um folhetim, com imagens e textos semelhantes as do encarte. Uma página cita as
qualidades da localidade e a outra era específica do Hotel Commercio9, constando que os interessados
podiam se dirigir tanto ao gerente do hotel ou ao senhor Albano Fonseca, no Parc Royal (Rio de Janeiro).

f31 f32
s/d (época provável década de 1920). Ambientes internos do hotel. Fonte: Encarte publicitário de Commercio.

As portas de acesso ao interior do prédio levavam ao hall. À esquerda, havia uma abertura arqueada para a
sala de refeições (f31) que, segundo relatos dos antigos moradores, era abastecida por ampla cozinha,
onde havia um imenso fogão a lenha. Os quartos de hóspedes dividiam-se em dois setores. No bloco à
direita do hall (o antigo chalé), ficavam os quartos mais requintados (quatro, no total). O acesso principal era
por uma escadaria de madeira situada no hall do hotel. Já a extremidade esquerda abrigava os quartos para
atender o público de condições econômicas mais modestas (f32).
Sua estrutura contava com um amplo parque à frente, situado entre a rua e as margens do Rio Paraíba do
Sul. Totalmente livre de construções, era um espaço privilegiado, composto por um extenso gramado com
8
O folheto possui 24 paginas. Sua capa, ambientada na área à beira rio e na ponte metálica, aparece na pagina 471 deste inventário
(fichamento da localidade de Comércio) e foi criada pelo português Manoel de Mora, que trabalhava no estúdio do Parc Royal. O artista
imprimiu um traço peculiar em suas obras, inserindo figuras e paisagens sofisticadas nos anúncios da famosa loja. No encarte do Hotel
Commercio ele utilizou a mesma identidade visual dos catálogos cariocas, mantendo sua assinatura e o nome do Parc Royal abaixo.
9
A senhora Maria Cecília Costa guarda um folhetim, o mesmo era distribuído na estação de trem de Sebastião de Lacerda.
560
Histórico

tratamento paisagístico, com árvores de porte médio, 10 flores e equipamentos, como bancos, oferecendo
aos hóspedes uma área de convívio social para atividades diversas, como equitação e pescaria, ou apenas
11
para a apreciação da paisagem, que, na época, contava com a imponente ponte metálica sobre o rio (f33).
Apesar de continuar presente no imaginário de muitas pessoas, não foi possível coletar maiores
informações a respeito do seu funcionamento. Os moradores mais antigos descrevem alguns episódios que
presenciaram ou que foram passados por seus ascendentes. Houve ocasiões em que algumas famílias
alugaram os ambientes para eventos, como bailes e festas de casamento. Foi citado também que ele
chegou a ser um dos mais importantes hotéis da região, possuindo estrutura física e atendimento
equiparados aos de classe semelhante existentes na cidade do Rio de Janeiro. O estabelecimento era
“muito concorrido”, possuía um ambiente alegre, as pessoas que o frequentavam eram selecionadas, de
hábitos refinados. Seu hóspede mais conhecido foi o presidente da República Costa e Silva, que, por
ocasião de sua lua de mel (quando era um cadete) ficou no hotel.

Prédio do Hotel

f33
2013. Panorâmica, de onde se a esquerda a área do parque, às margens do rio, e à direita o hotel. Imagem gerada pelo Google Earth.

f34 f35
Contra capa do encarte, ilustrando a fachada e um grupo de pessoas usufruindo o parque fronteiriço.
Imagens acima: s/d (época provável década de 1920). Fonte: Encarte publicitário de Commercio.

Em agosto de 2003, um jornal turístico do município entrevistou a senhora Maria de Lourdes Guacury Cesar
(também conhecida como Dona Nhazinha), que contava com 96 anos de idade e conheceu o hotel em sua
época de esplendor.12 Vem de seu depoimento a data mais precisa da época de inauguração:

“O Hotel de Comércio . . . foi construído por Vasco Ortigão. Dancei muito lá. Era um hotel muito
bem arrumado. O Ortigão tinha muito dinheiro e bom gosto. O hotel só era frequentado por gente
fina. As senhoras vinham do Rio no fim de semana encontrar-se com os maridos. O Hotel de
Comércio foi construído por volta de 1920.”

10
De acordo com as imagens e o texto contido no encarte e no folhetim, percebe-se que havia muitas mangueiras nesta área.
11
Para mais informações a respeito da ponte do Commercio, consultar seu fichamento individual, neste inventário.
12
Apesar de considerar correto o nome “Hotel Commercio”, foi mantida a grafia utilizada na fonte pesquisada.
561
Histórico

f36
1929. Almoço no Hotel Commercio, oferecido a Vasco Ortigão e a seu filho, José Ortigão. Fonte: Revista O Malho, 26 janeiro 1929,
n.1.376. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116300&PagFis=15290&Pesq=rio das flores>.

Em 2011, sua irmã - Nair Henriques Guacury, então com cem anos de idade, prestou um relato de sua
época de criança na localidade:

“Minha ligação com o hotel começou com o Vasco Ortigão. Apesar de ser uma criança na época,
lembro-me dele, gostava muito de brincar comigo. Ele era uma pessoa progressista, apaixonou-se
pelo lugar e queria transformar Comércio numa “cidadezinha”. Por isso construiu o hotel, que
era muito bem frequentado e possuía um ambiente muito alegre. Como a localidade tinha um
excelente clima, vinha muita gente do Rio de Janeiro. Para gerenciá-lo ele colocou um
funcionário do Parc Royal, o sr. Castro, e sua sogra, dona Ercília.”
“Dos hóspedes, lembro-me da madame Penélope, uma italiana, acho que morava no Rio de
Janeiro. Ela sempre vinha se hospedar no hotel, gostava de me levar para passear na localidade.”
“Por volta de 1936, minha família foi um dos arrendatários do hotel, mas ficou pouco tempo com
o negócio.”

Por ocasião do centenário de dona Nair, sua filha produziu um livro com textos manuscritos e imagens
históricas. O Hotel mereceu destaque na obra familiar, alguns trechos reproduzimos a seguir (f37 e f38):

Dec 1920/1930. f37 Dec 1930. f38


Acervo: COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de existência:
1911-2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

562
Histórico

O arrendamento ocorreu devido a problemas de saúde do seu proprietário, Vasco Ortigão faleceu no ano de
1932 e segundo moradores locais ele transferiu a administração para um parente. Sua filha, Maria Amélia
Ortigão, continuou frequentando o lugar. Ela morava em Laranjeiras, bairro da cidade do Rio de Janeiro.
Tempos depois, o estabelecimento foi passando para pessoas interessadas em explorá-lo.13 Uma
propaganda daquela época (f39) mostra que o hotel procurou manter uma forte relação com a cidade do Rio
de Janeiro, deixando claro que o principal acesso para se chegar ao lugar continuava sendo a linha férrea
central e a estação ferroviária de Sebastião de Lacerda (f40).

f39
1936. Propaganda do Hotel Commercio, junto com outro estabelecimento, num jornal de Vassouras.
Fonte: Arquivo Publico Municipal de Vassouras-RJ, jornal Correio de Vassouras, ano I, 1936, nº 15 e nº 16.

Enquanto a ferrovia se manteve como o principal meio de transporte do país, o hotel foi um importante
atrativo para as localidades vizinhas. No dia 21 de novembro de 1948, o semanário Correio de Vassouras
publicou matéria a respeito do abandono das estradas de ferro, condição esta que levou o hotel a um
estado de penúria:

“Comércio e Sebastião de Lacerda, que estavam tornando-se conhecidas como excelente estação
de veraneio, pelo bom clima que possuem, sofreram tanto, que até um ótimo hotel que lá existia
está praticamente desaparecido.”

Segundo relatos de alguns moradores, ele fechou as portas por volta de meados da década de 1950, época
em que um dos lances da ponte metálica caiu no Rio Paraíba do Sul, causando prejuízos a ambas
localidades. Segundo as pesquisas com moradores locais, seu fechamento foi motivado mais por questões
particulares do último arrendatário do que pela falta de hóspedes. É possível que, se tivesse se mantido em
atividade, viesse a sofrer problemas financeiros a partir de meados da década de 1970 quando foi extinto o
trem de passageiros, o que causou prejuízos tanto para a vizinha Sebastião de Lacerda quanto para a
localidade de Comércio. Desde então, ambas as localidades passaram por um processo de esvaziamento
populacional, ficando isoladas (até hoje não receberam investimentos rodoviários suficientes, tendo acesso
por estrada de terra e sendo atendidas por um precário serviço de ônibus). Atualmente, os espaços do
bloco de arquitetura eclética foram subdivididos em quatro residências. O antigo bloco, em estilo chalé,
também virou casa. Já o terreno fronteiriço situado do outro lado da rua, onde ficava o parque, foi loteado e
ocupado por imóveis residenciais unifamiliares.

f39
s/d (entre as décadas de 1930 e 1940). Propaganda do Hotel, do arrendatário Cancella & Cia. Acervo: Maria José Henriques D’Amato.

13
Entre os arrendatários do hotel estavam o sr. Castro, Raul Cancela, Albino Silvares (empregado do Parc Royal), Francisco Guacury
e Mariquinha Braga.
563
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:

As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

As fotos 01, 07, 08 e 11 até a 23 foram utilizadas na publicação O Legado dos trilhos: inventário das
estradas de ferro em Rio das Flores (citada na referência bibliográfica abaixo).

Nas demais fotos e imagens a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Moradores entrevistados para a produção do texto:

José Halfeld Alves (Sr. Zezé).


Maria José Henriques D’Amato.
Therezinha Coelho de Mello.

Referências Bibliográficas:

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Kuhl. Cotia – SP: Ateliê Editorial, 2004.

CURY, Isabelle (Org.). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: Iphan, 2000.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.

GORBERG, Marissa. Parc Royal: um magazine na belle époque carioca. Rio de Janeiro: G. Ermakoff,
2013.

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio das Flores Um Século de História. Niterói
– RJ: Imprensa Oficial, 1990.

LEAL, Hugo, SILVEIRA, O. B da (diretores). O Brazil Próspero, série Os Municípios Fluminenses.


Vassouras, nº 01. Rio de Janeiro: Edições Hugo Leal, 1926.

SILVA, Annibal Affonso Magalhães da (Coord.). O Legado dos trilhos: inventário das estradas de ferro
em Rio das Flores. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro/ INEPAC. Rio das
Flores - RJ: Edição do Autor, 2011.

TURISMO, Associação Rioflorense de. Jornal Flores-Tur. Ano 01, nº 10, agosto, p. 08. Rio das Flores,
Gráfica Santa Tereza, 2003.

Autor desconhecido (possivelmente do setor de propaganda do Parc Royal). Encarte publicitário: Estação
de Commercio: uma cidade que surge. [década de 1920].

Acervo Particular:

COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de existência: 1911-
2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

Arquivos consultados:
Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.
- Jornal Correio de Vassouras, ano I, 1936, nº 15 e 16; ano XII, 1948, nº 628.

Consultas Online.

Acesso ao <www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

Acervo da revista O Malho, disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro
de 2013.

564
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de São Pedro

Localização: Município:
Abarracamento, 4º distrito Rio das Flores

Época de construção:
Ano de 1893.

Estado de conservação:
No corpo da ficha

Uso atual/Original:
Templo de celebração religiosa

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento

Propriedade:
Mitra Diocesana de Valença

Mapa Rodoviário, 1995. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores

Fachada da Capela de São Pedro. f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

565
Situação e ambiência

Rio das Flores

Abarracamento

BR-393
393

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f02

O principal acesso para se chegar à sede do distrito do Abarracamento é a RJ-135, uma rodovia estadual
que liga a cidade de Rio das Flores à BR-393, também conhecida como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do
Aço. O percurso de 28,5km é feito em leito de terra batida e vem sendo preparado para receber uma
camada de asfalto.
Do Centro de Rio das Flores até o povoado são 12,2km, enquanto que a distância, para quem se encontra
na BR-393, é de 16,3km.

Capela

Rio das Flores

BR-393
393

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f03

566
Situação e ambiência

A viagem começa na cidade de Rio das Flores. Os primeiros quilômetros são em subida, e, depois, a
estrada adentra a área rural do município, onde a paisagem é de morros tomados por pastagem e alguns
grotões remanescentes de Mata Atlântica. No caminho, avistam-se antigas fazendas, sítios e velhas casas
de colono (muitas desocupadas). Em certo momento aparece, encravado num pequeno vale, um prédio
fechado, conhecido como “Venda do Belém” (f04), que foi um importante estabelecimento comercial na
região.

f04

Após 10km, a estrada passa por um agrupamento de casas. O local é marcado por uma lenda em torno da
“Escrava Tereza”. Cerca de dois quilômetros à frente, chega-se à secular capela, inserida num diminuto
núcleo urbano, construído pela prefeitura há cerca de dez anos, que abriga um conjunto de casas de padrão
popular, um galpão onde funciona uma cooperativa de costura, uma quadra poliesportiva e a praça
comunitária, todos erguidos pela prefeitura. A capela e o cemitério, que fica mais afastado, do lado oposto
da estrada, revelam que este ponto marca o núcleo histórico do 4º distrito rio-florense, inserido num vale
cercado de morros, onde se veem roçados, pastos e pequenas matas e, próximo às construções, uma
plantação de eucalipto e um milharal (f05).

f05
567
Descrição arquitetônica

f06

f07

A implantação do loteamento deixou a capela posicionada na curva da via interna (f06). Sua fachada frontal
pode ser vista ao longo da rua que margeia a quadra poliesportiva e a praça (f07). Apesar de não ter
recebido um tratamento urbano adequado, como um largo frontal, durante o levantamento foi possível
constatar que sua escadaria de pedras talhadas é utilizada como ponto de encontro dos moradores. O
prédio possui um terreno gramado no qual há um barracão de alvenaria dotado de banheiros e cozinha e
que é utilizado nas festas religiosas, quando acontecem os leilões de prendas e de gado (f08 e f09).

f08
568
Descrição arquitetônica

O templo religioso tem embasamento de pedras, revestido com chapisco, formando um porão baixo. As
paredes são caiadas de branco, e as esquadrias, pintadas de azul (f09). Sua volumetria é composta de dois
blocos: o maior fica no segmento frontal e abriga a nave e o coro. A parte posterior comporta a capela-mor e
a sacristia (fotos 10, 12, 13 e 14). A cobertura possui duas águas e é protegida por telhas francesas (que
provavelmente substituíram as anteriores, de capa e bica), e os caibros são os tradicionais (de madeira
roliça). O beiral é revestido com tábua corrida, e, na cumeeira, uma cruz de metal complementa a fachada.
O acesso pela fachada principal é antecedido pela escadaria de pedra lavrada (f09). A portada se abre em
duas folhas de madeira maciça almofadadas. Acima ficam as três janelas do coro, que têm folhas de abrir
com caixilho de vidro (f10). Todas as esquadrias da fachada frontal possuem verga reta.

f09

f10 f11

f12 f13

569
Descrição arquitetônica

Cabe mencionar que a capela não possui torre sineira. No frontão se destaca um pequeno sino (f11) com
cobertura de telha e suporte revestido de madeira. Logo acima ficam dois óculos, que oferecem iluminação
e ventilação ao interior do prédio (f10).
A capela apresenta duas entradas secundárias, instaladas nas laterais da nave, ambas com folhas de
madeira, arrematadas com verga reta (f14 e f15). O bloco de fundos, onde ficam o altar e a sacristia, possui
janelas de madeira nas laterais, com postigos de vidro e acabamento em arco (f16). A janela na fachada de
fundos é de ferro, com verga reta, e possivelmente substituiu um modelo semelhante ao que existe nas
laterais (f17).

f14

f16 f17

f15

Na entrada da nave central, esbeltos pilares de madeira sustentam o piso do coro (f18 e f19), sendo este
um elemento revestido de grande autenticidade, por conservar o forro modelo saia e blusa (f20) e o tabuado
do piso, bem como uma rústica escada de madeira (f21), delimitada por um guarda-corpo formado por um
gradil, também de madeira, que segue até o nível superior do coro (f20).
O forro da nave é de gamela (f19), preenchido por lâminas de PVC, material artificial instalado durante uma
intervenção realizada anos atrás e que veio substituir o forro de madeira, que devia ser semelhante ao que
ficou conservado na base do coro (f20).
570
Descrição arquitetônica

f18 f19

f20 f21

f22 f23

Além do forro, o piso anterior da nave também foi trocado, estando agora revestido com placas de ardósia
(f21). Anteriormente, o assoalho era de madeira pinho-de-riga, conforme se vê no coro e no altar (fotos 22,
23 e 24). Um arco cruzeiro delimita o espaço, que tem dois níveis (f22). O retábulo é formado por três
nichos em arco pleno (f23) e consolos sustentando várias imagens (f25), e é ressaltado por alisares em
massa, coloridos com o azul del rey, assim como frisos, caixonetes e esquadrias. As portas nas laterais (f26
e f27) levam à sacristia, ambiente que também conserva o piso de madeira (f28).

571
Descrição arquitetônica

f24 f25

f26 f27 f28

Apesar de haver uma rachadura na parte dos fundos, a capela não aparenta danos visíveis que possam vir
a comprometer de imediato sua integridade. As paredes apresentam sujidade, com infiltração descendente
na sacristia (f26). O beiral e algumas esquadrias estão em processo de deterioração. No embasamento, há
intumescimento do emboço e infiltração ascendente. O interior está bem conservado, mas foi
descaracterizado, com a substituição do forro e do assoalho antigos por materiais contemporâneos.

f29

Registramos aqui que as intervenções realizadas ao longo do tempo para salvaguardar este rico e quase
extinto patrimônio rural são uma prova do valor que a comunidade dá a seu bem. No entanto, há de se
lamentar a ausência de um acompanhamento técnico, em que orientações básicas de valorização,
preservação e até de restauro do material de construção seriam de enorme valia, pois estas joias seculares
da arquitetura regional estariam, de certa forma, sendo poupadas de tantas descaracterizações.
Salientamos também que a recente conformação do núcleo urbano não privilegiou a implantação da
centenária capela, já que esta era a única construção existente no local (f30), comprometendo sua
paisagem de entorno e suas visadas.
572
Histórico

f30
s/d. Capela de São Pedro do Abarracamento. Acervo: Adriano Novaes

Histórico
A capela de São Pedro do Abarracamento foi edificada no final do século XIX em terras da fazenda de
mesmo nome, de propriedade do casal Francisco Gonçalves Portugal e Inocência Francisca Julia. Em
1893, o citado casal fez doação para mitra Diocesana, do terreno no entorno da Capela, para formação do
“patrimônio do santo”, bem como para a construção de um cemitério.
Sua origem se assemelha a dos demais templos religiosos que surgiram no território do município, em meio
às mudanças ocasionadas pela abolição da escravidão (1888) e o declínio da cultura cafeeira. Em 1900 o
atual município de Rio das Flores possuía 18 mil habitantes, sendo que cerca de mil moravam na sede.
Acredita-se que grande parte da população era constituída por ex-escravos, que após a libertação foram
trabalhar como colonos nas fazendas, agora adaptadas para pecuária leiteira. A concentração das pessoas
na área rural levou ao desenvolvimento e a criação de pequenas nucleações (também conhecidas como
arraiais), onde havia comércio, escola, cartório, cemitério e capela.1

Década de 1970. Fotografia da fazenda de São Pedro do Abarracamento (já foi demolida), na qual foi edificada
a capela e posteriormente desmembrada parte das terras da capela e cemitério. Acervo: Edna de Castro. f31

1
Entre as localidades com suas respectivas capelas citamos: Porto Velho - S. Sebastião; Bela Vista (Tapinhoã) - S. João Nepomuceno
(1886); Barreiro - S. Lourenço (aberta ao culto em 1907); Paciello - S. Antônio (1900); Abarracamento - S. Pedro (edificada por volta de
1890); Bom Jardim – S. João Batista (edificada por volta de 1885); Cachoeira do Funil - S. Sebastião (terreno doado em 1903);
Formoso - S. Benedito (edificada por volta de 1890) e Torres - S. Sebastião e N. S. Aparecida (aberta provavelmente em 1887).
573
Histórico

O local da Fazenda do Abarracamento era conhecido desde princípios do século XIX, quando da abertura
da Estrada denominada “Caminho do Rio Preto” construída por José Rodrigues da Cruz em 1801.
Importante via de acesso da região esta Estrada fazia a ligação da localidade de São Sebastião do
Barreado (distrito de Santa Bárbara do Monte Verde-MG), na divisa com a província de Minas, com o Porto
de Ubá, nas margens do Rio Paraíba do Sul. Posteriormente, nas proximidades da Fazenda de São Pedro
do Abarracamento, na bifurcação da citada Estrada com o Caminho para o Porto Velho foi construída um
venda para atender os tropeiros e passantes, que deu ao lugar o nome de “vendinha”.

1943. Cartaz da festa de São Pedro, em 1943. Acervo: 2012. Cartaz da festa religiosa no Abarracamento, em 2012
Museu História Regional de Rio das Flores. f32 Acervo: Paróquia de Santa Thereza D’Ávila. f33

Durante os trabalhos, foram coletadas informações relativas à Capela de São Pedro, por meio de
entrevistas com Rosângela dos Santos e seu pai, o senhor José Irani dos Santos, antigo morador do
lugarejo. Ele vem acompanhando reformas pelo qual o prédio passou, recorda que seu pai ajudou nas
obras de recuperação da capela e que em certa época ela estava em ruínas, momento em suas paredes
foram substituídas por alvenaria de tijolo cerâmico queimado.
Relatou ainda que existia um grande sino, que ficava pendente em um tripé, bem ao lado da capela, e que
não sabe dizer qual foi o seu destino. O presente inventário conseguiu informações da existência de sino
externo na capela de São João (também no Abarracamento, por meio de relato oral), bem como registro
iconográfico do que existia ao lado da primitiva capela de Nossa Senhora Aparecida, no distrito de Manuel
Duarte.
A Capela de São José de Taboas é a única que apresenta torre sineira externa, sendo um elemento raro
nos templos religiosos da região. 2
A partir da segunda metade do século XX, a localidade do Abarracamento sofreu com o êxodo rural,
tornando-se o território do município de Rio das Flores que mais perdeu população. Situação que começou
a se reverter na última década, quando a capela de São Pedro teve sua paisagem alterada a partir da
década de 2005 com a construção de um conjunto habitacional no seu entorno (f05), visando oferecer
moradia aos colonos das fazendas e dos sítios das redondezas. Atualmente, a paróquia de Santa Thereza
D’Ávila realiza missas uma vez por mês na capela, sempre no 2º domingo, iniciando às 16 horas.

2
As capelas de Nossa Senhora Aparecida (situada em Manuel Duarte), a de São José (em Taboas) ganharam um fichamento
específico neste inventário. O mesmo vale para as capelinhas que existem da zona rural: São João Nepomuceno, Barreiro, Paciello,
Cachoeira do Funil (São Sebastião) e Torres (São Sebastião e N. S. Aparecida).

574
575
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Morador entrevistado para a produção do texto:

Rosângela dos Santos

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576
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Secretaria de Estado de Cultura – RJ

Denominação:
Capela de São João Batista

Localização: Município:
Distrito do Abarracamento Rio das Flores

Época de construção:
Aberta ao público em 24 de agosto de 1885

Uso atual/Original:
Templo de celebração religiosa

Proteção existente/Proposta:
Nenhuma/Tombamento

Propriedade:
Sem informações

1995, Mapa Rodoviário. Fonte: Prefeitura Municipal de Rio das Flores

f01

Levantado por: Apoio:


Annibal Affonso Magalhães da Silva (coordenador). Escritório Técnico Regional INEPAC/Médio Paraíba:
Luiz Fernando Nascimento e Rita de Fátima Machado Vilela. Adriano Novaes e Sonia Mautone Rachid.
Data: Entre os anos de 2012 e 2013. Revisão: José Roberto M. Ribeiro.

577
Situação e ambiência

Petrobras

Rio das Flores CAPELA

Abarracamento

Rio Paraíba Sul

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f02

Situada nas terras do distrito do Abarracamento, a capela de São João tem como principal acesso a RJ-
135, uma rodovia estadual de piso de terra, com 28,5km de extensão, que liga a cidade de Rio das Flores à
BR-393 também conhecida como Rodovia Lucio Meira ou Rodovia do Aço, na altura da localidade de
Andrade Pinto, situada às margens do Rio Paraíba do Sul (f02).

f03

f05

f04

A viagem começa em Rio das Flores. Fora do perímetro urbano da cidade, o que predomina é uma
paisagem rural, composta por morros com pastagem e grotões remanescentes de Mata Atlântica. No
caminho avistam-se antigas fazendas, como a Forquilha (f03), sítios e antigas casas de colono. Da cidade
até a sede do distrito do Abarracamento a distância é de 12,2km. Sete quilômetros à frente, no trecho em
que a rodovia RJ-135 vem sendo preparada para receber uma camada de asfalto (f04), avista-se a
capelinha, encravada num vale cercado por morros tomados por uma pastagem rala e trechos florestados
(f05). O acesso a ela é logo à frente, à esquerda, marcando o início de uma estrada municipal denominada
RF-21 (f06 e f07). Quinhentos metros depois, é possível avistar a capelinha, à esquerda, e uma moradia e
578
Situação e ambiência

um curral, que ficam nas terras da antiga fazenda Bom Jardim (cuja sede foi demolida). Seguindo por este
caminho por mais dois quilômetros, chega-se ao complexo de edificações da estação de bombeamento de
derivados de petróleo e gás da Petrobras – Gasbel, chamada de Tapinhoã (ESTAP-f08), que envia dali
seus produtos para a estação de Mantiqueira – Santos Dumont-MG.

Petrobras

CAPELA

RJ 135

Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013. f06

Petrobras

Capela

RF 21

RJ 135
f07
Imagem gerada pelo Google Earth em fevereiro de 2013.

f08

579
Descrição arquitetônica

f09

O lugar é marcado por um ambiente tipicamente rural, com a presença de animais, como cavalos, galinhas
e gado leiteiro, ordenhado no curral existente no outro lado da estrada (fotos 01, 10 e 12). Segundo os
moradores, nas terras que dão fundos para a capela existe um cemitério abandonado.
O centenário prédio religioso fica implantado próximo à estrada municipal RF-21 (f09). Ao seu lado foi
construído recentemente um anexo com cobertura metálica (f12 e f14), aproveitando as bases de pedra e o
calçamento de pedras costaneiras de um antigo casarão que ali existia (f13). Na sequência, vem um imóvel
residencial, que conjuga em seus espaços um pequeno ponto comercial.

f10 f11

f12 f13

No período deste levantamento, a capela estava passando por uma reforma. O prédio apresenta
embasamento de pedra bruta, emboçado com argamassa. As paredes são de tijolos maciços, revestidas
com argamassa e caiadas de branco. A cobertura é protegida por duas águas, com telhas francesas. Na
entrada, uma pequena escada em meio círculo vence o desnível de cerca de 30 centímetros para o solo.
580
Descrição arquitetônica

f14

O prédio se destaca pelo seu apuro construtivo, realçado pelos detalhes ornamentais, como o arremate
junto às duas fiadas de tijolos enviesados junto ao beiral, conferindo às fachadas um friso decorativo. As
fachadas laterais possuem, ao centro, uma pilastra, dividindo o bloco em dois tramos, e, em ambas, há um
óculo, e os dois serão vedados com vidro ao fim das atuais reformas (f11 e f15).
Na fachada principal, a portada abre-se em duas folhas de madeira maciça almofadadas, com verga de
arco pleno (f14), cuja bandeira é ornamentada por uma flor torneada (f16). Os decorativos frisos criados
pelos tijolos maciços delineiam a verga e o frontão.
O frontão que marca sua parte superior é realçado por um desenho religioso ao centro e, nas extremidades,
por dois pequenos coruchéus (f17). Uma cruz de metal adorna o topo da composição (f18).

f15

Trata-se de uma singela construção religiosa, que, assim como as demais existentes na área rural do
município,1 não possui torre sineira. Sua volumetria é definida pelo bloco principal, que abriga a nave e o
altar. Aos fundos, há um outro bloco, onde fica a sacristia, feito possivelmente numa época posterior, como
se percebe na cobertura em uma água, na simplicidade do acabamento em relação ao corpo principal e na
diferença de nível, identificada pelo embasamento do porão na nave e pela escadaria de acesso lateral
(f19). Atrás da capela, no terreno de fundos, foi erguido um acréscimo. Esta construção prejudica sua
arquitetura, tanto em relação à sua espacialidade quanto à captura de imagens (f20 e f21).

1
Os bens classificados como capelas de caráter rural no município de Rio das Flores pelo presente inventário são os seguintes:
Capela de Santo Antônio (no Paciello); Capela de São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida (em Torres), Capela de São Lourenço
(no Barreiro); e Capela de São João Batista (no distrito do Abarracamento), aqui em análise. Cabe registrar a Capela de São
Sebastião, que apesar de possuir torre sineira e ficar situada a margem da estrada asfaltada rodovia RJ 145, encontra-se situada em
Cachoeira do Funil, uma localidade que preserva hábitos rurais.
581
Descrição arquitetônica

f16 f17

f18 f19

f20 f21

O interior da capela encontra-se em obras. A ausência do forro permite visualizar a trama do telhado, que
conserva sua montagem primitiva em caibro armado, típica para a instalação do forro em gamela ou em
arco de berço (f22 e f23). O espaço do altar fica num nível um pouco acima da nave (f24). No alto da parede
de fundos, está inscrito o ano de 1944, possivelmente uma alusão a alguma reforma (f25). As duas portas
conduzem à sacristia, que mantém o antigo forro de saia e camisa (f26).
582
Descrição arquitetônica

f22 f23

f24

f25 f26

As informações relativas à Capela de São João Batista foram fornecidas por Rogélio Martins Soares e sua
esposa, Léa, antigos moradores do lugarejo. As principais referem-se ao grande sino de bronze, que ficava
pendente de um tripé, bem ao lado da capela, e que foi roubado décadas atrás.2 O mesmo destino teve a
antiga imagem de São João.

2
Com relação ao sino externo, o presente inventário conseguiu informações de disposição semelhante na capela de São Pedro, no
Abarracamento (relato oral), bem como na primitiva capela de Nossa Senhora Aparecida, em Manuel Duarte, que possui registro
iconográfico na pagina 333 deste inventário (ficha da capela de Nossa Senhora Aparecida).
583
Estado de conservação

A edificação apresenta a estrutura de suas paredes íntegra, sendo observado que o piso do altar está
cedendo, em decorrência de um aterro. Os caibros da cobertura sofrem a ação de cupins, e as telhas
francesas estão em bom estado de conservação.
O piso de concreto na área externa da capelinha alterou os níveis de seu embasamento. Percebe-se que a
escada de acesso teve um dos degraus de pedra aterrado (f27).
A sacristia necessita de pintura e seu forro está deteriorado (f26). O depósito (f20 e f21) e principalmente o
barracão (f14 e f28), geminados à edificação, comprometeram a capela, mutilando seu friso decorativo e
sua cobertura (f29). Além disso, essas construções prejudicaram uma das fachadas laterais e a de fundos,
interferindo irremediavelmente em sua ambiência.

f27 f28

Constata-se que, durante os anos, o prédio passou por reformas, sem a preocupação de preservar alguns
elementos de sua arquitetura, como se percebe no piso de cimento da nave, que provavelmente substituiu
um tabuado de madeira que ficava sob um porão baixo, sustentado por barrotes ou um piso de ladrilho
hidráulico. O forro de madeira da nave também foi retirado (é possível que ele seguisse o desenho do
existente na sacristia – f26) e não se sabe como será feita sua recomposição.
Com relação as intervenções pela qual a capela passou durante o tempo, vale citar que é admirável e
louvável todo o esforço de uma comunidade para salvaguardar este rico e quase extinto patrimônio rural,
contudo, há de se lamentar a ausência de um acompanhamento técnico, em que orientações básicas de
valorização, preservação e até de restauro do material de construção, seriam de enorme valia, pois essas
joias seculares da arquitetura regional estariam de certa forma sendo poupadas de tantas
descaracterizações.

f29

Por fim, foi observado um contínuo trânsito de caminhões e outros veículos na rústica estrada de terra (f09)
que segue para o complexo da Petrobras, o que levou os moradores construírem um redutor de velocidade
de terra (conhecido popularmente como quebra-molas), buscando evitar que os efeitos da trepidação
ocasionada pela passagem dos caminhões comprometam a integridade da capela.
584
Histórico

Histórico
O local onde foi construída a capela dedicada a São João Batista ficava nas terras da sesmaria de José
Pereira D’Almeida, conhecidas como Tapinhoã (anexadas à fazenda do Casal). Após a venda das terras,
por volta de 1873, as mesmas foram fracionadas em diversas fazendas, tais como Iracema, Gurajubas,
Santa Josepha e Bom Jardim das Palmeiras, entre outras. Eram todas de propriedade de uma única família:
os Cordeiro do Couto. Por conta do grande movimento de livres e escravos na região, o proprietário da
Fazenda Bom Jardim das Palmeiras, João Cordeiro do Couto, tomou a iniciativa de construir uma capela
que atendesse à necessidade de ofícios religiosos da comunidade. Ao lado do templo dedicado a São João
Batista foram construídos um cemitério e uma escola para ambos os sexos.
A capela foi benta e aberta ao público em 24 de agosto de 1885, em meio às mudanças que causaram uma
grande transformação no quadro sócio econômico na região e no país: a abolição da escravidão e o declínio
da cultura cafeeira. Em 1900 o atual município de Rio das Flores possuía 18 mil habitantes, desses, cerca
de mil moravam na sede. Acredita-se que grande parte era constituída por libertos pela Lei Áurea, que
ficaram nas fazendas, trabalhando agora como colonos na pecuária leiteira. A concentração das pessoas na
área rural levou ao desenvolvimento e a criação de pequenas nucleações (também conhecidas como
arraiais), onde havia comércio, escola, cartório, cemitério e capela.3

2012. Cartaz da festa de 2012. Acervo: Paróquia de Santa Thereza D’Ávila. f30

Um fato curioso sobre a antiga escola anexa à capela foi a colocação, no alto de sua fachada, na parte que
divide a edificação em duas, do símbolo conhecido por Ouroboros (ou oroboro ou ainda uróboro),
representado por uma serpente que morde a própria cauda. O nome vem do grego antigo: οὐ ρά (oura)
significa “cauda”, e βόρος (boros), significa “devora”. A palavra designa “aquele que devora a própria
cauda”. Sua representação simboliza a eternidade.
Além de ser uma referência religiosa para toda a comunidade, a capela de São João Batista é um marco na
ocupação do município, testemunho do meio de vida rural e da religiosidade do povo. Atualmente a
paróquia realiza missa somente na data de sua festividade (que no ano de 2013 será realizada nos dias 22
e 23 de junho) ou quando há um pedido da comunidade.

3
Entre as localidades com suas respectivas capelas citamos: Porto Velho - S. Sebastião; Bela Vista (Tapinhoã) - S. João Nepomuceno
(1886); Barreiro - S. Lourenço (aberta ao culto em 1907); Paciello - S. Antônio (1900); Abarracamento - S. Pedro (edificada por volta de
1890); Bom Jardim – S. João Batista (edificada por volta de 1885); Cachoeira do Funil - S. Sebastião (terreno doado em 1903);
Formoso - S. Benedito (edificada por volta de 1890) e Torres - S. Sebastião e N. S. Aparecida (aberta provavelmente em 1887).
585
586
Bibliografia / Fontes

Créditos das imagens:


As fotos sem citação de data e de autoria foram produzidas pela equipe do inventário, entre os anos de
2012 e 2013.

Nas demais fotos e imagens, a fonte ou o nome de quem concedeu autorização de uso aparece logo abaixo
do próprio registro.

Morador entrevistado para a produção do texto:

Rogélio Martins Soares

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Autor desconhecido (possivelmente do setor de propaganda do Parc Royal). Encarte


publicitário: Estação de Commercio: uma cidade que surge. [década de 1920].

Acervo Particular:

COSTA, Maria Cecília. Nair Henriques Guacury, lembranças de seus cem anos de
existência: 1911-2011. Rio de Janeiro: texto manuscrito (memória familiar), 2011.

NOVAES, Adriano. Traslado de Autos de Obras entre a Cia Estrada de Ferro União
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processo da Comarca de Valença (Processo de Embargo de Obra, 1879).

Roteiro de uma Vida. Manuel Duarte-RJ, 1994. Vídeo produzido por ocasião dos 70 anos de
José Annibal Silva. Obra familiar (realizada no sistema VHS e replicada em mídia digital, que
somam quatro DVDs).

Leis Municipais:

CÂMARA MUNICIPAL DE RIO DAS FLORES. Lei nº 507 de 27 de Janeiro de 1983. Dispõe
sobre o parcelamento e a ocupação do solo urbano do Município de Rio das Flores, Estado do
Rio de Janeiro e dá outras providências.

__________. Lei nº 508 de 27 de Janeiro de 1983. Dispõe sobre as construções no Município


de Rio das Flores, Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.

__________. Lei Complementar nº 11, de 13 de março de 1993. Institui Normas Gerais e


Padrões de Urbanismo e Edificação para a cidade de Rio das Flores e dá outras providências.

__________. Lei Complementar nº 12, de 13 de março de 1993. Institui o Código de


Posturas do Município de Rio das Flores e dá outras providências.

__________. Lei Complementar nº 098 de 12 de agosto de 2008. Institui Plano Diretor


Participativo de Rio das Flores.

__________. Lei Complementar nº 106, de 20 de maio de 2010. Dispõe sobre o


Parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização fundiária de áreas urbanas e
dá outras providências.

__________. Lei Complementar nº 107, de 20 de maio de 2010. Dispõe sobre o Código de


obras e edificações do município de Rio das Flores.
__________. Lei Complementar nº 108, de 20 de maio de 2010. Dispõe sobre normas
relativas ao Código de posturas do município de Rio das Flores e dá outras providências.

Arquivos consultados:

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.


- Coleção Sala Matoso Maia, História Fluminense, Período Republicano: 1889-1951.
- Fundo Presidente de Província.

Arquivo Público Municipal de Vassouras-RJ.


- Jornal O Município, ano XII, nº 6.
- Jornal Jornal de Vassouras, ano I, 1935, nº 06 e nº 23.
- Jornal Correio de Vassouras, ano I, 1936, nº 15, 16, 18, 19, 20 e 25; ano XIII, 1948, nº
598, 628; ano XIV, 1949, nº 676; ano XV, 1950, nº 690, 693, 700; ano XVI, 1951, nº
739, 745, 754, 761; ano XVII, 1952, nº 791, 794, 795, 810, 831; ano XVII, 1953, nº 843;
ano XVIII, 1954, nº 881.

Mapoteca da Secretaria de Obras da Prefeitura Municipal de Rio das Flores-RJ.


- Plantas de Arquitetura, plantas de topografia, plantas de projetos de engenharia.

Museu de História Regional de Rio das Flores-RJ.


- Arquivo textual e iconográfico.

Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF. Biblioteca Central: Setor Memória Fluminense.
- Album do Estado do Rio de Janeiro. Centenário da Independência do Brasil, 1922.

Consultas Online.

Acesso e consultas aos sites:

<www.googleearth.com.br>, no período de julho de 2012 a novembro de 2013.

<http://www.geni.com>, acessado em setembro de 2013.

<http://passarosemregiao.blogspot.com.br>, acessado em setembro de 2013.

< http:// terradeandre.blogspot.com.br>, acessado em setembro de 2013.

<http://www.lilileiloeira.com.br>, acessado em setembro de 2013.

<http://www.icmbio.gov.br/portal/>, acessado em setembro de 2013.

- Arquivo Público Mineiro, disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br>. Acesso entre


julho de 2012 a fevereiro de 2013.

- Acervo do Almanak Laemmert (1844 – 1899), disponível em


<http:// www.crl.edu/brazil/almanak>. Acesso entre julho de 2012 a fevereiro de 2013.

- Acervo do Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial do Rio de Janeiro – 1891 a 1940,


disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de
2013.

- Periódicos (jornais e revistas) da Biblioteca Nacional, disponível em: <http://memoria.bn.br>.


Acesso entre julho de 2012 e fevereiro de 2013.

- Portal <www.estaçoesferroviarias.com.br>, no período de julho de 2012 a fevereiro de 2013.


-Jornal O Estado de São Paulo, disponível em< http://acervo.estadao.com.br>. Acesso em 20
de janeiro de 2013.

- IBGE. Sinopse Estatística do Município de Rio das Flores (ex-Santa Tereza). IBGE, Rio de
Janeiro, 1948, disponível em <http://biblioteca.ibge.gov.br>, Acesso em agosto de 2013.

Acervo Particular Disponibilizado (Fotografia e Textos)


Adriano Novaes;
Candido Rodrigues Duarte Silva;
Jane Leite Correa;
João Bosco Furtado da Silva;
José Halfeld Alves;
Luiz Claudio Campana;
Maria Cecília Costa;
Mar a José Henr ques D’Amato;
Olguete dos Santos Frias;
aschoal Tub rahy D’Amato;
Therezinha Coelho de Mello;
Vilma Dutra Novaes.

Pessoas entrevistadas:

Afonso Durço (Porto das Flores-MG);


Ana Clemente Guilherme (Porto das Flores-MG)
Anna de Souza Ferreira (Manuel Duarte);
Candido Rodrigues Duarte Silva (Rio das Flores);
Dirlei Nascimento (Barreiro);
Francisco Roberto Cavassoni de Oliveira (Santa Rosa);
Ilza Figueira (Manuel Duarte);
Jane Leite Correa (Rio das Flores);
João Bosco Furtado da Silva (Manuel Duarte);
José Carlos Cavassoni de Oliveira (Santa Rosa);
Manoel Dias Filho (Paciello);
Marcio Leite Correa (Rio das Flores);
Mar a José Henr ques D’Amato (Comércio);
Nelson Cavassoni de Oliveira (Manuel Duarte);
Olguete dos Santos Frias (Cachoeira do Funil);
Paulo José Cavassoni de Oliveira (Manuel Duarte);
Therezinha Coelho de Mello (Comércio);
Rogélio Martins Soares (Abarracamento);
Rosângela dos Santos (Abarracamento).
Produto composto de capa dura com laminação brilhosa. Impressão
frente e verso, em papel off-set LD 90 gr/m2, folha formato A4.
Material costurado e protegido por folhas de guarda na capa e na
contra capa.

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