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Justiça espacial e governança: as contribuições de Nancy Fraser e João

Ferrão

Ana Carolina Paes 1


Eron Bispo de Souza 2
Luís Felipe C. Magalhães 3
Marcia Tavares Nunes4
Marcela Alves Fonseca 5
Tairine Duarte Oliveira 6

Resumo

A justiça espacial, assim como a governança, assumiram relevância nos estudos


geográficos, e têm sido tema central para o planejamento territorial e a produção do
espaço. Com base nesse contexto, o presente estudo propõe uma reflexão sobre a
ideia de justiça representativa de Nancy Fraser e de governança territorial de João
Ferrão, ambos os conceitos permeados por princípios de representação política,
cidadania, democratização de espaços decisórios, eficiência administrativa,
demonstrando como as concepções destes autores convergem para as questões de
justiça. Partiu-se da obra Escalas de justicia de Fraser (2008) e do texto Governança,
governo e ordenamento do território em contextos metropolitanos de João Ferrão
(2013). Conclui-se defendendo a necessidade de melhorias e a ampliação do acesso
a espaços de tomada de decisão, em direção a processos cada vez mais
democráticos de planejamento e de governança, que envolva todos os cidadãos
afetados, enquanto sujeitos, bem como defende-se a adoção de processos de
governança e de planejamento mais colaborativos.

Palavras-chave: Justiça política. Escala. Gestão territorial. Democracia.

1 Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). lol_paes@hotmail.com.
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Geografia pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e Urbanista pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). eron.souza@hotmail.com.
3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). luiisfelippe92@gmail.com.
4 Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFBA). marciatavaresifba@gmail.com.
5 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Graduada em Geografia pela Universidade Estadual
de Montes Claros (UNIMONTES) marcela.alvesfonsec@gmail.com.
6 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Bacharela em Humanidades pela UFBA e
Pesquisadora-bolsista crítico-decolonial pela CAPES. duartetairine@gmail.com.
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1 Introdução

A justiça, apesar de não ser um tema novo na Geografia, se tornou, juntamente


com a categoria espaço, relevante para o pensamento geográfico contemporâneo e
central para a produção do espaço. As discussões envolvendo a justiça enquanto base
analítica da realidade, têm crescido na agenda de estudos acadêmicos, em períodos
recentes, dado o contexto atual de exacerbação de injustiças sociais, espaciais,
econômicas, ambientais e políticas. Para além da ideia de justiça como característica
das ciências jurídicas, essas concepções da Geografia e de outras ciências têm
agregado outras dimensões e escalas de justiça, contribuindo para o debate e
apreensão da realidade, cada vez mais complexa.
É neste contexto que se inserem as concepções de Nancy Fraser, da Filosofia
Política, que se debruçou sobre o tema na primeira década dos anos 2000. Em seu
trabalho, a autora traz importantes contribuições para o debate sobre justiça, sob um
viés territorial, no qual trata as questões de justiça de uma perspectiva tridimensional,
compreendendo a distribuição, o reconhecimento e a representação com vista a
redesenhar os limites da justiça para uma escala mais ampla. Contudo, este artigo
debruçar-se-á sobre esta última dimensão.
Por sua vez, João Ferrão propõe uma nova filosofia de governança, baseada
na relação governo-governança, estado-sociedade e administração-cidadãos, com a
capacidade de contribuir para a democratização da vida coletiva, pautada por critérios
de legitimidade democrática, eficiência e justiça.
Assim, o presente trabalho objetiva relacionar as ideias de Fraser (2008) às
concepções de Ferrão (2013), na medida em que ambos os autores coadunam uma
perspectiva contemporânea do espaço, onde todos os atores envolvidos sejam
ouvidos sob um espectro que prevaleça às escalas da justiça. No caso de João Ferrão,
através de uma possibilidade de gestão colaborativa territorial.
Este artigo está constituído, além desta introdução, por mais quatro seções. Na
segunda, aborda-se as concepções de justiça de Nancy Fraser; na terceira seção, as
concepções de governança de João Ferrão; a quarta seção apresenta as noções de
justiça espacial e de governança, fazendo-se uma inter-relação entre os dois autores
citados e a última é a conclusão.
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2 Concepção de justiça em Nancy Fraser

Em sua obra, intitulada Escalas de justicia, publicada em 2008, Fraser confere


ênfase à dimensão política da justiça, em razão de já ter explorado as outras duas
dimensões, em estudos publicados anteriormente: reconhecimento (cultura) e
distribuição (econômica). Para a autora, antes a justiça estava excessivamente
centrada em questões de primeira ordem (distribuição e reconhecimento), e que no
mundo atual globalizado, onde as demandas e suas escalas são cada vez mais
globais, tais dimensões não dão mais conta das questões postas para a justiça.
Conforme a mesma autora, no auge do Estado de bem-estar do pós-guerra, no
denominado “enquadramento westfaliano-keynesiano”, a principal preocupação,
quando se tratava sobre as questões de justiça, era a distribuição. Depois disso, com
o surgimento dos novos movimentos sociais e do multiculturalismo, as atenções se
voltaram para o reconhecimento, ou seja, os ruídos das ruas passaram a ser ouvidos.
Consequentemente, ressalta que a dimensão política da justiça foi relegada a um
segundo plano e quando emergiu, tomou a forma política comum de disputas em torno
das regras internas de decisão do país cujas fronteiras já estavam dadas.
Para Fraser (2008), o enquadramento westfaliano-keynesiano passou a ser
considerado por muitos, inclusive por ela, como um veículo importante de injustiças,
pois compartimenta ou manipula o espaço político, impedindo os pobres e os
desassistidos de desafiar suas forças opressoras. Entende que, ao direcionar suas
reivindicações para espaços nacionais impotentes ou incompatíveis, este
enquadramento isola de qualquer crítica ou controle, ao mesmo tempo em que protege
os poderes externos e as estruturas de governo da economia global. Afirma que o
princípio da territorialidade estatal não está em sintonia com o mundo globalizado, o
que se constitui em causas estruturais de injustiças que não são de caráter territorial.
Dessa forma, o princípio territorial estatal para a delimitação da justiça, nesta
concepção, criaria injustiças.
Em razão disso, a autora defende que as teorias da justiça devem se converter
em tridimensionais, incorporando a dimensão política da representação, juntamente
com a dimensão econômica da distribuição e da dimensão cultural do
reconhecimento. Assim, defende a passagem do paradigma Keynesiano-Westfaliano
de Estados nacionais rígidos que fixou uma teoria da justiça social, para um paradigma
da teoria da justiça democrática pós-westfaliana.
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De acordo com Fraser (2008), na conjuntura imposta pela globalização, na qual


há uma clara consciência de uma delimitação injusta do enquadramento, é difícil
ignorar a dimensão política da justiça. Dessa forma a representação é inerente a
qualquer processo de reivindicação de redistribuição ou reconhecimento.
Fazendo uma analogia entre a balança e o mapa para chamar a atenção sobre
a escala da justiça, a autora indaga sobre o “que” realmente importa a se pesar, ou
seja, o que deve ser inserido nesta balança (economia, cultura ou representação?) e,
por outro lado, “quem” deve estar neste recorte, na extensão territorial (mapa) como
sujeito autêntico dessa justiça. A escala antes, nos Estados nacionais, era mais
restrita. Hoje, no mundo globalizado (reivindicações difusas e ampliadas de novos
movimentos sociais, minorias, igualdade de gênero, religiosidade), precisa ser
ampliada, pois as escalas das injustiças extrapolam fronteiras (os problemas são
bandeiras comuns em outros territórios) e os agentes que tomam as decisões
(transnacionais, corporações multinacionais) atuam em múltiplas escalas. Além do
“que” e do “quem”, a autora sugere um terceiro nível, o do “como”, que seria a criação
de foros democráticos (Fórum Social Mundial; criação de esfera transnacional para
debate em igualdade), onde os afetados teriam voz e voto e participariam da definição
do “quem”, destacando a estreita e profunda relação existente entre democracia e
justiça, não havendo como problematizar o “como”, sem politizar o “quem”.
A proposta de Fraser (2008) para a problemática da balança é uma
interpretação tridimensional do “que” da justiça, que compreende redistribuição,
reconhecimento e representação. Com relação ao mapa, a proposta é a
democratização do processo de tomada de decisão, que aceite as demandas dos
grupos afetados (princípio de todos os afetados), que permita aos desfavorecidos
fazer frente às forças que lhes oprimem com suas reivindicações de justiça, ou seja,
paridade de participação na definição dos espaços políticos, do “como”. Para a autora,
não há redistribuição ou reconhecimento sem representação. Todavia, adverte que
não é sua intenção sugerir que a política seja a principal dimensão da justiça, mais
fundamental do que a econômica e a cultural. Ao contrário, destaca que essas três
dimensões estão mutuamente entrelaçadas com influência recíproca: assim como a
capacidade de fazer exigências de distribuição e reconhecimento depende das
relações de representação, a capacidade de exercer a própria participação política
depende também das relações de classe e do status.
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Fraser (2008) problematiza sobre a escala da representação política e confere


certa ênfase à escala global para se almejar a justiça. Contudo, acredita-se que há
outras escalas possíveis, capazes de influenciar nas injustiças, tanto em nível local,
regional, nacional ou até mesmo global, sendo possível se falar numa dimensão
política multiescalar, que não precisa, necessariamente, ser vista dentro de limites
territoriais rígidos ou somente em âmbito nacional-global. Além disso, não se pode
negligenciar que cada Estado ou escala de governo (seja ela qual for) sejam capazes
de influir nas decisões internas e produzir efeitos diferenciados, possibilitando, desse
modo, que se avance em pautas importantes para a promoção da justiça. No que se
refere às “arenas globais” (OMS, ONU, G-7, G-20, conferências ou acordos climáticos,
etc.), atualmente há um certo ceticismo em relação à efetividade destes na
operacionalização das questões de justiça, pois tais arenas não incluem todos os
afetados na tomada de decisão.

3 Concepção de governança em João Ferrão

No texto Governança, governo e ordenamento do território em contextos


metropolitanos João Ferrão (2013) reconhece o emergente surgimento de novas
dinâmicas sociais, econômicas e ambientais nas cidades, as quais exigem dos atores
públicos uma gestão articulada com outros setores. Forma de gestão descrita pelo o
autor como governança metropolitana.
O desenvolvimento do modelo de governança metropolitana tem se
estabelecido e ganhando destaque no cenário nacional em termos político-
institucionais, esse crescimento acerca das narrativas sobre governança
metropolitana de acordo com Ferrão foi:

verificada a partir dos anos 80 do século passado nos países


capitalistas mais desenvolvidos, de uma ótica de governo a uma ótica
de governança no quadro de uma profunda reestruturação do estado
moderno (FERRÃO, 2013, p. 258).

Contudo ainda existe uma intensa discussão no âmbito acadêmico no que


tange a compreensão da perspectiva de governo, porquanto ainda há quem concebe
esse ator como detentor hierárquico de comando e controle, tencionando então o
entendimento da governança, gestão que envolve parcerias públicas e privadas.
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Vale destacar que Ferrão (2013, p. 265), de forma geral, teve como propósito
na construção do texto que referencia este escrito: “contribuir para um debate sobre
governança metropolitana” na perspectiva que essa discussão possa deslocar-se
“para além das fronteiras analíticas, que por vezes separam críticos, apologistas e
neutros”.
Para alcançar esse objetivo o autor fez alguns delineamentos para analisar, dos
quais se destaca: as principais visões-tipo sobre governança; análise na relação
governo-governança; relação governo-governança a partir do domínio do
ordenamento do território; tipologia de formas metropolitanas de governo e
governança.
Ao propor uma tipologia sobre o desenvolvimento e consolidação de novas
formas de regulação e coordenação à escala sub-regional no contexto dos espaços
metropolitanos, Ferrão (2013) apresenta cinco situações ocorrentes na Europa: 1)
formas de governo metropolitano de natureza supramunicipal; 2) formas de governo
metropolitano de natureza intermunicipal; 3) formas de governança metropolitana
temáticas/setoriais; 4) formas de governança metropolitana de natureza consultiva e
estratégica e 5) formas de governança metropolitana lideradas pelas comunidades
locais.
Há metrópoles onde várias das modalidades indicadas têm uma expressão
significativa, por outro lado, apresentam um enorme déficit, verificando-se a ausência
quase total tanto de formas de governo como de governança. É reforçada a
necessidade de se atentar à relação governo-governança em contexto metropolitano
a fim de conciliar legitimidade democrática, eficiência e justiça.
Ferrão (2013) trabalha com três pilares para uma nova relação governo-
governança, sendo eles, o controle democrático dos novos modos de governança com
aumento de transparência quanto à prestação de contas públicas, semipúblicas e
privadas; como este controle se institucionalizará; e sobre a renovação desses modos
quanto ao caráter administrativo público e aos serviços públicos em geral, para que
haja menos burocracia e vulnerabilidade e mais valores de cidadania e de interesse
público.
Por fim, sugere o desenvolvimento de políticas de austeridade e uma filosofia
defendida a partir da relação governo-governança, estado-sociedade e administração-
cidadãos para democratização da vida coletiva.
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4 Justiça espacial e governança: possibilidades de diálogo na Geografia

Evidenciando a necessidade de se pensar as noções de justiça contemporânea


a partir da pluralidade de lutas e vozes inseridas num mundo globalizado, Rodrigues
(2020, p. 159) corrobora com Fraser (2008) em seu artigo sobre a obra da mesma, à
luz de Rainer Forst:

O processo de globalização vem relativizando o poder dos estados


nacionais e, por via de consequência, o poder da política,
protagonizada por seus cidadãos e cidadãs, de influir sobre a
formação das normas que regulam a vida dos homens e mulheres em
suas respectivas sociedades.

Desta maneira, o pensamento de Fraser urge no sentido de combater as


injustiças vividas por grande parte da sociedade sob uma dinâmica de decisões
políticas complexas, que visam extrair do espaço os benefícios necessários a certos
agentes hegemônicos. Tais decisões são tomadas por protocolos em múltiplas
escalas, posto que estão ligados, na maior parte das vezes, a fenômenos e instituições
fora do alcance dos Estados nacionais. Essas medidas se ancoram numa legalidade
apoiada na manutenção dessas explorações, visto que este é o caráter central da
política econômica neoliberal que rege fortemente as decisões nas sociedades.
Assim, os problemas relativos à justiça contemporaneamente não pertencem
apenas ao Estado nacional e aos seus cidadãos, como afirma a autora, uma questão
escalar toma proporções de análise, neste contexto, posto que a justiça não está só
no âmbito dos estados nacionais. É preciso analisar a justiça dentro do contexto da
globalização e o que isso implica espacialmente aos lugares afetados por
verticalidades. Com essa análise, Nancy Fraser aproxima a discussão de justiça à
Geografia, na medida em que leva em consideração elementos que constituem os
novos atores na produção do espaço e assim também na criação ou participação das
problemáticas ligadas à justiça. Neste contexto vale lembrar Milton Santos, que em
uma das suas grandes obras, como A Natureza do Espaço (2006), nos lembra a
necessidade de se pensar o espaço sobretudo através da dualidade entre local e
global.
Destarte, é evidente que Fraser insere a discussão da justiça numa seara de
responsabilização e identificação dos atores relativos à justiça espacial. Um problema
de enquadramento se mostra através da análise escalar, daí surgem as perguntas da
autora trazidas na seção anterior: Igualdade do que? Entre quem? Como? É neste
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contexto que as ideias de João Ferrão (2013) relacionam-se com o proposto por
Fraser (2008) segundo os autores deste artigo. Vale lembrar que esta é uma análise
experimental, a fim de gerar reflexões profícuas à operacionalidade da gestão do
território sob a ótica da justiça. A proposta dos autores citados conecta nos pontos
chaves: evidência no papel escalar inserido na dinâmica globalizada e no pensamento
do espaço, a partir dos múltiplos atores que nele atuam, mesmo que em graus
distintos. Ferrão (2013, p. 257), discute a partir da escala metropolitana, para ele:
O reconhecimento da importância crescente desta escala geográfica
de regulação reabre velhos debates e suscita a necessidade de
clarificar quem deve fazer o quê, isto é, quem são os atores chave e
que papéis, poderes e responsabilidades lhes cabe neste âmbito.

Neste trabalho tomaremos esta acepção também aplicada à dinâmica territorial,


inserida no espaço conflitante de caráter político na ação deliberada das empresas na
utilização do território como fonte de recursos, no espaço selecionado e usado para a
financeirização. Essa abordagem leva em conta um desarranjo federativo brasileiro
neste sentido, os possíveis limites para ação de empresas são geralmente flexionados
para garantir fluidez. Desta forma, pensemos: Como gerir o território de forma justa?
Em contextos que evitem a exploração e a opressão de grupos sociais, minorias e o
meio ambiente? Estas dúvidas podem pairar numa visão radical que exige uma
mudança total no modelo socioeconômico para garantir o avanço, visto que
estruturalmente o sistema se retroalimenta perversamente destas dinâmicas.
Contudo, a proposta de governança colaborativa aparece como um mecanismo de
intervenção possível, através de uma implementação hierárquica, colocando o poder
estatal sempre como central, atribuindo a outros agentes, sejam eles empresas e
demais setores organizados da sociedade, a possibilidade de participação efetiva nos
processos de tomada de decisão pública. Essa medida caracteriza também a
responsabilização destes atores em suas ações sob o espaço, ora já feito de forma
deliberada e clientelista pelos atores hegemônicos.
Ferrão afirma que a governança não se assume por si só, é necessário pensar
numa relação dialética entre governo e governança, sob uma base hierárquica que
privilegie o Estado e leve em consideração a busca pela simetria participativa, o
objetivo é “superar os efeitos perversos decorrentes de uma administração pública
centralizada, verticalizada e caracterizada por cadeias de comando e controlo
excessivamente hierarquizadas e burocratizadas” (FERRÃO, 2013, p. 263). Desta
forma, a institucionalização destas medidas exige também uma reformulação de
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lógicas inerentes à gestão pública, pautadas essencialmente em normas de


favorecimento ao neoliberalismo, para que haja uma harmonia na gestão e
ordenamento do território, visando efetivamente atender os setores envolvidos
democraticamente, dando voz e poder a camadas antes apenas representadas e
responsabilizando injustiças antes impunes.
Neste sentido, há uma estreita relação entre as ideias de governança territorial
de Ferrão e a dimensão representativa da justiça de Fraser, que pode ser traduzida
no marco da governança ou da gestão territorial para participação cidadã, no sentido
mais amplo do termo, e no sentido de Santos (1996). O aspecto participativo é
normalmente apontado na literatura como um tema bastante relevante para as
políticas públicas, no que se refere à democratização dos processos de planejamento,
gestão, governança e à redução de injustiças sociais.

5 Considerações Finais

Este artigo intentou relacionar as concepções de justiça de Nancy Fraser, mas


especificamente a sua dimensão política, com as concepções de governança territorial
de João ferrão, que possuem estreitas relações no que se refere a uma governança
que equilibre legitimidade democrática, eficiência e justiça, refletidos na melhoria e
maior disponibilização de arenas e de processos democráticos de tomada de decisão,
que envolva a todos os afetados, conferindo-lhes a dimensão da cidadania, enquanto
sujeitos com voz e voto.
Para além de se pensar na concepção colaborativa como uma forma de
desresponsabilização do poder do Estado e atribuição a outras esferas, o que deveria
ser delegado a ele, é importante avaliar a realidade concreta contemporânea. Na era
auge do período técnico científico informacional o território serve cada vez mais como
recurso, os corpos explorados neste processo têm, por sua vez, um sentido cada vez
mais banal, servindo também como forma de explorações mais brutais.
Mas se por um lado o espaço vivido por muitos é o da pobreza crescente, do
desemprego, da fome e demais injustiças, por outro é também recorde de lucros em
exportações e comércio pautado em fluxos de informações a todo vapor. Desta forma,
refletir metodologicamente acerca de medidas colaborativas talvez seja um caminho
não burocrático e representativo para se pensar em ações que acontecem atualmente
em âmbitos injustos e obscuros.
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Referências

FERRÃO, João M. Machado. Metropolização do espaço: gestão territorial e relações


urbano-rurais. FERREIRA, Alvaro et al. (Org.). Governança, governo e
ordenamento do território em contextos metropolitanos. Rio de Janeiro: Editora
Consequência, 2013. p. 257-283.

FRASER, Nancy. Escalas de justicia. Tradução de Antoni Martínez Riu. Barcelona:


Herder, 2008.

RODRIGUEZ, José. Escalas de construção da Justiça: Nancy Fraser à luz de Rainer


Forst. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 57, p. 149-165, jun/set 2020.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1996.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São


Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

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