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Resumo Abstract
A experiência sensível da metrópole nos finais do The sensory experience of the metropolis analyzed
século XIX constitui, na obra de Georg Simmel, by Georg Simmel in the late nineteenth century
uma via de caracterização da cultura moderna. Ao represents a way to characterize the modern
descrever as diversas facetas da cidade grande, ele culture. Describing the various facets of the
funda uma teoria sensível da modernidade, cons- city, he founded a sensible theory of modernity,
truída a partir da tomada de consciência de uma constructed from the awareness of a spatial
reconfiguração espacial que corresponde às novas reconfiguration that corresponds to new forms of
formas de relações sociais e de existência coletiva. social relations and collective existence. This point
Abre-se assim uma perspectiva para os estudos of view opens a perspective for urban studies based
urbanos com base na sensibilidade e na subjeti- on the sensitivity and subjectivity. The aim of this
vidade. Este artigo propõe revisitar as análises da paper is to revisit Simmel’s analysis of metropolis
metrópole de Simmel enquanto proposta de uma as a proposition for an aesthetic approach of
abordagem estética das manifestações socioespa- socio-spatial manifestations in urban space, from
ciais urbanas, a partir da qual podemos pensar as which we could envision contemporary metropolis
transformações das metrópoles contemporâneas. transformations.
Palavras-chave: Georg Simmel; metrópole; expe- Keywords: Georg Simmel; metropolis; aesthetical
riência estética. experience.
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estudos ditos “urbanos”1 e que toma em con- Esse me parece ser o motivo mais profun-
sideração fenômenos socioespaciais em muta- do pela qual a grande cidade sugere uma
tendência à pulsão rumo à existência pes-
ção. Segundo Gilbert Durand (1994, p. 37), a
soal a mais individual (...) o desenvolvi-
análise sociológica de Simmel da vida moderna mento da cultura moderna caracteriza-se
tem um grande mérito por alimentar um cam- pela preponderância daquilo que se pode
po de pesquisa até então negligenciado. Este denominar espírito objetivo sobre o espí-
artigo procura trazer à luz questões elaboradas rito subjetivo. (1989 [1903], p. 238)2
na teoria de Georg Simmel sobre a metrópo-
le como uma contribuição atual e necessá- Desse modo, Simmel demonstra ver na
ria à compreensão dos fenômenos urbanos metrópole vários aspectos favoráveis ao desen-
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produção que, segundo ele, cria um processo vem a ilustrar um novo fenômeno veiculado
de racionalização das relações sociais. No en- nos espaços públicos onde os indivíduos ou
tanto, teria esse autor uma visão pessimista do “tipos urbanos” passam a ser um elemento a
sujeito na metrópole? Nas suas considerações, mais de apreensão através do olhar. De manei-
o “espírito objetivo”, o “caráter blasé” e até ra dinâmica, tal fenômeno associa-se ao desen-
mesmo a competição fazem parte de uma “di- volvimento da flânerie, guiada pela fantasia
nâmica conflitual” da sociedade onde, apesar e pelo prazer em observar tais personagens e
de tudo, é possível identificar certos valores objetos e em percorrer os espaços da cidade
(Jonas, 2008, p. 69). moderna.
Do ponto de vista físico dos espaços da Desse modo, Simmel apresenta uma lei-
metrópole, o desenvolvimento da indústria, o tura da experiência metropolitana guiada pelas
aparecimento do automóvel, a utilização do sinalizações e interações que nascem das situa-
ferro e do vidro correspondem a uma estética ções e dos contatos constantemente vividos no
própria aos novos modos de produção meca- cotidiano dos recintos da cidade onde os sen-
nicista e padronizada. No entanto, aos olhos tidos são cada vez mais solicitados. Vale res-
de Simmel, os espaços resultantes dessas ino- saltar que, segundo essa análise, não se trata
vações tecnológicas não são, de modo algum, simplesmente de uma proliferação de imagens
pobres nem em estímulos sensoriais, nem em nas grandes cidades, mas de uma maneira de
formas imaginativas. A metrópole é considera- integração dos sujeitos enquanto observado-
da como espaço de acentuada sensibilidade, res e como elementos dinâmicos associados
em face dos estímulos provenientes da veloci- uns aos outros e ao tecido urbano. Por detrás
dade, do movimento, da multiplicação de sím- desses elementos surge um modo de vida e
bolos e de códigos socioculturais que solicitam uma maneira de pensar o mundo, mas também
incessantemente a atenção dos cidadãos. Des- uma hierarquia social e territorial, uma concep-
se modo, ela é tida como lugar específico de ção de espaço e uma atitude diante da cidade
emergência de determinadas formas estéticas, moderna.
associadas a uma sociabilidade e uma expres- Desse modo, a acuidade da visão torna-se
são cultural próprias. indispensável à experiência dos espaços metro-
Do ponto de vista social, a atomização politanos e ao estabelecimento das relações
dos comportamentos e a indiferença que se sociais, onde o olhar permite instaurar uma
estabelece diante da massificação de símbolos comunicação baseada em símbolos e códigos
nos espaços de vida metropolitanos estimula como a moda. Segundo a análise simmeliana,
um convite a exteriorizar os traços de singula- o olho tem um sentido particularmente espe-
ridade e de distinção, possível de ser conside- cial em relação aos demais órgãos de percep-
rado como um estímulo positivo na metrópole. ção, responsável não somente por uma forma
Na análise de Simmel, as roupas e a aparência de experiência espacial sensível, mas também
das pessoas agem como códigos de comunica- por um papel sociológico. As situações de face
ção, de interação e de interiorização individual, a face e as trocas de olhares decorrentes que
que atraem a atenção dos cidadãos. A moda se produzem nos recintos e espaçospúblicos
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Notas
(*) Este artigo foi elaborado a partir da tese intitulada Mediações tecnológicas na cidade: da
experiência do espaço à construção de interações sociais híbridas, apresentada por esta autora
em outubro de 2010 para obtenção do grau de doutor em sociologia na Université Paris
Descartes, Sorbonne. Este estudo foi desenvolvido com apoio do Alban (Programa de bolsas
de alto nível da União Europeia para a América Latina, 2006-2009) e da Fundação Capes (2009-
2010).
(1) O termo Urbanismo passa a ser empregado entre 1850 e 1870, época das primeiras grandes
reformas urbanas empreendidas pelo Barão Haussmann, em Paris, e por Idelfonso Cerdá, em
Barcelona. Segundo Françoise Choay (1965), seu texto fundador data de 1867, quando Cerdá
publica a “Teoría General de la Urbanización”. É a partir desse período em que se enunciam as
pretensões científicas de tornar o Urbanismo uma disciplina do conhecimento.
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