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AUTO DA COMPADECIDA E A REPRESENTAÇÃO DO CORONELISMO

Erika Rodrigues de Melo

RESUMO
Este ensaio é composto por parte da biografia de Ariano Suassuna, o autor da obra
Auto da Compadecida. Retrata de maneira breve, porém sucinta a influência e a
contextualização do coronelismo presente na obra, visando trazer ênfase tanto para esse
sistema de governo que regia o estado como trazer as consequências causadas por tal governo
e como afetou diretamente a população. É citado um pequeno fragmento do texto em que
comprova a presença de tal regime presente na referida obra, além de descrever algum dos
desserviços provocados pelo Coronelismo. E por fim, as considerações finais com breves
palavras tornando nítido as consequências e resquícios que tal governo deixou até os dias
atuais.

Palavras-chave: Coronelismo, regime, obra.

Auto da Compadecida é um livro em formato de peça escrito pelo romancista,


dramaturgo e poeta brasileiro Ariano Vilar Suassuna, nascido no dia 16 de junho de 1927, na
cidade que era conhecida como Nossa Senhora da Paraíba, atualmente João Pessoa.
Publicado pela primeira vez no ano de 1995, se tornou um clássico da literatura brasileira e
foi inclusive adaptada para o cinema e televisão, se tornando o filmo “O Auto da
Compadecida”. A peça ocorre no sertão nordestino e conta a história de João Grilo e Chicó
dois amigos extremamente atrapalhados que vivem de golpes e trapaças. A obra é repleta de
diversos assuntos extremamente necessários, dentre eles está a desigualdade social, pobreza,
analfabetismo, regionalismo e também o Coronelismo que assolou e comandou o sertão
brasileiro durante um período bem longo, do ano 1889 a 1930, quando o poder era rígido e
centrado principalmente nas oligarquias estaduais.

O Coronelismo foi um sistema de governo que formava a República Velha (1889–


1930), quando o poder era rigidamente centrado nas oligarquias estaduais e os coronéis
detinham o poder político e econômico por meio da violência e troca de favores com seus
subordinados. Os coronéis garantiam a eleição dos políticos apadrinhados através do voto de
cabresto, isto é, forneciam trabalho, moradia ou dinheiro às suas clientelas em troca de voto.
Caso o eleitor negasse o voto, era ameaçado com torturas ou até mesmo de morte. Apesar de
o coronelismo ter sido extinto com a Revolução de 30 (Era Vargas), seus vestígios perduram
até os dias de hoje através da compra de votos, nepotismo, desvio de verbas, fraude eleitoral,
dentre outros.

Diante desse contexto, o que resta para os personagens é usarem o único recurso que
tem em mãos: a inteligência. Em um trecho da cena do julgamento, quando João Grilo
procura recorrer a mais uma esperteza. A inteligência e a forma astuta de viverem foram o
que permitiu Chicó e João Grilo sobreviverem em um lugar repleto de desigualdade. Vemos
ao longo de toda a história como Chicó e João Grilo sofrem em meio a um cotidiano duro,
marcado pela seca, pela fome e pela exploração do povo a época do Coronelismo.

Para além dos requisitos econômicos, uma forte característica presente nos coronéis
que se tornou algo cultural no coronelismo era a postura que incumbiam a si mesmo como
dominadores, “durões”, estabelecedores de ordens. Em outras palavras, eram verdadeiros
monarcas, pois dominavam determinadas regiões, nas quais estabeleciam suas próprias regras
e ditavam as leis. A justiça da região era exercida segundo o que o coronel considerava justo,
ou seja, se algo escapasse aos seus olhos ou se algo ocorresse diferente daquilo que
planejava, a correção vinha por meio de suas próprias mãos, ou das mãos dos capangas a seu
serviço. A justiça dos coronéis correspondia àquele famoso ditado popular: “olho por olho,
dente por dente”. Para explicar essa postura assumida pelos coronéis, Queiroz utiliza um
termo cunhado por Max Weber:

Assim, do pequeno chefe político local ao grande chefe


nacional, apresentavam os coronéis, em graus
diferentes, essa virtude indefinível que Max Weber
denominou “carisma” - conjunto de dotes pessoais que
impõe um indivíduo aos outros, fazendo com que estes
lhe obedeçam, tornando suas ordens indiscutíveis
justamente porque emanam dele. O carisma era,
segundo Max Weber, a virtude dos caudilhos; todo
coronel, pequeno ou grande, era um caudilhete ou um
caudilho. (QUEIROZ, 1976, p. 198).

A representação do Coronelismo está presente na obra com o personagem Major


Antônio Moraes, que por ter poder aquisitivo e econômico, representa domínio e influência,
uma figura muito temida na cidade, pode-se ver isto na conversa entre o Padre, João Grilo e
Chicó, onde havia uma discussão sobre um cachorro que era para o Padre benzer, mas ele se
recusava, porém quando chegou a seu conhecimento que o cachorro pertencia ao Major,
mudou de ideia muito rapidamente.

João Grilo: – Eu disse que uma coisa era o motor e


outra o cachorro do major Antônio Morais.
Padre: – E o dono do cachorro de quem vocês estão
falando é Antônio Morais?
João Grilo: – É. Eu não queria vir, com medo de que o
senhor se zangasse, mas o major é rico e poderoso e eu
trabalho na mina dele. Com medo de perder meu
emprego, fui forçado a obedecer, mas disse a Chicó: o
padre vai se zangar.
Padre, desfazendo-se em sorrisos: – Zangar nada, João!
Quem é um ministro de Deus para ter direito de se
zangar? Falei por falar, mas também vocês não tinham
dito de quem era o cachorro!
João Grilo, cortante: – Quer dizer que benze, não é?
Padre, a Chicó: – Você o que é que acha?
Chicó: – Eu não acho nada demais.
Padre: – Nem eu. Não vejo mal nenhum em abençoar
as criaturas de Deus.

Neste pequeno fragmento acima, pode-se perceber que o cachorro que pertencia na
verdade a mulher do padeiro está doente e ele pede que Chicó chame o padre para benzer o
animal. De início, o padre resisti e se nega a benzer o animal, tratando a situação com
desprezo e só muda de ideia quando João Grilo mente de quem seria o animal, a fim de se
vingar do padeiro e sua esposa que eram péssimos patrões, e o padre com buscava acertar as
contas. Assim disse ao padre que o cachorro pertencia ao Major Antônio Moraes figura que
representava poder e riqueza no sertão e, também era figura temida e respeitada.

Historicamente, as características deste personagem também nos remetem aos


impactos deixados pelo Coronelismo na região Nordeste. Para Galvão (2010) esse momento
marcou o Nordeste de formas negativas, de maneira estereotipada e até mesmo fazendo
referência a região ser subdesenvolvida, onde os coronéis possuíam mais influência.

A imagem de poder quase absoluto [...] ajudou a


constituir a marca do coronel como líder da região,
rico, poderoso, filho das famílias mais ricas e há
gerações detentoras de terras e poderes políticos no
Nordeste. A ideia de que a região é dominada por um
esquema político obsoleto e centralizador reforça sua
dependência da parte sul do país, tida como
desenvolvida. Alimentar essa imagem do coronel ajuda
a justificar o atraso com que se representava o
Nordeste, principalmente o sertão, distante das sedes de
governo e das mais importantes decisões políticas da
região. (GALVÃO, 2010, p. 22)
Portanto, pode-se afirmar que mesmo com a forma cômica como é trabalhado
na peça, o Coronelismo foi um regime extremamente deturpado e que acarretou inúmeras
consequências para o nordeste, tal quais são presentes até os dias atuais, como por exemplo o
voto em troca de favores, mesmo depois da constituição de 1934 ter instituído o voto secreto,
ainda é comum pessoas comprando e vendendo votos em troca de pequenos favores ou sendo
coagidas a votarem em um candidato. Apesar do que é visto na obra ser um pouco diferente
ainda assim tem ligação, pois a partir dessa maneira de coagir pessoas presente tanto no meio
político como social, é uma realidade na descrita pelas de Ariano Suassuna e é uma realidade
vivida até hoje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GALVÃO, André Luís Machado. O coronelismo nas narrativas de Wilson Lins: espaços
de poder. Feira de Santana, 2010, 120 p. Dissertação (Mestrado em Literatura e Diversidade
Cultural). PPgLDC, UEFS, 2010.

https://brasilescola.uol.com.br/historiab/coronelismo.htm

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 2010

OLIVEIRA, Janaina Florêncio de. Origens, desenvolvimento e aspectos do coronelismo.


Rev. Sem Aspas, Araraquara, v.6, n.1, p. 74-84, jan./jun. 2017. e-ISSN 2358-4238.

QUEIROZ, M. I. P. de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: QUEIROZ, M. I.


P. de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa
mega, 1976. p.163-216. (Biblioteca Alfa-Omega de Ciências Sociais. Série 1., v.5).

SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro

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