Você está na página 1de 39

O CLONE

de GLÓRIA PEREZ
se Deus não existisse, tudo seria permitido
(Dostoievsky)
O grande cenário de nossa novela é o século 21, o novo milênio.
Costuma-se dizer que o século 20 foi o século da ciência e da tecnologia.
Essas áreas se desenvolveram tanto e tão ràpidamente, que a humanidade
acalentou fantasias a respeito de que, no ano 2000, a ciência e a tecnologia
seriam capazes de resolver todos os problemas e afastar os fantasmas que
atormentam o homem desde seu aparecimento sobre a terra: as necessidades
materias, a doença, a velhice, a morte.
Havia uma grande expectativa em torno dessa data, como se ela fosse o
marco de uma nova era para a humanidade. Mas como todo otimismo tem o seu
avesso, a chegada do ano 2000 atemorizou muita gente: profecias milenares
indicavam essa data como o final dos tempos. Viria o apocalipse previsto pela
Bíblia, por Nostradamus, pela Virgem de Fátima, por Rasputin, pela civilização
maia, pelos muçulmanos, enfim, por todos os profetas que habitaram a terra
desde que o mundo é mundo.
E aqui estamos, récem chegados ao novo século, ao novo milênio. O
mundo não se acabou e nem conquistamos, através da ciência e da tecnologia, o
paraíso terrestre. A novela trata de fazer esse inventário: o que mudou? para
onde estamos caminhando?
O século 21 será, sem dúvida alguma, o século da engenharia genética. E,
nesse momento, a questão mais polêmica, mais atual, nesse terreno, é o
aparecimento do clone. A possiblidade de clonar um ser humano confere ao
homem o poder de criar a vida, de tomar, para si, uma competência que sempre
foi só de Deus. Põe, em suas mãos, o destino de sua própria evolução.
O mundo inteiro se volta para as implicações religiosas e éticas desse
fato. Além da clonagem, a engenharia genética de hoje também é capaz de
alterar o gens, de modo a emprestar ou retirar, dele, características naturais. Se
isso implica na possibilidade de poder eliminar doenças hereditárias, pode-se
também, através dessa manipulação, acentuar ou eliminar caracteristicas de
personalidade, como a agressividade, a passividade, enfim, qualquer das
características humanas que já venham inscrita no código genético.
Os riscos de uma tal realidade são óbvios e evidentes: que critério
presidirá essa manipulação? Como se vai poder controlar a utilização política
desse novo poder?
No “Admirável Mundo Novo” Huxley previu uma humanidade assim,
robotizada, fabricada de acordo com as conveniências políticas de cada momento
histórico. O que era uma fantasia da ficção científica, é hoje uma realidade
palpável. Em todos os países, o governo, os religiosos, as instituições, discutem a
questão, no sentido de tentar estabelecer os limites éticos dessas experiências.
Dentre todas essas conquistas da engenharia genética, a mais polêmica, a
que mais instiga o imaginário popular, é o clone. As razões são óbvias: o clone é
o homem criado pelo homem. Até hoje Deus foi o criador e todos os homens da
terra as suas criaturas. A partir da clonagem, os homens serão ao mesmo tempo
criadores e criaturas. Os novos deuses habitarão laboratórios e usarão jalecos
brancos. Estaremos abrindo mão da infinita diversidade da natureza na
construção do humano.
O clone não se enquadra na idéia de família que temos hoje. Não tem pai
nem mãe e não nasceu do sexo, como aqueles que foram criados pela natureza:
ele é a cópia, o xerox de um outro homem. Os religiosos discordam sobre o fato
de que tenha ou não tenha alma. Uns acham que sim, outros juram que não. E
todos se mobilizam ante a possibilidade de confrontar-se com o seu duplo, com
sua própria imagem.
Mais uma vez retomamos um tema que já abordamos em BARRIGA DE
ALUGUEL, em DE CORPO E ALMA, em EXPLODE CORAÇÃO: vamos falar das
experiências humanas que não foram vividas pelas gerações anteriores à nossa.
Vamos falar sobre como o avanço da ciência modifica a vida cotidiana do
homem, colocando-o em situações absolutamente novas, para as quais ele não
tem nenhuma referência no passado. Situações que ele deve enfrentar com um
coração antigo, com todo um modo de sentir e de pensar inadequados a ela, e
dentro de uma realidade social onde elas ainda não cabem.
Como nas novelas citadas, a ciência será pano de fundo. O que está em
primeiro plano é a vivência emocionada de uma nova situação de vida, o
confronto entre o clone e o clonado.O tema é atual, polêmico, capaz de
mobilizar e provocar impacto. Ao mesmo tempo, em sendo tão novo, guarda
ainda a magia das maravilhas apenas imaginadas pela mente humana.
Essa experiência atualíssima, que reverte todos os conceitos, todas as
certezas que até agora tivemos sobre os mistérios de nossa própria origem, terá
como contraponto os muçulmanos e suas tradições milenares. A religiosidade do
oriente, sua fé, sua preocupação com o espírito, com a salvação da alma, estará
em confronto com o materialismo do ocidente. O homem “submisso” a Deus, e o
homem que buscar “submeter” Deus, tornando-se, ele próprio, criador.
Dentro desse quadro, vamos focalizar algumas características desses
nossos tempos: o excesso de individualismo, o misticismo, a avidez pelos 15
minutos de sucesso, a solidão das pessoas, as mudanças de comportamento que
provocaram verdadeira inversão nos papéis tradicionais do homem e da mulher,
de modo a sublinhar essa tensão do antigo com o novo, do revolucionário com o
tradicional, de que se faz o tecido da modernidade.
A proposta é traçar um painel desse final de milênio, mostrando as
incertezas e as esperanças com que atravessamos para uma nova era.
Convém registrar também que não vamos, propositalmente,
diferenciar as correntes do islamismo, de modo a não tomar o partido
de nenhuma delas. Assim, não se dirá se as personagens que
representam o mundo muçulmano são xiitas ou sunnitas -essa é uma
polêmica desnecessária para a novela, e estaremos atentos para evitá-
la.
A história deve ser contada de forma atemporal, não se deixando claro em
que ano começa a ser contada.
Eu vi o ontem. Eu sei o amanhã
(inscrição no túmulo de Tutankamon-1.300 ac)

Os primeiros capítulos da novela se passam no Egito. A


câmera sobrevoa um bairro ortodoxo da cidade do Cairo, no exato
momento em que o religioso anuncia, nas mesquitas, a hora das
orações a Alá.
A voz do religioso ecoa pelas ruas e vielas, e vemos os
crentes, envoltos em seus véus, curvando-se na direção de Meca. A
câmera atravessa a profusão de véus até chegar às pirâmides, onde
estão LUCAS FERRAZ, o protagonista dessa nossa história e seu irmão
DIOGO. Os dois tem por volta de 20 anos. São gêmeos idênticos e
filhos de um industrial bem sucedido e influente: LEÔNIDAS FERRAZ.
Ali, entre comentários sobre o desejo de vencer o tempo e
conquistar a eternidade, que moveu a antiga civilização egípcia,
também está ALBIERI, o geneticista, velho amigo de FERRAZ, dizendo
que a ciência de hoje pode tornar possível a realização do sonho dos
faraós através da clonagem que, de certa forma, é uma maneira do
homem sobreviver a si próprio.
ALBIERI é profissional competente e respeitado nos meios
acadêmicos. Viveu muitos anos no exterior, participou de várias
equipes que se dedicam à experiência de clonagem e, muito
recentemente, voltou ao Brasil, onde começou a desenvolver
pesquisas que começam a ser financiadas, em grande parte, por
LEÔNIDAS FERRAZ.
Da amizade estreita que desde a adolescência uniu os dois,
falaremos mais adiante. Por enquanto devemos dizer que ALBIERI já
foi várias vezes ao Egito e tem amigos no Cairo. É através dele que,
inicialmente, vamos penetrar na intimidade das casas e das almas
desse universo.
Nessa primeira semana, o cenário da novela será o Cairo e a
cidade de Fez, as mesquitas, as ruas agitadas onde os muçulmanos se
curvam para Alá nas horas exigidas, as buates onde se assiste a dança
do ventre, os templos, os passeios turísticos, os costumes que forem
permitidos revelar, os ritos de casamento, de nascimento e de morte,
tudo isso haveremos de mostrar com o cuidado e a delicadeza
apropriadas ao tema.
Importante sublinhar que não estamos comprometidos em
retratar um país no que ele tenha de específico: o Egito e Marrocos
são cenários escolhido para botar em cena a cultura muçulmana de
uma maneira geral, seus costumes, sua visão de mundo.

A TRAMA CENTRAL

os gêmeos FERRAZ

todos nós nascemos originais e morremos cópias


Jung

LUCAS tem aquela aparência sossegada, o jeito arredio e o ar


desprotegido que a maioria das pessoas costuma interpretar como
timidez e fragilidade.Como é comum acontecer, a família o definiu e
etiquetou tomando como parâmetro o irmão DIOGO, mais extrovertido
e mais ruidoso que ele. Sendo assim, como ninguém é exatamente
igual a ninguém nesse mundo, nem mesmo os gêmeos, nosso
protagonista estava destinado a sentir-se sempre menor, e não
diferente.
DIOGO tinha uma personalidade tão forte e tão definida, que
fazia LUCAS parecer sem personalidade nenhuma. Era alegre,
conversador e cheio de iniciativa. Se LUCAS não era assim, logo devia
ser o contrário disso, e o diziam triste, caladão, fechado em si mesmo,
ainda que, no íntimo, ele não fosse nada disso: apenas não tinha
coragem de se expressar. Mas como quase sempre acontece,
acreditou na definição alheia e acabou desempenhando o papel que lhe
destinaram.
Por um mecanismo de defesa muito compreensível, desenvolveu
a tática de fugir das comparações com o seu gêmeo, fosse no que
fosse. Se DIOGO era aclamado por todos como um gênio dos negócios
e das finanças, o continuador perfeito da obra do pai, ele voltava
imediatamente as costas aos negócios e às finanças, e entricheirava-
se num campo bem distante: assim, sonhou ser músico e estudar
antropologia. Não tinha talento nem vocação verdadeira para uma
coisa nem outra: escolher algum caminho de vida onde DIOGO não
fosse o melhor era apenas uma tentativa desesperada de resgatar sua
individualidade.
Diante do irmão ficava sempre travado, escondia sua
personalidade, seu jeito de ser, tudo o que nele fosse original ou
característico, como se esconde uma roupa rasgada, um sapato furado
dos olhares dos outros. Tinha vergonha de “ser”.
Acontecia, entre os nossos gêmeos, um problema muito comum:
a dificuldade de achar uma identidade quando se tem um igual. As
pessoas costumam buscar nos gêmeos as semelhanças e não as
diferenças. Querem vê-los como se fossem uma única pessoa
habitando dois corpos. E os instigam a exercitar a semelhança,
fazendo-os vestir roupas iguais, usar o mesmo corte de cabelo e rindo
quando brincam de confundir as pessoas, fazendo-se passar um pelo
outro. Os irmãos DIOGO e LUCAS não fugiram à regra. Desenvolveram
um estreita dependência: eram seres complementares. E apesar de
DIOGO ser mais forte emocionalmente, um não sabia existir sem o
outro. Mas para que duas pessoas se transformem em uma, é preciso
que uma delas se anule. LUCAS se anulou. Sua passividade, no
entanto, esconde grandes conflitos, e uma rebeldia que se manifesta,
de vez em quando, em bruscos rompantes que se concentram na
figura do irmão.
E tendo traçado esse retrato rápido dos gêmeos, voltemos à
família FERRAZ.
Nosso empresário não nasceu rico, muito pelo contrário. Foi
trabalhando duro que conseguiu ampliar a pequena empresa deixada
pelo pai e transformá-la na potência que é hoje. Adora os filhos e está
sempre querendo prepará-los para que possam, um dia, substitui-lo
na direção dos negócios. É homem inteligente e de sólidos princípios
morais. Sendo de temperamento autoritário e onisciente, já
determinou com toda a tranquilidade desse mundo o destino dos dois:
um haveria de comandar as empresas e o outro defenderia os
interesses da família na política.
DIOGO é, nitidamente, o preferido, aquele que “puxou ao pai”, o
herdeiro de suas melhores qualidades. LUCAS, o filho difícil,
trabalhoso, que FERRAZ um dia há de botar nos eixos.
FERRAZ é viúvo e não tornou a casar-se. Quando a história
começa a ser contada está namorando YVETE. Os gêmeos, no princípio
encantados com o romance, acabam declarando guerra ao namoro,
em consequência de um acontecimento que não vale a pena explicitar
aqui. Como sempre, LUCAS se mostra mais tímido no enfrentamento
do pai, enquanto DIOGO diz a ele, com todas as letras, o que pensa da
mulher que escolheu: vulgar, oportunista e inadequada para tomar o
lugar da mãe dentro daquela casa. Preocupa-se também com os
desmandos financeiros que FERRAZ vem fazendo, comprando jóias,
apartamentos e carros último modelo para YVETE, e critica o descaso
demostrado por LUCAS em relação a assunto de tanta relevância.
A família mora numa mansão que, desde a morte de sua dona, é
dirigida pela DALVA, a velha criada que foi babá dos meninos desde
que nasceram.
Os gêmeos foram ao Egito levados por ALBIERI e de lá seguem
para o Marrocos, para encontrar FERRAZ e conhecer YVETE, a nova
namorada do pai.
Quando o industrial volta para o Brasil, DIOGO, quer vir com ele
a todo o custo. Sabe que FERRAZ é impulsivo, e teme que se case com
YVETE ainda mais rapidamente, depois que LUCAS e ele explicitaram
sua desaprovação. Assim, volta com a intenção de atrapalhar o
namoro dos dois e, a bem da verdade, por uma outra razão muito
pessoal: não quer perder a festa de aniversário de MAYSA numa ilha
de Angra.
LUCAS fica no Marrocos, onde acaba se metendo em grandes
confusões em consequência de seu completo desconhecimento da
cultura local.
Através de ALBIERI, que é amigo de longa data do velho ALI,
nosso protagonista conhece a família ADIB.
ALI e ALBIERI estudaram na Inglaterra, onde foram colegas de
colégio e faculdade e, desde então, mantiveram estreita e sólida
amizade. Convém dizer que, sendo homem de vasta cultura e sabendo
mover-se perfeitamente no universo ocidental, ALI dirige com mão de
ferro a sua gente, impondo aos seus as mesmas regras e princípios
que nortearam sua formação.

as iras de uma deusa desabam sobre tua cabeça: estás amando


Eurípides

Na casa dos ADIB, LUCAS vê JADE pela primeira vez e se


apaixona por ela.
JADE nasceu no Cairo mas cresceu no Brasil, com a mãe viúva e,
tendo ficado órfã, foi mandada para o Marrocos, onde vive seu tio ALI.
Patriarca da família, ALI, fala diversas línguas, incluindo o
português. Assim, temos desde logo resolvido o problema da
comunicação nos capítulos que se passam no Cairo: JADE fala em
português com o tio e com a prima LATIFFA
Nossa heroína sofre as dificuldades de adaptar-se a uma cultura
tão diferente. Foi criada com extremo rigor para os padrões brasileiros,
mas as limitações que lhe foram impostas pela mãe pareciam nada
diante daquelas que a esperavam no Cairo. Vive o conflito muito
comum aos adolescentes muçulmanos criados em outros países: não
se sente nem brasileira nem muçulmana. É como se estivesse solta,
sem um lugar definido no mundo. E não tem forças para romper com
essa dualidade, integrando-se de vez a um dos dois universos: quando
tenta ser ocidental, a força de suas raízes a seguram. Quando tenta
ser muçulmana, a ocidental se inquieta dentro dela. A trajetória se
JADE será marcada por essa tensão. pela busca de encontrar um
equilíbrio entre esses dois universos.
Quando começa a viver sua paixão proibida por LUCAS, o tio ALI
negocia seu casamento com um noivo muçulmano. Dos detalhes dessa
negociação não falaremos agora, pois ela resulta de uma intriga que
envolve o casamento da prima LATIFFA.
Disposta a ganhar tempo para defender seu romance com
LUCAS, a ardilosa JADE, através de uma rede de intrigas e cochichos
tão comuns à sociedades assim, muito reprimidas, acaba conseguido a
concordância de ALI para, antes do casamento, passar uma temporada
no Brasil, ajudando a prima LATIFFA que, uma vez casada, vai se
mudar com o marido para o Rio de Janeiro.
Através de JADE, mostraremos o ritual de castração, ainda
comum no sul do Egito, apesar da intensa campanha do governo para
erradicá-lo. A castração da personagem não acontecerá,
evidentemente, mas será discutida. JADE é salva, na última hora, pela
interferencia do patriarca ALI.
Assistiremos, também, o belo ritual do casamento
tradicional muçulmano. A cerimônia civil, do qual a noiva não
participa, sendo representada pelo pai, a festa, onde homens e
mulheres não se misturam, o cortejo dos noivos, conduzidos para a
lua de mel pelas dançarinas da dança do ventre.
Mas voltemos à trama: por causa de JADE, LUCAS decide
ficar mais uns dias no Cairo. Enquanto isso, no Rio, DIOGO se prepara
com entusiasmo para a festa de MAYSA. Não a avisou de sua chegada:
quer fazer surpresa. É uma viagem rápida. De helicóptero, menos de
meia hora. Seus amigos já foram e reclamam sua presença.
Na hora marcada, acontece um problema e o piloto não pode vir
para levá-lo. DIOGO, que acabou de tirar o brevet, decide ele mesmo
dirigir o helicóptero. DALVA, a velha babá, se desespera, argumenta,
procura inutilmente localizar FERRAZ, que saiu com YVETE. DIOGO
vai, rindo dos seus pressentimentos e dizendo a ela que se acalme, há
de telefonar assim que chegar em Angra.
Em paralelo a ida de DIOGO no helicóptero, temos LUCAS no
deserto, sofrendo, como só os adolescentes sabem sofrer, as
desventuras de seu amor proibido.
DIOGO levanta vôo e, num determinado momento, acontece
uma tempestade. Em paralelo, a tempestade de areia no deserto, que
LUCAS também não sabe como enfrentar. O atordoamento de DIOGO
caindo com o helicóptero é simultâneo ao atordoamento de LUCAS
despencando de cima do camelo.
FERRAZ se desespera sabendo que o acidente do filho foi
mortal. Enche-se de amargura e culpa, achando que se estivesse em
casa nada disso teria acontecido. A partir daquele dia, afasta-se de
YVETE e nunca mais há de ser o mesmo homem.
A morte de DIOGO é ponto de partida para uma série de
profundas modificações na vida daquela família.
Obrigado pelo pai, LUCAS embarca de volta sem ter
conhecimento, ainda, da tragédia famíliar. Os dois apaixonados selam
um pacto: serão capazes de enfrentar todas as tempestades e
tormentas para ficarem juntos. E através de muitas artimanhas, como
haveremos de ver nos capítulos, JADE consegue um pretexto para vir
ao Brasil antes do casamento com o noivo escolhido por tio ALI.

OS ÁRABES

Maktub- estava escrito!

JADE se instala na casa do primo MOHAMED e de LATIFFA. Vem


para revolucionar a vida dos récem casados, criando grandes
tumultos, quando declara que não está disposta a aceitar o marido
escolhido pelo tio: há de casar-se com LUCAS e ficar morando para
sempre no Brasil. Assim, ignora os insistentes chamados de ALI para
que volte ao Cairo. Queima telegramas, intercepta cartas, e quando o
velho ALI vem buscá-la pessoalmente, bate o pé, ameaça matar-se.
Diante da indiferença da família às suas ameaças, acaba saindo de
casa.
Mas antes que isso aconteça, devemos contar o tumultuado
período que se seguiu à chegada dos enamorados no Rio de Janeiro.
JADE insiste em casar-se, porque o muçulmano não namora,
casa. As pretensões da mocinha não são bem acolhidas pela família
FERRAZ que, observando a questão do ponto de vista ocidental, logo
interpreta aquela exigência como tentativa de golpe de uma esperta,
na certa de olho no dinheiro de LUCAS e por isso insistindo em
precipitar a situação.
Convicto disso, FERRAZ endurece: não permitirá que o filho que
lhe resta cometa uma asneira pela qual, segundo suas palavras,
haveria de pagar pelo resto da vida.
É um período de grandes tensões, quando LUCAS recorre a
ALBIERI, pedindo que explique ao pai que JADE não merece o rótulo
de interesseira, e que só a diferença cultural poderia explicar o que
acontecia. FERRAZ aceita a argumentação, desde que não aconteça o
casamento. E LUCAS considera, erradamente, que o fato do industrial
ter aceito a tese da diferença cultural signifique meio caminho andado.
Por outro lado, na tentativa de convencer a família a aceitar sua
escolha, JADE recorre ao Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, que
lhes serve de guia em todos as situações da vida prática, buscando
encontrar, nos ensinamentos Do profeta Mohamed, a defesa de sua
causa româtica:

“Não se case
Com mulheres que não têm fé,
Até que a tenham.
Uma escrava que tem fé
É melhor que uma que não tem.
Não case suas filhas com hereges,
Até que eles tenham fé.
Um escravo que tem fé
É melhor que um herege
(SURA II, 221)

O tio ALI mostra-se irredutível e rebate os argumentos da


sobrinha com a citação de outras suras. Se não ganha terreno com o
patriarca, nossa protagonista não se dá por vencida: consegue
convencer LUCAS a converter-se ao islamismo, acreditando que essa
conversão deixaria o tio sem argumentos para continuar rejeitando
seu escolhido. LUCAS aceita sem problemas a conversão, e quando
FERRAZ fica sabendo da decisão do filho, a tempestade desaba sobre a
mansão da Boa Vista.
A família de JADE também não se dobra ao novo argumento da
mocinha rebelde: pelo costume, aceita-se a conversão da mulher, mas
não a do homem, baseando-se no princípio de que os filhos pertencem
à família do homem e não à da mulher: no caso de uma separação
eles seriam criados pela família do pai, que não é muçulmana.
As pressões se multiplicam sobre os apaixonados.
ALI radicaliza, e JADE fica sabendo que vai ser casada à revelia.
De acordo com as leis islâmicas, sua recusa não impede que a família
realize assim mesmo o casamento negociado.
Nossa heroína se vê posta contra a parede, mas tendo
temperamento independente e forte, desafia os seus e foge de casa,
debaixo de toda a sorte de pragas e maldições, disposta a enfrentar os
riscos e as tormentas que forem necessárias para ficar com LUCAS.
Mas LUCAS, fraco e vacilante, no último momento perde a coragem
de enfrentar FERRAZ e acaba se dobrando à sua vontade.
Decepcionada com a desistência dele, e um pouco pelo seu
despreparo para sobreviver sozinha, um pouco por aquele sentimento
de revide que toma conta da pessoa que se sente traída, ela volta
para a família onde se prepara a festa de seu casamento.
LUCAS se desespera. Num impulso, e escondido de FERRAZ,
viaja disposto a trazer JADE de volta. Usando artifícios que não
explicitaremos aqui, consegue assistir à festa onde homens e mulheres
não se misturam, mas lhe falta coragem para levar adiante o
planejamento de fugir com ela e assumi-la de vez.
Assim, nossa heroína se casa numa bela e tradicional cerimônia,
enquanto LUCAS volta ao Brasil, sentido-se ainda menor e ainda mais
frágil, para submeter-se de vez a sonhos que não eram dele.

ALBIERI, o criador do clone

Gênio? Nesse momento


Cem mil cérebros se concebem, em sonho, gênios como eu
E a história não marcará, quem sabe? Nem um...
Fernando Pessoa

clonar um ser humano é o primeiro passo para que o homem se


converta no próprio Deus
Richard Seed, geneticista americano

Antes de encerrarmos a descrição dos capítulos que compõem a


primeira parte da novela, devemos falar um pouco de ALBIERI,
registrando o que acontece com ele nesse período.
ALBIERI casou-se com EDNA, sua devotada assistente, depois
que perdeu a noiva, por quem estava completamente apaixonado,
num acidente de carro. EDNA, que sempre o amara em silêncio e sem
esperanças, esteve ao lado dele nesse momento difícil, foi o ombro
amigo, a palavra consoladora, a companheira de suas noites de revolta
e insônia. A convivência em fase tão complicada de vida, aprofundou a
amizade entre os dois, de modo que acabaram se casando –ela por
amor, ele por inércia e solidão.
Das dificuldades e grandes confusões que ainda hão de
tumultuar essa relação, vamos falar mais tarde. Por enquanto, é no
terreno profissional e no psicológico que ALBIERI nos interessa.
Nossa personagem é um ex-seminarista e, como a maior parte
dos ex-seminaristas, brigou com Deus, mas continua girando em sua
órbita.
Viveu para a ciência e é um nome respeitado no meio. Tem uma
clínica de alto gabarito e, de sua equipe, participam dois profissionais
que fazem parte dessa história: ANITA e ESCOBAR. Deles, falaremos
mais adiante. Como foi dito anteriormente, ALBIERI participa de
equipes internacionais que desenvolvem experiências no campo da
engenharia genética, e quando a história começa a ser contada, está
mergulhado num projeto de clonagem de animais, em parte financiado
por FERRAZ.
Como a maioria dos profissionais da área, ALBIERI esteve desde
sempre fascinado pela idéia da clonagem humana. Esse fascínio, por
razões que logo entenderemos, aparece, nele, sempre sob o disfarce
de uma brincadeira. Costuma dizer que vai clonar EDNA ou a si
próprio, deixando seu nome inscrito na história da ciência. E quando o
chamam de sonhador, responde citando um velho filósofo alemão: “o
homem só tem os sonhos que são possíveis de realizar”.
É preciso deixar claro que não passa pela cabeça de ninguém
que ALBIERI esteja falando sério. Ninguém o supõe capaz de se
aventurar numa experiência tão perigosa para a imagem de um
cientista respeitado internacionalmente. É moderado demais, discreto
demais, tendo sua carreira sido pautada sempre pelo princípio de
evitar polêmicas e transgressões no terreno da ética. O que ninguém
supunha é que essa postura era derivada de sua timidez e de sua
covardia inata, e não de alguma convicção.
Convém dizer que nem mesmo ele se acreditava capaz de botar
em prática os sonhos de grandeza que o acometiam de vez em
quando: afinal, qual é o profissional que não sonha em realizar o
desafio maior de sua área de atuação? E a clonagem humana é, sem
dúvida alguma, o desafio máximo dos geneticistas de hoje.
Talvez tudo tivesse ficado restrito para sempre ao terreno da
fantasia, se as circunstâncias não tivessem se conjugado de um jeito
tão favorável.
Para começar, devemos levar em conta a personalidade de
ALBIERI: sua ambição, sua vaidade excessiva, seu desejo de poder e
de sucesso. É bem verdade que ele sempre manteve todos esses
elementos sob controle. Valorizava demais sua reputação e isso o
impedia de aventurar-se em qualquer experiência que não fosse
absolutamente legal, por mais atraente que ela lhe parecesse.
Resumindo: tinha um nome a zelar. E essa preocupação com a
imagem pública nunca o deixou dizer o que realmente pensava a
respeito dos rumos que anda seguindo a genética. Exibia,
publicamente, um perfil conservador, porque considerava menos
arriscado e de bom tom mostrar-se dessa maneira.
Ao mesmo tempo, em noites insones, que só deus sabe,
lastimava a covardia que o impedia de ousar e de chegar até onde
achava que podia. Lia as entrevistas do americano Richard Seed, com
quem havia trabalhado em alguns projetos e sentia-se pequeno,
medíocre, ouvindo o colega dizer que começaria a fazer clones em
série e que se os Estados Unidos o proibissem se mudaria para
qualquer país disposto a aceitar suas experiências. Sabia que para
revolucionar era preciso transgredir, e se lhe sobrava talento, faltava
coragem necessária para arriscar transgressões.
Some-se a tudo isso o fato de que ALBIERI lidasse muito mal
com perdas. Ficou órfão muito cedo e, quando mais jovem, perdeu a
noiva às vésperas do casamento. Grande parte do fascínio que nosso
geneticista sentia pela possibilidade da clonagem humana vinha daí,
desse sentimento de vazio e impotência que se tem diante da morte
das pessoas queridas. Como geneticista do século 21, ALBIERI sentia-
se um deus sem coragem de recriar a vida. Faltava o impulso
emocional que o levasse a superar todas as barreiras que a
racionalidade impunha. A morte de DIOGO, reabrindo feridas antigas,
foi esse impulso.
ALBIERI amava DIOGO. Considerava DIOGO o filho que não
teve. Como velho amigo de FERRAZ, coube a ele batizar o menino, a
quem acompanhou sempre muito de perto. Orgulhava-se da
inteligência e do brilhantismo de DIOGO, e comovia-se com a
admiração que o afilhado sentia por ele. Aos olhos de DIOGO, ALBIERI
era um deus, era o poder da engenharia genética em forma de
homem. Toda a reverência, todos os aplausos, todo o reconhecimento
que nosso geneticista sonhava ganhar da humanidade inteira se
tornavam reais no olhar do afilhado. DIOGO fazia ALBIERI se sentir o
gênio que ele acreditava não ter tido coragem de ser.
Pode-se dizer que DIOGO sempre foi o laço afetivo de ALBIERI
com o mundo. Porque, mesmo dentro de casa, nosso geneticista era
sempre reservado, sempre fechado em si mesmo.
Talvez essa incapacidade de lidar com os afetos tenha se
originado nessa sensação de perda que o acompanhou sempre.
ALBIERI tinha medo de amar porque tinha medo de perder. Mantinha
cuidadosa distância das pessoas por quem se poderia envolver. Mas
DIOGO o pegou pelo pé. Depois da noiva perdida, foi o único afeto que
ele não rejeitou, que aceitou integralmente, a única pessoa desse
mundo a quem entregou o coração, sem reservas.
De modo que a morte do adolescente o deixou sem chão.
ALBIERI reviveu, na perda do afilhado, todas as perdas que tanto
atormentaram sua vida. Sentiu-se órfão e sozinho. Foi nesse momento
que a idéia de experimentar a clonagem ganhou força dentro dele. Foi
nesse momento que, pela primeira vez em toda a sua vida, deixou
falar mais alto o coração. Tinha, diante de si, o material necessário,
colhido de um exame recentemente feito por LUCAS.
Não foi uma decisão fácil. Nosso cientista atravessou grandes
crises de hesitação.Não eram hesitações de ordem moral, porque ele
acreditou sempre que não se deva opor obstáculos éticos ao avanço da
ciência, e que as conquistas científicas capazes de beneficiar a
humanidade valem o sofrimento dos indivíduos que venham a ser
sacrificados para alcançá-la. Suas hesitações são de ordem muito
prática: teme que a experiência, sendo tão questionada do ponto de
vista ético, pudesse vir a envolvê-lo num escândalo capaz de manchar
a respeitabilidade de seu nome. Mesmo assim a realizou, contando
apenas com a cumplicidade da assistente ANITA.
ALBIERI faz diversas tentativas antes de conseguir ser bem
sucedido. Utilizou várias mães de aluguel, mas apenas uma delas
conseguiu desenvolver uma gestação: DEUSA, mulher negra, alegre,
simples e de bem com a vida, que lamenta nunca ter tido um filho e
aceita, entusiasmada, a proposta de uma inseminação artificial com
sêmem de um desconhecido.
O fato ainda há de provocar grandes complicações, como se
pode prever, porque quando explodir o escândalo, DEUSA não há de
aceitar a explicação do clone, acreditando que tudo não passa de uma
grande armação para lhe tirarem o filho.
Mas isso é assunto para mais tarde. Por enquanto devemos dizer
que o clone nasce, ALBIERI dá ao menino o nome de LEANDRO e
mantém a história em absoluto segredo. Torna-se padrinho da criança
e leva DEUSA para casa, querendo acompanhar de perto o
desenvolvimento do clone. EDNA, sempre carente, sempre insegura
em relação aos sentimentos de ALBIERI, se enche de suspeitas,
achando que o marido está apaixonado por DEUSA ou que é pai do
filho que ela espera. Só isso justificaria a exigência de que a paciente
ficasse na casa durante a gravidez, e os cuidados e zelos de que ele a
cercava.
ALBIERI contesta as acusações da mulher, dizendo que precisa
acompanhar de perto a gravidez de DEUSA por “interesse científico”.
Mas, afinal de contas, ele já fizera centenas de inseminações artificiais
e nunca estabelecera nenhuma relação pessoal com qualquer paciente.
Por que daquela vez seria diferente?
De qualquer modo, habituada a dizer sempre “sim” ao marido
EDNA acaba aceitando a presença do menino e vivendo dentro de casa
numa guerra surda com a DEUSA.
Mas isso é assunto para mais adiante. Voltemos à gravidez de
DEUSA e aos primeiros anos do clone.
É um período de sustos e expectativas, quando nosso geneticista
se angustia, sem saber como há de nascer e de crescer aquela criança
gerada em circunstâncias tão novas. E quando constata a absoluta
normalidade de LEANDRO, sente-se acuado, sem coragem de trazer a
público o resultado de sua experiência feita de maneira tão anti ética,
sem o conhecimento do clonado, e às custas de tantos e tantos
abortos. Não comunica o sucesso aos proprios membros da equipe que
trabalhou com ele. Só ANITA compartilha de seu contentamento e de
suas angústias.
Nosso geneticista debate-se entre a vontade de mostrar seu
feito ao mundo e o medo de pagar, na vida profissional como na
pessoal, um preço alto demais pela sua ousadia. Em consequência
desse tumulto interno ele se afasta de FERRAZ, que não compreende o
distanciamento do amigo em momento tão delicado e se magoa com
isso.
A presença de uma criança na casa de um homem que nunca
havia demonstrado interesse por crianças provoca a curiosidade
natural dos amigos e uma sensação de estranheza: ALBIERI não falava
do menino que estava criando e mudava de assunto toda vez que
alguém queria conhecê-lo. Mais do que isso: encontrava sempre uma
maneira de escondê-lo das visitas, criando situações de atrito com a
DEUSA e com EDNA, que interpretavam essa atitude como “rejeição”
a LEANDRO.
Os conflitos se sucedem e atingem seu climax quando DEUSA
abandonar a casa do geneticista, na verdade exausta do controle que
ele exerce sobre sua vida e ALBIERI atribuir à mulher a culpa da
repentina partida.
Além de EDNA e DEUSA, os interlocutores de ALBIERI serão:
JULIO, que tem uma visão humanista e acredita que as experiências
científicas devam submeter-se às exigências éticas, SIMONE,
ESCOBAR e ALI, o patriarca dos ADIB. Através de ALI, haveremos de
confrontar o ponto de vista do oriente e o do ocidente no que diz
respeito aos avanços científicos e, mais especificamente, às
experiências de clonagem.
Convém deixar registrado que ESCOBAR participa da segunda
fase da novela. SIMONE, por exigência mesmo da trama, desaparece
no início da segunda fase para só retornar no final.

20 ANOS DEPOIS

o coração tem uma memória própria


Balzac

Como vimos, no final da primeira parte da novela, DEUSA


abandona a casa de ALBIERI, desejosa de viver sua própria vida e
exausta da obssessão de nosso cientista pelo seu LEANDRO. ALBIERI
entra em pânico, alterna períodos de depressão e inércia com
períodos de busca frenéticas pelos fugitivos, atiçando ainda mais as
suspeitas de EDNA.
Acaba encontrando DEUSA, oferece mundos e fundos para que
ela lhe entregue o afilhado, mas só consegue fazer com que ela volte
por pouco tempo para casa: DEUSA foge de novo, dessa vez sem
deixar rastros.
E passa o tempo. Dezoito anos depois, ALBIERI é um deus órfão,
buscando inutilmente encontrar sua criatura e tentando imaginar como
ela teria se desenvolvido. Assim, abre-se um espaço para que, junto
com ele, o público também fantasie sobre o clone.
Deixemos nosso cientista entregue à sua angustia para saber o
que aconteceu com as demais personagens dessa história:
LUCAS FERRAZ assumiu as empresas do pai e é hoje a antítese
do adolescente que conhecemos no início da novela. Tornou-se um
homem duro, calculista, frio, que vive em função do dinheiro e do
poder.
A morte do irmão jogou sobre seus ombros a responsabilidade
de prencher, sòzinho, as expectativas paternas. Sentia-se fraco e
impotente para ser ao mesmo tempo o gerenciador das empresas e o
politico brilhante dos sonhos do velho FERRAZ. Sofreu, acreditando
que o pai, se tivesse podido escolher, teria preferido perder a ele e
não a DIOGO, porque sempre que suspirava pelo filho, FERRAZ não
deixava de lembrar o quanto era mais equilibrado, mais pé no chão,
mais esperto que LUCAS.
Naquela ocasião, nosso protagonista tentou procurar ALBIERI,
desabafar com ele, mas o cientista o evitava o mais que podia,
hesitante que estava entre o desejo de realizar ou esquecer de vez a
experiência do clone.
Assim, LUCAS esteve sòzinho e desamparado nesse momento
tão crucial, e foi empurrado pelo ressentimento, pela frustração, pelo
desejo de mostrar ao pai o quanto valia, que ele acabou conduzindo
sua vida no sentido de preencher o vazio deixado por Diogo.
No climax da crise de identidade decorrente da morte do irmão,
se casou com MAYSA, a namorada dele. Não a amou e não fez força
para amá-la. Sentiu-se sempre árido, sempre incompreendido e
sòzinho. Por medo de sofrer, afastou-se dos sentimentos e revestiu-se
dessa frieza que afasta as pessoas e os amores de seu caminho.
Hoje, JADE é para ele uma lembrança distante, “bobagem de
juventude”, define, sabendo que mente, mas cortando o assunto com
a rapidez necessária a não permitir que se reabram as feridas.
Quanto a FERRAZ, nunca mais conseguiu equilibrar-se depois da
perda do filho. Viveu atormentado por sentimentos de culpa e
buscando, desesperadamente, uma fé capaz de acalmar um pouco a
sua dor.
Tem um grande amigo com quem conversa e compartilha os
seus sentimentos: o LOBATO, que há de ser uma figura importante no
universo das personagens envolvidas com a droga.
LUCAS também terá seu confidente: é OLAVINHO VALVERDE,
um dos diretores da empresa, que vai ter seu casamento ameaçado
por uma história mirabolante e moderna em torno de uma
investigação de paternidade. E uma oponente de peso.
Devemos, nesse momento, dar notícias de YVETE, a namorada
que FERRAZ abandonou depois da morte do filho, para dizer que hoje
mora em Botafogo é dona de um brechó e não desistiu de recuperar
FERRAZ, que também não consegue esquecê-la embora viva se
esquivando dela.
Voltando a LUCAS, convém informar que tem uma filha, MEL (16
anos), adolescente quieta e tímida, que há de provocar uma crise
monumental na família quando se se apaixonar pelo XANDE,
segurança da casa, e vier a enfrentar toda a família, decidida a casar-
se com ele. E quando, um pouco mais tarde, vier a se tornar
dependente química. Mas isso é história para depois.
Voltemos a LUCAS e MAYSA: como se podia esperar, o
casamento dos dois não foi feliz, ainda que ela o tivesse tentado e
tentado muito. Como sempre acontece nesses casos, o jeito arredio de
LUCAS, a indiferença que ele cultivou durante esses anos acabou
sendo mais forte e se impondo sobre o esforço que ela fez para
cultivar algum afeto entre os dois.
MAYSA fecha os olhos aos muitos casos de LUCAS e extravasa
sua frustração gastando muito em coisas supérfluas. Mas quando
JADE reaparece, tudo muda de figura: ela podia admitir os
envolvimentos do marido porque sabia que eram transitórios e que
não havia, neles, nenhum investimento afetivo. Não vai suportar vê-lo
apaixonado, dando a outra mulher o sentimento que sempre negou a
ela.
A guerra torna-se aberta, MAYSA jogando todos os seus trunfos,
chegando mesmo a exigir a separação, certa de que LUCAS a
recusaria, por temor de dividir o patrimônio da família em momento
tão delicado para seus negócios. E, de fato, ele recusa, nem tanto pelo
patrimônio, como ela supunha, mas pelo sentimento de culpa. É a
culpa que o mantém preso àquele casamento, porque exatamente
nessa ocasião, os problemas decorrentes do envolvimento de sua filha
MEL com as drogas, atingem seu clímax.
Vamos deixá-los aqui, entregues a esse novo impasse, para
saber como transcorreu a vida de JADE e a quantas anda a família
ADIB.

JADE

o destino é o acaso atacado pela


mania de grandeza
Mário Quintana

JADE reaparece na vida de LUCAS de uma maneira


surpreendente: quando ele vai negociar um contrato de associação
com um árabe riquíssimo, contrato do qual depende, naquele
momento, a solidez de suas empresas, fica sabendo que se trata de
SAID, o marido de JADE.
Bastou reconhecê-la para nosso empresário ter que admitir que
não se tinham passado nem três segundos daquele primeiro encontro
no Cairo. De repente eram de novo dois adolescentes descobrindo o
amor.
JADE viveu esses anos sem procurar saber nem aproximar-se de
LUCAS. Na passagem de tempo, estará de mudança para o Rio, onde
vai habitar um bairro da zona sul.
Na primeira fase da história, acompanhamos seu mal sucedido
casamento com SAID, o noivo árabe imposto pela família, as
desavenças com NAZIRA, a irmã mais velha dele, e suas desesperadas
tentativas para separar-se , quando ela tenta fazer com que o marido
arranje outras esposas, evita filhos e, sabendo que não foi preparada
para sobreviver no mundo, porque viveu sempre dentro de uma
redoma, procura aprender alguma coisa que lhe permita garantir a
desejada independência, depois da separação.
Convém sublinhar que nossa heroína enfrenta essas dificuldades
de vida com esperteza e malícia, não havendo de ter, apesar de tudo,
uma aparência sofrida: o que ela enfrenta, se parece muito para uma
mulher ocidental, é mais do que costumeiro para a mulher árabe, que
já nasceu sabendo que sua vida não haveria de ser decidida por ela, e
vive cercada de mulheres que compartilham desse mesmo destino.
Mas voltemos aos fatos: num determinado momento, JADE
planeja uma fuga: consegue roubar o passaporte trancado no cofre de
SAID, vende as jóias que tem e vai embora. SAID, apesar de instigado
por NAZIRA a esquecer-se dela, consegue reencontrá-la e trazê-la de
volta, momento em que JADE é ameaçada e corre o risco de sofrer as
severas punições previstas pela lei islâmica. A gravidez a salva e põe
diante de um novo conflito: aqui vamos explorar os sentimentos da
mulher que espera um filho do homem que não suporta. JADE achou
que não se apegaria à criança, mas não aconteceu assim: amou
aquela filha desde que a puseram em seus braços e sentiu-se capaz de
tudo por amor a ela. KADIJA, a filha de JADE, terá entre 8 e 10 anos,
quando acontecer o reencontro com LUCAS.
Deixamos claro que, durante todo esse período, se ela não
procurou por ele, é verdade que o guardou e cultivou na lembrança
como o grande e único amor de sua vida. O tempo e as decepções
posteriores só fizeram intensificar esse sentimento, e ampliar ainda
mais a dimensão de LUCAS. Como costuma acontecer com as pessoas
que não são felizes, JADE imaginava que tudo teria sido diferente se
ela e LUCAS tivessem ficado juntos. De natureza fantasiosa, concebia
sua vida real como nada tendo de bom, e acreditava que, ao lado de
LUCAS, teria vivido sempre mergulhada num mar de rosas. Idealizou a
figura dele, apagou da memória seus defeitos e suas fragilidades, e o
reconstruiu como um príncipe encantado desses que só se encontram
nos melhores contos de fadas.
Desse modo, não soube avaliar o homem que tinha diante de si
quando o reencontrou. Como todo árabe, acreditava na força do
destino, e se o destino os reunira assim, algum sentido teria esse
reencontro.
LUCAS vive o impasse de reatar com ela, correndo o risco de
botar a perder o vantajoso negócio que está prestes a fechar com
SAID. Além disso, a culpa, as chantagens emocionais de MAYSA, tudo
conspira para mantê-lo prisioneiro daquela casa e daquela vida.
JADE, por sua vez, teme que uma separação a afaste
definitivamente da filha, porque, pela lei islâmica, os filhos pertencem
ao pai e, em caso de separação, devem ser criados por ele e pela
família dele. Enfim, ambos têm razões de sobra para tentar resistir.
Tentam, mas não conseguem. E acabam retomando o romance
interrompido há tantos anos.
De início, essa necessidade de manter tudo em segredo é
conveniente aos dois, porque JADE terá que resolver sua situação com
o marido árabe. É uma fase de muitos tumultos, com os dois
apaixonados tendo que recorrer a artifícios inusitados para promover
seus encontros.
Sendo muito difícil para JADE conseguir o divórcio, porque diante
da justiça ela não teria como justificar não querer mais o marido
árabe, resta-lhe provocá-lo o suficiente até que ele se canse dela e,
seguindo o costume, diga três vezes “eu te repudio”, para que a
separação seja consolidada.
Através de artifícios, JADE acaba conseguindo irritá-lo a ponto de
fazê-lo pronunciar as palavras que sacramentam o divórcio. SAID logo
se arrepende, mas não pode voltar atrás: pelas leis do Alcorão, JADE
terá de ficar casada durante alguns meses com outro homem antes de
poder casar-se de novo com ele.
Esperta, evita que o marido negocie esse casamento (que,na
prática, pode ser fictício) com algum dos seus conhecidos, e contrata
ela mesma um casamento com o ZEIN, egípcio récem chegado e sem
parentesco com a família ADIB. ZEIN é um homem belíssimo e
sedutor, que anda causando verdadeiras devastações nos namoros e
casamentos à sua volta, tendo ganho dos maridos e namorados
injuriados o apelido de “a maldição do faraó”.
JADE oferece a ele uma boa quantia e, usando de artifícios, o
aproxima do marido, que o escolhe e contrata, sem saber do
compromisso que ele havia anteriormente assumido com JADE: o de
só deixá-la livre no momento indicado por ela. Com isso, ela espera
ganhar tempo para que LUCAS decida sua situação e se disponha a
assumi-la de vez. Mas não conta com um imprevisto: ZEIN se
apaixona realmente por ela, e lança mão de todos os recursos de
sedução para fazê-la apaixonar-se por ele.
LUCAS E SEU DUPLO: A SEGUNDA CHANCE DE UM HOMEM

ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio


Heráclito

não chame de filho


este ser diverso
que pisa o ladrilho
de outro universo (..)
Liberto da herança
de sangue ou de afeto
desconhece a aliança
do avô com seu neto (..)
feliz, por que não?
pois rompeu o nexo
da velha criação,
eis que o homem feito
em laboratório
sem qualquer defeito
como no antigório
acabou com o homem
Bem feito!
Drummond

Durante alguns anos ALBIERI fica sem saber de DEUSA e de


LEANDRO. Perde o rastro dos dois. E, nesse período, vive a angústia
de não saber como cresceu e se desenvolveu a sua criatura. Toda a
expectativa, as fantasias de todos nós a respeito de como seria a
alma, os sentimentos de alguém como LEANDRO, nascido de maneira
tão anti-natural, são vividas aqui.
A genética nos diz que o clone é um ser humano exatamente
igual a qualquer outro. Na verdade, um gêmeo idêntico desencontrado
no tempo. O que é novo, o que é original em tudo isso é apenas a
maneira como ele aparece no mundo, e o fato de que ele seja um
duplo não programado pela natureza, e sim pelo próprio homem. Mas
o artifício de brincar com o mistério permite atiçar a fantasia e a
curiosidade do público, dando mais colorido à novela e aumentando a
dramaticidade da trama.
Assim, depois da passagem de tempo, o clone não aparece de
imediato: ele vai circundando as personagens, chegando perto delas
devagar, até o momento em que entre realmente na história,
causando grandes transtornos e promovendo mudanças radicais nas
vidas de todas elas.
A idéia é deixar sempre uma certa dubiedade em sua figura, de
modo a alimentar, o mais que possível, a imaginação e a fantasia do
público. Sua alma nunca se mostra por inteiro, ele escorrega quando
pensamos que o conseguimos decifrar. Deve ser o avesso de LUCAS,
alegre, infantil, espontâneo, tudo aquilo que foi sufocado no nosso
protagonista será sublinhado nele. Fechado o breve parêntesis,
voltemos à trama.
MAYSA descobre o romance de LUCAS com JADE e sofre, ao
constatar que dessa vez é diferente: há sentimentos em jogo. Sente-
se traída, humilhada. A guerra é declarada: em casa e na empresa, Os
conflitos com MAYSA se multiplicam e JADE já não aceita os
argumentos práticos que ele utiliza para justificar sua permanência
num casamento que, segundo ele próprio afirma, só o faz infeliz.
Na verdade, aos poucos, nossa heroína vai se decepcionando
com esse reencontro tão sonhado: o LUCAS de hoje, pouco ou nada
tem a ver com aquele LUCAS de 18 anos atrás, por quem ela tinha
atravessado mares e removido montanhas. Perdeu a poesia, a
delicadeza, tudo o que tinha feito dele o príncipe encantado que ela
não conseguia esquecer. “Mudou ele ou mudei eu?” se perguntava
JADE. E algumas vezes imaginou que melhor seria que nunca o tivesse
reencontrado: o LUCAS de hoje destruía a idealização do amor e da
felicidade que durante tantos anos a alimentara e dera forças para
suportar a triste realidade de sua vida.
Por sua vez, LUCAS sente a decepção dela e se magoa: antes
nunca a tivesse reencontrado, antes pudesse continuar a viver com a
sensação de que alguém nesse mundo gostava dele realmente e o
compreendia.
Pressionado pelas duas mulheres, LUCAS se sente num beco
sem saída.
É nesse momento que LEANDRO aparece em sua vida. em
circunstâncias que não convém determinar na sinopse, causando
grande impacto e provocando as mais diversas interpretações para tão
assombrosa semelhança: DALVA está certa de que se trata de um caso
inquestionável de reencarnação. E LUCAS acredita que o menino seja
na verdade um filho póstumo de DIOGO, pois uma vez ouvira o irmão
dizer que fizera uma doação de sêmem para o laboratório de ALBIERI.
A hipótese levantada por LUCAS é conveniente a ALBIERI, e ele
a teria confirmado, não fossem as ameaças de DEUSA, que está
disposta a ir à justiça denunciar o logro em que caíra: aquele filho era
dela, só dela. ALBIERI lhe garantira que o pai jamais apareceria, e só
nessas circunstâncias ela havia concordado em se submeter à
inseminação. Como é que ele vinha agora com essa história de que o
menino tinha um pai, um pai milionário que queria assumi-lo?
A confusão atinge seu clímax. Pressionado por todos os lados e
sentindo a iminência do escândalo, ALBIERI confessa a verdade a
EDNA e pede sua ajuda para conseguir sair-se bem da situação,
arranjando uma história que acalme os ânimos exaltados. EDNA
concorda, vendo naquele pedido de socorro uma chance de
reconciliação com o marido.
Mas tudo muda de figura quando ela desconfia de uma traição
de ALBIERI. Então se volta contra ele e, vingativa, acaba denunciando
a história do clone.
EDNA é a personagem através da qual haveremos de falar da
mulher submissa, cordata, que faz da própria vida um exercício
constante de anular-se diante das vontades do marido. Aquela que
nunca oferece resistência, a que os homens não temem, sendo a que
mais deveriam temer, porque a experiência demonstra que sob aquela
superfície que parece tão mansa, acumulam-se frustrações,
ressentimentos e amarguras que um dia hão de explodir e promover
verdadeiras devastações.
Depois da partida de DEUSA e de LEANDRO, EDNA foi sentindo o
marido cada vez mais frio e mais distante. É nesse momento que,
carente de companhia e de afeto, hospeda em sua casa uma sobrinha
pobre, a perigosa ALICINHA, que muitos transtornos há de provocar
naquela família, como haveremos de ver.

O tempo, esse devorador das coisas


Ovídio

Voltemos a LEANDRO, para dizer que seu aparecimento provoca


uma grande reviravolta nas vidas já bastante conturbadas da família
FERRAZ e de JADE.
Entre clone e clonado se cria uma estranha simbiose, uma
relação ambígua de amor e ódio, de dependência e estranhamento.
Desde o momento em que se revela a clonagem, os dois começam a
se pensar como uma unidade. Sentem-se acorrentados, presos um ao
outro como numa camisa de força.
Devemos dizer que, num primeiro momento, LUCAS tomou-se
de encantamentos por LEANDRO: estava diante de si mesmo, de uma
nova chance de vida. Olha para ele com a ternura com que recorda a
si próprio, assim adolescente, tão cheio de alegria, de expectativas e
projetos. Está encantado com a perspectiva de realizar um velho
sonho humano: ter uma segunda chance, ser jovem de novo, com a
experiência de hoje. O aparecimento do clone o faz perceber que a
vida é rascunho: LEANDRO é a possibilidade da vida passada a limpo.
Mas ao mesmo tempo que alimenta a vaidade de LUCAS,
LEANDRO revela cruelmente o quanto ele envelheceu, endureceu, ao
longo desse tempo. E, tendo vida própria, os seus sentimentos, as
suas vontades, tudo o que o particulariza, irrita o seu original. LUCAS
se sente traído pela individualidade dele.
Por outro lado, acompanhamos a rebelião de LEANDRO,
sentindo-se um prisioneiro da genética, na medida em que terá
sempre diante de si, através da figura de LUCAS, o seu retrato
amanhã.
Não pode, como todos os adolescentes do mundo, sentir-se
eterno, porque está sempre em confronto com sua imagem
envelhecida, e mais que isso: as determinações físicas o fazem
fantasiar determinações subjetivas -acredita que não possa ultrapassar
os limites que LUCAS não ultrapassou, sente-se como uma semente
que pode ver o fruto em que há de se transformar por uma lei
irrevogável da natureza. LUCAS é o seu limite.
LEANDRO se sente estrangeiro nesse mundo organizado em
núcleos familiares onde ele não se encaixa em nenhum papel. Não tem
pai, nem mãe, nem irmãos, sua única referência é o homem que lhe
serviu de molde.
Quando se pensa como a cópia de LUCAS ele se anula como
indivíduo, mas pode, de certa forma, apoderar-se de uma vida que
não é sua, de vínculos que não são seus. Quando deseja resgatar sua
individualidade, sente-se o homem mais sòzinho, mais deslocado da
face da terra, e realmente o é.
Os afetos que lhe dedicam não são afetos nascidos das relações
humanas: para ALBIERI ele é um orgulho científico, para DEUSA, um
engano, para LUCAS uma vaidade, para o velho FERRAZ e DALVA, o
resgate de um filho perdido.
A velha babá chora de emoção ao vê-lo e não tem nenhuma
dúvida de que se trata da reencarnação de DIOGO. FERRAZ sente-se
completamente perturbado e se apega a ele como se ele fosse o filho
que perdeu. LEANDRO lhe devolve a força e a alegria. Volta a se
interessar pelos negócios, ri de novo, até se permite ter saudades de
YVETE e procura, às escondidas, saber de seu destino. Como se
pudesse retomar a vida do ponto em que a tinha deixado. Mas desse
reencontro com YVETE e dos acontecimentos daí decorrentes,
deixemos para o suspense dos capítulos. Por enquanto, basta dizer
que depois do aparecimento de LEANDRO, LEÔNIDAS FERRAZ é um
outro homem no dizer de todo mundo. LOBATO, sendo kardecista e
tendo previsto que DIOGO haveria de reencarnar na família, é talvez o
mais assustado de todos e muito impressionado com o aparente acerto
de sua previsão, dedica-se agora a encontrar, no sobrenatural,
reforço à idéia de que LEANDRO, não importa como tenha sido feito,
seja mesmo a reencarnação de DIOGO.
Outros membros da família acreditam que ALBIERI tenha
utilizado o sêmem doado por DIOGO à clínica de fertilidade e que o
clone seja um filho póstumo do gêmeo prematuramente morto. Enfim,
oferecemos três, ou até mais hipóteses para explicar o fenômeno. O
público escolhe a que melhor lhe convier.
A coisa se complica quando o velho FERRAZ, anuncia seus
planos de assumir a paternidade de LEANDRO, fato que provoca
grandes controvérsias e determina a eclosão da hostilidade de LUCAS
contra a sua cópia. Como se não bastasse, JADE também se sente
confusamente envolvida por LEANDRO, buscando, nele, os vestígios
do LUCAS que tinha amado.
Estará, então, entre duas possibilidades de amor: numa ponta
do triângulo teremos LUCAS, dividido em dois: o LUCAS de hoje e o
LUCAS de ontem, revivido na figura de LEANDRO. Na outra, o ZEIN.
De um lado, o amor idealizado, aquele que ela sonhou na
adolescência, do outro, o amor maduro, o amor realidade. Trocando
em miúdos, JADE é a mulher que deve escolher entre a fantasia e a
realidade.
Assim, LUCAS será, através de LEANDRO, o rival de si próprio.
À parte o terreno do amor, a situação de LEANDRO é realmente
delicada porque, do ponto de vista genético, o parentesco é inegável:
clone e clonado são gêmeos idênticos em idades diferentes, mas a lei
não prevê ainda esta forma de ser irmão. Um outro complicador é o
fato de que LEANDRO tenha nascido sem o conhecimento de LUCAS
nem de sua família. Sendo assim, quem seria o responsável jurídico
por ele? LUCAS? LEONIDAS? ou ALBIERI?
Depois das denúncias de EDNA a disputa há de chegar à justiça,
e pediremos a juizes verdadeiros (como foi feito em “Barriga de
Aluguel”), que dêem seu veredicto a respeito dessa questão sobre a
qual ainda não se legislou no país. Por outro lado, a situação permite,
mais uma vez, introduzir o jornalismo na ficção: temos todo o espaço
para ouvir, no corpo da novela, a opinião dos religiosos, dos cientistas,
do público em geral sobre a ética desse procedimento, e sobre as
questões que vêm suscitando, como por exemplo: se o clone tem
alma. Será uma maneira de levar para as ruas uma discussão que, no
Brasil, se mantém restrita ao nível acadêmico. Afinal de contas, é o
destino da humanidade que está em jogo, através dessa experiência
fascinante e temerária.
Quando começa a disputa com o clone, LUCAS vai em cima de
ALBIERI, deixando nosso ousado cientista numa situação dificílima,
porque havia realizado a experiência por conta própria, sem apoio de
nenhum conselho de ética e ainda mais: sem a concordância do
clonado.
Sabe que não agiu da maneira mais correta, mas acha também
que se os cientistas agissem sempre da maneira mais correta, a
ciência não teria evoluido tanto. As grandes conquistas científicas, diz
ele, só se fazem às custas de muitas transgressões. De qualquer
modo, sendo um profissional respeitado e muito bem considerado em
seu meio, ALBIERI teme as consequências de um escândalo dessa
natureza. Até porque, no momento em que tudo isso acontece, está
para ser indicado para um posto que sempre ambicionou durante toda
a vida, e sabe que uma polêmica desse porte inviabilizaria de vez os
seus projetos.
Mas vamos deixar que essa virada de mesa seja revelada apenas
nos capítulos.

AS PARALELAS

DEUSA, A MATERNIDADE TRAÍDA

o coração humano tem cordas que é melhor não tocar


Charles Dickens

DEUSA teve sempre o sonho de ser mãe. Enquanto outras


idealizam o amor, ela desde menina sonhou esse filho através do qual
haveria de passar a limpo a sua existência pobre, a infância pelas
casas alheias, onde a mãe trabalhava fazendo as faxinas com que
sustentava os muitos outros filhos que andam hoje espalhados pelo
mundo.
Sendo de temperamento forte e determinado, DEUSA muito cedo
deixou os seus e veio tentar a sorte no Rio de Janeiro, atraída pelas
promessas da cidade grande, onde tudo parece possível acontecer.
Veio acreditando que poderia tornar-se uma cinderela, uma atriz de
sucesso, uma vedete, uma enfermeira, qualquer coisa de reconhecida
importância. E o coroamento de todas as maravilhosas situações de
vida que sua imaginação foi capaz de conceber então, era a vinda do
filho. O tempo tratou de minguar essas primeiras ambições, e quando
a novela começa a ser contada nós vamos encontrá-la vaidosa por ter
conseguido sobreviver em meio tão hostil e, ainda por cima, como
autônoma: é manicure, dessas que atendem nas casas dos clientes, e
sendo competente em seu ofício, acabou formando uma clientela
razoável e fiel. E foi assim, fazendo as unhas de EDNA, que seu
caminho cruzou com o de ALBIERI.
Devemos abrir um parêntesis para dizer que, récem chegada ao
Rio, nossa valente migrante trabalhou, como costuma dizer “feito uma
condenada” nos mais diversos ofícios: lavou chão, serviu em bares,
bateu cartão em fábricas, e assim foi conseguindo juntar aquele
mínimo necessário para garantir uma estabilidade que lhe permitisse
ser mãe. Sim, porque DEUSA não queria por um filho no mundo para
criar do jeito que foi criada, confiando na graça de deus e na boa
vontade dos outros. Seu filho haveria de ganhar os brinquedos que
ela não ganhou, teria as chances que ela não teve. E um dia seria
alguém. Ela também seria alguém através dele, e então tudo faria
sentido: as lutas, as privações, os obstáculos vencidos só ela e Deus
sabem como. Seu filho seria uma espécie de medalha, de troféu
concedido pela vida, para premiar o mérito dos tantos sacrifícios que
fizera em nome dele. Tinha uma certeza íntima de que seria assim.
Por esse filho, que nem existia ainda, guardou cada tostão de
seus modestos salários, deixando de lado as pequenas vaidades: as
roupas novas, as tinturas de cabelo, as bijuterias, os passeios. E foi
assim, economizando tanto, que conseguiu juntar o dinheiro
necessário para dar entrada numa casa própria, que haveria de pagar
em muitas prestações. Nesse momento acreditou que tivesse, enfim,
chegada a hora certa de viver a maternidade.
Por essa época, estava noiva de EDVALDO, o alfaiate-dançarino
que, mais tarde, vamos reencontrar no subúrbio. Noiva e, convém
deixar claro, apaixonada. Tudo parecia caminhar como nos contos de
fadas, até o momento em que seu EDVALDO revela que não pode ser
pai. DEUSA perde o chão. Ele propõe adotarem uma criança, mas ela
não aceita a solução. Quer pelo menos um filho nascido de seu corpo,
de seu sangue. Precisa da sensação física da maternidade.
Através de EDNA, que se tornara cliente, descobre a inseminação
artificial, mas agora é EDVALDO quem recusa: jamais aceitaria a sua
mulher grávida de um homem que ele nem sabe quem é! DEUSA põe
o filho e EDVALDO na balança de seu coração, e decide pelo filho.
Assim, em meio a muito sofrimento, nenhum deles querendo abrir
mão de seu ponto de vista, o romance chega ao fim.
Desiludida, disposta a nunca mais investir nas histórias de amor,
DEUSA resolve que melhor será ter seu filho sòzinha. E candidata-se à
inseminação nos laboratórios de ALBIERI.
Nosso geneticista, que por essa época andava atormentado pela
tentação de fazer a experiência da clonagem, enxerga nela a candidata
perfeita. A bem da verdade, atormentou-se durante algum tempo,
tendo pesado em sua consciência o engano a que submetia a honesta
e confiante manicure. Mas acabou tomando a decisão. E assim, DEUSA
acreditou que seu sonho se cumpria, quando ficou grávida de um filho
que não era seu.
LEANDRO nasceu como deveria: branco, cópia exata de LUCAS.
Na sua ingenuidade, DEUSA acreditou que ele havia puxado aos
ancestrais holandeses que sua mãe gabava tanto. E foi, em parte,
temendo que ela descobrisse a impossibilidade de ter contribuído
geneticamente para a formação do menino, que ALBIERI a manteve
enquanto pôde dentro de sua casa, enfrentando, as desconfianças de
EDNA e encarando as brigas e discussões daí decorrentes como um
mal infinitamente menor.
A trajetória de DEUSA é toda pontuada pelos sabores e
dissabores da maternidade. A cada dia sentia o seu LEANDRO mais
ligado a ALBIERI e mais distante dela. Lutara tanto pra conquistar um
mundo para oferecer ao filho. E conquistara: um mundo pequeno, mas
dela, regado a seu suor e temperado com a coragem com que desafiou
os obstáculos até conseguir se tornar essa manicure autônoma e
conceituada, proprietária de uma pequena poupança e pagante das
prestações de uma casa própria. Isto, que para ela significava tanto,
parecia nada aos olhos de LEANDRO, que crescia num universo muito
maior: o de ALBIERI. Passou a reparar e a se ressentir com a
incredulidade das pessoas quando se apresentava como a mãe do
menino. E a ter medo da decepção que percebia em LEANDRO nessas
ocasiões.
E assim, movida pela sensação de que ALBIERI se apropriava de
seu filho ela abandona a casa. A decisão era necessária, mas veio
tardia: tendo sido criado como um neto, cheio de paparicos e mimos,
LEANDRO não se adaptou à vida pobre que sua mãe podia lhe
oferecer, e desenvolveu um profundo ressentimento contra ela. Muitas
vezes fugiu, na esperança de reencontrar ALBIERI, mas as lembranças
que guardava da casa de sua infância eram vagas, e ele não conseguia
encontrar o caminho de volta. Nessas ocasiões, DEUSA entrava em
verdadeiro desespero, largava tudo e vagava pelas ruas até que o
encontrasse. A convivência dos dois é sempre explosiva e pontuada de
tumultos.
Quando a história der o salto de tempo, LEANDRO estará fugido,
de modo que possa, conforme o previsto, reaparecer aos poucos e de
maneira a alimentar a curiosidade do público.
Também quando se der a passagem, DEUSA estará de mudança
para o subúrbio, onde vai voltar a trabalhar com NOÊMIA, amiga e
confidente de muitos anos. Ali reencontra EDVALDO, morando num
quarto alugado na casa de DONA ODETE, mãe da ambiciosa KARLA.
Convém registrar que a história de DEUSA e EDVALDO será
pontuada por muitas dores e por muitas alegrias, por muitos encontros
e por muitos desencontros, porque assim acontece nas histórias de
amor.

OS ADIB

A Deus pertence o invisível dos céus e da terra


Alcorão

Os primeiros membros da família ADIB vieram para o Brasil há


muitos anos e se estabeleceram num subúrbio do Rio, que haveremos
de localizar a seu devido tempo, onde prosperaram se dedicando às
artes do comércio.
Na segunda parte da história, MOHAMED e LATIFFA terão uma
filha moça, SAMIRA, que MOHAMED deseja casar com um patrício
seu. E um menino temporão, o AMIM.
São felizes. LATIFFA temeu, no inicio do casamento, que a falta
do filho homem o levasse a tomar uma segunda esposa. Quando AMIM
nasceu ela tranquilizou-se e não pensou mais nisso.
A tempestade se arma com a chegada da irmã mais velha de
MOHAMED, a NAZIRA, que se dedica a provocar verdadeiros
terremotos familiares. De acordo com a tradição, o homem nunca fica
ao lado da mulher contra sua própria mãe ou irmã que fez as vezes de
mãe, de modo que nossa LATIFFA há de sofrer as penas do inferno,
como haveremos de ver.
Pouco depois da chegada da intrigante NAZIRA, MOHAMED vai
ao oriente encontrar um marido para SAMIRA e surpreende a todos,
trazendo uma segunda esposa. É uma moça mais jovem e se chama
RANYA. A confusão é grande quando se descobre que a moça foi
escolhida com ajuda de NAZIRA, que a descreveu a MOHAMED,
gabando suas qualidades e insuflando-o a casar-se com ela.
As duas esposas vivem num eterno conflito, trazendo muitas
complicações para a vida do invejado árabe que, de acordo com os
costumes, deve tratar as duas igualmente, dando-lhes os mesmos
presentes e as mesmas atenções, sob pena de estar inflingindo os
ensinamentos do Alcorão. A história de MOHAMED e suas duas esposas
será contada com muita leveza e humor.
Na casa moram ainda ZORAIDE, a velha criada, e contamos com
a presença esporádica de nosso ALI e do tio ABDUL, fundamentalista e
fiel seguidor das tradições muçulmanas, sempre a lamentar o
afrouxamento dos costumes de seus conterrâneos aqui no Brasil e
atribuindo a esse contacto com o ocidente todos os dissabores do
mundo Árabe e de sua família em particular.

MEL E XANDE

Contra o destino não adianta cautela


ditado árabe

MEL, a filha de LUCAS e MAYSA, foi criada com excesso de mimo


e paparico, tendo todos os seus desejos satisfeitos. Mesmo assim,
como é comum acontecer nesses casos, não se sentia amada, e
interpretava o acúmulo de presentes e de vontades que lhe faziam os
pais como artifícios para esconder a falta de atenção e de tempo.
Talvez tivesse alguma razão, porque os dois viviam imersos demais
nas suas carências pessoais, de modo que o amor que dedicavam a
MEL era também uma válvula de escape para as frustrações de cada
um. Por isso, esse afeto soava para a menina como tendo alguma
coisa de falso, de irreal.
Por sua vez, procura chamar a atenção dos pais com atitudes
extravagantes e imaturas, e estava sempre se metendo em confusões.
Pra culminar, começa a namorar o XANDE, um dos seus
seguranças pessoais, e decide casar-se com ele. LUCAS e MAYSA, que
fazem o possível e o impossível para separar os dois, acreditando que
a filha estava sendo vítima de um espertalhão interessado apenas em
seu dinheiro.
No empenho de resguardar MEL passa a valer tudo: intrigas,
acusações falsas, perseguições de todo o gênero, escândalos
domésticos e bate bocas.
Instaura-se uma verdadeira queda de braço entre a filha e os
pais. E como costuma acontecer nesses casos, a crise produz uma fiel
radiografia daquela família, revelando suas fragilidades e as bases
falsas em que ela se sustentara sempre.
MEL denuncia, sem dó nem piedade, as mazelas de cada um,
tornando a situação entre LUCAS e MAYSA cada vez mais
insustentável.
Aqui, haveremos de abordar, com a delicadeza necessária ao
horário e ao veículo, dois temas de grande atualidade: a gravidez
precoce e a droga entre os jovens. Sim, num determinado momento,
MEL se torna dependente química, separa-se de XANDE, da família,
das expectativas, sonhos e projetos de vida que a alimentavam antes,
para empreender um mergulho de gravíssimas consequências no
universo das drogas.
Através dos dissabores enfrentados pela personagem nesse
trajeto, teremos a oportunidade de lançar uma bela e contundente
campanha, com o intuito de alertar a garotada para os riscos de tal
descaminho.
Mas sobre o desfecho de seu tormentoso romance, nada mais
convém revelar: é assunto para os capítulos

cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é


Caetano Veloso
A campanha anti-drogas será levada através das histórias de
MEL, NANDO E CECÉU.
NANDO tem vinte e poucos anos, é advogado récem formado e
trabalha na empresa de FERRAZ, onde tem se revelado um
colaborador precioso. Ali, todos esperam que tenha grande futuro. É
filho de CLARICE, a secretária de LUCAS, e de ESCOBAR, o assessor de
ALBIERI. Os dois estão separados e, quando NANDO começa a
apresentar alterações de comportamento, CLARICE está atravessando
uma fase boa da vida. Começou a namorar e está sendo promovida no
escritório.
NANDO e CECÉU, o filho de LIDIANE e OLAVINHO, são amigos
desde pequenos, e tem um projeto comum: ganhar destaque como
dupla num tipo de esporte que haveremos de definir depois, de acordo
com a habilidade dos atores escolhidos. A um determinado momento,
a parceria se perde, NANDO enveredando pelo caminho das drogas,
deixando de ser o rapaz bonito e saudável que sempre fôra, para
transformar-se num verdadeiro farrapo de gente. CECÉU tenta ficar ao
lado do amigo, trazê-lo de volta, mas não consegue. E aos poucos,
NANDO vai perdendo tudo o que havia conquistado: o trabalho, os
amigos, a credibilidade junto às pessoas. MEL o acompanhará nesse
mergulho. Em contraponto, assistiremos a ascenção de CECÉU.
A trajetória dos dois há de trazer gravíssimas consequências,
tanto para a vida pessoal de cada um, quanto para as famílias de
ambos. No começo, tanto LUCAS e MAYSA, quanto CLARICE e BETO,
vivem a fase da negação: apesar de todos os indicadores, eles se
recusam a admitir que um problema desse porte esteja acontecendo
em suas casas. Depois, a coisa toma um vulto tamanho que não há
mais como esconder-se da realidade. Resta escondê-la dos amigos,
até que nem isso seja mais possível. E começa o jogo de culpas, os
desmoronamentos emocionais, as tentativas (desesperadas e às vezes
até desastradas), de fazer com que os seus filhos voltem a ser o que
eram.
Nesse período, atordoados e sem saber mais a que ou a quem
recorrer, MAYSA e LUCAS fazem seu mea-culpa, e esquecidos das
desavenças passadas, vão atrás do XANDE, pedir a ajuda dele para
recuperar MEL, que ainda por cima está grávida.
E aqui as complicações atingem o clímax: quando tem seu bebê
nos braços, quando se sente capaz de mudar radicalmente por amor
ao filho, MEL vive a ameaça de perdê-lo em consequência dos danos
causados pela droga ao récem nascido.
Convém abrir um parêntesis para registrar o diálogo que
estamos mantendo, através da internet e pessoalmente, com usuários,
ex-usuários e seus familiares, e também com as instituições ligadas ao
assunto. Todas essas pessoas tem participado com entusiasmo e
demonstram confiança na força que a novela tem para levantar um
debate nacional em torno do tema e ajudar efetivamente as pessoas
que vivem o problema.
Mais uma vez abre-se o espaço para unir ficção e realidade: os
grupos de recuperação frequentados por MEL e NANDO serão
formados por pessoas reais, que hão de dar seus depoimentos e
mostrar, através de seu exemplo, que existe saída, existe esperança.
Outra personagem que faz parte desse universo é o LOBATO,
amigo de LUCAS e de LEÔNIDAS. LOBATO foi viciado durante um bom
tempo de sua juventude, e estará sempre por perto, pontuando com
observações críticas a vivência dos jovens, de modo a que não se
venha a correr o risco de alguém enxergar qualquer possibilidade de
incentivo ao vício, quando MEL e NANDO começarem a experimentar
as drogas. LOBATO é a consciência do que os adolescentes estão
vivendo no presente. É alguém que está no fim do caminho que eles
estão começando a trilhar.

\ LIDIANE E OLAVINHO

o casamento deve lutar contra um monstro que


tudo devora: o hábito
Balzac

OLAVINHO, assessor de LUCAS, é casado com LIDIANE, mulher


simpática e insegura, ciumentíssima, sempre descobrindo receitas
para fazer-se mais bela e mais atraente.
Sabendo que OLAVINHO vive cercado de mulheres bonitas
tentando atraí-lo, LIDIANE utiliza todas as artimanhas para mantê-lo
interessado nela. Frequenta cursos de streap-tease e outras novidades
lançadas para donas de casa, e quando andam juntos na rua, costuma
fazer caretas e mostrar a língua para os homens que passam.
Naturalmente, os homens a acompanham com o olhar, boquiabertos, e
OLAVINHO constata que sua baixinha tem algo mais, nunca viu mulher
que chamasse tanta atenção na rua.
É uma mulher esperta e cheia de idéias novas, mas frágil no
campo emocional: o ciúme e a impulsividade a fazem perder o rumo e
entrar em situações complicadas.
LIDIANE é grande amiga e confidente de MAYSA. Tem um bom
casamento com OLAVINHO, mas a relação dos dois há de sofrer
grande abalo quando uma mulher que nosso assessor jura que nunca
viu aparecer reinvindicando um teste de paternidade, e o resultado for
positivo. O mistério do caso acaba sendo desvendado na clinica de
ALBIERI, mas isso é assunto para os capítulos.
LIDIANE e OLAVINHO têm, além de CECÉU, uma filha,
TELMINHA, amiga e confidente de MEL.

ALICINHA, A ENGANADORA ENGANADA

Malandro demais se atrapalha


dito popular

ALICINHA, filha de uma prima que EDNA não vê desde criança,


chega ao Rio sem condições de manter uma casa própria, é é
amparada por Edna, que a hospeda e acolhe.
Chega reservada, humilde, empenhada em ser útil, em agradar.
Ajuda nos afazeres de casa, acompanha EDNA, aconselha, tem sempre
uma palavra amiga e preciosa para seus momentos de insegurança,
mostra-se disponível para bater os relatórios de ALBIERI, revisá-los e,
assim, vai conquistando a todos com seu jeito simples e meigo,
tornando-se, em pouco tempo, indispensável a casa e ao pessoal da
clínica.
Com o tempo, vamos descobrindo que, sob aquela aparência
angelical esconde-se uma mulher dissimulada e perigosa, movida por
uma ambição desenfreada, por uma fome de poder que a faz atropelar
quem esteja a sua frente e dificulte a concretização de seus projetos.
ALICINHA há de provocar grandes desavenças entre EDNA E
ALBIERI, além de atravessar o caminho de ESCOBAR, a quem seduz e
engana, tornando-se responsável pelo fim de seu casamento com a
batalhadora CLARICE, que estará praticamente sozinha para enfrentar
os transtornos do envolvimento de NANDO com as drogas.

o subúrbio e seu pequeno mundo

a humanidade cabe toda ali, na minha pequena aldeia


declarou miss Marple

O subúrbio está unido à história central pela saga de JADE e pela


história de DEUSA. Em torno dessas tramas, o colorido e a leveza das
personagens que as rodeiam se encarregam de dar ao conjunto da
novela uma dose maior de humor, necessária para equilibrar a
abordagem do mundo das drogas e outros conflitos de maior peso
dramático.
Os vizinhos dos nossos árabes são: seu EDVALDO , o alfaiate-
dançarino, malandro à moda antiga, simpático e fanfarrão.
A abusada DONA ODETE, mãe da bonita e ambiciosa KARLA, que
no início da novela namora (com aprovação geral da família) o XANDE,
preparador físico de luta livre, que logo em seguida abandona a
profissão para tornar-se segurança pessoal de MEL. Há de ser um
romance tumultuado e sofrido, KARLA seguindo à risca os
ensinamentos da ambiciosa dona ODETE e abandonando nosso atleta
para tentar uma escalada social através de um romance com alguém
mais bem sucedido, até que, instigada pela mãe engenhosa, venha a
ficar grávida de OLAVINHO VALVERDE sem nunca ter sequer chegado
perto dele. Como isso pode acontecer? os capítulos e o dr ALBIERI
haverão de nos explicar no momento propício.
Temos ainda a fogosa dona NOÊMIA, cinquentona massagista,
que atende a domicílio e ainda não desistiu da idéia de encontrar um
príncipe encantado. Para aumentar o orçamento doméstico anda agora
preparando cestas de café da manhã e fazendo serviços de recado.
Como não tem ainda um computador e o programa adequado para
passar as mensagens, NOÊMIA escreve ela mesma textos
surpreendentes e os declama com voz aveludada, tendo como pano de
fundo a música que considere propícia, de acordo com o teor
romântico ou erótico da mensagem.
Ali há de aparecer também e provocar grande tumulto, o
LIGEIRINHO, malandro disposto a aproveitar as expectativas e
supertições do final do milênio para criar uma seita e enriquecer
rapidamente às custas da boa fé dos outros.
LIGEIRINHO é desse tipo que está sempre atento a uma
oportunidade de lucrar em cima de alguém. Faz malabarismos por um
tostão que seja, seu gosto é enganar, é passar a perna, é sentir-se
mais esperto que o resto do mundo.
Mente por vício. Nas coisas mais corriqueiras e sem necessidade
alguma. Se a dor for no pé ele dirá que é na cabeça, se for ao cinema
dirá que foi ao teatro, porque tem aquela compulsão de enganar, de
não se deixar enxergar por inteiro, de não mostrar o rosto a ninguém.
Tem um cúmplice de peso: o RAPOSÃO, que se faz passar por
convertido, inventando, em cada lugar, uma história de vida diferente
e cujo final feliz dependeu da interferência do LIGEIRINHO. Foi
alcóolatra, foi jogador, tudo o que se imagina, e se hoje é um
empresário de sucesso, um artista internacional (brevemente será
conhecido também no Brasil), deve tudo ao LIGEIRINHO.
A dona do bar é JUREMA, a JURA, mãe de criação do XANDE,
que o criou sozinha, enfrentando com firmeza e objetividade todas as
intempéries, como é do seu temperamento. É uma mulher simpática,
sensível, justa, de riso largo e coração grande. Nem por isso alguém
pense que pode passá-la para trás: dona JURA não tem papas na
língua nem se intimida diante de ninguém, sabe “descer o
braço”quando preciso for. Que o digam o XANDE, seus auziliares
ANINHA e BASILIO, e a própria MEL, quando vier a se envolver com o
XANDE.
Os árabes, donos do bazar, estranham ver uma mulher dirigir
com mão de ferro o seu negócio, e fazem críticas severas às bebidas
alcóolicas ali vendidas, porque o Alcorão as proibe, e proibe que seus
seguidores frequentem um ambiente onde elas estejam presentes.
Essas diferenças hão de permitir situações leves engraçadas no
subúrbio.

Voltando ao assunto

Essa é a história que haveremos de contar ao longo de 150


capítulos, sendo indispensável ressaltar a importância de uma
pesquisa rigorosa, para que possamos escapar da visão preconceituosa
e simplista que predomina hoje no ocidente em relação à cultura
muçulmana.
O propósito é abordar o tema partindo do princípio de que essa
cultura não é nem melhor nem pior do que a nossa: é apenas
diferente.
Não vamos fugir de temas delicados como, por exemplo, a
situação das mulheres. O importante é que essa questão seja pensada
não do ponto de vista do Ocidente, mas do ponto de vista do Oriente,
levando em conta a sua história e a sua formação cultural.
Quanto ao tratamento visual, impõe-se que seja extremamente
delicado, de modo a que possamos, através das imagens, captar a
riqueza de nuances tão característica desse universo misterioso e
secreto.
A novela deixa uma mensagem otimista: todos os tumultos
dessa nova época são, na verdade, o parto de um tempo novo,
também previsto por todas as profecias apocalípticas. Um tempo de
paz e prosperidade que, certamente, será capaz de se tornar real se o
avanço da ciência e da tecnologia se fizer em concordância com os
interesses da humanidade.
Afinal de contas, recuperar o paraíso perdido é um velho sonho
da espécie humana, e lembrando o velho filósofo alemão citado por
ALBIERI: “o homem só tem os sonhos que são possiveis realizar”

Você também pode gostar