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tema 04 - Teorias psicogenéticas e suas contribuições para a educação: a teoria de Jean

Piaget e de Henri Wallon no processo de desenvolvimento e aprendizagem.


conteúdo: conceito de equilíbrio em Piaget, conceito de integração em Wallon e relação
com a educação

● para além do momento inicial, a partir do século XIX, no qual o campo científico da
psicologia moderna se desenvolvia com alicerce em método introspectivo e talking
cure, houve o investimento de alguns pesquisadores em procedimentos
experimentais na busca de consolidação da epistemologia. Em todos esses
movimentos, desde a psicanálise até o behaviorismo, grande parte das
preocupações foi depositada em aspectos de saúde e doença mental. As teorias
psicogenéticas começaram a despontar no momento posterior (início do século XX),
consolidando uma abordagem em Psicologia que tem como principal preocupação a
construção do conhecimento (e da realidade) em cada indivíduo;
● o primeiro autor emblemático dessas correntes é o biólogo suíço J. Piaget (1896-
1980), que lançou as bases da Epistemologia Genética. Como pesquisador, Piaget
seguiu trajetória acadêmica que o levou da Biologia até a Filosofia, assumindo como
principal inquietação a Epistemologia. Neste caminho, passou das investigações
sobre taxonomia e fisiologia animais para se dedicar profundamente aos estudos
com crianças. Com aporte na Filosofia de H. Bergson, Piaget encontrou o cerne de
seus questionamentos epistemológicos, que pode ser assim descrito: como se
passa de um estágio de menor conhecimento, precário, para um estágio de maior
conhecimento, ou de maior valor;
● o insight inicial de Piaget surgiu por volta de 1920, em um período residente em
Paris, quando começou a se questionar sobre juízos a posteriori e a priori. Em sua
concepção, os juízos a posteriori são constituídos por constatações baseadas nos
dados decorrentes dos órgãos dos sentidos. Por meio deles é possível verificar se
um objeto está molhado, frio ou áspero, por exemplo. Por outro lado, os juízos a
priori se relacionam com conhecimento gerais, universais e necessários, não sendo
contingentes nem vinculados estritamente ao mundo físico. São essas noções
formais que estão no alicerce da geometria, ou da matemática por exemplo, e a
consolidação delas na trajetória de vida dos indivíduos torna-se o grande problema
científico de Piaget - a gênese da episteme psíquica;
● no desenvolvimento de seu trabalho, Piaget passou a descrever categorias para as
formas de conhecimento que se sucedem na vida dos indivíduos. A partir disso que
seu trabalho foi classificado como Epistemologia Genética, por se configurar um
estudo sobre modos de conhecimento e por ter como objeto essencial a origem
desses modos na cognição humana. O método empregado por Piaget contrastava
com os procedimentos adotados na época para investigações sobre aprendizado.
Ao invés do recurso aos testes padronizados, o pesquisador passou a adotar a
chamada abordagem clínica (entrevistas com os sujeitos);
● as pesquisas empíricas de Piaget iniciavam com problemas abertos, chamados de
provas operatórias, como ponto de partida para o diálogo com o sujeito. O
pesquisador oferecia determinados desafios e aguardava a tentativa de resolução da
criança. Ao contrário dos resultados nos testes padronizados, interessava menos se
a criança respondia adequadamente às questões, sendo mais importante entender
porque se configurou determinada cognição no indivíduo. O objetivo principal era
descobrir quais juízos dependem mais ou menos da experiência (sentidos) para
serem formulados. Com crianças muito pequenas, o procedimento essencial das
investigações era a observação criteriosa e as anotações rigorosas sobre as
manifestações não-verbais;
● como síntese da sua teoria, podemos resumir que o desenvolvimento cognitivo
ocorre em sucessão linear de etapas e que é o sujeito quem constrói conhecimento,
sendo que o aprendizado não pode ser concebido como um ato passivo. O que une
as trajetórias individuais, em uma linha de respostas categorizadas (4 estágios:
sensorial, simbólico, concreto e formal), são os mecanismos funcionais do aparato
cognitivo, que definem seu modus operandi. A sequência de operações é descrita
por Piaget como: assimilação (a partir do desequilíbrio), acomodação (a partir da
experiência) e adaptação (a partir do aprendizado). Essa estrutura invariável de
respostas às experiências na vida da criança (e do adulto), representam para o autor
seu fundamento cognitivo;
● Piaget também é um dos pioneiros a afirmar que ação do sujeito cognoscente pode
apresentar caracteres afetivos, intelectuais e mecânicos, alternada ou
concomitantemente, como iniciativa para a construção de uma nova explicação
sobre algum ato realizado. Nesse sentido, mente e corpo tendem a equilibrar seu
funcionamento. No aspecto cognitivo significa adaptações ocorridas nas estruturas
variáveis de conhecimento, representadas em formas particulares de equilíbrio. O
sujeito conhece (constrói conhecimento, explicação, entendimento) a partir de uma
ação realizada (em princípio sensório-motor, posteriormente até a abstração) sobre
o meio (objetos ou pessoas), motivada por um interesse/necessidade (psicológica),
através do mecanismo funcional (invariável nos seres humanos) de sua cognição.
Em cada etapa do processo de desenvolvimento, a inteligência assume estruturas
variáveis face às transformações no ambiente;
● em alguns trabalhos Piaget apresenta todos os elementos de seu método, mesmo
reconhecendo a grande quantidade de descrições de casos, devido à necessidade
de quadros estatísticos dos sujeitos experimentais. Segundo seus princípios, o corpo
e as ações servem à documentação científica. Tomando o fenômeno da inclusão
hierárquica das classes (que ocorre por volta de 10/11 anos de vida) descrito em
livro, é lícito concluir pela natureza “operante” e não linguística do esquema da
inclusão. O problema científico era saber como as estruturas de classificação
nascem. O debate da época propunha que essas operações formais surgiam na
mente individual espontaneamente por maturação (inatismo), ou por meio da
interação na linguagem (empirismo). Piaget recusa as alternativas explicativas e
verifica que esse processo é uma construção subordinada a operações subjacentes,
decorrentes de estruturas anteriores. A evolução do sujeito epistêmico que permite a
aquisição das estruturas de classificação ocorre pela superação da diferenciação
contida no esquema sensório-motor. Neste aspecto, a ontogenia particular repete a
filogenia natural;
● de um ponto de vista cognitivo, Piaget tinha a preocupação de esclarecer como o
sujeito constrói as estruturas essenciais: o reconhecimento de grandezas materiais,
a abstração, a noção espaço-tempo, a função semiótica e a inclusão hierárquica, por
exemplo. Nessa construção, interessa ao pesquisador explicar porque e quando
acontece reversibilidade do pensamento e flexibilidade do raciocínio na história
individual. Outro aspecto do desenvolvimento que preocupou Piaget durante a
carreira, foi a construção da moral na criança. Essa linha de seu trabalho procurou
entendimento sobre as relações que o indivíduo constrói entre ele (eu) e o outro,
passando por fases com menor ou maior distinção, maior e menor heteronomia, até
a consolidação de uma conduta no adulto;
● embora Piaget seja conhecido popularmente como criador do “construtivismo”, sua
obra não tem caráter pedagógico. Seu método e seus resultados são rigorosamente
descritos e escrutinados pela comunidade acadêmica, porém seus interlocutores são
biólogos e psicólogos. Assim, o autor nunca propôs ou militou em alguma concepção
educativa. A obra que se propôs foi demonstrar, do ponto de vista psicológico, quais
os mecanismos funcionais envolvidos na aquisição de conhecimento pela criança.
Não obstante, suas ideias são profundamente influenciadoras das teorias e práticas
pedagógicas a partir do século XX. A noção de sujeito epistêmico e de estágios de
desenvolvimento são fundamentos do campo científico da Psicologia da Educação
desde então. A noção de equilíbrio é também referência obrigatória para as
correntes que desenvolvem o tema da motivação no rendimento escolar;
● https://www.youtube.com/watch?v=Vq3KzirSXAU
● https://www.youtube.com/watch?v=ebt2iaiV9U8
● Henri Wallon (1879-1962) nasceu em Paris e até o início da Primeira Guerra Mundial
finalizou formação em Filosofia e Medicina. Após atuação como médico no front de
guerra, voltou à atividade acadêmica desenvolvendo suas principais ideias em livros
de grande repercussão. A seguir, passou a atuar também na dimensão política,
nomeado para uma comissão de reforma educacional do sistema francês: o Projeto
“Langevin-Wallon”. Faleceu em casa também na cidade de Paris, aos 83 anos, ainda
atuante. Em função desta trajetória, Wallon deu à sua pedagogia um profundo
caráter humanista e republicano, na qual o cuidado com a pessoa e o horizonte
democrático faziam parte de sua utopia;
● No percurso epistêmico, Wallon afirmava que a escola era um lócus privilegiado
para o estudo do desenvolvimento infantil, ao mesmo tempo em que defendia que a
psicologia era importante ferramenta para a realização do processo ensino-
aprendizagem. A teoria do autor respondia ao problema da explicação sobre a
psicogênese da pessoa, ou seja, as origens e o desenvolvimento do indivíduo a
partir dos quatro campos funcionais: movimento (ato motor ou motricidade),
afetividade, inteligência e pessoa (formação do eu). Importante salientar que para
Wallon os campos concorrem para a formação do eu de maneira complementar e
totalizante;
● Na caracterização dos campos funcionais, Wallon descreve o movimento como
primeiro conjunto de ações exercidas pelo indivíduo. Essas manifestações encerram
um duplo caráter, tanto expressivo (do mundo interno) quanto instrumental. Na
perspectiva infantil, por meio do movimento são disponibilizados os primeiros
recursos para a exploração do mundo físico, o que inaugura o processo de
aprendizado e desenvolvimento típico das primeiras idades;
● O segundo campo funcional a se consolidar na vida individual diz respeito à
afetividade (emoções). Neste campo são encontradas as experiências de afeto do
indivíduo, a sucessão de estados de bem-estar e mal-estar vivenciada pelo sujeito.
Neste campo Wallon ainda distingue duas dimensões, a das emoções, subordinadas
aos aspectos biológicos da personalidade, e a dos sentimentos e desejos, que
corresponde aos aspectos propriamente psicológicos do ser;
● O terceiro campo funcional a ser identificado na trajetória da pessoa, segundo
Wallon, é o da inteligência. Esse campo também guarda um duplo aspecto, neste
caso, orgânico e social. O autor atribui ao aspecto orgânico da pessoa a
necessidade e possibilidade da interação social, como forma de realizar as
potencialidades do ser. A partir disso, o contato e a imersão no mundo dos signos e
da linguagem acaba por promover de maneira acentuada a abstração nos
indivíduos;
● Por último, o campo mais independente e integrativo na pessoa é o campo chamado
por Wallon de “pessoa”. O olhar integral para o ser, como proposto pelo autor, revela
que os campos passam por desenvolvimento no sentido de maior singularidade e
diferenciação. No campo da pessoa, fica consolidado o histórico de relações entre
os campos, o que nem sempre ocorre de maneira harmônica e unívoca. O que
interfere nas manifestações e interação entre os campos é sempre o contexto
concreto (social) em que o sujeito é levado a agir;
● ..
● Com relação às contribuições de Wallon no âmbito da pedagogia, podemos
identificar que o primeiro ponto a ser considerado é o olhar holístico para o sujeito.
Neste sentido, sob o prisma do desenvolvimento integral da pessoa, essa visão se
opõe diretamente à uma tradição escolar baseada no dualismo platônico/cartesiano.
Um segundo ponto a ser considerado, diz respeito ao conceito de “tábula rasa”,
adotado a partir dos primeiros filósofos liberais nas mais diversas áreas das ciências
sociais e humanas. Ao contrário, Wallon é o primeiro autor com conteúdo
pedagógico a defender que toda pessoa chega à escola com uma bagagem, um
conjunto de habilidades e demandas individualizadas em sua experiência de vida.

O plano é dividido em oito partes : ( introdução teórica; estruturas e organização do ensino;


formação de professores; órgãos de controle e aperfeiçoamento; programas, horários,
métodos e sanção de estudos; educação moral e cívica, formação do homem e educação
popular cidadã; prazos de candidatura ) e munido de um apêndice relativo à educação do
campo e a várias outras questões, este plano é um produto bastante característico do
"humanismo de esquerda" que dominou o dia seguinte à Libertação ... Afirma ter como meta
a igualdade de oportunidades dos indivíduos perante a Escola ( princípio da justiça ),
devendo cada um aceder ao ramo escolar a que as suas aptidões o predispõem. É por isto
que ele propõe a orientação dos indivíduos de acordo com suas habilidades.
O plano Langevin-Wallon prevê o estabelecimento de educação gratuita, laica e obrigatória
até os 18 anos ! Após o ciclo pré-escolar não obrigatório, passariam a ser obrigatórios três
ciclos: um primeiro ciclo seria comum a todos, dos 7 aos 11 anos ( seriam no entanto
disponibilizadas escolas especiais para crianças com " deficiências mentais e morais " e
para " enfermos " ). Os alunos dos 11 aos 15 anos seguiriam um segundo ciclo de
orientação: esta seria uma forma única de escolarização através da fusão de cursos
complementares, colégios e escolas secundárias pré-existentes, com uma educação em
parte comum e em parte opcional para experimentar " os gostos e habilidades " das
crianças.
Henri grifou a vida toda que sem acesso à cultura, nenhuma cognição é importante ou
longeva.
Depois, dos 15 aos 18 anos, seriam orientados numa seção prática preparatória para o
Certificado de Aptidão Profissional ou na seção profissional preparatória para o Certificado
de Formação Profissional ou finalmente em uma seção teórica preparatória para o
bacharelato ... O plano Langevin-Wallon também recomenda em texto as condições
precisas para a organização das aulas ( o máximo de 25 alunos por turma, o respeito pelos
ritmos biológicos com horários sugeridos: por exemplo 2 horas por dia dos 7 aos 9 anos, 4
horas por dia dos 11 aos 13 anos... ), e uma "pedagogia ativa. Prevê a criação de um corpo
de psicólogos escolares e a organização da educação moral e cívica. Defende a atribuição
de bolsas de estudo, um " pré-salário " entre os 15 e os 18 anos e o ensino superior
gratuito, e prevê a reorganização da formação de professores.

● em geral, as teorias psicogenéticas serviram a propósitos renovadores em educação


escolar. A crítica a que se serviu, essa linha de Psicologia da Educação, diz respeito
a certo tipo de “ensino tradicional” ou “tecnicista”. Os principais questionamentos
feitos pelas correntes renovadoras podem ser assim sintetizados: o ensino não deve
ser baseado em verbalismo ou conteudismo, o ensino excessivamente expositivo
exige postura passiva do educando, a rigidez da matriz de conteúdos tem por base a
pretensão arbitrária de igualar todos os estudantes (exclusivamente por critério de
idade), a arbitrariedade do programa impõe ritmos uniformes o que impede o
engajamento de quem esteja aquém das expectativas e, também, a negligência à
dimensão da ação na experiência infantil é prejudicial do processo de ensino
aprendizagem. Enquanto as pesquisas de Piaget abriram caminho para
consideração do Sujeito Epistêmico (que age para conhecer), as de Wallon
ensejaram o conceito de Ser Humano Integral (que se desenvolve
concomitantemente nos âmbitos cognitivo, motor e afetivo).

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