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A CLÍNICA EM FREUD

AULA 1

Profª Raquel Berg


CONVERSA INICIAL

Bem-vindos(as)! Nesta aula, falaremos sobre as Experiências clínicas


de Sigmund Freud e alguns dos principais médicos que contribuíram para o
trabalho de Freud, como Charcot, Breuer e Berheim, dentre outros. Também
falaremos um pouco do contexto sócio-histórico de Freud, uma vez que
influenciou significativamente Freud na aproximação com os estudos sobre a
histeria. Nas próximas aulas, falaremos das principais influências e das cartas
de Freud a Fliess, nas quais Freud traz grande parte de seus primeiros esboços
do que viria a ser futuramente a psicanálise de maneira mais ampla. Na
sequência, falaremos sobre os textos “Sobre a concepção das afasias”,
“Algumas Considerações para um estudo comparativo das paralisias
motoras orgânicas e histéricas” e “Projeto para uma Psicologia Científica”.
Nas últimas aulas, falaremos sobre os primeiros casos clínicos de Freud,
trazendo um resumo de seus principais casos: Srta. Anna O., Sra. Emmy Von
N., Miss Lucy R., Katharina e Srta. Elisabeth Von R. Além disso, introduziremos
um pouco do que foi a teoria da técnica freudiana, pelo menos em seus
primórdios. Também falaremos sobre a psicoterapia da histeria e as
considerações de Breuer.
Na aula de hoje, traremos cinco temas principais: os relatos sobre os
estudos de Freud em Paris e Berlim, os estudos de Charcot a respeito das
doenças do sistema nervoso, a análise de Bernheim sobre o tema da sugestão,
a comunicação preliminar de Breuer e as contribuições de Averbeck, Weir
Mitchell e Forel a respeito da neurastenia, histeria e hipnotismo. Depois,
falaremos do tópico “na prática” sobre como esses temas se correlacionam com
tópicos do nosso cotidiano, e em “finalizando” faremos uma retomada dos temas
examinados nesta aula. Mais informações poderão ser encontradas nos livros
citados nas referências, os quais poderão ser consultados caso haja qualquer
dúvida a respeito dos tópicos aqui tratados.

TEMA 1 – RELATOS SOBRE OS ESTUDOS DE FREUD EM PARIS E BERLIM

Esses relatos de Freud foram escritos quando Freud, em 1885, teve a


oportunidade de receber uma bolsa de estudos (Bolsa de Estudos do Fundo do
Jubileu Universitário) por seis meses, fornecida pela Universidade de Viena.
Ernest Jones posteriormente escreveu, de forma detalhada, a respeito dessa

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experiência e como ela deu início a um afastamento progressivo de Freud da
neurologia para a Psicologia. Vale informar que esses relatórios foram
encontrados quase 70 anos após terem sido escritos e hoje se encontram na
Biblioteca da Universidade de Viena, guardados no acervo da instituição. Nesses
escritos, Freud relata suas experiências no Hospice de la Salpêtrière, um
hospício localizado em Paris. Segundo o autor, em Viena ele não tinha à sua
disposição um material clínico tão rico e vasto quanto na França, e seus
aprendizados durante esse período de seis meses foram significativos para
mudar suas concepções a respeito das psicopatologias recorrentes nos
consultórios médicos.
O Salpêtrière, na época, era um conjunto de prédios de dois andares
dispostos em formato de quadriláteros, com inúmeros pátios e jardins. Sua
estrutura era similar à de outros hospitais na Europa, pois assim como o hospital
de Viena, Sapêtrière também fora estabelecido em uma antiga fábrica de
material bélico desativada. O hospital francês abrigava muitas mulheres idosas,
além de homens com doenças nervosas, e como asilo chegava a ter quase cinco
mil pessoas. Charcot, que trabalhava nesse hospital desde seu internato,
conduzia um laboratório dedicado a estudar doenças nervosas crônicas, além
de ser professor responsável pela neuropatologia. Ele também tinha à sua
disposição outros departamentos dentro do próprio hospital, como o laboratório
de anatomia e fisiologia, o museu de patologia, um estúdio de fotografia para
preparação de moldes de gesso, um gabinete de oftalmologia e um instituto de
eletricidade e hidropatia.
O objetivo inicial de Freud ao viajar a Paris era estudar os problemas
anatômicos relacionados aos seus estudos sobre atrofias e degenerações
secundárias que se seguiam às afecções encontradas nos cérebros das
crianças. No laboratório de Viena ele não tinha condições para seguir com seus
estudos em anatomia; já na clínica de Salpêtrière havia uma quantidade de
material clínico bastante vasta, o que possibilitou a Freud ver muitos pacientes
enquanto aprendia com Charcot sobre seus métodos científicos. Freud, com
outros alunos estrangeiros e assistentes médicos, acompanhava Charcot
constantemente enquanto ele discutia com todos seus casos clínicos e as
manifestações sintomáticas mais complexas de seus pacientes. Freud
(1956[1886], p. 44):

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Podia-se verificar a maneira como ele [Charcot], inicialmente, ficava
indeciso em face de alguma nova manifestação difícil de interpretar;
podia-se seguir os caminhos pelos quais se esforçava por chegar a
uma compreensão; podia-se estudar o modo como avaliava as
dificuldades e as vencia; e podia-se observar, com surpresa, que ele
nunca se cansava de observar o mesmo fenômeno, até que seus
esforços repetidos e sem prevenções lhe permitissem chegar a uma
visão correta de seu significado. Quando, além de tudo isso, acode à
lembrança a total sinceridade manifestada pelo Professor durante
essas sessões, compreende-se por que o autor deste relatório, assim
como aconteceria com qualquer outro estrangeiro em situação
semelhante, deixou Salpêtrière com irrestrita admiração por Charcot.

Uma vez encerrados os estudos de Freud sobre anatomia e as doenças


orgânicas do sistema nervoso, Freud passou a focar seus estudos sobre as
neuroses, principalmente a histeria (tanto em homens quanto em mulheres). Até
aquele momento, a palavra histeria ainda não tinha um significado bem definido,
e seus sintomas eram sinais negativos que, em épocas anteriores, poderiam
condenar os pacientes à morte por bruxaria e possessão demoníaca. Havia
muitos preconceitos ligados à histeria, uma vez que os médicos consideravam
os histéricos como mero simuladores, sujeitos a irritações de caráter genital sem
uma definição mais clara do que isso. Charcot baseava seus estudos nos casos
clínicos mais bem estabelecidos ou completamente desenvolvidos, que
permitiam ao médico estabelecer com segurança o diagnóstico. Ao utilizar o
hipnotismo – técnica que até então era considerada como uma pseudociência –
Charcot foi capaz de definir uma sintomatologia básica para a histeria, sem
negligenciar as simulações apresentadas pelos pacientes histéricos. Esses
estudos posteriormente permitiram a Freud escrever seu artigo “Comparações
entre a Sintomatologia Histérica e Orgânica”, que veremos no próximo tema.
As classificações das neuroses como provenientes de traumas
encontraram resistência da comunidade científica, especialmente dos
professores e assistentes do Charité da Universidade de Berlim. No entanto, a
principal diferença era que Charcot estudava casos simples e com diagnóstico
bem desenvolvido, enquanto os professores alemães se dedicavam a analisar
casos complexos e sem definições sintomáticas claras.
Freud, durante seu estágio em Paris, também adquiriu amplo
conhecimento sobre o hipnotismo. Segundo Freud, quase não se podia acreditar
no que aconteciam aos pacientes hipnotizados a menos que já se tivesse alguma
experiência com isso antes. Charcot dedicava-se a estudar a hipnose e a histeria
tanto quanto já o fizera enquanto estudava a esclerose múltipla e a atrofia

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muscular progressiva, e posteriormente Freud fez a tradução em alemão dos
estudos e conferências de seu professor Charcot.
Além dos estudos em hipnose e histeria, Freud estudou epilepsia e outras
doenças nas articulações, coreia e diversas formas de “tiques” (como a doença
de Gilles de la Tourette), e acompanhou as preparações das células nervosas e
neróglia do professor Ranvier (1956[1886], p. 48). Ao todo, Freud permaneceu
cinco meses em Paris, e depois um mês em Berlim. Nesse último, Freud teve a
oportunidade de estudar crianças que sofriam de doenças nervosas nas clínicas
dos professores Mendel e Eulenburg e do Dr. Baginsky, e depois visitou o
laboratório de agricultura do professor Zuntz para estudar a localização do
sentido da visão no córtex cerebral. No laboratório de Munk, por fim, Freud pôde
estudar o trajeto do nervo acústico.

TEMA 2 – CHARCOT E AS DOENÇAS DO SISTEMA NERVOSO

Este texto, na verdade, trata do prefácio que Freud escreveu sobre as


“Novas Conferências sobre as Doenças do Sistema Nervoso”, e sobre seu artigo
“Conferências das Terças-Feiras”. Segundo Freud, a principal contribuição
desse trabalho veio do fato de seu material ter sido completamente improvisado,
pois Charcot não conhecia previamente os pacientes que analisava. Assim que
os via, interrogava e confirmava ou revia seu diagnóstico com base nos exames
que tinha em mãos. Segundo o autor, a entidade mórbida, a “entité morbide”,
permanece como a base de todo novo caso, embora apresentem fenômenos
diferentes entre si; no centro de cada série está o “type”, que é a forma extrema
de um caso clínico. Quando essa forma se apresenta de maneira rudimentar, o
autor a chama de “formes frustes”, pois nesses casos somente um especialista
é capaz de definir um diagnóstico. Esses três termos são a base da clínica
médica francesa, que se diferencia do modelo alemão, no qual a interpretação é
feita sobre o estado fisiológico do paciente e sobre a inter-relação dos sintomas.
No entanto, para Freud (1892), o modelo francês se mostra autossuficiente, pois
relega a segundo plano os fatores fisiológicos para se concentrar nos sintomas
e no sentido deles. E assim, Charcot utilizava de sua experiência clínica para
analisar os casos e dar seu veredicto, ainda que sempre se mostrasse aberto a
quaisquer novas teorias que pudessem surgir.
Dentre os escritos de Charcot referentes ao tema da histeria, observa-se
que além do foco sobre os critérios descritivos do fenômeno histérico, cabem os
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fenômenos observados durante os estados hipnóticos, o que levou Charcot a
concluir que a origem dos ataques histéricos está diretamente relacionada a uma
lembrança, “a revivescência alucinatória de uma cena que é significativa para o
desencadeamento da doença. [...] o conteúdo da lembrança geralmente é ou um
trauma psíquico, que, por sua intensidade, é capaz de provocar a irrupção da
histeria no paciente, ou é um evento que, devido à sua ocorrência em um
momento particular, tornou-se trauma” (Freud, 1892, p. 179). Aqui, Charcot faz
menção à histeria traumática, na qual não existe, a bem dizer, um trauma em
particular, mas um conjunto deles, interligados na memória, pois não
necessariamente eles tenham relação de lugar ou tempo. Assim, pode haver
traumas menores, diferentes tipos de traumas ou situações que, por sua
condição, foram percebidas como traumáticas, com a intensidade de um trauma.
Para Charcot (citado por Freud, 1892, p. 179) “um trauma teria que ser definido
como um acréscimo de excitação no sistema nervoso, que este e incapaz de
fazer dissipar-se adequadamente pela reação motora. Um ataque histérico
[portanto] talvez deva ser considerado como uma tentativa de completar a reação
ao trauma”.
Charcot associa os delírios das vítimas de histeria a um estado no qual
emergem na consciência, sob a forma modificada de sintomas, ideias e impulsos
que estavam inibidas pela consciência enquanto o indivíduo estava em um
estado sadio. Uma situação parecida, acrescenta Charcot, é o estado em que
nos encontramos durante os sonhos. Os estudos de Charcot também se
estenderam nas comparações entre as afasias e paralisias orgânicas e
histéricas, que foram logo depois base para os estudos de Freud sobre o mesmo
assunto.
Charcot também discute, em suas conferências, o cuidado que os
médicos precisavam ter com a questão da sugestão, uma vez que não se pode
atribuir que a hipnose, de forma imediata e superficial, será capaz de solucionar
de modo simplista o problema da histeria.

TEMA 3 – BERNHEIM E O TEMA DA SUGESTÃO

Bernheim e a escola de Nancy (na época, esse hospital possuía tanto


renome quanto Salpêtrière, em Paris) acreditavam que a hipnose, assim como a
sugestão hipnótica, podiam ser aplicadas e trazer grandes contribuições não só
a pacientes histéricos e neuropáticos graves, como a todas as pessoas
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saudáveis, pois permitiam ampliar a atuação terapêutica. Bernheim
compartilhava da opinião de outros estudiosos como Forel (que veremos mais a
frente, no tema 5). Segundo Bernheim, acredita-se que a sugestão feita pelos
médicos a seus pacientes falsifica os fenômenos ligados aos sintomas histéricos,
criando ataques, paralisias e contraturas que simulam sintomas fisiológicos
legítimos. Por outro lado, no entanto, essa mesma sugestão auxilia o médico
durante o tratamento. O fenômeno histérico tem ligação com o que Freud (1888)
nomeia de fenômeno de transfert, no qual há a transferência de sensibilidade de
uma parte do corpo para outra parte (por exemplo, pode ocorrer de um sintoma
se retirar de uma parte do corpo anestesiada para outra parte mais sensível).
Para o autor, apesar de os sintomas parecerem se originar da sugestão, eles
são fenômenos autênticos, oriundos de fenômenos psíquicos legítimos. Esses
sintomas histéricos são regidos por leis, e nesse ponto que se torna relevante ao
autor afirmar que a sintomatologia histérica não se dá por meio da sugestão:

Os relatos provenientes de épocas passadas e de países distantes,


que foram reunidos por Charcot e seus discípulos, não dão margem à
dúvida de que as peculiaridades dos ataques histéricos, das zonas
histerógenas, da anestesia, das paralisias e das contraturas se têm
manifestado em todos os tempos e lugares, tal como foram vistas
quando Charcot efetuava sua memorável investigação dessa grande
neurose. (Freud, 1888, p. 115).

Assim, Freud (1888) afirma que se existem fenômenos relacionados à


histeria relacionados à sugestão do investigador, esse fato deve ser tratado a
parte dos estudos sobre histeria, pois qualquer estudioso que já tenha visto as
contrações musculares específicas de fenômenos histéricos e as reações
fisiológicas desencadeadas durante os sintomas sabem que não é possível
atribuir à sugestão tais efeitos, pois “a sugestão não pode produzir algo que não
esteja contido na consciência ou seja nela introduzido” (Freud, 1888, p. 116).
Como crítica aos estudos de Bernheim, Freud (1888) comenta da necessidade
de Bernheim de ter incluído em seus estudos os fenômenos histéricos ligados à
hiperexcitabilidade, uma vez que esses estudos questionam a sugestão como
fator possivelmente condicionante do sintoma neurótico. Assim, segundo Freud
(1888), o que falta nos estudos de Bernheim é atrelar o conceito de sugestão a
um fenômeno psicopatológico que requer condições especiais para ocorrer,
assim como os sintomas histéricos, embora não sejam a mesma coisa.

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TEMA 4 – ESBOÇOS PARA A COMUNICAÇÃO PRELIMINAR DE BREUER

Este texto, basicamente, é uma carta a Breuer, na qual Freud apresenta


um esboço do que futuramente foi seu estudo “Comunicação Preliminar – sobre
o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos”, de 1893. Nesse texto, Freud
propõe organizar o artigo em cinco tópicos principais:

1) as teorias sobre a constância da soma de excitação (o que futuramente


viria a ser apresentado nos estudos sobre a teoria da constância x catexia
de investimento, e que futuramente viria a embasar a teoria das pulsões);
a teoria da memória (que posteriormente irá embasar os estudos de
Freud sobre o inconsciente, recalque e retorno do recalcado ou da
lembrança reprimida ou recalcada, dentre outros); e o teorema que
estabelece que os conteúdos dos diferentes estados de consciência não
estão relacionados entre si;
2) a origem dos sintomas histéricos. Aqui, Freud traz alguns dos itens que
posteriormente farão parte de suas hipóteses, como os sonhos e os afetos
específicos, os quais ele classifica como itens que colocam o indivíduo
suscetível aos sintomas histéricos. Além disso, Freud inclui os traumas e
suas origens, os quais fazem parte da etiologia da histeria, segundo o
autor. Ele também menciona que os sintomas podem ser deslocamentos
de somas de excitação que não foram dissipadas, sendo assim, o sintoma
como uma reação do organismo pela via do deslocamento (tentativa de
reação);
3) os ataques histéricos como uma tentativa de reação pela recordação (do
evento traumático). Ou seja, a recordação que compõe o ataque histérico
é uma lembrança inconsciente e que se encontra sob uma forma
rudimentar e modificada (por condensação e deslocamento, que será
posteriormente trabalhado no texto “Projeto para uma psicologia
científica”). Assim, durante o ataque histérico, o indivíduo se acha parcial
ou totalmente sob influência dessas recordações inconscientes;
4) a origem dos sintomas – aqui, o autor menciona brevemente a questão de
quais lembranças ou experiências ficam retidas na memória.
Posteriormente, esse tema será tratado no texto sobre a etiologia da
histeria. Aqui, o autor afirma que (Freud, 1892, p. 196):

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Se uma pessoa histérica intencionalmente procura esquecer uma
experiência, ou decididamente rechaça, inibe e suprime uma intenção
ou ideia, esses atos psíquicos, em consequência, entram no segundo
estado de consciência; daí produzem seus efeitos permanentes e a
lembrança deles retorna sob a forma de ataque histérico.

5) a fórmula patológica da histeria, a qual Freud considera que a soma ou


acúmulo de excitação e o trauma, associados a um certo estado de
consciência, criam a disposição para o que o autor chama inicialmente
como histeria disposicional e acidental, na descarga dessa soma
mediante a reação motora apropriada, ou seja, o ataque histérico.
Inicialmente, a nomenclatura adotada era a de Charcot, histeria
traumática (na qual os sintomas aparecem depois de algum tempo de um
evento traumático, sendo reflexos somáticos dessa experiência
ameaçadora). Posteriormente, Freud abandona essas terminologias para
adotar os conceitos de histeria de defesa (na qual os sintomas surgem
para proteger o indivíduo de emoções desagradáveis), histeria hipnoide
(originadas por estado hipnótico) e histeria de retenção (com afetos ab-
reagidos, ou seja, barrados pelas defesas do próprio indivíduo). Depois,
Freud revê essas terminologias e passa a usar histeria de conversão (ou
seja, com o trauma convertido em sintomas), histeria de angústia (na qual
Freud considera a fobia como o tipo de sintoma principal. Esse termo veio
com o texto “O pequeno Hans”).

Além disso, Freud traz em seu texto que as recordações diretamente


associadas aos sintomas não podem ser acessadas pelo paciente, a não ser por
meio da hipnose. Os conteúdos são, portanto, dissociados da consciência
normal (posteriormente, Freud traz em seu texto “projeto para uma psicologia
científica” que os desejos dissociados de seu conteúdo podem retornar sob a
forma de sintomas, sonhos ou chistes). Segundo o autor, os sintomas podem ser
desencadeados por influências internas ou externas. Além disso, as questões
sexuais têm influência direta na formação de sintomas, e o papel da terapia é
identificar a fonte do trauma (o trauma originário), para assim tentar corrigi-lo por
meio da hipnose.
O ataque histérico é, aqui, caracterizado segundo a proposta de Charcot
com quatro fases típicas (Freud, 1892): 1) fase epileptoide; 2) fase dos grandes
movimentos; 3) fase das “grandes passionnelles”; e 4) fase do delírio terminal.

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Ademais, os ataques são “uma descarga periódica dos centros motores e
psíquicos do córtex cerebral” (Freud, 1892, p. 194).

TEMA 5 – CONTRIBUIÇÕES DE AVERBECK, WEIR MITCHELL E FOREL

5.1 A neurastenia aguda de Averbeck

Neste texto, Freud faz uma crítica à formação médica da época, e que
essa deficiência podia ser observada principalmente nos estudos sobre
neurastenia, pois o quadro clínico dos pacientes era estudado com mais
veemência pelos médicos que trabalhavam como terapeutas e nos sanatórios,
mas nas demais especialidades pouco se via a respeito. Para o autor (Freud,
1886, p. 71):

Esse estado patológico do sistema nervoso seguramente pode ser


classificado como a mais comum de todas as doenças em nossa
sociedade: complica e agrava muitíssimo outros quadros clínicos em
pacientes das melhores classes, sendo ainda praticamente
desconhecido dos médicos de boa formação científica, ou tido por eles
como apenas um nome moderno com conteúdo arbitrariamente
constituído.

Freud conclui que, independente do posicionamento dos médicos a


respeito de questões como as levantadas por Averbeck sobre o serviço militar
obrigatório como cura para os males da vida em sociedade e a responsabilidade
do Estado no tratamento de trabalhadores de classe média, essas questões
devem ser debatidas pelo meio científico como relevantes para o trabalho de
assistência médica.

5.2 O conforto de certas formas de neurastenia e histeria de Weir Mitchell

A principal contribuição de Weir Mitchell nos estudos de Freud se deu em


método terapêutico, baseado no tratamento catártico. Esses estudos se
originaram na Filadélfia, Estados Unidos, e posteriormente foram recomendados
na Alemanha por Burkart durante uma conferência. Segundo Freud (1886, p.7
2): “esse método, combinando repouso no leito, isolamento, alimentação
abundante, massagem e eletricidade, de forma estritamente controlada, supera
os estados de exaustão nervosa graves e de longa duração”.

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Essa proposta com diferentes formas de tratamento, segundo Freud,
amplia os conhecimentos a respeito das estratégias terapêuticas e serviu de
base para o que Freud posteriormente propôs como método catártico.

5.3 Hipnotismo em Forel

Segundo Freud, os estudos sobre hipnotismo de Forel foram descobertas


tão importantes que podem ser comparadas às maiores descobertas referentes
ao espírito humano. Os estudos sobre a sugestão, naquele momento, eram
considerados como uma pseudociência, junto a outras técnicas ditas espirituais
ou baseadas em ritos e superstições sem sentido. Assim sendo, Freud defende
os estudos de Forel, afirmando categoricamente que os cientistas que criticam
esses estudos não os conhecem nem se deram ao trabalho de tentar aplicar a
hipnose para descobrir como ela realmente funciona, apenas estabelecem uma
“antipatia cáustica” injustificada. Ademais, justificam as curas obtidas por meio
do hipnotismo como acasos que nada provam, como se o uso do hipnotismo
fosse feito pelos médicos por motivos obscuros e fora dos princípios éticos
científicos. Vale lembrar que, afirma Freud, mesmo antes do surgimento do
hipnotismo os médicos já se valiam da sugestão (aliadas a medicações como
brometos, morfina e hidrato de cloral) para tentar influenciar seus pacientes a
recalcarem seus sintomas e se apresentarem curados com base nas palavras
de seus cuidadores.
Se, por um lado, médicos renomados como o dr. Meynert criticam a
hipnose (tal como também o farão posteriormente com a psicanálise) como se
seu conhecimento em determinadas áreas lhes desse propriedade para julgar e
criticar estudos em áreas diferentes de suas especialidades, por outro lado,
alguns cientistas como o Obersteiner e Krafft-Ebing se colocaram como
irrestritamente a favor da hipnose dentro da prática médica, enfatizando os
ótimos resultados que obtêm a partir dos métodos sugestivos e que nada têm a
ver com nacionalidade ou raça (aqui, o autor traz essa provocação por causa
das insinuações de que a posição de Forel deriva de suas origens. Freud, além
de ser judeu e sensível a esse tema por motivos pessoais, posteriormente irá
escrever inúmeros textos com críticas a esse respeito e ao posicionamento da
comunidade científica com relação à psicanálise).
Segundo Freud (1886), esse tipo de tratamento consiste em induzir um
estado hipnótico que permite veicular uma sugestão à pessoa hipnotizada. O
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estado hipnótico nada mais é do que um sono comum, nas diversas fases do
adormecer. Durante o sono, segundo o autor, a pessoa perde o equilíbrio e o
controle psíquico e a atividade mental se apresenta de forma desordenada que,
em alguns aspectos, lembra os estados de loucura. Na vida diária, as pessoas
são educadas a reprimir ideias e motivações impróprias, incluindo pensamentos
caóticos que angustiam o indivíduo. Assim, a proposta da hipnose é tão somente
auxiliar o paciente, pela sugestão, a eliminar essas ideias que, de alguma forma,
adoecem e trazem sofrimento aos pacientes. Assim, não há nada de perigoso
na hipnose, a menos que o médico que a exerça tenha a intenção de fazer mau
uso desse conhecimento, o que precisa ser avaliado de outra forma (pois o
problema não é exatamente a técnica, mas sim quem a usa). Afirma Freud (1886,
p. 134):

O fato principal do hipnotismo consiste na possibilidade de colocar uma


pessoa num estado especial da mente (ou, mais precisamente, do
cérebro) que se assemelha ao sono. Esse estado é conhecido como
hipnose. Um segundo conjunto de atos consiste na maneira como esse
estado é produzido (e encerrado). Isto parece ser possível de três
modos: (1) ela influência psíquica que uma pessoa exerce sobre outra
(sugestão), (2) ela influência (fisiológica) de determinados métodos
(fixação), por ímãs, pela mão do hipnotizador etc. e (3) pela
autoinfluência (autossugestão) [...] um terceiro grupo de fatos diz
respeito à conduta da pessoa hipnotizada.

Nesse terceiro grupo, Freud (1886) afirma que é possível induzir pela
sugestão inúmeros efeitos, pois a influência do julgamento fica reduzida e o
cérebro se acha vulnerável durante o estado hipnótico. Os fenômenos da
hipnose podem ser explicados por três teorias: de Messmer, que fala de uma
transmissão de fluído magnetizante; somática, com base em reflexos medulares
e na modificação do estado fisiológico do sistema nervoso; e a da sugestão, da
qual Forel e Freud compartilham. Essa última, criada por Liébeault e seus
discípulos (como Bernheim, Beaunis e Liégeouis), baseia-se na hipótese de que
é produzida por efeitos psíquicos internos, semelhante ao sono. No entanto, a
diferença aqui é que na hipnose há o relacionamento ativo entre a pessoa que
está hipnotizada e o hipnotizador, incluindo a permissão da paciente em estar
nessa condição.
Com relação ao hipnotizador, Freud (1886) afirma que não é uma
exclusividade médica e que não é qualquer pessoa que pode hipnotizar. O
hipnotizador deve estar imbuído de entusiasmo, paciência, criatividade e
determinação. Uma pessoa que tenta hipnotizar com base em um padrão

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preestabelecido e sem segurança terá pouco ou nenhum resultado satisfatório.
Além disso, algumas doenças apresentam boas respostas ao hipnotismo, assim
como ocorre com a digitalina. Doenças como vertigem, síndrome de Meniére
(que é um distúrbio do ouvido interno), tosse e tuberculose apresentam pouco
resultado. Já a histeria e certas doenças apresentaram excelentes resultados.
Por fim, o autor traz a importância forense da hipnose, uma vez que os
“crimes sugeridos” ainda são palco de estudo e preparação dos juristas, uma
que “deve permanecer em aberto até que ponto a consciência de se tratar
apenas de uma experiência facilita à pessoa a execução de um crime” (Freud,
1886, p. 140).

NA PRÁTICA

A descrição dessa prática trata do artigo de Freud “Observação sobre um


caso de hemianestesia em um homem histérico”. O paciente sofria de ataques
convulsivos, embora tenha tido uma infância normal e nunca apresentara
convulsões ou doenças que são comuns em crianças. Aos oito anos, o paciente
foi atropelado e, em decorrência desse acidente, sofreu uma ruptura do tímpano
direito, vindo posteriormente a sofrer de desmaios durante diversos meses, ao
todo dois anos. Desse acidente veio um embotamento intelectual que se refletiu
em seu desempenho escolar. Completou o ensino primário mais tarde, e depois
da morte dos pais, passou a aprendiz de gravador, tendo permanecido nesse
cargo por 10 anos. Não se permitiu a relacionamentos ou divertimentos para
poder se dedicar totalmente ao trabalho. Via-se obrigado a refletir muito acerca
de si mesmo e de suas ambições e, por fazê-lo com tanta frequência, caía em
estado de excitada fuga das ideias, sono agitado e digestão mais lenta, além de
palpitações vez ou outra.
A doença começou três anos antes, logo após um desentendimento com
seu irmão. Durante esse desentendimento, o irmão o ameaçou com uma faca, o
que produziu no paciente um medo inexplicável; teve zumbidos na cabeça, como
se ela fosse estourar, e correu para casa. Logo que chegou na porta, desmaiou.
Durante algum tempo teve espasmos, e quando passaram, sentiu fraqueza e
passou a ter dores de cabeça e pressão intracraniana. A sensibilidade do lado
esquerdo de seu corpo parecia alterada, seus olhos se cansavam facilmente e
tinha agitações constantes. Logo depois foi acusado de roubo por uma mulher,
o que o fez ficar tão deprimido que chegou a pensar em suicídio. Depois desses
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ocorridos, um tremor muito intenso tomou conta de seus membros esquerdos,
como se tivesse sido atingido por algum tipo de AVC. Seus olhos muitas vezes
só enxergavam cinza, e passou a ter sonhos aterrorizantes nos quais imaginava
estar caindo de uma grande altura. Começou a sentir dores do lado esquerdo do
corpo, e frequentemente sentia como se seu estômago tivesse estourado, o que
fez o paciente parar de trabalhar. Queixa-se que tem uma sensação peculiar na
garganta, como se a língua estivesse presa, seguem os zumbidos e outras
coisas do tipo. Sua memória estava prejudicada com relação aos eventos que
ocorreram desde o início dos sintomas, embora as lembranças mais antigas
permanecessem intactas. Os ataques repetiram-se de seis a nove vezes em três
anos, sendo somente um de maior risco para a saúde.
O paciente estava pálido. Relata Freud (1886, p. 63-64):

Quando comprimo o ponto de saída dos nervos supra-orbital, infra-


orbital ou do mento, do lado esquerdo, o paciente volta a cabeça com
uma expressão de dor intensa [...] A pele da metade esquerda da
cabeça comporta-se, no entanto, de modo muito diferente do que
esperávamos: está completamente insensível a estímulos de qualquer
espécie. [...]. Repito agora a experiência no lado direito e mostro que
aqui a sensibilidade do paciente é normal. [...] se procedermos agora a
um exame do tronco e dos membros, verificaremos também uma
anestesia absoluta, sobretudo no braço esquerdo.

Após uma análise minuciosa do paciente, Freud (1886) conclui que todos
os distúrbios devessem ser atribuídos à anestesia geral do lado esquerdo. E
destaca ainda que, quando os olhos eram vendados, as reações motoras se
alteravam, o que não é comum em pacientes com doenças neurológicas. Por
fim, Freud (1886) descreve que o cordão espermático esquerdo também está
sensível, de forma semelhante a como a histeria se estabelece nas zonas
histerógenas nas mulheres.
Ainda que Freud não traga nesse texto sua análise sobre o caso, fica claro
que o tratamento desse paciente histérico, assim como o tratamento dos demais
pacientes que sofrem dessa mesma enfermidade, é o acompanhamento médico
seguido de uma compreensão mais profunda das experiências que geraram o
transtorno que, nesse caso, inicialmente aparenta ser o conflito do paciente com
seu irmão.

FINALIZANDO

Como mencionamos no início desta aula, nosso objetivo foi trazer os


principais autores que influenciaram o trabalho de Freud. Inicialmente,
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apresentamos o próprio relato de Freud a respeito de seu estágio em Paris e
Berlim, com destaque para seus aprendizados a respeito da histeria com
Charcot. Depois, trouxemos as contribuições de Charcot para os estudos de
Freud com relação à diferenciação entre as patologias orgânicas e histéricas, o
estabelecimento de conceitos como a “entité morbide”, o “type” e as “formes
frustes” que compõem a base da clínica francesa a respeito da histeria; com
Bernheim, da escola de Nancy, Freud discute a questão da sugestão como fator
terapêutico no tratamento da histeria, embora muitos estudiosos não
acreditassem nessa metodologia como verdadeiramente científica. O trabalho
de Freud com Breuer, apresentado aqui, foi a base do esboço para seu
manuscrito posterior “Comunicação Preliminar”, de 1893. Por fim, trouxemos as
contribuições de Averbeck, Weir Mitchell e Forel para os estudos de Freud,
incluindo sua crítica a respeito da formação médica da época, que pouco tinha
contato com as questões psicológicas fora dos hospitais e sanatórios; a questão
do método catártico, que posteriormente será trabalhado por Freud em outros
artigos, e o tema do hipnotismo que, assim como discutiu Bernheim com o tema
da sugestão, sofria de um profundo descrédito pela medicina e pela ciência da
época.
Esperamos que tenham aproveitado as discussões apresentadas aqui
para conhecer um pouco mais das origens da psicanálise, e convidamos a todos
a continuar acompanhando as aulas para saber mais sobre como Freud elaborou
e desenvolveu seus estudos, criando assim as bases da psicanálise.

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REFERÊNCIAS

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