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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Socias


Instituto de Estudos Sociais e Políticos

Pedro Txai Leal Brancher

Hegemonia financeira na era digital:


o grupo empresarial XP no contexto de transição global

Rio de Janeiro
2021
Pedro Txai Leal Brancher

Hegemonia financeira na era digital:


o grupo empresarial XP no contexto de transição global

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-graduação em Ciência Política, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. Renato Raul Boschi

Rio de Janeiro
2021
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CCS/D - IESP

S____ Brancher, Pedro Txai Leal.


Hegemonia financeira na era digital: o grupo empresarial XP no
contexto de transição global / Pedro Txai Leal Brancher. – 2021.
[253] f. : il.

Orientador: Renato Raul Boschi.


Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos.

1. ________ 2. ________. I. Boschi, Renato Raul. II. Universidade do


Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Estudos Sociais e Políticos. III.
Hegemonia financeira na era digital: o grupo empresarial XP no contexto de
transição global.

CDU ___.__

______________ CRB-7 / _____ - Bibliotecária responsável pela elaboração da ficha catalográfica.

Autorizo para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,
desde que citada a fonte.

______________________________ ________________________
Assinatura Data
Pedro Txai Leal Brancher

Hegemonia financeira na era digital: o grupo empresarial XP no contexto de


transição global

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-graduação em Ciência Política, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 28 de julho de 2021.

Banca Examinadora:

_____________________________________________
Prof. Dr. Renato Raul Boschi (Orientador)
Instituto de Estudos Sociais e Políticos- UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Fabiano Guilherme Mendes dos Santos dos Santos
Instituto de Estudos Sociais e Políticos -UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando de Paula
Instituto de Estudos Sociais e Políticos -UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Marcus Ianoni
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________
Prof. Dr. Marco Aurélio Chaves Cepik
Universidade Federal do Rio Granda do Sul

Rio de Janeiro
2021
DEDICATÓRIA

Ao Brasil.
A minhas mães e minha irmã.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Estado-nação brasileiro, particularmente às instituições Universidade Estadual do Rio de Janeiro


(UERJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Ambaro à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo provimento das condições de produção desta tese. Agradeço a todos os
funcionários, colegas e professores do Instituto de Estudos de Políticos e Sociais (IESP) pela oportunidade de
cursar o doutorado em uma instituição historicamente caracterizada pela excelência dos corpos docente e
discente, assim como pelo comprometimento com a construção de um Brasil mais democrático e justo. Em
especial, agradeço ao professor doutor Renato Raul Boschi, meu orientador, e aos colegas do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED), do Núcleo de
Estudos do Empresariado, Instituições e Capitalismo (NEIC/IESP-UERJ) e do Grupo de Pesquisa sobre
Economia e Política (GEEP). Manifesto também meu agradecimento aos colegas e professores do Programa de
Pós Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI) da UFRGS e aos colegas do Grupo de
Pesquisa em Capacidade Estatal (GECAP) da Universidade Federal da Santa Maria (UFSM).
Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinquenta anos, era
provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico.
Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão
era a forma polida do instinto batalhador que jaz no homem, como uma herança bestial. E
acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição
espiritual e eterna.

O Espelho, Machado de Assis

Queremos viver confiantes no futuro. Por isso se faz necessário prever qual o itinerário
da ilusão, a ilusão do poder.

Queremos Saber, Gilberto Gil

Todo homem nasce livre


Levanta, João
Prá pensar e prá agir
Levanta, João
Levanta com o seu povo
Levanta que um tempo novo
Tá chegando por aqui
Vatente, valente
Quebre a corrente, João
Que prende a gente no chão
Onde há tristeza e dor

Levanta João, Chico Cesar


RESUMO

BRANCHER, Pedro Txai Leal. Hegemonia financeira na era digital: o grupo empresarial
XP no contexto de transição global. 2021. 253 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) –
Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2021.

A tese analisa como agentes do mercado financeiro constroem hegemonia na Era


Digital. Argumenta-se que o núcleo da haute finance na Era Digital pode ser estudado a partir
da triangulação entre os fluxos de liquidez, informação e proteção que permeiam as relações
entre instituições financeiras, as Cinco Grandes corporações globais plataformizadas e o
aparato estatal dos Estados Unidos. A partir deste centro de gravidade, agentes do mercado
financeiro operam como uma rede transnacional, forjando alianças e mobilizando capacidades
para influenciar nos resultados políticos de diferentes países. Para analisar a pertinência da
hipótese de trabalho, efetua-se cinco procedimentos. Primeiro, especifica-se um arcabouço
conceitual sobre os mecanismos políticos, ideológicos, econômicos e tecnológicos que
permeiam o fenômeno da hegemonia financeira nos níveis de análise nacional e internacional.
Segundo, operacionaliza-se o modelo especificado através da delimitação das relações entre
haute finance, elites estatais e contexto tecnológico ao longo dos ciclos de hegemonia do
sistema-mundo. Terceiro, analisa-se os desafios que a transição sistêmica contemporânea
impõe para a reprodução da hegemonia financeira, bem como as oportunidades que a mesma
apresenta para os países semiperiféricos. Quarto, analisa-se as interações entre os mecanismos
políticos, econômicos e ideológicos que permearam o processo de financeirização no Brasil
entre 1981 e 2018. Quinto, realiza-se estudo de caso sobre a trajetória de constituição, a
ecologia organizacional e as modalidades de ação política do Grupo Financeiro Transnacional
XP. Ao final, sintetiza-se os argumentos desenvolvidos, indica-se as implicações teóricas e
normativas dos resultados da investigação, bem como apresenta-se sugestões para a
continuidade da agenda de pesquisa. Do ponto de vista metodológico, o trabalho fundamenta-
se na revisão de literatura, rastreamento de processo histórico, estatística descritiva e análise
crítica de conteúdo de documentos oficiais, notícias de jornais, performances disponíveis na
Internet, anúncios publicitários e entrevistas semiestruturadas com base no referencial da
hermenêutica de profundidade. Teoricamente, a tese contribui para o robustecimento de um
campo de estudos multidisciplinar sobre as formas pelas quais agentes do mercado financeiro
tentam construir hegemonia na Era Digital. Do ponto de vista social, pretende-se colaborar
para o avanço do debate sobre os potenciais que as tecnologias da segunda onda de inovações
da Era Digital possuem para ancorar um projeto de desenvolvimento nacional que seja
socialmente justo, institucionalmente criativo e ambientalmente sustentável.

.
Palavras-chave: Sistema-mundo. Hegemonia. Financeirização. Era Digital. Plataformas.
ABSTRACT

BRANCHER, Pedro Txai Leal. Financial hegemony in the digital age: the case of the XP
group in the context of global transition. 2021. 253 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) –
Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2021.

This thesis analyzes how financial market agents build hegemony in the Digital Age. It
is argued that the core of high finance in the Digital Age can be studied from the triangulation
between the flows of liquidity, information and protection that permeate the relationships
between financial institutions, the Big Five global platform corporations and the state
apparatus of the United States. From this center of gravity, financial market agents operate in
the form of a transnational network, forging alliances and mobilizing capacities to influence
the political results of different countries. To analyze the relevance of the working hypothesis,
five procedures are performed. First, a conceptual framework on the political, ideological,
economic and technological mechanisms that permeate the phenomenon of financial
hegemony at the levels of national and international analysis is specified. Second, the model
specified is operationalized by delimiting the relationships between high finance, state elites
and technological context throughout the hegemony cycles of the world-system. Third, we
analyze the challenges that the contemporary systemic transition imposes for the reproduction
of financial hegemony, as well as the opportunities that it presents for semi-peripheral
countries. Fourth, it analyzes the interactions between political, economic and ideological
mechanisms that permeated the financialization process in Brazil between 1981 and 2018.
Fifth, a case study is carried out on the trajectory constitution, organizational ecology and
political action modalities of the XP Financial Transnational Group XP. In the conclusion, the
arguments developed are summarized, the theoretical and normative implications of the
research results are indicated, and suggestions for the continuity of the research agenda are
presented. Methodologically, the thesis is based on literature review, historical process
tracing, descriptive statistics, and critical analysis of the content of official documents,
technical reports, newspaper news, performances available on the Internet, advertisements,
and semi-structured interviews. Theoretically, the thesis seeks to contribute to the
strengthening of a multidisciplinary field of studies on the ways in which financial market
agents try to build hegemony in the Digital Age. From a social point of view, we intend to
collaborate to advance the debate on the potential that the technologies of the second wave of
innovations of the Digital Era have to anchor a national development project that is socially
fair, institutionally creative and environmentally sustainable.

Keywords: World system, Hegemony, Financialization, Digital Age, Platform.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Relações entre mudança tecnológica, ciclos de hegemonia e expansões financeiras


durante o processo histórico de formação do sistema-mundo (continua) ................................ 29
Quadro 2 - Desenvolvimentismo e Neoliberalismo: comparação entre premissas teóricas e
orientações normativas ............................................................................................................. 33
Quadro 3 - Manifestações de apoio à agenda neoliberal do governo Temer: empresariado
financeiro, industrial e agroexportador (continua) ................................................................. 126
Quadro 4 - Indivíduos que receberam o prêmio Personalidade do Ano da AMCHAM (2012-
2019) (continua) ..................................................................................................................... 139
Quadro 5 - Equipe de análise política e econômica da XP Investimentos (continua) ............ 151
Quadro 6 - Influenciadores digitais vinculados a instituições financeiras no Brasil (continua)
................................................................................................................................................ 155
Quadro 8 – Plataformas XP: modelo de negócios e capacidades políticas (continua) ........... 164
Quadro 9 - Disseminação de ideologia neoliberal por agentes e plataformas digitais
vinculadas ao GFT-XP (2014-2019) (continua) ..................................................................... 169
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Produção Industrial Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra (1850 - 1943) ......... 51
Gráfico 2 - Balança Comercial dos EUA (1975-2008, milhões de dólares) ............................ 63
Gráfico 3 - Evolução da população rural na RPC (% do total) ................................................ 79
Gráfico 4 - Produção de ferro e aço de EUA e China (1960-2011) ......................................... 80
Gráfico 5 - Contribuição dos mercados doméstico e internacional para as receitas: Google,
Facebook, Amazon, Alibaba e Baidu (2015)......................................................... 94
Gráfico 6 - Distribuição global do valor de mercado das 70 maiores plataformas digitais
(2018)..................................................................................................................... 95
Gráfico 7 - Participação de instituições bancárias por origem de capital (1994 -1999, % de
ativo total) ............................................................................................................ 109
Gráfico 8 - Evolução do ativo total dos dez maiores bancos brasileiros (2005-2010) ........... 114
Gráfico 9 - Evolução anual do índice IBOVESPA (1994-2019) ........................................... 115
Gráfico 10 - Doações para campanhas eleitorais das cinco maiores instituições bancárias no
Brasil: Bradesco, BTG Pactual, Itaú-Unibanco, Banco Safra e Banco BMG (2014)
............................................................................................................................. 122
Gráfico 11 - Resultado primário do governo federal (1997-2019)......................................... 123
Gráfico 12 – Desembolsos do sistema BNDES: total indústria, comércio e serviços,
infraestrutura e agropecuária (2006-2019, R$ milhões) ...................................... 129
Gráfico 13 - Número de escritórios de AAI vinculados à plataforma da XP: Investimentos por
ano (2007-2019)................................................................................................... 136
Gráfico 14 - Percentual de captações líquidas da XP Investimentos por banco de origem em
2017 ..................................................................................................................... 138
Gráfico 15 - Fortuna dos 10 maiores bilionários brasileiros em 2019 (R$ bilhões) .............. 175
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Processo de Financeirização Brasileiro: retroalimentação entre variáveis


econômicas e políticas ........................................................................................... 35
Figura 2 - Distribuição geográfica de IED da RPC (2005-2017, US$ bilhões) ....................... 81
Figura 3 - Comparação entre modelos de negócios lineares e plataformizados ....................... 90
Figura 4 - Relações entre as Cinco Grandes, a haute finance e o Pentágono ........................... 93
Figura 5 - Processos históricos: financeirização Brasil e constituição GFT-XP .................... 140
Figura 6 - Investidores institucionais e subunidades do GFT-XP .......................................... 158
Figura 7 - Fluxo informacional no interior do GFT-XP ......................................................... 161
Figura 8 - Distribuição regional de escritórios AAI vinculados à plataforma XP (2018) ...... 162
Figura 9 - Rede de conexões 3G Capital ................................................................................ 175
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Fluxos intercontinentais de prata (1601-1800) (continua) ...................................... 45


Tabela 2 - Força das Marinhas Europeias, 1775-1790 (Tonelagem de embarcações acima de
500 tons) ................................................................................................................ 48
Tabela 3 - Relações entre Estados-nação e bancos sistêmicos: PIB mundial, dívida pública
mundial e produtos derivados de bancos sistêmicos (2003-2013 - US$ trilhões) . 68
Tabela 4 - Crescimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na RPC (1998-
2006) ...................................................................................................................... 78
Tabela 5 - Maiores investidores institucionais da Cinco Grandes corporações de tecnologia
dos EUA................................................................................................................. 91
Tabela 6 - Evolução anual do volume de funcionários das empresas Andrade Gutierrez,
Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, UTC e Engevix (2010-2016)..... 121
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAI Agente Autônomo de Investimentos


AIG American International Group
AMCHAM American Chamber of Commerce
ANCORD Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e
Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias
BC Banco Central
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRI Belt and Road Initiative
BMF Bolsa de Mercadorias e Fundos
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CBIO Companhia Britânica das Índias Orientais
CBMM Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração
CEO Chief Executive Officer
CHIO Companhia Holandesa das Índias Orientais
CND Conselho Nacional de Desestatização
Copom Comitê de Política Monetária
CSCE Coalizões Societais e Capacidades Estatais
CUT Central Única dos Trabalhadores
CWAWU Carriage, Wagon and Automobile Workers Union
CVM Comissão de Valores Mobiliários
EAM Empresas de Aldeias e Municípios
ELP Exército de Libertação Popular
EUA Estados Unidos da América
EPC Economia Política de Cultura
FBCF Formação Bruta de Capital Fixo
FDR Franklin Delano Roosevelt
FEBRACIS Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico
FED Federal Reserve System
FGV Fundação Getúlio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMI Fundo Monetário Internacional
GA General Atlantic
GAFAM Google-Alphabet, Apple, Facebook, Amazon & Microsoft
GFT Grupos Financeiros Transnacionais
HP Hermenêutica de Profundidade
IA Inteligência Artificial
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IED Investimento Externo Direto
IIF Institute of International Finance
IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ISDS Investor-State Dispute Settlement
NDS National Defense Strategy
OAF Operadores de Alta Frequência
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OMC Organização Mundial do Comércio
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PCT Parques de Ciência e Tecnologia
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAC Project for a New American Century
PND Programa Nacional de Desestatização
POA Porto Alegre (RS)
Proer Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
Sistema Financeiro Nacional
Proes Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na
Atividade Bancária
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores
RPC República Popular da China
SHP Sociedade Harmoniosa e Próspera
Sumoc Superintendência da Moeda e do Crédito
TARP Trouble Asset Relief Program
TI Tecnologia da Informação
TIC Tecnologias da Informação e Comunicação
TJLP Taxa de Juros de Longo Prazo
TPP Trans-Pacific Partnership
UAM Usuários Ativos Mensais
UE União Europeia
UMW United Mobile Workers
UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
URV Unidade Real de Valor
VC Venture Capital
ZEEs Zonas Econômicas Especiais
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 17

1 O PROCESSO HISTÓRICO .......................................................................................... 43


1.1 Política, Tecnologia e Finanças: a formação do sistema-mundo................................... 43

1.2 Hegemonia Estadunidense: do New Deal à crise .......................................................... 53

1.3 Expansão Financeira, Digitalização e a Crise da Hegemonia dos EUA ....................... 59

2 A TRANSIÇÃO SISTÊMICA ......................................................................................... 72


2.1 O Desafio da República Popular da China .................................................................... 72

2.2 O sistema-mundo na Segunda Era Digital ..................................................................... 85

2.3 O sistema-mundo na Era Digital: desafios para a semiperiferia ................................... 96

3 CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA FINANCEIRA NO BRASIL ........................... 104


3.1 Da crise da dívida ao novo arranjo institucional (1981 – 1994).................................. 104

3.2 Estabilização, expansão financeira e crise da inclusão social (1994 – 2013).............. 108

3.3 Neoliberalismo autoritário e precarização social (2014 – 2019) ................................. 120

4 HEGEMONIA FINANCEIRA NA ERA DIGITAL: O CASO DO GRUPO XP


NO BRASIL ............................................................................................................................... 132
4.1 Trajetória: da periferia ao núcleo da haute finance brasileira ..................................... 132

4.2 Ecologia Organizacional.............................................................................................. 141

4.2.1 haute finance a: organizações sistêmicas e elites transnacionais ................................ 141

4.2.2 Subunidades: capilarização social e disseminação ideológica .................................... 149

4.2.3 O Estrato Inferior: Agentes Autônomos de Investimentos (AAI) ............................... 158

4.3 Modalidades de Ação Política ..................................................................................... 165

CONCLUSÃO................................................................................................................. 186

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 194

APÊNDICE.................................................................................................................216
17

INTRODUÇÃO

O objetivo inicial desta pesquisa era responder por que o empresariado nacional,
particularmente do setor industrial, abandonou o projeto social-desenvolvimentista
implementado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e apoiou não apenas o golpe parlamentar
contra o governo Dilma Rousseff, em 2016, mas também a agenda de reformas estatais
enfraquecedoras promovida pelos subsequentes governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Uma vez iniciada a revisão de literatura, não obstante, três fatores obrigaram-nos a reformular
esta questão.
Em primeiro lugar, verificou-se que, do ponto de vista político, a categoria
empresariado nacional alude a um conjunto de atores com reduzida capacidade de agência,
uma vez que seus horizontes de possibilidade são fortemente condicionados por interesses e
lógicas normativas determinadas no âmbito do mercado financeiro global (DOWBOR, 2017).
Em segundo lugar, observou-se que a aceleração do avanço do processo de digitalização ao
longo da segunda década do século XXI engendrou transformações qualitativas na dinâmica
de acumulação de capital e nas formas de manifestação dos conflitos políticos nos níveis
nacional e internacional (AKAEV & RUDSKOI, 2017; LAMBACH, 2019; UNCTAD, 2019).
Em terceiro lugar, constatou-se que a década posterior à crise financeira global de 2008 foi
caracterizada pela continuidade da implementação de políticas neoliberais, como
desregulamentação financeira, privatização de instituições de bem-estar social e liberalização
dos mercados de trabalho, não só no Brasil e na semiperiferia do sistema-mundo, mas também
nos Estados Unidos (EUA) e outras nações do núcleo orgânico (STREECK, 2016).
Acerca deste último ponto, o relatório de 2016 da Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) foi categórico:

Com o sistema financeiro novamente fortalecido, políticos e formuladores de


políticas públicas estão novamente impotentes em relação às forças globais.
Portanto, optaram por não alterar suas políticas econômicas e seguir realizando
“business as usual”. Os mercados financeiros continuam desregulados, os níveis de
endividamento continuam crescendo e os indicadores de desigualdade seguem se
deteriorando. Além disso, enquanto os lucros corporativos das instituições
financeiras retomaram tendência positiva, os ajustes após a Crise de 2008 afetaram
negativamente os níveis de salário, emprego, investimento produtivo e o provimento
de bem-estar pelos Estados (UNCTAD, 2016, p. II, tradução nossa).

Diante disso, considera-se que a compreensão dos mecanismos de operação que


resultaram no colapso do projeto social-desenvolvimentista exige, necessariamente, a
18

qualificação dos efeitos políticos estruturais provocados pela convergência dos processos de
financeirização e digitalização no sistema-mundo contemporâneo.
Por financeirização, entende-se processos históricos caracterizados pela expansão da
influência política de instituições financeiras privadas nas arenas decisórias de organizações
estatais e pela dilatação das lógicas normativas que ordenam o mercado financeiro para outras
dimensões da vida social (ZWAN, 2014). Do ponto de vista da dinâmica de acumulação de
capital, a financeirização pode ser entendida como um contexto no qual “lucros são realizados
primordialmente por canais financeiros em detrimento das atividades comerciais e da
produção de mercadorias” (KRIPPNER, 2005, p.174). A financeirização1 contemporânea
consiste na trajetória iniciada a partir do rompimento unilateral dos Acordos de Bretton
Woods, em 1973, pelos Estados Unidos, e finalizada com a crise financeira global de 2008.
Este período corresponde às fases de ascensão e declínio do segundo ciclo de hegemonia
estadunidense no sistema-mundo (ARRIGHI, 2008, p.283).
Por digitalização, entende-se o processo histórico de transição entre um sistema-
mundo inserido em um contexto tecnológico analógico e industrial para outro, no qual as
interações entre as unidades sistêmicas ocorrem primordialmente através de meios digitais.
Do ponto de vista histórico, a venda do primeiro microprocessador projetado pela empresa
norte-americana Intel para uma firma japonesa, em 1971, e a comercialização da Internet, a
partir da década de 1990, são conjunturas críticas que marcam a passagem da Era Industrial
para a Era Digital (RENNSTICH, 2008).
Para tentarmos construir um desenho de pesquisa capaz de apreender os nexos entre as
transformações sistêmicas mencionadas acima e os condicionantes políticos que resultaram no
recrudescimento do neoliberalismo no Brasil, definiram-se, como problemas norteadores da
investigação, as seguintes questões:

1. Como agentes do mercado financeiro constroem hegemonia na Era Digital?

1
Processos de financeirização ocorrem apenas quando os fluxos de caixa esperados por meio da posse de ativos
financeiros ou de atividade especulativas são amplamente superiores aos investimento produtivos (MINSKY,
2011). Nesse momento, não apenas instituições bancárias e fundos de investimento, mas todos os agentes com
capacidade de poupança possuem incentivos econômico para alocarem seus recursos em ativos financeiros
(BRUNO et al, 2011; ROSSI, 2011; DOWBOR, 2017; PAULA, FRITZ & PRATES, 2018). Ou seja, conforme
destacou Keynes, o empresário, cujas expectativas de renda se baseiam na sustentabilidade de seu investimento
no longo prazo, é substituído pelo investidor (especulador) profissional, o qual busca o lucro de curto prazo
resultante das variações iminentes na psicologia dos mercados (KEYNES, 1996, p.160-163) Portanto, a
financeirização pode ser entendida como um princípio de ordem que modifica os incentivos econômicos que
orientam “comportamento de vários tipos de agentes, cujas lógicas de investimento se transformam e adquirem
um caráter especulativo (CARNEIRO, 2002, p.228).
19

2. Como agentes do mercado financeiro mobilizaram capacidades e promoveram ações


políticas para influenciar os processos decisórios do Estado-nação brasileiro e difundir
a ideologia2 neoliberal na sociedade civil entre 2001 e 2018?

A incorporação do conceito de hegemonia deriva do pressuposto da "reciprocidade


entre estrutura e superestrutura" (GRAMSCI, 1971). Esta reciprocidade realiza-se
empiricamente através de "práticas sociais orientadas para assegurar relações de dominação
através da obtenção de um consenso explicito ou tácito" dos agentes dominados (SUM;
JESSOP, 2013, p. 201). Nessa perspectiva, o conceito de construção de hegemonia refere-se
às práticas de organização da ação coletiva, de cooptação de atores políticos, bem como de
difusão de ordens simbólicas orientadas no sentido da legitimação das desigualdades materiais
institucionalizadas na ordem política. Empiricamente, projetos hegemônicos são
intrinsecamente instáveis, pois são permeados pelo conflito dialético entre os mecanismos de
regulação social com os interesses e as aspirações ideacionais de sujeitos historicamente
inseridos: a política (SUM; JESSOP, 2013; THOMPSON, 1995).
As questões de pesquisa desdobram-se em quatro problemas teóricos complementares.
Em primeiro lugar, será preciso delimitar os padrões históricos que permearam as relações
entre agentes do mercado financeiro e os demais atores constituintes do sistema-mundo, bem
como especificar os princípios fundamentais da ideologia política financista. Para tanto,
mobiliza-se os conceitos de haute finance e de mercado autorregulado presentas na obra de
Karl Polanyi (2000), bem como aportes da teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação de
Giovanni Arrighi (ARRIGHI, 2010). Em segundo lugar, para responder como a emergência3
do processo de digitalização afetou os fundamentos de poder da haute finance, torna-se
imperativo especificar os nexos entre a dinâmica de inovação tecnológica e os resultados das
interações estratégicas entre organizações complexas operando em distintos níveis de análise.
Nesse caso, recorre-se ao programa de pesquisa neoschumpeteriano sobre os nexos entre
ondas de inovação tecnológica (ondas-k) e transições de poder no Sistema Global
(RENNSTICH, 2008; COCCIA, 2017; THOMPSON, 2020).

2
Por ideologia, entende-se: “sistemas de pensamento político, frouxos ou rígidos, deliberados ou não, sobre os
quais indivíduos e grupos sociais constroem seus entendimentos sobre o mundo político em que habitam e, com
base em neles, atuam politicamente” (FREEDEN, 1996, p. 4, tradução nossa). Empiricamente, ideologias
manifestam-se através de ordens simbólicas que oferecem interpretações coerentes sobre as causas dos
problemas com os quais uma sociedade se depara, em um determinado contexto histórico, e embasam a
formulação de alternativas concretas para superá-los. Para síntese da literatura sobre as formas de incorporação
de variáveis ideacionais na explicação de processos de mudança institucional ver Perissinoto & Stumm (2017).
3
Por emergência, entende-se o processo no qual fenômenos que não podem ser apreendidos a partir da soma dos
comportamentos isolados das unidades constituintes surgem no nível sistêmico (BERTUGLIA; VAIO, 2005).
20

Em terceiro lugar, assumir a premissa da centralidade do setor financeiro como sujeito


histórico pivotal da explicação dos resultados políticos no Brasil entre 1981 e 2018 demanda a
qualificação dos nexos entre os condicionantes internacionais que habilitaram a ascensão do
neoliberalismo no sistema-mundo, a partir de meados da década de 1970, e as variáveis
políticas, institucionais e econômicas derivadas das dinâmicas societais domésticas. Para
tanto, enquadra-se a análise na abordagem teórica proposta pelo programa de pesquisa sobre
coalizões societais, capacidades estatais e desenvolvimento econômico no Brasil (BOSCHI;
GAITAN, 2016; BRESSER-PEREIRA, 2016; COSTA, 2012; CRUZ, 2019; DREIFUSS,
1981; FURTADO, 2008; IANONI, 2017; PAULA; FRITZ; PRATES, 2017; PAULA &
BRUNO, 2017; SAAD-FILHO; MORAIS, 2018; SANTOS, 2017; SINGER, 2015).
Finalmente, para apreendermos as práticas sociais de construção de hegemonia performadas
por agentes vinculados ao Grupo Financeiro Transnacional XP (GFT-XP) entre 2001 e 2018,
mobiliza-se aportes teóricos da Sociologia Econômica e da Economia Política da Cultura
(GRANOVETTER, 2005; KOGUT, 2012; SUM; JESSOP, 2013).
Considera-se que a articulação entre os corpos de literatura mencionados é possível,
porque todos assumem as premissas da complexidade e da historicidade, ou seja, a ideia de
que apesar de que “presumir a existência de um mundo político no qual estruturas e processo
se repetem continuamente de forma similar seja conveniente para teóricos sociais, no entanto,
este mundo não existe” (TILLY, 1995, p. 1596, tradução nossa). Epistemologicamente, isso
significa adotar os pressupostos da dualidade agente-estrutura, contingência e dependência de
trajetória como elementos intrínsecos às dinâmicas de sistemas sociais (CEPIK;
BRANCHER, 2017). Teoricamente, isso implica o abandono da busca pela formulação de
modelos nomológicos em favor de uma abordagem explicativa historicamente situada baseada
na apreensão dos micro e macro mecanismos empiricamente generalizáveis que provocam
efeitos em variáveis quanti e/ou qualitativamente mensuráveis.
No restante desta introdução, será indicado o percurso conceitual realizado para o
estabelecimento das conexões entre os três corpos de literatura. Ao final, será apresentado o
argumento central e as escolhas metodológicas de cada um dos quatro capítulos.

Delimitação do Objeto de Pesquisa

O conceito de haute finance proposto por Karl Polanyi (2000), na obra “A Grande
Transformação”, é o ponto de entrada desta investigação. Em sua interpretação das causas do
21

colapso da civilização europeia nas décadas posteriores à crise financeira de 1929, Polanyi
(2000) descreveu a haute finance como uma rede transnacional constituída por banqueiros,
financistas e homens de negócios responsáveis pela gestão cotidiana do sistema monetário
internacional. Por conta das posições privilegiadas das organizações de homens como J.P.
Morgan e John D. Rockefeller nos fluxos de crédito e informação que propulsionaram o
processo de globalização industrial ao longo dos séculos XIX e XX, os interesses de agentes
do mercado financeiro transpassavam setores econômicos e incluíam a administração "não
oficial das finanças de vastas regiões semicoloniais do mundo" (POLANYI, 2000, p. 29). No
que tange as relações com as elites estatais, apesar de eventuais conflitos de interesse, Polanyi
(2000, p. 30) identificou um “contato íntimo entre a finança e a diploma; nenhuma delas
levava em consideração planos a longo prazo, tanto de paz como de guerra, sem ter a certeza
da boa vontade do outro".
Além de uma articulação política em rede e da manutenção de relações íntimas com o
núcleo decisório dos governos nacionais, a haute finance polanyiana é caracterizada pela
crença compartilhada no mercado autorregulado. No pensamento financista, argumentou
Polanyi (2000, p. 89), parte-se do pressuposto de que "os seres humanos se comportam de
maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários". Com base nessa premissa, tais agentes
advogam que a forma mais eficiente de regulação do metabolismo social é atingida quando “a
ordem na produção e distribuição é assegurada apenas pelos preços das mercadorias4
transacionadas nos mercados” (POLANYI, 2000, p. 93). Uma vez que tal arranjo institucional
for estabelecido, a operação mecânica das leis da oferta e demanda será capaz de autorregular
a economia, isto é, redistribuir os custos e benefícios da atividade coletiva de forma a
maximizar a utilidade agregada do sistema social.
Logo, em uma sociedade de mercado, a forma mercadoria opera como "um princípio
de organização vital em relação à sociedade como um todo, afetando praticamente todas as
suas instituições" (POLANYI, 2000, p. 94). Em outras palavras, em contextos de hegemonia
da ideologia financista: “só terão validades as políticas e medidas que ajudem a assegurar a
autorregulação do mercado, criando condições para fazer do mercado o único poder
organizador na esfera econômica” (POLANYI, 2000, p. 91).
Não obstante, argumentou Polanyi (2000), o projeto de transmutação das relações
contratuais de mercado em relações sociais de produção depara-se com uma contradição
empírica fundamental: apesar de constituírem os pilares de sustentação do sistema fabril, nem
4
Polanyi (2000, p. 93) define mercadorias como “objetos produzidos para a venda no mercado” e mercados
como “contatos reais entre compradores e vendedores”.
22

a terra, nem o trabalho e nem a moeda são mercadorias de fato, mas, sim, mercadorias
fictícias. O caráter fictício dos dois primeiros elementos deriva das conclusões lógicas de que
o "trabalho é apenas um outro nome para atividade humana que acompanha a própria vida
que, por sua vez, não é produzida para a venda [...] e terra é apenas outro nome para natureza,
que não é produzida pelo homem" (POLANYI, 2000, p. 94). Assim, subordiná-los à forma
mercadoria significa delegar os determinantes da existência humana às oscilações do setor
financeiro.
No caso do dinheiro, Polanyi (2000, p. 93-94) o concebe como "apenas um símbolo do
poder de compra e, como regra, ele não é produzido, mas adquire vida através do mecanismo
dos bancos e das finanças estatais". Assim, centralizar a capacidade de criação e gestão
monetária em atores privados induz a uma concentração de poder insustentável em sociedades
democráticas. Os resultados da institucionalização de tais contradições lógicas nos arranjos
estatais são descritos minuciosamente por Polanyi (2000, p. 94) no trecho destacado abaixo:

Ao dispor da força de trabalho de um homem, o sistema disporia também,


incidentalmente, da entidade física, psicológica e moral do homem ligado a essa
etiqueta. Despojados da cobertura protetora das instituições culturais, os seres
humanos sucumbiriam sob os efeitos do abandono social, morreriam vítimas de um
agudo transtorno social, através do vício, da perversão, do crime e da fome. A
natureza seria reduzida a seus elementos mínimos, conspurcadas as paisagens e os
arredores, poluídos os rios, a segurança militar ameaçada e destruído o poder de
produzir alimentos e matérias primas. Finalmente, a administração do poder de
compra por parte do mercado liquidaria empresas periodicamente, pois as faltas e os
excessos de dinheiro seriam tão desastrosos para os negócios como as enchentes e as
secas nas sociedades primitivas. Os mercados de trabalho, terra e dinheiro são, sem
dúvida, essenciais para uma economia de mercado. Entretanto, nenhuma sociedade
suportaria os efeitos de um tal sistema de grosseiras ficções, mesmo por um período
de tempo muito curto, a menos que sua substância humana natural, assim como a
sua organização de negócios, fosse protegida contra os assaltos desse moinho
satânico.

Em resumo, na interpretação histórica polanyiana, a convergência entre a aceleração


do processo de industrialização das formações sociais e a entronização do princípio do
mercado autorregulado produziram um contexto de degradação social que operou como
condição habilitadora do colapso da civilização europeia na primeira metade do século XX.
O avanço desenfreado do moinho satânico do mercado autorregulado engendrou a emergência
de contramovimentos societais que “se integravam em poderosas instituições destinadas a
cercear a ação do mercado relativa ao trabalho, à terra e ao dinheiro” (POLANYI, 2000, p.
98). O embate entre essas tendências antagônicas manifestou-se empiricamente não apenas no
acirramento dos conflitos de classe, mas também na intensificação de conflitos de natureza
racial, religiosa e étnica. Contemporaneamente, conforme discutiremos ao longo desta tese, os
23

conflitos engendrados pela hegemonia financeira não apenas colocam em risco a estabilidade
das democracias liberais, mas também tensionam as relações políticas entre Estados Unidos e
China.
Considerando as características políticas e ideológicas da haute finance polanyiana,
prosseguiremos para a obra de Giovanni Arrighi, com o objetivo de especificar os
mecanismos que permeiam as relações entre agentes do mercado financeiro com as demais
organizações estatais e empresariais que operam no sistema-mundo.
Influenciado pela perspectiva de longa duração sugerida por Fernand Braudel, Arrighi
concebe o sistema-mundo como a totalidade compreendida pelos subsistemas interestatal e
interempresas. O ambiente interacional desses subsistemas é definido pelos arranjos
institucionais que delimitam as regras, normas e procedimentos formais e informais no que
tange as relações políticas e econômicas no nível internacional, bem como pelo contexto
tecnológico5 dos meios de produção, comunicação e coerção em um período histórico
definido. Do ponto de vista estrutural, o sistema-mundo arrighiano é hierarquizado de acordo
com a distribuição de poder militar e riqueza entre blocos de poder nacionais.
Para Arrighi (2010), a haute finance desempenhou função central tanto no processo de
formação quanto ao longo da trajetória de expansão global do sistema-mundo ao longo dos
séculos XIII e XXI. Mais especificamente, o sistema-mundo emerge como resultado do
sucesso da estratégia de acumulação de poder e riqueza, baseada no gerenciamento de rotas de
comércio de longa distância nos mares Báltico e Mediterrâneo, promovida pelas aristocracias
financeiras que governaram as cidades-Estado republicanas na Itália, particularmente
Florença, Veneza e Gênova a partir do século XIII.
Uma vez que os demais Estados europeus começaram a emular as instituições e
estratégias organizacionais italianas, a dinâmica de acumulação de capital entrou em intenso
processo de expansão geográfica. Diante da incapacidade de competirem militarmente contra
organizações políticas concentradoras de recursos amplamente superiores, como Espanha,
Portugal e as Províncias Unidas da Holanda, os financistas italianos optaram por patrocinar os
projetos hegemônicos dos blocos de poder nacionais em disputa. De um lado, a escolha
significou a aceleração do declínio econômico e militar das cidades-Estado. Do outro,
assegurou a reprodução intertemporal da haute finance sob a proteção de outras bandeiras
nacionais.

5
O contexto tecnológico refere-se às técnicas, códigos e infraestruturas que habilitaram as interações entre as
unidades constituintes do sistema-mundo ao longo de seu processo evolutivo.
24

Giovanni Arrighi (2008, p.239) identifica o deslocamento do capital para potências


desafiantes como uma estratégia reprodutiva6 recorrentemente mobilizada por agentes do
mercado financeiro durante a trajetória de ascensão e declínio dos ciclos sistêmicos de
acumulação liderados, subsequentemente, pelas Províncias Unidas, pela Inglaterra e pelos
Estados Unidos. Os ciclos sistêmicos de acumulação arrighianos distinguem-se pela
intercalação entre épocas de expansão material e sedimentação 7 da hegemonia internacional
de um bloco de poder nacional com períodos de expansão financeira, caracterizados tanto pela
emergência de potências desafiantes, quanto pela intensificação de crises políticas,
econômicas e sociais.
Arrighi (2008) define a hegemonia, no sistema-mundo, como a capacidade de um
bloco de poder nacional liderar a formação e arcar com os custos de sustentação de uma
ordem internacional cuja legitimidade seja reconhecida pela maior parte dos demais Estados.
O principal desafio para a reprodução da condição de hegemonia internacional deriva do fato
de que, enquanto os custos de sustentação da ordem internacional se elevam diante da
dilatação espacial e aumento da densidade dos fluxos que constituem a economia global, os
custos de contestação do líder incumbente por atores insatisfeitos diminuem em decorrência
dos mecanismos8 de difusão, emulação e inovação tecnológica. Ainda que o resultado das
interações estratégicas entre Estados hegêmonas e desafiantes seja um fenômeno
ontologicamente indeterminado, nota-se a recorrência da guerra central como mecanismo
definidor da liderança do sistema interestatal nos ciclos de acumulação.
No que tange ao nosso problema de pesquisa, nota-se que a haute finance arrighiana
desempenha a função de variável interveniente durante os processos de transição hegemônica.
A reedição do ciclo de hegemonia dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, por
exemplo, ilustra como o poder estrutural da haute finance no sistema-mundo pode ser
empregado de forma articulada com estratégias estatais orientadas para a acumulação de
poder militar. Por sua vez, o acirramento do conflito distributivo nos EUA, na última década,
em razão das contradições intrínsecas ao modelo neoliberal, demonstra que, quanto mais
financeirizado está o sistema social, menores são os recursos disponíveis para estadistas

6
“Por estratégias de reprodução social entendemos o conjunto das práticas por meio do qual um grupo de
indivíduos consegue perpetuar as estruturas e as relações que o constituem (PICCIN, 2019 p.94).
7
Por sedimentação, entende-se “a naturalização e institucionalização das relações sociais de forma que elas se
reproduzem através de repetições maçantes ao invés de articulações deliberadas”. A sedimentação podem ser
“revertida através de novas articulações hegemônicas que as desconstroem, repolitizam e rearticulam as relações
sociais de dominação (SUM; JESSOP, 2013, p.133, tradução nossa).
8
Alude-se, aqui, ao fato de organizações estatais desafiantes poderem aproveitar períodos de revolução
tecnológica para ultrapassarem o Estado hegêmona em termos de poder econômico e militar.
25

formularem estratégias de política externa coerentes com os imperativos derivados do nível


sistêmico.
No que tange aos nexos entre inovação tecnológica e conflito político, nota-se que o
modelo explicativo arrighiano incorpora o conceito schumpeteriano de destruição criativa e,
consequentemente, é coerente com o programa de pesquisa9 sobre ondas de inovação (onda-K)
e transições de poder na política internacional (COCCIA, 2017; RENNSTICH, 2008;
THOMPSON, 2020). Nessa perspectiva, a mudança tecnológica10 apresenta um padrão
evolucionário, no qual clusters de inovações responsáveis por trajetórias de crescimento
econômico de longo prazo não emergem de forma aleatória e incremental, mas, sim,
concentradas em determinados setores, períodos e locais. O caráter desigual do
desenvolvimento tecnológico deriva da natureza competitiva dos sistemas sociais e das
assimetrias nas capacidades de aprendizado, comunicação, emulação e inovação das
organizações coletivas.
Durante a fase inicial de uma onda-k, Tecnologias de Propósito Geral (TPG) emergem
de forma geograficamente clusterizada. TPG são tecnologias que, inicialmente, apresentam
grande escopo para avanços e, eventualmente, tornam-se amplamente utilizada, bem como
engendram robustas complementariedades11 tecnológicas e hiscksianas. As TPG propulsionam
o processo de destruição criativa, engendrando não apenas tensões com os arranjos
institucionais complementares ao paradigma tecnoeconômico vigente, mas também um
período de grande especulação financeira (COCCIA, 2017, p.2). Uma vez que as TPG são
entronizadas como paradigmas tecnoeconômicos nos sistemas sociais dos países que lideram
a dinâmica de inovação tecnológica no sistema-mundo, suas empresas obtêm lucros
extraordinários: “suas mercadorias são demandas, o padrão de vida de suas populações
melhora rapidamente, assim como aumentam suas respectivas parcelas do Produto Interno
Bruto (PIB) mundial” (THOMPSON, 2020, p. 76, tradução nossa).
A emergência de um novo paradigma tecnoeconômico refere-se ao surgimento de
novas cadeias de produtos, à renovação de indústrias tradicionais, à instalação de

9
O programa de pesquisa sobre ondas-k é caracterizado por controvérsias teóricas acerca de questões
fundamentais, como as causas principais das flutuações (guerras, investimentos, gerações, preços, salários ou
mudanças demográficas), o escopo das ondas-k (universais, restritas aos países do núcleo orgânico ou
específicas à economia líder do sistema-mundo) e a periodização das flutuações (THOMPSON, 2020). A
abordagem adotada, nesta tese, fundamenta-se na obra de Rennstich (2008).
10
Por inovação tecnológica, entende-se tanto os avanços nos meios de reprodução das relações sociais
(produção, coerção e comunicação) quanto a descoberta de novas fontes de recursos energéticos e
aprimoramentos organizacionais.
11
Complementariedade hiscksiana ocorre quando inovações reduzem os custos de um bem utilizado como base
material de distintos processos produtivos (COCCIA, 2017, p. 2).
26

infraestruturas que ampliam e aprofundam mercados, ao estabelecimento de um novo senso


comum sobre as melhores práticas organizacionais, bem como à emergência de novos padrões
de consumo e estilos de vida na sociedade (PEREZ, 2016, p. 5). Do ponto de vista da política
internacional, tais períodos oferecem janelas de oportunidade para potências desafiarem a
ordem hegemônica vigente, uma vez que existe a possibilidade de saltos estruturais na
eficiência dos meios de coerção, comunicação e produção através da adoção do novo
paradigma tecnoeconômico, enquanto o Estado hegemônico depara-se com os conflitos de
interesse interno para substituir as relações sociais de produção entronizadas no estilo
tecnológico instalado (RENNSTICH, 2008).
A época posterior à definição do resultado da transição de poder no sistema
interestatal corresponde ao período de difusão tecnológica, crescimento econômico sustentado
e o nascimento de novas TPG. Em resumo:

Transformações massivas como essas são contingentes em relação aos contextos e


às condições regionais e tecnológicas. A natureza e os padrões de difusão de cada
revolução tecnológica determinam o contexto para estratégias de desenvolvimento e
abrem diferentes cenários para a ação, ou janelas de oportunidade, enquanto fecham
os antigos. Cada transição pode também alterar a hierarquia entre os países, quando
os antigos líderes permanecem atrelados aos seus conhecimento e estruturas
tradicionais, enquanto os desafiantes podem realizar um 'salto de sapo' direto para o
novo, desde que tenham acumulado as capacidades para tanto (PEREZ, 2016, p.
354, tradução nossa).

Além dos mecanismos que permeiam o ritmo evolucionário da dinâmica de inovação,


o programa de pesquisa neoschumpeteriano sobre transições de poder contribui para
complementar a descrição arrighiana do sistema-mundo ao qualificar os efeitos
organizacionais derivados dos tipos de estrutura de rede, externa ou interna, que constituíram
os setores líderes da economia global em diferentes etapas de seu processo histórico de
constituição.
Para Rennstich (2008, p. 64), por exemplo, o ciclo de hegemonia das cidades-Estado
italianas significou o surgimento de um núcleo sistêmico da economia global articulado em
torno de redes comerciais externas aos territórios nacionais. Durante a Era Comercial, a
capacidade da haute finance de exercer controle sobre os pontos-chave de acesso aos fluxos
de crédito e informação da economia global assegurava-lhe uma vantagem estrutural em
relação aos atores políticos cujos fundamentos de poder dependiam de recursos produzidos no
interior dos territórios nacionais.
Nesse período, a haute finance detinha ações de companhias de comércio de diferentes
nações. Essas organizações multinacionais não só disputavam o setor líder da economia
27

global e representavam as maiores fontes de receitas dos Estados europeus, como eram as
principais responsáveis por inovações catalisadoras de crescimento econômico, como a
abertura de novas rotas de comércio, aprimoramentos nos meios de transporte e
aperfeiçoamentos nos métodos de controle e extermínio dos povos americanos, africanos e
asiáticos.
Além disso, em um contexto tecnológico baseado em redes externas, Estados rivais
deparavam-se com o imperativo de balancear a intensidade da rivalidade com o nível de
cooperação necessário para sustentar suas posições na hierarquia de poder. Segundo
Rennstich (2008, p. 206), este constrangimento foi condição habilitadora da emergência de
uma condição de cooperação competitiva no sistema-mundo, na qual as rivalidades navais
entre as potências europeias não interrompiam os fluxos da economia global.
A Era Comercial perdurou até o segundo ciclo de hegemonia inglês, quando a
Revolução Industrial tornou a construção de redes internas de logística e produção, como
canais e ferroviais, uma condição necessária para a sobrevivência das organizações estatais no
Sistema Mundo. No sistema interempresas, a industrialização manifestou-se na formação do
modelo de produção em massa, baseado na racionalização de procedimentos e integração
vertical dos processos manufatureiros em unidades grandes o suficiente para absorver ganhos
de escala.
Com a emergência da Era Industrial, os núcleos propulsores da expansão espacial do
sistema-mundo passaram a se concentrar no interior dos territórios nacionais. Essa
territorialização dos recursos de poder dotou as elites estatais de fontes autônomas de receitas
tributárias, bem como de meios de coerção e comunicação de massa. Concomitantemente,
engendrou a emergência das guerras de mobilização nacional orientadas para a obtenção de
controle das cadeias de suprimento de matérias-primas e fontes de energia (RENNSTICH,
2008, p. 182). Desse modo, observou-se uma perda de poder relativo de agentes do mercado
financeiro em relação às elites estatais.
Na interpretação de Reenstich (2008), a transição da Era Industrial para a Era Digital,
iniciada no final da década de 1960, resultou na emergência de um sistema-mundo organizado
a partir de redes externas de informação. Dentre as TPG da primeira onda-k do processo de
digitalização, destacam-se os avanços na ciência da computação e na microeletrônica, a
instalação de sistemas de satélites na órbita terrestre e de cabos de fibra ótica
intercontinentais, bem como o surgimento da Internet. De forma análoga ao período do
28

capitalismo comercial, essas tecnologias engendraram a dispersão transnacional dos setores


líderes da economia global.
No sistema interempresas, o imperativo estratégico tornou-se ocupar as atividades
intensivas em conhecimento nas cadeias globais de produção, especificamente, o processo de
desenvolvimento dos softwares que definem os padrões de interoperabilidade das redes de
subcontratação. Ademais, articulado com as desregulamentações neoliberais, a digitalização
ampliou a mobilidade e a replicabilidade do capital, criando uma robusta vantagem estrutural
para agentes do mercado financeiro em relação às elites nacionais, em especial, na
(semi)periferia. O crescimento vertiginoso nos fluxos de capitais especulativos e nas práticas
de securitização, na década de 1980, não teria sido possível em um contexto tecnológico
analógico.
A despeito da reversão na tendência de centralização no sistema interempresas, as
TPG da primeira onda-k da Era Digital ainda não haviam amadurecido ao ponto de
substituírem o paradigma tecnoeconômico industrial. Não obstante, ao longo da década
posterior à crise financeira de 2008, os efeitos sinérgicos da convergência entre os avanços
tecnológicos nos campos conectividade, computação em núvem, IA e impressão 3D alteraram
este cenário. Argumenta-se que esta segunda onda-k da Era Digital engendrou a emergência
do processo de plataformização dos setores líderes da economia global.
Neste novo paradigma tecnoeconômico, as corporações que dominam o setores lideres
após a emergência da segunda onda-k da Era Digital “não apenas criam valor elas mesmas,
mas orquestram a criação de valor para terceiros”. Uma vez que "os usuários são os
produtores e a companhia opera como facilitador (...) a plataforma é mais importante que o
produto" (HALLORAM & BARKER, 2019, p.6-7, tradução nossa). Com isso, o ciberespaço
deixou de operar como um multiplicador da produtividade do setor manufatureiro e se tornou
o próprio locus de acumulação de capital no Sistema Mundo.
Apesar da significativa diversidade organizacional no interior dos ecossistemas
virtuais, a economia global plataformizada é caracterizada por um alto grau de concentração
de recursos de poder em um grupo extremamente pequeno de grandes corporações de
tecnologia estadunidenses e chinesas. Contudo, enquanto os EUA se deparam com
dificuldades para compatibilizar os resultados da transição tecnológica com as instituições
nacionais em razão da proeminência política da haute finance, enquanto a RPC foi capaz de
direcionar o avanço da digitalização em um sentido compatível com a estabilidade política
interna e a continuidade do projeto de desenvolvimento liderado pelo Estado. O sucesso do
29

processo de digitalização do sistema social chinês apresenta robusto desafio para a


continuidade da hegemonia da haute finance no Sistema Mundo.
O Quadro 1 sintetiza o processo histórico de evolução do sistema-mundo a partir da
articulação dos modelos interpretativos de Arrighi e Rennstich.

Quadro 1 – Relações entre mudança tecnológica, ciclos de hegemonia e expansões financeiras


durante o processo histórico de formação do sistema-mundo (continua)
Estados
Setor Líder/ Conjunturas Críticas
Ondas-k Desafiante(s) do
Estrutura de rede de Transição
status quo
Ciclo Cidades Estado Italianas (1190 – 1420)
Abertura de rotas de comércio nos
mares Mediterrâneo e Báltico,
Redes Externas de Comércio Portugal, Espanha e Queda de
instalação das feiras de Champagne,
Marítimo Províncias Unidas Constantinopla
aprimoramento nas embarcações e
na indústria têxtil de luxo.
Ciclo Províncias Unidas (1602-1652)
Abertura de rotas de comércio nos
oceanos Atlântico e Índico, no
Sudeste Asiático, criação das
Redes Externas de Comércio primeiras companhias de capital Guerras Anglo-
França e Inglaterra
Marítimo aberto, emergência do primeiro Holandesas
banco central, racionalização de
formas militares e criação do direito
internacional público.
Ciclo Inglaterra I (1714-1739)
Sedimentação de rotas de comércio
Redes Externas de Comércio globais (economia-mundo) e
França Guerras Napoleônicas
Marítimo institucionalização do primeiro
sistema monetário internacional.
Ciclo Inglaterra II (1815-1914)
Desenvolvimento de motores a vapor
(carvão), aumento da produtividade
Redes Internas Industriais: Primeira e Segunda
na indústria têxtil e de ferro, bem Alemanha e EUA
Manufaturas Familiares Guerras Mundiais
como expansão das malhas
ferroviárias.
Ciclo Estados Unidos I (1945-1971)
Desenvolvimento do motor a
combustão (petróleo) e sistemas
Redes Internas Industriais: União Soviética
elétricos, avanços na produção de Fim do Sistema
Corporação Fordista (URSS), Alemanha
aço, crescimento da indústria Bretton Woods
Multinacional e Japão
automobilística e instalação de cabos
intercontinentais de comunicação.
Ciclo Estados Unidos II (1971-2008)
Avanços na microeletrônica,
Japão e República
Redes Externas semicondutores, instalação da Crise Financeira de
Popular da China
Transnacionais de Produção infraestrutura da Internet (satélites e 2008
(RPC)
cabos de fibra intercontinentais)
Ciclo EUA - RPC
Crescimento exponencial da
Redes Externas de
conectividade, inteligência artificial
Informação e Plataformas RPC ?
(IA), computação em nuvem e
Digitais
impressão 3D
Fonte: O autor, 2021. Com base em Arrighi, 2008, e Rennstich, 2008.
30

Após termos delimitado as características políticas e ideológicas da haute finance e os


mecanismos pelos quais este grupo sociopolítico insere-se na dinâmica de evolução do
sistema-mundo, volta-se, agora, para delimitação do enquadramento teórico que será
mobilizado para o estudo de caso sobre a atuação política de agentes do mercado financeiro
no Brasil, entre 1981 e 2018, a ser realizado no capítulo três. Nomeadamente, fundamenta-se
o estudo na abordagem histórico-institucionalista proposta pelo programa de pesquisa sobre
Coalizões Societais e Capacidades Estatais (CSCE) no Brasil.
Nesta perspectiva, operacionaliza-se o estudo das relações políticas entre Estado e
mercado através do conceito de coalizões societais: conjuntos de grupos sociais heterogêneos
(políticos, burocratas, empresários, sindicatos, movimentos sociais etc.) que não apenas
possuem interesses econômicos convergentes, mas também operam politicamente para
influenciar os processos decisórios estatais e disseminar ordens simbólicas ideologicamente
orientadas na sociedade civil. Portanto, a CSCE engloba não só a avaliação dos arranjos
institucionais e da distribuição de recursos, mas também a compreensão das ideologias e
práticas políticas dos agentes (IANONI, 2016).
Considera-se o enquadramento da CSCE como complementar à concepção de sistema-
mundo delimitada acima. Isso, porque, apesar das diferentes ênfases teóricas, os autores
vinculados à CSCE convergem na qualificação do Brasil como uma nação semiperiférica. Ou
seja, um país que, embora esteja em uma condição de subordinação tecnológica e financeira12
em relação aos países do núcleo orgânico, detém recursos de poder para tentar operacionalizar
estratégias de desenvolvimento fundamentadas na articulação das vantagens de custos em
relação ao núcleo orgânico e de capital no tocante às nações periféricas.
Além disso, ambas abordagens assumem que a sustentabilidade de projetos de
catching up é, em última instância, determinada por fatores políticos. Afinal, a dinâmica de
reprodução das relações núcleo-periferia é resultado não só dos mecanismos de troca desigual,
mas também das transferências unilaterais13 de capital e trabalho, tanto forçadas quanto

12
Nessa perspectiva, reconhece-se que a inserção no comércio internacional fundamentada na exportação de
commodities e bens com "baixo nível de sofisticação e diversificação produtiva" e o "reduzido prêmio de
liquidez" da moeda brasileira no sistema financeiro global impõe robustos limites para a realização de políticas
macroeconômicas autônomas pelo governo federal (PAULA; FRITZ; PRATES, 2017, p. 1-3).
13
Arrighi (1997, p. 211) define transferências forçadas como “transferências estimuladas pelo uso da violência
ou pela ameaça plausível disso pelo Estado receptor e seus agentes”. O tráfico de escravos, a perda territorial em
decorrência de guerras e alienação de ativos estatais para o pagamento de dívidas com instituições estrangeiras
privadas são exemplares de transferência forçadas de força de trabalho e capital. Por sua vez, transferências
voluntárias “são baseadas no autointeresse dos donos dos recursos que estão sendo transferidos”. Exemplares
nesse sentido são “a emigração de trabalhadores e a fuga de capital”.
31

voluntárias. Por conta disso, “a luta contra a dependência está em avançar pelas vias das
relações internacionais: e conseguir alterá-las qualitativamente [...] trata-se de modificar as
relações de força que são o substrato da ordem econômica internacional” (FURTADO, 2008,
p. 149).
Na perspectiva da CSCE, parte-se da premissa de que o conflito em torno da definição
do sentido da ação do Estado-nação brasileiro organizou-se historicamente em torno da
clivagem entre os campos políticos nacional-desenvolvimentista e neoliberal. Por exemplo, a
ascensão do país ao estrato semiperiférico do sistema-mundo ocorreu entre 1930 e 1980,
período no qual distintas coalizões societais norteadas pela ideologia nacional-
desenvolvimentista foram capazes de sustentar intertemporalmente a implementação de uma
estratégia de industrialização via substituição de importações. Ao longo das cinco décadas de
hegemonia nacional-desenvolvimentista, a economia brasileira atingiu taxas de crescimento
extremamente altas, robusteceram-se as infraestruturas energética e de transportes,
consolidou-se um complexo industrial no setor de bens de consumo duráveis, bem como foi
institucionalizado um robusto aparato estatal de empresas públicas e órgãos de planejamento
responsáveis por orientar o sentido da dinâmica de acumulação e regular os conflitos entre
capital e trabalho (FURTADO, 2008).
Apesar das importantes variações históricas, identificou-se, como núcleo duro da
ideologia nacional-desenvolvimentista, o pressuposto de que o desenvolvimento econômico -
processo de mudança estrutural na estrutura produtiva nacional em direção à incorporação de
atividades com maior conteúdo tecnológico – ocorre apenas na presença de um Estado-nação
com capacidades de planejamento e atuação direta sobre a dinâmica de acumulação de capital
(FONSECA; HAINES, 2012). Além de considerarem a importância das capacidades estatais
para elevação da posição de país na hierarquia do sistema-mundo, autores e agentes políticos
ideologicamente vinculados ao nacional-desenvolvimentismo convergem na defesa da
necessidade da atuação estatal para mitigação dos efeitos sociais desestabilizadores
intrínsecos ao funcionamento de economias de mercado. Conforme resume Ben Ross
Schneider (2013, p. 14, grifo nosso):

O que diferencia os Estados desenvolvimentistas de outros Estados – já que quase


todos procuram promover o crescimento – é que os Estados desenvolvimentistas são
projetados para mudar rapidamente e de forma permanente o ranking global de um
país. A ambição é mais do que apenas o discurso do governo e as promessas de
campanha; Estados desenvolvimentistas corroboram essa ambição com extensos
investimentos materiais e institucionais
32

Em perspectiva semelhante, Renato Boschi e Flavio Gaitan (2016, p. 32) consideram


que:

O Estado desenvolvimentista é entendido como um tipo particular de aparato, cujas


políticas concentraram poder, autonomia, capacidade e legitimidade para moldar e
atingir objetivos explícitos de desenvolvimento econômico, seja estabelecendo e
promovendo condições de crescimento econômico, seja organizando-as diretamente.

É forçoso ressaltar que as décadas de hegemonia nacional-desenvolvimentista


mostraram-se insuficientes para a mitigação de contradições estruturais do sistema social
brasileiro. No âmbito econômico, a estratégia de substituição de importaçõesão não resultou
na internalização de capacidades tecnológicas nacionais suficientes para sustentar a dinâmica
de desenvolvimento em um contexto de deterioração das condições de liquidez internacional.
No âmbito social, a virada autoritária no regime político a partir do golpe militar de 1964
reforçou o caráter conservador14 e concentrador de renda do processo de industrialização.
Politicamente, o bloco de poder nacional permaneceu ocupado por elites políticas e
corporativas cujos interesses particulares estavam associados com o projeto hegemônico
estadunidense. Em 1980, a crise de endividamento externo resultante da mudança na
orientação da política monetária do Federal Reserve System (FED), banco central
estadunidense, exacerbou tais contradições, engendrando o colapso da hegemonia nacional-
desenvolvimentista e criando o contexto social adequado para a ascensão de uma coalizão
societal neoliberal ao núcleo decisório do aparato estatal (BRESSER-PEREIRA, 2016; REIS,
2020; SAAD-FILHO; MORAIS, 2018).
A despeito de importantes variações históricas e regionais, o núcleo duro da ideologia
neoliberal consiste na premissa de que sistemas econômicos em condição de “concorrência
inteiramente15 perfeita” tendem a um estado natural de equilíbrio no qual “não se pode
melhorar a situação de quem quer que seja sem piorar a situação do outro” (SAMUELSON,
1947, p. 479, tradução nossa). Para que tal condição concorrencial se manifeste, autores e
agentes políticos ideologicamente vinculados ao neoliberalismo defendem que as intervenções
das organizações estatais na economia devem ser as menores possíveis, uma vez que as ações
governamentais não são necessariamente orientadas pelos incentivos do mercado e, portanto,
produzem distorções nos preços relativos. Embora não haja uniformidade em relação ao
14
Articulado com o avanço da mecanização na agricultura latifundiária, a industrialização no Brasil engendrou
um processo de urbanização excludente cujo resultado foi a criação de oceanos de miséria e violência em torno
de ilhas de consumo conspícuo nas grandes cidades (SANTOS, 1993).
15
Ou seja, em uma condição “na qual todos os preços acabam sendo iguais a todos os custos marginais, e todos
os custos totais são mínimos, na qual todos os desejos genuínos e o bem estar dos indivíduos são representados
por suas utilidades marginais expressas nos dólares que eles gastam” (SAMUELSON, 1976, p. 479, tradução
nossa).
33

modelo institucional adequado, nota-se relativo consenso no campo neoliberal acerca da


necessidade de restrição das ações estatais às funções de imposição legal dos contratos e
direitos de propriedade; provimento de serviços negligenciados pela iniciativa privada e
correção de “falhas de mercado”. Conforme descreveu Milton Friedman (2014, p.71), um
governo neoliberal é:

[...] um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedades;


sirva de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do
jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos;
promova a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades
para evitar monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como
suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a
caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano
ou de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, importantes funções a
desempenhar.

No que tange à economia internacional, a ideologia neoliberal fundamenta-se na


premissa de que a liberalização dos fluxos comerciais e financeiros entre as fronteiras
nacionais engendra um mecanismo natural16 de convergência entre os sistemas produtivos
com diferentes dotações de fatores. Diante disso, explica-se a reprodução das assimetrias de
riqueza entre os países como resultado da incapacidade das elites dos países pobres adotarem
os arranjos institucionais que permitam a operação do mercado autorregulado. A partir desses
pressupostos, intelectuais neoliberais sustentam, em geral, através de hipóteses
quantitativamente testáveis, que as melhores políticas para países (semi)periféricos
alcançarem os níveis de desenvolvimento do núcleo orgânico envolvem necessariamente a
implementação de reformas enfraquecedoras17 nas capacidades estatais de tributação,
regulação e intervenção nos mercados (HUI, 2005). No Quadro 2, sintetizam-se as diferenças
teóricas e normativas entre as duas ideologias.

Quadro 2 - Desenvolvimentismo e Neoliberalismo: comparação entre premissas teóricas e


orientações normativas

16
Os mecanismos que operam tal tendência seriam a livre flutuação dos preços relativos e a redução da utilidade
marginal do capital.
17
O conceito de reformas enfraquecedoras refere-se à esforços estatais de "mobilização de recursos que
dependem de atores intermediários" (HUI, 2005, p.33, tradução nossa). Em contraste, reformas fortalecedores
aludem à iniciativas de "fortalecimento dos exércitos nacionais, racionalização do sistema tributário e
estabelecimento de corpo administrativo meritocrático" (HUI, 2005, p.31, tradução nossa). Conforme aponta Hui
(2005, p.33, tradução nossa), líderes políticos podem adotar reformas enfraquecedoras "porque o
estabelecimento de instituições eficientes envolve maiores custos de transação no curto prazo".
34

Qual deve ser o


Como se Como se Como se papel do Estado-
O que é o comportam os comportam os reproduzem as nação no processo
Ideologia
mercado: agentes agentes assimetrias na de
econômicos: políticos: economia global: desenvolvimentos
econômico
Limites estruturais
Conjunto de Comportamento Comportamento ao catching up de O Estado-nação
instituições sociais de agentes de agentes países periféricos deve orientar o
historicamente econômicos é econômicos é derivam da processo de
delimitadas que indissociável da indissociável da distribuição acumulação de
exercem a função de apreensão do apreensão do assimétrica de capital de acordo
Desenvolv.
redistribuição do contexto contexto recursos de poder com objetivos
excedente sociopolítico sociopolítico político, definidos
produzido por uma com que se com que se econômico e democraticamente
comunidade deparam. deparam. tecnológico no pela comunidade
humana. sistema política.
internacional.
Agentes
O Estado-nação
políticos se
Agentes Elites nacionais deve apenas
comportam de
econômicos se dos países pobres assegurar as
O mercado é um forma análoga à
comportam de são incapazes de condições de
sistema mecânico agentes
forma racional construir as operação do
que tende econômicos, pois
de acordo com instituições que mercado
Neolib. naturalmente ao buscam
os incentivos habilitam a autorregulado:
equilíbrio maximizar seus
derivados da convergência direitos de
maximizador da interesses
estrutura de natural dos propriedade, livre-
utilidade agregada. particulares:
preços nos sistemas concorrência e
rent-seeking,
mercados. produtivos. correção de falhas
corrupção e
de mercado.
populismo.
Fonte: O autor, 2021.

A clivagem entre desenvolvimentistas e neoliberais servirá como substrato teórico


para o estudo de caso sobre o processo de financeirização brasileiro no capítulo três. Por
processo de financeirização brasileiro, denomina-se a retroalimentação intertemporal entre a
trajetória de enfraquecimento de capacidades estatais desenvolvimentistas e a dinâmica de
robustecimento dos recursos de poder da coalizão societal neoliberal liderada por agentes do
mercado financeiro observada no Brasil entre 1981 e 2018 (Figura 1). Ao longo das quatro
décadas posteriores, o choque de juros do banco central estadunidense, conforme discute-se
no terceiro capítulo, as sucessivas crises seguidas por rodadas de liberalização comercial, os
esforços de desregulamentação financeira, privatização e implementação de práticas de
austeridade corroeram as capacidades do Estado-nação brasileiro de conduzir projetos de
desenvolvimento econômico e sustentar o sistema de bem-estar social previsto na
Constituição de 1988. Concomitantemente, parcela significativa do empresariado industrial,
categoria fortemente beneficiada durante o período de hegemonia nacional-
desenvolvimentista, não apenas ampliou suas conexões com a haute finance estadunidense
através dos mercados de capitais, como passou a defender explicitamente políticas de
35

orientação neoliberal (BRESSER-PEREIRA, 2016; BRUNO; CAFFÉ, 2017; CARNEIRO,


2002).

Figura 1 - Processo de Financeirização Brasileiro: retroalimentação entre variáveis


econômicas e políticas

Fonte: O autor, 2021.

No capítulo quatro, o processo de financeirização brasileiro servirá como pano de


fundo para o estudo de caso das práticas de construção de hegemonia de agentes individuais e
coletivos vinculados ao Grupo Financeiro Transnacional XP (GFT-XP) entre 2001 e 2018.
Operacionalmente, o conceito de GFT opera como a contrapartida organizacional do conceito
de haute finance. Do ponto de vista teórico, grupos financeiros consistem em um subtipo de
grupo18 econômico, categoria definida como: “conjuntos de empresas legalmente separadas,
unidas de formas formais e/ou informais persistentes” (GRANOVETTER, 2005, p. 429,
tradução nossa). A característica distintiva de um GFT consiste em seu controle acionário ser
exercido por duas ou mais instituições financeiras com matrizes situadas em dois países
distintos.

18
O conceito de grupo econômico insere-se no programa de pesquisa da Sociologia Econômica (SE), definido
por Bruce Kogut (2012, p. 125, tradução nossa) como a busca pelos "nexos entre a emergência de padrões
macroestruturais nos mercados econômicos e os microcomportamentos dos agentes que participam destes
mercados". A emergência de grupos econômicos é um fenômeno comum a distintos sistemas econômicos e está
invariavelmente associada com o poder político em função da magnitude dos recursos de poder que estas
entidades mobilizam.
36

A definição de grupo econômico proposta por Granoveter (2005) enfatiza a dualidade


formal/informal e as conexões permanentes. Tais destaques aludem tanto às qualidades das
relações entre as elites financeiras controladoras quanto aos mecanismos de coordenação da
ação coletiva intragrupo. Nessa perspectiva, nota-se que, diferentemente do que ocorre em
instituições de capital privado, "os horizontes de investimentos de grupos econômicos são de
longo prazo e raramente há o plano de saída" (KOGUT, 2012, p. 127, tradução nossa). Além
disso, ressaltam-se as vantagens políticas decorrentes da capacidade que grupos econômicos
possuem para realocar rapidamente capital de uma firma para outra. Do ponto de vista
operacional, conforme resume Bruce Kogut (2012, p. 127, tradução nossa):

A definição deixa apropriadamente uma lacuna empírica: a questão se a coordenação


intragrupo é primordialmente econômica e financeira ou social, por exemplo, através
de relações de parentesco, etnia e identidade. Também é suficientemente geral para
incorporar grupos econômicos horizontalizados ou verticalizados. Horizontal
significa que as empresas são especializadas em distintas atividades [...] vertical que
as empresas são organizadas em cadeias de suprimento. [...] Esta dimensão
estrutural é diferenciada das formas pelas quais o controle é legalmente exercido,
seja através de uma entidade central [...], ou através de cadeias piramidais de
propriedade.

Enquanto os aportes da Sociologia Econômica lançam luz sobre as relações sociais no


interior do GFT-XP, o programa de pesquisa estratégico relacional da Economia Política da
Cultura (EPC) oferece uma heurística interpretativa para compreensão das práticas de
construção de consenso mobilizadas pelos agentes vinculados ao grupo (SUM; JESSOP,
2013; THOMPSON, 1996). A abordagem da EPC dedica-se ao estudo da articulação entre os
aspectos estruturais e semióticos que "permeiam os processos pelos quais hegemonias são
constituídas em e através de diferentes ordens institucionais e sociedades civis" (SUM;
JESSOP, 2013, p. 201, tradução nossa).
Ontologicamente, parte-se da premissa de que, embora o mundo real exista,
“atores/observadores não possuem acesso direto a ele” e, portanto, precisam selecionar ordens
simbólicas que oferecem pontos de entrada para redução da complexidade para (inter)agir no
mundo. Diante disso, a EPC propõe "explorar como a complexidade é reduzida” através das
interações entre “processos intersubjetivos de construção de sentido e atribuição de
significado (semiose)” com a dinâmica de limitação das compossibilidades das relações
sociais através da emergência de estruturas que impõe limites e incentivos assimétricos para
os atores (estruturação)" (SUM; JESSOP, 2013, p. 3, tradução nossa). Mais especificamente, a
agenda de pesquisa da EPC se debruça sobre as causas de “variação, seleção e retenção de
37

diferentes discursos e, nesse sentido, preocupa-se com a articulação entre elementos


semióticos e extrassemióticos (JESSOP, 2008, p. 237, tradução nossa).
Práticas de "construção de sentido referem-se à apreensão do mundo natural e social e
destacam o valor referencial da semiose para entidades virtuais, imateriais, ou inexistentes,
mas culturalmente reconhecidas" (SUM; JESSOP, 2013, p. 3, tradução nossa). Do ponto de
vista da economia política, a relevância das práticas de construção de sentido aumentou com a
Era Digital, uma vez que corporações arquitetam plataformas digitais como espaços
personalizados de socialização virtual com o objetivo de promover a normalização de
determinadas narrativas e padrões de comportamento.
Por sua vez, práticas de atribuição de significado aludem aos atos comunicativos
performados19 por agentes sociais durante produção de discursos, imaginários e identidades
orientados para o ocultamento dos elementos econômicos, políticos e ideológicos que
sustentam relações do dominação. Nesse caso, destaca-se o papel dos intelectuais orgânicos:
agentes com capacidades de persuasão e compreensão da conjuntura que operam de forma a
deslegitimar narrativas adversárias e rearticular o discurso hegemônico ao contexto
sociopolítico. As práticas de intelectuais orgânicos são particularmente relevantes em
conjunturas de crise, quando abrem-se brechas no tecido social para proliferação que
"indivíduos carismáticos, filósofos visionários, acadêmicos, gurus, consultores, tecnocratas,
partidos políticos e movimentos sociais” identifiquem problemas coletivos urgentes e
proponham soluções que não seriam aceitas em períodos de estabilidade. (SUM; JESSOP,
2013, p.201, tradução nossa).
Assim como agentes e estruturas, os conceitos de semiose e estruturação estabelecem
relações bidirecionais que podem ser apreendidas a partir da noção de compossibilidade, a
qual alude ao que é possível em uma unidade espacial e temporal específica (SUM; JESSOP,
2013, p. 5, tradução nossa). Por exemplo, no caso brasileiro, a prática semiótica de
institucionalização de uma ordem constitucional social-democrata foi limitada pela assimetria
estrutural na distribuição de poder entre as coalizões societais neoliberal e
desenvolvimentista. As subsequentes décadas de institucionalização do neoliberalismo

19
O conceito de performatividade parte do pressuposto de que a "realidade social é uma realidade criada por e
para seres humanos" durante as interações sociais. Nesse perspectiva, instituições são padrões de atividades auto-
referenciadas (regras, status, identidades) que adquirem valor e estabilidade através de reiterados atos de fala e
outras formas de comunicação simbólica. Por exemplo, "um status é criado uma vez que ele é acordado,
reconhecido, invocado" e mobilizado durante a ação social”. Nota-se que” o ponto central é que não há um
objeto independente do discurso (...) o ato de proferir torna a coisa proferida real" (BLOOR, 2013, p. 707).
Performatividade, portanto, é o processo de formação de sujeitos através do uso de significantes linguísticos
(CAVANAUGH, 2018).
38

provocaram o enfraquecimento das capacidades estatais de provimento de bem-estar. Desse


modo, o que era previamente compossível (a estabilização de um regime político social-
democrata no Brasil) tornou-se algo de difícil realização, uma vez que a ideologia neoliberal
encontra-se profundamente arraigada nas lógicas normativas das elites nacionais.

Apresentação dos Capítulos

Considerando o arcabouço teórico descrito acima, a tese divide-se em quatro capítulos,


os quais estão dispostos de acordo com o nível de análise e/ou o enquadramento temporal em
que as dinâmicas de construção da hegemonia financeira se manifestam. O primeiro capítulo
analisa, de forma panorâmica, a trajetória de formação e dilatação espacial do sistema-mundo,
enfatizando-se as relações entre agentes do mercado financeiro com elites estatais, bem como
os nexos entre conflito político e contexto tecnológico durante as épocas de transição
hegemônica.
Parte-se do pressuposto de que processo histórico de constituição do sistema-mundo
foi caracterizado pela instalação das rotas de comércio marítimo no Mediterrâneo pelas
cidades-Estado italianas, no século XIII, pela institucionalização do sistema interestatal
vestfaliano sob a liderança das Províncias Unidas, no século XVII, pela sedimentação do
sistema monetário internacional e pela emergência da Era Industrial durante a hegemonia
inglesa, ao longo dos séculos XVIII e XIX, pelo deslocamento do núcleo decisório do
sistema-mundo para o continente norte-americano, após a Segunda Guerra Mundial, bem
como pela emergência da Era Digital durante o segundo ciclo de hegemonia estadunidense.
Argumenta-se que o tipo de estrutura de rede do sistema-mundo opera como variável
moderadora das capacidades disponíveis para agentes do mercado financeiro influenciarem o
sentido dos processos de transição de poder no sistema interestatal.
No capítulo dois, argumenta-se que o sistema-mundo contemporâneo distingue-se pela
convergência de três macroprocessos de transição: ascensão de um bloco de poder nacional
não alinhado com a haute finance à liderança do sistema interestatal, emergência de um
contexto tecnológico caracterizado pelo acoplamento entre redes externas de informação com
plataformas digitais e a sedimentação da mudança climática como problema central na agenda
institucional da comunidade global. Na primeira seção, analisa-se, de forma panorâmica, o
processo histórico de ascensão da China na hierarquia do sistema-mundo entre 1949 e 2008,
enfatizando-se as escolhas estratégicas do governo chinês para acomodar os imperativos de
39

internalização tecnológica e mitigação da entropia social interna em distintos contextos


históricos. A segunda seção discute os nexos entre a segunda onda-k da Era Digital e o
processo de plataformização do sistema interempresas, bem como pondera sobre as relações
entre as Cinco Grandes corporações plataformizadas estadunidenses com a haute finance e as
elites estatais da nação norte-americana. A terceira seção discute a natureza da competição no
sistema interestatal e interempresas contemporâneos e avalia a hipótese de que a convergência
entre o processo de digitalização e o princípio da sustentabilidade engendram possibilidades
de salto estrutural para os países da semiperiferia, levantada por Perez (2016).
O capítulo três discute a trajetória da financeirização brasileira entre 1981 e 2018. O
referencial metodológico do trabalho consiste no rastreamento do processo histórico, com
base na revisão crítica da literatura que se debruça sobre os nexos entre economia e política
no Brasil, em dados macroeconômicos provenientes das bases de dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
bem como em dados qualitativos coletados a partir de matérias publicadas em jornais e
discursos oficiais. A operacionalização do rastreamento do processo foi realizada através da
divisão do período histórico em três subperíodos, delimitados de acordo com os pontos de
inflexão na trajetória de mudança institucional do Estado brasileiro.
Na primeira seção, analisa-se o período entre o início da crise da dívida externa e a
operacionalização do Plano Real (1981-1993). Parte-se da hipótese de que a crise de
endividamento externo operou como conjuntura crítica do colapso do projeto nacional-
desenvolvimentista do regime militar e do início do processo de construção da hegemonia de
agentes do mercado financeiro no país. Na segunda seção, avalia-se o período entre a posse de
Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a tentativa mal sucedida do governo Dilma Rousseff de
romper com o modelo de financeirização via títulos da dívida pública institucionalizado a
partir do Plano Real (1994 – 2013). Considera-se que esta década foi caracterizada pela
estabilização monetária, pela captura institucional dos órgãos formuladores da política
macroeconômica por intelectuais vinculados ideologicamente e profissionalmente à haute
finance e pela coexistência entre a operacionalização do projeto social-desenvolvimentista
durante os governos petistas e a continuidade do processo de financeirização brasileiro.
Na terceira seção, discute-se o período entre a deflagração da Operação Lava Jato até a
vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais (2014-2018). Sustenta-se que este período
é caracterizado pela contraofensiva autoritária da coalizão neoliberal, a qual resultou na
40

continuidade do processo de financeirização via mercado de capitais e no agravamento das


crises econômica e institucional no Brasil.
O capítulo quatro analisa a estrutura organizacional e as práticas de construção de
hegemonia do Grupo Financeiro Transnacional XP (GFT-XP) no Brasil. Por grupo GFT-XP,
define-se a entidade constituída pelos nexos formais e informais dos agentes sociais cujos
interesses econômicos estão vinculados à empresa XP Investimentos. A hipótese de trabalho é
que o GFT-XP não é apenas um conjunto de empresas conectadas por relações de
propriedade, mas uma entidade que opera sistematicamente para a difusão da ideologia
neoliberal no Brasil.
Do ponto de vista metodológico, o estudo de caso fundamenta-se no referencial da
hermenêutica de profundidade (HP) apresentado em Thompson (1995). De acordo com o
autor, a HP diferencia-se da hermenêutica da vida quotidiana por combinar a “intepretação
das opiniões, crenças e compreensões que são sustentadas e partilhadas pelas pessoas que
constituem o mundo social” (doxa) com o estudo dos condicionamentos socio-históricos que
permeiam as maneiras pelas quais as formas simbólicas orientadas para sustentação das
relações de dominação são produzidas, transmitidas e recebidas pelos agentes sociais
(THOMPSON, 1995, p. 364).
A HP sugere uma heurística de pesquisa baseada em três etapas complementares: (1)
Análise Socio-histórica, a situação espaçotemporal do campo objeto a partir da especificação
da estrutura social e dos meios técnicos de transmissão nos quais o campo objeto se insere; (2)
Análise Formal ou Discursiva, a explicitação das conexões entre “o sentido mobilizado pelas
formas simbólicas e as relações de dominação que este sentido ajuda a estabelecer e
sustentar” (THOMPSON, 1995, p. 366); e (3) Interpretação e Reinterpretação, a “construção
significativa do significado, isto é, de uma explicação interpretativa do que está representado
ou do que é dito” (THOMPSON, 1995, p. 375).
Considerando-se o referencial da HP, o estudo de caso dividiu-se em três etapas. Em
primeiro lugar, apresentou-se a trajetória de ascensão da XP Investimentos ao núcleo da haute
finance brasileira entre 2001 e 2019, enfatizando-se as conjunturas que permearam a
incorporação do fundo de investimentos estadunidense General Atlantic (GA) e da instituição
bancária Itaú-Unibanco ao quadro societário do grupo. Segundo, descreveu-se a ecologia
organizacional do GFT-XP. Esse procedimento subdividiu-se em duas etapas. Inicialmente,
avaliaram-se as dinâmicas operacionais das empresas subordinadas à corretora XP
Investimentos: InfoMoney, XP Educação, XP Corretora de Seguros, XP Gestão de Recursos,
41

XP Investments, XP Private e as corretoras Rico e Clear. Em seguida, discutiram-se as regras,


práticas, discursos e plataformas que conectam os interesses particulares da haute finance do
GFT-XP com as operações quotidianas da rede de Agentes Autônomos de Investimento
(AAI) conectados à plataforma digital gerenciada pela XP Investimentos. Terceiro,
analisaram-se três modalidades de ação política coletiva realizadas por agentes vinculados ao
GFT-XP.
Nomeadamente: (i) as práticas de difusão de ordens simbólicas neoliberais e o
agendamento da conjuntura política durante as interações entre clientes e os serviços de
assessoria financeira disponíveis on-line; (ii) práticas de coordenação e mobilização da ação
política da coalizão societal neoliberal performadas durante os eventos corporativos anuais
denominados Expert XP; e (iii) práticas de disseminação da ideologia neoliberal através de
livros de educação financeira e treinamentos para reprogramação mental oferecidos nas redes
sociais de Thiago Nigro, influenciador digital, criador do canal “O Primo Rico” e sócio da
Rico Corretora, vinculada ao GFT-XP.
As análises são subsidiadas por dados quantitativos e qualitativos provenientes de: (i)
publicações institucionais da XP Investimentos disponíveis na Internet; (ii) biografia de
Guilherme Benchimol, diretor executivo (CEO) da XP Investimentos, publicada pela editora
Intrínseca, escrita por Maria Luíza Filgueiras, com prefácio assinado por Jorge Paulo
Lemann; (iii) livro “Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho: gastar bem, investir melhor,
ganhar mais”, assinado por Thiago Nigro; (iv) notícias, reportagens e entrevistas publicadas
nas plataformas digitais InfoMoney, Valor Econômico, Folha de São Paulo, Revista Exame e
Revista IstoÉ; (v) duas entrevistas semiestruturadas, uma com uma profissional de assessoria
financeira associada a um escritório de AAI, vinculado à XP Investimentos, e outra com um
administrador de fundo de investimento de capital privado realizadas pelo pesquisador; e (vi)
observação participante realizada a partir da operacionalização da técnica de cliente oculto em
escritório de AAI vinculado à XP Investimentos.
Na conclusão, sintetizam-se os argumentos desenvolvidos, indicam-se as implicações
teóricas e normativas dos resultados da investigação, bem como indicam-se sugestões para a
continuidade da agenda de pesquisa. No nível teórico, a tese busca contribuir para o
robustecimento de um campo de estudos multidisciplinar sobre as formas pelas quais agentes
do mercado financeiro tentam construir hegemonia na Era Digital. Do ponto de vista
normativo, pretende-se contribuir tanto para o avanço do conhecimento acerca das causas da
crise brasileira contemporânea quanto para o debate sobre o potencial que as tecnologias da
42

segunda onda de inovações da Era Digital possuem para ancorar um projeto de


desenvolvimento nacional que seja socialmente junto, institucionalmente criativo e
ambientalmente sustentável.
43

1 O PROCESSO HISTÓRICO

Este capítulo analisa o processo histórico de formação do sistema-mundo durante os


ciclos de hegemonia liderados, sucessivamente, por cidades-Estado italianas (1190-1602),
Províncias Unidas (1602-1652), Inglaterra (1714-1914) e Estados Unidos (1945-2008).
Enfatizam-se as interações estratégicas entre agentes do mercado financeiro e elites estatais,
bem como os nexos entre conflito político, expansão financeira e contexto tecnológico
durante os períodos de transição hegemônica. O capítulo divide-se em três seções. A primeira
seção apresenta, de forma panorâmica, a trajetória de dilatação espacial do sistema-mundo no
período que abrange a abertura das rotas de comércio marítimo no Mediterrâneo, a
emergência da Era Industrial e o deslocamento do núcleo decisório do sistema para o
continente norte-americano. A segunda seção investiga as variáveis internas e externas que
permearam o primeiro ciclo de hegemonia dos Estados Unidos desde a constituição do New
Deal até o colapso dos acordos de Bretton Woods. Por fim, discute-se a ascensão e declínio
do segundo ciclo de hegemonia estadunidense, especificamente, no que tange aos nexos entre
expansão financeira, digitalização e a resposta de Washington ao desafio chinês.

1.1 Política, Tecnologia e Finanças: a formação do sistema-mundo

Em janeiro de 1453, o condottiere genovês Giovanni Giustiniani Longo adentrou a


cidade de Constantinopla para comandar as defesas da capital do Império Bizantino contra o
iminente ataque do Império Turco-Otomano. O exército muçulmano era liderado pelo Sultão
Mehmed II, que, logo após assumir o trono, aos 19 anos, mobilizou cerca de 60 mil soldados
extremamente disciplinados e financiou a produção do maior canhão de artilharia já inventado
até então. A importância de Constantinopla derivava não apenas de sua sacralização para
cristãos e muçulmanos, mas também de sua posição geográfica estratégica para o controle das
rotas de comércio no Mediterrâneo. Giustiniani, por sua vez, comandava 700 mercenários que
ele havia pessoalmente recrutado nos territórios genoveses na Grécia, além dos 4 mil soldados
pertencentes ao Imperador Constantino XI. Diante de números tão desfavoráveis, o militar
italiano optou por uma estratégia defensiva, aproveitando-se das históricas muralhas de
Constantinopla para alongar o cerco otomano até a chegada de reforços prometidos pela
aristocracia financeira que comandava a cidade-Estado de Veneza. No entanto, em função da
44

paralisia decisória do Senado veneziano, os reforços esperados por Giustiniani nunca


chegaram, e, após 55 dias de cerco, as forças otomanas tomaram a cidade (FELDMAN,
2008).
As cidades-Estado que Giustiniani representava emergem como unidades políticas
relevantes no sistema interestatal europeu a partir da segunda metade do século XIII.
Protegidas por muralhas fortificadas impenetráveis às peças de artilharia da época, as elites
financeiras italianas tornaram-se os principais intermediários entre os produtos primários
exportados pelos reinos continentais e os artigos de luxo oferecidos por mercadores
euroasiáticos ao longo da Rota da Seda20. Tal centralidade não apenas conectou o destino das
demais unidades políticas europeia ao adequado funcionamento das casas bancárias italianas,
como atraiu21 inventores, mercenários, artistas e outros indivíduos em busca de remunerações
por seus talentos. A operacionalização desta estratégia de acumulação de poder fundamentada
não na expansão territorial, mas no controle e gerenciamento das redes de comércio e
informação de longa distância a partir de territórios pequenos e militarmente inexpugnável
engendrou o surgimento do sistema-mundo.
Na metade do século XV, todavia, a hegemonia das cidades-Estado italianas
deteriorava-se diante da crescente competição no sistema interestatal. O avanço do poder de
fogo dos equipamentos de artilharia e o desenvolvimento dos meios logísticos para
sustentação de exércitos de massa seriam emulados e aperfeiçoados pelos blocos de poder
europeus ao longo dos séculos seguintes. Consequentemente, pequenos reinos e cidades-
Estado foram forçados a optar entre a construção de instituições permanentes de ação coletiva
com seus vizinhos e a anexação ao projeto de expansão de Estados-nação.
Do ponto de vista geopolítico, a conquista de Constantinopla pelo Império Otomano
significou a transferência do núcleo de acumulação do sistema-mundo para os oceanos
Atlântico e Índico. Entre os séculos XV e XVII, os blocos de poder melhor sucedidos em suas
empreitadas foram os reinos católicos de Portugal22 e Espanha. No século XVI, o Império
Lusitano estender-se-ia não só para o território sul-americano, mas também para um conjunto
de cidades portuárias ao longo do Cabo da Boa Esperança e Macau (Índia Portuguesa). O

20
Gênova, por exemplo, organizou as feiras de Champagne e reestruturou o comércio no Mar Negro enquanto
Veneza atuou na restauração do comércio na Rota da Seda e instaurou uma “forte rede de comércio por todo o
espaço Mediterrâneo, alcançando até o norte do Oceano Atlântico” (ARRIGHI, 2008, p. 246).
21
Estima-se que, entre 1300 e 1400, a população de Gênova aumentou de 80 mil para 117 mil habitantes, e a de
Veneza, de 80mil para 150mil (SPRUYT, 1996, p. 133).
22
De acordo com Furtado (1986, p. 5), Portugal já havia conquistado Ceuta, explorava o comércio de escravos
na costa ocidental africana e coordenava - em sociedade com financistas venezianos - a produção de açúcar na
Ilha da Madeira e em São Tomé “quando as invasões turcas começaram a criar dificuldades crescentes às linhas
orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade”.
45

Império Espanhol atingiu uma dilatação ainda maior, controlando entrepostos comerciais na
África e no Sudeste Asiático, bem como monopolizando a extração de metais preciosos em
uma faixa territorial que conectava a Flórida ao Rio da Prata. Com a união das coroas
portuguesa e espanhola entre 1580 e 1640, o Império Ibérico tornou-se o “primeiro onde o sol
nunca se põe”.
Contudo, o pioneirismo ibérico logo foi contestado. Entre 1595 e 1663, embora capaz
de repelir as invasões holandesas no Nordeste Brasileiro, Portugal perdeu entrepostos
comerciais importantes na Ásia para a Companhia Holandesa das Índias Orientais (CHIO).
Em 1601, a Inglaterra da protestante Elizabeth I criou a Companhia Britânica das Índias
Orientais (CBIO) para intensificar os esforços de colonização na América do Norte e atacar as
embarcações do Império Espanhol governado pelo católico Felipe II. Os séculos XVII e
XVIII foram caracterizados pelo acirramento de conflitos entre os Estados dinásticos
europeus em torno dos monopólios das rotas de comércio, força de trabalho e dos recursos
naturais dos territórios ocupados (ARRIGHI, 2008, p.221).
Apesar disso, não houve desaceleração na trajetória de expansão das interações
financeiras e comerciais. Pelo contrário, em 1750, o comércio do açúcar americano era dez
vezes maior do que no início do século, e a extração de prata quase triplicou entre 1600 e
1800. A prata extraída por africanos escravizados na América Latina era transportada em
galeões espanhóis que cruzavam o Oceano Atlântico e utilizada para comprar tecidos de luxo
fabricados por asiáticos e comercializados pelas embarcações controladas pelas companhias
de comércio holandesa, inglesas e francesa (FINDLAY; O’ROURKE, 2003). Ou seja: a
percepção de ameaça na política europeia favoreceu o ambiente de negócios e,
consequentemente, acelerou a dilatação do sistema-mundo.

Tabela 1 - Fluxos
Exportações Importações
intercontinentais de prata Importações Europeias
Europeias Asiáticas
(1601-1800) (continua)
Produção % da Produção % Produção % Produção
Ano Tons Tons Tons
Americana Americana Americana Americana
1601-
340 245 72,1 100 40,8 17 5,0
1625
1626-
395 290 73,4 125 43,1 16 4,1
1650
1651-
445 330 74,2 130 39,4 6 1,3
1675
1676-
500 370 74,0 155 41,9 15 3,0
1700
1701-
550 415 75,7 190 45,8 15 2,7
1725
46

1726-
650 500 76,9 210 42,0 15 2,3
1750
1751-
820 590 76,9 210 42,0 15 1,8
1775
1776-
940 600 63,8 195 32,5 20 2,1
1800
Fonte: O autor, 2021. Com base em Findlay e O'Rourke, 2003, p. 21.

Em 1579, a unificação das Províncias Unidas (Holanda) foi formalizada na União de


Utrecht pelos 27 reinos independentes que compunham os Países Baixos, em função da
crescente ameaça representada pelo Império Espanhol. Após os conflitos, o porto de
Antuérpia, centro financeiro e principal ponto de intermediação de comércio de longa
distância na época, foi conquistado pela Espanha, provocando expressiva migração de
mercadores calvinistas e judeus para Amsterdã. Com isso, insulado pela rede de canais que
compõe o território holandês, o Banco de Amsterdã, criado em 1608, ocuparia a posição de
novo centro comercial e financeiro da Europa, e, entre 1635 e 1700, a população da cidade
aumentou de 120 mil para 205 mil habitantes (ISRAEL, 1995, p. 621). Com isso, as
Províncias Unidas tornaram-se o novo locus de acumulação de capital no continente,
centralizando oferta de crédito para os Estados continentais em conflito (TAYLOR, 1994).
A supremacia marítima e comercial holandesa derivou da inextrincável relação entre a
Companhia Holandesa das Índias Orientais (CHIO) e a organização estatal. Criada em 1602, a
CHIO foi a primeira corporação financiada através de ações mobiliárias. A empresa possuía o
direito de mobilizar exércitos, anexar territórios e administrar entrepostos comerciais. Em
1725, a CHIO empregava 11 mil homens e obtinha rendas por serviços de intermediação do
comércio de tecidos de luxos asiáticos, manufaturas europeias, escravizados africanos e
monoculturas agrícolas, como cana, tabaco, café, cacau e borracha (ISRAEL, 1995, p. 623).
Desse modo, assim como as cidades-Estado italianas, a Holanda tornou-se um centro
de poder fundamentado na administração de redes de crédito e comércio de longa distância.
No entanto, através de desenvolvimentos tecnológicos nas embarcações e reformas
organizacionais nas forças militares23, os Países Baixos alcançaram uma capacidade de
projeção de poder inédita até então. Por conta disso, não só anteciparam elementos
característicos dos Estados-nação, mas também estabeleceram os fundamentos institucionais
para governança do sistema-mundo. Em outras palavras:

23
Giddens (2001, p. 138) argumenta que Nassau introduziu técnicas tayloristas “séculos antes delas serem
conhecidas por tal nome na produção industrial”. Os membros das unidades eram ensinados a coordenarem o uso
de mosquetes e lanças a partir de uma série de procedimentos especificados que permitiam o grupo a operar
como um todo de acordo com as instruções do comando.
47

Ao invés da sociedade vista como uma fonte de impostos e soldados que expandiam
o Estado através de acumulação territorial, o Estado tornou-se uma fonte de poder
para expandir a sociedade através de acumulação de capital. Os holandeses
forneceram a razão de Estado que converteu o sistema interestatal europeu de um
mecanismo de destruição de acumulação de capital para outro, que a sustentava. A
condição política para acumulação de capital é não apenas um sistema interestatal,
mas uma razão de Estado no interior do sistema que contraponha a conversão em
imperium [sic]. Ciclos hegemônicos no moderno sistema-mundo distinguem-se pela
existência de hegêmonas dispostos a sustentarem o sistema, não a conquistá-lo
(TAYLOR, 1994, p. 35-43, tradução nossa).

O fim da Guerra dos Trinta Anos e a assinatura do Tratado de Vestfália, em 1654,


marcam o apogeu da hegemonia holandesa. Todavia, com a neutralização da ameaça
espanhola, os Estados continentais avançaram na emulação da estratégia do reino protestante.
Especificamente, a Inglaterra, que, após a vitória sobre a Armada Espanhola, em 1588,
acelerou o processo de construção de uma marinha de águas azuis, visando a desafiar a
supremacia dos Países Baixos nas rotas de comércio. Em 1651, Oliver Cromwell instituiu os
Atos de Navegação. Este definiu que a Inglaterra apenas aceitaria a importação de bens
transportados em embarcações inglesas. Com isso, atacavam-se, diretamente, os ganhos de
intermediação dominados pelos mercadores holandeses. A medida engendrou o precedente
necessário para a intensificação das operações de pirataria financiadas pela Coroa britânica.
Durante as três décadas posteriores, não só o protecionismo inglês prosseguiu, como as duas
nações entraram em guerra em 1652, 1665 e 1672. As guerras anglo-holandesas cessaram
apenas em 1688, quando o príncipe holandês Guilherme de Orange foi catapultado ao trono
pelo Parlamento inglês após a deposição do católico Jaime II durante a Revolução Gloriosa.
Ou seja, a transição entre a hegemonia dos Países Baixos para a da Inglaterra envolveu
o alinhamento dos blocos de poder das duas nações em razão da crescente percepção de
ameaça representada pela França. Tal convergência manifestou-se na liquidez fornecida pelas
casas financeiras de Amsterdã durante o desenvolvimento das capacidades militares que
fundamentaram a formação do Império Britânico. Do ponto de vista interestatal, por sua vez,
o resultado da Revolução Gloriosa foi a deterioração dos fundamentos de poder das
Províncias Unidas. Ao longo do século XVIII, a Marinha Real, o Banco Central Inglês, a City
Londrina e a Companhia das Índias Orientais Britânicas substituíram suas contrapartes
holandesas como as organizações líderes da trajetória de expansão do sistema-mundo
(ARRIGHI & SILVER, 1999).
Conforme ilustra a Tabela 2, na segunda metade do século XVIII, enquanto a
Inglaterra já possuía a maior marinha do planeta, as Províncias Unidas eram incapazes de
sozinhas sobreviverem a um conflito com a França. O resultado dos esforços de contenção da
48

ameaça napoleônica e do acesso às redes de capitais da haute finance holandesa foi um


aumento de 22 milhões para 123 milhões de libras no gasto público britânico entre 1792 e
1814 (CHAUDHURI, 1978, p. 167). Portanto: “presa entre a expansão marítima inglesa e o
avanço continental francês, os holandeses foram obrigados a optarem pelo menor dos males.
A Holanda se tornou um fiel subordinado militar dos esforços ingleses no combate às forças
marítimas e navais francesas” (ARRIGHI; SILVER, 1999, p. 45).

Tabela 2 - 1775 1780 1785 1790


Força das Marinhas
Europeias, 1775-
1790 (Tonelagem
de embarcações
acima de 500 tons)
Inglaterra 327,3 351,6 433,2 458,9
França 190,1 260,8 259,6 314,3
Espanha 188,8 185,0 198,4 242,2
Holanda 67,5 70,0 85,0 117,4
Portugal 39,3 35,7 33,7 40,6
Fonte: O autor, 2021. Com base em Duffy, 1988, p. 185.

A rivalidade entre Inglaterra e França manifestou-se na forma de conflitos militares


realizados por companhias de comércios na periferia do sistema-mundo. No Sudeste Asiático,
por exemplo, o território indiano foi o principal teatro de operações. Nesse cenário, a
Companhia das Índias Britânicas (CBIO) aliou-se com os interesses do decadente Império
Mughal para enfrentar a presença da Companhia das Índias Francesas, associada com o
Império Muçulmano Maratha. Em 1757, após a derrota na Batalha de Plassey, a corporação
francesa foi expulsa da Índia. Em 1803, a CBIO controlava Bengal, Nova Delhi, um exército
de 260 mil soldados nativos e a tributação no território indiano.
O controle da Índia habilitou a articulação entre o controle das redes externas de
comércio marítimo e a expansão territorial na estratégia de acumulação de poder do Império
Britânico. No âmbito econômico, a força de trabalho indiana foi orientada para a produção de
algodão e pimenta e os superávits na balança comercial britânica foram essenciais para o
estabelecimento do sistema monetário prata-libra. Do ponto de vista militar, os indianos
formaram um imenso exército colonial, regularmente empregado em conflitos no Norte da
África, no Oeste da Ásia e na Europa. Logo, no início do século XIX, o Império Britânico
possuía a maior marinha do mundo, gerenciava o tráfico de escravizados estabelecido pelos
países ibéricos, estava há poucas décadas de estabelecer total soberania sobre o subcontinente
indiano e expandira mundialmente as redes financeiras do Sistema Global.
49

Ao controlar as principais rotas de comércio de longa distância e centralizar as


reservas internacionais de ouro, a City Londrina tornou-se o núcleo decisório do sistema-
mundo durante período de emergência da Era Industrial. No sistema interempresas, a
industrialização engendrou o fim do domínio das companhias comerciais e o surgimento das
fábricas que deveriam produzir mercadorias em larga escala. Assim, a burguesia industrial
surgiu sob a tutela do crédito provido pela haute finance de Londres, a qual, por sua vez, era
formada por um pequeno grupo de famílias e organizações cujo sistema de relacionamentos
fora constituído ao longo dos ciclos de acumulação anteriores.
A emergência da Era Industrial significou a transição de uma economia mundial
baseada em redes externas de comércio para outra, fundamentada no desenvolvimento de
redes internas de produção. Assim, no nível internacional, enquanto, no período comercial, os
recursos de poder derivavam do controle de pontos estratégicos nas redes transnacionais de
intercâmbio, na Era Industrial, o imperativo estratégico tornou-se a internalização dos meios
necessários para a produção dos instrumentos de coerção.
No âmbito interno, a industrialização propulsionou o avanço da regulação do mercado
na tessitura social. É importante notar que, enquanto o comércio de longa distância liderava a
expansão do sistema-mundo, as relações de troca monetária desempenhavam papel secundário
na dinâmica de reprodução social da maior parte das populações europeias. Todavia, na
medida em que o processo de urbanização avançava, isto é, em que parcelas cada vez maiores
da população rural deslocavam-se para as cidades em busca de salários em troca da força de
trabalho, ampliavam-se os grupos sociais cujas possibilidade de existência estavam
submetidas às volatilidades de um sistema de mercado amplamente desregulado.
Do ponto de vista político, a industrialização significou o fortalecimento da haute
finance em relação às oligarquias agrárias no interior do bloco de poder inglês. Por conta
disso, a organização estatal, até então, instituição voltada para a garantia da reprodução das
estruturas que sustentavam a ordem social, transformou-se em um mecanismo catalisador do
ritmo da mudança, o qual já havia sido abreviado em função da revolução tecnológica em
curso. Nesse cenário, a imposição da lógica do livre mercado produziu implicações
desagregadoras no tecido social. No trecho abaixo, Karl Polanyi (2000, p. 53, grifos nossos)
exemplifica o argumento ao sintetizar os efeitos sociais provocados pela incorporação das
terras comunais à forma mercadoria na Inglaterra no século XVIII:

Os cercamentos foram chamados, de uma forma adequada, de revolução dos ricos


contra os pobres. Os senhores e os nobres estavam perturbando a ordem social,
destruindo as leis e os costumes tradicionais, às vezes pela violência, às vezes por
50

pressão e intimidação. Eles literalmente roubavam o pobre na sua parcela de


terras comuns, demolindo casas que, até então, por força de antigos costumes, os
pobres consideravam como suas e de seus herdeiros. O tecido social estava sendo
destruído; aldeias abandonadas e ruínas de moradias humanas testemunhavam a
ferocidade da revolução, ameaçando as defesas do país, depredando suas cidades,
dizimando sua população, transformando seu solo sobrecarregado em poeira,
atormentando seu povo e transformando-o de homens e mulheres decentes
numa malta de mendigos e ladrões.

No sistema interestatal, o fato de que os fundamentos do poder não estavam mais fora,
mas, sim, no interior das fronteiras nacionais facilitou a emulação do modelo Britânico pelos
demais blocos de poder no sistema europeu (RENNSTICH, 2008). Enquanto agentes
empresariais organizavam a expansão das capacidades produtivas, agentes estatais lideravam
as dinâmicas de burocratização administrativa, racionalização das forças militares e
construção de comunidades imaginadas24 dos quais emergiram os Estados-nação
(ANDERSON, 2008). Desse modo, em meados do século XIX, o “sistema-mundo havia se
tornado um sistema integrado de transporte e produção mecanizados que deixava pouco
espaço para autossuficiência nacional” (ARRIGHI; SILVER, 1999, p. 62).
Nesse contexto, a liderança britânica era exercida através da organização do sistema
monetário internacional fundamentado no padrão-libra, bem como no papel coordenador
desempenhado pela City Londrina na manutenção do delicado equilíbrio de poder entre os
Estados-nação europeus (POLANYI, 2000). Todavia, conforme ilustra o Gráfico 1, o
acelerado desenvolvimento dos EUA e da Alemanha “intensificou as pressões competitivas
entre as agências de acumulação de capital” e resultou na depressão de 1873 a 1896
(ARRIGHI, 2008, p. 168). Diante do acirramento da competição, a burguesia inglesa optou
pela financeirização. Isso, porque o aumento da demanda por serviços de intermediação por
industriais alemães e estadunidenses assegurava a lucratividade da City Londrina. Logo,
seguindo o padrão de seus antecessores genoveses e holandeses, a haute finance inglesa

24
O conceito de cidade imaginada utilizado nesta tese se refere ao apresentado em Anderson (2008). Para o
autor, “o ponto de partida é que tanto a nacionalidade (...) quanto o nacionalismo são produtos culturais
específicos” (ANDERSON, 2008, p.30). Especificamente, a sociedade nacional é “uma comunidade política
imaginada (...) como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo soberana”. Ela é imaginada porque
mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão (...) seus companheiros (...) embora todos
tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles” (ANDERSON, 2008, p.32). Ela é “limitada porque
mesmo a maior delas, que agregue, digamos, um bilhão de habitantes, possui fronteiras finitas, ainda que
elásticas, para além das quais existem outras nações. Nenhuma delas imagina ter a mesma extensão da
humanidade” (ANDERSON, 2008, p.33). Por sua vez, “imagina-se a nação soberana porque o conceito nasceu
na época em que o Iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico
de ordem dinástica (...) as nações sonham em ser livres – e, quando sob dominação divina, estão diretamente sob
Sua égide”. Finalmente, “ela é imaginada como uma comunidade porque, independentemente da desigualdade e
da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda
camaradagem horizontal” (ANDERSON, 2008, p.34).
51

abandonou seus empreendimentos comerciais e industriais em favor da cômoda


especialização na prestação de serviços financeiros.
A aceleração da dinâmica de expansão do sistema-mundo conduziu os blocos de poder
nacionais a um jogo territorial de soma zero. No âmbito nacional, enquanto as elites
econômicas pressionavam pela expansão do sistema de mercado, do outro, as massas urbanas
organizavam-se em torno de ideologias que não apenas ameaçavam os arranjos políticos
liberais, mas propunham a construção de ordens sociais completamente distintas. No âmbito
externo, o imperialismo tornou-se tanto uma válvula de escape para as pressões sociais quanto
uma expressão do alinhamento entre os interesses das burguesias e a política externa dos
Estados-nacionais. Enquanto a acumulação de capital exigia novos mercados para ser
realizada, estadistas eram impelidos a englobarem novos espaços territoriais que
maximizavam suas capacidades relativas entre as potências europeias25. A crescente utilização
de medidas protecionistas e as recorrentes guerras coloniais ameaçavam a sustentabilidade do
padrão-ouro e tensionavam a capacidade de gerenciamento do sistema pela City Londrina. Em
outras palavras, as contradições entre a lógica do sistema interestatal europeu, constituído a
partir do Tratado de Vestfália, e a dinâmica de acumulação de capital que emerge durante a
Era Industrial desarticularam o arranjo institucional que sustentava o equilíbrio de poder.

Gráfico 1 - Produção de ferro e aço: Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra (1850


- 1945)

25
De acordo com Hobsbawm (2009b, p. 101), entre 1876 e 1895: “cerca de um quarto da superfície continental
do globo foi distribuído ou redistribuído, como colônia, entre meia dúzia de Estados. A Grã-Bretanha aumentou
seus territórios em cerca de 10 milhões de quilômetros quadrados, a França em cerca de 9, a Alemanha
conquistou mais de 2 milhões e meio, a Bélgica e a Itália pouco menos que essa extensão cada uma”.
52

Fonte: O autor, 2021. Com base em Correlates of War (2020).26

O acúmulo das tensões explodiu em 1914. Contando com o apoio da produção


industrial estadunidense, a coalizão liderada por França e Inglaterra conteve o expansionismo
germânico na Europa e, em seguida, impôs a assinatura de tratados de paz que estipulavam
dívidas impagáveis aos alemães. Desse modo, embora o parque industrial alemão
permanecesse intacto, o valor do marco despencou, o que originou a primeira experiência de
hiperinflação e tornou empiricamente impossível a recuperação econômica da Alemanha. Em
1929, apenas dez anos após a resolução do conflito mais sangrento da história europeia,
eclodiu a maior crise financeira do MSG até então registrada. A expectativa de quedas de
lucratividade diante da superprodução engendrou um aumento sem precedentes da preferência
pela liquidez dos capitalistas. Os governos nacionais, orientados pelos princípios do laissez-
faire, decidiram não intervir para conter a propagação, resultando em desemprego
generalizado.
Com o colapso do sistema de mercado, a década que precedeu a catástrofe da Segunda
Guerra Mundial foi marcada pelo retrocesso dos governos constitucionais na Europa. As
retóricas nacionalistas de partidos de extrema direita encontravam terreno fértil em um
contexto de militarismo, fragmentação do tecido social e recessão global. Conforme observou
Hobsbawm (2013, p. 115): “os 23 anos entre a chamada ‘Marcha sobre Roma’ de Mussolini e

26
Utilizou-se a base de dados National Material Capabilities construída pelo Correlates of War Project.
Disponível em: https://correlatesofwar.org/data-sets/national-material-capabilities. Acesso em: 10/01/2020
53

o auge do sucesso do Eixo na Segunda Guerra Mundial viram uma retirada acelerada e cada
vez mais catastrófica das instituições políticas liberais”. O resultado da Segunda Guerra
Mundial eliminou as pretensões hegemônicas alemãs, consolidou a presença da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no sistema interestatal, bem como representou a
transição da hegemonia da Inglaterra para os Estados Unidos.
No dia 6 de agosto de 1945, o deslocamento do núcleo do sistema-mundo para a os
EUA foi anunciado ao mundo. Ainda embarcado no navio que retornava da Conferência de
Potsdam, o presidente dos EUA, Harry Truman que: “há dezesseis horas, uma aeronave
estadunidense despejou uma bomba em Hiroshima, uma importante base aérea do exército
japonês”. E complementou: “foi uma bomba atômica. A mobilização do poder básico do
universo. A força da qual o sol retira seu poder foi liberada sob aqueles que trouxeram a
guerra ao extremo oriente”27. Em outras palavras, Truman proclamou o início de uma “nova
ordem mundial - uma ordem centrada e organizada pelos Estados Unidos da América”
(ARRIGHI et al, 1999, p. 80).

1.2 Hegemonia Estadunidense: do New Deal à crise

Os Estados Unidos inserem-se na trajetória de expansão do sistema-mundo, no início


do século XVI, na forma de colônia de ocupação inglesa. Ao contrário das colônias
espanholas e portuguesas, o território estadunidense não apresentou condições climáticas
favoráveis ao cultivo de monoculturas ou jazidas de metais preciosos próximas à costa. Por
conta disso, os primeiros séculos da invasão europeia caracterizaram-se por relativa
autonomia política da população imigrante28 em relação à metrópole. A ocupação inicial teve,
como base econômica, o comércio de peles e a plantação de tabaco baseada na mão de obra
de escravizados africanos.
O contexto colonial foi caracterizado por intensos conflitos entre europeus e os povos
nativos, bem como por disputas militarizadas entre os territórios ocupados pelas Companhias

27
O texto em língua estrangeira é: "Sixteen hours ago an American airplane dropped one bomb on Hiroshima, an
important Japanese Army base. [...] It is an atomic bomb. It is a harnessing of the basic power of the universe.
The force from which the sun draws its power has been loosened against those who brought war to the Far East”.
Disponível em: https://www.trumanlibrary.gov/library/public-papers/93/statement-president-announcing-use-
bomb-hiroshima. Acesso em: 13 abr 2019
28
Hobsbawm (2009a, p. 343) descreve os Estados Unidos em 1870 como a “terra que parecia prometer ao pobre
um meio pessoal de livrar-se de uma pobreza que se arrastava por toda a vida, de sair da classe operária e
proporcionar a cada cidadão igualdade diante de todos”.
54

de Comércio de França, Espanha e Holanda na América do Norte. Todavia, com o


acirramento das tensões entre Inglaterra e França na segunda metade do século XVIII,
Londres intensificou a taxação sobre as exportações coloniais. A iniciativa despertou a ira dos
homens de negócio e o espírito nacionalista da população branca que, contando com o apoio
dos países europeus rivais da Inglaterra, venceram a guerra de independência em 1776. Em
1788, George Washington, ex-comandante do Exército Continental, foi eleito o primeiro
Presidente dos Estados Unidos.
Após a independência, o governo dos EUA capitaneou um acelerado processo de
expansão e integração logística territorial. Entre 1803 e 1898, foram anexados, por guerra ou
compra, os territórios da Louisiana, Flórida, Oregon, Texas, Novo México, Califórnia,
Arizona, Alasca e Havaí. Em 1861, inaugurou-se a primeira linha transcontinental de
telégrafos, que conectou a costa do Atlântico ao Pacífico. Entre 1861 e 1865, a dilatação da
soberania foi brevemente interrompida em função da guerra civil. Esta opôs os estados
sulistas, cujas economias fundamentavam-se na exportação de algodão, ao bloco nortista que
avançava seu processo de industrialização fundamentado no setor ferroviário.
Terminado o conflito interno, a integração do espaço nacional foi retomada. Em 1869,
foi inaugurada a Primeira Ferrovia Transcontinental, a qual conectava as duas costas do país
em apenas seis dias. Na década posterior, a rede ferroviária do sul dos EUA expandiu-se de
17.700 km para 46.700 km. Com a pujança econômica e o acirramento das tensões no sistema
interestatal europeu, a população estadunidense aumentou de 40 milhões, em 1870, para 100
milhões em 1916. Em outras palavras, ao longo do século XIX, os EUA tornaram-se uma
unidade política que concentrava uma “massa de recursos superior a todos os demais impérios
territoriais” (AGNEW, 2005, p. 79, tradução nossa)29.
A expansão do poder estadunidense recebeu vultuosos aportes das casas financeiras
londrinas, o que contribuiu para a emergência de uma haute finance organicamente
estadunidense ao longo do século XIX. Um exemplo dos mecanismos de reprodução social da
elite financeira anglo-saxã foi a trajetória de ascensão da instituição bancária J.P. Morgan sob
o comando do banqueiro John Pierpont Morgan, filho do também banqueiro Junius Spencer
Morgan. Nascido em 1837, J.P. Morgan iniciou sua carreira no mercado financeiro arbitrando
preços com a revenda de munições para o exército nortista durante a guerra civil
estadunidense. Após o fim do conflito, foi enviado para realizar uma temporada de estudos na
Suíça, onde se tornou sócio do banco Peabody Morgan and Co.
29
O texto em língua estrangeira é: "The expansion of the United States into the interior of North America in the
nineteenth century created a land mass and resource base unmatched by other territorial empires".
55

Em 1857, J.P. Morgan retornou aos EUA para trabalhar na instituição comandada por
seu pai. Durante as décadas de crise de 1873 e 1893, J.P. Morgan liderou os processos de
consolidação de empresas na forma de corporações controladas por grupos financeiros (trusts)
como a incipiente General Eletric e a American Tobbaco. Em 1901, J.P. Morgan não só era o
acionista majoritário das três corporações que detinham um terço das linhas ferroviárias dos
EUA, como controlava a U.S. Steell, primeira corporação de um bilhão de dólares “que
detinha 63% da indústria siderúrgica estadunidense” (HOBSBAWM, 2009b, p.77).
Consequentemente, em 1907, “Morgan era tão rico e poderoso que o governo federal recorreu
a ele para impedir a falência generalizada do sistema financeiro nacional” (STOLLER, 2019,
p. 46, tradução nossa).
Os trustes de J.P. Morgan não eram um fenômeno isolado, mas o embrião do processo
de centralização de recursos em organizações empresariais grandes o suficiente para absorver
ganhos de escala derivados da produção em massa de mercadorias, que caracterizou a fase de
expansão material do ciclo de hegemonia norte-americano após a Segunda Guerra Mundial. A
emergência da grande corporação industrial foi habilitada por desenvolvimentos tecnológicos
em áreas como sistemas elétricos, motores de combustão e nos modelos de divisão e
padronização do trabalho no interior das fábricas (ARRIGHI et al,1999; RENNSTICH, 2008).
Apesar do aumento sem precedentes da produtividade, as inovações tecnológicas não
eliminaram a relação dialética entre formulação de consenso e mobilização da coerção que
permeia processos de institucionalização de ordens políticas. Em sua dimensão socialmente
positiva, o surgimento da grande corporação industrial engendrou um ciclo de
retroalimentação entre economias de escala, aumentos salariais, demanda efetiva e
investimentos públicos, em que “os produtos das fábricas americanas eram colocados à
disposição de um exército de consumidores estadunidenses que trabalhavam nas fábricas”
(AGNEW, 2005, p. 54, tradução nossa).
Em sua dimensão negativa, por outro lado, o americanismo fundamentou-se em
práticas30 de disciplinamento, vigilância e, quando necessário, coerção, para conter a

30
Embora a força física fosse moeda corrente nos conflitos entre sindicatos e empresários nos Estados Unidos no
início do século XX, práticas voltadas para construção de consenso também eram empregadas. Em 1913, por
exemplo, a fábrica de automóveis Ford lançou o profit sharing plan, que envolveu a concessão de aumentos
salariais, diminuição da jornada de trabalho, provimento de atendimento médico na fábrica, consultoria sobre
investimentos e aulas de inglês para operários em busca da obtenção da cidadania estadunidense. No panfleto de
divulgação do plano, nota-se a entronização de um discurso dissimulador das assimetrias de classe como
contrapartida: "aqueles que se beneficiam do plano de compartilhamento de lucros devem compreender que é de
seu interesse ajudar a garantir o sucesso da organização" (RUPPERT, 1995, p. 112, tradução nossa). A intenção
disciplinadora da iniciativa se explicita também no suposto relato de um funcionário identificado como
56

crescente influência de organizações sindicais como a Carriage, Wagon and Automobile


Workers Union (CWAWU) e a United Mobile Workers (UMW). Caso exemplar foi a
institucionalização do Departamento Sociológico da Ford (Ford Sociological Department),
braço da empresa de automóveis Ford, responsável por manter bases de dados sobres os
trabalhadores, visitá-los em suas casas, observar as condições de vida de suas famílias,
verificar registros de casamento e contratos bancário, questionar vizinhos sobre seus hábitos,
oferecer recomendações sobre bairros adequados para um funcionário da Ford viver e orientar
sobre formas adequadas de educação das crianças. A não cooperação com as investigações do
Departamento de Sociologia da companhia era considerada motivo para demissão
(RUPPERT, 1995, p. 112-118).
A polarização de classes nos Estados Unidos, durante as décadas de transição entre os
séculos XIX e XX, engendrou contexto favorável para a ascensão do ex-comissário de polícia
e herói da Guerra Hispano-Americana Theodore Roosevelt no cenário político nacional.
Posicionando-se como opção nacionalista ao radicalismo sindical e à corrupção financista,
Roosevelt foi eleito governador de Nova Iorque pelo Partido Republicano, em 1898, e se
tornou vice-presidente na chapa vencedora de William McKinley em 1900. Em 1901,
Roosevelt assumiu a presidência após o assassinato de McKinley. Uma vez no comando do
poder Executivo, utilizou, de forma contundente, a Lei Sherman (Sherman Antitrust Act), de
1890, para desmembrar conglomerados, como a empresa Northern Securities Company,
durante o seu mandato. Em 1902, Roosevelt intermediou o acordo entre J.P. Morgan e os
mineradores de carvão em greve, tornando-se o primeiro presidente estadunidense a atuar na
resolução de conflitos de classe.
A despeito das divergências no âmbito da política interna, as percepções e interesses
de Roosevelt e J.P. Morgan convergiam no que tange ao papel que os Estados Unidos
deveriam desempenhar no mundo. Por exemplo, a cooperação de Morgan foi fundamental
para que Roosevelt convencesse o Congresso a transferir a construção do canal da Nicarágua
para o Panamá. A decisão colocou os interesses dos EUA em conflito com a soberania da
Colômbia sobre a região. Diante disso, a marinha estadunidense mobilizou duas embarcações
para apoiar o movimento separatista panamenho. Após reconhecer a legitimidade do novo
Estado, o Senado aprovou o Tratado de Hay-Bunau-Varilla que, apesar de não contar com a
assinatura de nenhum representante panamenho, assegurou a independência do Panamá e o
direito perpétuo de exploração do Canal para os EUA. Em 1904, o banco J.P. Morgan & Co.

Employee No. B 8074, Ford Factory na Ford Times: "Eu sei que meu futuro depende de mim mesmo, pois a
maneira como eu realizo as tarefas a mim designadas definirão o meu valor" (Ibid., p. 112-114).
57

foi nomeado "agente fiscal" oficial encarregado da gestão dos US$ 40 milhões31 transferidos
para realização do empreendimento.
Apesar da crescente capacidade do bloco de poder estadunidense de projetar força
sobre a América Latina, o sistema financeiro dos EUA ainda se encontrava atrelado à City
Londrina durante a emergência da crise da 1929. Nos Estados Unidos, o resultado do colapso
foi uma queda de 43% na renda nacional, a falência de 5 mil instituições bancárias e uma taxa
de desemprego de 25% (BELLUZO; GALLIPOLO, 2017). No ano seguinte, diante do
colapso financeiro, Franklin Delano Roosevelt (FDR), sobrinho de Theodore, elegeu-se
presidente. FDR implementou o New Deal, plano que representou a incorporação do
keynesianismo como orientação normativa das intervenções econômicas do Estado
estadunidense: planejamento de investimentos públicos em infraestrutura, construção de
mecanismos de bem-estar social e fortalecimento de legislações trabalhistas32.
No que tange ao setor financeiro, a Lei Glass-Steagall, de 1933, estabeleceu fortes
restrições à atuação da haute finance: limites nas taxas de juros de bancos privados, criação
do seguro-depósito, subsídios diretos e indiretos para o setor produtivo e expansão das
capacidades do FED, que passou a atuar não apenas como um prestador de liquidez, mas
também como uma instituição estabilizadora dos níveis de emprego e inflação. Por fim,
conforme exemplificado pela Seção 32 do documento, foi imposta a segmentação das
atividades de instituições financeiras: “após o dia primeiro de janeiro de 1934, nenhum
funcionário ou diretor de um banco membro será, ao mesmo tempo, funcionário, diretor ou
gestor de uma organização engajada em atividades de securitização” (ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA, 1933, p. 14, tradução nossa).
A destruição das economias europeias e a consolidação da União Soviética (URSS)
como unidade do sistema interestatal engendraram condições para a internacionalização do
projeto da Grande Sociedade de Roosevelt. Isso, porque o desempenho do Exército Vermelho
contra as forças alemãs e japonesas, a Revolução Comunista Chinesa, em 1949, e o avanço da
industrialização soviética representavam desafios concretos para hegemonia estadunidense na
Eurásia (HOBSBAWM, 2013, p.223).
Para contrapor a ameaça comunista, Washington liderou a criação de um sistema
alianças entre os países do bloco capitalista. Em sua dimensão político-securitária, este

31
Disponível em: <https://www.jpmorganchase.com/about/our-history>. Acesso em: 23 out. 2018.
32
Em 1935, foi criada a Lei Nacional de Recuperação Industrial, a qual habilitou a Agência Nacional de
Recuperação a praticar megaprojetos de infraestrutura, como a Represa Grand Coulee no Colorado. No mesmo
ano, foi aprovada a Lei de Segurança Social, a qual instituiu o seguro desemprego e pensões (GRANT, 2014, p.
356).
58

sistema de alianças foi operacionalizado através do estabelecimento da Organização do


Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e do Sistema das Nações Unidas. No plano econômico,
pelos investimentos do Plano Marshall e o arranjo institucional de Bretton Woods. O primeiro
criou, na Europa Ocidental, mercados "domésticos" de massa semelhantes àqueles que já
existiam nos EUA e, portanto, abriu caminho para expansão das corporações multinacionais
estadunidenses nas décadas seguintes (ARRIGHI, 1997, p. 322). O segundo, por sua vez,
estabeleceu um sistema monetário de câmbio fixo, fundamentado em rigoroso controle de
capitais e sustentado pela manutenção da paridade do dólar em relação ao ouro a uma taxa
fixa de 35 onças.
Em contrapartida, as demais nações concordaram em restringir desvalorizações
cambiais apenas para períodos de desequilíbrios fundamentais em seus balanços de
pagamento. O resultado de Bretton Woods foi a emergência de um sistema econômico
internacional em que os Estados-nacionais realizavam políticas monetárias e fiscais
expansionistas sem ameaças eminentes de ataques especulativos e/ou fugas abruptas de
capital. Assim, após os anos de guerra e escassez da primeira metade do século XX, os
governos da Europa Ocidental vincularam suas políticas de defesa aos Estados Unidos,
enquanto as sociedades europeias foram encharcadas por automóveis e eletrodomésticos
produzidos por empresas como General Motors e a General Electric.

O Estado americano tomou para si a responsabilidade de criar as condições políticas


e jurídicas para a expansão do capitalismo internacionalmente [...]. Ainda assim, a
criação de novas instituições internacionais no período pós-guerra não significaram
o início de um Estado global. Tais instituições foram constituídas por Estados-nação
e estavam inseridas no novo império estadunidense. Os Estados-nação
permaneceram com a responsabilidade de reorganizar e reproduzir as respectivas
relações sociais e instituições de classe, propriedade, moeda, contratos e mercados
em seus países (PANITCH; GINDIN, 2012, p. 8, tradução nossa).

Para sustentar o sistema Bretton Woods, Washington contava com os superávits


comerciais resultantes da superioridade do complexo industrial estadunidense no sistema
interempresas. Ao longo da década de 1960, no entanto, tais condições erodiram em razão de
três fenômenos. Em primeiro lugar, o surgimento dos mercados de eurodólares, isto é,
circuitos financeiros dentro da Europa – fora da jurisdição da Lei Glass-Steagall - negociados
em dólar (PANITCH; GINDIN, 2012). Em segundo lugar, a redução da competitividade da
indústria estadunidense em relação às empresas da Alemanha Ocidental e do Japão. Em
terceiro lugar, o impasse militar no Vietnã33. Com isso, os déficits no balanço de pagamentos

33
Os EUA envolveram-se no conflito, em 1954, sob a justificativa de contenção do comunismo no leste asiático
após o sucesso da revolução chinesa e o impasse na Guerra da Coreia. Inicialmente, a intervenção estadunidense
59

dos EUA aumentaram exponencialmente. Forçado a optar entre a paridade dólar-ouro e a


supremacia econômica e militar de seu país, o Presidente Richard Nixon decide
unilateralmente renunciar aos acordos de Bretton Woods em 1971.

1.3 Expansão Financeira, Digitalização e a Crise da Hegemonia dos EUA

No dia 15 de agosto de 1971, Nixon realizou um discurso, em cadeia nacional, para


explicar a estratégia do governo de enfrentamento da crise com a qual os EUA se deparavam.
Primeiramente, conclamou o Congresso para rapidamente aprovar o Ato de Desenvolvimento
de Emprego, o qual promovia incentivos tributários para incentivar o investimento privado e
reduzir o desemprego. Para combater a inflação, anunciou o “congelamento de todos os
preços e salários nos EUA por um período de 90 dias” (NIXON, 1971, n.p.). No âmbito
comercial, sinalizou a retomada do protecionismo por meio de “taxa adicional de 10% sobre
os produtos importados pelos EUA” (NIXON, 1971, n.p.). Em seguida, ponderou que uma
das condições necessárias para a retomada do crescimento era a defesa da “posição do dólar
estadunidense como pilar da estabilidade monetária mundial” (NIXON, 1971, n.p.). Por conta
disso, o Presidente decidiu “suspender temporariamente a conversibilidade do dólar em
relação às reservas de ouro, a não ser em quantidades e condições que fossem dos interesses
dos Estados Unidos” (NIXON, 1971, n.p.). Por fim, enviou a seguinte mensagem para a
comunidade internacional:

No final da Segunda Guerra Mundial, as economias das maiores nações industriais


da Europa e da Ásia estavam destruídas. Para ajudá-las a se reerguerem e
protegerem suas liberdades, os Estados Unidos proveram, durante os últimos 25
anos, US$ 143 bilhões em assistência externa. Essa era a coisa certa a se fazer. Hoje,
graças a nossa ajuda, eles recuperaram sua vitalidade. Tornaram-se nossos
competidores mais fortes e nós saudamos seus sucessos. Todavia, agora que outras
nações estão economicamente fortes, é chegada a hora delas aceitarem suas
responsabilidades na defesa da liberdade ao redor do mundo. É chegada a hora das
taxas de câmbio se adequarem para que as grandes nações possam competir em

esteve conscrita ao apoio logístico e aéreo. Todavia, entre 1963 e 1968, o número de soldados estadunidenses em
solo vietnamita aumentou de 16.300 para 536.100. Entre 1962 e 1971, aviões estadunidenses despejaram 19
milhões de galões dos compostos tóxicos conhecidos como Agente Laranja, Vermelho e Azul em 30 mil metros
quadrados do território vietnamita. Em 1971, as revelações do Massacre de My Lai e o vazamento dos Pentagon
Papers pelo New York Times resultam no colapso da legitimidade da guerra na sociedade civil norte-americana.
De acordo com o governo vietnamita, 5 milhões de pessoas foram expostas ao Agente Laranja, resultando na
morte ou desabilitação de 400 mil pessoas, e cerca de 500 mil crianças nasceram com graves sequelas
(GASPAR, 2011, p. 273-274).
60

igualdade. Não há mais a necessidade para os Estados Unidos competirem com uma
das mãos amarrada às costas (NIXON, 1971, n.p.).34

As medidas significaram o fim do padrão monetário dólar-ouro e a obsolescência do


arranjo de Bretton Woods. O dólar tornou-se a primeira moeda internacional de reserva
totalmente fiduciária da história do sistema-mundo, cuja sustentação deriva unicamente das
expectativas em relação às capacidades militares e econômicas do Estado emissor. Para os
EUA, o novo sistema monetário significou a possibilidade de expansão ilimitada da dívida
pública, uma vez que o acúmulo de reservas em dólar tornou-se um imperativo para os demais
governos protegerem-se de fugas de capitais. Ao longo das quatro décadas posteriores, as
bases materiais de sustentação do ciclo de hegemonia estadunidense liderado pela haute
finance derivariam da articulação entre a posição privilegiada do dólar no topo da hierarquia
monetária internacional e a construção de capacidades de projeção de força militar nos
comuns globais (PANITCH; GINDIN, 2012).
Não obstante, a despeito do rompimento com os acordos de Bretton Woods, a
condição de instabilidade da economia estadunidense permaneceu até a segunda metade da
década de 1980. Durante os governos de Gerald Ford e Jimmy Carter, o déficit comercial
continuou aumentando, e as crises do petróleo de 1973 e 1979 elevaram significativamente as
taxas de desemprego e inflação (FEDERAL, 2020).
A incapacidade das políticas de estímulo keynesianas diante do cenário de estagflação
engendrou um momento oportuno para o recrudescimento da haute finance e o comando do
Estado norte-americano. A haute finance manifestou-se como uma rede transnacional
composta por grupos financeiros transnacionais, centros de pesquisa e atores políticos35
orientados ideologicamente pelo neoliberalismo, como resultado ideológico da síntese entre o
conservadorismo antiestatista da Escola Austríaca, particularmente aquele defendido por
Friedrich Hayek e Ludwig Von Mises, e a teoria econômica monetarista produzida na
Universidade de Chicago, cujo principal expoente é Milton Friedman (JUDT, 2011).
No âmbito teórico, o neoliberalismo é operacionalizado para atender aos interesses da
haute finance através da premissa de que a maximização da eficiência dos sistemas

34
Disponível em: <https://www.presidency.ucsb.edu/documents/address-the-nation-outlining-new-economic-
policy-the-challenge-peace>. Acesso em: 14 ago. 2019.
35
A força e o alcance do movimento neoliberal explicitou-se, pela primeira vez, no Chile, quando um grupo de
ex-alunos de Milton Friedman assumiu a equipe econômica da ditadura militar de Augusto Pinochet após o
assassinato do presidente democraticamente eleito Salvador Allende em 1973. A primeira vitória eleitoral do
movimento neoliberal ocorreu em 1979, com a vitória da candidata do Partido Conservador, Margaret Thatcher,
para o cargo de Primeira Ministra. Fervorosa adepta de Hayek, Thatcher implementou políticas de repressão
sindical, aumentou os impostos indiretos e diminuiu impostos corporativos, bem como privatizou monopólios
naturais e instituições de bem-estar social (HOBSBAWM, 2013, p.393).
61

econômicos requer que as organizações estatais operem unicamente nas atividades de


segurança, defesa externa e promoção dos mercados. Nas palavras de Friedman, o Estado
ideal deve apenas “proteger nossa liberdade contra inimigos externos e contra nossos próprios
compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforçar os contratos privados; promover mercados
competitivos” (FRIEDMAN, 2014, p. 13). Com base nesse pressuposto, coalizões neoliberais,
em diferentes países e contextos, tendem a defender políticas de desregulamentação,
liberalização comercial, contenção de gastos sociais, ampliação de gastos com defesa e
segurança pública, privatização de empresas públicas, independência dos órgãos formuladores
de política monetária e regressividade do sistema tributário (JUDT, 2011).
Nos Estados Unidos, o processo de institucionalização do neoliberalismo como
ideologia norteadora das ações do Estado-nação consolidou-se com a vitória do candidato do
Partido Republicano, Ronald Reagan, nas eleições presidenciais de 1980. Após derrotar o
presidente Jimmy Carter com uma vantagem de mais de 10% de diferença, Reagan
coordenou, com Paul Volcker, então presidente do FED, a elevação da taxa de juros
estadunidense para 20%.
De acordo com Arrighi (2008), a medida visava não apenas a induzir uma recessão
que eliminasse o surto inflacionário interno, mas também a reverter o fluxo internacional de
dólares para os Estados Unidos. Esta segunda medida permitiria tanto a elevação da
rentabilidade de instituições financeiras quanto a sustentação do padrão de consumo da classe
média. Uma vez no governo, Reagan manteve Paul Volcker no Fed e nomeou Donald T.
Regan, então executivo do banco Merrill Lynch, como Secretário do Tesouro. Durante sua
passagem pela Casa Branca, Reagan promoveu uma intensa agenda36 de redução da carga
tributária corporativa e desregulamentação. Concomitantemente, explorou a ansiedade social
resultante do contexto de estagflação para endurecer a repressão aos sindicatos, potencializar
o orçamento destinado para a guerra às drogas, iniciada por Nixon37, e intensificar a corrida
armamentista com a URSS.

36
Em agosto de 1981, Reagan promulgou o Economic Recovery Tax Act, o qual reduziu em 23% o imposto de
renda para indivíduos da maior faixa de renda e, em 20%, a taxação sobre lucros extraordinários. Em 1982,
assinou o Garn-St. Germain Depository Institutions Act, o qual permitiu ao setor bancário a realização de
empréstimos hipotecários com juros variáveis. Ainda no primeiro mandato, Reagan reduziu os orçamentos da
Environmental Protection Agency e do Department of Ocupational Safety and Health em três quartos. Em 1986,
o assinou o Tax Reform Act, o qual reduziu o teto do imposto de renda corporativo de 48% para 34% (JENKINS;
ECKERT, 2000; SHERMAN, 2009).
37
Um marco da repressão sindical no governo Reagan foi a utilização do contingente militar e a contratação de
substitutos permanentes para combater a greve da Professional Air Traffic Controllers Organization de 1981
(RUPERT, 1995, p. 184-191). Reagan aproveitou-se da instabilidade social decorrente do alto nível de
desemprego para potencializar a guerra as drogas iniciada por Richard Nixon na década anterior. Para tanto,
lançou-se a campanha Just Say No, orientada para enquadrar o uso e a posse de drogas como uma ameaça
62

Além da crise de legitimidade do keynesianismo, a apreensão dos fatores que


habilitaram o recrudescimento da haute finance no comando do processo de expansão do
sistema-mundo requer a compreensão dos efeitos produzidos pela emergência da primeira
onda de inovações da Era Digital, no início da década de 1970, para a economia global. A Era
Digital surge como consequência das inovações nas áreas da microeletrônica (semicondutores
e microprocessadores), optoeletrônica (transmissão por fibra ótica) e programação
computacional (softwares e protocolos de compartilhamento de dados), promovidas no
âmbito das relações entre as Forças Armadas, a comunidade acadêmica e empresas de
tecnologia estadunidenses38 no contexto da Guerra Fria (CASTELLS, 1999, p.64).
No sistema interempresas, o emprego combinado dessas tecnologias habilitou a
virtualização da gestão operacional dos processos produtivos, articulada com a redução
exponencial dos custos de comunicação. Com isso, as corporações multinacionais norte-
americanas passaram a adotar estratégias de terceirização das linhas de montagem de
mercadorias para fábricas em países com mão de obra barata, especialmente do Leste
Asiático, ao mesmo tempo que concentravam as atividades intensivas em conhecimento nas
matrizes localizadas em território estadunidense. No final da década de 1990, empresas dos
EUA detinham 77% das vendas globais de aeronaves; 75% do mercado de computadores e
equipamentos de escritório; 91% das vendas de software; e 65% do mercado farmacêutico
(ARRIGHI, 2008, p. 352; PANITCH; GINDIN, 2012, p. 190).
Articulada com as políticas neoliberais reaganianas, a emergência de redes
transnacionais de produção integradas digitalmente engendrou as condições necessárias para a
sedimentação do bloco histórico liderado pela haute finance estadunidense. Com o
surgimento de um mercado de trabalho globalizado, o poder de barganha dos sindicatos, nos
Estados Unidos, continuou a se reduzir. Por sua vez, apesar do déficit comercial dos Estados

existencial aos valores estadunidenses. Liderada pela primeira dama Nancy Reagan e contando com o apoio dos
grandes meios de comunicação, a propaganda governamental engendrou o contexto necessário para a aprovação
do Anti-Drug Abuse Act em 1986. Com isso, permitiu-se a alocação orçamentária de US$ 1,7 bilhão para o
aparato securitário voltado para a guerra as drogas, bem como se abriu precedente para o endurecimento das leis
antientorpecentes em nível estadual. Além disso, a medida acirrou o racismo institucional nos EUA ao ampliar
de forma assimétrica (100 vezes mais) a pena por distribuição de cocaína em pasta de crack - prática realizada
majoritariamente por negros de baixa renda - em relação à distribuição de cocaína em pó - prática realizada
majoritariamente por brancos de alta renda. Desse modo, de 1982 a 1992, o número de pessoas encarceradas no
país aumentou de 400mil para 850mil (NUNN, 2002, p. 393).
38
A emergência da Era Digital remonta à criação da Advanced Research Projects Agency (ARPA) pela
administração Eisenhower como resposta ao lançamento do satélite soviético Sputnik em 1957. Em 1966, surgiu,
no âmbito da ARPA o conceito de rede cooperativa de computadores em COMPARTILHAMENTO e, em 1969,
a primeira rede conectando quatro universidade estadunidenses foi comissionada. Entre 1982 e 1984, o nome
Internet foi definido como o conjunto de redes integrados por protocolos TCP/IP e o Domain Name System
(DNS) foi estabelecido. Na década seguinte, observou-se a criação dos domínios .com e o envolvimento de
corporações como IBM, Merit e Microsoft no mercado de TI (CASTELLS, 1999, 58-64).
63

Unidos ter continuado a aumentar, indicando não apenas a dependência da importação de


manufaturados e da poupança externa como pilares de sustentação do consumo internos, a
supremacia do dólar no sistema monetário internacional assegurava o financiamento consumo
interno.
Finalmente, a percepção da ameaça comunista do ambiente da Guerra Fria39 justificou
a elevação dos gastos com defesa de US$ 330,1 bilhões (4,9% do PIB), em 1980, para US$
475,4 bilhões (5,8% do PIB) em 1989 (CUSACK, 1989, p.5). Também entre 1980 e 1989, a
dívida pública federal aumentou de 31% para 51% do PIB40; o nível do crédito doméstico
fornecido pelo setor financeiro41 aumentou de 111% para 147% do PIB; e o endividamento
das famílias e organizações sem fins lucrativos aumentou de 46% para 58% do PIB.

Gráfico 2 - Balança Comercial dos EUA (1975-2008, milhões de dólares)

Fonte: O autor, 2021. Com base em ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2021.

39
Além da modernização das Forças Armadas estadunidenses, a expansão financeira da era reaganiana sustentou
a concessão de apoio militar ao regime do apartheid na África do Sul; aos regimes ditatoriais nas Filipinas,
Indonésia, Guatemala e El Salvador; à contraofensiva da UNITA em Angola; à “resistência não comunista” no
Camboja; à insurgência contra o regime sandinista na Nicarágua; e aos grupos mujahidins que combatiam as
tropas soviéticas no Afeganistão; além de sustentar a invasão da ilha caribenha de Granada, em 1983; e o
bombardeio ao território da Líbia em 1986 (HARVEY, 2005).
40
FEDERAL Debt: Total Public Debt as Percent of Gross Domestic Product. Q4 2020. Federal Reserve
Economic Data. Federal Reserve Bank of St. Louis. St. Louis, 2020. Disponível em:
<https://fred.stlouisfed.org/series/GFDEGDQ188S>. Acesso em: 03 fev 2021
41
DOMESTIC credit provided by financial sector (% of GDP) - United States. Gráfico disponível no site do
Banco Mundial 1960-2019. Sem data [s.d.]. Disponível em:
<https://data.worldbank.org/indicator/FS.AST.DOMS.GD.ZS?locations=US&view=chart>. Acesso em: 20 fev.
2021.
64

A década de 1990 representou o auge do segundo ciclo de hegemonia dos Estados


Unidos. O colapso da URSS, o sucesso na operacionalização das tecnologias da Primeira
Guerra do Golfo e o posicionamento do porta-aviões diante da costa chinesa durante a
Terceira Crise do Estreito de Taiwan, em 1996, demonstravam, de forma inequívoca, a
enorme assimetria de capacidades estadunidense em comparação com os demais Estados do
sistema internacional. No nível institucional, a integração das ex-repúblicas socialistas
soviéticas e, posteriormente, da China ao projeto de globalização financeira sugeriam a
institucionalização do neoliberalismo como lógica normativa internacional (HARVEY, 2005).
Os governos George H. W. Bush e Bill Clinton mantiveram a agenda de
desregulamentação do setor financeiro inaugurada por Donald Reagan. Em 1989, Bush
assinou a Lei de Reforma e Recuperação de Instituições Financeiras (Financial Institutions
Reform and Recovery Act), a qual estabeleceu condições institucionais para a consolidação do
mercado de corretoras especializadas em hipotecas e ampliou o papel de agências de
regulatórias privadas apoiadas pelo Estado, Freddie Mac e Fannie Mae, no mercado
imobiliário (HARVEY, 2005).
Em 1999, Clinton promulgou a Lei Gramm-Leach-Bliley, a qual repeliu a
segmentação criada pela Lei Glass-Steagall, permitindo que bancos comerciais participassem
dos mercados de capitais e atividades de securitização, bem como se fundissem com
corretoras e seguradoras. No ano seguinte, o presidente democrata apoiou a aprovação do
Commodity Futures Modernization Act, o qual reduziu significativamente a capacidade de
regulação da Commodity Futures Trading Commission sobre a maior parte das operações de
balcão, inclusive swaps de crédito (SHERMAN, 2009, p. 1-2). Assim, entre 1990 e 1999, o
volume do mercado de capitais havia crescido de 34% para 195% do PIB42 e o crédito
doméstico fornecido pelo setor financeiro elevado de 145% para 201% do PIB43 (MARCUS,
2002;).
O ano de 2001 representou um ponto de inflexão na trajetória do projeto hegemônico
estadunidense. Isso, porque os ataques contra os edifícios do World Trade Center, em Nova
Iorque, no dia 11 de setembro, engendraram o contexto político e social adequado para o
presidente George W. Bush operacionalizar uma agenda de política externa e defesa

42
STOCKS traded,total value (% of GDP) - United States. Disponível em:
https://data.worldbank.org/indicator/CM.MKT.TRAD.GD.ZS?locations=US&view=chart. Acesso em: 18 fev
2019
43
DOMESTIC credit provided by financial sector (% of GDP) - United States. Gráfico disponível no site do
Banco Mundial 1960-2019. Sem data [s.d.]. Disponível em:
<https://data.worldbank.org/indicator/FS.AST.DOMS.GD.ZS?locations=US&view=chart>. Acesso em: 20 fev.
2021
65

fundamentada no Project for a New American Century (PNAC) através do lançamento da


“guerra ao terror”. O PNAC constituía documento-síntese das ideias de intelectuais
neoconservadores44 liderados por William Kristol e Robert Kagan, os quais defendiam que “a)
o poder americano seria o promotor do bem, b) os Estados Unidos deveriam remodelar o
mundo, a fim de não ser dominado por potências hostis e c) os Estados Unidos deveriam agir
unilateralmente quando necessário” (NEVES, 2011, p. 101).
De forma convergente com o PNAC, a Estratégia de Segurança Nacional, lançada pelo
governo Bush, em 2002, definiu que o ambiente estratégico da segurança internacional em
emergência caracterizava-se pela existência de “Estados delinquentes” e grupos terroristas
que, embora não rivalizassem com o poder da URSS, poderiam desenvolver armas de
destruição em massa. Para coibir tais ameaças, complementou o Secretário de Defesa Donald
Rumsfeld, em artigo na revista Foreign Affairs, os Estados Unidos deveriam utilizar a força
militar de forma preventiva, de modo a demonstrar aos novos inimigos que “nenhum canto do
mundo é remoto o suficiente [...] para tirá-los de nosso alcance” (RUMSFELD, 2002 apud
NEVES, 2011, p. 108).
Em termos da capacidade de liderança dos Estados Unidos no sistema internacional,
os resultados da virada neoconservadora na política externa norte-americana foram
extremamente negativos. Em primeiro lugar, a despeito da veloz eliminação dos regimes de
Saddam Hussein, no Iraque, e do Talibã, no Afeganistão, a capacidade das Forças Armadas
estadunidenses vencerem campanhas de ocupação de longa duração45 contra adversários
locais, dispostos a utilizarem estratégias assimétricas, mostraram-se extremamente limitadas.
Conforme sintetizou Arrighi (2008, p. 92): “em 2005, não só o exército dos Estados Unidos
parecia totalmente incapaz de terminar o serviço, qualquer que fosse, como também passou a
enfrentar um colapso de qualidade e moral semelhante ao que ocorreu no Vietnã”.
Em segundo lugar, a ampliação do unilateralismo como princípio norteador das ações
estadunidenses no exterior reduziu a legitimidade de Washington perante os países aliados. É
forçoso notar que, além de ignorar as determinações do Conselho de Segurança da ONU
acerca das intervenções no Iraque e no Afeganistão, os serviços de inteligência norte-
americanos operacionalizaram a rede de mensagens financeiras transnacionais controlada pela

44
Sobre o movimento neoconservador na política externa dos Estados Unidos, ver Neves (2011).
45
Em 2019, o número estimado de mortes no Afeganistão era de 2.216 soldados americanos, 45 mil soldados
afegãos e cerca de 106 mil civis desde o início do conflito. Em fevereiro de 2020, a guerra já havia custado US$
975 bilhões, e Washington e Talibã assinaram um acordo para retirada das tropas estadunidenses. Disponível em:
<https://www.thebalance.com/cost-of-afghanistan-war-timeline-economic-impact-4122493>. Acesso em: 20 fev.
2021.
66

Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT), como instrumentos


não só para rastrear membros de grupos terroristas, mas também para vigiar as comunicações
de países aliados (NEWMAN; FARRELL, 2019).
Não obstante, a institucionalização do neoconservadorismo como ideologia
orientadora da política externa dos Estados Unidos não entrou em contradição com a agenda
econômica neoliberal implementada pelas administrações anteriores. Entre 2001 e 2003, Bush
promulgou o Economic Growth and Tax Relief Reconciliation Act e o Jobs and Growth Tax
Relief Reconciliation Act, os quais reforçaram a tendência de expansão financeira e ampliaram
e regressividade do sistema tributário norte-americano (GLENN, 2016).
De 2002 a 2007, os lucros corporativos líquidos aumentaram de US$ 596 bilhões para
US$ 1,4 trilhões; o volume do mercado de capitais passou de 156% para 296% do PIB 46; o
crédito doméstico fornecido pelo setor financeiro47 cresceu de 192% para 236% do PIB; a
dívida pública alargou de 55% para 63% do PIB48; e o endividamento das famílias subiu de
75% para 97% do PIB49. No mesmo período, enquanto o valor adicionado da manufatura no
PIB caiu de aproximadamente 22% para 17%, o déficit comercial estadunidense alargou de
US$ 420.666 milhões para US$ 710.997 milhões (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,
2021).
No final do governo Bush, no entanto, os efeitos negativos da expansão financeira
estadunidense se manifestaram. Com o avanço do processo de digitalização, o excesso de
liquidez havia se reproduzido no interior de redes que conectavam instantaneamente os fluxos
de caixa dos bancos sistêmicos e investidores institucionais. Com o aval das agências de
classificação, empréstimos de alto risco se transmutavam em derivativos AAA+ revendidos
em mercados paralelos desregulamentados denominados pelo eufemismo de shadow banking
(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2011, p. 32)50.

46
STOCKS traded,total value (% of GDP) - United States. Disponível em:
https://data.worldbank.org/indicator/CM.MKT.TRAD.GD.ZS?locations=US&view=chart. Acesso em: 18 fev
2019
47
DOMESTIC credit provided by financial sector (% of GDP) - United States. Gráfico disponível no site do
Banco Mundial 1960-2019. Sem data [s.d.]. Disponível em:
<https://data.worldbank.org/indicator/FS.AST.DOMS.GD.ZS?locations=US&view=chart>. Acesso em: 20 fev.
2021.
48
FEDERAL Debt: Total Public Debt as Percent of Gross Domestic Product. Q4 2020. Federal Reserve
Economic Data. Federal Reserve Bank of St. Louis. St. Louis, 2020. Disponível em:
<https://fred.stlouisfed.org/series/GFDEGDQ188S>. Acesso em: 03 fev 2021
49
HOUSEHOLD Debt to GDP for United States. Dispinível em:
https://fred.stlouisfed.org/series/HDTGPDUSQ163N. Acesso em: 20 nov 2020.
50
Por Shadow Banking, entende-se: “um conjunto de instituições que funcionava como banco, sem sê-lo,
captando recursos no curto prazo, operando altamente alavancadas e investindo em ativos de longo prazo e
ilíquidos. Mas, diferentemente dos bancos, eram displicentemente reguladas e supervisionadas, sem reservas de
67

Os primeiros sinais de instabilidade emergiram com o aumento da inadimplência das


hipotecas em 2006. Em setembro de 2007, as expectativas no setor financeiro internacional
começaram a se deteriorar quando a instituição britânica Northern Rock experienciou uma
corrida bancária. Em março de 2008, a crise intensificou-se com a revelação do acúmulo de
ativos podres no banco de investimento estadunidense Bear Stearns. Este foi rapidamente
resgatado pelo FED e incorporado pelo J.P. Morgan. O colapso do sistema financeiro mundial
ocorreu no dia 15 de novembro de 2008, quando o centenário banco Lehman Brothers
declarou insolvência. Em seguida, a American International Group (AIG) - a maior
companhia de seguros do mundo - precisou ser resgatada em um aporte de US$ 85 bilhões do
governo estadunidense (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2011).
Nos meses posteriores, “o impacto da crise ultrapassou o setor financeiro. O comércio
internacional e os fluxos de capital declinaram rapidamente. No final de 2008, o mundo
inteiro51 havia entrado em uma severa recessão” (HELLEINER, 2014, p. 12, tradução nossa).
Nos Estados Unidos, o PIB registrou queda de -2,5%, em 2009; a taxa de desemprego saltou
de 5,78% para 9,25%; a dívida pública do governo central aumentou de 64% para 76% do
PIB; e cerca de 2,8 milhões de casas foram confiscadas (ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA, 2011).
Diferentemente do que ocorreu em 1929, o governo estadunidense interveio de forma
contundente para conter os efeitos da crise. No final de 2008, as equipes econômicas da
administração George Bush e do recém-eleito Barack Obama reuniram-se para acertar os
detalhes do Trouble Asset Relief Program (TARP). Representado por Larry Summers e pelo
Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ambos ex-membros da equipe econômica de Bill
Clinton, o governo Obama aprovou resgates cujo valor total atingiu aproximadamente US$ 11
trilhões (VAROUFAKYS, 2011, p. 162).
A magnitude dos recursos públicos mobilizados para mitigar os efeitos de uma crise
global provocada por práticas especulativas de agentes do mercado financeiro engendrou
expectativas sobre uma possível reversão no sentido das políticas econômicas de Washington
durante a passagem de Barack Obama pela Casa Branca. Todavia, corroborando o que as

capital, sem acesso aos seguros de depósitos, às operações de redesconto e às linhas de empréstimos de última
instância dos bancos centrais. Dessa forma, eram muito vulneráveis, seja a uma corrida dos investidores (saque
dos recursos ou desconfiança dos aplicadores nos mercados de curto prazo), seja a desequilíbrios patrimoniais
(desvalorização dos ativos em face dos passivos)” (CINTRA; FARHI, 2008, p. 35).
51
Em 2009, o PIB de Rússia, Japão, União Europeia, EUA, América Latina e Caribe e China oscilaram
respectivamente de -7,8%, -5,4%, -4,3%, -2,5% -1,8% e 9,4%.
68

nomeações de Summers e Geithner sugeriam, tais expectativas52 mostraram-se infundadas.


Segundo Helleiner (2014), o Ato Dodd Frank demonstrou-se ineficaz como forma de conter a
expansão financeira. Como demonstrado na Tabela 3, entre 2003 e 2013, enquanto o PIB e a
dívida pública mundial atingiram, respectivamente, US$ 73,5 e US$ 51,8 trilhões, o valor
nominal dos produtos financeiros derivados dos 28 maiores bancos sistêmicos aumentou de
US$ 197,2 para US$ 710,2 trilhões no mesmo período (DOWBOR, 2017). Em 2016, o
volume do mercado de derivativos financeiros era de 483 trilhões de dólares, excedendo em
mais de seis vezes o valor do PIB mundial: 78 trilhões de dólares (UNCTAD, 2016).

Tabela 3 - Relações entre Estados-nação e bancos sistêmicos: PIB mundial, dívida pública
mundial e produtos derivados de bancos sistêmicos (2003-2013 - US$ trilhões)
Ano 2003 2005 2007 2009 2011 2013
PIB Mundial 37,8 46,0 56,4 58,4 70,8 73,5
Dívida
Pública 23,6 26,4 30,0 37,5 46,3 51,8
Mundial
Produtos
derivados de
197,2 297,7 595,3 603,9 647,8 710,2
bancos
sistêmicos
Fonte: O autor, 2021. Com base em Dowbor (2017, p. 79)

Além da frustração e do acirramento da polarização social interna, a passagem de


Barack Obama pela Casa Branca caracterizou-se pelo fracasso da tentativa de reeditação da
hegemonia internacional dos Estados Unidos através do rebalanceamento dos interesses do
país para a região do Oceano Pacífico. Do ponto de vista estratégico, a iniciativa do pivô para
a Ásia ancorou-se na crescente percepção de ameaça de Washington diante dos processos de
modernização militar e desenvolvimento econômico da China. É forçoso notar que foi ao
longo do governo Obama (2009-2016), tendo, como pano de fundo, os desdobramentos da
crise financeira de 2008, que as relações entre Estados Unidos e China deterioraram-se mais
claramente, particularmente, nas áreas de cibersegurança e na questão do Mar do Sul da
China.
Além da reorientação dos principais sistemas de armas das Forças Armadas
estadunidenses para o teatro do Pacífico, o governo Obama propôs a criação da Parceria

52
De fato, a década posterior à crise financeira foi marcada pelo fortalecimento da influência das capacidades de
influência da haute finance na política interna dos EUA. Em 2010, por exemplo, a Suprema Corte do país
igualou as regras de financiamento de campanha entre pessoas física e pessoas jurídicas. Com isso, entidades
enquadradas como Political Action Comittees passaram a poder receber contribuições de forma ilimitada, desde
que os gastos não contribuam diretamente para um candidato específico (FOREMAN, 2018, p. 233).
69

Transpacífico (TPP), um amplo arcabouço regulatório comercial e financeiro voltado para a


integração dos sistemas econômicos de EUA, Canadá, Peru, Chile, México, Austrália, Nova
Zelândia, Malásia, Singapura, Brunei, Vietnã e Japão. Dentre as propostas do TPP,incluíam-
se: desregulamentação dos fluxos de investimento externo direto (IED); criação do Sistema de
arbitragem de litígios entre investidores e Estado (ISDS), mecanismo que permite a
investidores processarem governos nacionais no caso de disputas contratuais; garantias de
manutenção do livre fluxo de dados digitais entre as fronteiras; e a exclusão de políticas que
forçassem empresas de tecnologia digital a moverem seus servidores para o país receptor. Nas
palavras no próprio Obama, o TPP visava a garantir que "os EUA - e não países como a China
- serão os formuladores das regras da economia global neste século" (ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA, 2015, tradução nossa).
Entretanto, a aprovação do TPP emperrou diante da robusta resistência na sociedade
civil estadunidense. Em maio de 2015, por exemplo, a Electronic Frontier Foundation,
entidade que representa cerca de 250 empresas de tecnologia estadunidenses, criticou o ISDS
por permitir que "companhias possam utilizar o mecanismo para burlar regras como
neutralidade da rede designadas para proteger não só uma Internet livre e aberta, mas também
o direito à livre expressão on-line” (EFF, 2015, tradução nossa).
Em dezembro, a associação de sindicatos The American Federation of Labor and
Congress of Industrial Organizations qualificou o TPP como um acordo "desequilibrado em
suas provisões, desviando benefícios para as elites econômicas enquanto repassa aos
trabalhadores os custos do acordo" e sustentou que ele iria "prejudicar a economia dos EUA,
custar empregos e reduzir salários" (AFL-CLIO, 2015).
No Congresso, o TPP encontrou resistência inclusive entre parlamentares democratas.
Durante a corrida presidencial de 2016, até mesmo Hillary Clinton posicionou-se contra o
TPP: "eu me oponho ao TPP agora, irei me opor após a eleição e irei me opor como
presidenta" (BHALA et al., 2016, p. 54, tradução nossa).
A insatisfação com a baixa disposição apresentada pelo governo Barack Obama para
enfrentar os problemas estruturais que afligiam a sociedade estadunidense contribuiu para a
vitória do candidato republicano Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016. No
âmbito interno, o governo Trump significou a exacerbação da instabilidade social no interior
dos Estados Unidos, tanto pela mobilização de discursos de ódio nas redes sociais como
estratégia política quanto por assegurar a continuidade da tendência pró-mercado financeiro
70

das administrações anteriores, ao implementar redução de 15% nos impostos corporativos


ainda no primeiro mês de seu mandato.
Não obstante, no nível internacional, a eleição de Trump produziu uma inflexão na
postura do governo norte-americano. Após transitar do confiante discurso clintoniano acerca
do potencial de espraiamento dos valores liberais, através das tecnologias de comunicação no
início do milênio, para o anacrônico messianismo da “guerra ao terror”, promovido por
George Bush e robustecido por Barack Obama, o sentido da orientação da política externa nos
Estados Unidos, declarado na Estratégia de Defesa Nacional (NDS) de 2018, foi definido de
acordo com o pressuposto de que a principal ameaça para a prosperidade e segurança do país
“é a reemergência de uma competição estratégica de longo prazo com [...] potencias
revisionistas”, particularmente Rússia e China, que objetivariam “moldar o mundo de acordo
com seus modelos autoritários – obtendo capacidade de veto sobre as decisões econômicas
securitárias de outras nações” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2018, p. 2, tradução
nossa). Para conter as aspirações de Moscou e Beijing, continuou a NDS, Washington irá
mobilizar de forma integrada “múltiplos elementos de poder nacional: diplomacia,
informação, economia, finanças, inteligência, law enforcement e militar" (ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA, 2018, p. 4, tradução nossa, grifo nosso). Em outras palavras, o
trumpismo engendrou o recrudescimento da retórica de conflito ideológico da Guerra Fria.
A qualificação do ambiente estratégico contemporâneo como uma arena de
competição estratégica permanente engendrou o abandono do alinhamento automático do
governo estadunidense com a defesa do livre mercado na economia internacional. Essa
transformação manifestou-se na escalada protecionista em torno dos conflitos tarifários53 com
a China, na imposição de barreiras extraterritoriais ao acesso à rede transnacional de produção
de semicondutores, bem como no exercício de pressões para que países aliados excluíssem
corporações de telecomunicação chinesas de suas economias (SEGAL; GERSTEL, 2021). É
forçoso notar que, diferentemente de outras posturas de Donald Trump, o acirramento das
tensões econômicas com Beijing recebeu apoio tanto de congressistas republicanos quantode
democratas..
Apesar do consenso entre republicanos e democratas no que tange à ameaça chinesa, a
passagem de Donald Trump pela Casa Branca não só explicitou as fraturas no tecido social
norte-americano, como foi extremamente danosa para a legitimidade da liderança dos Estados
53
Entre 2018 e 2020, houve aumento de 3,1% para 19,3% nas exportações chinesas para os EUA e de 8% para
20,3% nas exportações norte-americanas para a China (SEAGAL; GERSTEL, 2021). Conforme discute-se no
próximo capítulo, diante da magnitude da trajetória do desenvolvimento econômico chinês, a efetividade de
medidas protecionistas como instrumento de coerção tende a ser baixa.
71

Unidos no nível internacional. Trump rompeu com práticas diplomáticas estabelecidas e


ancorou ações unilaterais em valores que foram descritos, na literatura, com termos que
variavam desde populista até fascista. Foi capaz de ações grotescas, como retirar os Estados
Unidos do Acordo de Paris, impor tarifas comerciais contra aliados sob alegação de ameaça à
segurança nacional, deportar crianças, discriminar imigrantes de países de maioria
muçulmana ou latino-americanos, tentar construir um muro na fronteira com o México, apoiar
a saída do Reino Unido da União Europeia e, até mesmo, desligar-se da Organização Mundial
da Saúde (OMS) em meio à pandemia da Covid-19.
O desgaste dos Estados Unidos foi imenso. Segundo Krastev e Leonard (2021), a
maioria dos europeus, por exemplo, viu a derrota de Trump nas eleições como algo apenas
moderadamente positivo, uma vez que já não conseguiam confiar nos eleitores daquele país,
ou mesmo na capacidade de regeneração das instituições estadunidenses. Em onze países,
incluindo Reino Unido, Alemanha, França e Itália, a maioria dos entrevistados considerava
que a China será o país mais poderoso do mundo dentro de uma década.
Em suma, o sistema interestatal em emergência, no momento da escrita desta tese,
caracteriza-se pelo acirramento das tensões entre Estados Unidos e China em torno da
hegemonia do sistema-mundo. Impedidas de entrarem em confronto direto, em função do
poder destrutivo das armas nucleares, Beijing e Washington disputam acirradamente por
influência política e econômica através das redes externas de intercâmbio informacional que
conectam o globo. Para compreender como essa condição de competição estratégica permeia
o problema da hegemonia financeira, o capítulo seguinte discute a trajetória de ascensão da
República Popular da China (RPC) na hierarquia de poder e riqueza do sistema-mundo, bem
como investiga os efeitos econômicos e políticos da segunda onda-k da Era Digital no
sistema-mundo.
72

2 A TRANSIÇÃO SISTÊMICA

Este capítulo argumenta que o sistema-mundo contemporâneo distingue-se pela


convergência de três macroprocessos de transição: a ascensão de um bloco de poder nacional
não alinhado com a haute finance à liderança do sistema interestatal; a emergência de um
contexto tecnológico caracterizado pelo acoplamento entre redes externas de informação e a
territorialização do ciberespaço através das plataformas digitais; e a sedimentação da mudança
climática como problema central na agenda institucional da comunidade global. Na primeira
seção, analisa-se, de forma panorâmica, o processo histórico de ascensão da China na
hierarquia do sistema-mundo, entre 1949 e 2008, enfatizando-se as escolhas estratégicas do
governo chinês para acomodar os imperativos de internalização tecnológica e mitigação da
entropia social interna em distintos contextos históricos. A segunda seção discute os nexos
entre a segunda onda-k da Era Digital e o processo de plataformização do sistema
interempresas na segunda Era Digital, bem como pondera sobre as relações entre as Cinco
Grandes corporações plataformizadas estadunidenses e a haute finance e as elites estatais da
nação norte-americana. A terceira seção avalia os efeitos políticos estruturais engendrados
pela convergência entre os processos de digitalização e aquecimento global, bem como
discute as oportunidades e desafios que o sistema-mundo contemporâneo impõe aos países
semiperiféricos.

2.1 O Desafio da República Popular da China

Com base na interpretação do “sunzi”, texto de filosofia política chinesa datado do


século VI a.C., o sinólogo francês François Jullien (2017, p. 28) sugere que o pensamento
estratégico, na nação asiática, ultrapassa a dimensão do conflito, constituindo-se como uma
teoria geral da eficácia que oferece uma heurística interpretativa acerca da lógica interna que
permeia a determinação do real. Este não seria necessariamente o domínio do imprevisível,
mas uma “consequência do desenrolar dos desequilíbrios que o próprio processo em
desenvolvimento põe em jogo”. Logo, para os estrategistas chineses, a vitória (ou derrota)
nada mais é do que a consequência necessária do desequilíbrio, operando a favor do (ou
73

contra o) agente que souber aproveitar a disposição contextual da melhor forma. Ou seja: “não
há desvio possível, pois um resultado vantajoso decorre infalivelmente das medidas
apropriadas” (JULLIEN, 2017, p. 28). Desse modo:

A arte do estrategista consiste, portanto, em conduzir a esse resultado, antes que


ocorra o verdadeiro confronto: percebendo suficientemente cedo todos os indícios da
situação, de modo que possa influenciá-la antes mesmo que tome forma e se efetive.
Porque quanto mais cedo essa orientação favorável é adotada, mais facilmente ela
atua e se realiza. Em seu estágio ideal, a “ação” do bom estrategista nem
transparece: o processo que leva à vitória é determinado com tanta antecedência que
parece natural, e não resultado de cálculo e manipulação (JULLIEN, 2017, p. 28-
29).

O argumento de Jullien (2017) lança luz sobre a constante reivindicação do legado


histórico milenar do Império do Meio não só como dispositivo de legitimação da ordem
política, mas também como lógica orientadora das ações do Estado chinês no âmbito interno e
externo. Em argumento convergente, Henry Kissinger (2011, p. 47, grifos nossos) sugere que
o modo da China de governar tende “a ver a paisagem estratégica como parte de um único
todo: bom e mau, perto e longe, força e fraqueza, passado e futuro”. Segundo o autor,
diferentemente da heurística ocidental, que interpreta a história como um processo teleológico
constituído por vitórias sucessivas da modernidade sobre o atraso, “a visão tradicional chinesa
enfatiza um processo cíclico de decadência e retificação, em que a natureza e o mundo podem
ser ambos compreendidos, mas não completamente dominados” (KISSINGER, 2011, p. 47,
grifo nosso).
A ontologia cíclica e holística ressaltada por Kissinger (2011) e Jullien (2017)
encontra-se amplamente difundida na filosofia política chinesa. Por exemplo, está inscrita, no
aforismo introdutório do Romance dos Três Reinos, escrito no século XIV, que narra os
brutais confrontos internos no país durante o período dos Estados Combatentes (475-221
a.C.): “o mundo sob o céu, após um longo período de divisão, tende a união; após um longo
período de união, tende a divisão”54. Além disso, está presente no ensaio “Planos para uma
Defesa Marítima”, escrito pelo diplomata Wei Yuan (1842 apud KISSINGER, 2011) logo
após a derrota da China para a Inglaterra durante a Guerra do Ópio. Conforme ilustra o trecho
abaixo, Yuan buscou integrar todos os indícios da situação histórica em que se encontrava
para identificar as medidas necessárias para o enfrentamento dos invasores estrangeiros:

Existem dois métodos para atacar os bárbaros, a saber, estimular países hostis aos
bárbaros a realizar um ataque contra eles e aprender as técnicas superiores dos
bárbaros a fim de controlá-los. Existem dois métodos para fazer a paz com os
bárbaros, a saber, deixar que diversas nações conduzam seu comércio e apoiar o

54
Disponível em: https://www.threekingdoms.com/001.htm. Acesso em: 23 mar 2019
74

primeiro tratado da Guerra do Ópio e manter o comércio internacional (YUAN,


1842 apud KISSINGER, 2011, p. 75,).

É forçoso notar que, apesar da sagacidade de Yuan, o objetivo da internalização das


técnicas científicas e comerciais europeias foi primeiramente alcançado pelo Japão durante a
Restauração Meiji, iniciada em 1868. Segundo Westad (2012, p. 94), ao longo da segunda
metade do século XIX, as ideias ocidentais atingiram a China através de livros, tratados,
panfletos e artigos traduzidos do japonês. Ademais, foi somente a humilhante derrota das
forças da Dinastia Qing, na Guerra Sino-Japonesa de 1894-1895, que convenceu as elites
intelectuais chinesas da urgente necessidade de implementação de reformas estruturais no
modelo de governança confuciano. No contexto de entrada da nação asiática na modernidade,
os princípios do nacionalismo, republicanismo e socialismo orientaram a formação das forças
políticas que emergiram (WESTAD, 2012, p. 104-107). Com a queda do Império Qing, em
1911, socialismo e republicanismo se tornaram “antagonistas contemporâneos, formados no
mesmo molde organizacional: rivais igualmente modernos, cada um a seu modo, em disputa
pelo domínio do país” (ANDERSON, 2018, p. 28).
As quatro décadas que separam o colapso da Dinastia Qing e a formação da República
Popular da China (RPC) foram marcadas pela brutal violência resultante do conflito interno
entre o Kuomintang e o Partido Comunista Chinês (PCC), bem como pelas invasões japonesas
durante a Segunda Guerra Mundial. Com a vitória do PCC, em 1949, e o sucesso da
intervenção do Exército de Libertação Popular (ELP) na Guerra da Coréia, em 1951, a
reconstrução do Estado chinês ocorreu sob a influência do marxismo-leninismo e contou com
amplo apoio soviético. Para a URSS, a emergência da RPC como um ator relevante no
sistema interestatal constituía um ativo estratégico para a contenção da influência
estadunidense no Leste Asiático. Para a RPC, a cooperação com a URSS representava suporte
militar diante do apoio de Washington a Taiwan, acesso aos recursos necessários para a
internalização das tecnologias industriais, bem como um modelo orientador do processo de
modernização institucional (KISSINGER, 2011).
No final de década de 1950, no entanto, a percepção da liderança chinesa acerca da
tendência da situação histórica havia se transformado radicalmente. Enfrentar os bárbaros não
era mais uma questão de manipulação dos interesses comerciais, mas de recrudescimento da
coesão e da autoestima nacional aviltadas durante o século anterior. No âmbito interno, isso
significou a centralização da autoridade política sob a liderança de Mao Tse-Tung, a negação
dos princípios confucianos e a eliminação da influência estrangeira no país. Para tanto, o
fervor ideológico legado da Revolução de 1949 foi operacionalizado na forma de grandes
75

campanhas de mobilização nacional, como o Grande Salto Adiante, de 1958 - fracassado


plano de industrialização forçada que resultou na morte de aproximadamente 45 milhões de
pessoas -, e os violentos expurgos nos quadros do PCC durante a Revolução Cultural iniciada
em 1966. No plano internacional, envolveu uma política de confrontação aberta que
“explorou o medo que soviéticos e americanos nutriam um em relação ao outro desafiando
ambos os rivais simultaneamente” (KISSINGER, 2011, p. 157). No trecho abaixo, Mao
(1958, apud KISSINGER, 2011, p. 108) sintetizou a racionalidade de sua doutrina de
revolução contínua:

Nossas revoluções são como batalhas. Após uma vitória, devemos imediatamente
nos lançar a uma nova tarefa. Desse modo, os quadros e as massas estarão sempre
cheios de fervor revolucionário, em vez de vaidade. Na verdade, nem terão tempo
para a vaidade, ainda que gostem de se sentir envaidecidos. Com novas tarefas em
seus ombros, sua única preocupação serão os problemas para executá-las.

Em 1976, ano da morte de Mao Tse-Tung, as fronteiras da RPC estavam, uma vez
mais, unificadas, e Beijing atuava de forma independente à URSS no âmbito externo.
Todavia, o rompimento com o bloco socialista e o contínuo caos interno haviam resultado em
uma economia estagnada, um imenso atraso tecnológico e níveis extremamente elevados de
miséria. Nesse cenário, Deng Xiaoping, quadro do PCC enviado para campo de trabalho
forçado, durante a Revolução Cultural, e que fora reincorporado, a pedido do próprio Mao,
para coordenar o rompimento com Moscou e a aproximação com Washington, iniciada em
1969, foi alçado ao comando da RPC, em 1979, com o apoio do alto escalão do ELP
(ANDERSON, 2018).
Na percepção de Deng, o modelo norteador da RPC deixara de ser a centralização
soviética para se tornar o sistema de mercado regionalmente descentralizado que caracterizou
a construção do complexo tecnológico dos EUA. Para tanto, a doutrina da revolução contínua
em busca da Grande Harmonia do período maoísta deveria ceder espaço para o empiricamente
operacionalizável objetivo de formação de uma Sociedade Harmoniosa e Próspera (SHP). Em
outras palavras, o fervor ideológico foi substituído pelo pragmatismo tecnocrático, centrado
na busca incessante pelo desenvolvimento econômico, tanto como estratégia para superação
dos mecanismos de exclusão da economia mundial quanto como forma de legitimação do
PCC.
Do ponto de vista institucional, a empreitada envolveu o estabelecimento de arranjos
flexíveis capazes de contornar tanto o engessamento burocrático soviético quanto a captura
plutocrática derivada da expansão financeira estadunidense. Ademais, conforme destacam
76

Yang e Zhao (2014),55 os esforços de desenvolvimento precisaram ser recorrentemente


adequados aos imperativos necessários para mitigação da entropia social, resultantes das
ondas de destruição criativa inextrincáveis à introdução de um sistema de mercado. Por fim,
nota-se que, apesar da flexibilidade institucional, a RPC investiu de forma massiva e
constante em pesquisa e inovação. Isso, porque, na percepção de Deng (1977 apud
KISSINGER, 2011, p. 326):

A chave para conquistar a modernização é o desenvolvimento da ciência e da


tecnologia. E, a menos que prestemos especial atenção na educação, será impossível
desenvolver a ciência e a tecnologia. Palavras vazias não vão levar nosso programa
de modernização a lugar algum; devemos ter conhecimento e pessoal treinado. Hoje
parece que a China está vinte anos atrás dos países desenvolvidos em ciência,
tecnologia e educação.

A operacionalização do projeto enunciado por Deng envolveu um processo gradual e


controlado de abertura econômica, caracterizado pela implementação simultânea de políticas
desenvolvimentistas e reformas liberalizantes como instrumentos para a internalização das
capacidades tecnológicas da primeira onda-k da Era Digital. Operação exemplar foi a criação
das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs): espaços circunscritos no interior do território
chinês, no qual as regras tributárias e o regime cambial seriam orientados para a atração de
investimento externo direto (IED) e a promoção da inovação tecnológica.
Os primeiros investimentos do exterior permitidos nas ZEEs eram provenientes dos
empresários da diáspora chinesa, os quais “podiam contornar a maioria dos regulamentos
graças à familiaridade com o idioma, os costumes e os hábitos locais, à manipulação de
vínculos comunitários e de parentesco e ao tratamento preferencial que recebiam das
autoridades” (ARRIGHI, 2008, p. 358, grifo nosso). Em seguida, as corporações japonesas,
sul-coreanas e demais nações inseridas no espaço de acumulação asiático. Por fim, atiçadas
pelas expectativas de utilização de mão de obra barata e acesso ao imenso futuro mercado
interno consumidor da RPC, “até mesmo as transnacionais norte-americanas e europeias
pararam de se queixar do clima de investimento e correram tão rapidamente possível para
encontrar seu próprio nicho nesse recente ‘milagre’ da economia regional leste-asiática"
(ARRIGHI, 1997, p. 127, tradução nossa).

55
Segundo os autores, “o sucesso econômico da China não deriva apensa da efetividade de um único tipo de
política econômica ou instituição social, mas da capacidade do Estado realizar alterações programáticas quando
se depara com as consequências negativas não intencionais das políticas implementadas anteriormente. O Estado
chinês é compelido a realizar tais mudanças rapidamente porque a performance constitui a base primária de
legitimidade do PCC, e o Estado chinês é capaz de operar tais alterações porque detém alto nível de autonomia
resultante do legado histórico do país. O desenvolvimento econômico da China não seguiu um conjunto fixo de
políticas nem dependeu de instituições estáveis. Ou seja, não é possível construir teoricamente um ‘Modelo
Chinês’ que explique seu sucesso" (YANG; ZHAO, 2014, p. 67, tradução nossa).
77

Nesse momento, as linhas entre empresas chinesas e estrangeiras tornaram-se cada vez
mais opacas na medida em que as relações sociais entre elas tornavam-se mais densas
(STEIBER, 2018, p.93). O caso da empresa Motorola na China ilustra o argumento. Em 1990,
a empresa de tecnologia adquiriu o status de wholly foreign-owned enterprise, que lhe
garantia o direito de produzir, em território chinês, através de um contrato de subcontratação
com a Fábrica de Telecomunicação de Hangzhou. Em 1996, a Motorola foi obrigada a assinar
uma joint venture com a companhia chinesa. De acordo com funcionário de alto escalão da
Motorola, entrevistado por Guthrie (2009, p. 317, tradução nossa), o acordo ocorreu, porque:
“o governo chinês decidiu que era o momento para compartilharmos a riqueza, e que se
quiséssemos continuar fazendo o que estávamos fazendo na China, éramos obrigados a
realizar uma joint venture com alguém”.
O sucesso da ZEEs no que tange aos objetivos de atração de capital externo e
internalização de capacidades tecnológicas pode ser exemplificado pela trajetória do
município de Shenzhen. Em 1978, Shenzhen era apenas uma pequena vila de pescadores com,
aproximadamente, 30 mil habitantes localizada na província de Shandong. Quatro décadas
depois, a cidade havia se tornado um polo de inovação global, abrigando centros de pesquisa
de grandes corporações de tecnologia estadunidenses, europeias e chinesas, as quais eram
atraídas pelas vantagens tributárias e operacionais de um ecossistema urbano, arquitetado de
forma a favorecer a emergência de empresas com modelos de negócios fundamentados em
tecnologias digitais. Em 1990, a abertura da Bolsa de Valores de Shenzhen converteu o
município no oitavo maior centro financeiro do mundo. Em 2018, Shenzhen possuía cerca de
12 milhões de habitantes e um PIB nominal de RMB 2,42 trilhões (NAUGHTON, 2021).
As políticas voltadas para internalização das tecnologias da Era Digital não estiveram
conscritas à implementação das ZEEs. Entre 1994 e 2002, a China investiu US$ 3,7 bilhões
por ano em redes de telecomunicação. Por conta disso, em 2001, a extensão de cabos de fibra
ótica no país havia alcançado 1,5 milhão de km. Conforme demonstra a Tabela 4, entre 1999 e
2006, o número de usuários de Internet aumentou de 2,1 milhões para 137 milhões, e o
número de linhas de telefone fixo e móvel, respectivamente, de 87.420 para 214.419 e de
23.863 para 206.270. (DAI, 2003, p. 13; YU; HUA, 2010, p. 16-18). Destaca-se também a
iniciativa de construção de Parques de Ciência e Tecnologia (PCT) em grandes cidades, como
Beijing, Xi’an, Tianjin, Dalian e Guangzhou. Nos PCT, empresas obtinham vantagens
tributárias desde que: produzissem bens listados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia;
investissem, pelo menos, 3% das receitas anuais em pesquisa e desenvolvimento (P&D);
78

mantivessem, pelo menos, 30% de graduados no quadro de funcionários; e se submetessem à


certificação anual das autoridades provinciais (STEIBER, 2018, p.51).

Tabela 4 - Crescimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na RPC (1998-


2006)
1998 2000 2002 2004 2006
Linhas
telefonia fixa 87,420 144,829 214,419 312,443 367,812
(milhares)
Linhas
telefonia
23,863 85,260 206,270 334,824 461,082
móvel
(milhares)
Usuários de
Internet 2,1 2,9 59,1 94,0 137,0
(milhões)
Fonte: O autor, 2021. Com base em Yu e Hua, 2010.

Se o desenvolvimento econômico implicava os imperativos de acumulação de capital e


inovação tecnológica, a sustentação da legitimidade política do PCC engendrava a
necessidade de mitigação dos potenciais desequilíbrios sociais derivados do processo de
urbanização. Isso, porque, conforme demonstrado no Gráfico 3, em 1979, 81% da população
da RPC (788 milhões de pessoas) viviam no campo. Nesse sentido, destacam-se três
iniciativas. Primeiro, a institucionalização do hukou: um sistema governamental que criava
incentivos (e constrangimentos) para desencorajar a migração rural para centros urbanos.
Segundo, a substituição do modelo de coletivização do período Mao pelo Sistema de
Responsabilidade Familiar, o qual devolveu às famílias camponesas o controle sobre as
decisões de produção e instituiu relações contratuais entre Estado e agricultores no que tange
às quotas de produção (ARRIGHI, 2008, p. 366). Terceiro, a política de promoção das
Empresas de Aldeias e Municípios (EAM): “firmas a meio caminho entre a propriedade
estatal, coletiva e privada que se beneficiam de baixos impostos e crédito de fácil dos
governos locais”, em que mais de 50% dos lucros deveriam ser reinvestidos (ANDERSON,
2018, p. 53).
Entre 1978 e 1984, as EAM elevaram a participação dos camponeses na renda
nacional de 30% para 44% (JABBOUR; DANTAS, 2017). Com isso, “ao contrário de sua
contraparte soviética, a China não precisou fazer despesas com o bem-estar social da maioria
da população e obteve fácil acesso aos fundos necessários para financiar seu programa de
modernização” (ANDERSON, 2018, p. 54).
79

Gráfico 3 - Evolução da população rural na RPC (% do total)

Fonte: O autor, 2021. Com base em Banco Mundial (2020)56

A ascensão econômica da China ocorreu de forma complementar à implementação de


um intenso processo de modernização das Forças Armadas. Entre 1989 e 2010, o gasto militar
da China aumentou de US$ 11,4 bilhões para US$ 115,7 bilhões57. A estratégia de
modernização militar da nação foi orientada pelo objetivo da construção de capacidades
convencionais capazes de vencer guerras regionais de alta tecnologia (FISHER, 2008, p.124).
Operacionalmente, isso significou o desenvolvimento de meios de força capazes de
negar o acesso e a liberdade de movimentação de embarcações inimigas nos teatros de
operação do Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China, em especial: uma grande frota de
submarinos e navios de guerra e um guarda-chuva de mísseis balísticos antinavio DF-21
baseados em terra e guiados por satélite. Os investimentos estatais realizados para construção
dessas capacidades engendraram transbordamentos econômicos e tecnológicos, como
demonstram as dinâmicas de aceleração do programa espacial e de robustecimento da
indústria naval do país (CEPIK; MACHADO, 2011; MACHADO et al, 2016).
Se a política de modernização militar assegurou a demanda efetiva necessária para o
desenvolvimento da indústria naval, a institucionalização de um dinâmico sistema de
empresas estatais, inseridas em ambiente competitivo interprovincial58 regulado pela
administração central, dinamizou as capacidades industriais da China. Nota-se que o setor
56
RURAL Population (% of total population) - China. Disponível em:
https://data.worldbank.org/indicator/SP.RUR.TOTL.ZS?locations=CN. Acesso em: 09 mai 2020.
57
MILITARY Expenditure (current USD) - China. Disponível em:
https://data.worldbank.org/indicator/MS.MIL.XPND.CD?locations=CN. Acesso em: 09 jun 2020
58
Nesse sentido, destacam-se as reformas fiscais de 1980 e 1995, as quais ampliaram a base tributária e a
autonomia orçamentária das unidades administrativas subnacionais. Com isso, governos locais começaram a se
comportar como firmas industriais, articulando o desenvolvimento de empresas coletivas e formando estruturas
corporativas de governança (GUTHRIE, 2008).
80

estatal é percebido como instrumento importante para manutenção dos níveis de emprego em
um sistema econômico crescentemente habitado pela iniciativa privada, bem como para
sustentação do controle político do PCC sobre os setores estratégicos da sociedade. Entre
1997 e 2016, as vendas das empresas estatais chinesas aumentaram 5,6 vezes, e o lucro
líquido elevou-se trinta e uma vezes (LIN et al., 2020). O Gráfico 4 ilustra a magnitude das
capacidades industriais da China em relação aos Estados Unidos.

Gráfico 4 - Produção de ferro e aço de EUA e China (1960-2011)

Fonte: O autor, 2021. Com base em Correlates of War 202059.

A iniciativa privada emerge na estratégia de desenvolvimento da RPC a partir da


década de 1990. De 1990 a 2011, a fatia da propriedade estatal e coletiva na produção
industrial caiu de 90,2% para 27,5%, enquanto que a parcela de empresas privadas domésticas
elevou-se de 5,4% para 29,9%. No que tange aos investimentos em ativos fixos, o montante
estatal reduziu-se de 72,4% para 27,6%, entre 1994 e 2015, enquanto que a participação
privada aumentou de 11,5% para 30,5% (NOGUEIRA, 2018, p. 8).
A ampliação do setor privado na economia chinesa foi condição habilitadora da
entrada da RPC na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Essa vitória
institucional permitiu que, entre 2001 e 2018, o valor das exportações chinesas aumentasse de
59 59
Utilizou-se a base de dados National Material Capabilities construída pelo Correlates of War Project.
Disponível em: https://correlatesofwar.org/data-sets/national-material-capabilities. Acesso em: 10/01/2020
81

US$ 400 bilhões para US$ 2,7 trilhões e das importações se elevasse de US$ 200 bilhões para
US$ 2,1 trilhões - garantindo, assim, uma balança comercial superavitária, um acúmulo
massivo de reservas internacionais e uma expansão da influência política da China no
sistema-mundo. É forçoso notar que, no mesmo período, o perfil dos bens exportados pela
nação asiática alterou-se no sentido da incorporação de maior valor tecnológico: a parcela da
RPC nas exportações globais aumentou de 17,39% para 36,58% no setor têxtil; de 7,58% para
29,35% em eletrônicos60; e de 6,36% para 20,05% em máquinas e equipamentos61.
A partir da segunda metade da década de 2000, observou-se a expansão dos
investimentos externos da RPC. Entre 2005 e 2017, o volume de capital chinês aplicado no
exterior foi de US$ 1,8 trilhões. Desse total, aproximadamente US$1 trilhão correspondeu a
investimento externo direto (IED), e US$ 734 bilhões, a projetos de construção de
infraestrutura. Conforme ilustra a Figura 2, os investimentos nos setores de tecnologia
concentraram-se em países do núcleo orgânico, como EUA, Austrália, Grã-Bretanha e
Suíça62. Na periferia, por conta do apoio de instituições como o Banco de Infraestrutura
Asiático, Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Importação-Exportação da
China, as estatais chinesas são capazes de “oferecer projetos altamente competitivos contra
companhias estrangeiras financeiramente limitadas”63.

Figura 2 - Distribuição geográfica de IED da RPC (2005-2017, US$ bilhões)


(continua)

60
Especificamente, no setor de TIC, o valor das exportações da RPC acresceu de US$ 17,7 bilhões para US$ 27
bilhões, ultrapassando os valores exportados por EUA, Japão e Coreia do Sul entre 2001 e 2017 (BANCO
MUNDIAL, 2021).
61
ATLAS of Economic Complexity. Página do Atlas of Economic Complexity no site do Harvard’s Growth
Lab. Sem data [s.d.]. Disponível em: <http://www.atlas.cid.harvard.edu>. Acesso em: 12 out 2020
62
Em 2017, a Suíça entrou na lista em função da compra da empresa de tecnologia agrícola Syngenta por US$
43 bilhões, maior aquisição externa da China até então.
63
HOW Will the Belt and Road Initiative Advance China’s Interests? China Power, 8 maio 2017. Disponível
em: <https://chinapower.csis.org/china-belt-and-road-initiative/>. Acesso em: 05 out. 2019
82

Fonte: Scissors, 2018.

Entre 2012 e 2013, as eleições de Xi Jinping aos cargos de secretário-geral do Partido


Comunista, presidente da Comissão Militar Central e Presidente da República Popular da
China engendraram a adoção de postura mais assertiva da nação asiática no sistema
interestatal. Após consolidar sua autoridade institucional através da implementação de uma
agenda anticorrupção ainda no primeiro ano de mandato, Xi Jinping intensificou os esforços
de modernização das Forças Armadas, bem como os esforços de cooperação em defesa com a
Rússia e outro países da Ásia Central (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2020). Do ponto
de vista semiótico, a mudança da postura estratégica se manifestou no abandono da
recalcitrante retórica da “ascensão pacífica”, formulada por Hu Jintao, pelo ambicioso “sonho
chinês” do “grande rejuvenescimento da nação chinesa”. No Relatório do 19º Congresso
Nacional do Partido Comunista da China, Xi Jinping definiu operacionalmente este objetivo
da seguinte forma:

[...] o nosso Partido estabelece o seguinte: concluir a construção de uma sociedade


moderadamente abastecida com a economia mais desenvolvida, democracia mais
aperfeiçoada, ciência e educação mais avançadas, cultura mais florescente,
sociedade mais harmoniosa e a vida da população mais próspera até o centenário da
fundação do PCCh em 2021; depois, através de mais 30 anos de luta, realizar
basicamente a modernização e concretizar a transformação do nosso país em uma
nação socialista modernizada. A partir de agora até o ano de 2020, temos pela frente
o período de alcançar o triunfo definitivo de concluir a construção integral de uma
sociedade moderadamente abastecida. Conforme as exigências estabelecidas nos
83

16º, 17º e 18º Congressos Nacionais e vinculadas à mudança da principal


contradição da nossa sociedade, devemos impulsionar de forma coordenada a
construção econômica, política, cultural, social e da ecocivilização, implementar
firmemente as estratégias de revigoramento do país mediante a ciência e a educação,
de fortalecimento do país mediante a formação de talentos, de desenvolvimento
impulsionado pela inovação, de revigoramento do meio rural, de desenvolvimento
coordenado regional, desenvolvimento sustentável e de desenvolvimento de
integração civil-militar; devemos dar ênfase à focalização nas prioridades,
remediação das lacunas e ao fortalecimento dos pontos fracos, e, particularmente,
vencer resolutamente as batalhas finais de prevenir e eliminar os grandes riscos,
erradicar com precisão a pobreza e de prevenir e combater a poluição, fazendo com
que a construção integral de uma sociedade moderadamente abastecida seja
reconhecida pelo povo e provada pela história.

Os planos de desenvolvimento apresentados pelo PCC passaram a incluir referências


explicitas ao objetivo da obtenção da liderança na economia mundial. Em 2015, por exemplo,
o documento "Made in China 2025", divulgado pelo Conselho de Estado em 2015, definiu
que, até 2049, a "China seria a líder entre as potências manufatureiras do mundo"
(REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, 2015). Em 2016, por sua vez, o documento
"Innovation-Driven Development Strategy" afirmou que “um grupo de novas tecnologias
revolucionárias, que são inteligentes, verdes e ubíquas, estão remodelando a paisagem
competitiva global e alterando a força relativa entre as nações” (CCP, 2016 apud
NAUGHTON, 2021, tradução nossa).
Do ponto de vista da construção de consenso, a inciativa chinesa mais ambiciosa foi o
lançamento da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) em 2013. Em seu formato original, a BRI
consiste em um conjunto integrado de investimentos em rodovias, ferrovias e portos, que
visam a conectar logisticamente os continentes eurasiano e africano. Uma vez lançada, a BRI
adquiriu ímpeto, expandindo-se geograficamente para América Latina e o Oceano Ártico,
bem como qualitativamente através da proposta da Rota da Seda Digital, a qual inclui a
construção de redes 5G, cabos de fibra ótica e centros de dados (CHENEY, 2019). Desse
modo, por meio da BRI, a China visa a se posicionar como a defensora da "globalização e do
livre comércio em um momento no qual a economia global encontra-se constrangida por
crises econômicas/financeiras, assim como pelas políticas isolacionistas voltadas para dentro
das administrações estadunidenses" (XING, 2019, p. 6, tradução nossa).
Além dos benefícios políticos e diplomáticos de longo prazo, a proposta da Rota da
Seda Digital corresponde às necessidades de internacionalização das atividades das grandes
corporações de tecnologia chinesas que emergiram ao longo das duas primeiras décadas do
século XXI e se tornaram as principais desafiantes das corporações estadunidenses nos setores
líderes da Era Digital: Tencent, Alibaba, Baidu, Huawei e Xiaomi. A Tencent é uma empresa
84

com capital aberto na bolsa de Hong Kong cujo valor de mercado atingiu US$ 479 bilhões em
2018. No mesmo ano, a companhia possuía mais de 50% do mercado de jogos em
smartphones na China, bem como gerenciava as plataformas: WeChat (redes sociais,
pagamentos e outros), com 800 milhões de usuários ativos mensais (UAM) e 38% do
mercado de pagamentos on-line na China; a Tencent Video (streaming), com 604 milhões de
UAM; e a Tencent News (notícias), com 259 milhões de UAM. A Alibaba opera uma
plataforma de comércio eletrônico cujas vendas, em um único dia, foram maiores do que as
vendas eletrônicas, no Brasil, durante todo o ano de 2016. A empresa possui capital aberto na
bolsa estadunidense NYSE e atingiu um valor de mercado de US$ 492 bilhões em 2018
(STEIBER, 2018, p.72).
A Baidu, por sua vez, detém 80% do mercado chinês de busca on-line e gerencia
plataformas de produtos alimentícios e transações financeiras. A corporação possui capital
aberto na bolsa de valores estadunidense Nasdaq64 e seu valor de mercado foi de US$ 87,8
bilhões em 2018 (STEIBER, 2018, p.74). Por sua vez, a Xiaomi é especializada na produção
de smartphones e produtos integrados à Internet. Após perder espaço para a Huawei na China,
a companhia expandiu suas operações para Índia, onde se tornou líder de mercado. A
corporação tem capital aberto na bolsa de valores de Hong Kong e obteve um valor de
mercado de US$ 47,9 bilhões em 2018 (STEIBER, 2018, p.77)65.
A Huawei, por sua vez, foi fundada em 1987, em Shenzhen, pelo ex-comandante do
corpo de engenharia do ELP, Ren Zhengfei. A empresa não só é uma potência no mercado de
smartphones, como lidera a corrida pela instalação das redes 5G, tecnologia que permitirá um
aumento de 1.000 vezes na velocidade de processamento de dados, constituindo-se como
elemento habilitador da sedimentação da segunda onda-k da Era Digital (PEREZ, 2016).
Desse modo, a liderança da Huawei no setor do 5G constitui robusto indicador da vantagem
estrutural da RPC na disputa pela hegemonia no sistema-mundo.
As Cinco Grandes corporações de tecnologia chinesas possuem a vantagem
competitiva do acesso a um mercado que possuía 700 milhões de usuários de Internet já em
2016. Em 2016, o valor do consumo individual em plataformas digitais, na China, foi de US$
790 bilhões, cifra onze vezes maior do que nos EUA. Ou seja, a RPC é "o único país em que
uma empresa pode se tornar uma líder global sem precisar vender fora do mercado
doméstico" (BIRTWHISTLE, 2016, p. 7).

64
Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/servicos/auditoria/2019/100-maiores-empresas-
globais.html. Acesso em: 10 set 2020.
65
Ibidem
85

Por conta disso, em 2015, o investimento de Venture Capital (VC) em negócios


baseado em Internet, na China, foi de US$ 20 bilhões, excedendo os aportes de VC nos EUA -
US$ 16 bilhões - pela primeira vez (BIRTWHISTLE 2016, p. 4). Operacionalmente, as
atividades das Cinco Grandes sustentam a emergência de um ecossistema extremamente
competitivo de startups concentradas em cidades como Shenzhen, Shanghai e Beijing. A
despeito da concentração de capital e tecnologia, a imposição de robustas punições contra
práticas monopolistas destas empresas sugere que as elites estatais continuam detendo o
controle do bloco de poder na RPC (STEIBER, 2018).
Portanto, observou-se que a ascensão da RPC na hierarquia de poder e riqueza do
sistema-mundo não foi o resultado de um conjunto de políticas econômicas específicas, mas,
sim, da implementação de um projeto nacional de longo prazo capaz de manter a consistência
intertemporal em relação aos objetivos estratégicos, politicamente definidos, e, ao mesmo
tempo, ajustar-se a novos desafios na medida em que eles se impõem. No final da segunda
década do século XXI, a RPC havia: (i) construído Forças Armadas capazes de criar zonas
contestadas nos teatros de operação em que há maior probabilidade de conflito de interesses
com Washington; (ii) criado robustas capacidades de inovação tecnológica e já se encontrava
à frente dos EUA em tecnologias estratégicas da segunda onda-k; e (iii) transformado o
sistema econômico chinês na principal fonte de oferta e demanda de comércio e crédito da
economia global. Desse modo, diante da financeirização da sociedade estadunidense, a China
emergiu como principal candidata à liderança do sistema-mundo na terceira década do século
XXI. Na próxima subseção, analisam-se os impactos da segunda onda-k da Era Digital na
economia global.

2.2 O sistema-mundo e a segunda onda-k da Era Digital

Conforme discutiu-se no primeiro capítulo, a segunda metade do século XX foi


marcada pelo início da transição de um sistema-mundo organizado em torno de redes internas
nacionais de produção industrial para outro, no qual redes transnacionais de subcontratação
digitalmente integradas constituem os setores líderes da economia mundial. Com a advento da
Era Digital, os incentivos derivados da dinâmica de competição no sistema interempresas
deixaram de orientar os agentes econômicos no sentido da centralização de capacidades
86

industriais em organizações verticalizadas e passaram a induzi-los no sentido da terceirização


dos processos de produção de mercadorias para países com vantagens de mão de obra barata
e/ou potenciais mercados consumidores. Por conta disso, a partir da década de 1970, os
projetos desenvolvimentistas de industrialização de Estados semiperiféricos convergiram com
as estratégias de redução de custos de corporações multinacionais, bem como com a
manutenção dos padrões de consumo das classes médias dos países do núcleo orgânico
(ARRIGHI, 1997; PEREZ, 2016).
A despeito da reversão na tendência de centralização organizacional iniciada com a
Era Industrial, é forçoso notar que, até o final da primeira década do século XXI, as TPG da
primeira onda-k da Era Digital ainda não haviam engendrado um novo paradigma
tecnoeconômico (RENNSTICH, 2019). Do ponto de vista dos modelos de negócio, nota-se
que os aumentos de produtividade ainda dependiam da obtenção de ganhos de escala e as
cadeias de realização das formas mercadorias permaneciam temporalmente lineares: design,
produção, distribuição, comercialização, pesquisa, design’, produção’, etc (ISMAIL,
MALONE & GEEST, 2015, p.35). Do ponto de vista socioeconômico, ressalta-se que a
digitalização do setor de serviços, o qual se tornou na década de 1990 o principal fornecedor
de empregos tanto no núcleo orgânico quanto em determinados países da semiperiferia,
deparava-se com restrições derivadas da dimensão espacial dos dispositivos, de limitações nas
capacidades dos microprocessadores e dos altos custos fixos elevados com a manutenção de
infraestruturas de Tecnologias da Informação (TI) (MOAZED, 2016).
Não obstante, ao longo da segunda década do século XXI, a emergência da segunda
onda-k da Era Digital transformou radicalmente este cenário. Em primeiro lugar, observou-se
um crescimento exponencial na conectividade global: o tráfego global de Internet aumentou
de 100 GB por dia para 46.600 GB por segundo entre 1992 e 2017. Essa robusta elevação da
densidade do ciberespaço foi condicionada por avanços nas tecnologias de optoeletrônica, na
difusão de redes sem fio 4G e na contínua redução da dimensão dos microchips, a qual
habilitou a instalação de recursos computacionais avançados em dispositivos com dimensões
funcionais, como smartphones, tablets e sensores. Nota-se que a tendência atual é que a
velocidade de crescimento da conectividade global deva acelerar ao longo da terceira década
do século XXI, com a instalação da infraestrutura habilitadora de redes 5G e a intensificação
da integração de sensores em atividades cotidianas, industriais e governamentais (UNCTAD,
2019).
87

Com o crescimento vertiginoso na conectividade global, engendrou-se a demanda por


serviços voltados para a operacionalização da enorme quantidade de dados disponíveis na
rede. Nesse contexto, o serviço de computação em nuvem, isto é, o compartilhamento de
capacidades computacionais de servidores centrais de grandes corporações de tecnologia
através da Internet, ofereceu uma solução adequada ao transformar os custos fixo de
manutenção de uma infraestrutura de TI em custos variáveis passíveis de adequação
contratual, bem como reduzir as barreiras de acesso a softwares sofisticados. A computação
em nuvem foi condição habilitadora da emergência de empresas pequenas com alto potencial
de inovação e extremamente competitivas em inúmeros setores. Apesar disso, ressalta-se que
o mercado de computação em nuvem é extremamente oligopolizado, uma vez que Alphabet-
Google, Amazon, Microsoft, Tencent e Alibaba detêm 75% do mercado global (UNCTAD,
2019).
Se a computação em nuvem potencializou as capacidades de armazenamento e
compartilhamento de dados, os avanços científicos no campo da Inteligência Artificial (IA)
catalisaram as capacidades de conversão da enorme quantidade de dados disponíveis na rede
em conhecimento passível de ser comercializado no mercado. Do ponto de vista produtivo, a
IA engendrou a substituição das cadeias lineares de realização de mercadorias por modelos
nos quais as atividades de produção, marketing, distribuição, pesquisa e inovação ocorrem de
forma simultânea e permanente, a partir dos dados emergentes das interações entre clientes,
empresa e produtos em múltiplas plataformas digitais convergentes (JENKINS, FORD &
GREEN, 2014). Do ponto de vista socioeconômico, a IA permitiu o avanço do processo de
digitalização sobre o setor de serviços (ISMAIL, GEEST & MALONE, 2015). No setor
financeiro, por exemplo, os Operadores de Alta Frequência (OAF), algoritmos capazes de
realizar decisões de investimentos em hipervelocidades e com alto grau de precisão, estão
substituindo os operadores humanos (LEWIS, 2014).
No setor industrial, a precisão da robótica derivada da IA intensificou a tendência de
automação das linhas de montagem e ampliou as capacidades de monitoramento e gestão dos
processos produtivos. Por sua vez, articulada com os avanços nas técnicas de manipulação de
materiais a partir da nanotecnologia, a IA expandiu a aplicabilidade da tecnologia de
impressão 3D (ou manufatura aditiva) para múltiplos setores da economia (UNCTAD, 2019).
Diferentemente de técnicas tradicionais, a manufatura aditiva é realizada através da
sobreposição de camadas de materiais. Do ponto de vista do sistema interempresas, ela
permitiu a redução dos custos de produção de mercadorias altamente personalizadas, como
88

também viabilizou as operações sob demanda e redução significativa do emprego de força de


trabalho e capital fixo. Contemporaneamente, a impressão 3D já é utilizada para fabricação de
elementos como componentes, turbinas e automóveis, moradias, alimentos personalizados e
tecidos humanos (AKAEV & RUSKOI, 2017, p.30).
Na segunda década do século XXI, o resultado combinado dos avanços na
conectividade, computação em nuvem, IA e impressão 3D engendrou o deslocamento dos
setores líderes da economia global para o conjunto de atividades relacionadas com o
provimento de bens ou serviços digitais. Em outras palavras, com a emergência da segunda
onda-k da Era Digital, o ciberespaço deixou de operar como um multiplicador da
produtividade do setor manufatureiro e se tornou o próprio locus de acumulação de capital no
sistema-mundo (UNCTAD, 2019).
Do ponto de vista organizacional, a segunda onda-k do processo de digitalização
engendrou a transição de um sistema interempresas, articulado em torno de redes
transnacionais de produção integradas através da TIC, para outro, estruturado por redes
externas de informação acopladas a plataformas digitais (DEMPSTER & LEE, 2015). Por
plataformização, entende-se o processo de criação de ambientes circunscritos no ciberespaço,
nos quais uma corporação define os critérios de entrada, delimita as normas de interação, bem
como provê as interfaces necessárias para realização de um conjunto específico de relações 66
entre os demais agentes ocupantes (ecossistema) (LAMBACH, 2019). A dinâmica de criação
de valor depende da capacidade de formulação de diferentes mecanismos de monetização dos
fluxos interacionais e dos dados produzidos durante as interações dos agentes no interior do
ecossistema controlado pela empresa (UNCTAD, 2019).
Na última década, estratégias de plataformização permitiram que corporações de
tecnologia com baixos custos fixos fossem capazes de ocupar mercados tradicionalmente
oligopolizados (por exemplo, de mídia, publicidade, varejo, setor hoteleiro, finanças etc.). A
explicação para essa tendência deriva de duas vantagens detidas por empresas
plataformizadas. Primeiro, ao controlarem as infraestruturas digitais de interação, elas ocupam

66
O serviço oferecido pelo Facebook, por exemplo, consiste no gerenciamento operacional, definição das
normas e provimento das interfaces que habilitam as interações entre os demais agentes inseridos na rede social.
Uma vez cadastrados gratuitamente na plataforma, os usuários conectam-se com uma rede de comunicação
global em que é possível não apenas dialogar, mas também criar grupos de afinidades, oferecer mercadorias e
compartilhar fotos, vídeos e opiniões. A principal fonte de receitas da empresa (98%) advém dos anúncios
publicitários direcionados de acordo com as preferências dos usuários, as quais são mensuradas por algoritmos
alimentados pelos metadados produzidos por curtidas, compartilhamentos, tempo de exposição e, até mesmo,
movimentações no cursor. Além disso, a empresa recebe por tarifas cobradas dos desenvolvedores de jogos
eletrônicos no interior do ecossistema, bem como pelo compartilhamento de seus serviços de identificação com
outras plataformas.
89

posição privilegiada para acessar os dados produzidos pelos usuários. Isso habilita não apenas
a possibilidade de oferecimento de bens e serviços personalizados de acordo com as
preferências algoritmicamente calculadas de seus clientes, mas também propulsiona
iniciativas de pesquisa e desenvolvimento. Segundo, o valor de mercado de uma plataforma
digital não depende de ganhos de escala, mas da obtenção de ganhos67 de rede. Isso, porque,
quanto mais os usuários operam na plataforma, mais valiosa ela se torna para os usuários e
para a companhia, uma vez que mais produtos ou serviços podem ser gerados através de
reiteradas recombinações dos dados residuais (UNCTAD, 2019).
Além do processo de plataformização, a segunda onda-k engendrou a tendência de
comodificação68 das mercadorias intensivas em conhecimento, sejam elas hardware ou
software. Esse fenômeno ocorre como consequência da cada vez mais rápida difusão dos
desenhos de produto (heurísticas de montagem ou designs) no ciberespaço, tanto pela
ubiquidade das práticas de espionagem corporativa quanto pela crescente facilidade da
engenharia reversa através de IA e simulação computacional. Uma vez em posse dos
desenhos de produto, competidores podem "desenvolver designs de classe global e
capacidades de produção em relativamente pouco tempo" (SHIH, 2018, p. 2, grifo nosso).
É plausível esperar que a tendência de comoditização acelere, na próxima década, com
a difusão da impressão 3D e o surgimento dos carros autônomos. O resultado esperado do
processo de comodificação é a redução significativa das atividades econômicas nas quais
capacidades tecnológicas são barreiras de entrada, especialmente no setor de semicondutores
(NSCAI, 2019).
Portanto, “diferentemente das gigantes industriais do século XX”, as corporações que
dominam o setores lideres após a emergência da segunda onda-k da Era Digital “não apenas
criam valor elas mesmas, mas orquestram a criação de valor para terceiros”. Uma vez que "os
usuários são os produtores e a companhia opera como facilitador (...) a plataforma é mais
importante que o produto" (HALLORAM & BARKER, 2019, p.6-7, tradução nossa). A
Figura 2 abaixo oferece uma ilustração comparativa acerca da dinâmica de acumulação de
capital em empresas plataformizadas e corporações com atividades nos setores da indústria,

67
Dois casos são exemplares. Criada em 2007, a plataforma de hospedagem Airbnb já operava em 191 países,
obteve um número de listagens maior do que as cinco maiores marcas de hotéis combinadas e um valor de
mercado estimado em US$ 31 bilhões. Por sua vez, a empresa de tecnologia israelense Waze desbancou os
custosos sensores fixos da Nokia no mercado de geolocalização digital ao aproveitar os dados provenientes de
“leituras de GPS já embutidas nos smartphones dos usuários” (ISMAIL; MALONE; GEEST, 2015, p. 45). Em
2014, a companhia lançou o programa de intercâmbio de dados denominado "Cidadãos Conectados" em parceria
com o estado da Flórida, as prefeituras de Boston e Rio de Janeiro e o Departamento de Polícia de Nova Iorque.
68
Por commodities, entende-se produtos de baixa diferenciação que podem ser comprados do vendedor com o
menor preço sem custos de oportunidade relevantes.
90

serviços e produção de software. Nota-se que em um sistema interempresas plataformizado a


unidade de análise do processo de criação de valor são ecossistemas constituídos por atores
com relações multidirecionais.

Figura 3 - Comparação entre modelos de negócios lineares e plataformizados

Fonte: O autor, 2021. Com base em: MOAZED (2016, p. 141).

Os limites e oportunidades que os processos de plataformização e comodificação do


hardware e software impõem para as possibilidades de salto estrutural por países da
semiperiferia serão analisados na próxima seção. Nesse momento, ressalta-se que, apesar da
alta diversidade dos atores inseridos nos ecossistemas digitais, a plataformização do sistema
interempresas engendrou um processo de concentração de rendas extraordinárias e
capacidades de inovação em cinco corporações de tecnologia estadunidenses: Google-
Alphabet, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft (GAFAM). A obtenção de rendas
extraordinárias pelas GAFAM deriva do fato de que elas controlam as plataformas e
recursos69 que empresas de todos os setores digitalizados precisam acessar para digitalizarem

69
Em 2019, o Facebook controlava 80% do mercado de redes sociais através da família de aplicativos
Messenger, Instagram e WhatsApp. A Alphabet-Google, além da ferramenta de busca (Google Search), oferta a
plataforma operacional (Android), o web browser (Chrome), a rede social (Google+), a loja de aplicativos
(Google Play), plataforma de pagamento (Google Wallet, Android Pay), plataforma compartilhamento de vídeo
na internet (YouTube), sistemas de georreferenciamento (Google Maps, Google Earth), serviço de computação
em nuvem (Google Cloud Platform), inteligência artificial (Deep Mind) e ciência da vida (Verify Life Sciences).
91

seus próprios modelos de negócios (MOAZED, 2016). A centralidade na dinâmica de


inovação deriva dessa posição privilegiada ocupada por essas empresas no ciberespaço global,
a qual também as tornou essenciais para as possibilidades de governos70 nacionais proverem
serviços de segurança e bem-estar para suas populações. Ou seja, a segunda onda de
inovações da Era Digital engendrou não só tendência de centralização informacional no
sistema-mundo, mas também de redução da especialização funcional entre Estados e
corporações que emergiu com a Era Industrial.
Para lançar luz sobre os nexos entre as GAFAM, os agentes do mercado financeiro e
as elites políticas nacionais, sintetiza-se, na Tabela 5 a estrutura acionária de cada uma das
corporações. Nota-se que, entre os dez maiores investidores institucionais de todas elas, há
apenas 18 organizações. Dentre esse seleto grupo, destacam-se as posições de liderança
exercidas pelos fundos Vanguard e BlackRock. Em função da quantidade de ações
controladas por ambas as organizações, infere-se que, conjuntamente, elas detêm poder de
veto sobre as decisões dos CEO de cada uma das GAFAM. Ou seja, pode-se afirmar que as
GAFAM possuem uma relação simbiótica com a haute finance estadunidense.

Tabela 5 - Maiores investidores institucionais da Cinco Grandes corporações de tecnologia


dos EUA (continua)

Qt. Qt. Qt. Qt. Qt.


ações ações ações ações Google- ações
Empresa Apple Microsoft Amazon Facebook
(US$ (US$ (US$ (US$ Alphabet (US$
1.000) 1.000) 1.000) 1.000) 1.000)

147. 136. 111. 47. 34.


Advisor
Vanguard 709. Vanguard 542. 206. Vanguard 175. Vanguard 700.
Group
371 408 095 080 737
10
Maiores 120. 110. 103. 39. 29.
Investido- BlackRock 493. BlackRock 394. Vanguard 505. BlackRock 778. BlackRock 613.
res 103 405 791 250 575
Institucio- 107. 67. 84. 31. 18.
nais Berkshire State Street
539. 137. BlackRock 820. FMR LLC 040. FMR LLC 936.
Hathaway Corp
941 599 892 662 239
79. 50. 51. 27. 17.
State Street Price T State Street
203. FMR LLC 740. State Street 060. 186. 221.
Corp Rowe Corp
991 162 835 478 417

A Apple liderava a produção de dispositivos (smartphones, tablets e relógios) que estão incorporados com a
plataforma operacional da empresa iOS, bem como possuía a segunda maior loja de aplicativos do ecossistema e
serviços de streaming (iCloud, iTunes). A Amazon, por sua vez, detinha 1/3 do mercado de computação em
nuvem e controlava mais de 80 hubs em múltiplos setores: telemarketing, bases de dados e analytics (UNCTAD,
2019).
70
Exemplo do fenômeno foi o contrato estabelecido entre cinco hospitais do Serviço Nacional de Saúde
Britânico e a companhia Deep Mind - vinculada ao grupo Alphabet-Google - para o desenvolvimento de uma
plataforma para converter os registros clínicos de 1,6 milhão de pacientes em diagnósticos sistematizados
instantaneamente para avaliação médica por uma tarifa nominal que aumentará ao longo do tempo (DIJCK;
POELL; WALL, 2018, p. 98).
92

51. 36. 49. 23. 10.


Advisor Price T T Rowe
221. 697. FMR LLC 717. State Street 846. 437.
Group Rowe Price
625 910 896 025 688
40. Capital 29. 48. Capital 18. 7.
Price T Norges
FMR LLC 960. World 672. 984. Research 069. 487.
Rowe Bank
418 Investors 102 154 Investors* 704 405
28. 24. 18. Capital 12. 7.
Geode Geode Geode Geode
152. 674. 985. Internationa 887. 136.
Capital Capital Capital Capital
579 446 791 l 020 701
24. Capital 22. 15. Capital 10. Wellington 6.
Price T Northern
654. Internationa 080. 215. World 101. Manageme 608.
Rowe Trust Corp
342 l 622 547 Investors 502 nt 334
Capital
23. 19. 14. 8. 5.
Northern Research Morgan Geode Northern
626. 888. 470. 697. 560,.
Trust Corp Global Stanley Capital Trust
057 834 421 164 44
Investors
20. 19. Capital 14. 6. Bank of 5.
Norges Northern Northern
553. 648. Internationa 130. 928. America 283.
Bank Trust Trust
973 079 l 997 816 Corp 160
Fonte: O autor, 2021. Com base em Nasdaq (2020)71

Observa-se também uma relação de codependência entre as GAFAM e o aparato


estatal estadunidense. Três indicadores sustentam esse argumento. Primeiro, nota-se tendência
de crescente cooperação institucional entre as GAFAM e o Departamento de Estado em
questões relacionadas ao ciberespaço (READ, 2014).. Segundo, entre 2013 e 2018, o gasto
agregado das GAFAM com práticas de lobby aumentou de US$ 39 milhões para,
aproximadamente, US$ 65 milhões, superando os valores derivados de instituições financeiras
(UNCTAD, 2019). Terceiro, entre 2019 e 2020, Facebook, Microsoft, Amazon e Google
doaram cerca US$ 100 mil até US$ 249.999 para o Center for a New American Security
(CNAS), centro de pesquisa privado (think tank) cujos membros foram indicados para o
primeiro escalão das equipes de política externa dos governos Obama e Biden72. Portanto,
conforme ilustra a Figura 4, argumenta-se que o bloco de poder dos Estados Unidos, na Era
Digital, configura-se a partir dos fluxos de liquidez, dados e proteção que permeiam as
relações entre Washington, o Vale do Silício e Wall Street.
Considera-se que a inextricabilidade entre as Cinco Grandes, a haute finance e o
aparato estatal é variável explicativa relevante para compreensão das implicações sociais da
segunda onda-k da Era Digital nos EUA. Isso, porque o imperativo de maximização do valor
do acionista, institucionalizado nas lógicas de funcionamento do mercado financeiro,
engendrou a formação de modelos de negócios plataformizados que operam a partir da: (i)
comodificação irrestrita do tempo de vida de trabalhadores precarizados (como, por exemplo,
Gigwalk e Uber); e (ii) comercialização de metadados dos usuários e vendas de anúncios

71
Disponível em: https://www.nasdaq.com. Acesso em: 27 de julho de 2020 18:06
72
CNAS Supporters. [s.d]. Disponível em: <https://www.cnas.org/support-cnas/cnas-supporters> Acesso em: 17
mar 2020
93

personalizados (como, por exemplo, Facebook e YouTube) (BANDI et al, 2020). Todavia,
enquanto o primeiro é incapaz de produzir empregos que permitam a recuperação do padrão
de consumo das classes médias estadunidenses, o segundo contribui para o acirramento da
polarização ideológica e representa uma ameaça para a estabilidade das instituições políticas
do país (GERBAUDO, 2019). Em outras palavras, nos EUA, a plataformização opera como
catalisador dos efeitos desestabilizadores do processo de financeirização em curso.

Figura 4 - Relações entre as Cinco Grandes, a haute finance e o Pentágono

Fonte: O autor, 2021.

O único ciberespaço fora do alcance das GAFAM é o da RPC, pois, não só é


bloqueado pelo PCC, mas também é ocupado pelas plataformas gerenciadas por cinco grandes
corporações de tecnologia chinesas: Alibaba, Tencent, Huawei, Baidu e Xiaomi. De forma
análoga às corporações estadunidenses, as elites controladoras destas empresas possuem
relações orgânicas com as elites estatais chinesas. Não obstante, conforme mencionamos no
capítulo anterior, as corporação plataformizadas na RPC estão submetidas a um robusto
arcabouço regulatório, tanto no que tange a práticas oligopolistas consideradas abusivas,
quanto no âmbito do conteúdo difundido no ciberespaço chinês (YUCHI, 2020).
Além das condições socio-históricas distintas, o alto grau de dependência do mercado
interno pelas Cinco Grande, com características chinesas, é variável explicativa relevante para
o alto grau de controle exercido pelo PCC sobre ela (Gráfico 5). Essa dominância política
sobre as empresas que ocupam o setor líder da economia tem habilitado a condução da
evolução do processo de plataformização do sistema social chinês de acordo com os objetivos
94

estratégicos delimitados pela autoridade central (GAO, 2020; NAUGHTON, 2021; WANG,
2020; ALIPAY, 2021).

Gráfico 5 - Contribuição dos mercados doméstico e internacional para as


receitas: Google, Facebook, Amazon, Alibaba e Baidu (2015)

Fonte: O autor. Com base em (BIRTWHISTLE, 2016).

Os avanços do processo de plataformização, na segunda década do século XXI,


provocaram alterações na natureza das relações centro-periferia na economia mundial. Por
exemplo, a tendência de destacamento das capacidades de inovação nos Estados Unidos e na
China sugere a necessidade de adoção de uma definição mais restritiva de núcleo orgânico.
Em 2018, estas duas nações concentraram 75% das patentes com tecnologias blockchain, 50%
do gasto global em pesquisa com Internet das Coisas e mais de 75% do mercado mundial de
computação em nuvem (UNCTAD, 2019).
Outro indicador ilustrativo da tendência de segmentação do núcleo orgânico é a
distribuição geográfica do valor de mercado das 70 maiores plataformas digitais no mesmo
ano (Gráfico 6). Enquanto empresas estadunidenses e chinesas capturavam 90% do valor de
mercado, as corporações plataformizadas na Ásia, Europa, África e América Latina
apreendiam, respectivamente, 5,0%, 3,6%, 1,3% e 0,2%. Nesse enquadramento, observa-se
reprodução da condição periférica da África e da América Latina, o declínio da Europa, em
relação à Ásia, e a tendência de bipartição do núcleo orgânico entre China e Estados Unidos.
95

Gráfico 6 - Distribuição global do valor de mercado das 70 maiores plataformas


digitais (2018)

Fonte: O autor, 2021. Com base em UNCTAD, 2019, p. 3.

Em resumo, a segunda onda de inovações da Era Digital provocou a transição de uma


economia global cujas unidades constituintes caracterizavam modelos de negócio baseados
em redes de subcontratação transnacionais para outra, em que corporações especializadas na
criação de plataformas digitais, nas quais Estados, firmas e indivíduos precisam acessar para
sobreviver, dominam os setores-líder. Apesar da significativa diversidade organizacional no
interior dos ecossistemas virtuais, a economia global plataformizada é caracterizada por um
alto grau de concentração de recursos de poder em um grupo extremamente pequeno de
grandes corporações de tecnologia estadunidenses e chinesas.
No que tange aos efeitos da segunda onda-k sobre a transição de poder no sistema
interestatal, verificou-se que os EUA deparam-se com dificuldades para compatibilizar os
resultados da transição tecnológica com as instituições nacionais em razão da proeminência
política da haute finance, enquanto a RPC foi capaz de direcionar o avanço da digitalização
em um sentido compatível com a estabilidade política interna e a continuidade do projeto de
desenvolvimento liderado pelo Estado. O sucesso do processo de digitalização do sistema
social chinês apresenta robusto desafio para a continuidade da hegemonia neoliberal no
sistema-mundo.
96

2.3 O sistema-mundo na Era Digital: desafios para a semiperiferia

O sistema-mundo na terceira década do século XXI será caracterizado por três


processos complexos e interdependentes de transição: (i) a passagem do segundo ciclo de
hegemonia dos Estados Unidos para o primeiro ciclo de hegemonia da RPC, (ii) a
entronização da segunda onda-k da Era Digital nas formações sociais e (iii) os impactos
assimétricos da mudança climática sobre as condições de reprodução material da vida
humana. Os resultados e desafios que emergirão ao longo da evolução destes processos são,
logicamente, indeterminados, uma vez que “um mundo político no qual estruturas e processos
se repetem (...) não existe (Tilly, 1995, p.1596, tradução nossa). Não obstante, do ponto de
vista da semiperiferia, as estratégias mobilizadas pelos agentes para enfrentá-los serão
variáveis relevantes para definir as possibilidades de catching up. Por conta disso, analisa-se
as dinâmicas políticas que permeiam cada um dos três processos e avalia-se a estratégia de
desenvolvimento intensiva em recursos naturais proposta por Carlota Perez (2017).
O aumento das tensões entre Estados Unidos e China é condicionado pelos desafios
estratégicos com os quais os blocos de poder das duas nações se deparam. No caso
estadunidense, a despeito da polarização ideológica entre democratas e republicanos, há
significativo consenso societal em torno da estratégia de contenção a Beijing iniciada por
Donald Trump e referendada pelo governo Biden. O enquadramento da China como uma
ameaça existencial aos EUA opera como mecanismo legitimador da continuidade da política
de elevação dos gastos militares que atende tanto aos interesses particulares da haute finance
quanto das Forças Armadas. No caso da RPC, o acirramento das relações com os EUA é
percebido como inevitável diante dos imperativos de internacionalização dos capitais chineses
e de mitigação das vulnerabilidades securitárias nos estreitos de Taiwan e do Mar do Sul da
China.
Apesar do nível elevado de polarização nas relações sino-estadunidenses, o sistema-
mundo contemporâneo é significativamente distinto daquele que resultou na vitória
estadunidense na Guerra Fria. Em primeiro lugar, a competição pela liderança sistêmica não
se manifesta nem como um conflito entre sistemas sociais antagônicos, nem na adoção de
uma postura revisionista por parte de Beijing em relação à legitimidade da ordem
97

internacional. Em segundo lugar, diferentemente do sistema econômico soviético, o sistema


econômico chinês tornou-se engrenagem-chave para o dinamismo da economia da maioria
dos países do sistema-mundo, inclusive, dos Estados-membros da OTAN. Em terceiro lugar, a
robusta cooperação econômica, política e militar sino-russa indicam a inviabilidade da
implementação de uma estratégia de triangulação, pela política externa estadunidense,
análoga à que funcionou contra a União Soviética, a partir do momento em que os interesses
de Washington e Beijing se alinharam. Portanto, por razões políticas, militares, econômicas e
tecnológicas, a estratégia norte-americana de contenção da China dificilmente terá êxito na
primeira metade do século XXI - pelo menos, não como a obteve na segunda metade do
século XX contra a URSS.
Além da menor assimetria de poder entre as Grandes Potencias, o sistema-mundo
contemporâneo distingue-se daquele das décadas finais da Guerra Fria em razão das
características do paradigma tecnoeconômico sedimentado a partir da emergência da segunda
onda-k da Era Digital. Do ponto de vista da estrutura de rede, o sistema-mundo organiza-se
em torno de redes externas de intercâmbio informacional acopladas a plataformas digitais
criadas e controladas, em última instância, por corporações estadunidenses ou chinesas. O
adequado funcionamento do ecossistema global de plataformas digitais é condição necessária
tanto para a sustentação da lucratividade da haute finance estadunidense, quanto a
legitimidade do Partido Comunista Chinês (PCC). Por conta disso, de forma análoga ao que
ocorreu no sistema interestatal durante a Era Comercial, Washington e Beijing se deparam
com a necessidade de balancear a intensidade de suas rivalidades com o nível cooperação
necessário para assegurar o funcionamento da economia global.
Outra característica distinta do sistema-mundo pós segunda onda-k da Era Digital em
relação ao do final da década de 1970 é o menor grau de especialização funcional entre
organizações empresariais e estatais. Conforme discutiu-se acima, se de um lado o processo
de plataformização significou a internalização de atividades tipicamente de Estado, no escopo
das Cinco Grandes; do outro, intensificou a securitização do ciberespaço pelos Estados-
nacionais, uma vez que a interoperacionalidade entre sistemas digitais representa
necessariamente uma vulnerabilidade informacional, (READ, 2014). A tendência
securitizante se explicita na Estratégia Nacional de Defesa Cibernética dos Estados Unidos
publicada em 2018, a qual afirma que Washington irá “conduzir operações no ciberespaço
para coletar inteligência e preparar capacidades militares ciber” e “defender de forma
98

avançada [...] inclusive contra atividades que ocorram abaixo do nível do conflito armado"
(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2018, p.1, tradução nossa).
Yan Xuetong argumenta que no sistema interestatal contemporâneo: "ideologias e
sistemas políticos são percebidos como irrelevantes tanto para o crescimento econômico,
quanto para a segurança nacional". Segundo o autor, uma vez que "economia digital e
cibersegurança são os aspectos mais importantes da riqueza e segurança nacional, a
superioridade tecnológica, especificamente superioridade digital" se tornou "o núcleo da
competição estratégica" entre as Grandes Potencias. Por conta disso, o acirramento das
tensões entre Washington e Beijing reforça a tendência de bipartição do sistema-mundo em
blocos tecnológicos-político-militares antagônicos, cada um com seus próprios circuitos
financeiros, produtivos e comerciais de acumulação de capital (YAN, 2020, p.317, tradução
nossa)
Além disso, é importante ressaltar que o tensionamento das relações sino-
estadunidenses ocorre em um contexto de desarticulação do regime internacional de armas
nucleares e de aumento de incertezas quanto à continuidade da estabilidade estratégica diante
do comissionamento de mísseis intercontinentais hipersônicos de alta manobrabilidade pelas
Forças Armadas das Grandes Potências (CEPIK; SANTOS, 2017). Ou seja, a rivalidade entre
EUA e China não só tende a adquirir um caráter de soma zero, especialmente, em zonas
militares contestadas, como o Irã ou Taiwan, como produz riscos reais de escalada com
potencial, inclusive, de rompimento do limiar nuclear.
Do ponto de vista das demais unidades, a transição de poder no sistema interestatal
contemporâneo impõe desafios no que tange à sustentação de políticas externas coerentes com
os objetivos nacionais e não com as agendas securitárias de EUA, China e Rússia. Embora
parte da literatura perceba, na ausência de um embate ideológico entre sistemas sociais, um
elemento habilitador da operacionalização de estratégias de hedging, nas quais os países
alinham-se de forma diferenciada de acordo com cada questão, o caso da ameaça de sanções
pelo governo Biden contra as empresas participantes do projeto russo-germânico de
construção do gasoduto Nordstream demonstra como, até mesmo, nações vinculadas à OTAN
se deparam com riscos diante do acirramento da competição entre as Grandes Potências na
Era Digital (NORD, 2021).
Os desafios derivados da instabilidade no sistema interestatal, para os governos
nacionais, são potencializados pelas necessidades de mitigação dos efeitos societais
desestabilizadores resultantes da instalação do novo paradigma tecnoeconômico da Era
99

Digital. Nas democracias liberais, o acirramento do conflito distributivo tende a ser catalisado
por conta da difusão das capacidades de produção e distribuição de informação nas
plataformas digitais (LAMBACH, 2019). Nesse contexto, conforme o banimento do ex-
presidente estadunidense Donald Trump da rede social Twitter ilustra, os agentes
controladores das grandes corporações de tecnologia desempenham função central no
processo de definição das regras do jogo político (DJICK; POELL; WAAL, 2018).
Além das tensões derivadas da deterioração nas relações sino-estadunidenses e dos
efeitos da revolução tecnológica em curso, as unidades constituintes do sistema-mundo
deparam-se com o urgente problema da mudança73 climática. De acordo com o relatório do
Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC), apesar do relativo consenso na
comunidade internacional em torno da necessidade de mitigação do aquecimento global, o
total de emissões de gases causadores do efeito estufa aumentou de 1,3% ao ano, entre 1970 e
2000, para 2,2% ao ano entre 2000 e 2010. Na ausência de medidas de mitigação adicionais,
estima-se que, até 2100, a temperatura global deve aumentar de 3,7oC a 4,8oC em
comparação com níveis pré-industriais. Dentre os impactos previstos neste cenário, destacam-
se o colapso de ecossistemas e habitats animais, aumento de incêndios e ondas de calor, maior
propagação de pestes e doenças, mudanças nos padrões de precipitação, agravamento de
tempestades, enchentes e processos de desertificação.
Estima-se que a manutenção do aquecimento global em apenas 1,5ºC demanda uma
redução de 45% na emissão de gases causadores do efeito estufa até 2030, bem como a
obtenção de neutralidade do carbono em 2050 (IPCC, 2018). Em termos monetários, isso
implica um “investimento médio anual de aproximadamente US $2,4 trilhões somente nos
setores de energia, entre 2016 e 2035, o que representa 2,5% do PIB mundial" (UNDP, 2019,
p. 24). Diante desse desafio, conforme perseverou António Guterres, Secretário-Geral da
ONU durante a 75º sessão da Assembleia Geral de 2020: “nosso mundo pode arcaro um
futuro em que as duas maiores economias dividem o globo em uma Grande Fratura - cada um
com suas respectivas regras comerciais e financeiras, Internet e capacidades de IA”
(GUTERRES, 2020).
O fenômeno da mudança climática é uma variável distintiva da transição de poder
contemporânea. Ao longo das transições sistêmicas anteriores, as crises sistêmicas derivaram
de questões associadas com o acirramento dos conflitos políticos entre blocos de poder em

73
Por mudança climática, entende-se o aquecimento da temperatura planetária resultante da acumulação dos
gases causadores do efeito estufa na atmosfera como consequência do aumento exponencial do uso de
combustíveis fosseis pela humanidade a partir da Revolução Industrial.
100

contextos de instabilidade financeira e os efeitos sociais disruptivos das ondas de inovação


tecnológica. Nesse momento, por outro lado, o aquecimento planetário engendra ameaças que,
embora de forma assimétrica, referem-se ao futuro da humanidade e, ainda mais importante,
somente poderão ser mitigadas com altos níveis de cooperação entre organizações estatais,
empresariais e sociais.
A percepção de ameaça comum representada pela mudança climática possui
capacidades reais de operar como vetor promotor da cooperação no sistema-mundo. A adesão
unânime dos Estados-membros da ONU aos dezessete Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)74 definidos pela organização, bem como as nomeações de John Kerry
como representante oficial do governo Joe Biden para assuntos sobre mudança climática e de
Xie Zhenhua como sua contraparte, por Beijing ilustram esta capacidade. Nota-se que os dois
diplomatas foram os líderes das delegações responsáveis pela assinatura do Acordo de Paris
em 2015. No dia 17 de abril de 2021, ambos assinaram o documento "U.S.–China Joint
Statement Addressing the Climate Crisis" após o encontro em Shanghai, no qual afirmam que:

Os Estados Unidas e China estão comprometidos a cooperarem entre si e com outros


países para superar a crise climática, tema que deve ser enfrentado com a seriedade e
a urgência que ele demanda. Isso inclui tanto o robustecimento de suas respectivas
ações, quanto o fortalecimento da cooperação em processos multilaterais, incluindo
a Convenção das Nações Unidas para a Mudança Climática e o Acordo de Paris. Os
dois países relembram suas contribuições históricas em termos de liderança e
colaboração para o desenvolvimento, adoção, assinatura e entrada em vigor do
Acordo de Paris (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2021, tradução nossa).

Portanto, no âmbito institucional, o novo paradigma tecnoeconômico da Era Digital


será norteado pelo imaginário da sustentabilidade. No sistema interempresas, conforme
sustenta Merril et al. (2019, p. 2): "companhias estão voluntariamente ou, sob pressão de
investidores, governos e outros stakeholders, comprometendo-se com objetivos ambientais
ambiciosos”. Diante disso, os autores identificam a emergência de modelos de negócios
baseado em "atividades sustentáveis digitais" as quais seriam caracterizadas por "alto
potencial de escalabilidade e coordenação de ecossistemas". Combinadas, "estas duas

74
São eles: erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável; saúde e bem-estar; educação de
qualidade; igualdade de gênero; água potável e saneamento básico; energia limpa e acessível; trabalho decente e
crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades, cidades e comunidades
sustentáveis; consumo e produção responsáveis; ação contra a mudança global do clima, vida na água, vida
terrestre; paz, justiça e instituições eficazes; bem como parcerias e meios de implementação.
COMO as Nações Unidas apoiam os objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. Disponível em:
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs#:~:text=e%20no%20mundo.-
,Os%20Objetivos%20de%20Desenvolvimento%20Sustentável%20no%20Brasil,de%20paz%20e%20de%20pros
peridade. Acesso em: 11 fev 2021
101

propriedades permitem que agentes econômicos rompam o trade-off entre valor público e
privado (Merrill et al, 2019, p. 10, tradução nossa).
O autor descreve o caso da iniciativa Ant Forest, inserida no ecossistema da
plataforma de pagamentos Alipay (pertencente à Alibaba) desde 2016, para ilustrar o
argumento. A Ant Forest75 consiste em um "jogo social que rastreia e premia estilos de vida
verdes (por exemplo, caminhar para o trabalho, pagar contas on-line, utilizar o metro etc.)
com 'pontos de energia' que representam as gramas de carbono economizadas" (Merril et al,
2019, p.15, tradução nossa). Tais pontos de energia podem ser gastos no cultivo de "árvores
digitais" dos usuários ou no patrocínio de esforços de conservação. O engajamento dos
usuários é incentivado pela possibilidade de furtar pontos de energia ou colaborar com as
árvores digitais de outros usuários. Assim, "para cada árvore digital que atinge a maturidade,
a empresa parente Ant Financial planta uma árvore real". Em 2018, a Ant Forest possuía cerca
de 400 milhões de usuários regulares, e a iniciativa havia resultado no plantio de 500 milhões
de árvores (MERRIL et al., 2019, p. 15, tradução nossa).
Para Perez (2017), o sentido sustentável adquirido pelo paradigma tecnoeconômico
contemporâneo é percebido como uma janela de oportunidade para países semiperiféricos 76
subirem na hierarquia da economia global através da operacionalização de uma estratégia de
crescimento e aprendizado tecnológico intensiva em setores vinculados ao processamento 77 de
recursos naturais. De acordo com a autora, a abertura desse horizonte de possibilidade para o
desenvolvimento deriva de três fatores. Primeiro, diferentemente do que ocorreu com
hardware e software, a convergência entre plataformização com a redução dos custos de
transporte, as melhorias na conteinerização e os avanços nas áreas de biotecnologias e
nanotecnologia engendraram a tendência irreversível de hipersegmentação dos mercados
intensivos em recursos naturais. Essa hipersegmentação cria novas possibilidades de inserção
internacional em distintos nichos. Como exemplos, Perez (2017) indica os setores de
medicina personalizada (fármacos, tecidos para transplante, engenharia genética e
cosméticos), alimentos (orgânicos, sem glúten, veganos, dietéticos etc.), agricultura
(fertilizantes), conservação ambiental (reflorestamento, bactérias recuperadoras de biomas),

75
O caso da Ant Forest também ilustra como o processo de plataformização habilita a emergência de "novos
mercados para bens e serviços públicos ecológicos que eram, até então, proibitivamente difíceis de mensurar e
intercambiar" (MERRIL et al., 2019, p. 14, tradução nossa).
76
Carlota Perez (2017) sustenta que a estratégia é adequada para os países latino-americanos ou qualquer país
com abundância de recursos naturais e que tenha acumulado as capacidades nesses setores.
77
Por biotecnologia, entende-se: técnicas de modificação de organismos vivos de acordo com propósitos
humanos, como domesticação de animais, seleção artificial, cultura de bactérias, fungos, tecidos e células-tronco.
102

materiais (ligas customizadas, químicos verdes, nanomateriais), energia (fontes renováveis,


materiais para painéis solares) e turismo (Amazônia, Machu Picchu, lençóis maranhenses).
Do ponto de vista dos países latino-americanos, as capacidades necessárias para
inserção nos setores mencionados acima foram acumuladas durante a implementação da
estratégia de industrialização via substituição de importações no século passado. Além disso,
nas próximas décadas, o crescimento da demanda de produtos naturais personalizados de alta
qualidade será propulsionado pela ampliação do poder de compra das classes médias asiáticas
e pelas mudanças nos estilos de vida do American Way of Life para o Green Way of Life.
Desse modo: "de commodities de grandes volumes e preços baixos a uma vasta gama de
nichos de produção de pequeno volume e preço elevado, [...] esse fraturamento dos mercados
aplica-se tanto na manufatura quanto nos setores secundário e primário, assim como afeta
cada atividade ao longo da cadeia de valor" (PEREZ, 2017, p. 364, tradução nossa).
O argumento de Perez (2017) reconhece a baixa capacidade de geração de emprego
dos setores de alta tecnologia mencionados. Por conta disso, propõe uma estratégia dual na
qual os investimentos em infraestrutura (redes 5G, centros de dados, transportes) necessários
para a operacionalização de atividades de alta tecnologia são complementares ao objetivo de
promoção de renda no mercado interno. Enquanto "a parte top-down da estratégia se orienta
pela busca de aprendizado tecnológico e especialização profunda, visando-se a
competitividade global", a parte bottom-up promoveria "atividades geradoras de renda em
todo o território", aproveitando-se de "clusters especializados que exploram nichos de
mercado baseados em vantagens locais" (PEREZ, 2017, p. 239, tradução nossa, grifo nosso).
Conforme o sucesso da estratégia de comércio eletrônico chinesa demonstra, a articulação
entre redes de transporte robustas e plataformas digitais é um método eficiente para superar
problemas de coordenação, distribuição, informação e precificação de mercados desde o nível
macro até o micro (UNCTAD, 2019).
De acordo com Perez (2017, p. 379): "esta estratégia dual não pode ser alcançada
somente através do mercado ou imposta pelo governo". Nas operações top-down, implica,
como imperativo institucional, uma dinâmica de autonomia na qual elites estatais e
empresariais "engajam em colaboração estratégica para realização de decisões conscientes
que afetam redes inteiras e envolvem negociações internacionais". Por sua vez, o âmbito
bottom-up precisaria de "cooperação municipal e agências no nível local, fortalecidas pelo
apoio direto de pessoal especializado capaz de identificar, promover e facilitar a produção
adequada de atividades de mercado, além de engajar em treinamentos e captação de recursos"
103

(PEREZ, 2017, p. 380, tradução nossa). Por conta disso, “o modelo pode funcionar apenas na
forma de uma visão social compartilhada, com vários agentes de mudança operando
autonomamente, mas seguindo uma direção estratégica comum" (PEREZ, 2017, p. 381).
Finalmente, Perez (2017) sustenta que a estratégia dual de desenvolvimento intensiva
em recursos naturais engendra o potencial para alavancar um salto de desenvolvimento em
dois estágios. Imediatamente, os investimentos em infraestrutura de rede e nos setores de alta
tecnologia potencializariam a retomada do crescimento e do emprego no curto e médio
prazos. Em um segundo momento, as capacidades e os conhecimentos acumulados com os
investimentos da etapa anterior permitiriam um posicionamento estratégico do país no
momento da terceira onda-k da Era Digital, a qual, segundo Perez (2017), envolverá os
setores de biotecnologia, nanotecnologia, bioeletrônica, novos materiais, química verde etc.
Com base no que foi exposto nas seções anteriores, considera-se que, para o Brasil, a
estratégia de desenvolvimento dual intensiva em recursos naturais, proposta por Perez (2017),
não só é viável do ponto de vista econômico e tecnológico, como é coerente com a estrutura
de poder em emergência no sistema-mundo contemporâneo. Não obstante esta viabilidade
teórica, a estratégia depara-se com robustos limites institucionais derivados das dinâmicas
políticas nacionais. Por conta disso, o próximo capítulo desce um nível de análise para
investigar as características específicas do processo de financeirização brasileiro a partir da
perspectiva do embate entre coalizões societais desenvolvimentista e neoliberal.
104

3 CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA FINANCEIRA NO BRASIL

Este capítulo examina o processo de financeirização brasileiro entre 1981 e 2018. Na


primeira seção, discute-se o período entre 1981 até 1993. Parte-se da hipótese de trabalho é
que a crise de endividamento externo criou as condições de possibilidade para a
desconstrução da hegemonia desenvolvimentista. Na segunda seção, analisa-se o período de
1994 e 2013, caracterizado pela estabilização monetária, pela captura institucional dos órgão
formuladores da política macroeconômica por intelectuais vinculados à haute finance, bem
como pela coexistência entre social-desenvolvimentismo e neoliberalismo durante os
governos petistas. A última seção avalia o período de 2014 à 2018, caracterizado pela contra
ofensiva autoritária da coalizão neoliberal após a tentativa mal sucedida do governo Dilma
reduzir a taxa básica de juros e romper com o modelo de financeirização via títulos da dívida
pública vigente desde a institucionalização do Plano Real.

3.1 Da crise da dívida ao novo arranjo institucional (1981 – 1994)

A resposta da haute finance estadunidense à crise de hegemonia do país reverberou na


semiperiferia do sistema-mundo. Inicialmente, a desintegração do arranjo institucional de
Bretton Woods significou a dissolução das práticas de controles de capitais que habilitavam
que os Estados-nação realizassem políticas cambiais sem a ameaça de ataques especulativos
iminentes a suas moedas. Em seguida, a escalada nos preços do petróleo, no decorrer da
década de 1970, implicou o aumento dos custos de um insumo fundamental para a
continuidade das estratégias de industrialização via substituição de importações. Por fim, em
1980, a súbita elevação das taxas de juros do FED provocou a reversão dos fluxos de capitais
em direção ao dólar, o enxugamento das condições internacionais de liquidez e o repentino
endividamento dos países que avançavam projetos de desenvolvimento com base em
poupança externa.
Os países latino-americanos foram duramente atingidos pelas mudanças no cenário
internacional. No Brasil, o governo respondeu à elevação dos déficits no balanço de
pagamentos, resultantes do aumento dos preços do petróleo, com uma política de
105

maxidesvalorização cambial. Todavia, além de inócua, no sentido do objetivo proposto, a


medida potencializou o surto inflacionário e desarticulou os mecanismos da correção
monetária. De 1978 a 1982, o percentual da dívida de curto prazo, em relação ao PIB,
aumentou de 58% para 437%. De 1981 a 1989, a inflação anual saltou de 95% para 1972%; a
taxa média de crescimento foi de apenas 2,3%; a variação média da formação bruta de capital
fixo, de -0,7%; e o número de pessoas em situação de pobreza extrema aumentou de 20,2
milhões para 26,11 milhões. A “indústria revelou um crescimento medíocre, ainda que apenas
a indústria extrativa mineral – em razão da produção de petróleo e exportação de minérios –
manteve a mesma tendência de crescimento da década anterior” (CARNEIRO, 2002, p. 157).
Por outro lado, instituições financeiras asseguraram altas taxas de rentabilidade, com “ganhos
com floating garantidos pela aplicação em títulos e valores mobiliários governamentais
remunerados pela alta inflação. Em 1990, a receita inflacionária auferida pelos bancos
representava cerca de 4% do PIB” (METZNER; MATIAS, 2015, p. 32).
A crise da dívida externa significou a suspensão da soberania do Estado-nação
brasileiro no que tange à definição da política macroeconômica. Em setembro de 1982,
Ernane Galvêas, Ministro da Economia do governo José Sarney, reuniu-se com representantes
da haute finance estadunidense na sede do Fundo Monetário Internacional (FMI), no Canadá,
onde foi capaz de apaziguar o apetite dos credores, graças a um empréstimo de US$ 3 bilhões
concedido pela administração Reagan. Em contrapartida, Brasília submeteu-se à supervisão
do “Comitê Assessor dos Bancos para o Brasil, composto pelos 14 principais bancos credores,
sob a presidência de William Rhodes do Citibank"78. Três anos depois, o governo brasileiro
concordou com o plano proposto por James Baker, Secretário do Tesouro dos EUA, que
alterou a ênfase das condicionalidades de ajustes de curto prazo nos balanços de pagamentos
para reformas estruturais de longo prazo, "particularmente, liberalização comercial, financeira
e privatização de empresas estatais" (CLINE, 1989, p. 3).
Todavia, o plano não obteve o aval da haute finance estadunidense. Com isso, o Brasil
ficou efetivamente incapacitado de captar recursos nos mercados financeiros internacionais
(BRESSER-PEREIRA, 2016). Em 1987, o governo de José Sarney declarou moratória. A
iniciativa provocou perdas generalizadas nos bancos estadunidenses e resultou na substituição
de Baker por Nicholas Brady. No ano seguinte, Brady propôs o alongamento dos prazos
através da securitização dos débitos dos países na forma de produtos financeiros estruturados.
O Brasil aderiu ao plano em 1992 (CARNEIRO, 2002).
78
Disponível em: <https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/divida-externa-2>. Acesso
em: 18 mai. 2020.
106

O caos econômico permeou o processo de redemocratização. Este ocorreu de forma


gradual e controlada, pois foi tutelado pelos agentes que compunham o bloco de poder do
regime ditatorial. Apesar disso, a retomada das instâncias coletivas de deliberação despertou
um conjunto de forças sociais com aspirações represadas por duas décadas. Em 1988, tal
libertação resultou na promulgação da carta constitucional que definiu, como objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de “uma sociedade livre, justa e
solidária”, a garantia do “desenvolvimento nacional”, a erradicação da “pobreza e
marginalização”, a redução das “desigualdades sociais e regionais” e a promoção “do bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação” (BRASIL, 1988, p. 11).
No ano seguinte, no entanto, a adesão do governo brasileiro ao Consenso de
Washington, isto é, às reformas estruturais qualificadas por representantes da haute finance
transnacional - técnicos do governo dos EUA, FMI, Banco Mundial e economistas ortodoxos
latino-americanos - como condições necessárias para a estabilização das economias da região,
inviabilizaram a construção das capacidades estatais necessárias para operacionalização
empírica dos objetivos fundamentais inscritos na carta constitucional. Em outras palavras,
enquanto se promulgou uma Constituição fundamentada em princípios da social-democracia,
institucionalizou-se um arranjo macroeconômico orientado por pressupostos neoliberais.
A contradição entre a Constituição e o Consenso de Washington manifestou-se no
embate entre Luiz Inácio Lula da Silva, ex-líder do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Paulista e presidente do recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT), que concorreu pela
Frente Brasil Popular, e Fernando Collor de Mello, ex-governador do Estado de Alagoas, que
disputou pelo Movimento Brasil Novo, durante o segundo turno das eleições de 1989. Após a
vitória, inspirado por Ronald Reagan, Collor promoveu uma narrativa em que o Estado-nação
era apontado com causa fundamental da crise. A concepção de liberdade política foi igualada
à difusa noção de liberdade econômica, e o conceito de desenvolvimento foi substituído pela
promessa de uma modernização a ser concretizada através da redução das capacidades estatais
e da abertura da economia ao capital internacional. Nas palavras do ex-presidente:

Em síntese, essa proposta de modernização econômica pela privatização e abertura é


a esperança de completar a liberdade política, reconquistada com a transição
democrática, com a mais ampla e efetiva liberdade econômica. A privatização deve
ser completada por menor regramento da atividade econômica. Isto incentiva a
economia de mercado, gera receita e alivia o déficit governamental, sustentando
melhor a luta anti-inflacionária. Isto faz com que a corrupção ceda lugar à
competição (COLLOR, 2008, p. 10)
107

Com a eleição de Collor: “A correlação de forças sociais que havia sido responsável
pela aprovação da seguridade na Constituição deu lugar a um novo pacto de poder, para o
qual o Estado passa a ser visto como um obstáculo ao desenvolvimento capitalista, devendo
transferir parte de suas atribuições econômicas e sociais às empresas e organizações
comunitárias” (FLEURY, 2002, p. 78,).
Logo no primeiro ano de governo, sob a gestão do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituiu-se o Programa Nacional de
Desestatização79 (PND), cujo objetivo declarado era “reordenar a posição estratégica do
Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas
pelo setor público”. Entre 1990 e 1992, foram privatizadas 18 empresas (majoritariamente,
nos setores de siderurgia, petroquímica e fertilizantes), cujas vendas somaram US$ 3,6
bilhões. Nomeadamente, foram transferidas, para o setor privado, as organizações: Usiminas;
Companhia Petroquímica do Sul (Copesul); Cia. Ações Especiais Itabira (Acesita);
Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST); Petroflex; Fertilizantes Fosfatados; Aços Finos
Piratini; Celma; Companhia Nacional de Álcalis (CNA); Companhia Industrial de
Polipropileno; Polisul Petroquímica; Marfesa; Nitriflex; Cosinor; Goiás Fertilizantes; Serviço
de Navegação da Bacia do Prata; Companhia Brasileira de Estireno; e Indag S.A.
(RODRIGUES; JURGENFELD, 2019, p.399).
Todavia, o governo foi incapaz de reduzir o endividamento externo. Em 1991, a dívida
de curto prazo do Brasil atingiu 280% das reservas do país, e a inflação anual, 119%. Nesse
contexto, entre 1990 e 1992, a variação média do PIB foi de -0,6%; a formação bruta de
capital fixo, de -2,2%. Ademais, o fracasso do confisco das poupanças e a emergência de
escândalos de corrupção na mídia acirraram a insatisfação popular. Desprovido de apoio no
Congresso, Collor renunciou em dezembro de 1992, de modo a evitar a cassação de seus
direitos políticos no caso da continuidade do processo de impeachment.
O governo Itamar Franco não só deu continuidade ao PND, como ampliou a
possibilidade de participação do capital estrangeiro de 40% para 100% das ações disponíveis
nos leilões. Entre 1993 e 1994, foram privatizadas 15 organizações estatais, o que significou
uma arrecadação de US$ 3,2 bilhões. Nomeadamente, foram vendidas as empresas:
Companhia Siderúrgica Nacional; Aço Minas Gerais; Companhia Siderúrgica Paulista;
Petroquímica União; Ultrafértil; Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer); Polioefinas;

79
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9491.htm. Acesso em: 20 abr 2020.
108

Oxiteno; Politeno Indústria e Comércio; Companhia Pernambucana de Borracha Sintética;


Ciquini – Companhia Petroquímica; Polialden Petroquímica; Acrilonitrila do Nordeste;
Arafértil; e Mineração Caraíba (RODRIGUES & JURGENFELD, 2019, p.404).
Em 1993, a inflação anual atingiu 2.477,15%. Nesse contexto, o Ministro da Fazenda,
o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC), convocou um conjunto de economistas
ortodoxos para lhe auxiliar na implementação de um arranjo macroeconômico que
estabilizasse a moeda brasileira. O pressuposto da equipe de FHC era que a causa da
hiperinflação residia nos contínuos déficits operacionais e na elevada taxa de indexação do
sistema de preços. A incapacidade dos planos anteriores de solucionarem a questão derivava
da tática de congelamento dos preços. Em resumo: os agentes antecipavam a intervenção
governamental e ajustavam seus balanços, produzindo, consequentemente, inflação inercial
(BRESSER-PEREIRA, 2016, p.321).
A inovação proposta pela equipe de FHC foi propor um período de interregno em que
dois sistemas monetários coexistiriam no país. Enquanto a moeda antiga continuou variando
de acordo com a inflação, o Estado-nação garantiu que a Unidade Real de Valor (URV) se
mantivesse atrelada ao valor do dólar. Durante os quatro meses de vigência da duplicidade
monetária, o governo federal coordenou a negociação dos processos de conversão de
contratos junto aos setores organizados do capital e trabalho. Ao final do período, a moeda
“podre” havia desaparecido de circulação, e a URV foi institucionalizada com o nome de Real
(CARNEIRO, 2002, p.367). Com isso, a inflação foi reduzida de 45% ao mês, em abril de
1994, para, aproximadamente, 2,5% em julho do mesmo ano.

3.2 Estabilização, expansão financeira e crise da inclusão social (1994 – 2013)

A estabilização monetária habilitou a retomada do crescimento e garantiu o prestígio


necessário para FHC vencer a eleição presidencial de 1994. Nos quatro anos seguintes, a
inflação anual reduziu de 916% para 1,65%. Em 1996, a dívida de curto prazo brasileira havia
diminuído para apenas 59% das reservas internacionais. Entre 1993 e 1997, as taxas médias
de crescimento do PIB e a formação bruta de capital fixo voltaram a crescer, atingindo,
respectivamente, 4% e 7,4%.
109

Fortalecido politicamente pelos resultados macroeconômicos, FHC iniciou uma nova


fase do PND, marcada pela criação do Conselho Nacional de Desestatização (CND), bem
como pela inclusão dos setores de transporte, telecomunicação, energia e mineração na
agenda de privatizações. Assim, entre 1994 e 1998, foram privatizadas as empresas: Sistema
Telebrás; Companhia Vale do Rio Doce; Light Serviços de Eletricidade; Rede Ferroviária
Federal Malha Sudeste; Centrais Geradoras do Sul do Brasil; Espírito Santo Centrais
Elétricas; Rede Ferroviária Federal Malha Centro-Leste; Companhia Petroquímica do
Nordeste; Companhia Docas do Estado de São Paulo; Banco Meridional do Brasil; Rede
Ferroviária Federal Malha Sul; Salgema Indústrias Químicas; Companhia Petroquímica de
Camaçari; Polibrasil; Porto de Spetiba; Polipropileno S.A.; Proponor S.A.; Rede Ferroviária
Federal Malha Oeste; Companhia Brasileira de Poliuretanos; Terminal Roll-on Roll-off do
Porto de Rio de Janeiro; Nitrocarbono; Rede Ferroviária Federal Malha Tereza Cristina;
Esiterno do Nordeste; Rede Ferroviária Federal Malha Nordeste; Malha Paulista; Cais de
Paul; Deten Química; Cais de Capuaba; Porto de Angra dos Reis; Koppol Films; e
Companhia Química do Recôncavo (RODRIGUES; JURGENFELD, 2019, p.410).
No que tange ao sistema financeiro, o governo FHC incentivou processos de
consolidação e desnacionalização. Em 1995, em um contexto no qual número expressivo de
instituições financeiras havia entrado em falência em função da perda dos ganhos com a
hiperinflação, o governo lançou o Programa de Estímulo à Restruturação e ao Fortalecimento
do Sistema Financeiro Nacional (Proer), cujos custos equivaleram a 4,7% do PIB, que
“permitiram a transferência para o governo federal dos créditos duvidosos dos bancos em
dificuldade” (BACHA, 2015, p. 173). Por sua vez, o Programa de Incentivo à Redução do
Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes) “foi criado em 1996 pela Medida
Provisória n. 1514, buscando induzir os governadores a optar pela privatização de seus bancos
estaduais” (METZNER; MATIAS, 2015, p. 173). No âmbito do Proes: “os bancos
estrangeiros que até então necessitavam de R$ 16 milhões para abertura de uma carteira
financeira foram equiparados aos nacionais em relação aos requisitos patrimoniais”
(METZNER; MATIAS, 2015, p. 181). Assim, conforme demonstra o Gráfico 7, de 1994 a
1999, enquanto os bancos privados e públicos nacionais mantiveram suas posições relativas
no percentual de ativos totais, bancos estrangeiros elevaram a participação de 5% para 17%.

Gráfico 7 - Participação de instituições bancárias por origem de capital (1994 -


1999, % de ativo total)
110

Fonte: O autor, 2021. Com base em Metzner e Matias, 2015, p. 292.

O sucesso do Plano Real dependia do uso da âncora cambial como mecanismo de


redução do custo dos bens importados. No entanto, para mantê-la operacional, o Brasil
precisava atrair dólares, o que, em um contexto de câmbio80 apreciado, não era viável através
do aumento das exportações. Por conta disso, o governo optou por desregulamentar a conta
financeira e elevar a taxa básica de juros de modo a atrair poupança externa. Elemento central
dessa dinâmica foi a prática de instituições financeiras tomarem empréstimos a juros
reduzidos, no exterior, e trocarem moeda forte por títulos do governo brasileiro que estavam
atrelados à variação da Selic (SAAD-FILHO; MORAIS, 2018, p.67).
A aposta do governo era que a liberalização comercial e financeira elevaria as taxas de
investimento e mitigaria os efeitos da apreciação cambial e juros elevados. Entretanto, a
entrada de poupança externa substituiu, ao invés de complementar, a poupança interna,
financiando o consumo de bens importados e incapacitando a indústria nacional de absorver
os benefícios da redução dos custos com as importações de bens de capital (BRESSER-
PEREIRA, 2016, p. 330-333). Além disso, o governo adotou uma política fiscal restritiva,
com elevação da carga tributária e redução do investimento em políticas sociais
(GUIMARÃES, 2001). Consequentemente, no segundo mandato FHC, as taxas médias de
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e crescimento do PIB caíram, respectivamente, para
-0,73% e 1,6%.

80
A balança comercial brasileira registrou saldo de US$ -4,570 milhões em 1995; US$ -6,638 milhões em 1996;
US$ -7,7978 milhões em 1997; US$ -7,733 milhões em 1998; e US$ -2,115 milhões em 1999.
111

Além de prejudicar a competitividade da indústria nacional, a liberalização da conta de


capitais ampliou a vulnerabilidade externa do país aos fluxos de capitais especulativos. É
forçoso notar que, na segunda metade da década de 1990, as crises de fuga de capitais, no
Leste Asiático e no antigo espaço soviético, significaram a deterioração das condições de
liquidez internacional para os países semiperiféricos (CARNEIRO, 2002, p.253).
Nesse contexto, a sustentação da âncora cambial passou a exigir a queima das já
escassas reservas internacionais. Em 1998, diante da incapacidade de reverter a situação, FHC
recorreu novamente ao FMI, que concedeu empréstimo de US$ 41 bilhões sob a condição de
continuidade da abertura da economia brasileira. Entretanto, o auxílio foi insuficiente. Em
janeiro de 1999, Gustavo Franco, presidente do Banco Central (BC) pediu demissão e foi
substituído por Francisco Lopes. No mês seguinte, Lopes foi demitido e substituído por
Armínio Fraga, que, então, operava como diretor-gerente do fundo de investimentos81
estadunidense Soros Fund Management em Nova Iorque. Este optou por elevar a taxa básica
de juros para 45% para conter a fuga de dólares.
Após a reeleição, o governo FHC optou por abandonar definitivamente a âncora
cambial. Com isso, institucionalizou-se o tripé macroeconômico, caracterizado pela
coexistência entre câmbio flutuante, superávit primário e definição de metas de inflação pelo
Banco Central. A reformulação do arranjo econômico implicou a renúncia da política cambial
e o aprisionamento da meta inflacionária como indicador normativo fundamental da política
macroeconômica (BRESSER-PEREIRA, 2016, p.341).
A despeito das privatizações, a política monetária contracionista utilizada para
sustentar a âncora cambial elevou a Dívida Liquida do Setor Público (DLSP)82 de R$ 208
milhões para R$ 516 milhões entre 1995 e 1999. No mesmo período, o crescimento médio83
do PIB foi de apenas 2,3%, e a taxa de desemprego84 aumentou de 6,42% para 10,2%. Em
1999, o setor elétrico brasileiro entrou em crise operacional, obrigando o governo a convocar
uma campanha de racionamento de energia em nível nacional.
Em 2002, a inflação atingiu 12,53%, muito acima do teto de 5,5% estabelecido pelo
Comitê de Política Monetária (Copom). Em junho, apenas 22% dos compromissos externos

81
Disponível em: www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/fraga-arminio. Acesso em: 09 out
2020
82
Disponível em: www.ipeadata.gov.br/exibeserie.aspx?serid=38388. Acesso em: 01 fev. 2019
83
GDP Growth (annual %) - Brazil. Disponível em:
https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=BR. Acesso em: 19 jun 2020
84
UNEMPLOYMENT, total (% of total labor force) (national estimate) Brazil. Disponível em:
https://data.worldbank.org/indicator/SL.UEM.TOTL.NE.ZS?locations=BR. Acesso em: 10 nov 2020.
112

brasileiros haviam sido renovados. No mês seguinte, o dólar atingiu o maior valor desde
1994. Nesse contexto, a política monetária tornou-se ineficaz, pois elevações nas taxas de
juros ampliavam as expectativas de calote. O recrudescimento da crise econômica fez a
avaliação da administração FHC despencar. Entre 1995 e 2002, a avaliação positiva do
governo caiu de 40% para 26%, o percentual de brasileiros que o consideravam ruim/péssimo
elevou-se de 16% para 36%. Além disso, para 29% dos entrevistados, o setor bancário havia
sido o maior beneficiado durante o governo FHC, enquanto que 49% identificavam os
trabalhadores como o setor mais prejudicado 85.
A crise abriu espaço para a candidatura de Lula para a presidência. Em junho de 2002,
o líder do PT divulgou a “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual afirmou que, apesar do desgaste
do modelo econômico do governo anterior, a transição em curso partia da premissa do
“respeito aos contratos e obrigações do país” (SILVA, 2002, n.p.). Em seguida,
complementou que:

O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, nem será
implementado por decreto de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla
negociação nacional, que deve conduzir uma autêntica aliança pelo país, a um novo
contrato social, capaz de assegurar crescimento com estabilidade (SILVA, 2002, n.
p.).

A “Carta ao Povo Brasileiro” foi bem recebida entre a haute finance nacional. No dia
1 de outubro, durante palestra realizada na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos,
Roberto Setúbal, então Presidente do Banco Itaú, maior banco privado brasileiro, afirmou que
“Lula será o próximo Presidente do país” (SETÚBAL, 2002, n.p). Em seguida, salientou as
diferenças pessoais entre o candidato petista e seu concorrente: “Lula é um homem honesto.
Ele não é populista. Lula fala ao coração das pessoas. Serra também é uma boa pessoa e
honesto, mas não fala ao coração” (SETÚBAL, 2002, n.p). Em relação aos programas de
governo, ressaltou que “os programas de Lula e de Serra são muito parecidos. A diferença é
que Lula está sinalizando com maior crescimento econômico para o país” (SETÚBAL, 2002,
n.p.). Por fim, complementou:

A vitória de Lula não é uma revolução, e sim uma transição democrática. Ele terá
de fazer alianças e sabe disso. Eu quis mostrar aos investidores e credores do
Brasil que acredito numa transição democrática razoável, e que o Brasil vai
continuar crescendo. Eu acredito que o governo do PT vai ter bom senso para levar o
Brasil adiante de forma adequada não há razão alguma para esperar coisas malucas
dele. Lula é muito racional. Ele não fará coisas para mudar só por motivos

85
A mesma pesquisa verificou que. Disponível em:
<http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2013/05/02/aval_pres_15122002.pdf>. Acesso em: 10 mai 2019.
113

ideológicos. E, por falar nisso, eu queria dizer que Lula não é impelido por
ideologias: ele é um homem pragmático (SETÚBAL, 2002, n.p.)86

O compromisso entre Lula e a haute finance manifestou-se na indicação de


intelectuais ortodoxos para comandar a equipe econômica do governo e a manutenção do tripé
macroeconômico. No Ministério da Fazenda, foi nomeado Antônio Pallocci, que, embora
quadro do PT, circulava com facilidade entre a burguesia nacional. Para o Banco Central,
Lula apontou Henrique Meirelles, que, desde 1996, exercia o cargo de presidente do Global
Bank do Fleet Boston Financial, sendo o “responsável pelos setores de atacado da instituição
nos Estados Unidos e de todas as operações internacionais do grupo”87.
A despeito das nomeações, o mandato petista iniciou sob forte pressão nas contas
externas, em função do nível baixo de reservas internacionais legado da administração
anterior. Nesse cenário, o BC respondeu com a elevação da taxa de juros para 26,5%, e o
Ministério da Economia aumentou a meta de superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB.
A partir de 2005, no entanto, o cenário internacional alterou-se drasticamente. No âmbito
financeiro, a redução das taxas de juros estadunidenses ampliou as possibilidades de captação
de poupança externa pelos países semiperiféricos. No plano comercial, houve elevação dos
preços internacionais da soja88 e do minério de ferro, devido ao crescimento da demanda
chinesa. Desse modo, a balança comercial registrou saldos positivos de US$ 23.748 milhões,
em 2003; US$ 32.538 milhões, em 2004; US$ 43.425 milhões, em 2005; US$ 45.119
milhões, em 2006; e US$ 38.483 milhões em 2007. Assim, entre 2005 e 2012, o estoque de
reservas internacionais89 aumentou de US$ 53 bilhões para US$ 373 bilhões.
A mudança no cenário internacional habilitou uma inflexão na política econômica no
segundo governo Lula no sentido do desenvolvimentismo. A estratégia social-
desenvolvimentista seria conduzida pelo Ministro da Economia, Guido Mantega, e se baseava
na constituição de um ciclo virtuoso entre três vetores. Primeiro, a redução da desigualdade e
ampliação da demanda efetiva via formação de mercado de consumo de massas. Esse vetor
seria atingido através das políticas de valorização real do salário mínimo e o fortalecimento

86
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0110200215.htm. Acesso em: 7 nov 2019.
87
Nota-se que, paralelamente, Meirelles também “desempenhou as funções de membro do conselho da Bolsa de
Mercadorias e Futuros, em São Paulo (2001-2002) e do Conselho das Américas, em Nova York (2002), além de
ter se tornado, no decorrer de 2001, diretor da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, também em Nova
York”. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/meireles-henrique>.
Acesso em: 03 set 2020.
88
Entre 2003 e 2013, o valor das exportações de farelo de soja aumentou de US$ 26,4 milhões para US$ 70,6
milhões, e a área colhida da soja aumentou de 18 milhões de hectares para 27,9 milhões de hectares (IPEA
DATA, 2020).
89
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 10 jun 2020
114

dos investimentos sociais. Segundo, a sustentação dos níveis de emprego e o aumento de


produtividade através de investimentos em infraestrutura no âmbito do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) sob a liderança do BNDES. Terceiro, a criação de
encadeamentos produtivos através da operacionalização estratégica da exploração dos
recursos naturais do pré-sal, descoberto em 2007 (BIELSCHOWSKY, 2012).
A convergência entre as políticas social-desenvolvimentistas e a melhora no cenário
internacional engendrou resultados extremamente positivos nos planos econômico e social.
Entre 2003 e 2013, as taxas médias de crescimento do PIB e de FBCF foram,
respectivamente, 3,77% e 6,04%. Por sua vez, o salário mínimo aumentou de RS$ 526 para
RS$ 1024; o consumo das famílias, 48%; o investimento em educação, 5% em relação ao
gasto total do governo federal; e o número de brasileiros em situação de pobreza extrema
reduziu de 26 milhões para 10 milhões90.
É forçoso notar que a implementação da estratégia social-desenvolvimentista não
entrou em contradição com os interesses da haute finance. Conforme aponta Freitas (2009, p.
129): “os bancos identificaram na ampliação do crédito às pessoas físicas um enorme
potencial de ganho diante das expectativas otimistas quanto à recuperação do emprego e da
renda". Assim, entre 2003 e 2009, o crédito bancário aumentou de 22% para mais de 40% do
PIB. Especificamente, o crédito proveniente dos bancos públicos aumentou de 8,5% para
12,8%; dos bancos estrangeiros, de 5,2% para 8,0%; e dos bancos privados nacionais, de
8,3% para 16,6% (PAULA; OREIRO; BASILIO, 2014, p.495). Além disso, entre 2003 e
2010, o Banco do Brasil aumentou o número de agências de 3.295, em 2003, para 5.087 em
2010; o Itaú, de 1.708 para 3.739; o Bradesco, de 2.832 para 3.605; e o Santander, de 199 para
2.392 (METZNER; MATIAS, 2015, p.37). Por sua vez, conforme ilustra o Gráfico 8, entre
2005 e 2010, houve robusto aumento dos ativos totais dos seis maiores bancos brasileiros.

Gráfico 8 - Evolução do ativo total dos dez maiores bancos brasileiros (2005-2010)

90
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 10 jun 2020
115

900.000.000
800.000.000
700.000.000
600.000.000
500.000.000
400.000.000
300.000.000
200.000.000
100.000.000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010

Banco do Brasil Caixa Econômica Bradesco


Itau Unibanco Santander

Fonte: Metzner e Matias, 2015, p. 37.

Além do fortalecimento das instituições bancárias privadas e estrangeiras, o


crescimento do poder da haute finance, no Brasil, durante os governos Lula, pode ser
apreendido a partir da análise da evolução dos mercados de capitais. Entre 2003 e 2012, mais
de 115 empresas abriram capital no país, 72% delas no Novo Mercado, segmento da bolsa de
valores brasileira para companhias que se comprometem com padrões mais estritos de
governança corporativa (LAZZARINI, 2018, p. 107). Entre 2003 e 2012, o valor de ações
negociadas na bolsa de valores brasileira aumentou de 12,6% do PIB para 33,7%; e a
participação de investidores estrangeiros no volume de transações no mercado à vista e
derivativos aumentou de 27% para 40%. Em 2008, o Brasil recebeu grau de investimento das
agências de classificação de risco Standard & Poors e Fitch em 2008. Em 2009, conforme
ilustra o Gráfico 9, o índice Ibovespa atingiu a marca histórica de 68.588 pontos.

Gráfico 9 - Evolução do índice IBOVESPA (1994-2019)


116

140.000,00
120.000,00
100.000,00
80.000,00
60.000,00
40.000,00
20.000,00
0,00
1994199619982000200220042006200820102012201420162018

Fonte: O autor, 2021. Com base em IBOVESPA, 202091.

Nota-se também o fortalecimento das relações de reciprocidade entre haute finance e a


coalizão social desenvolvimentista. Conforme identificou Jardim (2011), tal aproximação se
manifestava nos discursos das lideranças da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da
Força Sindical, os quais convergiam no sentido da necessidade de inserção nos circuitos
financeiros como forma de humanização do capitalismo. Nas palavras de um dos informantes
da Força Sindical entrevistados pela autora:

Antigamente, a Bolsa de Valores era vista como um capital selvagem, como uma
atitude maléfica, hoje, nós já percebemos de outro jeito, inclusive o Presidente da
Bolsa é uma pessoa que tem feito conosco ações sociais, a relação da Bolsa de
Valores, Força Sindical, Forçaprevi e de todos os trabalhadores, é muito bem vinda
[sic] (informação verbal apud JARDIM, 2011, p. 329).

Por fim, destaca-se a coordenação entre governo federal e setor financeiro durante os
esforços para mitigação dos efeitos da crise financeira global de 2008 no Brasil.
Especificamente, o colapso financeiro nos países do núcleo orgânico produziu risco de uma
desestabilização do sistema bancário brasileiro, em função da prática generalizada entre a
haute finance nacional de realizar empréstimos acoplados às operações de derivativos
cambiais para empresas não financeiras. Em um contexto de otimismo em relação à
continuidade da apreciação do real, as operações com derivativos potencializavam os
balanços trimestrais das corporações e propulsionavam os bônus distribuídos aos executivos
(FREITAS, 2009, p. 125).
Não obstante, uma vez que as incertezas produzidas pela Crise de 2008 promoveram
uma corrida ao dólar, a tendência de valorização reverteu-se abruptamente. Assim, empresas

91
Disponível em: www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/indices/indices-amplos/indice-ibovespa-
ibovespa-estatisticas-historicas.htm. Acesso em: 13 set 2020.
117

em expansão, como Sadia, Aracruz e Votorantim, revelaram prejuízos bilionários em seus


balanços. Por sua vez, o segundo e o terceiro maiores bancos privados do país – Itaú e
Unibanco - não só "sofriam elevada pressão de caixa em razão das chamadas de margens na
BM&F", como eram ameaçados pelo crescimento das operações do banco espanhol Santander
no país (FREITAS, 2009, p. 133). Para mitigar o problema, o governo federal atuou como
instituição intermediadora das renegociações contratuais entre as corporações endividadas e
concedeu aval ao processo de fusão entre o Itaú e o Unibanco. Portanto, resultado
significativo da Crise de 2008, no Brasil, foi a formação da entidade Itaú-Unibanco, não só a
organização mais poderosa do setor financeiro brasileiro, como uma corporação com
capacidade de atuação global. No trecho destacado abaixo, Pedro Moreira Salles, então CEO
do Unibanco, oferece sua versão acerca das causas da fusão entre os dois bancos privados
brasileiros:

Diferentemente do resto da América Latina, os bancos brasileiros continuaram


liderando o mercado. Mas o evento inesperado de uma aquisição consorciada do
ABN Amro em fins de 2007 começou a mudar esse panorama. Pela primeira vez, a
possibilidade de um competidor em escala global e também local se tornou
completa. Foi com esse pano de fundo que, ainda em 2007, Roberto Setúbal e eu
iniciamos nossas conversas. O que nos uniu foi o sonho de criar a primeira
plataforma brasileira com dimensão adequada para olhar além das nossas fronteiras.
A soma de Itaú e Unibanco nos daria exatamente isso. Da sua fusão, nasceria um
potencial global player (ITAÚ-UNIBANCO, 2008, p. 3).

No que tange a economia real, o governo federal atuou anticiclicamente através da


“redução dos depósitos compulsórios bancários, corte da taxa básica de juros, expansão do
crédito direcionado do BNDES, aumento do investimento público, sobretudo no setor de
habitação” (BARBOSA; SOUZA, 2010). Com isso, apesar da retração de -0,12%, em 2009;
em 2010, o PIB brasileiro cresceu 7,5%, e a taxa de desemprego caiu de 8,1% para 6,7%. A
sustentabilidade econômica habilitou a eleição de Dilma Rousseff e a renovação da aliança
entre o PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) no Congresso. Nesse
contexto, o governo contava com o apoio declarado de múltiplos setores da sociedade civil,
conforme indica carta assinada pelos presidentes da Federação das Indústrias de São Paulo,
Central Única dos Trabalhadores e Força Sindical, publicada no jornal Folha de São Paulo, no
dia cinco de maio de 2011:

A acertada decisão de estimular o mercado interno criou um novo dinamismo


econômico. Isso se deu, entre outros fatores, pela valorização do salário mínimo,
pela universalização de programas como Bolsa Família e Pronaf (agricultura
familiar) nas áreas mais pobres e pela ampliação da disponibilidade de crédito.
Entretanto, alguns indicadores recentes apontam para o precoce encolhimento da
participação da indústria de transformação no nosso PIB: de 27% em meados dos
118

anos 80 para 16% atualmente. O Brasil, com sua legítima aspiração de assumir um
papel de liderança global, não pode abrir mão de uma indústria forte. A
possibilidade de estabelecimento de um diálogo contínuo entre a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Central Única dos Trabalhadores
(CUT), a Força Sindical, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo é algo inovador e reflete o compromisso de construir um
Brasil forte e industrializado. Este é o momento para que os diferentes atores desse
processo -trabalhadores, empresários e o governo- formem um grande consenso
acerca da política industrial nos rumos da economia (SKAF; HENRIQUE; SILVA,
2011).92

A superação dos efeitos de curto prazo da Crise de 2008, os resultados eleitorais e o


apoio das associais patronais e sindicais sugeriam uma alteração na correlação de forças entre
as coalizões desenvolvimentista e neoliberal em favor da primeira. Com base nesse
diagnóstico, Dilma Rousseff substituiu o financista Henrique Meirelles pelo burocrata
Alexandre Tombini na presidência do Banco Central e iniciou uma política de confrontação
com os interesses da haute finance no Brasil.
Entre 2011 e 2013, a taxa básica de juros foi reduzida de 12,5% para 7,25%; o
Programa de Sustentação do Investimento foi potencializado pela expansão das linhas de
crédito subsidiado pelo BNDES; concederam-se R$ 103,5 bilhões em desonerações tributárias
para 15 setores no âmbito do plano Brasil Maior; bem como editou-se a Medida Provisória
579, a qual barateava o custo das tarifas de energia elétrica e implicava na redução do valor de
mercado das ações da Eletrobrás (ORAIR, 2014, p.5; SINGER, 2015, p.33).
No âmbito financeiro, ampliaram-se as medidas de controle de fluxos de capitais,
como a elevação das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre
investimentos estrangeiros de portfólio e operações com derivativos, bem como o aumento do
compulsório bancário sobre posições no mercado de câmbio à vista. A iniciativa
desenvolvimentista do governo Dilma rompeu com a coexistência pacífica entre o PT e a
haute finance nacional, pois ameaçou o modelo de financeirização baseado em ganhos em
títulos da dívida pública remunerados a taxa Selic. Isso, porque, caso desejassem manter suas
rentabilidades, detentores da dívida pública brasileira precisariam realocar seus investimentos
para o mercado de capitais, os quais embutiam maior risco (SINGER, 2015, p.45). O embate
entre haute finance e o governo petista tornou-se público no dia 30 de abril de 2012, quando a
presidenta Dilma Rousseff realizou o seguinte pronunciamento em rede nacional:

A economia brasileira só será plenamente competitiva quando nossas taxas de juros


- seja para o produtor seja para o consumidor - se igualarem as taxas praticadas no
mercado internacional [...]. Os bancos não podem continuar cobrando os mesmos
juros para empresas e para os consumidores enquanto a taxa básica SELIC caí, a

92
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2605201107.htm>. Acesso em: 24 jun 2019.
119

economia se manteve estável e a maioria esmagadora dos brasileiros honra os seus


compromissos. O setor financeiro, portanto, não tem como explicar essa lógica
perversa aos brasileiros: Selic baixa, inflação estável, mas os juros do cheque
especial, das prestações ou do cartão de crédito não diminuem (ROUSSEFF, 2012,
n.p)93 .

Nesse momento, as limitações do projeto social-desenvolvimentista começaram a se


manifestar. Primeiro, a transformação na estrutura produtiva em direção à incorporação do
progresso técnico não havia ocorrido. Do ponto de vista macroeconômico, a apreciação
cambial e juros altos prejudicaram a competitividade das exportações brasileiras de
manufaturados, induzido o vazamento da demanda interna para o exterior, bem como
alavancado as despesas com juros do governo federal em detrimento de investimentos
públicos (BRESSER-PEREIRA, 2016, p.245). Logo, enquanto a venda de farelo de soja e
minério de ferro haviam garantido os superávits da balança comercial, a participação de
tecnologias da informação na pauta exportadora havia reduzido de 4%, em 2000, para 0,39%
em 2014.
Segundo, o progresso técnico que havia ocorrido através de intenso comprometimento
de recursos do BNDES ocorrera em setores pouco alinhados com as tecnologias emergentes
da segunda onda de inovações da Era Digital. Terceiro, o processo de desnacionalização do
parque industrial nacional, que foi iniciado com as privatizações nos governos Collor e FHC,
continuou durante os governos Lula e Dilma tanto indiretamente, através da abertura de
capital das empresas nacionais, quanto diretamente, através da aquisição de firmas brasileiras
por grupos estrangeiros.
Desse modo, no final de 2013, a mudança no sentido da trajetória de crescimento
econômico e arrecadação tributária impôs à equipe econômica do governo Dilma Rousseff
duas opções. Por um lado, poder-se-ia implementar ajuste fiscal, de modo a sinalizar, para os
agentes do mercado financeiro, o retorno ao velho normal, isto é, demonstrar que o
compromisso primordial do Estado-nação brasileiro era com as metas de superávit primário e
inflação, não com a manutenção dos níveis de crescimento e emprego. Entretanto, tal
alternativa implicava o provável aprofundamento da recessão em um ano eleitoral, na medida
em que resultaria em uma contração ainda maior da demanda efetiva.
Por outro lado, poder-se-ia ampliar os gastos, ou seja, operar contra a tendência do
mercado para sustentar o nível de emprego e impulsionar a recuperação das taxas de
investimento. Não obstante, arriscava-se tensionar, ainda mais, o conflito com a haute
93
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/1083760-leia-integra-do-discurso-de-dilma-pelo-dia-do-
trabalho.shtml. Acesso em: 18 fev 2019
120

finance, a qual, conforme analisaremos no próximo capítulo, havia potencializado suas


capacidades de influência política ao longo da década anterior. O governo optou por uma das
possíveis versões da segunda opção: em 2014, concedeu R$ 41,8 bilhões em desonerações
tributárias para estimular o animal spirit do empresariado industrial brasileiro (MORAIS;
SAAD-FILHO, 2018, p.106).

3.3 Neoliberalismo autoritário e precarização social (2014 – 2019)

Os primeiros sinais contundentes da gravidade da recessão e da instabilidade política


que resultou na deterioração dos fundamentos de legitimidade da 3º República surgiram em
2014. No âmbito econômico, a taxa de crescimento do PIB despencou para 0,5%; a FBCF
caiu para -4,22%; a balança comercial registrou déficit de U$ 6,6 bilhões; e o resultado
primário do governo federal, déficit de R$ 23,4 bilhões, o primeiro negativo desde 199794.
No âmbito político, a operação Lava Jato foi deflagrada. A iniciativa, coordenada pelo
Ministério Público de Curitiba e o juiz de primeira instância, Sérgio Moro, investigava
suposto sistema de propina envolvendo contratos da Petrobras95 com as empreiteiras Andrade
Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, UTC e Engevix durante os governos
petistas. De 2014 a 2018, a operação resultou na prisão dos principais executivos das
empresas e dezenas de atores do campo político. Entre eles, o ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), os ex-ministros da Fazenda, Antonio Palocci e Guido
Mantega, bem como o ex-presidente Lula (MORAIS; SAAD-FILHO, 2018, p.106.
A Operação Lava Jato exerceu dupla função no processo de constituição do
neoliberalismo autoritário. Do ponto de vista econômico, impediu qualquer tipo de efetividade
nas políticas anticíclicas realizadas pelo governo federal. Conforme ilustra a Tabela 6 abaixo,
o período pós-abertura da operação foi marcado pela redução substancial do número de
funcionários das maiores empreiteiras do país, afetadas não só pela prisão de seus
controladores, mas pela queda da capacidade de investimento da Petrobras. Do ponto de vista

94
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 14 jul 2019
95
Com base nos documentos revelados pela operação, a empresa estadunidense de advocacia Wolf Popper LLP
abriu ação coletiva em Nova Iorque contra a estatal brasileira. Em janeiro de 2018, a Petrobras foi obrigada a
desembolsar US$ 2,5 bilhões para encerrar o processo. Disponível em: <https://petrobras.com.br/fatos-e-
dados/assinamos-acordo-para-encerrar-class-action-nos-eua.htm>. Acesso em: 23 jan 2019.
121

político, provocou a deterioração da legitimidade do sistema partidário perante a opinião


pública e a politização do poder judiciário. Em outras palavras, a Operação Lava Jato
desestabilizou a ordem política, ao mesmo tempo que sacramentou o agravamento da crise
econômica.

Tabela 6 - Evolução anual do volume de funcionários das empresas Andrade Gutierrez,


Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, UTC e Engevix (2010-2016)
Variação
Empresa 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
2013/2016
Andrade
40.317 222.793 207.289 251.996 192.304 134.216 107.000 -57%
Gutierrez
Odebrecht 118.817 158.036 175.031 181.556 168.120 128.486 85.000 -53%
Queiroz
37.328 39.883 - 41.795 47.191 34.106 - -18%
Galvão
Camargo -57,7
61.668 58.441 57.680 65.000 52.000 27.500 -
Corrêa %
UTC 7.034 13.276 20.997 27.360 22.140 14.471 8.340 -69,5%
Engevix - - - 3.500 1.324 693 469 -86,6%
Fonte: O autor, 2021. Com base em Mota e Niero, 2017.

Logo, as eleições presidenciais de 2014 ocorreram em um ambiente de intensa


polarização social. Nesse momento, é importante notar que, entre 2003 e 2014, o percentual
de usuários de Internet em relação ao total da população brasileira aumentou de 13,2% para
54,5%. De 2008 a 2014, a taxa de linhas de celular com Internet banda larga aumentou de
1,81, por 100 habitantes, para 77,87 por 100 habitantes. Em 2014, o celular era o principal
meio de acesso à Internet em 80% dos domicílios brasileiros com acesso à rede96.
Com isso, as manifestações públicas de massa convocadas pelas redes sociais, que
emergiram em 2013 contra o aumento das tarifas da passagem de ônibus, haviam se tornado o
modus operandi de novos atores da coalizão neoliberal. Grupos como o Movimento Brasil
Livre e Vem pra Rua, que difundiam habilmente, através das plataformas digitais, narrativas
que articulavam ofensas pessoais à Dilma Rousseff, frases contra a corrupção e argumentos
sobre a ineficiência estatal (GUARNIERI; SANTOS, 2016, p.486).
Apesar disso, o represamento dos preços administrados e as políticas anticíclicas
lograram a manutenção da taxa de desocupação em 4,3% e a inflação no centro da meta do
Copom em 2014 (BRESSER-PEREIRA, 2016, p.353). No âmbito partidário, a aliança entre
PT e PMDB se manteve. Além disso, conforme ilustra o Gráfico 10, a despeito das tensões, as
contribuições para a campanha eleitoral petista, por parte de instituições financeiras, também

96
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/11/brasil-tem-98-milhoes-de-novos-internautas-
entre-2013-e-2014-diz-ibge.html . Acesso em: 15 jul 2019
122

se mantiveram, demonstrando a força da haute finance sobre o sistema partidário brasileiro.


No segundo turno, Dilma Rousseff foi reeleita com 51% dos votos válidos.

Gráfico 10 - Doações para campanhas eleitorais de Bradesco, BTG Pactual, Itaú-Unibanco,


Banco Safra e Banco BMG (2014)

R$40.000.000,00

R$35.000.000,00

R$30.000.000,00

R$25.000.000,00

R$20.000.000,00

R$15.000.000,00

R$10.000.000,00

R$5.000.000,00

R$-
PMDB PSDB PSB PT

Fonte: O autor, 2021. Com base em Transparência Brasil (2014)97

O segundo governo Dilma iniciou com a substituição de Guido Mantega por Joaquim
Levy no comando do Ministério da Fazenda. Formado em Engenharia Naval pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutor em Economia pela Universidade de
Chicago, Levy é nome de prestígio98 entre a haute finance. Em 2015, sua missão foi conduzir
um ajuste fiscal equivalente a R$ 134 bilhões (2,3% do PIB) para recuperar a confiança da
haute finance. Logo na primeira entrevista99, anunciou a elevação da meta de superávit
primário e apresentou medidas como elevação da carga tributária, congelamento de gastos
discricionários, redução de 35% com emendas parlamentares e corte de 40% na verba do
programa Minha Casa Minha Vida (DWECK; ARANTES; ROSSI, 2018, p.14).
97
Disponível em: www.asclaras.org.br/arvores/cinco_bancos.html. Acesso em: fev 20 2018
98
Durante o governo FHC, atuou como secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda e
economista-chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. No primeiro governo Lula, operou como
Secretário do Tesouro Nacional. Entre 2006 e 2009, trabalhou como Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro
pela administração de Sérgio Cabral. Desde 2010, trabalhava como Diretor Superintende do Bradesco.
Disponível em: <https://www.sunoresearch.com.br/tudo-sobre/joaquim-levy/>. Acesso em: 13 ago. 2018.
99
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/22/politica/1432322890_723960.html>. Acesso em:
14 ago. 2019..
123

Gráfico 11 - Resultado primário do governo federal (1997-2019)

Fonte: O autor 2021. Com base em IPEADATA (2020)100

Conforme ilustra o Gráfico 11, o ajuste foi um fracasso em termos econômicos e


políticos. Em 2015, a variação do PIB registrou -3,5%; a FBCF, -13,9%; o resultado primário,
déficit de R$ 120 bilhões; a inflação subiu de 6,41% para 10,67%; e a taxa de desemprego
saltou de 4,3% para 7,5% Por sua vez, o abandono do desenvolvimentismo alienou a própria
base do governo. Enquanto o empresariado avisava que, caso a presidenta retrocedesse na
agenda da austeridade e recuasse no ajuste fiscal, eles perderiam a paciência com o Palácio do
Planalto101, Lula alertava para os riscos de absorver o discurso da direita e afirmava que “não
tem um país no mundo que tenha feito ajuste e que tenha melhorado a economia” 102. Em
resumo: “a ira dos derrotados diante da apropriação indébita de seu programa de governo
somou-se à convicção dos apoiadores da eleita de que sofreram desorientador estelionato
eleitoral” (SANTOS, 2017, p. 160).
A expectativa de reconciliação com a haute finance mostrou-se ingênua. De fato,
agentes do mercado financeiro iniciaram intensa campanha de deslegitimação do governo
Rousseff. Por exemplo, no dia 19 janeiro de 2015, a casa de análises Empiricus lançou o
documentário denominado “O Fim do Brasil”, em seu canal no YouTube, o qual profetizava
“inflação alta, perda da metade do poder de compra do salário ao longo do mês, congelamento

100
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 14 jul 2020
101
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1681019-dilma-tem-pouco-tempo-para-
reagir-afirmam-empresarios.shtml>. Acesso em: 28 out 2020.
102
Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2015/10/lula-defende-dilma-mas-critica-ajuste-
fiscal-e-pede-ousadia-5657/>. Acesso em: 29 nov 2020.
124

de preços, problemas de desabastecimento, falta de produtos nas prateleiras, impossibilidade


de planejamento por consumidores e empresários” (informação verbal)103. Por sua vez,
durante discurso de abertura em palestra ministrada pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, Pedro Moreira Salles, copresidente do Itaú-Unibanco, argumentou que os governos
petistas haviam relaxado com as contas públicas e negligenciado a continuidade das reformas
de Estado. Segundo a interpretação do executivo do banco que quase quebrou, em função das
práticas especulativas com derivativos tóxicos, durante a crise de 2008, em 2002:

[...] quando termina os dois períodos de governo (FHC), nós tínhamos uma situação
fiscal equacionada e obviamente o país podia seguir naquela rota. Infelizmente, na
hora que os momentos são muito positivos e os anos seguintes pegaram a economia
mundial muito favorável, as pessoas relaxam, em vez de continuar cuidando da
reforma do Estado, criaram-se mais direcionamentos que em cima já do que tinha
sido imposto da Constituição de 1988 foi aumentando o tamanho do estado. O Brasil
acredita que se pode legislar o bem-estar, ao contrário de tentar legislar as condições
para criar as condições de bem-estar. Aí o Estado voltou a crescer, porque tem uma
questão estrutural que leva o Estado a crescer que, se você não trata disso, acaba no
problema de financiamento. É onde nós estamos hoje (informação verbal).104

A capilaridade da coalizão neoliberal rapidamente expandiu-se com o apoio


conglomerados de comunicação, empresariado industrial e haute finance internacional. No dia
3 de setembro de 2015, a FIESP iniciou a campanha “Não Vou Pagar o Pato”, contra o
aumento da carga tributária, e passou a ostentar semanalmente um gigante pato emborrachado
na calçada de sua sede na Av. Paulista em São Paulo105. No dia 18 de dezembro de 2015, o
jornal O Globo publicou editorial intitulado “Dilma decreta agravamento da crise
econômica”, no qual argumentava que a presidenta “era um caso indicado para divã
psicanalítico de tratamento de transes causados por conflitos entre fé e realidade” 106. No dia 2
de julho do ano seguinte, Jack Deino, funcionário responsável pela área de dívida corporativa
de países emergentes da BlackRock, opinou que "um dos principais riscos para o investimento
em títulos de dívida de empresas no Brasil, além da deterioração macroeconômica e do
aumento do desemprego, é a Lava Jato, assim como as demais investigações sobre evasão
fiscal e corrupção”107.
No sistema político, a aliança entre PT e PMDB no Congresso desmoronou em 2015.
Eduardo Cunha, deputado da extrema direita do PMDB, derrotou de forma contundente o
103
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-PThz19xTA0> Acesso em: 23 jan 2020
104
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yV_cYTbwvEg>. Acesso em: 23 jan 2020.
105
Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/07/21/internas_economia,885596/fiesp-
volta-expor-o-pato-amarelo-em-protesto-contra-o-aumento-de-impos.shtml>. Acesso em: : 23 jan 2020.
106
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/opiniao/dilma-decreta-agravamento-da-crise-economica-
18322950>. Acesso em: : 23 jan 2020.
107
Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/noticia/2016/06/02/investigacoes-limitam-apetite-por-
bonus-diz-blackrock.ghtml>. Acesso em: : 23 jan 2020
125

candidato apoiado pelo governo federal na eleição para presidência da Câmara dos
Deputados. Nos meses seguintes, o embate entre os poderes Executivo e Legislativo produziu
uma crise de paralisia decisória na administração federal. Pressionado pela expectativa de
cassação de mandato pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, Cunha ameaçava
publicamente abrir processo de impeachment caso o PT não orientasse seus deputados a
defendê-lo. Com a recusa, o deputado aceitou a acusação protocolada pela hoje deputada
federal Janaína Paschoal e o jurista Miguel Reale Júnior, a qual acusava Rousseff de realizar
pedaladas fiscais e medidas de contabilidade criativa para mascarar a gravidade da crise e
garantir a reeleição (GUARNIERI; SANTOS, 2016, p.491).
Com o acirramento das manifestações, crise econômica e avanço da operação Lava
Jato, a base de apoio do governo foi reduzida a menos de 1/3 dos deputados federais. Durante
a votação que definiu o afastamento de Rousseff na Câmara, evidenciou-se também a força
ascendente da extrema direita, manifestada nas justificativas de voto apresentadas pelos
Parlamentares. Concomitantemente ao golpe parlamentar, o vice-presidente Michel Temer
anunciou a agenda do futuro governo (SANTOS, 2017). Esta indicava não só a intensificação
da política de austeridade iniciada por Joaquim Levy, mas também a promoção de um
conjunto de reformas estruturais no arranjo institucional do Estado-nação brasileiro.
Denominado “Ponte para o Futuro”, o documento justificava o recrudescimento da agenda
neoliberal com base no argumento de que a recuperação da confiança dos investidores
internacionais era condição necessária para retomada do crescimento econômico no Brasil:

Vamos precisar aprovar leis e emendas constitucionais que, preservando as


conquistas autenticamente civilizatórias expressas em nossa ordem legal, aproveite
os mais de 25 anos de experiência decorridos após a promulgação da Carta Magna,
para corrigir suas disfuncionalidades e reordenar com mais justiça e racionalidade os
termos dos conflitos distributivos arbitrados pelos processos legislativos e as ações
dos governos. Essas reformas legislativas são o primeiro passo da jornada e
precisam ser feitas rapidamente, para que todos os efeitos virtuosos da nossa
trajetória fiscal prevista produzam plenamente seus efeitos já no presente. Será uma
grande virada institucional e a garantia da sustentabilidade fiscal, que afetarão
positivamente as expectativas dos agentes econômicos, a inflação futura, o nível da
taxa de juros e todas as demais variáveis relevantes para a estabilidade financeira e o
crescimento econômico (PMDB, 2015, p. 16).

Com a posse de Temer, a haute finance nacional retomou o controle do Estado-nação


brasileiro. O ex-presidente do BC durante o governo Lula, Henrique Meirelles, assumiu o
cargo de Ministro da Fazenda. Por sua vez, o BC foi ocupado por Ilan Goldfajn, então
economista-chefe do Itaú-Unibanco. Para a presidência da Petrobras, Temer nomeou Pedro
Parente, ex-ministro de Minas e Energia do governo FHC, sócio-diretor do grupo de
assessoria financeira Prada e presidente do conselho de administração da Bolsa de
126

Mercadorias e Futuros (BMF) BOVESPA. Conforme ilustra o Quadro 3, a agenda de


reformas do novo governo contou com apoio ativo do empresariado industrial, financeiro e
agronegócio. Com isso, obteve sucesso no Congresso. No dia 13 dezembro de 2016, o Senado
aprovou a Emenda Constitucional nº 95, que fixou um teto para elevação dos gastos primários
no mesmo patamar do orçamento de 2016 por 20 anos, ou seja, “um ajuste fiscal
permanente” (DWECK; ROSSI; ARANTES, 2018, p. 51, grifo nosso)108. No dia 11 de julho
de 2017, foi aprovada a Lei nº 13.467, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho. A
reforma trabalhista proposta pelo governo Temer instituiu o fim da contribuição sindical
obrigatória; priorizou a barganha trabalhador-empresário em detrimento de acordos coletivos;
retirou da jornada de trabalho as atividades realizadas no interior da empresa; regulamentou o
trabalho intermitente; e impôs custos pecuniários proibitivos para trabalhadores acessarem a
Justiça do Trabalho109.

Quadro 3 - Manifestações de apoio à agenda neoliberal do governo Temer: empresariado


financeiro, industrial e agroexportador (continua)
Forma e Espaço
Setor Agente Trecho
de Divulgação
Análise
A equipe econômica do Itaú BBA argumentou
Econômica
que “se as reformas fiscais forem aprovadas, com
divulgada nas
Equipe econômica do a eliminação das atuais incertezas e com ganhos
plataformas
Financeiro Itaú BBA de confiança e novas quedas na taxa de juros é
digitais do grupo
(10/10/2016) que o consumo das famílias e o mercado de
Itaú-Unibanco e
trabalho voltarão a melhorar e ajudarão a
empresas
arrecadação tributária”. 110
associadas.
Na avaliação do presidente da FIESP, a
destituição de Dilma Rousseff significou que a
Artigo de opinião democracia brasileira “deu sinais claros de
difundido entre vitalidade, as instituições funcionaram em sua
Presidente da
os 131 sindicatos plenitude e a sociedade brasileira mostrou grande
Federação das
vinculados ao amadurecimento nesses tempos difíceis que
Indústria Indústrias de São
sistema FIESP e atravessamos”. Em seguida, o líder sindical
Paulo - FIESP
publicado no afirmou que: “estamos dispostos a restaurar as
(12/12/2016)
periódico Folha contas públicas arrebentadas por sucessivos
de São Paulo. descalabros dos governos anteriores”. Ao final,
concluiu que “a essa altura do campeonato, a
aprovação da PEC do Teto, como é conhecida, é

108
No caso de descumprimento, o Executivo Federal fica proibido de reajustar remuneração de servidores, criar
ou modificar cargos que aumentem despesas, realizar contratações ou concursos públicos e conceder benefícios
tributários.
109
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-07/reforma-trabalhista-veja-
principais-mudancas-enviadas-sancao-presidencial>. Acesso em: 14 jun 2020
110
Disponível em: <https://www.itau.com.br/itaubba-pt/analises-economicas/publicacoes/macro-
visao/perguntas-mais-frequentes-teto-de-gastos-pec-241>. Acesso em: 14 jun 2020.
127

absolutamente necessária e não temos


escolha”.111

Artigo de opinião Na avaliação do presidente da CNI, para


difundido entre economia brasileira voltar a crescer, em 2017, era
Presidente da os mais de 1250 “indispensável adotar reformas estruturais que
Confederação sindicatos gerem estabilidade fiscal, como a da reforma da
Indústria Nacional das vinculados à CNI Previdência”. Em seguida, o líder sindical
Indústrias – CNI e publicado no afirmou que era “imperativo modernizar a
(13/03/2017) periódico O legislação que rege as relações de trabalho, com
Estado de São destaque para a valorização das negociações
Paulo. coletivas e a regulamentação da terceirização”.112
Diálogo realizado
durante visita de
Estado realizada
por Mariano
Rajoy, primeiro-
ministro da
Espanha, ao
presidente do
De acordo com reportagem publicada no
Presidente da Brasil, Michel
periódico EL PAIS, o empresário estrangeiro
instituição bancária Temer, em
cobrou maior empenho do presidente do Brasil no
Financeiro espanhola Santander companhia dos
apoio à agenda de reformas estruturais e
no Brasil executivos das
adicionou que "a próxima grande reforma tem de
(25/04/2017) companhias
ser a do sistema financeiro”.113
espanholas
Telefónica,
Repsol e do
presidente do
Banco Santander
no Brasil, Sergio
Rial.

Durante o seminário Brazil Forum UK, em


Londres, Roberto Setúbal afirmou que: “cumprir
no detalhe o que a legislação (CLT) coloca é
impossível. É tão impossível que a União, as
multinacionais, as grandes empresas brasileiras
Copresidente do
Seminário Brazil não conseguem cumprir. A legislação é muito
Conselho de
Financeiro Forum UK em detalhista, muito burocrática, intervencionista ao
Administração do
Londres. extremo". Acerca da EC95 e da reforma da
banco Itaú-Unibanco
previdência, argumentou que "pela primeira vez,
uma perspectiva fiscal que vai permitir o
planejamento das empresas. O cenário fica muito
mais previsível para frente e isso é essencial para
retomada do crescimento sustentável" (VALOR,

111
Disponível em: <http://www.ciesp.com.br/jundiai/noticias/opiniao-pec-241-a-responsabilidade-de-todos/>.
Acesso em: 14 jun 2020.
112
Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/artigos/robson-braga-de-andrade/a-prioridade-e-o-
emprego/>. Acesso em: 14 jul 2020.
113
Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/25/actualidad/1493082345_091571.html>. Acesso
em: 10 mai 2020
128

2017).

Relato do
seminário
promovido pela Durante o seminário, o líder sindical argumentou
Presidente da Associação que “felizmente, o governo do presidente Temer
Federação Brasileira Brasileira da corrigiu alguns problemas estruturais” e que
Financeiro dos Bancos – Infraestrutura e era “importante que as reformas trabalhista e
FEBRABAN Indústrias de previdenciária, qualquer que seja a decisão
(23/05/2017) Base (ABDIB) jurídica ou política a respeito do que vivemos,
divulgado no não sejam interrompidas pelo Congresso”114.
periódico Valor
Econômico.
Relato da
entrevista
Vice-presidente
proferida em
Confederação da
cerimônia
Agricultura e
realizada no O líder sindical afirmou que a reforma trabalhista
Pecuária do Brasil –
Agroexpor- Palácio do iria "modernizar as relações entre capital e
CNA e presidente da
tador Planalto, Brasília, trabalho, sem prejuízo ou perda de direitos dos
Federação da
um dia após a trabalhadores"115.
Agricultura e
sanção da Lei nº
Pecuária da Paraíba -
13.467 pelo
Feapa (17/06/2017)
presidente Michel
Temer.
Fonte: O autor, 2021.

Além das reformas institucionais, o governo Temer promoveu políticas no sentido da


desnacionalização do pré-sal e a desativação operacional do BNDES como instrumento de
promoção da indústria. No que tange ao pré-sal, sancionou-se o Projeto de Lei (PL) 3.178/19,
de autoria do senador José Serra (PSDB), que permitiu a concessão de poços de petróleo sem
a participação da Petrobras no dia 29 de setembro de 2016. Em outubro do ano seguinte, as
novas regras permitiram que a Shell adquirisse 80% da operação no Bloco Sul de Gato do
Mato junto com a francesa Total, com 20%; e 50% de participação no campo Alto Cabo Frio
Oeste com a chinesa CNOOC (20%) e 25% da QPI, do Catar. A Norueguesa Statoil, por sua
vez, obteve 40% da operação no campo Norte de Carcará em participação com a portuguesa
Petrogal (20%) e a estadunidense ExxonMobil (40%).

114
Disponível em: <https://www.abdib.org.br/2017/05/24/nada-muda-na-agenda-de-reformas-e-na-politica-
economica-afirmam-ministros/>. Acesso em: 16 ago 2020
115
Disponível em: <http://revistasafra.com.br/mudanca-na-legislacao-trabalhista-e-benefica-diz-diretor-da-cna/>.
Acesso em: 14 jun 2020.
129

Gráfico 12 – Desembolsos do sistema BNDES: total indústria, comércio e serviços,


infraestrutura e agropecuária (2006-2019, R$ milhões)116

140

120

100

80

60

40

20

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Agropecuária Indústria Infraestrutura


Comércio e Serviços Total

Fonte: O autor, 2021. Com base em: BNDES, 2020.

Em 2018, a aprovação da reforma da previdência pelo governo Temer foi interrompida


em razão da emergência de escândalos de corrupção envolvendo o presidente e a aproximação
do ciclo eleitoral. A eleição de 2018 foi marcada pelo impedimento da candidatura de Lula –
que liderava as pesquisas –, em função das repercussões jurídicas da operação Lava Jato, bem
como pela emulação da estratégia de disseminação de notícias falsas e narrativas
conspiratórias pelas plataformas digitais, utilizada por Donald Trump nos EUA, pelo

116
Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-
bndes/consulta-op-dir-ind-nao-aut. Acesso em: 19 dez 2020
130

candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (NICOLAU, 2020). A despeito da retórica


nacionalista, Jair Bolsonaro continuou o alinhamento de seus antecessores com a haute
finance, ao nomear o financista Paulo Guedes, ex-presidente da Bozano Investimentos, para o
Ministério da Economia e Roberto Campos Neto, ex-funcionário do alto escalão do Banco
Santander, para a presidência do BC.

Em fevereiro de 2019, continuando a agenda de reformas iniciadas durante governo


Temer, o governo Bolsonaro enviou, ao Congresso Nacional, a PEC 6/2019 com a proposta
de reforma da previdência. Esta foi aprovada em segundo turno, no Senado, com 60 votos a
favor e 19 contra. Concomitantemente, o BC iniciou política de redução da taxa básica de
juros, que atingiu 4,5% em dezembro, o valor mais baixo da série histórica (CONTE, et al,
2020).
Com isso, consolidou-se a emergência de um novo arranjo institucional de sustentação
da rentabilidade dos agentes do mercado financeiro no Brasil: a lucratividade dos bancos
privados foi mantida pela retração da participação dos bancos públicos no mercado de crédito,
e a diminuição na rentabilidade dos títulos de renda foi compensada pela valorização dos
mercados de capitais, impulsionada pelas expectativas de novas rodadas de privatização. Em
2019, os três maiores bancos privados do Brasil – Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander –
obtiveram lucro combinado de R$ 68,8 bilhões, uma alta de 15,3%117 em relação ao ano
anterior, enquanto que o Ibovespa registrou rentabilidade anual de 31,58% (segunda maior da
década, atrás apenas de desde 2016)118 e atingiu o recorde de 115.863 pontos em dezembro.
Na economia real, os resultados da contra ofensiva neoliberal foram extremamente
negativos. Entre 2016 e 2019, a contração real do gasto primário do governo federal foi de
3,3% ao ano; as despesas discricionárias com educação, transporte, ciência e tecnologia e
assistência social apresentaram queda anual de 11,9%, 13,7%, 14,9% e 9,2%,
respectivamente; a política de valorização do salário mínimo foi abandonada; a dívida líquida
do setor público passou de 46,1% para 55,7%; a variação média do PIB foi de 0,5%; a taxa de
FBCF registrou -2,1%; a taxa de desocupação média manteve-se em 12,1%; e o índice Gini
aumentou119 de 0,51 para 0,538. Em resumo, a economia permaneceu estagnada, o
desemprego continuou elevado e a desigualdade social voltou a crescer.

117
Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/02/12/lucro-de-grandes-bancos-privados-
cresce-para-r-688-bilhoes-em-2019.ghtml>. Acesso: 21 out 2020.
118
Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/noticia/2019/12/30/ibovespa-encerra-2019-com-
rentabilidade-de-3158percent.ghtml>. Acesso: 21 out 2020..
119
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 14 jul 2019
131
132

4 HEGEMONIA FINANCEIRA NA ERA DIGITAL: O CASO DO GRUPO XP NO


BRASIL

Este capítulo apresenta o estudo de caso sobre a trajetória, organização e modelos de


ação política do Grupo Financeiro Transnacional XP (GFT-XP) no Brasil entre 2001 e 2018.
Por grupo GFT-XP, refere-se ao objeto analítico constituído pelas relações sociais formais e
informais entre as empresas e indivíduos120 cujos interesses econômicos se vinculam à
empresa XP Investimentos. O estudo de caso é exposto em três etapas. Primeiro, apresenta-se
o processo histórico de ascensão da empresa XP Investimentos da periferia ao núcleo da haute
finance brasileira. Segundo, descreve-se a ecologia organizacional do GFT-XP: perfil das
elites controladoras, a divisão de trabalho entre unidades constituintes e os elementos
semióticos e extra-semióticos que conectam os interesses particulares da haute finance com as
operações coditianas dos AAI. Terceiro, descrevem-se três modos de ação política
empregados por agentes vinculados ao GFT-XP durante o período de neoliberalismo
autoritário.

4.1 Trajetória: da periferia ao núcleo da haute finance brasileira

A trajetória de constituição do GFT-XP demonstra como agentes podem “explorar


seletividades estruturais, discursivas e tecnológicas em conjunturas particulares” para
ascender ao campo da haute finance e recontextualizar projetos hegemônicos através de

120
Especificamente, analisa-se três categorias de agentes políticos inseridos no GFT-XP. 1) haute finance:
agentes com capacidade de influenciar nos processos decisórios do GFT-XP. Nomeadamente: i) sócios
controladores das instituições financeiras que possuem direito a assento no conselho administrativo da holding
XP Inc - XP Controle, General Atlântic (GA), Fundo Dynamo e Itaú-Unibanco. 2) Tecnocracia: atores que
operam nas organizações diretamente subordinadas ao núcleo decisório do GFT-XP. Especificamente,
funcionários e/ou sócios minoritários das empresas: InfoMoney, XP Educação, XP Corretora de Seguros, XP
Gestão de Recursos, XP Investments, XP Private e RICO Corretora e Clear Corretora. Incluem-se neste grupo os
intelectuais que formulam e manifestam as opiniões em nome da XP Investimentos acerca de política, economia
e modos de vida na sociedade civil. 3) Agentes Autônomos de Investimento (AAI): rede de nacional de
assessores financeiros cujas atividades dependem do acesso às interfaces disponibilizadas pelas plataformas
digitais controladas pela corretora matriz da XP Investimentos. O termo AAI se refere tanto a indivíduos quanto
à escritórios coletivos de agentes autônomos.
133

combinações inovadoras de práticas semióticas e extra-semióticas (SUM; JESSOP, 2013,


p.221).
Em 2001, o carioca Guilherme Benchimol e o gaúcho Marcelo Maisonnave fundaram
a corretora XP Investimentos na cidade de Porto Alegre (POA). Após a instabilidade do ano
eleitoral, o negócio dos dois sócios adquiriu ímpeto durante os governos petistas.
Aproveitando o cenário de otimismo que caracterizou a primeira década do século XXI, no
Brasil, os dois novos sócios passaram a oferecer cursos sobre investimentos no mercado de
capitais. A estratégia foi bem-sucedida. As aulas otimizaram a captação de clientes da classe
média em ascensão, bem como ampliaram a rede de contatos da empresa. Em 2003, a XP
abriu os primeiros escritórios de assessoria financeira afiliados a sua marca em Novo
Hamburgo, Caxias do Sul e Florianópolis. Entre 2001 e 2004, o faturamento da companhia
aumentou de R$ 65 mil para R$ 3 milhões (FILGUEIRAS, 2019, p. 57-71).
O crescimento da XP atraiu a atenção de outros membros da haute finance carioca.
Em 2004, Julio Capua, filho do financista José Carlos Ramos da Silva, um dos fundadores do
Banco Garantia em sociedade com Jorge Paulo Lemann, aceitou assumir a liderança da XP
Gestão de Recurso, braço da companhia que operaria como fundo de capital privado. Capua
foi incumbido da missão de ampliar a presença da XP Investimentos no campo das finanças
carioca, afinal conforme sustenta Granovetter (2005, p.33, tradução nossa): “confiança, isto é,
a crença de que outros farão a coisa certa (...) emerge (...) no contexto de uma rede social”.
Em 2005, o escritório matriz da XP foi transferido para imponente prédio corporativo na
Avenida Carlos Gomes em Porto Alegre, Benchimol foi nomeado Presidente, Maisonnave,
diretor de operações, e Capua ficou encarregado de liderar a nova operação da empresa no
Leblon.
Em 2007, a XP Investimentos aproveitou o processo de desmutualização das bolsas
para se tornar uma corretora independente. Ao adquirir a instituição AmericaInvest antes da
abertura de capital da Bovespa, a corretora absorveu as receitas provenientes dos títulos
patrimoniais convertidos em ação da BMF Bovespa, reduziu custos de intermediação e passou
a oferecer os serviços de home broker (plataformas digitais de operação no mercado de
capitais). No ano seguinte, a XP foi capaz de superar a conjuntura adversa iniciada com a
crise de 2008 graças às receitas de corretagem derivadas do aumento do volume das
operações de retirada de capital (FILGUEIRAS, 2019).
134

Em 2010, a expansão da corretora brasileira atraiu a atenção do capital financeiro


internacional. Nomeadamente, o fundo de investimento estadunidense Actis121 adquiriu 20%
das ações da XP122 por R$ 100 milhões. Em seguida, a Actis enviou o consultor anglo-
australiano Mark Collier123 para operar como diretor não executivo no conselho de
administração da companhia.
A missão de Collier era preparar a XP para a abertura de capital através da
implementação de um modelo de negócios baseado na distribuição de ativos financeiros por
meio de uma plataforma digital aberta (PEREZ, 2011). A estratégia emulava a corretora
estadunidense Charles Schwab e se fundamentava no diagnóstico de que a digitalização das
transações financeiras e a elevação do poder de compra da classe média abria espaço para a
captura de clientes insatisfeitos com os serviços oferecidos pelos grandes bancos (KADOR,
2002). De acordo com Collier, era apenas uma questão de tempo até que o processo de
desbancarização ocorrido no setor financeiro estadunidense chegasse ao Brasil. Nas palavras
do executivo:

[...] Em 20 anos, esse mercado (assessoria de investimento) deixou de ser dominado


pelas grandes instituições, como Citibank e Bank of America. Aqui essa mudança
vai ser mais rápida. Demos suporte tecnológico e um amplo leque de investimentos
a esses empreendedores que revolucionaram o mercado. No Brasil, país que vive
grande momento econômico e vê surgir uma nova classe média, esse mesmo
processo deve acontecer. Com mais dinheiro e educação, as pessoas vão despertar e
ver que podem ter mais opções de investimento, seja para pagar a faculdade do filho
ou para a aposentadoria (COLLIER, 2011 apud PEREZ, 2011, n.p.)124.

121
A Actis é um Fundo de private equit, instituição financeira especializada em adquirir participação acionária
em outras empresas com potencial de expansão. Após o aporte de capital, o fundo passa a interferir ativamente
no modelo de gestão da companhia, estabelecendo práticas de governança corporativa e metas de lucratividade
que correspondam às expectativas de rentabilidade de seus cotistas. A Actis é especializada em investimento em
países emergentes, considerados mais arriscados, porém, com maior potencial de lucratividade. Do ponto de
vista setorial, os investimentos da Actis concentram-se nos setores de serviços para classe média e infraestrutura.
No Brasil, em 2012, a Actis adquiriu 37% do grupo Cruzeiro do Sul Educacional por R$200 milhões. Nos quatro
anos seguintes, a Cruzeiro do Sul aumentou de 50 mil para 150 mil alunos, e o lucro líquido da companhia foi de
R$ 88 milhões. Outro investimento relevante no país foi a compra de 60% da empresa de energia eólica Atlantic
Energias Renováveis por R$ 385 milhões. Informações disponíveis em: <https://www.act.is/about-actis/actis-at-
a-glance/> e <https://www.act.is/about-actis/our-portfolio/?region=latin-america&sector=&year=> Acesso em:
13 jan. 2020.
122
Disponível em: https://www.fmbinvest.com.br/wp-content/uploads/2016/04/PPT_Institucional_GrupoXP-
Marco.pdf. Acesso em: 13 set 2019.
123
Mark Collier é representativo da flexibilidade operacional da tecnocracia que opera no campo da haute
finance transnacional. Entre 1987 e 1995, atuou como presidente da companhia estadunidense Fidelity
Investments em Londres. Entre 1996 e 2000, foi Presidente da corretora estadunidense Charles Schwab. Ao
longo da década de 2000, Collier participou da fundação Investia Limited, empresa especializada em serviços
digitais no mercado financeiro estadunidense e britânico. Em 2020, além de conselheiro da Actis, Collier
operava como diretor não executivo da Alexandre Forbes Group Holding Ltda., na África do Sul, da Sigma
Pensions, na Nigéria, e da Bajaj Capital na Índia. Disponível em: <https://uk.linkedin.com/in/mark-d-collier-
0b76807>. Acesso em: 10 out. 2020.
124
Não paginado. Disponível em: <https://valor.globo.com/noticia/2011/11/08/mark-collier-ve-revolucao-no-
mercado-brasileiro-em-10-anos.ghtml>. Acesso em: 11 jan. 2020.
135

O aporte de capital da Actis permitiu que a XP liderasse o processo de consolidação


no mercado de corretoras brasileiro. Em junho de 2011, a XP adquiriu a Interfloat, na época,
líder na distribuição das plataformas de operação de ações com 14,2% do mercado. A
integração não apenas ampliou para 25% a participação da XP nesse setor, como a introduziu
em um nicho de investidores que operam grandes volumes de capital. Em outubro, a XP
absorveu a corretora mineira Senso, que possuía 2.500 clientes e, aproximadamente, R$ 300
milhões sob custódia.
Ainda em 2011, adquiriu o InfoMoney, maior site acerca do mercado financeiro do
Brasil, por R$5 milhões. Com isso, além de notícias e colunas, o portal incorporou hiperlinks
que direcionavam os leitores para serviços oferecidos pela XP. Entre 2012 e 2015, o
InfoMoney registrou aumento de 850% em sua audiência e se tornou a principal ferramenta
de informação utilizada pelos AAI. Em janeiro de 2012, a XP incorporou a Corretora Prime,
que, embora contasse com apenas 500 investidores, registrava R$ 500 milhões sob custódia, o
que significou uma ampliação da XP no mercado de clientes private125.
Outra estratégia da Charles Schwab que Mark Collier incorporou no modelo de
negócios da XP foi a realização de grandes eventos corporativos sobre o mercado financeiro,
que operam tanto como espaço de socialização entre a haute finance e os AAI quanto como
feira de exposição de produtos de outras instituições financeiras. No caso da corretora
brasileira, o primeiro Expert foi realizado na praia de Angra dos Reis em 2011. O evento
contou com palestras do próprio Collier, Paulo Storani (comandante do Batalhão de
Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro), Pérsio Arida (presidente do BC e do
BNDES, entre 1993 e 1995, e sócio do banco BTG Pactual), Edemir Pinto (executivo da BMF
Bovespa), a presença de aproximadamente 1.000 agentes autônomos e a participação de 38
instituições financeiras, incluindo as organizações Goldman Sachs, BNP Paribas, J.P. Morgan
e BlackRock (RAGAZZI, 2012).
O sucesso da estratégia de Collier reverberou pelo setor financeiro brasileiro. Em
2011, por exemplo, Paulo Gouvea abandonou o departamento de mercado de capitais da
holding EBX e se tornou chefe da operação do primeiro escritório da XP nos Estados Unidos.
Em 2012, Patrick O`Grady renunciou ao cargo no banco BTG Pactual para assumir a direção
da XP Gestão de Recursos, na qual foi responsável pela contratação de Marcos Peixoto, ex-
funcionário do Itaú Unibanco, e João Braga, então no Credit Suisse (ADACHI; SEABRA,

125
Disponível em: https://www.fmbinvest.com.br/wp-content/uploads/2016/04/PPT_Institucional_GrupoXP-
Marco.pdf. Acesso em: 13 set 2019. Acesso em: 10 jun 2020
136

2015). Por fim, conforme demonstra o Gráfico 13, o número de AAI vinculados à plataforma
digital da XP entra em contundente trajetória de crescimento a partir de 2010. Em resumo, a
veloz expansão da habilitada pela sociedade com o fundo Actis abriu caminho para a XP se
tornar um agente relevante no campo da haute finance brasileira.

Gráfico 13 - Número de escritórios de AAI vinculados à plataforma da XP:


Investimentos por ano (2007-2019)

Fonte: O autor, 2021. Com base em ENCONTRE, s.d126.

A acelerada expansão da XP Investimentos no mercado financeiro brasileiro atraiu a


atenção do colombiano Martín Escobari, representante do fundo de investimento
estadunidense General Atlantic (GA) na América Latina. Em 2012, em consórcio com o
fundo de investimentos brasileiro Dynamo, a GA adquiriu 31% das ações da XP por R$ 420
milhões. Dois anos depois, a GA pagou mais R$ 300 milhões pela participação do fundo
Actis127 e realizou aporte de R$ 150 milhões na empresa (ALVES, 2016). Com isso, a XP
absorveu a corretora Clear por R$ 90 milhões e abriu o segundo escritório nos EUA na cidade
de Miami (CUTAIT, 2014). Em 2015, a XP adquiriu as operações da UM Investimentos por
R$ 10 milhões e incorporou 7.500 clientes, 130 agentes autônomos e R$ 1 bilhão sob custódia
(RAGAZZI, 2015). Em 2016, a XP comprou a Rico, corretora digital com 120 mil clientes,
R$ 320 milhões de ativos sob custódia e lucro líquido de R$ 2,3 milhões, por R$ 404 milhões

126
Com base em informações disponíveis em: ENCONTRE um escritório credenciado à XP perto de você.
Página de acesso à busca de escritórios físicos no site da XP Investimentos. Sem data [s.d.]. Disponível em:
<https://institucional.xpi.com.br/sobre-a-xp/encontre-um-escritorio/>. Acesso em: 10 dez. 2019.
127
Além da saída do fundo Actis, o aporte de capital da GA foi acompanhado por mudanças no quadro societário
original da XP Investimentos. Em 2014, Marcelo Maisonnave deixou a empresa após Benchimol e Capua
diluírem sua participação para 8%. O afastamento rendeu, ao ex-sócio da XP, R$120 milhões. Além de
Maisonnave, foram desligados Fernando Wallau, Alexandre Marchetti, Henrique Loyola, Pedro Englert, Bruno
de Paoli e Xoulee (FILGUEIRAS, 2019, p. 171).
137

(KASTNER, 2016). Em suma, entre 2001 e 2016, a XP Investimentos incorporou dois fundos
de investimento estrangeiros em seu quadro societário, criou o primeiro modelo de negócios
voltado para o varejo e baseado em plataformas digitais do mercado financeiro brasileiro, bem
como consolidou o mercado de corretoras no Brasil (LUCCHESI, 2016).
O início do ano de 2017 foi caracterizado pela emergência de rumores de que a XP
planejava abrir o capital na bolsa de valores norte-americana Nasdaq. Todavia, ao mesmo
tempo que discutia o IPO, a equipe da XP negociava acordo de fusão com o banco Itaú-
Unibanco. A primeira opção, apesar de significar a criação de canal direto entre a corretora
brasileira e os investidores institucionais estadunidenses, implicava perda de autonomia
decisória para os acionistas. A segunda, ainda que oferecesse nível similar de liquidez e
consolidasse a reputação da XP na haute finance nacional, contrariava a narrativa de
desbancarização promovida pela empresa desde 2010 (FILGUEIRAS, 2019).
Entre autonomia operacional e coerência discursiva, os executivos da XP optaram pela
primeira. No dia 11 de maio de 2017, o Itaú-Unibanco adquiriu 49,9% do capital social e
30,1% do capital votante da XP por meio de aporte de capital no valor de R$ 600 milhões e
aquisição de ações da XP Investimentos no valor de R$ 5,7 bilhões (ITAÚ UNIBANCO,
2018). Com isso, o Itaú-Unibanco tornou-se acionista minoritário, obtendo o direito de indicar
2 dos 7 membros do Conselho de Administração da XP Holding, bem como o controle do
Comitê de Auditoria (ITAÚ-UNIBANCO, 2018). Em 2018, o Itaú-Unibanco indicou os
copresidentes do conselho de administração Pedro Moreira Salles e Roberto Egydio Setúbal
(FILGUEIRAS, 2019).
A aprovação da operação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) esteve sujeita a dois condicionantes. Em primeiro lugar, a gestão operacional
permaneceu sob o comando de Guilherme Benchimol e Julio Capua através da XP Controle.
Em segundo lugar, o Itaú-Unibanco só poderia exercer a opção de adquirir mais 12,5% do
capital acionário da XP em 2020 e outros 12,5% em 2022 (GONÇALVES; BURG; FISHI,
2019). Do ponto de vista do Itaú-Unibanco, a operação em análise teve características
defensivas, voltadas para compensar efeitos negativos suportados pelo Itaú-Unibanco,
decorrentes da migração de contingentes significativos de investidores de sua plataforma
fechada de investimentos para a plataforma aberta da XP” (BANCO CENTRAL, 2019). Em
2017, mais de 27% das captações líquidas de clientes de bancos pela XP foram provenientes
do Itaú-Unibanco (Gráfico 14).
138

Gráfico 14 - Percentual de captações líquidas da XP Investimentos por banco de


origem em 2017

Fonte: Banco Central, 2019.

A aliança com Itaú-Unibanco implicou benefícios diferenciados para os membros da


XP. Para Martín Escobari, significou a promoção ao cargo de copresidente da GA, pois o
lucro da operação superou em mais de sete vezes o montante de R$ 1,5 bilhão que o fundo
havia conseguido com sua participação na plataforma de e-commerce da corporação chinesa
Alibaba (FILGUEIRAS, 2018). Para Benchimol, significou a tão almejada ascensão à haute
finance brasileira. A elevação do status do financista entre seus pares explicitou-se na capa da
edição de novembro da Forbes Brasil, na qual o CEO da XP posa sorrindo, de blazer azul e
cabelo cuidadosamente organizado, atrás das palavras: “Prodígio Incansável”. Além de uma
entrevista em que Benchimol relata sua história, a reportagem da Forbes apresentava o
segmento de assessoria private da XP, inaugurado em 2015, e voltado exclusivamente para a
gestão de patrimônios familiares. De acordo com a autora da reportagem:

[...] o destino de Guilherme parecia estar definido desde o berço: assim como o
avô, o pai e vários de seus primos, ele se tornaria um médico bem-sucedido na
Zona Sul do Rio de Janeiro. Mas, observando o cotidiano de seus familiares,
percebeu que, na medicina, teria que encarar momentos tão tristes quanto a morte de
um paciente. Decidiu trilhar um caminho inédito entre os Benchimol – foi encarar o
dia a dia no mercado financeiro. Em um ambiente que, lhe era estranho, fundou
aquela que se tornaria a maior corretora do país. Hoje, aos 42 anos, ele quer que a
XP investimentos mantenha o mesmo espírito desbravador que o trouxe até aqui
(CARONI, 2019, p. 32, grifo nosso).128

128
A Forbes é representativa do campo da haute finance contemporânea. A revista foi fundada em 1917 por
Bertie Charles Forbes (B.C. Forbes). Steve Forbes, neto de B.C. e atual editor-chefe, foi membro do governo
Reagan e autor das obras: "How Capitalism Will Save Us: Why Free People and Free Markets are the Best
Answer in Today's Economy" (2009), "Freedom Manifesto: Why Free Markets Are Moral and Big Government
139

Outro indicativo do prestígio adquirido pela XP entre a haute finance foi a presença da
marca da empresa no convite para o 49º Prêmio Personalidade do Ano da Câmara de
Comércio Brasil-Estados Unidos (AMCHAM), entregue ao Presidente Jair Messias Bolsonaro
e o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, publicado na mesma edição da revista
Forbes Brasil. Os recursos provenientes do evento foram destinados “para o programa de
bolsas de mestrado do Prêmio Personalidade do Ano, realizado em associação com o Instituto
Ling e a Fundação Lemann” (FORBES, 2019, p. 27, grifo nosso). No convite, aparecem os
nomes das 51 instituições que participaram da cerimônia, hierarquizados de acordo com o
grau de associação na organização. No nível mais alto (inner circle), localizavam-se: “Banco
Maxima, Bank of America Merrill Lynch, Itaú BBA, Bradesco, Bradesco BBI, BTG Pactual,
CITI, Credit Suisse, Febraban, Forbes, Safra National Bank of New York e XP
Investiments” (FORBES, 2019, p. 27, grifo nosso). É forçoso ressaltar que a AMCHAM foi
fundada, em 1969, como parte da estratégia da política externa estadunidense de restringir a
influência da Revolução Cubana no subcontinente (HARVEY, 2005). Em 2019, a
organização contava com 350 corporações associadas, 8.801 membros ativos e realizou 45
eventos. Por fim, conforme ilustra o Quadro 4, nota-se que Jair Bolsonaro foi o primeiro
presidente premiado pela organização desde 2015.

Quadro 4 - Indivíduos que receberam o prêmio Personalidade do Ano da AMCHAM (2012-


2019) (continua)
Ano País Nome Descrição
Brasil Jair Bolsonaro Presidente da República.
2019
EUA Secretário de Estado Governo
Mike Pompeo
Trump.
Juiz Federal que comandou a
Brasil Operação Lava Jato. Ministro
Sergio Moro
da Justiça do governo
Bolsonaro.
2018 Bilionário, dono do
conglomerado midiático
EUA Michael
Bloomberg. Pré-candidato a
Bloomberg
Presidente nas primárias do
Partido Democrata em 2020.
Prefeito de São Paulo (2016-
2017 Brasil João Doria 2018). Governador de São
Paulo (2019-2022).

Isn't" (2012) e “Reviving America: How Repealing Obamacare, Replacing the Tax Code and Reforming The Fed
will Restore Hope and Prosperity” (2015). Nas páginas da revista, além de colunistas neoliberais, é possível
observar os rankings dos maiores bilionários do ano, anúncios publicitários de jatos, Porsches e escolas suíças
em que um curso de imersão por duas semanas custa R$ 22.500.
140

EUA Embaixador estadunidense no


Thomas Shannon
Brasil durante governo Obama.
Brasil Presidente do Banco Central
Armínio Fraga
2016 durante o governo FHC.
EUA Secretário do Tesouro durante a
Timothy Geithner
Crise de 2008.
Ministro da Fazenda (1992-
Brasil Fernando
1994). Presidente da República
2015 Henrique Cardoso
(1995-2002).
EUA Presidente dos Estados Unidos
Bill Clinton
1994-2002.
Brasil Presidente do Grupo
Rubens Ometto
2014 Empresarial Cosan.
EUA Sergio Presidente Fiat Chrysler (2004-
Marchionne 2018).
Brasil Presidente do BNDES durante o
Luciano Coutinho
2013 Governo Lula-Dilma.
EUA Terrence Duffy Diretor Executivo CME Group.
Brasil Acionista majoritário do banco
André Esteves
2012 BTG Pactual.
EUA Alberto Weisser CEO Bunge.
129
Fonte: O autor, 2021. Com base em AMCHAM (2020) .

Com a robustez do maior banco privado da América Latina em seu quadro societário,
a XP Investimentos abriu o capital na bolsa de valores de Nova Iorque no dia 11 de dezembro
de 2019. Para tanto, criou-se a empresa XP Inc., companhia sediada nas Ilhas Cayman,
paraíso fiscal da haute finance global. No mesmo ano, o lucro líquido, as receitas brutas e o
número de clientes ativos da XP registraram alta de 119% (R$ 1,1 bilhão), 72% (R$ 5,5
bilhões) e 91% (1,7 milhão), respectivamente, em relação ao ano de 2018 (THAUHATA,
2020). Em junho de 2020, o valor de mercado da XP Inc. foi precificado em
aproximadamente R$ 140 bilhões, 14% maior do que o banco Santander e 47% do valor do
Itaú-Unibanco (SAMOR; ARBEX, 2020).
A Figura 5 sintetiza a trajetória de constituição do Grupo Financeiro Transnacional XP
(GFT-XP): um conjunto de instituições financeiras brasileiras e estadunidenses, vinculadas
por relações de propriedade cruzada, que controla um ecossistema que vincula os interesses
da haute finance às operações cotidianas de escritórios de AAI espalhados por todo território
nacional.

Figura 5 - Processos históricos: financeirização Brasil e constituição GFT-XP (continua)

129
Disponível em: https://brazilcham.com/events/person-of-the-year-awards/history/. Acesso em: 08 set 2020
141

Fonte: O autor, 2021.

4.2 Ecologia Organizacional

Esta seção descreve a ecologia organizacional do GFT-XP. Para tanto, segmenta-se o


objeto em três níveis de análise hierarquicamente relacionados. O nível superior, categorizado
como haute finance, constitui-se pelas organizações sistêmicas e elites financeiras com
capacidades para influenciar o sentido da orientação normativa das ações políticas das
unidades do GFT-XP. O nível intermediário é formado pelas instituições financeiras
controladas diretamente pela holding XP INC. Operacionalmente, o estrato intermediário
exerce a função de centro de disseminação de ordens simbólicas neoliberais na sociedade
civil. O nível inferior é constituído pela rede de escritórios de Agentes Autônomos de
Investimentos (AAI) vinculados às plataformas digitais gerenciadas por organizações
pertencentes aos níveis superiores. Argumenta-se que o estrato inferior é responsável pela
personalização e capilarização territorial dos interesses e capacidades de influência do GFT-
XP no Brasil.

4.2.1 haute finance: organizações sistêmicas e elites financeiras


142

A XP Controle é a empresa responsável pela gestão operacional das subunidades do


GFT-XP. Os dois principais executivos XP são Guilherme Benchimol e Julio Capua, os quais
detém 24% das ações e 56% dos diretos de voto no conselho administrativo da XP Inc. Além
de sócio-fundador, Benchimol é o personagem principal do imaginário construído em torno da
empresa. Na narrativa institucional da XP apresentada no livro “Na Raça: como Guilherme
Benchimol criou a XP e iniciou a maior revolução do mercado financeiro brasileiro”, escrito
pela jornalista Maria Luíza Filgueira, do periódico Valor Econômico, bem como em
entrevistas para revistas de negócios, eventos corporativos e peças publicitárias, a trajetória de
vida de Benchimol assume conotação mítica e se confunde com o processo de constituição da
empresa.
Membro de uma família de médicos, o primeiro desafio de Benchimol foi contrariar as
expectativas de seu pai, o cardiologista Cláudio Benchimol, para se formar em Ciência
Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e seguir carreira no mercado
financeiro carioca. Em seguida, Benchimol precisou superar a humilhação por ter sido
demitido da pequena corretora Investshop. Para tanto, exilou-se em Porto Alegre, onde, longe
do olhar do pai, aliou-se a Marcelo Maisonnave, membro de tradicional130 família de
financistas rio-grandenses, para fundar a XP Investimentos. Por fim, o aspirante a financista
necessitou demonstrar a viabilidade de um modelo de negócios voltado para o varejo em um
mercado oligopolizado por bancos sistêmicos (FILGUEIRAS, 2019, p.31).
Do ponto de vista da estratégia de comunicação institucional da empresa, a posição
periférica da XP foi operacionalizada em uma narrativa norteada pelas concepções de
empreendedorismo, meritocracia e confrontação do status quo, as quais, por sua vez,
articulavam-se com o contexto de crescimento do PIB e ascensão econômica da classe média
que caracterizou a primeira década do século XXI no Brasil (FILGUEIRAS, 2019, p.47).
Portanto, nota-se que os adjetivos “prodígio” e “incansável”, utilizados para qualificar
Benchimol na capa da revista Forbes Brasil (2019), retratam não apenas o sucesso individual
do empresário, mas também o reconhecimento das atitudes que legitimaram a aceitação dele e
da XP Investimentos no estrato superior da haute finance brasileira.
A trajetória de ascensão no setor financeiro e o destaque da persona de Benchimol no
discurso institucional da XP contrastam com o caminho percorrido e a discrição na esfera
pública de seu sócio, Julio Capua. Este é filho do banqueiro José Carlos Ramos da Silva, que
130
Vinicius Maisonnave, avô de Marcelo, foi o fundador da Maisonnave Corretora e atuou como presidente da
extinta Bolsa de Valores do Extremo Sul (FILGUEIRAS, 2019). Logo, nota-se que a constituição da XP
Investimentos envolveu o alinhamento de interesses entre um indivíduo da classe alta carioca que aspirava entrar
no campo das finanças com um membro de uma fração periférica da haute finance brasileira.
143

“havia fundado o banco Garantia juntamente com os sócios Jorge Paulo Lemann, Luiz Cezar
Fernandes, Guilherme Arinos Franco, Adolfo Gentil e Hersias Lutterbach” (FILGUEIRAS,
2019, p.33). Durante a infância, assim como Cláudio Benchimol em relação à medicina, José
Carlos Ramos da Silva incentivou o filho a seguir carreira no mercado financeiro através de
práticas como o estabelecimento de um índice multiplicador de mesada, baseado na qualidade
das notas escolares, bem como a distribuição de cotas de participação no fundo Dynamo como
presente de aniversário (FILGUEIRAS, 2019, p.33-75).
Por sua vez, a mãe de Julio Capua, Elizabeth Capua, foi casada com o pai de
Guilherme Benchimol por oito anos, período em que os dois futuros sócios da XP Inc.
estabeleceram “uma conexão de amizade e certa rivalidade – o pai (Cláudio Benchimol)
convivia mais com Julio do que com Guilherme” (FILGUEIRAS, 2019, p. 33), constituída
nos fins de semana em que ambos socializavam no Jockey Club do Rio de Janeiro e nos jogos
de tênis ou pôquer em família. Infere-se que tal relação, construída na infância, foi variável
relevante na decisão de Capua de abandonar o projeto de realização de um MBA nos EUA
para aceitar a proposta de Benchimol de aplicar os R$ 225 mil de valor do curso na compra de
15% da XP em 2004 (FILGUEIRAS, 2019, p. 33-74).
Na narrativa desenvolvida por Filgueiras (2019, p. 34), as diferenças entre o perfil de
gestão “fanático” de Benchimol e o desleixo elitista de Capua ganham destaque. Acerca do
deslocamento para POA, por exemplo, a jornalista aponta que “a adaptação de Julio Capua foi
penosa. Ao contrário de Guilherme, ele não estava fugindo de nada. Estava simplesmente de
saco cheio do emprego. Chegando a Porto Alegre, foi mais fácil perceber o que ele estava
perdendo (a praia, os amigos) do que vislumbrar o que poderia ganhar”. Por sua vez, em
2006, época em que a XP ainda não era uma corretora independente, a autora comenta que: “o
sonho de Julio era contar com terminais de dados financeiros da Bloomberg – possivelmente
um trauma por não ter tela disponível” logo que se transferira de volta para o Rio de Janeiro
(FILGUEIRAS, 2019, p. 94). Apesar da displicência, por conta de sua origem social, Julio
Capua possuía o acesso à rede de conexões informais constitutivas da haute finance brasileira
da qual Benchimol estava excluído e necessitava para expandir as operações de sua corretora.
A capacidade de Capua operar como ator de ligação no interior da haute finance se
manifestou em outros dois momentos. Primeiro, foi graças ao contato entre Capua e Jorge
Felipe “Pipo” Lemann, filho de Jorge Paulo Lemann e dono da corretora Flow, que, em 2007,
os sócios da XP lograram comprar a Americainvest a tempo de obter as receitas
extraordinárias com a conversão das cartas de concessão da corretora em ações da bolsa de
144

valores brasileira após o processo de desmutualização. Segundo, entre 2003 e 2005, Julio
Capua aproveitou de sua posição de cotista do fundo Dynamo para realizar visitas mensais a
Pedro Damasceno, sócio-fundador da Dynamo, com o objetivo de descobrir as posições de
investimento com o objetivo de replicá-las na XP Gestão de Recursos (FILGUEIRAS, 2019,
p.95). Ou seja, embora a ênfase na persona de Benchimol em detrimento de Capua no
discurso institucional da XP seja funcional para transmitir a ideia de uma empresa que
enfrentou o status quo, foi a boa circulação do segundo entre os atores constituintes do status
quo que garantiu recursos estratégicos para o crescimento da corporação.
De fato, o fundo de investimentos Dynamo tornou-se parte do quadro acionário da XP
em consórcio com a GA em 2012. Situada na Avenida Ataulfo Paiva, no bairro Leblon, no
Rio de Janeiro, os sócios-fundadores e principais executivos da Dynamo, Pedro Damasceno e
Luiz Orenstein, desfrutam de elevado prestígio entre a haute finance (FILGUEIRAS, 2019).
A empresa foi fundada em 1993, dedicada exclusivamente à administração de recursos em
renda variável no Brasil. Em 1999, foi criado Dynamo Venture Capital, organização
orientada para participação ativa na gestão das empresas investidas. Em 2006, estabeleceu-se
o Dynamo Internacional Gestão de Recursos131, organização constituída para coordenar
investimentos na Europa e nos EUA.
Em 2018, a Dynamo possuía 22 sócios, 687 cotistas e R$ 4,68 bilhões de ativos
financeiros sob gestão (DYNAMO, 2020). Em 2020, a Dynamo Internacional detinha US$
1,3 bilhão em ações na bolsa de valores Nasdaq, decompostos em ordem decrescente entre as
seguintes empresas: Natura, MercadoLibre Inc., Tempur Sealy Inc., Vale S.A., Cosan LTD.,
Anheuser Busch Inbev S.A. (AMBEV), Alphabet, XP Inc., Eletronic Arts Inc., Disney Walt,
APPFOLIO Inc., Slack Technologies Inc., Spotify Technology S.A., Loma Negra CORP,
Ryanair Holdings PLC, Banco Bradesco, Proshares TR, Gerdau S.A. e Itaú-Unibanco
Holding S.A132.
Se a Dynamo elevou o prestígio da XP Investimentos entre a elite financeira brasileira,
a entrada da General Atlantic, fundo de investimento estadunidense criado em 1980 por
Chuck Feeney (cofundador da rede Duty Free), alçou a empresa de Guilherme Benchimol ao
circuito da haute finance transnacional. A GA é um fundo de capital privado global
especializado em investimentos nos setores de varejo, serviços financeiros, saúde e bem-estar,
ciências da vida e tecnologia. Em 2019, a empresa administrava aproximadamente US$ 40
131
Disponível em: https://www.dynamo.com.br/pt/empresa/dar. Acesso em: 23 out 2020
132
Disponível em: https://www.nasdaq.com/market-activity/institutional-portfolio/dynamo-internacional-gestao-
de-recursos-ltda-899932. Acesso em: 08 out 2019
145

bilhões de ativos, participava como acionista de 133 companhias - 53 nos EUA (a exemplo da
Uber, Airbnb e BuzzFeed), 23 na China (como a Ant Financial e ByteDance), 26 na Europa
(como, por exemplo, Openclassrooms e Pharvaris), 18 na Índia e Sudeste Asiático (a exemplo
da KIMS Hospitals e Mu Sgima), e 10 na América Latina (como a Grupo Axo, Pague Menos,
XP Investimentos e Quinto Andar) –, bem como possuía escritórios em Nova Iorque,
Amsterdã, Beijing, Greenwich, Hong Kong, Jacarta, Londres, Cidade do México, Mumbai,
Munique, Palo Alto, São Paulo, Singapura e Shanghai133.
Desde 2007, o comando global das operações da GA é exercido por William E. Ford.
Formado em Ciências Econômicas pelo Amherst College e com MBA pela Escola de
Administração de Stanford, William Ford134 é membro do conselho das companhias
BlackRock135 (EUA), IHS Markit (Inglaterra), Bytedance (China), Royalty Farma (EUA) e
Tory Burch (EUA). Além disso, participa do conselho das organizações Emerging Markets
Private Equity Association (EMPEA), Endeavor, Council of Foreign Relations, McKinsey
Advisory Council, National Committee on United States-China Relations (NCUSCR),
Memorial Sloan Kettering Cancer Center e Tsinghua University School of Economics and
Management, bem como é presidente do conselho da Rockefeller University (BEGLEY et al.,
2019; THE ADVISORY, 2020)
O representante da GA na América Latina é o colombiano136 Martín Escobari.
Formado no Harvard College, Escobari possui MBA pela mesma instituição. Segundo
Filgueiras (2018): "foi como penetra em um jantar promovido para alunos brasileiros da
universidade por Alexandre Behring, então sócio da GP Investimentos, que Escobari entrou
no mercado financeiro". Em 2019, Escobari operava nos conselhos das empresas Arco, Grupo
Axo, Pague Menos, Sanfer e XP Investimentos. Além disso, participava do programa de
mentoria da Endeavor, concedia palestras no centro de pesquisas liberal Casa do Saber, bem
como era membro do grupo consultivo do The Rockefeller Center for Latin American
Studies, em Harvard, e do conselho das organizações Lincoln Center137 e Primeira Chance
(FILGUEIRAS, 2018).

133
Disponível em: https://www.generalatlantic.com/about-us/. Acesso em: 10 jan 2020
134
WILLIAM E. Ford. Página de apresentação de William E. Ford no site da General Atlantic (GA). Sem data
[s.d.]. Disponível em: <https://www.generalatlantic.com/people/team/william-ford/>. Acesso em: 06 jan. 2020.
135
BLACKROCK Board of Directors. Quadro de diretores da BlackRock. Sem data [s.d.]. Disponível em:
<ir.blackrock.com/governance/board-of-directors/default.aspx>. Acesso em: 15 jan. 2020.
136
ESCOBARI Martin. Pagina de apresentação de Martin Escobaria no site da General Atlantic (GA). Sem data.
Disponível em: < https://www.generalatlantic.com/people/team/martin-escobari/>. Acesso em: 06 jan. 2020.
137
LINCOLN Center Board of Directors. Quadro de diretores do Lincoln Center. Sem data [s.d.]. Disponível
em: <http://www.aboutlincolncenter.org/about/board-of-directors>. Acesso em 07 fev. 2020.
146

Em 2019, apesar de representar apenas 11% do portfólio da GA, o Brasil foi o


mercado mais lucrativo do fundo estadunidense em razão da expansão exponencial da XP
Investimentos. Por conta disso, a GA criou o cargo de presidente do conselho administrativo
no país, o qual foi concedido para Pedro Pullen Parente. Sobrinho do deputado federal Marcos
Santos Parente e do Senador Joaquim Santos Parente, Pedro Parente formou-se em
Engenharia Eletrônica pela Universidade de Brasília (UnB) em 1976. Durante o regime
militar, atuou na área de Administração Financeira do Banco Central, como secretário-adjunto
do Ministério da Fazenda e secretário de Informática na Secretária do Tesouro Nacional. No
governo Collor, Parente assumiu a Secretaria de Planejamento do Ministério da Economia.
Após exercer a função de Consultor Externo do FMI, entre 1993 e 1994, tornou-se secretário-
executivo do Ministério da Fazenda durante o primeiro governo FHC. Em 1999, Pedro
Parente assumiu a chefia da Casa Civil, na qual comandou a articulação política que resultou
na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e liderou a Câmara de Gestão da Crise de
Energia Elétrica (FILGUEIRAS, 2019)138.
Com a derrota do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) nas eleições
presidenciais de 2002, Pedro Parente migrou para a iniciativa privada. Em fevereiro de 2003,
Parente tornou-se vice-presidente-executivo do Grupo RBS, conglomerado afiliado ao Grupo
Globo, que domina o mercado de comunicação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. De
2010 a 2014, atuou como presidente e CEO da Bunge Brasil, conglomerado do setor de
agronegócio, detentor das marcas Soya, Delícia, All Day, Primor e Salsarett, bem como sócio-
fundador do escritório de investimentos Prada Assessoria com sua esposa Lucia Hauptman.
Em 2015, Pedro Parente tornou-se presidente do conselho de administração da BMF
Bovespa, do Grupo ABC, da SBR-Global e do Arlon Latin America Private Equity Fund,
assim como membro dos conselhos da Continental Grains Company, da TAM, da América
Latina Logística, da Kroton Educacional e da comissão externa do Insper. Durante o governo
Temer, Parente assumiu a presidência da Petrobras e foi responsável pela instauração da
política de preços que resultou na greve dos caminhoneiros iniciada em 21 de maio de 2018.
Após deixar a estatal, obteve os cargos de diretor-presidente global e presidente do conselho
de administração da BRF, empresa controladora das marcas Sadia, Perdigão, Qualy, Banvit,

138
MONTENEGRO, D.; PINHEIRO, L. Verbete: PARENTE, Pedro. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, s.d.
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/parente-pedro>. Acesso em: 11
mar. 2019.
147

Suline e Kidelli139. Portanto, argumenta-se que a contratação de Parente indica que o sucesso
do investimento realizado na XP sedimentou o interesse e a capacidade de influência da GA
nas dinâmicas políticas brasileiras.
Conforme apresentado na seção anterior, a internacionalização da XP Investimentos
foi brevemente interrompida, em 2017, pelo alinhamento com o Itaú-Unibanco, maior banco
privado em valor de mercado da América Latina. Em setembro de 2020, o Itaú-Unibanco140
registrou US$ 39 bilhões de valor de mercado; R$ 5 bilhões de lucro líquido;
aproximadamente 56 milhões de clientes no varejo, 513 mil acionistas diretos, 97 mil
empregados, 46 mil caixas eletrônicos e presença física em 18 países: Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia, México, Panamá, Paraguai, Uruguai, Peru, Alemanha, Bahamas, Ilhas
Cayman, Espanha, Estados Unidos, França, Portugal e Inglaterra. Em 2020, o Itaú-Unibanco
Holding S.A., braço de investimentos do banco possuía US$ 2,3 bilhões em ações de 178
empresas listadas na Nasdaq, dentre as quais, destaca-se: Vale, Banco Bradesco,
MercadoLibre, Facebook, Alphabet Inc., Cosan LTD., XP Inc. e Telefônica Brasil S.A.141.
Para apreendermos a importância do Itaú-Unibanco na política brasileira e na estrutura
organizacional do GFT-XP, atenta-se para o fato de que Pedro Moreira Salles e Roberto
Egydio Setúbal – representantes do Itaú-Unibanco no conselho de administração da XP Inc. -
pertencem a famílias tradicionais da haute finance nacional. A ascensão da família Moreira
Salles remonta ao início do processo de industrialização brasileiro. Entre 1934 e 1962,
Walther Moreira Salles, pai de Pedro Moreira Salles, ocupou a direção da Carteira de Crédito
Geral do Banco do Brasil, comandou a Superintendência da Moeda e do Crédito da
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), atuou como embaixador brasileiro nos
EUA e foi Ministro da Fazenda durante o breve regime parlamentarista instaurado no Brasil
em 1962 (COSTA, 2014).
Pedro Moreira Salles, por sua vez, nasceu no dia 20 de outubro de 1959, em
Washington, graduou-se em Economia e História pela Universidade da California, cursou o
mestrado em Relações Internacionais da Universidade de Yale, mas o interrompeu para
assumir sua parte nos negócios da família em 1982. Além de copresidente do Itaú-Unibanco,

139
CONSELHO de Administração. Página de apresentação institucional de Governança Corporativa, Diretoria,
Conselhos e Comitês do BRF. Sem data [s.d.]. Disponível em: <https://ri.brf-global.com/pt-br/governanca-
corporativa/diretoria-conselhos-e-comites/>. Acesso em: 01 maio 2020.
140
APRESENTAÇÃO Institucional Itaú Unibanco Holding S.A. s.d. Disponível em:
https://www.itau.com.br/relacoes-com
investidores/Download.aspx?Arquivo=fYUzm48PqhtwN89kJUkMVg==&linguagem=pt. Acesso em: 09 jul.
2020
141
Disponível em: <https://www.nasdaq.com/market-activity/institutional-portfolio/itau-unibanco-holding-sa-
98983>. Acesso em: 15 jul. 2020.
148

Pedro Moreira Salles é o principal acionista da Cambuhy Investimentos, fundo com


patrimônio declarado de R$ 1 bilhão e participações nas empresas Eneva (energia), Hering
(varejo-têxtil) e Alpargatas (varejo-calçados) (VALENTI; MANDL, 2017). Em 2017, Pedro
Moreira Salles foi eleito presidente do Conselho Diretor da Federação Brasileira dos Bancos
(Febraban), assumindo a cadeira, até então, ocupada pelo sócio, Roberto Setúbal.
A trajetória de ascensão da família Egydio-Setúbal na haute finance brasileira remonta
à ditadura do Estado Novo. Em 1945, Olavo Egydio de Sousa Aranha, descendente de família
da nobreza imperial e ex-deputado federal por São Paulo entre 1921 e 1926, obteve
autorização do governo Vargas para fundar o Banco Central de Crédito. Em 1961, o neto de
Sousa Aranha, Olavo Egydio Setúbal, fundador da empresa de válvulas de descarga Deca, em
1953, assumiu a direção do Banco Federal do Crédito ao lado do genro Eudoro Libânio
Vilella, criador da fábrica de bens de capital Duratex S.A.
Na década de 1960, Olavo Setúbal e Eudoro Vilella lideraram o processo de
consolidação bancária que resultou na formação do Banco Federal Itaú. Durante o regime
militar, Olavo Egydio Setúbal também seria nomeado prefeito da cidade de São Paulo, entre
1975 a 1979, e Ministro das Relações Exteriores entre 1986 a 1987. Em 2019, as famílias
Villela e Egydio Setúbal controlavam o conselho diretivo da Itaúsa, empresa detentora de
38% das ações do Itaú-Unibanco, 40% das ações da Duratex, 28% das ações da Alpargatas e
8% da Nova Transportadora do Sudeste (ITAÚSA, 2019).
Roberto142 Egydio Setúbal, um dos sete filho de Olavo Setúbal nasceu em São Paulo,
no dia 13 de outubro de 1954, formou-se pela Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, em 1977, e completou o mestrado em engenharia pela Universidade de Stanford em
1979. Após trabalhar como funcionário do banco estadunidense Citibank, entre 1983 e 1984,
retornou para o Brasil, em 1986, para assumir sua parte nos negócios da família. Em 1994,
tornou-se de presidente do banco Itaú, cargo que ocupou até 2016. Nesse mesmo período,
atuou como presidente do conselho da Febraban entre e vice-presidente do Institute of
International Finance (IIF). Em 2018, Roberto Setúbal era membro da Comissão Trilateral e
do Conselho Internacional da NYSE, do Comitê Consultivo do FED, do Fórum de
Desenvolvimento da China, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da
Presidência da República, copresidente do Fórum Econômico Mundial e membro do conselho
da administração da petrolífera holandesa Royal Dutch Shell (VALOR, 2017).

142
Disponível em: <http://www.itauunibanco90anos.com.br/90/o-livro.htm>. Acesso em: 1 mai. 2020
149

Em resumo, a análise do perfil das organizações e da trajetória das elites financeiras


que compõem o estrato superior do GFT-XP nos permitiu apreender a extensão das
capacidades de influência da rede corporativa que forma a entidade. Em seguida, a
investigação desce um andar para compreender como a diversidade organizacional entre as
subunidades que compõem o nível intermediário do GFT-XP contribui para a ampliação das
capacidades de influência política da entidade.

4.2.2 Nível intermediário: produção e disseminação de ordens simbólicas neoliberais

As subunidades constituintes do GFT-XP são as empresas submetidas ao controle


operacional da XP Controle. Diante da inviabilidade de se analisar a totalidade dessa
população, delimitou-se, como espaço amostral, o conjunto formado pelas organizações:
XPCCVTM S.A., XP Private, Rico Corretora, Clear Corretora, InfoMoney e XP Educação.
Considera-se que tal seleção nos permite apreender o conteúdo político intrínseco ao
oferecimento dos serviços de: (i) intermediação/acesso, isto é, provimento dos dispositivos
tecnológicos e jurídicos necessários para execução de investimentos em distintas praças
financeiras em troca de comissões; (ii) assessoria financeira, ou seja, fornecimento de
orientação especializada acerca dos processos envolvidos durante decisões de investimento; e
(iii) educação financeira, isto é, transmissão dos conhecimentos sobre as dinâmicas que
permeiam a alocação de recursos nos mercados (CRUCIANI, 2017).
A importância de cada um desses serviços decorre do fato de que a realização de
operações financeiras requer tanto acesso aos canais de conexão com a rede global de capitais,
controlados pelas instituições financeiras, quanto capacidade de escolha entre um extenso
conjunto de ativos financeiros cujos riscos oscilam de acordo com distintas variáveis políticas
e econômicas, bem como engendram diferentes custos de carregamento, intermediação e
tributação. Por conta disso, as atividades realizadas por assessores, gestores e educadores
financeiros necessariamente envolvem o estabelecimento de relações de confiança e
entronização de vieses ideológicos durante o atendimento aos clientes (HARRINGTON,
2016).
150

A XP Investimentos CCVTM S.A é uma corretora localizada na Av. Juscelino


Kubitschek, no bairro Itaim Bibi, em São Paulo. Ao abrir uma conta pela XP Investimentos, é
possível investir em ações, derivativos, fundos de investimento, fundos imobiliários, títulos de
renda fixa, ofertas públicas no mercado primário, planos de previdência privada e seguros de
vida. Ademais, pode-se contratar os serviços de plataformas para operação direta nas bolsas
de valores, custódia remunerada de ações (aluguel) e alavancagem a partir da utilização de
ativos da carteira como garantia.
O serviço de assessoria financeira143 é oferecido em quatro modalidades. Primeiro,
quem investe até RS$ 50 mil se enquadra na categoria “Assessoria Digital”: acesso à
plataforma de produtos financeiros e softwares para acompanhamento dos investimentos
disponibilizados no site ou no aplicativo da corretora. Segundo, clientes que aportam entre
RS$ 50 mil e RS$ 300 mil são qualificados na categoria “Assessoria on Demand”: um
assessor auxilia na montagem da carteira de ativos inicial, e há possibilidade de contato
remoto com uma equipe especializada. Terceiro, clientes que investem entre RS$ 300 mil e
RS$ 3 milhões são alocados a um assessor específico para acompanhar a carteira
personalizada de acordo com o perfil e os objetivos do cliente.
Além disso, o site e as redes sociais da XP Investimentos disponibilizam diariamente
conteúdo digital com análises setoriais, discussões políticas e econômicas, recomendações de
investimentos, relatórios periódicos com projeções macroeconômicas, pesquisas de opinião,
colunas especializadas e manuais de educação financeira. Em 2019, a equipe de pesquisas da
XP Investimentos nas áreas de política e economia era composta por dezoito profissionais.
O Quadro 5 apresenta informações sobre o cargo ocupado na XP, a formação
acadêmica e a atuação profissional, fora da XP Investimentos, de uma amostra de sete
funcionários. Nota-se que o título de doutorado aparece nos casos da economista-chefe, Zeina
Latif, intelectual renomada no campo das Ciências Econômicas e com intensa atuação no
setor financeiro, bem como no do economista-sênior, Marcos Ross, também professor de
Econometria e Inferência Causal pela Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio
Vargas (FGV). No que tange ao analista-chefe de política, Richard Back, destaca-se a
passagem pela assessoria da presidência da Câmara de Deputados e pela liderança do governo
Dilma Rousseff, na casa, entre 2010 e 2015.

143
RELACIONAMENTO XP. Pagina sobre o serviços de assessoria financeira da XP Investimentos. Disponível
em: https://www.xpi.com.br/relacionamento-xp/. Acesso em: 09 jun 2020.
151

Quadro 5 - Equipe de análise política e econômica da XP Investimentos (continua)


Cargo
na XP Nome Formação Acadêmica Atuação Profissional além da XP
(2019)
Economista-Chefe dos bancos Bilbao
Viczaya, HSBC Asset Management, ABN-
Amro Real, ING-Bank, Royal Bank of
Scotland (RBS) e na Gibraltar Consulting.
Pesquisadora associada do Instituto
Economista- Zeina Doutora em Economia da Millenium. Colunista do jornal O Estado de
Chefe Latif Universidade de São Paulo. São Paulo. Participa do Conselho Fiscal da
organização Vetor Brasil. Professora de
macroeconomia na especialização em
administração do IBMEC. Eleita melhor
Economista-Chefe do ano pela Ordem dos
Economistas do Brasil em 2008.
Analista- Assessor da Presidência da Câmara de
Richard
Chefe Não encontrado. Deputados e na Liderança do Governo entre
Back
Político 2010 e 2015.
Graduado em Ciências
Chefe de pesquisas sobre renda fixa em
Econômicas pela Universidade
Estrategista Alberto países emergentes do Bear Sterns (2005-
de Nova Orleans e mestre em
Global Bernal 2008). Sócio e chefe de pesquisa da Bulltick
macroeconomia pelo Kiel
Capital Markets.
Institute da Alemanha.
Analista Econômico da GAP Asset
Graduado em Engenharia
Management. Diretor de privatização da
Estrategista- Daniel Industrial pela PUC-RIO e
Secretaria de Desestatização,
Chefe Cunha mestre em Finanças
Desinvestimento e Mercados do Ministério
Corporativos pela FGV.
da Economia (2019-2020).
Graduado em Ciências
Marcos Econômicas pela USP, mestrado Professor de Econometria e Inferência Causal
Economista- Ross em Economia pela FGV-EESP e na Escola de Relações Internacionais da
Sênior Fernande doutorado em Economia pela FGV. Economista Pleno do banco HSBS
s Universidade do Estado de Nova (2010 -2012).
Iorque.
Graduado em Jornalismo pela
Universidade de São Paulo e Jornalista pela Editora Abril (2007), Le
Analista Paulo
mestrado lato senso em Monde Interactif (2009) e Folha de São Paulo
Político Gama
jornalismo multimídia pela (2009-2017).
Université Lumière Lyon.
Atuou como jornalista especializada na
Formada em Comunicação cobertura de eventos do setor Judiciário pela
Social pelo Centro Universitário emissora Globo News (2012-2014), assessora
Analista Debora
de Brasília e pós-graduada em de imprensa da Secretária de Comunicação
Política Santos
Direito Constitucional pelo do STF (2014-2016) e Consultora de
Instituto de Direito Público. Comunicação Social de gabinete de Ministro
do STF (2017).
Fonte: O autor, 2021. Com base em XP (2019).

A atuação profissional de Zeina Latif é representativa da indissociabilidade entre o


serviço de assessoria financeira e o agendamento da opinião pública acerca de eventos
políticos. Nas palavras da própria Latif, seu papel é avaliar: “o que é mais provável acontecer,
que setor pode ter melhor performance, riscos políticos e do cenário internacional”
152

(FONSECA, 2019). Além disso, é forçoso ressaltar que economistas-chefe exercem a função
de representação do posicionamento da instituição financeira a que estão associados acerca da
conjuntura na esfera pública. Logo, quanto maior o prestígio da instituição financeira, mais
relevante será a opinião do profissional para a definição da opinião do mercado sobre
determinado assunto.
Dito isso, destaca-se o discurso de Zeina Latif no vídeo intitulado "Brasil 2018:
Cenário Econômico - Agosto", postado no canal da XP Investimentos, no dia 2 de agosto de
2018. Dois meses antes da eleição presidencial, Latif argumentou que a redução da
volatilidade dos preços dos ativos no mês anterior havia sido causada principalmente pelas
"notícias positivas no front interno"144. Segundo ela:

[...] a política teve papel importante nessa melhora dos preços dos ativos com o
grande destaque para o candidato de centro, Geraldo Alckmin, conseguindo apoio de
vários partidos. Isso significa mais tempo na TV, isso ajuda a impulsionar sua
competitividade145.

No dia 13 do mês seguinte, em parceria com a economista Elena Landau, Latif voltou
a se pronunciar sobre a disputa eleitoral através da publicação do manifesto intitulado "mulher
não foge à luta". Em referência à liderança dos candidatos Fernando Haddad e Jair Bolsonaro
nas pesquisas, o relatoria argumentava que "a irracionalidade cresce na sociedade brasileira e
se manifesta como uma intensa polarização, cujos extremos se equivalem em truculência”146.
Além de economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif participa da XP Private,
segmento dedicado exclusivamente a investidores com capacidade de aportar volumes de
capital entre R$ 10 milhões e R$ 300 milhões (private banking), ou que detenham
patrimônios familiares acima de R$ 300 milhões (family office). A XP Private147 opera a partir
de escritórios em São Paulo, Nova Iorque, Genebra, Londres e Rio de Janeiro e é liderada por
Beny Podlubny. Este possui graduação em Engenharia pela PUC-Rio, pós-graduação em
finanças pela COPPEAD-UFRJ e MBA pela Wharton School da Universidade da Pensilvânia.
Antes de ingressar na XP Private, atuou no mesmo segmento nos bancos Bozano, Unibanco e
Goldman Sachs, bem como na gestora Vinci Partners148.

144
BRASIL 2018: Cenário Econômico - Agosto. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TZmPRVK0_48&t=116s. Acesso em: 09 fev 2019.
145
Ibidem.
146
MULHERES não fogem à luta. Disponível em: https://porque.com.br/mulheres-nao-fogem-a-luta/. Acesso
em: 13 setembro 2019.
147
EQUIPE. Página institucional da XP Private. Disponível em: https://www.xpprivate.com/pt. Acesso em: 20
dez 2019.
148
Ibidem.
153

Se os discursos de Latif são representativos da relação entre assessoria financeira e


agendamento da opinião pública, a atuação de Podlubny na XP Private ilustra a reprodução de
práticas aristocráticas nas relações cotidianas entre agentes do mercado financeiro, bem como
os nexos entre a haute finance nacionais e os interesses de grupos econômicos estadunidenses.
Em relação às práticas aristocráticas, nota-se que, no dia 5 de julho de 2019, algumas horas
antes da realização do XP Expert (que contou com a presença de Jorge Paulo Lemann,
Michael Phelps, Ben Bernanke, Paulo Guedes e Sergio Moro), Podlubny foi o anfitrião do
evento privativo Future Leaders. De acordo com anúncio da XP publicado na página da
Forbes Brasil na internet, o evento ocorreu para cerca de "50 convidados de algumas das mais
importantes famílias do Brasil"149 no Palácio Tangará em São Paulo.
No que tange aos nexos entre agentes do mercado financeiro nacionais e estrangeiros,
por sua vez, destaca-se os trechos da entrevista concedida por Beny Podlubny para a edição
66 da Forbes Brasil (2019). Segundo o executivo, apesar do Brasil possuir “boas firmas de
capital de risco”, o país ainda não detinha “startups de tecnologia disruptiva, como é o caso
dos aplicativos Uber e Waze”. Por conta disso, o aumento da demanda pelos serviços Private
refletia o fato de que os clientes desse segmento “percebem que podem conseguir acesso a
uma grande classe de ativos que não está disponível no Brasil”. Isso porque, continuou
Podlubny: “muitas vezes o cliente da Private quer estar na vanguarda e fazer parte de uma
história de sucesso, mas não encontra muitas oportunidades por aqui”. Ao final da entrevista,
Podlubny ofereceu uma descrição detalhada acerca das práticas de sua profissão,
demonstrando a importância dos assessores ou conselheiros private para a dinâmica de
reprodução das elites financeiras:

O dinheiro traz algumas complexidades. Muitas vezes o cliente tem prédios,


fazendas, dinheiro fora do Brasil. O primeiro passo é estruturar o patrimônio, pensar
qual a melhor maneira de organizar tudo isso, se vai ser por meio de fundos, de
empresas de participação. Para auxiliar as pessoas a tomarem esse tipo de decisão,
você precisa compreender como a família se relaciona com o dinheiro, ouvir as
histórias e os objetivos delas. Nesse sentido, é parecido com uma terapia: o cliente
tem que criar uma relação de confiança com você para abrir esses detalhes
(FORBES, 2019, p. 39).

Enquanto a XP Private consolidou a presença da XP Investimentos na haute finance


nacional, as corretoras Rico e Clear capilarizaram os discursos da empresa através de modelo
de negócios exclusivamente baseado na plataformização. Através de seus canais de

149
EVENTO reúne sucessores de grandes empresas em São Paulo. Disponível em: https://forbes.com.br/brand-
voice/2019/08/evento-reune-sucessores-de-grandes-empresas-em-sao-paulo/. Acesso em: 11 ago 2020.
154

distribuição digitais, a corretora Rico oferece cursos de educação financeira, artigos com
recomendações para formação de carteiras e a InvesTV: salas de bate-papo ao vivo, nas quais
profissionais da instituição fornecem auxílio para os clientes no momento da realização das
operações. A Clear, por sua vez, destaca-se no provimento das condições de operação para
traders, investidores que realizam operações de curto prazo fundamentados em análises
gráficas acerca da variação dos índices do mercado. Por conta disso, a empresa não cobra taxa
de corretagem, suas receitas derivam das mensalidades das plataformas, alocação de cobertura
de margem, penalidades cobradas no caso de falta de fundos para liquidação de operações,
bem como por valores em carteira não utilizados em operações (floating).
Do ponto de vista da produção e disseminação de ordens simbólicas neoliberais, as
corretoras Rico e Clear distinguem-se entre as subdunidade do GFT-XP em razão do sucesso
obtido pelos youtubers “O Primo Rico” e “Lucas Pit Money” nas redes sociais. Os
personagens “O Primo Rico” e “Lucas Pit Money” são interpretados, respectivamente, por
Thiago Nigro, ex diretor de escritório de AAI vinculado à plataforma XP e sócio da Rico e
por Lucas Pit, operador no mercado de capitais e sócio da Clear. Durante suas performances,
Thiago Nigro e Lucas Pit constroem e reproduzem imaginários orientados para a
sedimentação de práticas e valores que reproduzem a hegemonia financeira (SUM; JESSOP,
2013, p.171). No dia 6 de janeiro de 2021, os dois canais possuíam respectivamente 4.34
milhões e 363 mil seguidores.
Analisa-se especificamente as estratégias discursivas do “Primo Rico” na próxima
seção. Nesse momento, importa ressaltar que a utilização de influenciadores digitais se tornou
prática difundida entre instituições financeiras privadas. Conforme ilustra o Quadro 6, a
diversidade de personas criadas para engajar os consumidores dos serviços visa a
capilarização do discurso neoliberal em diferentes segmentos da sociedade civil. Não
obstante, associações semióticas entre os personagens podem ser identificadas em função de
três táticas persuasivas comuns. Primeiro, a conexão com a agenda que defende a propagação
de educação financeira como instrumento de superação das condições de miserabilidade
através do aprimoramento dos processos mentais que permeiam a tomada de decisão da
população brasileira. Segundo, o compartilhamento de fatos da vida cotidiana do profissional
como forma de produção de confiança e demonstração de proximidade entre
personagem/espectador. Terceiro, a generalização de trajetórias de ascensão financeira
individuais para reificação da distribuição da riqueza social (meritocracia) e mitificação das
elites empresariais.
155

Quadro 6 - Influenciadores digitais vinculados a instituições financeiras no Brasil (continua)


Nome do Empresa
Influenciador Perfil Nº de seguidores
Canal Associada
Homem, jovem, branco, de
classe média alta. Apelo ao
Thiago Nigro Primo Rico XP Inc./Rico 4,34 milhões
linguajar motivacional
(coaching) e imaginário
familiar.
Homem, jovem, branco, de
Lucas Pit Lucas Pit classe média alta. Linguajar XP Inc./Clear 364 mil
Money informal jocoso e imaginário
tecnológico.
Mulher, branca, de classe
Nathalia Arcuri Me Poupe! média. Linguagem jocosa e Modal DTVM 5,64 milhões
extremamente simplificada.
Mulher, jovem, negra, de
origem periférica.
Nathália Rodrigues Nath Alelo/Bradesco 207 mil
Associação com valores
Finanças
defendidos pelo campo da
esquerda.
Homem, jovem, branco,
Murilo Duarte Favelado morador da periférica. Apelo Itaú-Unibanco 264 mil
Investidor ao linguajar do funk e à
ostentação de bens de luxo.
Mulher, branca, de classe
média alta. Combinação
Mirna Borges EconoMirna entre perfil corporativo com BTG Pactual 1,17 milhão
linguagem jocosa
simplificadora.
Homem, maduro, branco,
Gustavo Cerbasi Gustavo BTG Pactual 831 mil
empresário. Apelo ao
Cerbasi
linguajar corporativo.
Fonte: O autor, 2021.

As empresas que concentram os serviços de educação financeira do Grupo XP são a


XP Educação e o portal InfoMoney. Em 2016, a XP Educação tinha presença física em 140
cidades e oferecia os seguintes cursos: "Aprenda a Investir seu Dinheiro"; "Casais Inteligentes
Enriquecem Juntos"; "Finanças Pessoais"; "Aprenda a Investir na Bolsa de Valores"; "Análise
Técnica"; "Análise Fundamentalista"; "Introdução ao Day Trade"; "Mercado de Opções";
"Mercado Futuro"; "Formação em Análise Técnica"; "Master Futuros"; “Master Opções";
"Preparatório para AAI"; "Preparatório para CEA"; "Preparatório para CNPI-P"; e
"Preparatório CPA-20"150.
O InfoMoney, por sua vez, é uma plataforma de comunicação que, além de divulgar os
cursos e produtos da XP Inc., oferece cobertura jornalística, dividida entre as editorias sobre

150
Disponível em: https://www.fmbinvest.com.br/wp-content/uploads/2016/04/PPT_Institucional_GrupoXP-
Marco.pdf. Acesso em: 13 set 2019.
156

Mercados, Onde Investir, Negócios, Minhas Finanças, Carreira, Economia, Política e


Personagens do Mercado, informações sobre a cotação do Ibovespa, ações, dólar e mercado
de câmbio, criptomoedas, derivativos e indicadores de inflação, ferramentas para comparação
de fundos e simulação de carteiras de ativos; bem como relatórios exclusivos para assinantes
premium. Além disso, a empresa produz os podcasts “Stock Pickers”, “Zero ao Topo”,
“Pregões que Fizeram História”, “Frequência Política e Outliers”, bem como realiza as
premiações anuais “Melhores Fundos” e “Melhores Empresas da Bolsa”151.
A relação entre a agenda de educação financeira e disseminação da ideologia
neoliberal pelo GFT-XP pode ser identificada através da análise das ordens simbólicas
utilizadas pelo InfoMoney para promover o curso on-line “Missão Brasil”152 durante o
período pré-eleitoral de 2018. Por R$ 190,00 à vista ou dez vezes de R$ 19,00, o curso
Missão Brasil consistiu em oito vídeo-aulas de quarenta minutos com “os mais importantes
pensadores do país”. Nomeadamente: Gustavo Franco (presidente do BC, 1994-1995),
Alexandre Schwartsman (diretor de Assuntos Internacionais do BC, 2003-2006), Gustavo
Loyola (presidente do BC, 1992-1993 e 1995-1997), Marcelo Giufrida (CEO da Garde Asset
Management), Samuel Pessoa (economista do IBRE-FGV), Marcos Troyjo (membro do
Conselho Consultivo do Fórum Econômico Mundial) e Marcelo Mesquita (representante dos
acionistas minoritários da Petrobras). O objetivo das vídeo-aulas era apresentar "as políticas
públicas que poderiam colocar o Brasil de volta na rota do desenvolvimento, com um
crescimento do PIB de 4% ao ano”. Em outras palavras, por menos de R$S 200 o InfoMoney
prometia “te ajudar a escolher o melhor candidato a presidente”153.
Do ponto de vista semiótico, argumenta-se que os imaginários evocados pela
propaganda do curso Missão Brasil reforçam uma concepção periférica sobre o papel do
Brasil no sistema-mundo e propõe uma heurística autoritária de práticas políticas. Em relação
ao reforço da condição periférica, indica-se a representação do personagem Tio Sam, símbolo
do processo de alistamento para as forças armadas estadunidenses desde 1870, envolto com as
cores da bandeira do Brasil. No que tange ao viés autoritário, nota-se o uso de estratégia
discursiva de fragmentação (nós contra eles) em frases de motivação e orientação das ações
na sociedade civil: “você pode - e deve - participar dessa Missão, defendendo as ideias
corretas e ajudando seus amigos a entendê-las". Além disso, ressalta-se a pretensão apolítica

151
QUEM somos. Página de apresentação institucional no site do InfoMoney. Disponível:
https://www.infomoney.com.br/quem-somos/. Acesso em: 03 out 2020
152
Disponível em: <https://cursos.infomoney.com.br/projeto-missao-brasil>. Acesso em: 10 nov 2020.
153
Ibidem
157

e, portanto, totalizante, presente em frases orientadas para a dissimulação do caráter


ideológico da iniciativa: “esse é um projeto apartidário. Não defendemos nenhum candidato
em especifico. Defendemos somente as melhores ideias para o desenvolvimento do Brasil"154.
No Quadro 7, avalia-se o modo de operação da ideologia neoliberal na síntese do
conteúdo dos episódios disponibilizados pela plataforma InfoMoney sobre os seguintes temas:
“Produtividade”, “Comércio Exterior”, “Previdência”, “Papel do Estado”, “Mercado de
Capitais”, “Educação”, “Saúde” e “Infraestrutura”. Para tanto, orienta-se pelas categorias
analíticas propostas por Thompson (1995).

Quadro 7 – Ementa do curso "Missão Brasil", oferecido pela plataforma InfoMoney no


período pré-eleitoral em 2018
Episódio Síntese do Conteúdo Modo de Operação da Ideologia
O Brasil tem um dos menores
Fragmentação: projeção da culpa pelo baixo
índices de produtividade do mundo -
Produtividade índice de produtividade atribuído ao Brasil na
e não tem como os salários serem
forma de remuneração da classe trabalhadora.
altos assim.
O Brasil é um dos países mais
Racionalização: construção de uma cadeia de
Comércio fechados do mundo - e a ideia de que
raciocínio falaciosa para justificar política de
Exterior exportar é bom e importar é ruim não
abertura comercial.
está funcionando.
O Brasil está envelhecendo - e Universalização/Dissimulação: apresentação da
teremos cada vez menos jovens transição demográfica brasileira como fenômeno
Previdência
trabalhando para sustentar os uniforme para ocultar os efeitos assimétricos da
aposentados e pensionistas. reforma previdenciária.
O governo cobra uma infinidade de Dissimulação/Fragmentação: construção de uma
Papel do impostos, mas não devolve serviços identidade coletiva falaciosa, “população”, para
Estado públicos de qualidade para a projetar oposição em direção à capacidade de
população. tributação do Estado.
A expressão “o próximo presidente
Unificação/Reificação: construção de unidade
tem que agradar o mercado”
Mercado de falaciosa, “empresas/mercado”, para naturalização
incomoda você? Pois saiba que
capitais da captura da ação presidencial pelos interesses do
empresas saudáveis criam mais
setor financeiro.
empregos.
O Brasil investe mais que a maioria
Dissimulação: criação de unidade coletiva
dos países em educação, mas chega a
Educação falaciosa, “maioria dos países”, para legitimar
ser difícil de acreditar que isso é
política de austeridade.
verdade.
Passivização/Dissimulação: ocultamento dos
O governo tem condições de
sujeitos causadores da baixa capacidade de
continuar financiando o Sistema
investimentos do governo e criação de unidade
Saúde Único de Saúde (SUS) e oferecer
coletiva falaciosa, “todos os brasileiros”, para
saúde de qualidade para todos os
ocultar as assimetrias entre grupos sociais em
brasileiros?
relação ao acesso aos serviços de saúde.
Ocupamos as últimas posições no Racionalização: construção de cadeia de
Infraestrutura ranking mundial de infraestrutura. O raciocínio para justificar adoção de políticas de
setor privado poderia resolver essa privatização.

154
Ibidem
158

questão.
Fonte: O autor, 2021. Com base em Thompson, 1995.

Portanto, nota-se que as organizações do nível intermediário do GFT-XP operam


como centro permanente de produção de ordens simbólicas neoliberais com capacidade de
segmentação discursiva através das plataformas digitais.
A Figura 6 sintetiza a estrutura organizacional do GFT-XP avaliada até aqui. Na
próxima seção, analisa-se as formas pelas quais tal rede corporativa se relaciona com a rede
de AAI vinculados à plataforma da XP Investimentos.

Figura 6 - Investidores institucionais e subunidades do GFT-XP

Fonte: O autor, 2021.

4.2.3 O Estrato Inferior: AAI e a capilarização do neoliberalismo no tecido social


159

A XP Investimentos apareceu, pela primeira vez no curso desta investigação, durante


entrevista realizada pelo pesquisador com uma assessora de investimentos (doravante,
Entrevista 1) que trabalhava como AAI em um escritório vinculado à plataforma da XP no
Rio de Janeiro. Logo no início da conversa, a entrevistada utilizou a seguinte frase para
descrever as tarefas realizadas por ela no período em que trabalhou como estagiária da
organização: “eu ia a todas as reuniões com os outros assessores, ficava de ouvinte, ouvindo o
gestor apresentar fundo, ia nos eventos da XP, palestras da XP, que é a maior corretora de
investimentos que a gente tem aqui no Brasil, da América Latina, né” (Entrevista 1). Quando
a questionei se ela trabalhava na XP, respondeu-me de imediato que “não, eu trabalhava no
escritório que é filiado à XP, assim como eu também sou hoje em dia filiada à XP”. Em
seguida, explicou-me que “a XP é uma plataforma, lá dentro, tem um monte de produto
financeiro de várias naturezas e nós [os AAI] somos os intermediários”, logo: “a profissão de
agente autônomo é uma profissão em que a gente vive de variável, eu não tenho salário fixo
[...] eu ganho de acordo com aquilo que eu capto” (Entrevista 1).
É forçoso ressaltar que as atividades desempenhadas por um AAI excedem a esfera da
intermediação. Segundo a assessora, seu principal dever era “cuidar do dinheiro dos meus
clientes”, o que implicava lhes informar sobre os vencimentos de seus ativos financeiros em
carteira, bem como acerca das novidades de mercado com base “no perfil de investidor deles”
(Entrevista 1). A importância de conhecer o perfil do assessorado decorria do fato de que
“tem gente que tá preparado pra perder tranquilo, sabe que é assim, o game é esse, né, e tem
outras pessoas que têm um apetite, assim, mais moderado” (Entrevista 1). Por exemplo, se “o
Pedro não quer, ele só quer renda fixa, só quer título... então, eu ofereço, pro Pedro, título de
renda fixa, mas é meu dever como assessora financeira, é te informar do que tem” (Entrevista
1). Ou seja, independentemente do apetite do cliente, ela iria “ligar pra você, vou te convidar
pra palestra, você vai estar sendo muito bem informado, porque a gente trabalha com
informação” (Entrevista 1). Questionada sobre as fontes dessa informação, ela mencionou as
análises de economistas renomados que apareciam na Globo News. Por fim, interrogada sobre
o grau de confiança depositado nos argumentos de tais intelectuais, ela ponderou que também
utilizava:

[...] o que sai no jornal, dados de mercado, análise gráfica, sabe [...] números
divulgados pelo governo, né, mas esses caras são uns verdadeiros deuses pra gente,
não é pra mim, mas, pra eles, são verdadeiros deuses, sabe [...] a gente tem gestores
extremamente renomados, com mestrado, doutorado, pós, pós-doc., um mundo
experimentado pelo mercado que faz os formadores de opinião desse mercado
financeiro (Entrevista 1.
160

Os trechos citados da Entrevista 1 ilustram a importância da rede nacional de


escritórios de Agentes Autônomos de Investimentos no que tange às capacidades de
influência política do GFT-XP. Em primeiro lugar, nota-se a posição estrutural de
dependência em que os AAI se situam, em relação aos estratos superiores. A profissão é
regulada pela Instrução 497 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas, desde 2012, a
profissão é certificada pela Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e
Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadoria (ANCORD), cujo conselho de administração 155 é
constituído por executivos das corretoras que controlam as principais plataformas do mercado
financeiro brasileiro.
Em parceria com a FGV, a ANCORD é responsável por exames cujo valor era de R$
460 reais em 2018. Após a aprovação, o AAI individual precisa pagar uma taxa trimestral de
R$ 634 para a instituição. Escritórios de AAI, por sua vez, arcam com uma taxa trimestral de
R$ 1.269. Além disso, é forçoso notar que a CVM, as bolsas de valores e as corretoras exigem
cursos semestrais de atualização, bem como há despesas adicionais relacionadas com o
aluguel de gravador de ligação telefônica, exigido pela CMV (aproximadamente R$ 500 por
mês), e manutenção de trajes adequados para atendimento a clientes do mundo corporativo
(LARGHI, 2019).
Em segundo lugar, nota-se que, embora os assessores não possuam vínculo
empregatício com as corretoras das plataformas a que estão vinculados, eles operam sob
contratos de exclusividade no que tange à distribuição de ativos financeiros, como ações e
debêntures. Caso deseje se desvincular da plataforma, um AAI precisa de uma carta de
dispensa da corretora, que pode demorar até dois meses, o que, em uma profissão cuja forma
de remuneração varia de acordo com taxas de captação de clientes, bem como do volume e da
qualidade dos ativos financeiros adquiridos pelos assessorados, é um tempo bastante extenso.
Além disso, escritórios de AAI156 estão proibidos de contratar profissionais de outras áreas,
bem como de firmar sociedade com entidades jurídicas empresariais diferentes. Desse modo,
as relações de confiança entre AAI e seus clientes são o único elemento de barganha dos
profissionais autônomos.
A dependência em relação à corretora e a necessidade de construção de confiança
entre AAI e cliente constituem fortes incentivos para que os AAI repliquem as opiniões dos

155
CONSELHO de administração. Página do Conselho de Administração da Ancord. Disponível em:
https://www.ancord.org.br/institucional/conselho-de-administracao/ Acesso em: 10 mar 2020
156
ATUE com assessoria de investimentos. Disponível em: https://www.xpi.com.br/seja-um-assessor/. Acesso
em: 10 out 2020.
161

economistas-chefe e analistas -políticos-chefe no que tange às opiniões sobre a evolução do


cenário político e macroeconômico. Diante disso, a Figura 7 apresenta o fluxo informacional
no interior do GFT-XP. O nível superior da cadeia de transmissão de ordens simbólicas é
composto tanto pela haute finance, que ocupa os conselhos de administração das empresas
controladoras da XP Inc., quanto pelos formadores de opinião do mercado financeiro, que
produzem e transmitem análises conjunturais através de relatórios, palestras e plataformas
digitais. O nível intermediário é formado pelos AAI. Estes não apenas replicam as ordens
simbólicas transmitidas pelo nível superior, como são responsáveis pela personalização das
narrativas da haute finance de acordo com as características de seus assessorados. A ponta
oposta da cadeia é constituída pelos agentes com capacidade de poupança para realizar
aplicações em ativos financeiros na plataforma da XP. Na medida que os clientes adquirem
confiança e compartilham informações pessoais com seus assessores, o fluxo informacional
adquire continuidade no sentido oposto, constituindo-se como uma fonte de inteligência
descentralizada e de baixo custo para a haute finance do GFT-XP.

Figura 7 - Fluxo informacional no interior do GFT-XP

Fonte: O autor, 2021.

A utilização de AAI por instituições financeiras precede a emergência da XP


Investimentos. Todavia, o modelo implementado pela XP distinguiu-se pela articulação entre
162

uma rede física de AAI e uma plataforma digital aberta de distribuição de produtos
financeiros gerenciada pela corporação. Com isso, a empresa se tornou uma espécie de
supermercado, em que os expositores de produtos são outras instituições financeiras, os
clientes são os investidores e os intermediários são os assessores vinculados à XP. Para
acessar esse mercado, as gestoras pagam comissão para a XP, bem como adequam-se aos
critérios especificados pela empresa.
Para os AAI, o acesso à plataforma é uma vantagem fundamental para convencerem
clientes de grandes bancos a transferirem suas economias para um ambiente seguro e
potencialmente lucrativo. Portanto, quanto mais instituições financeiras expõem seus
produtos, mais valiosa a plataforma da XP fica para os AAI. Por sua vez, quanto mais AAI
cadastrados na plataforma XP, mais preciosa ela se torna para as demais instituições
financeiras157.
A Figura 8 apresenta a distribuição regional de AAI vinculados à plataforma XP em
junho de 2018. Apesar de relevante concentração no Estado de São Paulo, nota-se a presença
de escritório em todas as unidades da federação, explicitando-se o alto grau de capilaridade do
GFT-XP na sociedade civil brasileira.

Figura 8 – Distribuição regional de escritórios AAI vinculados à plataforma XP (2018)

157
Em apresentação institucional do Grupo XP de 2016, a empresa destacou a presença dos seguintes fundos em
sua plataforma: BTG Pactual, Sul América, XP Gestão de Recursos, J.P. Morgan, VINCI Partners, ARX,
Kapitalo, Garde, Kyros Investimentos, Sparta Fundo de Investimentos, SPX, AZ Legan, Porto Seguro Seguros,
Crédit Agricole, Modal, Solana, Victoire Brasil Investimentos, OPPORTUNITY, DLM Invista, SRM, Canvas
Capital, Apex Capital, Kondor, Deustche Bank, Patria Investimentos, Capitânia, Absolute Investimentos, Brasil
Plural, Icatu, Gap Asset Management, Ibiuna, Bozano Investimentos, AZ Quest, Western Asset, Franklin
Templeton Investiments, Advis Investimentos, Murano Investimentos, Mapfre, Votorantim Asset, BBM
Investimentos, Valora Investimentos, Claritas, Mirae Asset Global Investimentos, Rio Bravo e BNP Paribas
Asset Management. Disponível em: https://www.fmbinvest.com.br/wp-
content/uploads/2016/04/PPT_Institucional_GrupoXP-Marco.pdf. Acesso em: 13 set 2019
163

Fonte: O autor, 2021158

A relação entre a XP Investimentos e os AAI é permeada pelos conflitos existentes no


que tange ao contrato de exclusividade e a responsabilização da corretora no caso de
ilegalidades cometidas pelos assessores autônomos vinculados a sua plataforma. Para os fins
desta tese, tais tensões importam, porque demonstram os desafios para a gestão da rede de
disseminação de ordens simbólicas pela organização.
Como forma de mitigar o problema, a XP utiliza tanto incentivos positivos, como
prêmios, cursos de formação e programas de aceleração, quanto negativos, como auditoria
extensiva periódica, imposição de multas pecuniárias e exclusão da plataforma por três meses
em caso de reclamações. Para tanto, utiliza-se da plataforma HUB XP, que disponibiliza as
interfaces e recursos que habilitam as operações cotidianas dos AAI, mas também constitui
um aparato descentralizado de vigilância e disciplinamento da força de trabalho.
O Quadro 8 sintetiza as relações entre a infraestrutura material e digital controlada
pelo GFT-XP e suas respectivas aplicações no que tange ao modelo de negócios e às
capacidades políticas da entidade. A rede de AAI - funcionários terceirizados espalhados por

158
Com base em informações disponíveis em: ENCONTRE um escritório credenciado à XP perto de você.
Página de acesso à busca de escritórios físicos no site da XP Investimentos. Sem data [s.d.]. Disponível em:
<https://institucional.xpi.com.br/sobre-a-xp/encontre-um-escritorio/>. Acesso em: 10 dez. 2019.
164

todo território nacional, dependentes do acesso à plataforma e da credibilidade da haute


finance do GFT-XP - permitiu a implementação de um modelo de negócios baseado na
exploração de nichos de mercado negligenciados por outras instituições financeiras, bem
como na captação de clientes de forma descentralizada. Concomitantemente, consolidou-se
como um contingente mobilizado e treinado para coleta de inteligência e difusão de ordens
simbólicas neoliberais personalizadas.
O pioneirismo na criação de uma plataforma digital aberta de distribuição - que
conecta os produtos de instituições distintas aos clientes e assessores vinculados à XP
Investimentos - e uma plataforma de gestão - que contém as interfaces habilitadoras das
operações quotidianas dos AAI - garantiu à empresa uma posição central no mercado
financeiro brasileiro, possibilitou a gestão descentralizada da força de trabalho e potencializou
os ganhos de intermediação no varejo. Simultaneamente, tornaram-se dispositivos
disciplinadores do contingente de AAI, disseminadores de ordens simbólicas e coletadores de
dados.
Por fim, as plataformas de comunicação da XP e os canais dos influenciadores
digitais, nas redes sociais, habilitaram não só a capilarização do discurso corporativo, como
também a disseminação da ideologia neoliberal de forma dissimulada, pois transmitida pela
voz de personagens criados para atingir emocionalmente diferentes grupos sociais, bem como
articulada com a agenda de educação financeira.

Quadro 8 – Plataformas XP: modelo de negócios e capacidades políticas (continua)


Infraestrutura
Descrição Modelo de Negócios Capacidades Políticas
Material e Digital
Rede de funcionários
Contingente mobilizado e
terceirizados espalhados Capilarização do discurso
treinado para coleta de
por todo território corporativo em nichos de
inteligência e difusão de
Rede de AAI nacional, dependentes do mercado não explorados
ordens simbólicas
acesso à plataforma e à e captação de clientes
neoliberais
credibilidade da haute descentralizada.
personalizadas.
finance do GFT-XP.
Plataforma que conecta os
Pioneirismo na segunda
produtos de instituições Dispositivo de coleta de
Plataforma digital Era Digital, centralidade
financeiras distintas aos dados, agendamento
aberta de distribuição de rede, potencialização
clientes e assessores político e difusão de
de ativos financeiros dos ganhos de
vinculados à XP ordens simbólicas.
intermediação no varejo.
Investimentos.
165

Plataforma que contém as Gestão automatizada dos


Plataforma digital de Dispositivo de
interfaces habilitadoras AAI através de
gestão (exemplo da disciplinamento e coleta
das operações quotidianas tecnologias de
HUB XP)159 de dados.
dos AAI. mensuração.
Transmissão de ideologia
Plataformas digital de Plataformas de
Capilarização do discurso neoliberal articulada com
comunicação (a comunicação da XP e
corporativo em nichos de agenda de educação
exemplo da canais de influenciadores
mercado não explorados. financeira e com apelo
InfoMoney) digitais nas redes sociais.
emocional.
Fonte: O autor, 2021.

Portanto, a análise da ecologia organizacional do GFT-XP demonstrou a existência de


uma assembleia formada por diferentes formas de poder, associadas através de sistemas de
parentesco, relações contratuais e dispositivos tecnológicos, das quais emerge uma entidade
que conecta a ideologia e os interesses particulares das elites que compõem a haute finance
transnacional com as interações cotidianas entre os AAI e seus clientes espalhados por todo
Brasil.
Na próxima seção, investigam-se três situações em que as capacidades de influência
política do GFT-XP foram mobilizadas. O primeiro episódio baseia-se na experiência do
pesquisador com os serviços da empresa; o segundo consiste na descrição do contexto e da
palestra proferida por Guilherme Benchimol e Jorge Paulo Lemann durante o Expert XP; e o
terceiro, nas performances de Thiago Nigro como influenciador digital no canal “O Primo
Rico”.

4.3 Modalidades de Ação Política

Para abrir uma conta na XP Investimentos ou em um escritório de AAI vinculado à


plataforma da empresa, o cliente entra em contato com um assessor que lhe explica as
dinâmicas de funcionamento do serviço. Para encontrar um assessor, uma das alternativas é a
busca no site da XP Investimentos matriz. Ao clicar na aba “Encontre um escritório”, duas
caixas de busca aparecem na tela. Na primeira, escolhe-se uma das 27 unidades federativas

159
MELHORES Momento. Thiago Maffra e Gabriel Boselli: a tecnologia transformando a vida do assessor. 1
video (31:05 min). Publicado pelo canal da XP Investimentos no Youtube, 20 jul. 2019. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5Mt74lpN2dM&list=PLpXK-
oIrNjiO864vEowa9RrCgCdWQAFIC&index=18 Acesso em: 20 set 2020
166

em que há, pelo menos, um escritório da XP fisicamente instalado; na segunda, especifica-se


o munícipio. No espaço inferior na tela, observam-se as marcas dos escritórios de AAI que
compõem o G20 da corporação. Este consiste em um ranking que define “os 20 escritórios
com maior destaque no atendimento ao cliente e na qualidade dos seus serviços”. Uma vez
pertencente ao G20, um escritório de AAI aumenta significativamente sua capacidade de
captação de clientes em razão da exposição nos canais midiáticos do GFT-XP e da elevação
da credibilidade no mercado.
Outra forma comum de se tornar um cliente da XP é a indicação de um assessor
financeiro por um indivíduo de confiança. Nesse caso, a suspeita em relação às complicadas
taxas de valorização, corretagem e riscos envolvidos na aposta em um ativo financeiro
dissipa-se em razão da relação de confiança que fortalece os imaginários de que o dinheiro
estará relativamente seguro e de que há possibilidade real de aumento da renda com baixo
esforço. Foi desse modo que entrei em contato com meu assessor. Após troca de mensagens
via WhatsApp, fui convidado para uma reunião informal no escritório de sua corretora,
localizada no terceiro andar de um prédio comercial no centro do Rio de Janeiro. No hall de
entrada da empresa, havia um pequeno totem com uma bola de futebol, assinada pelo jogador
Ronaldinho Gaúcho, ao lado de uma televisão na parede, na qual os comerciais da XP com o
ator Murilo Benício e o apresentador Luciano Huck se alternavam.
A reunião ocorreu em aproximadamente trinta minutos. Nesse período, esclareci
minhas dúvidas acerca das operações, rentabilidades e riscos envolvidos no mundo dos ativos
financeiros. A conversa foi interrompida apenas quando adentrou, na sala, um senhor
carregando, nos ombros, um grande saco, contendo as balas de iogurte, chocolates e
paçoquinhas que ele vendia no centro da cidade. O trabalhador informal era conhecido no
escritório, pois quatro outros assessores de camisa social, que estavam na corretora,
aproveitaram a pausa para se juntarem a nós. Meu assessor ofereceu-me todos os doces que eu
quisesse por sua conta.
Ao final, fui informado de que, antes de abrir a conta, era necessário preencher um
questionário que classificaria meu perfil de investidor. A mensuração do “apetite” por risco é
realizada através de nove questões objetivas, as quais respondi de maneira enviesada, visando
a evitar a vergonha de ser enquadrado como “conservador”, ou seja, uma pessoa que prefere
“investir em produtos de baixo risco e ganhar menos, mas ganhar sempre”. Por conta disso, o
algoritmo me definiu como “moderado”, isto é, um indivíduo que "deseja segurança em seus
investimentos, mas aceita algum tipo de risco para obter retornos acima da média. Busca
167

ganhos a médio-longo prazo, em regra, detém algum tipo de conhecimento sobre


investimentos"160.
Terminada a mensuração, recebem-se três senhas para acessar a plataforma da XP pelo
computador ou smartphone. Com tais dispositivos, realizam-se ordens de compra e venda de
ativos financeiros de centenas de instituições financeiras distintas; contratam-se plataformas
de home broker para aplicação direta nos mercados de ações; bem como visualizam-se
gráficos com análises sobre a lucratividade da carteira de ativos em comparação com outras
combinações de investimento.
Além disso, na parte superior da tela da interface digital, há uma aba denominada
“Conhecimento”. Nesse setor, localizam-se os serviços de educação financeira oferecidos
como os “melhores conteúdos sobre investimentos, direto da fonte, seja você iniciante ou
especialista”161. Os artigos dividem-se em cinco categorias. A primeira, denominada
“Produtos em destaque”, contém análises e links para realização de aplicações em fundos de
investimentos, fundos imobiliários, fundos de renda fixa, previdência privada e Certificados
de Operações Estruturadas. A segunda consiste em pequenos artigos com explicações sobre
“carteiras recomendadas”, de acordo com diferentes critérios de classificação. A terceira,
quarta e quinta categorias contêm textos de opinião e pesquisas sobre conjuntura política
econômica, criptomoedas, bem como os últimos relatórios divulgados pelos analistas da
empresa.

No dia 24 de janeiro de 2020, na seção “Últimos relatórios”, cliquei no artigo


intitulado "Quer uma aposentadoria tranquila? Planeje-se"162. Isso, porque o uso do
imperativo me chamou a atenção: tratava-se de uma ameaça ou uma ordem? Ao abrir o texto,
no entanto, notava-se uma mudança no tom. De fato, era um conselho sobre como lidar com o
novo arranjo institucional do Estado-nação brasileiro.
O documento argumentava que uma aposentadoria tranquila não era mais um direito
constitucional, mas sim uma "meta de muitas pessoas”, algo a ser planejado cuidadosamente
ao longo da juventude. Logo, o uso do imperativo decorria da urgência da questão. Em outras
palavras, “em um cenário pós-reforma da Previdência", era preciso “começar a poupar o

160
Disponível em: https://portal.xpi.com.br/pages/suitability/perfil.aspx. Acesso em: 23 nov 2020.
161
Disponível em: https://conteudos.xpi.com.br//?_ga=2.112051332.1682392307.1621695786-
739294801.1621428927. Acesso em: 10 jun 2020
162
Disponível em: QUER uma aposentadoria tranquila? Planeje-se. Research XP, 2020. Disponível em:
https://conteudos.xpi.com.br/aprenda-a-investir/relatorios/aposentadoria-tranquila/. Acesso em: 24 jan 2020
168

quanto antes”, pois "depender exclusivamente da aposentadoria do governo pode não ser sua
melhor opção”. No entanto, não havia razão para maiores preocupações, pois para me ajudar
"a entender isso e outros aspectos importantes para se construir uma aposentadoria tranquila, a
XP possui uma plataforma completa de produtos e conteúdos sobre previdência privada".
As palavras "cenário pós-reforma da Previdência" estavam sublinhadas, indicando a
existência de um hiperlink para outro artigo. A página que salta na tela do cliente que se
aventura a clicar contém texto do analista Leonardo Pinto. De acordo com Pinto (2020), os
tempos eram outros, pois a reforma da previdência “assunto de complexidade elevada
discutido há anos por economistas, políticos e profissionais do mercado financeiro de alto
escalão” havia sido aprovada no Senado. Em seguida, o autor justificava que a medida do
governo federal buscava “estabelecer o reequilíbrio das contas públicas a longo prazo” e
afastar a principal ameaça com a qual o Brasil se deparava: "a insolvência fiscal". Isso, porque
a insolvência, prossegue o analista, indica que o governo brasileiro foi irresponsável e "não
consegue arcar com os gastos da máquina pública", “afetando a percepção de segurança
institucional e o ambiente de negócios".
Logo abaixo do texto, em amarelo vibrante, posicionava-se um quadrado com a frase
escrita em azul claro no interior: "se você ainda não tem conta na XP, abra a sua aqui",
seguido de uma foto ampliada de uma Carteira de Trabalho, objeto de desejo de milhões de
brasileiros que foram deslocados para a informalidade nos últimos quatro anos163.
Conforme ilustra o Quadro 9, as condições institucionais para que a frase “Quer uma
aposentadoria tranquila? Planeje-se” apresentassem apelo entre os clientes que acessam os
conteúdos disponíveis na plataforma da XP foram construídas com a contribuição ativa de
atores sociais vinculados ao GFT-XP entre 2014 e 2019. Ao longo dos cinco anos que
marcam a emergência da operação Lava Jato e a aprovação da reforma da Previdência, o
argumento da irresponsabilidade fiscal foi mobilizado tanto como instrumento desqualificador
do governo Dilma Rousseff quanto como legitimador das reformas institucionais adotadas
pelos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Portanto, em janeiro de 2020, o argumento de que depender da aposentadoria do
governo não era mais uma boa opção tornou-se crível, porque, nos últimos quatro anos,
priorizar o provimento de bem-estar social da população deixou de ser uma opção para o
governo federal. Além disso, as opiniões dos profissionais de “alto escalão” sobre os assuntos
de “complexidade elevada” foram reiteradamente apresentadas através de narrativas

163
Ibidem
169

simplificadoras, que recorrem a metáforas e mensurações estatísticas para dissimular a


ausência de mecanismos explicativos que sustentem as conclusões apresentadas.
Por fim, nota-se que a utilização de locuções como “país da meia entrada”, “infantiliza
as relações com a sociedade” e “só mais um traguinho”, em uma discussão acerca dos rumos
da política econômica nacional, indicam a difusão de um modelo de pensamento caracterizado
pela síndrome da condição periférica, isto é, a tendência de interpretar “diferenças qualitativas
no plano da existência: aquilo que era apenas um juízo de fato se transformou, no plano das
representações sociais, num juízo de valor - inferioridade no plano da existência e da cultura”
(LYNCH, 2019, p. 19). Logo, a austeridade seria não apenas um modelo de política
econômica, mas uma forma de correção da cultura brasileira.

Quadro 9 - Disseminação de ideologia neoliberal por agentes e plataformas digitais


vinculadas ao GFT-XP (2014-2019) (continua)
Evento Trecho Destacado Modos de Operação da Ideologia
Acerca da conjuntura econômica, a
economista-chefe da XP argumentou que "a
Dissimulação/Fragmentação/Reificaçã
chamada tempestade perfeita não se formou
o: metáfora da “tempestade perfeita” foi
por sorte, e isto é ruim para o Brasil". Em
mobilizada para amplificar o peso da
Trechos do debate seguida, qualificou o programa Bolsa-Família
crítica à política econômica do governo
entre Zeina Latif, e a utilização do BNDES como instrumento
federal. A locução “o país da meia-
Delfim Netto, de promoção de empresas brasileiras como
entrada” e o verbo “infantiliza” visam,
Luiz Carlos erros políticos graves do governo federal:
respectivamente, à demarcação da
Mendonça de “isto não é política fiscal. A gente só quer
existência de grupos parasitários dentro
Barros e William saber da nossa meia-entrada. É o país da
do país e à construção de uma narrativa
Wack durante o meia-entrada". A existência da mentalidade
que culpabilize políticas públicas de
XP Expert da “meia-entrada” seria responsabilidade do
redistribuição de renda pela crise
divulgados pelo governo federal que "infantiliza as relações
econômica. A justificativa para o
InfoMoney em com a sociedade". Por fim, mobilizou a
aumento das tarifas do transporte
março de 2014 concepção da “meia entrada” para criticar as
público retrata uma decisão
reivindicações do movimento “Passe Livre”
historicamente situada como um
contra o aumento nas tarifas de transporte
fenômeno natural da dinâmica de
público: "se houve um aumento dos custos,
mercado.
deveria ter tido o repasse para o usuário"
(RIZÉRIO, 2014, n.p).
Dissimulação/Unificação: o argumento
Trecho da
de que a PEC dos gastos “não é” um
Entrevista “A PEC dos gastos é uma tentativa de você
instrumento de ajuste fiscal é uma
concedida pela estabelecer limites para o crescimento do
eufemização da consequência imediata
economista-chefe gasto público, não é um instrumento de ajuste
da medida: ajuste fiscal permanente. As
da XP, Zeina fiscal, mas força a gente a pensar em
locuções “forçar a gente” e “forçar a
Latif, para o canal instrumentos para o ajuste fiscal. Ora, se há
sociedade” visam à construção de uma
do Palácio do limite para o gasto público e a gente sabe que
unidade coletiva inexistente, uma vez
Planalto no alguns gastos crescem de forma automática,
que o processo de formulação de
YouTube no dia isso força a sociedade a repensar as políticas
políticas públicas é definido em arenas
16 de setembro de públicas para caber no orçamento” (LATIF,
institucionais em que os grupos sociais
2016 acerca da EC 2016).
possuem capacidades assimétricas de
95
representação.
Apresentação da Zeina Latif argumentou que a queda na Legitimação/Racionalização/Fragmenta
170

economista-chefe inflação provava que a mudança na política ção: a defesa da política de austeridade
da XP, Zeina econômica estava no “caminho certo”. do governo Temer é realizada através
Latif, no encontro Segundo ela, iniciara-se uma “política fiscal, de uma construção narrativa que
"O Brasil sob a mais transparente, crível, responsável, sem qualifica os cortes de investimentos
Perspectiva de pedalada, ou contabilidade criativa” que públicos como atitudes responsáveis
Wall Street", poderia “dar tranquilidade para o investidor que, consequentemente, sugerem maior
promovido pela que não vai ter calote nem de espiral tranquilidade para o investidor. Latif
AMCHAM em inflacionária”. Em seguida, asseverou que visa a reforçar o argumento a partir da
São Paulo no dia “esse é o diagnóstico correto, time econômico diferenciação entre o campo semântico
12 de maio de impecável e um governo com capacidade formado por Dilma Rousseff,
2017 política para aprovar reformas como a da populismo e irresponsabilidade e as
previdência”. Por fim, afirmou que em razão concepções de “instituições sólidas” e
da institucionalização do teto de gastos “time econômico impecável”, utilizadas
“Dilma não seria Dilma nos dias de hoje”, ou para qualificar a equipe comandada
seja, “não tem mais dinheiro pro populismo, pelos financistas Henrique Meirelles e
nossas instituições estão mais sólidas e não Ilan Goldfajn no Ministério da Fazenda
tem mais recursos para fazer política e no BC.
econômica irresponsável” [informação
verbal]164.
A matéria de autoria de Mariana D’Avila foi
publicada com o seguinte título: "Aprovação Legitimação/Simplificação:
da reforma trabalhista pode gerar 2,3 milhões a defesa da proposta de reforma
Estudo realizado de empregos, diz estudo". No corpo do texto, trabalhista do governo Temer se
pelo Santander, a colunista destacou trecho do estudo que fundamenta na construção de uma
divulgado na argumentava que “a aprovação da reforma narrativa falaciosa que mobiliza uma
plataforma de trabalhista é fundamental para acelerar a autoridade científica, “diz estudo”, para
comunicação saída da recessão (via confiança e indicar a possibilidade de criação de 2,3
InfoMoney no dia investimentos), reduzir estruturalmente o milhões de empregos. A hipótese é
21 de junho de desemprego (através da melhora da sustentada através de argumentos que
2017 competitividade da mão de obra brasileira) e simplificam as condições necessárias
diminuir a desigualdade de renda via para superação dos desafios estruturais
contenção da informalidade" (D’AVILA, com que o Brasil se depara.
2017)
Legitimação/Simplificação: a
quantificação da opinião de
Matéria de autoria de Álvaro Campos,
profissionais de instituições financeiras
publicada no site Valor Econômico, com o
Pesquisa de visa à construção de uma unidade
título: "Se a reforma da Previdência não for
opinião realizada coletiva inexistente que represente
aprovada, o dólar iria para R$ 4,20, a Selic
pela XP com 122 simbolicamente a opinião do mercado.
subiria para 7,5% e o Ibovespa recuaria para
pessoas (gestores O recurso à mensuração estatística
75 mil pontos". No corpo do texto, o autor
de recursos, confere não apenas grau de
destacou que a pesquisa também concluíra
economistas e impessoalidade ao argumento em
que "com uma aprovação integral do projeto
consultores) nos defesa da reforma da previdência, como
apresentado pelo governo Jair Bolsonaro, o
dias 25 e 27 de também preserva a força persuasiva da
dólar iria a R$ 3,40, a Selic recuaria para
fevereiro de 2019 comparação mesmo diante da ausência
6,0% e o Ibovespa avançaria para a faixa dos
dos mecanismos explicativos dos
120 mil pontos" (CAMPOS, 2019)
distintos resultados nas variáveis
mencionadas.
Entrevista com Questão do entrevistador: “Parte do governo Dissimulação/Fragmentação: a
economista-chefe estuda flexibilizar a regra do teto. O que acha equivalência entre as dificuldades
da XP divulgada dessa medida?”. Resposta de Latif: “Não é enfrentadas por um dependente químico
pelo periódico O uma boa ideia. Abre precedente ruim. Para para superar o vício e a proposta de
Estado de São mim, é equivalente ao sujeito que é viciado e flexibilização do EC 95 consiste na
Paulo no dia 04 de fala 'só mais um traguinho'. Tem de insistir reformulação do argumento da
setembro de 2019. na agenda de redução de despesas estruturais, “irresponsabilidade fiscal” de forma

164
XP: A queda da inflação é um sinal de que a politica econômica está no caminho certo. 1 video 9:48 min.
Publicado pelo canal da Amcham Brasil no Youtube, 12 mai. 2017. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wLYiQC--okk&t=2s Acesso em: 10 jan 2020.
171

mudando essas regras que vinculam gastos à metafórica, com o objetivo de produzir
inflação” (ESTADÃO, 2019). uma narrativa simplificada e com apelo
emocional. A mobilização do
alcoolismo, grave problema de saúde
pública, como instrumento
argumentativo em um debate sobre
política econômica visa a estigmatizar
agentes com propostas divergentes.
Fonte: O autor, 2021.

Além da disseminação de ordens simbólicas neoliberais através de plataformas


digitais, a ação política do GFT-XP pode ser identificada nas performances realizadas nas
edições anuais do Expert XP, evento corporativo emulado pela XP Investimentos da corretora
estadunidense Charles Schwab. Do ponto de vista político, o Expert desempenha duas
funções. Em primeiro lugar, constitui-se como um ritual de conexão entre os agentes do
estrato superior e as unidades constituintes do nível inferior do GFT-XP. Segundo avaliou-se
na seção anterior, a relação entre a XP matriz e os AAI possui baixo nível de formalidade e é
permeada por conflitos de interesse. Em um modelo de negócios com tais características, a
identificação da força de trabalho com os valores da empresa é condição necessária para a
continuidade das operações. Nas palavras do CEO da XP: “é necessário criar uma prisão sem
muros pra esses caras” (FILGUEIRAS, 2019, p. 106).
Em segundo lugar, o Expert opera como um espaço de articulação de interesses e
mobilização de forças entre atores da coalizão neoliberal. Além de palestras, o evento também
é uma feira onde representantes de diferentes instituições financeiras, assessores de
investimento e investidores reúnem-se fisicamente, trocam informações e ampliam suas redes
de relacionamento.
Em outras palavras, ser convidado para falar no Expert significa não só a possibilidade
de adquirir a admiração de um auditório lotado de potenciais aliados, mas também de ter suas
ideias replicadas nas plataformas digitas da XP e nas recomendações dos AAI espalhados pelo
Brasil. Em 2016, ano do golpe parlamentar contra o governo Dilma Rousseff, o evento foi
realizado na cidade de Atibaia, interior do Estado de São Paulo, reuniu cerca de 2 mil pessoas
e teve, como convidados principais, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os
empresários Abílio Diniz e Martín Escobari, bem como Alexandre Schwartsman e Zeina
Latif.
Em 2017, ano do alinhamento entre a XP Investimentos e o Itaú-Unibanco, o
convidado de honra foi Roberto Setúbal, que apareceu no auditório conversando com seu
recém-novo sócio, Guilherme Benchimol. Além de Setúbal, Deltan Dallagnol, procurador-
172

chefe da operação Lava Jato, participou do evento. Dallagnol proferiu palestra intitulada:
“Corrupção e Ética nos Negócios” (SALOMÃO, 2017. Ao longo de sua fala, o procurador
apresentou Power Point para defender a hipótese de que “um país corrupto traz, como
consequência, piora de competitividade e menos investimentos”). Em seguida, criticou a
política de apoio ao empresariado nacional promovida pelo BNDES: “num país corrupto, os
campeões nacionais vencem, pois, na linha de largada, eles já pagam suas propinas e saem na
frente. Além disso, corrupção afasta investimentos: quem quer investir em empresas
corruptas?”. Por fim, conforme relatou o autor da matéria: “Dallagnol disse que a ideia de
criar heróis na Lava Jato é péssima. ‘Quando nós criamos heróis, a gente fica assistindo ele
fazerem as coisas. Se você quer mudanças, você precisa levantar e fazê-las’, disse o homem
forte da Lava Jato, arrancando aplausos do público” (SALOMÃO, 2017).
Do campo político, o destaque da edição de 2017 foi João Dória (PSDB), o qual era
prefeito de São Paulo e flertava com a possibilidade de concorrer à presidência em 2018.
Diante de um auditório lotado, argumentou que havia implementado, em São Paulo, “o mais
rigoroso programa de desestatização já realizado em uma metrópole do país” e asseverou que,
enquanto ele não tinha “medo de falar em privatização”, o “PT morre de medo, não fala em
privatização, porque, quando você fala em privatizar, você fala em diminuir boquinhas,
empreguinhos, vantagenzinhas, você coloca o Estado do tamanho que ele precisa ser”
(CORONATO, 2017).
Em seguida, conclamou os espectadores à ação política através da criminalização dos
governos petistas: “se nós, que podemos ajudar a transformar esta realidade, não agirmos,
quem vai ficar com o Brasil? Esta turma que durante 13 anos roubou, ajudou a roubar e
construiu o maior assalto aos cofres públicos da história mundial?” (Ibidem). E continuou o
discurso personalizando os ataques ao ex-presidente Lula: “o Luiz Inácio Lula da Silva, o
maior cara de pau do Brasil [...] é melhor que este sem-vergonha dispute as eleições e perca as
eleições de outubro do ano que vem, a ser vitimizado, porque teve uma intervenção do
judiciário" (CORONATO, 2017). Por fim, transmitiu orientações de conduta:

Para isso, é preciso ter estratégia e comportamento de guerreiro. Os maiores


guerreiros da história souberam exatamente a hora de colocar o seu exército no
ataque. Mesmo com o exército superior, nunca precipitaram um ataque, nunca
avançaram a linha de ataque antes da hora. Por isso exige reflexão, planejamento e a
capacidade de proteger o Brasil (Ibidem).

A edição de 2018 do Expert foi realizada na Transamerica Expo Center, na Zona Sul
de São Paulo, e reuniu aproximadamente 15 mil pessoas. Realizado um mês antes das eleições
173

presidenciais, o evento contou com a presença de Amyr Klink (velejador), Bill Clinton (ex-
presidente dos EUA), Pedro Parente (ex-presidente da Petrobras), Luís Roberto Barroso
(Ministro do Supremo Tribunal Federal), Luciano Huck (apresentador de televisão) e Luiz
Felipe Pondé (filósofo)165.
Acerca da preferências eleitorais dos participantes, uma reportagem da revista Época
entrevistou dois AAI. O primeiro, do escritório Maxi Capital, colocou: "Já jogou Resta Um?
O mercado financeiro é anti-PT e fechou com o candidato mais forte da direita, que é o
Bolsonaro"166. A segunda, do escritório Ápice Investimentos, ponderou que "toda vez que
escuto uma fala machista, sinto arrepio. Sei do perfil conservador e, por vezes, reacionário do
Bolsonaro. Mas, diante do risco da volta do PT, vou de Bolsonaro" 167.
A edição de 2019 do Expert aconteceu, mais uma vez, no Transamerica Expo Center e
contou com a presença de Michael Phelps (nadador olímpico), Ben Bernake (ex-presidente do
FED), Gerson Camarotti (apresentador da Globo News), Paulo Guedes (então Ministro da
Economia), Luís Roberto Barroso (Ministro do STF), Sergio Moro (ex-juiz federal e então
Ministro da Justiça). Destaca-se, no entanto, a palestra intitulada "Cultura e resultado: a
história de Jorge Paulo Lemann e Guilherme Benchimol", realizada no dia 6 de julho, frente a
três telões de cinema e diante de um auditório lotado168.
A performance começou com o apagar das luzes e o entoar de uma música épica em
alta definição. Em seguida, surgiram luzes de diferentes cores, em formato de “x”, e, no
centro dos três telões, as marcas da XP e do Expert 2019, seguidas da frase: “o maior evento
de investimentos do mundo”. Cerca de 20 segundos depois, tambores graves começaram a
soar. Logo, todas as luzes apagaram-se uma vez mais. Por um instante, o silêncio imperou no
auditório. No momento seguinte, um cenário estelar apareceu e uma contagem regressiva foi
iniciada. Dez segundo depois, uma supernova emergiu na tela e, da explosão, voaram
manchetes de jornais sobre a trajetória da XP Investimentos desde 2011. De repente, uma voz
grave masculina ressoou pelo auditório declamando pausadamente:

Estar preparado é o único jeito de enxergar o que ninguém nunca viu. É mais do que
aproveitar as oportunidades, é criar as suas. É sentir o frio na barriga, mas

165
CLARITAS na Expert XP 2018: o maior evento de investimentos da América Latina. 17 set 2018. Disponível
em: https://blog.claritas.com.br/claritas-na-expert-xp-2018-o-maior-evento-de-investimentos-da-america-latina/
Acesso em 18 mar 2020
166
O BRASIL que o mercado financeiro quer. Relato sobre o Expert 2018 publicado pela revista Época.
Disponível em: https://epoca.globo.com/o-brasil-que-mercado-financeiro-quer-23106572. Acesso em: 10 nov
2020
167
Ibidem
168
JORGE Paulo Lemann e Guilherme Benchimol trocam experiências e jogam tênis juntos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=w1sTYCvjYGg. Acesso em: 20 set 2020
174

transformá-lo no que abastece nossa determinação. É perder o sono, mas sonhar


acordado. É não se conformar com o status quo. É fazer o que ninguém nunca fez.
Transformar o impossível em possível. Expert XP 2019, para quem abre
caminhos169.

Logo em seguida, o telão abriu-se para a entrada da jornalista e apresentadora


Cristiane Correa170. Após agradecer a presença de todos naquela manhã gelada, Cristiane
disse se sentir honrada por ser a mediadora de um painel que, na sua opinião, seria histórico.
Dito isso, convocou ao palco Jorge Paulo Lemann e Guilherme Benchimol. O telão dividiu-se
novamente, e os dois empresários adentraram o palco vestindo camisetas de manga longa
embaixo de coletes esportivos cinza com o emblema da XP no lado esquerdo do peito171.
A presença de Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil em 2019, com uma
fortuna de R$ 104 bilhões, ao lado de Guilherme Benchimol não era por acaso (FORBES,
2019b). Lemann nasceu em 1939, no Rio de Janeiro, filho da brasileira Anna Yvette e do
suíço Paulo Lemann. Nas palavras do próprio empresário, desde garoto, ele possuía um
espírito competitivo que indicava seu destino: aos sete anos, começou a jogar tênis no
Country Club do Rio de Janeiro; aos 17, foi campeão brasileiro juvenil e abandonou o esporte
apenas quando percebeu que não conseguiria ser um dos 10 melhores do mundo172.
Em setembro de 1957, Lemann mudou-se para Cambridge para cursar Ciências
Econômicas na Universidade de Harvard. Graduado, transferiu-se para Suíça, onde estagiou
no banco Credit Suisse. Retornou ao Brasil um ano antes do golpe militar de 1964. Em 1971,
adquiriu o Banco Garantia em sociedade com o ex-deputado Adolfo Gentil. No Garantia,
emulou a organização estadunidense Goldman Sachs ao implementar um modelo de
governança baseado em baixos salários e bonificações condicionadas ao cumprimento de
metas. De acordo com o bilionário, o modelo “meritocrático” envolvia jornadas de trabalho de
doze a quatorze horas, constante pressão por resultados e taxas mensais de demissão de
aproximadamente 10%173.
Em 1982, em sociedade com o ex-estagiário Carlos Sicupira, Lemann expandiu o
alcance de seu capital para além do mercado financeiro ao adquirir a rede de varejo Lojas
Americanas. Em 1989, comprou a cervejaria Brahma e incumbiu o também ex-estagiário

169
JORGE Paulo Lemann e Guilherme Benchimol trocam experiências e jogam tênis juntos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=w1sTYCvjYGg. Acesso em: 20 set 2020
170
Cristiane Correa é autora do livro “Sonho Grande”, que narra a história de Jorge Paulo Lemann, Marcel
Herman Telles e Carlos Sicupira.
171
JORGE Paulo Lemann e Guilherme Benchimol trocam experiências e jogam tênis juntos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=w1sTYCvjYGg. Acesso em: 20 set 2020
172
OLIVEIRA, D. Jorge Paulo Lemann: de estagiário a bilionário. Página Investidor 10, [s.d]. Disponível em:
https://investidor10.com.br/conteudo/jorge-paulo-lemann/ Acesso em: 11 fev 2020.
173
Ibidem.
175

Marcel Herrmann Telles de implementar, junto com o consultor Vicente Falconi, o modelo de
governança do Banco Garantia. Em 1998, Lemann vendeu o Garantia para o Credit Suisse e
criou a GP, primeiro fundo de capital privado brasileiro em sociedade com Telles e Sicupira.
Em 1999, os três adquiriram a Antártica e fundaram a Ambev: “quinta maior fabricante de
cervejas do mundo, com R$ 10 bilhões de faturamento e dona de 73% do mercado brasileiro”
(OSCAR, 2019).
Em 2010, os sócios venderam as ações da GP para criar a 3G Capital, fundo
especializado em investimentos nos EUA. Em 2010, a 3G adquiriu o controle da rede Burger
King por US$ 4 bilhões; em 2013, da Heinz por US$ 28 bilhões; e, em 2015, alinhado com a
Berkshire Hathaway de Warren Buffet, a Kraft por US$ 62,3 bilhões. A Figura 9 apresenta de
forma sintética a rede de conexões empresariais que permeiam a 3G Capital (OSCAR, 2019).

Figura 9 - Rede de conexões 3G Capital

Fonte: O autor, 2021

Em 2019, a residência principal de Jorge Paulo Lemann localizava-se na Suíça. O


empresário transferiu-se oficialmente para a Europa após sua filha ser vítima de sequestro no
Rio de Janeiro. Marcel Herrmann Telles era o terceiro homem mais rico do Brasil, com R$
43,99 bilhões.. Por sua vez, Carlos Sicupira era o quinto maior bilionário brasileiro, com R$
37,35 bilhões. Combinada, a fortuna dos três sócios da 3G capital alcançava R$ 189 bilhões
(Gráfico 15).

Gráfico 15 - Fortuna dos 10 maiores bilionários brasileiros em 2019 (R$ bilhões)


176

120 107,41
100

80

60
43,99
37,35
40

20

Fonte: O autor, 2021. Com base em Forbes Brasil (2019b)

Além de perseguirem interesses particulares, Jorge Paulo Lemann e seus sócios


lideram um conjunto de organizações não lucrativas que ocupa os interstícios das relações
entre Estado e sociedade. A Fundação Estudar, criada em 1990, promove programas de
formação para lideranças políticas identificadas com a ideia de “assumir a responsabilidade
pelo seu destino sem culpar terceiros”174. O modus operandi consiste em patrocinar bolsas de
estudos em universidades estadunidenses para estudantes brasileiros que concorram a cargos
públicos ao retornarem para o Brasil. Em 2015, durante palestra comemorativa dos 25 anos da
fundação, Lemann afirmou que sua expectativa era que “os princípios da Fundação, a
meritocracia, o pragmatismo, o escolher gente boa, sejam adotados pelo país, pelo
governo”175. Na eleição de 2018, foram eleitos três deputados federais e dois estaduais
formados pela Estudar: Tabata Amaral, deputada federal pelo PDT de São Paulo; Felipe
Rigoni, deputado federal pelo PSB do Espírito Santo; Tiago Mitraud, deputado federal pelo
Partido Novo em Minas Gerais; Daniel José, deputado estadual pelo Partido Novo em São
Paulo; e Renan Ferreirinha deputado estadual pelo PSB do Rio de Janeiro.

174
Além disso, é um espaço de recrutamento de talentos para instituições financeiras. Entre os parceiros da
Fundação Estudar, estão o Itaú-Unibanco, a Stone (máquinas de cartão de crédito), o BCG Consulting Group e a
plataforma de imóveis Quinto Andar, da qual a General Atlantic é uma das controladoras.
175
Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/lemann-quer-fazer-um-futuro-presidente-do-brasil/. Acesso
em: 09 jan 2020
177

Em 2002, Lemann criou a Fundação Lemann, organização focada na captação e


formação de talentos, financiamento de bolsas em pParceria com as Universidades
estadunidenses Harvard, Stanford, Columbia, Illinois, California e MIT e promoção de
projetos em conjuntos com governos estaduais. Em 2015, Lemann liderou a fundação da
Vetor Brasil, entidade especializada em atrair, selecionar, treinar e alocar funcionários
públicos em cargos estratégicos da administração pública brasileira (REF). De acordo com
reportagem176 da Folha de São Paulo, em 2019, a Vetor Brasil realizava projetos com
quarenta governos municipais e estaduais .
Outra iniciativa relevante liderada por Lemann e Sucupira foi a instalação da Endeavor
no Brasil177. Fundada em 1997, nos EUA, a Endeavor é uma organização global que promove
conexões entre empresários, cursos de formação, lobby empresarial e investimentos em
startups. No Brasil, a Endeavor opera uma plataforma digital que habilita acesso à liquidez,
disponibilizada pelos duzentos maiores fundos de venture capital do mundo, além de atuar
ativamente no Congresso Nacional. O conselho da instituição é constituído por importantes
membros da comunidade empresarial brasileira, como Nelson Sirotsky (CEO da RBS TV,
empresa de comunicação filiada ao Grupo Globo no Rio Grande do Sul), Pedro Passos (CEO
da companhia de cosméticos Natura) e Rodrigo Galindo (CEO da empresa de ensino superior
Kroton S.A.).
O prestígio aristocrático de Lemann contrasta com a conturbada ascensão de
Guilherme Benchimol ao círculo da haute finance. Assim como seu interlocutor, Benchimol
nasceu no Rio de Janeiro e praticava tênis no Country Club durante a infância. No entanto,
conforme analisado na seção anterior, o CEO da XP não descende de família financista, mas
de médicos; não se graduou por Harvard, mas pela UFRJ; bem como não iniciou sua carreira
no setor bancário, mas no então inexplorado setor de varejo.
Desse modo, o bate-papo no ritual corporativo representa tanto a conversão de
Benchimol em um membro aceito da haute finance quanto a disposição do bilionário Lemann
em apoiar jovens empreendedores que seguem seu exemplo. Diante dos olhares atentos dos
AAI posicionados abaixo do palco, os empresários aparecem em condição de igualdade,
comandantes de grupos financeiros que movimentam bilhões de dólares, líderes de redes de
organizações com contatos no mundo inteiro, indivíduos cujas decisões diárias impactam as

176
Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/com-ajuda-de-ong-governos-aderem-a-selecao-profissional-
para-preencher-cargos.shtml>. Acesso em: 23 jan 2020.
177
Disponível em: <https://images.endeavor.org.br/uploads/2019/12/12105929/AF-impact-104-web-
1.pdf?_ga=2.222895390.463517078.1583094366-196124520.1576673923>. Acesso em: 23 fev 2020.
178

vidas de milhões de pessoas. A proximidade momentânea com elites de origens sociais


distintas sinaliza, aos AAI, que o sucesso é uma utopia realista para aqueles dispostos a se
esforçarem para tanto.
O debate que se segue sobre o conceito de cultura entre Guilherme Benchimol e Jorge
Paulo Lemann é exemplar de como agentes do mercado financeiro constroem “imaginários
sociais gerais” que ocultam relações de dominação ao orientarem as formas “como agentes
experenciam e compreendem o mundo” (SUM; JESSOP, 2013, p.171). Inicialmente, Lemann
considerou a “cultura das coisas mais importantes numa empresa, quase mais importante do
que o negócio propriamente que a empresa vai estar envolvido”. Após uma pequena pausa,
complementou que sempre atribuiu “muita importância à cultura, a atrair gente boa, achamos
que gente boa atrai mais gente boa”. Por fim, apontou as convergências entre a cultura
institucionalizada no Banco Garantia com a cultura da empresa de Benchimol: “a XP, eu
acho, que tem nos acompanhado (...) avaliando as pessoas e remunerando elas conforme a
performance (...) acho que são parecidos com o que tentamos criar no passado”.
Benchimol iniciou sua fala com um robusto agradecimento ao interlocutor: “antes de
tudo eu queria agradecer a presença do Jorge. Dizer que eu tenho três grandes referências na
vida: meu pai, depois Airton Senna e, como líder empresarial, o Jorge Paulo. Assim, tudo que
você fez na tua vida me inspirou a chegar até aqui”. A demonstração da proximidade pessoal
é seguida da manifestação de convergência com o conceito de cultura proposto por Lemann.
Segundo Benchimol, a cultura é uma forma específica de realização de metas pré-definidas
em que o funcionário sente as dores do proprietário da empresa, mantém a humildade e,
consequentemente, contribui para que a corporação opere como uma fábrica na qual as
roldanas se encaixam. Nas palavras do CEO da XP:

Sobre cultura, eu concordo com o Jorge [...]. Eu vejo cultura como a forma que você
vai atingir suas metas. A gente na empresa tem uma cultura muito forte, a gente
acredita em sonho grande, mente aberta e espírito empreendedor. [...] Sonho grande
é autoexplicativo, mente aberta é você ser uma pessoa bastante humilde [...] que a
pessoa que é arrogante acaba não tendo acesso à informação, ninguém quer
conversar com a pessoa [...]. Espírito empreendedor, no fundo, a gente quer pessoas
que sintam as dores do dono da empresa, que senta cadeira, que esteja alinhada a
longo prazo. No final, atingir suas metas quantitativas, seja meta de projetos, de
abertura de conta, de encantamento de clientes através da nossa cultura [...]. A gente
quer que a pessoa atinja a meta da forma correta, e a pessoa só cresce
meritocraticamente se ela combina as duas coisas. Esse alinhamento de interesses
vai garantindo que a companhia vire essa fábrica onde as roldanas se encaixam e, no
final, a cultura é esse óleo que entra em cada roldana e faz tudo rodar direitinho
(informação verbal) 178.

178
JORGE Paulo Lemann e Guilherme Benchimol trocam experiências e jogam tênis juntos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=w1sTYCvjYGg. Acesso em: 20 set 2020
179

Portanto, nota-se que a ascensão no campo das finanças requer tanto a emulação de
comportamentos, valores e ideologias das elites tradicionais, quanto a concessão de parte do
negócio em troca do capital necessário para sustentar inovações disruptivas. Mesmo o CEO
da XP CCVTM, empresa que ascendeu operacionalizando modelos de negócios adequados à
Segunda Era Digital, não apenas se sujeita a hierarquia imposta pela haute finance
tradicional, como, uma vez aceito no núcleo decisório, deve contribuir para a reprodução do
status quo. Dito isso, afastemo-nos do Expert para analisar as performances de Thiago Nigro,
sócio da correta Rico.
Às 05:06 horas do dia 14 de janeiro de 2020, Thiago Nigro iniciou transmissão ao
vivo em seu perfil do Instagram. O Primo Rico, como é conhecido nas redes sociais, estava
em casa, sentado em frente ao computador, empunhando uma xícara de café e com um abajur
em forma de cifrão brilhante posicionado na estante a suas costas. Começava o primeiro dia
do “Desafio dos 21 Dias: do mil ao milhão”, uma espécie de gincana, na qual Nigro e seus
seguidores, “os primos”, conversariam entre si e com bilionários convidados sobre dinheiro,
mindset e princípios de vida. No texto da postagem em que anunciava o desafio, Nigro
garantia que, caso você conseguisse vencer a si mesmo e madrugasse nas próximas três
semanas, seria apresentado de graça para “o caminho das pedras para conquistar sua
liberdade, principalmente financeira” e complementava: “liberdade ou mediocridade”, a
escolha era minha.
Após resistir brevemente ao despertador, liguei o celular em busca de minha liberdade
às 05:07. Responsável, Nigro já havia iniciado o treinamento, embora ainda cumprimentasse
os demais participantes que lhe mandavam mensagens de bom dia que apareciam
incessantemente na tela do meu dispositivo. Alguns segundos depois, eu estava na companhia
de outros 50 mil “primos” dispostos a madrugarem para ouvir as palavras de sabedoria do
Primo Rico.
A performance de 34 minutos começou com explicações sobra a dinâmica do desafio.
Em primeiro lugar, o período de três semanas foi escolhido por ser um tempo que Nigro
considera adequado para “você ser transformado”, no sentido de aprender a “enriquecer,
ganhar mais grana, produzir mais, trabalhar melhor, investir melhor seu patrimônio, aprender
a tomar decisão sozinho sem depender dos outros” (informação verbal179). Ou seja, os 21 dias

179
Transmissão ao vivo (live) de Thiago Nigri em seu perfil da rede social Instagram, exibido no dia 14/01/2020,
das 05:06 às 05:40.
180

e o horário não convencional simbolizam os sacrifícios que uma pessoa precisa estar
preparada para enfrentar caso deseje obter conhecimento e liberdade financeira.
Em segundo lugar, o Primo Rico especifica que não é seu objetivo “ficar fazendo você
refletir sobre vida, felicidade, amigos, família”, ainda que “talvez acabe acontecendo, sempre
acontece, no final do desafio, eu sempre recebo muitos depoimentos de gente que, às vezes, ia
se matar, que ia se suicidar, gente que parou de fumar”, o foco das aulas é “financeiro”
(informação verbal180). Além disso, asseverou a importância de não se querer “absorver o
conteúdo pela metade”, pois “é preciso primeiro pagar o preço para depois colher a
recompensa” (informação verbal181). E complementa: “não vai arregar igual você arregou em
quase tudo na sua vida até agora” (informação verbal182).
Em terceiro lugar, o influenciador digital enumerou as diretrizes para os próximos 20
dias: (1) inicia-se com a frase do dia, isto é, uma reflexão relacionada ao conteúdo da aula; (2)
o primo deve comentar no Instagram de Tiago Nigro com o emoji do “soco”, o qual simboliza
o “código dos primos” e, em seguida, marcar outras pessoas para participar do desafio; (3)
realiza-se um “call to action para um grupo no aplicativo Telegram” - nesse espaço, Nigro
disponibiliza um resumo do conteúdo da live no formato de uma página de livro e, a cada dia,
uma página é deletada e outra é postada, portanto, apenas quem entrou todos dias terá o livro
completo; (4) por fim, o Primo Rico afirma que “durante a live, eu quero que você clique no
aviãozinho, vai aparecer os seus melhores amigos, as pessoas que você mais conversa no
Instagram, e você vai enviar a live para essa galera” (informação verbal183).
Após explicar as dinâmicas do desafio, Nigro inicia a exposição do conteúdo,
questionando “Quando você quer aprender, evoluir, crescer, onde você busca
conhecimento?”, e responde: “Em quem já chegou lá” (informação verbal184). No momento
seguinte, pergunta: “aí, você pensa: quem são os maiores?”; e responde: “aí você vai pensar,
quem são os maiores do mundo: era o Steve Jobs, Mark Zuckerberg, Warrent Buffet. Aí, você
vai pensar, quem são os maiores do Brasil, sei lá: é o Benchimol, o Paulo Lemann, o Joseph
Safra” (informação verbal185).
Todavia, prossegue Nigro: “é quase impossível para a maioria das pessoas ter acesso a
esses caras a ponto de falar: senta aí, deixa eu te fazer um monte de perguntas, vamos refletir

180
Transmissão ao vivo (live) de Thiago Nigri em seu perfil da rede social Instagram, exibido no dia 14/01/2020,
das 05:06 às 05:40.
181
Ibidem.
182
Ibidem.
183
Ibidem.
184
Ibidem.
185
Ibidem.
181

juntos”. Logo, interroga o Primo: “Como você faz para aprender?”. E responde: “Uma das
formas é: eu costumo acessar essas pessoas”. Por conta disso, ele irá “começar esse desafio
contando como foi minha reunião com o homem mais rico do Brasil, que é o Jorge Paulo
Lemann” (informação verbal186).
O relato da reunião entre Nigro e Lemann é descrito da seguinte forma. Primeiro,
Nigro questionou “para o cara mais bem sucedido do Brasil: qual o segredo do sucesso?”.
Segundo, Lemann teria respondido que, para ele, “o segredo do sucesso [...] é uma coisa
chamada grid”, isto é, um termo, em inglês, que significa “alguém muito entusiasmado,
alguém com muita energia”. Terceiro, o empresário teria qualificado sua concepção sobre o
segredo do sucesso apresentando cinco elementos que a Seleção Brasileira de Vôlei, a
empresa Ambev e o modelo educacional da cidade de Sobral possuem em comum, quais
sejam: (1) sonho grande; (2) líderes entusiasmados - "o cara que dá o exemplo, que puxa pela
mão, não é o cara que dá ordem, é o cara que inspira"; (3) meritocracia - "a meritocracia
premia quem é bom. Se essa moça chegou 'ah, tô sofrendo preconceito e tal', mas ela é boa,
ela tem resultado e é uma empresa meritocrática, ela vai ganhar, ela vai crescer, porque ela
está em uma estrutura meritocrática"; (4) metas - “porque, se você não tiver metas, você não
terá direção, você precisa ter direção, porque todos os seus esforços precisam estar
canalizados ali; (5) mensuração de resultados - “você precisa ter os kpi (indicadores de
desempenho) corretos” (informação verbal187).
Ao final, Nigro conclui que "isso se aplica para os seus negócios, mas também para
sua vida" e oferece sua própria síntese sobre os segredos do sucesso. Para ele, o sucesso pode
ser atingido a partir de três pilares. Primeiro, pensar grande: não se acomodar com a situação
em que o indivíduo se encontra. Segundo, horizonte de tempo: "quando você vai falar de
investimento, você não vai ficar rico da noite para o dia, você vai ficar rico no longo prazo,
vendo seu dinheiro crescer com juros compostos, a grana trabalhando, juros, juros, juros”.
Terceiro, disciplina: "você vai fazer a mesma coisa todos os dias. O sucesso tem muito mais a
ver com você fazer duas coisas duas mil vezes, do que você fazer duas mil coisas duas vezes.
Então, se você tá aqui na live, saiba que, se você não tiver disciplina para ficar aqui até o final,
a culpa é só sua, só sua". Por fim, arremata: “cada um tem sua própria luta, sua própria
batalha, mas saiba que, no final das contas, o mundo não é justo” (informação verbal188).

186
Transmissão ao vivo (live) de Thiago Nigri em seu perfil da rede social Instagram, exibido no dia 14/01/2020,
das 05:06 às 05:40.
187
Ibidem.
188
Ibidem.
182

O primeiro episódio da gincana promovida por Thiago Nigro é exemplar da


operacionalização sistemática dos recursos disponíveis nas plataformas digitais globais por
agentes do GFT-XP para disseminar imaginários que legitimam a hegemonia da haute finance
na sociedade civil brasileira. Ao simplificar as causas da posição das elites econômicas a
fatores individuais como “sonho grande” e “entusiasmo”, o influenciador oculta a relevância
das condições iniciais nos resultados da competição, bem como reifica a distribuição de
custos e benefícios entre as classes sociais no Brasil.
Ao apontar que o “segredo do sucesso” – definido como a acumulação de riqueza e
liberdade financeira – consiste na capacidade de um ser humano de se transformar, disciplinar
emoções, definir prioridades e, consequentemente, aprender a tomar decisões sozinho, Nigro
desloca a responsabilidade de problemas sociais para o âmbito dos modos de vida que se
diferenciam dos critérios elencados por ele. Desse modo, as estratégias de engajamento
voltadas para a construção de comunidades virtuais (a exemplo da criação de grupos no
Telegram e ordens simbólicas compartilhadas) adquirem uma conotação moral que amplia a
probabilidade de compartilhamento e atração de novos membros através das redes sociais
O personagem o Primo Rico possui uma explicita associação com o fenômeno do
coaching, definido pela Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (FEBRACIS)
como “uma metodologia, uma ferramenta, um misto entre arte e ciência cujo objetivo é tornar
o ser humano cada vez melhor, atingindo seus objetivos e resolvendo seus problemas”. Paulo
Vieira, CEO da FEBRACIS, assina o prefácio do livro “Do Mil ao Milhão: sem cortar o
cafezinho”, publicado por Thiago Nigro, pela editora Harper Collins, em 2018. Em 2019, a
obra foi a terceira mais vendida no Brasil, atrás, apenas, de “Seja Foda” e a “A Sútil Arte de
Tocar o Foda-se”. No texto de introdução à obra de Nigro, Vieira apresentou seu programa de
treinamento, denominado “Inteligência Emocional Financeira”, da seguinte forma:

Não basta ter ou ganhar dinheiro, é preciso saber lidar com ele, considerando
os sentimentos, os pensamentos e o comportamentos de uma pessoa em
relação as finanças. Só assim será possível administrar e multiplicar o
dinheiro para ter prosperidade e abundância. E para desenvolver essa
inteligência, a primeira coisa a fazer é identificar e, se necessário, mudar a
mentalidade que você tem em relação ao dinheiro e aos investimentos. É
preciso mudar essa mentalidade para ensinar as pessoas a começarem a
pensar como ricas e, assim, se tornarem verdadeiramente ricas. Afinal, que
pensamentos têm impedido você de multiplicar seus rendimentos? Ou
desistiu de suas finanças antes mesmo de começar a organizá-las? (VIEIRA,
2018, p. 9).

O apelo de profetas com fórmula mágicas para obtenção de riqueza requer não só a
existência de um contexto de crise, mas também a identificação das razões pelas quais os
183

desafios coletivos parecem impossíveis de serem superados (SUM; JESSOP, 2013, p.220). Na
introdução de seu livro, Nigro atribui, como causa das dificuldades financeiras que enfrentam
milhões de brasileiros, o fato de que “geração após geração, o brasileiro se tornou pouco
poupador e nada habituado a observar os próprios gastos”, deixando “tudo para depois,
inclusive a busca por conhecimento básico sobre finanças e investimento”. Segundo o Primo
Rico, o brasileiro “se acostumou a ser mal remunerado, seja recebendo salários baixos ou
rendimentos desfavoráveis oferecidos pelos bancos e achar que isso é normal” (NIGRO,
2018, p. 15). O raciocínio se conclui com a enumeração dos sonhos que foram
voluntariamente abandonados em razão de tal cultura perdulária: "na prática, o que você
deixou de receber poderia garantir uma aposentadoria antecipada, aquela viagem dos sonhos
ou até mesmo a compra de um imóvel sem a necessidade de financiamento integral” (NIGRO,
2018, p. 16).
Na conclusão, todavia, a estratégia persuasiva mobilizada pelo autor deixa de ser a
construção de narrativas míticas em torno do potencial emancipatório da educação financeira
e se torna a naturalização de relações sociais de produção historicamente delimitadas. Para
Nigro (2018, p. 182), “uma característica central do modo de produção capitalista” é que
“enquanto empresários detém [sic] os meios de produção, podem se apropriar do excedente
produzido pelo proletariado que, desprovido dos meios de produção, sobrevive pela venda da
sua força de trabalho”. Por conta disso, este sistema é permeado pelo “conflito entre esforço e
mérito”, isto é, o fato de que “o esforço por esforço não gera riqueza. O que gera riqueza é o
mérito” (NIGRO, 2018, p. 182).
Por mérito, o Primo Rico entende: “os resultados financeiros que o trabalhador gera
para quem detém os meios de produção” (NIGRO, 2018, p. 182,). No entanto, tal estrutura de
recompensas, baseada na satisfação das expectativas de lucratividade do empresariado, não é
resultado da ação humana, mas de uma entidade abstrata e impessoal: “não somos nós quem
determinamos quem será o maior merecedor das coisas, quem faz isso é o mercado, e ele só
olha para resultados, não para o caminho trilhado” (NIGRO, 2018, p. 184). A implicação
lógica da reificação da meritocracia dos resultados financeiros é o abandono de qualquer
responsabilidade coletiva e a adoção de um individualismo extremo. Conforme resume o
Primo Rico:

Quem sabe disso não veste a camisa da empresa para a qual está trabalhando. Veste
a sua roupa, mas coloca por cima o paletó da corporação e aproveita a estrutura de
negócios de outros para atingir seus próprios objetivos financeiros. Em determinado
momento, o ganho de capital do funcionário de mérito sempre permite que ele
mesmo possa deter os meios de produção. E aí o ciclo se completa, seja via
184

empreendedorismo com seu próprio negócio ou investimento em ações (NIGRO,


2018, p. 183-185).

Considerando as características do sistema interempresas na Era Digital e os efeitos


sociais do processo de financeirização brasileiro descritos acima, as práticas performativas de
Nigro podem ser consideradas como uma estratégia que mobiliza “discursos e tecnologias
governamentais de domesticação” que visam ocultar relações de dominação e naturalizar
desigualdades (SUM; JESSOP, 2013, p.375). Ao proferir reiteradamente que a obtenção de
sucesso, riqueza, mérito e liberdade requerem educação financeira, disciplinamento
emocional e a aceitação do status quo, o Primo Rico visa deslocar os esforços de superação da
pobreza para o nível individual. Ou seja, Nigro operacionaliza as plataformas digitais para
reforçar a ideia de que não só a dimensão do mercado, mas que “toda a nossa vida social é
determinada por estes mecanismos reificados” dos quais “ninguém é o responsável”, uma vez
que “todos estão presos na ânsia objetivada de competir e lucrar, de manter o fluxo de
circulação do capital” (ZIZEK, 2011, p.447).
Ao compararmos as performances de Thiago Nigro com as práticas de atribuição de
significado de Zeina Latif e Guilherme Benchimol, pode-se perceber que o repertório
discursivo do GFT-XP engloba ordens simbólicas imaginários estrategicamente formulados
para diferentes públicos e funções. Latif, por exemplo, define que austeridade é condição
necessária não só para recuperação da confiança do mercado, mas também uma forma de
corrigir a infantilidade da sociedade brasileira. Guilherme Benchimol invoca o imaginário do
espírito empreendedor tanto como uma demonstração de autoridade do CEO da empresa,
quanto para normalizar um padrão de gestão no qual o funcionário não apenas aceita sua
posição como roldana na engrenagem empresarial, mas também sente-se no dever de
experimentar as dores do patrão. Finalmente, o Primo Rico prega que as elites são elites
porque pensam e agem melhor, e, portanto, o caminho das pedras para a conquista da
liberdade consiste em aprender a ser como elas através de um programa de treinamento
comportamental pelo celular.
185
186

CONCLUSÃO

Como agentes do mercado financeiro constroem hegemonia na Era Digital? Para


responder esta questão, realizou-se cinco procedimentos. Primeiro, especificou-se um
arcabouço conceitual sobre os mecanismos políticos, ideológicos, econômicos e tecnológicos
que permeiam o fenômeno da hegemonia financeira nos níveis de análise nacional e
internacional. Segundo, operacionalizou-se o modelo especificado através da discussão sobre
as relações entre haute finance, elites estatais e contexto tecnológico ao longo dos ciclos de
hegemonia do Sistema Mundo. Terceiro, avaliou-se os pontos de continuidade e ruptura
engendrados pela ascensão da RPC e pela emergência da segunda onda-k da Era Digital no
sistema-mundo. Quarto, analisou-se o processo histórico de construção da hegemonia
financeira no Brasil entre 1981 e 2018. Quinto, realizou-se estudo de caso sobre a trajetória de
constituição, estrutura organizacional e ações políticas do GFT-XP no Brasil.
O sistema conceitual que norteou teoricamente esta tese delimitou uma heurística
interpretativa capaz de apreender as formas de manifestação do fenômeno da hegemonia
financeira em distintas instâncias da realidade social. Os conceitos de haute finance e
mercadoria fictícia apresentados por Karl Polanyi (2000) indicaram, respectivamente, o
modelo de organização política característico de agentes do mercado financeiro e as
contradições inextrincáveis entre a ideologia do laissez-faire e estabilidade dos sistemas
sociais. O enquadramento da trajetória de constituição do sistema-mundo na abordagem dos
ciclos sistêmicos de acumulação proposto por Giovanni Arrighi (2010) habilitou o
discernimento dos nexos entre crises de hegemonia no sistema interestatal com as estratégias
de reprodução social das elites financeiras. A incorporação dos conceitos de ondas de
inovação, paradigmas tecnoeconômicos e estruturas de rede sustentou a especificação das
interações entre transições tecnológicas na economia global com as capacidades de influência
política de agentes do mercado financeiro. O programa de pesquisa sobre capacidades estatais
e coalizões societais informou a analise sobre como a expansão financeira global alterou a
correlação de forças entre desenvolvimentistas e neoliberais no Brasil entre 1981 e 2018.
Finalmente, os aportes dos programas de pesquisa da Sociologia Econômica e da Economia
Política da Cultura apoiaram a delimitação da estrutura organizacional do GFT-XP, bem com
187

a avaliação das conexões entre as práticas semióticas e extra semióticas de construção de


hegemonia realizadas por agentes do mercado financeiro na Era Digital.
No segundo capítulo, demonstrou-se que o núcleo da haute finance na Era Digital
pode ser estudado a partir da triangulação entre os fluxos de liquidez, informação e proteção
que permeiam as relações entre instituições financeiras, as GAFAM e o aparato estatal dos
Estados Unidos. Isso porque, a construção semiótica de uma ameaça externa existencial aos
interesses estadunidenses serve de justificativa securitária para a continuidade da política de
expansão financeira-militar institucionalizada pelo bloco de poder da nação norte-americana a
partir da década de 1980. Concomitantemente, as capacidades de inovação e o alcance global
das plataformas digitais controladas pelas Cinco Grandes contribuem para elevar a
rentabilidade dos ativos financeiros denominados em dólar e fortalecer os recursos de poder
da organização estatal norte-americana no exterior. Por sua vez, os interesses particulares das
elites corporativas em Wall Street e no Vale do Silício são priorizados nas estratégias de
política externa perseguidas por presidentes Democratas e Republicanos.
No terceiro capítulo, a análise da trajetória de financeirização brasileira nos permitiu
identificar os mecanismos que conectam a hegemonia da haute finance no sistema-mundo aos
resultados políticos no nível de análise nacional. No Brasil, a desregulamentação dos
mercados financeiros internacionais e os resultados do aumento das taxas de juros pelo FED
em 1980 engendraram um contexto socioeconômico de crise que perdurou por uma década. O
apaziguamento das relações entre o estado brasileiro e Wall Street ocorreu apenas a partir do
início da década de 1990, quando as administrações Fernando Collor de Mello, Itamar Franco
e Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, a crise da dívida externa assegurou a deslegitimação
da ideologia desenvolvimentista na sociedade civil e criou as condições de possibilidade para
a institucionalização da hegemonia neoliberal.
A institucionalização do neoliberalismo como ideologia norteadora das intervenções
do Estado-nação brasileiro na economia entrou em explicita contradição com os objetivos
fundamentais inscritos na Constituição de 1988. O fim dos controles de capitais aumentou a
vulnerabilidade da economia nacional ao cada vez mais instável setor financeiro global, a
manutenção das taxas de câmbio e juros apreciadas corroeu as capacidades de inovação do
setor industrial, a privatização de empresas públicas consumiu as capacidades estatais de
planejamento, operacionalização de ações estratégicas e provimento de bem-estar social.
Desse modo, trinta e três anos após a promulgação da carta constitucional, o bloco no poder
brasileiro ainda não foi capaz nem de “construir uma sociedade livre justa e solidária”, nem
188

de “garantir o desenvolvimento nacional”, nem de “erradicar a pobreza e a marginalização e


reduzir as desigualdades sociais e regionais”189.
Não obstante, é forçoso notar que a tentativa de construção da hegemonia financeira
no Brasil se deparou com obstáculos políticos internos que, embora incapazes de representar
uma ameaça aos interesses da haute finance, mostraram-se suficientes para forçá-la a se
adaptar. Diante da estagnação das taxas de crescimento e das altas taxas de desemprego
registradas no Brasil no final do mandato de FHC, o setor financeiro brasileiro enquadrou-se
nas diretrizes da estratégia social-desenvolvimentista proposta pelo governo Lula. Este, por
sua vez, intimidado diante da magnitude dos recursos de poder da coalizão neoliberal, operou
de forma a equilibrar os objetivos de inclusão social e de apoio estatal à internacionalização
de empresas brasileiras com as dinâmicas de bancarização e aprofundamento do mercado de
capitais.
A coexistência entre social-desenvolvimentismo e neoliberalismo foi possível em
razão da elevação dos preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil na
primeira década do século XXI. Embora permanente tensa, a estabilidade institucional
decorrente do equilíbrio de tensões permitiu a implementação de políticas que reduziram de
forma significativa os níveis de miséria e pobreza, robusteceram as capacidades estatais de
implementação de políticas públicas, bem como ampliaram a extensão e a densidade do
sistema de ensino superior público do país. Não obstante, uma vez que o cenário internacional
se transformou, as bases materiais que sustentavam esta convivência desapareceram.
A especificação das causas que resultaram na ruptura do bloco de poder nacional na
segunda metade da primeira década do século XXI excede o escopo desta tese. Apesar disso,
a interpretação apresentada no terceiro capítulo reforça a hipótese de que, ao tentar forçar a
redução dos spreads bancários entre 2011 e 2013, o governo Dilma teria cutucado "muitas
onças com varas curtas" proposta por André Singer (2015, p.39). Além do apoio do aparato
estatal norte-americano (a exemplo da operação Lava Jato) e da adesão coesa das associações
representativas da indústria nacional, o golpe parlamentar de 2016 contou com o suporte de
instituições financeiras dotadas de robustas e capilarizadas capacidades de disseminação de
ordens simbólicas nas plataformas digitais.
A magnitude dos recursos de poder da coalizão neoliberal no Brasil assegurou o
avanço acelerado de reformas estatais enfraquecedoras durante as passagens de Michel Temer
e Jair Bolsonaro pelo Palácio do Planalto. Ao longo das duas administrações, a
189
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 fev 2021.
189

operacionalização da agenda neoliberal contou com o intenso apoio dos grandes grupos de
comunicação e envolveu a construção simbólica de uma crise fiscal iminente que ameaçava
existencialmente os interesses nacionais. Diante do caos, as únicas alternativas que os
analistas do mercado financeiro vislumbravam eram austeridade, privatizações e a
reconfiguração dos regimes trabalhista e previdenciário. Ou seja, ao longo dos seis anos que
separam a abertura do processo de impeachment e a redação desta tese, a sustentação da
hegemonia financeira foi obtida através da criação de um ambiente de insegurança econômica
e social permanente.
No quarto capítulo, o estudo de caso sobre o GFT-XP nos permitiu analisar a
fenômeno da hegemonia financeira da perspectiva de um agente do mercado financeiro. Para
descermos do nível de análise das coalizões societais para o nível agencial, recorreu-se a uma
lógica de pesquisa pluralística tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico (SUM;
JESSOP, 2013, p.7). Nessa perspectiva, o rastreamento do processo histórico de constituição
da XP Investimentos incorporou os pressupostos ontológicos do institucionalismo histórico e
foi ancorada em aportes conceituais da literatura sobre elites transnacionais. A delimitação da
ecologia organizacional do GFT-XP incorporou conceitos da Sociologia Econômica e
fundamentou-se na análise de dados qualitativos coletados na Internet e produzidos pelo
pesquisador através de entrevista semiestruturada. Por sua vez, a avaliação das modalidades
de ação política do GFT-XP congregou aportes da Economia Política da Cultura com a
enquadramento analítico da hermenêutica da profundidade. Com isso, pretendeu-se não a
construção de um modelo nomológico sobre o comportamento de agentes do mercado
financeiro, mas a ampliação do entendimento sobre as relações sociais que permearam o
processo de financeirização no Brasil.
A trajetória de constituição da XP Investimentos demonstrou como agentes do
mercado financeiro de diferentes países forjam alianças corporativas, compartilham capital,
transferem tecnologia e afetam resultados políticos nacionais. Do ponto de vista semiótico, a
análise do processo de expansão da companhia explicitou a contradição entre o discurso da
meritocracia dos resultados financeiros que permeiam a comunicação institucional da empresa
com a importância das práticas e valores aristocráticos na dinâmica de reprodução de poder
entre as elites que compõe a haute finance.
A delimitação da ecologia organizacional do GFT-XP foi realizada através da
segmentação da entidade em três níveis de hierarquia inter-relacionados. No estrato superior,
identificou-se a presença de elites que controlam grandes conglomerados empresariais e
190

exercem funções políticas em múltiplas organizações das sociedades civis. No nível


intermediário, constatou-se a existência de um aparato de comunicação capaz de produzir e
disseminar ordens simbólicas neoliberais de forma segmentada para diferentes público alvo
nas plataformas digitais. O nível inferior, por sua vez, identificou-se uma rede de escritórios
de AAI vinculados às plataformas digitais gerenciadas pela XP Investimentos matriz.
Argumentou-se que constituição da rede de escritórios AAI engendrou a capilarização
territorial capacidades de influência do GFT-XP no Brasil.
A avaliação das modalidades de ação política do GFT-XP nas plataformas digitais
especificou os modos de operação da ideologia neoliberal no Brasil. Observou-se que as
narrativas sobre responsabilidade fiscal, meritocracia, empreendedorismo e educação
financeira englobam implicitamente a transmissão de imaginários neocolonialistas que
ocultam relações de dominação, culpabilizam indivíduos por problemas estruturais e
depreciam o modo de ser brasileiro. Além disso, indicou-se que os serviços de reprogramação
mental oferecidos pelo Primo Rico demonstram que os esforços de construção da hegemonia
financeira ultrapassam a disputa pelo sentido da política econômica, uma vez que envolvem
tentativas de constituição de sujeitos psicologicamente adequados ao modelo de acumulação
de capital proposto pela haute finance para o Brasil.
Além de esmiuçar as formas como agentes do mercado financeiro constroem
hegemonia na Era Digital, a tese identificou alguns dos desafios estruturais com os quais a
haute finance se depara no início da terceira década do século XXI. O primeiro desafio
identificado foi a ascensão da China na hierarquia do sistema-mundo. Conforme analisamos
no segundo capítulo, a ascensão da RPC não foi o resultado de um conjunto de políticas
econômicas específicas, mas da implementação de um projeto nacional de longo prazo capaz
de manter a consistência intertemporal em relação aos objetivos estratégicos politicamente
definidos e, ao mesmo tempo, ajustar-se a novos desafios na medida em que eles se
impuseram.
Além disso, observou-se que a legitimidade do sistema político chinês decorre não só
dos resultados do projeto de desenvolvimento implementado a partir de 1979, mas também do
legado histórico derivado da revolução nacional de 1949 e do alinhamento do modelo de
governança do PCC com os princípios da filosofia política da nação asiática. Por isso,
entende-se que são baixas as possibilidades de reedição da estratégia reprodutiva mobilizada
pela haute finance nas transições de poder anteriores.
191

Diante das magnitude dos recursos e capacidades organizacionais à disposição do


bloco de poder chinês, bem como do sucesso da estratégia de plataformização social
implementada pelo PCC na última década, é plausível esperar a emergência de um ciclo de
hegemonia da China na terceira década do século XXI. Esta percepção é reforçada
principalmente pelas dificuldades que as instituições estadunidenses estão demonstrando para
absorver o esgarçamento do tecido social engendrado pela convergência dos processos de
financeirização e digitalização no país.
Nesse contexto, é plausível esperar que a rentabilidade de curto prazo dos ativos
financeiros perderá algum espaço na grande estratégia de Washington. De acordo com o
relatório “The Long Telegram: toward a new american china strategy”, publicado pelo
influente centro de pesquisa Altantic Council após a vitória eleitoral de Joe Biden em 2020,
por exemplo, a estratégia americana de contenção à RPC deve começar atendendo as
fraquezas econômicas e institucionais internas" visando a "reconstrução do poder econômico,
militar, tecnológico e do capital humano que sustenta o poder nacional dos Estados Unidos no
longo prazo" (AC, 2021, p.9-10, tradução nossa). Em outras palavras, a competição com
Beijing requer a mitigação dos efeitos desestabilizadores produzidos por quatro décadas de
institucionalização do neoliberalismo na sociedade estadunidense. A orientação keynesiana e
pró sindical adotada pelo governo Biden em seus primeiros meses de mandato são fenômenos
representativos dessa tendência.
O segundo desafio identificado foi a mudança climática. Para se contrapor à ameaça
ambiental, as unidades constituintes do sistema-mundo precisarão operar de forma
coordenada para acelerar e direcionar o processo de institucionalização da segunda onda-k da
Era Digital nas formações sociais em um sentido sustentável. Diante das atitudes de Estados
Unidos e China na cúpula do clima de 2021 e o alto grau de adesão de organizações estatais e
grupos empresariais à agenda do ODS proposta pela ONU, nota-se que o consenso
internacional em torno desta percepção é robusto. Além disso, observa-se a existência de
consistente consenso na literatura sobre a importância das organizações estatais capazes de
arcarem com os imperativos operacionais e riscos econômicos que os esforços para mitigação
da mudança climática engendra (MAZZUCATO, 2014). Portanto, constata-se a emergência
de um ambiente internacional desfavorável para continuidade da hegemonia da haute finance
no sistema-mundo na terceira década do século XXI.
Além de avançar sobre o problema da hegemonia financeira na Era Digital, a tese
tentou contribuir para o fortalecimento da agenda de pesquisa sobre as oportunidades que a
192

segunda onda-k da Era Digital apresenta para os países da semi(periferia). Nesse sentido,
avaliou-se a estratégia de catching up intensiva em atividades de alta tecnologia relacionadas
com o processamento de recursos naturais proposta por Carlota Perez (2017). A estratégia
sugerida pela autora possui um caráter dual, uma vez que os investimentos em P&D nas áreas
de bioetecnologia e nanotecnologia direcionados para a construção de capacidades
direcionadas para a competição nos mercados globais ocorreriam de forma integrada e
complementar às políticas públicas orientadas para o fortalecimento do mercado interno
através de estratégias criativas de plataformização.
Considerou-se que o argumento de Perez é convergente não só com o sentido do
processo de inovação tecnológica, mas também com as tendências macropolíticas do sistema-
mundo contemporâneo. Ou seja, concluiu-se que a oportunidade sistêmica existe. Portanto, a
questão que se impõe é: quais os países serão capazes aproveitá-la para elevar suas posições
na hierarquia dos sistemas interestatal e interempresas?
A preciosa e vasta quantidade de recursos naturais localizados dentro do território
nacional, bem como o acúmulo de capacidades e conhecimento legados do processo de
industrialização tornam o Brasil um candidato promissor para a implementação da estratégia
proposta por Carlota Perez. Entretanto, nota-se que o caos institucional que perdura no país
desde 2014 ameaça impedir que a população brasileira possa desfrutar dos benefícios que esta
oportunidade sistêmica representa. Para contornar este problema, entende-se que é imperativo
a elaboração de um projeto nacional de desenvolvimento norteado pelo objetivo de acelerar e
conduzir o processo de internalização das estruturas de rede e capacidades organizacionais da
segunda onda-k da Era Digital por instituições públicas e privadas em todo território nacional
no sentido da sustentabilidade ambiental.
De modo a contribuir nesta empreitada, aponta-se quatro condições que consideramos
necessárias para a implementação da estratégia sugerida por Perez. Primeiro, a retomada das
capacidades de planejamento e investimento do Estado-nação. Segundo, a formulação de uma
estratégia de política externa capaz de evitar os perigos e aproveitar as oportunidades de
barganha derivadas da intensa competição entre as corporações de tecnologia dos países do
núcleo orgânico. Terceiro, a construção de uma visão social comum que conceba a
implementação de um projeto nacional de longo prazo como vetor norteador da reconstrução
nacional após a pandemia do Covid-19. Quarto, a promoção de políticas públicas
educacionais orientadas para a construção das habilidades necessárias para que a população
193

brasileira possa se apropriar das tecnologias da segunda onda-k da Era Digital de forma
economicamente produtiva e ambientalmente sustentável.
Diante deste último desafio, considera-se que a agenda da educação financeira é
insuficiente. Isso porque, a formulação de modelos de negócios e estratégias de monetização
nas plataformas digitais exige não só a capacidade de mensurar a rentabilidade de ativos
financeiros, mas também criticidade e criatividade dos agentes. Por conta disso, levanta-se a
hipótese que o conceito de educomunicação, entendido como “um paradigma orientador de
práticas sócio-educativo-comunicacionais que têm como meta a criação e o fortalecimento de
ecossistemas comunicativos abertos e democráticos nos espaços educativos, mediante a
gestão compartilhada e solidária dos recursos da comunicação, suas linguagens e tecnologias,
levando ao fortalecimento do protagonismo dos sujeitos sociais e ao consequente exercício
prático do direito universal a expressão” (SOARES, 2020), apresenta-se como uma agenda
mais profícua. Afinal, conforme aponta Furtado (2008, p.217): “quando o ato inovador
alcança certa ponderação, ou quando convergem vários atos inovadores, surgirá a
descontinuidade estrutural”.
194

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APÊNDICE – ENTREVISTA 1

ENTREVISTA COM AAI VINCULADO À PLATAFORMA DA XP INVESTIMENTOS

Realizada em 31 de novembro de 2017


Obs. Houve interrupção porque tivemos que trocar da mesa em que estávamos por motivos de
barulho.

Transcrição do primeiro áudio – duração 1 hora, 23 minutos e 52 seg

- Mas então, o horário de trabalho era das 9h até às 19h da noite?


“Como personal, eu trabalhava só nos extremos do dia. Dava aula de cinco da manhã as seis
da manhã, até onze e depois eu voltava para trabalhar seis horas... da tarde. Então nesse
ínterim eu ficava no escritório...”
- Sim...
“Aí eu fui me interessando.”
- É bem flexível então...
“Bem flexível. Eu fui me interessando, me interessando... aí chegou uma hora que eu decidi
fazer a prova, vou fazer a prova e tal, vou passar... vou me desafiar nisso.”
- Mas antes de fazer a prova, você pode trabalhar com o quê? Sem fazer a prova...
“Então, eu ficava dentro do escritório aprendendo.”
- Hmmm, sim só...
“Eu ia a todas as reuniões com os outros assessores, eu ficava de ouvinte...”
- Sim
“É, eu ficava de ouvinte, ouvindo o gestor apresentar fundo, ia nos eventos da XP, palestras
da XP, que é a maior corretora de investimentos que a gente tem aqui no Brasil, da América
Latina né...”
- Você trabalhava XP?
“Não, eu trabalhava no escritório que é filiado ao XP, assim como eu também sou hoje em dia
filiada a XP. A XP é uma plataforma. Ela é uma plataforma é um investimento, imagina que
assim, se você... digamos que você tenha muito dinheiro e você goste de investir. Você
resolve no que investir... aí você olhou os produtos no Santander e você gostou, você viu os
do Itaú e você gostou, viu os do Bradesco e gostou... aí pra você poder investir nesses
investimentos desses locais, por exemplo....”
- Sim.
218

“Você vai ter que abrir uma conta no Bradesco, no Itaú, outra no Santander... e aí vai ter que
falar com cada gerente, vai ter uma senha diferente pra cada... na XP não, na XP você através
de uma única conta, você acessa todo um [...].”
- Sim...
“Não tem o Bradesco, não tem o Itaú, quase não tem o banco original, não tem o BMG, não
tem o Capemisa, não tem o tipo do público, não tem o dique fundos, ações, tenho tudo aqui
dentro. Só que assim, a XP ela tem vários braços, cada braço...”
- Mas assim, a XP ela fez a intermediação?
“Exatamente.”
- Entre a pessoa física e os produtos financeiros?
“Exatamente.”
- Pra não precisar ficar indo atrás de cada produto financeiro?
“Exatamente. Por lei, você só pode fazer investimentos assim via corretora.”
- Não pode fazer direto...
“Não... alguns né, outros já podem, mas, por exemplo, se você bater lá na porta da gestora,
vamos colocar uma gestora aí... a Adam, que é uma gestora famosa muito boa...”
- Gestora é como se fosse uma concorrente da XP ou é que nem o escritório que tu citou
antes?
“Não, ela gere fundos. A gestora é uma criadora de produto, ela tem os fins dela... então a
gente tem várias [...] ou gestoras pelo Brasil, pelo mundo inteiro né... Então, por exemplo, se
você chegar lá e bater na porta da Adam e falar ‘oh cara, eu quero investir nesse teu fundo aí,
Adam Macro’ ele vai falar ‘pô Pedrão, desculpa mas sabe que vai ter que procurar um
escritório cara’’
- Sim...
“A gente tá na plataforma da XP, na da Rico e na Fininvest... vai lá.”
- Entendi.
“Ah, daí depois você se cadastra, alguém vai te procurar e aí você vai começar a investir, é
assim que...”
- Isso é por lei?
“Isso é por lei. Por exemplo, se você quiser comprar título por tesouro, ou você vai direto na
página dos produtos ou você investe via alguma corretora. Mesmo quando o cliente, mesmo
quando você... você tem conta aonde?”
- Tenho no Banco do Brasil.
219

“Então, mesmo quando você compra título público via Banco do Brasil, você não tá
comprando via Banco do Brasil, você tá comprando via corretora Banco do Brasil.
Entendeu?”
- Ah, tem uma separação entre banco e...
“Tem uma segregação. Então não é pelo Banco do Brasil que você compra.”
- Sim...
“Você compra pela corretora, tá lá.”
- Ah...
“Se você pegar lá, algum documento, algum termo de adesão do Banco do Brasil você vai ver
lá...”
- Esses dias eu comprei uns *cbbs* do Banco do Brasil pelo aplicativo...
“Ah! Comprou?!”
- Pra testar né...
“Isso! Legal! Compra na XP também, tem um muito...”
- Ah é? Vou dar uma olhada na XP...
“Tem uns que são bacanas. Então eu ficava fazendo isso, ouvia o gestor falar, recebia os
gestores, porque quando você é dono de um [...], ,você quer que os escritórios no Brasil
conheçam o seu produto.”
- Sim...
“É que nem a mulher que vende a Mary Kay, sendo que no caso, quem vem falar com a gente
é a própria Mary Kay, se ela fosse um [...],...”
- Entendi.
“O próprio gestor ele vende do *dório*, ele vem falar com a gente. Só quando já é uma
gestora assim... muito conhecida e renomada, é que ela manda um comercial falar conosco,
mas normalmente...
- É o cara mesmo...
“É o gestor que vem e explica, da a visão de mercado que ele tem, as perspectivas que ele
tem, a natureza do filho dele, público alvo...ele explica toda a estratégia do [...] dele, sabe?
Era isso que eu fazia, quase passava o dia ouvindo e tentava capitar algumas pessoas...”
- Sim...
“Também né, enquanto eu estava estudando. Aí eu decidi fazer a prova, eu tentei a prova
cinco vezes, na quinta eu passei.”
- Insistente.
220

“Eu passei no ano, passei quase um ano... foram nove meses.”


- E tem regularmente a prova?
“Essa prova agora, ela tem toda semana...”
- Nossa...
“Mas na minha época eram de três em três meses. Então era uma tristeza...”
- Você ficava se preparando três meses e chegava lá...
“Agora, mais três meses agora, não vamos esquecer... porque assim, hoje em dia como eu
estou sempre operando eu não esqueço as coisas...”
- Sim, tá tudo...
“mas naquela época eu não operava, então...”
- Dependia só de ter que memorizar tudo pra estudar...
“Exatamente! Aí eu passei na prova e aí a XP, no caso o escritório que eu tava era um
escritório que operava através da XP né, mesmo hoje no escritório que eu tô, também são XP,
então a XP faz uma auditoria da sua vida.”
- Sua vida financeira?
“Sua vida como um todo. Ela na tua consta, tem várias... uma série de declarações... é um
envelope grosso que mandam lá da XP com uma série de declarações...”
- Do tipo?
“Do tipo não tem dívida no Serasa, não tem ficha na polícia...”
- Mas alguma coisa assim, mais ideológica?
“Não.”
- Não...
“Só essas questões assim, é...”
- Judiciais?
‘’Judiciais, se você tem alguma ação contra você ou se você tá acionando alguém... ela quer
saber de tudo em relação a isso.”
- Sim...
“Ela quer saber quem é você financeiramente, quem é você como cidadão, vamos dizer assim
né, se consta lá alguma coisa...”
- Depois você vai estar mexendo no dinheiro dos outros...
“Exatamente. Justamente como o nosso mercado ele visa muita transparência, então ele quer
saber muito bem quem é que está trabalhando pra ele.”
- Mas então a XP é só a plataforma...
221

“É só uma corretora.”
- ... quem faça esse contato com os fundos e usuários são os escritórios associados?
“Sim, ela também faz porque ela dá informes pra nós e tal, mas nós entramos em contato com
toda essa galera, com toda a plataforma... eles vêm até nós né, porque é de interesse deles,
quanto mais gente sabendo...”
- Sim.
“... que o fundo dele é bom, porque você imagina...são mais de quinhentos fundos.”
- No Brasil?
“Na plataforma. Como é que eu vou escolher um fundo pro cliente meu?”
- E o que diferencia assim... um fundo do outro?
“Performance.”
- O fundo é... escreve como se você estivesse escrevendo pro [...]?
“Claro, o fundo de investimento é um condomínio de cotistas, um clube.”
- Ah...
“Como se fosse isso e cada um tem uma porta com o número de cotas. E aquela cota, o valor
daquelas cotas, ela varia diariamente de acordo com as operações que o gestor faz.”
- Ah...
“Então eu vou falar assim, eu vou chegar lá onde você estuda?”
- IESP
“No IESP, vou dar uma palestra pra vocês e vou falar assim ó ‘eu sou uma gestora, que tenho
um [...],, quero fazer um fundo só pra galera aqui do IESP...”
- Pode ser FIESP
“Então, ó o negócio é o seguinte, para investir no meu fundo, o meu fundo é de renda fixa tá?
O mínimo para entrar é de mil reais, então a partir de mil reais você pode entrar e...
- E aí você tem uma estratégia...
“E minha estratégia é essa, meu banco, meu fundo, tá custodiado no banco do Bradesco”
- Hm... isso quer dizer?
“Isso quer dizer que todo banco, todo fundo né, ele tá custodiado em algum grande banco. O
dinheiro do cliente, cliente da sua galera lá do IESP que vai investir no meu fundo, não vai
ficar com o *gestor/comigo*(?), esse dinheiro fica num banco grande, esse fundo ele CNPJ...
o meu fundo ele presta conta pro Banco Central e se você entrar lá no site da CVN, você vai
ver os meus...”
- Tuas operações...
222

“Todas as minhas operações, é que o povo não entra pra ver.”


- Não entra?
“Não entra, mas tá lá...”
- Quem vai comprar de serviços não entra?
“Não entra... se você quiser você a operação de todos os fundos existentes no Brasil. Você vê
os papéis que o cara tá comprado, como ele tá posicionado... ações é um pouquinho diferente,
como é uma coisa muito volátil...”
- Sim
“Não dá pra você atualizar né, diariamente isso, mas daí você consegue ver o histórico de
percentual em que o fundo tava mais posicionado em renda fixa ou ele tava mais alavancado,
você consegue ver esses históricos... então assim, é um mercado extremamente
transparente...”
- É verdade...
“nesse sentido, sabe? Então a XP é uma plataforma, lá dentro tem um monte de produto
financeiro de várias naturezas e nós somos os intermediários.”
- Sim.
“Então, o meu dever é cuidar do dinheiro dos meus clientes. Eu informo pra eles os
vencimentos deles, eu informo pra eles as novidades de mercado, baseado no perfil de
investidor deles né, isso quer dizer que, se o Pedro é conservador para investir, eu não vou
ligar pra você pra falar com você sobre ações, não é o seu perfil. Então eu vou falar de coisas
mais conservadoras, mais moderadas...”
- Ações é arriscado? É um investimento...
“É, é um investimento que você tem que ter apetite pra isso. Então, a pessoa que é
conservadora dificilmente vai investir em ações, sabe? Ela até pode colocar o dinheiro dela
em algum fundo multimercado, que tem um pouquinho de ações ali na carteira...”
- Fundos de multimercado são os que varia...
“São os que varia o mercado.”
- Tá, que apostam em várias...
“Que apostam em várias coisas. Tem ações, tem títulos públicos, títulos privados, tem papéis
detentores, tem... enfim, diversos tipos, porque renda fixa, renda fixa é só título, normalmente
é título público e privado.”
- Sim... e no Brasil vale a pena né?
223

“Vale, vale a pena sim. Então a gente tem fundo de diversas naturezas, tem renda fixa, tem os
de multimercado. Aí os multimercados, você tem as categorias baixa volatilidade, que é um
fundo que é só um pouquinho melhor que o de renda fixa.”
- Sim...
“É bom pra uma pessoa conservadora. Aí você tem os de meia volatilidade, que daí balança
um pouquinho mais, já trás um pouquinho mais de retorno e tem os de alta volatilidade, que
assim, não fica acompanhando mensalmente não que você fica maluco...”
- Porque ele oscila demais...
“Porque ele oscila demais, mas dá um bom retorno a longo prazo... bom, o que mais você
precisa saber?
- E você toma decisões assim, sobre investimentos ou você só informa?
“Eu informo, mas é lógico que como eu tô sempre em contato com esses gestores, eu tô
sempre olhando o mercado... a medida em que o cliente vai depositando a confiança dele em
mim, ele confia nas minhas sugestões.”
- Sim...
“Só que assim, todas as sugestões que nós fazemos, são baseadas em análises e são baseadas
em análises de mês, três meses, seis meses, doze meses, 24 meses, 36 meses de rentabilidade.
Então quando eu faço uma sugestão de investimento pra você, eu vou jogar isso no sistema...
tenho até aqui pra te mostrar...”
- Aham...
“que você vai ver a rentabilidade daquele produto...”
- Pelos prazos...
“no dia, de hoje até 36 meses anteriores.”
- Ah sim
“Então você vai concluir, ‘poxa, eu vou nesse fundo aqui, eu vou nesses dois aqui’ ou então
no máximo, se tem dois fundos muito bons, muito parecidos, como aconteceu essa semana...
um cliente foi alocar 400 mil, a gente distribuiu em vários fundos aí tinha dois fundos no
multimercado lá que eu tinha sugerido pra ele já, porque iria avariar, diversificar, aí as
rentabilidades eram muito próximas, aí ele ‘poxa [...], o que você acha?’ aí eu ‘olha, eu gosto
muito dessa casa aqui, essa casa aqui tem um gestor assim, assim e assim, que foi de não sei
aonde, que tem um histórico, todo um background de históricos e lugares em que trabalhou, a
equipe tá junto a muito tempo...”
- Sim...
224

“Pra gente decidir se isso é bom ou não...”


- Pois é né, deve ser extremamente difícil.
“Muito difícil, não é só a rentabilidade, é lógico que a rentabilidade conta muito, mas é muito
assim, a visão que o gestor tem de mercado, a equipe, a quanto tempo eles estão juntos... o
histórico do próprio fundo lógico, sabe? Então isso conta muito, faz muita diferença, a gente
procura saber se aquela equipe continua a mesma ou se ela mudou, porque normalmente
quando muda a gestão da equipe daquele fundo...”
- É por que está dando alguma coisa errada...
“Ou está dando alguma coisa errada ou você vai ver que a rentabilidade ela vai dá uma
balançada.”
- Ah sim, sempre demora pra que a equipe...
“se entrosar, porque pra gente dentro de um fundo, você tem uma equipe, você tem o gestor
que é quem faz as operações, quem decide as operações, decide o que compra, decide o que
vende... esse é o gestor. Você tem o administrador, que é quem cuida dos pagamentos, cuida
dos fluxos, quem cuida da entrada do dinheiro, quem cuida da saída do dinheiro...”
- Sim...
“Você tem os analistas...”
- Que faz a avaliação do fundo.
“Isso, quem analisa os investimentos que vai ser colocado ali, por exemplo, fundos mais
complexos, que são fundos de ações, que exigem que tenha uma pessoa fundamentalista ali...
o fundamentalista é um cara que vai lá e ele vê a saúde da empresa, sabe? Então você tem
lá...”
- Tanto de fundo, quanto de empresa de ações?
“Não, ele estuda as empresas do mercado, por exemplo, num fundo de ações você vai investir
em diversas ações, você vai fazer uma carteira de ações, o gestor.”
- Sim...
“Então por exemplo, lojas Americanas, Magazine Luiza, por exemplo, são marcas que tem
ações no mercado, né. Então, um analista fundamentalista, ele vai lá, vai visitar as lojas
Americanas, ele vai querer ter acesso aos históricos, aos balanços dos três últimos anos, dos
cinco anos anteriores, pra ele virar pro gestor e falar assim ‘oh, tu pode confiar’.”
- Sim...
225

“tu pode confiar de ter na carteira, porque é uma empresa que tem uma saúde boa’, a Renner,
loja de roupa, a Renner ela tá listada em bolsa, é uma ação maravilhosa para se ter na carteira,
é uma empresa muito sólida.”
- Daí pra investimento mais de longo prazo...
“Exatamente. Ele vai lá e reporta pro gestor ‘olha, lojas Renner é muito bom, pode comprar’,
aí você tem o outro analista que é o analista gráfico, que é o cara que vai analisar o momento
das ações.”
- Hm, é o que analisa...
“Esse cara é o analista de gráficos, então aí eles vão se debater lá...”
- Ah... daí junta as duas
“Porque nem sempre casa. Às vezes tem um gestor gráfico... o analista gráfico, vai falar assim
‘eu sou super a favor de comprar essa ações da Vale’ mas daí o fundamentalista vai virar e
falar assim ‘eu não sou a favor não’ e eles vão ter que se entender.”
- Mas como é que funciona? [...] com gráfico...
“É porque existem vários tipos de análise gráfica. Se você colocar na internet ‘tipos de análise
gráfica’, vai achar um monte... eu vou lembrando dos nomes e vou te falando.”
- Não é análise técnica?
“Você pode chamar disso, de análise técnica, também pode chamar... porque normalmente
quando você... a ação ela tem um gráfico, ela tem um determinado comportamento que ele
tende a se repetir de tempos em tempos.”
- Hm...sei
“Então o analista gráfico, ele vai se baseando por esses intervalos.”
- Dependente...
“É lógico que ele casa...”
- Sim...
“... com as notícias do mercado, notícias... por exemplo, se sai uma notícia de tarde na
televisão, na Globo News, isso tem um impacto direto sobre as ações brasileiras. Então esses
analistas, lógico que eles levam isso em consideração, mas através das análises gráficas que
eles fazem, o tipo de análise, eles vão ver que certos comportamentos...
- Se repetem...
“... se repetem. Então eles começam a meio que se defender, entendeu?”
- Sim
226

“Em relação aos movimentos passados, muito interessante... assim, eu não opero ações, mas
eu estudei toda a natureza de todos os tipos de operação que participei.”
- Sim...
“Então, dentro de um fundo você tem toda essa engenharia de pessoas...”
- Quantas pessoas normalmente tem num fundo desse?
“Cara, depende. Um fundo de renda fixa é uma coisa muito simples.”
- Só comprar e vender...
“É. Então assim, um fundo de renda fixa vai ter o quê, umas quatro pessoas.... já um fundo de
ações, aí precisa de mais gente, você vai ter aí umas seis pessoas, dez pessoas... dependendo
do tamanho do fundo, até mais pessoas pra poder dar conta de tanto estudo, sabe?”
- Sim...
“E a gente tem fundos assim, maravilhosos.... a gente tem fundo na plataforma que ele tá
dando em um ano 128%.”
- Bota teu dinheiro lá e num ano...
“Se ele continuar bem...”
- Se ele continuar bem... nossa.
“128%, é coisa pra caralho.”
- E no teu escritório, quantas pessoas tem? Vocês fazem um trabalho diferente né, se eu
entendi bem, vocês escolhem fundos.
“Nós escolhemos fundos, nós escolhemos tipos de renda fixa... a gente trabalha com outras
coisas também, tem trabalhado com câmbio, trabalhado com seguros, previdência....”
- Sim...
“A nossa visão de atendimento, não é simplesmente o produto, a feira de produto. Quando a
gente... se você quiser, a gente pode marcar outro dia ou hoje ainda se der tempo, aí eu posso
conversar com você, como se você fosse investir dinheiro...”
- É, vamos sim!
“Pra você entender como é que funciona o meu trabalho... eu faço uma análise, te trago uma
análise, pra você entender como é o nosso trabalho. O meu trabalho é um trabalho
extremamente global, ele vai envolver análise de risco... então, análise de risco é seguro, [...],
seguro de vida, seguro contra acidente, é... então a gente vai analisar se você precisa disso. A
gente vai fazer um teste pra saber se você é mais conservador, se você é mais agressivo, se
você é moderado...”
- Isso em relação a quanto da minha renda eu quero investir?
227

“Isso é em relação o quanto você está disposto a perder.”


- Hm...
“Porque, por exemplo, quanto maior o risco, maior o retorno que você pode ter. Em
contrapartida, você pode ter uma grande perda.”
- Sim...
“E você tem que estar preparado pra isso, isso é um perfil né. Tem gente que tá preparado pra
perder tranquilo, sabe que é assim, o game é esse né e tem outras pessoas que tem um apetite,
assim, mais moderado... ela tem uma dose ali de assumir riscos e tem aquela pessoa que não
assume risco nenhum, por exemplo, eu tenho um senhor, de 70 anos, ele é meu cliente, ele
tem alguns milhões comigo... ele só investe em título público. Ele não compra nada, mesmo
que...olha...”
- Vai...
“... você tem espaço aqui pra colocar 10% do seu patrimônio.... que coisa triste, olha é muito
patrimônio como um todo.”
- Sim...
“Sabe, aqui tá seu patrimônio líquido, eu mexo com patrimônio líquido, é o seu dinheiro
disponível. Então eu tô olhando aqui, ‘poxa, o Pedro ganha R$30 mil por mês, ele tem um
gasto mensal de R$10 mil, sobra R$20... e como é que a gente vai alocar, como é que a gente
vai distribuir esse dinheiro aqui? Bom, o Pedro investe comigo já tem um ano e ele tem isso
aqui dentro da [...] pra [...] comigo. Poxa, Pedro vamo pegar um pedaço disso aqui ó, e
colocar em multimercado, vamo apimentar um pouquinho da sua rentabilidade’...”
- Sim...
“porque como você tá em renda fixa, você tá normalmente atrelado ao CDI ou você tá
atrelado a taxa pré-fixada, taxa de juros... então assim, tem limite. Há dois anos atrás tava
linda a renda fixa, né.”
- Sim.
“A gente comprova no cbb de 14% ao ano.”
- Nossa...
“Coisa pra caraca!”
- Agora tá 7?
“14% ao ano pra você ter isso de retorno, você tem que tá num puta fundo multimercado,
agressivo, entendeu? Pra você ter isso.”
- Sim...
228

“Então poxa, assim, apesar de eu falar com você que ‘olha, tem isso aqui, a gente pode pegar
um pedacinho’’
- Ah, também né...
“O Pedro não quer, ele só quer renda fixa, só quer título... então, eu ofereço pro Pedro, título
de renda fixa, mas é meu dever como assessora financeira te informar do que tem... ‘olha
Pedro, eu sei que você gosta só de título de renda fixa, mas a gente tem aqui tais e tais
produtos, pra você pensar, pra você ver... o que você acha de um seguro, você tá aí crescendo
a sua renda e se acontecer alguma coisa? Você vai tirar do seu dinheiro? Do dinheiro do seu
futuro para pagar a sua doença? Pra pagar o seu acidente? Vamos se proteger?’ Aí o Pedro
teve filho, ‘o que você acha Pedro, vamos fazer um seguro caso acontece alguma coisa? Pra
sua família tá tranquila...’ é muito isso sabe, ‘vamos fazer uma previdência pros seus
filhos?’...’’
- É uma consultoria de vida financeira...
“É uma consultoria total de vida financeira.”
- Em tudo né, porque...
“Vou ligar pra você, vou te convidar pra palestra, você vai estar sendo muito bem informado,
porque a gente trabalha com informação... eu não sou a dona da informação, os clientes detém
toda a informação, então eles se sentem muito livres, tranquilos para estarem investindo
comigo nesse mercado, sabe. Então eu ligo pra você, pra falar pra você ‘olha venceu o seu
cbb’, ‘olha, a gente se reúne de três em três meses, pra gente te reportar como é que vem a sua
carteira’, ‘olha Pedro, esse fundo aqui não tá legal, vamos trocar... ó a gente tem tais e tais
fundos’, ‘no início do ano e no final do ano a gente se reúne, e aí, vamos fazer o que ano que
vem?’ sabe... ‘vai fazer aquela viagem de intercâmbio, aquele doutorado sanduiche lá fora?
Poxa, então vamos ver tudo. Vamos rever aqui os seus prazos, quando é que você viaja?”
- Aquele curso em [...], deve ter sido ótimo pra isso.
“Sim, bastante. Então assim, é, por exemplo, eu tenho um cliente que ele faz doutorado
sanduíche lá em Londres. Só que ele foi pro sanduíche e se apaixonou por Londres e está por
lá ainda, fazendo o doutorado lá e morando lá. Ok, então eu, de quatro em quatro meses,
tenho que mandar pra ele doze mil euros.”
- Que tu tem que mandar pra ele?
“Que eu mando pra ele, então o que eu faço: a gente saca de um fundo, porque o fundo tá
rentabilizando melhor.”
- Com o dinheiro dele?
229

“Dinheiro dele, é. A gente saca, esse dinheiro vem pra conta dele na corretora, sai lá do banco
onde ele tá custodiado, vem pra conta da corretora, conta corrente da corretora. Bate na conta
corrente da corretora, eu fecho o câmbio pra ele e esse dinheiro vai bater lá em Londres pra
ele usar.”
- Ah...
“E pagar o doutorado dele.”
- Ele fez tipo uma reserva...
“É!”
- Só que essa reserva fica sendo gerida... por ti.
“Por mim aqui, porque ele tem conta comigo na XP. Só que tudo que a gente faz é auditado.
Se eu der um passo pra fora da linha, a XP me multa.”
- Sim...
“A XP, essa questão da Lava Jato, ela trouxe modificações profundas pro nosso mercado.
Hoje nem tanto, mas em 2014, 2015, era praticamente um [...]semanal que [...]..”
- Mas por que, a Lava Jato ela... uma empreiteira.
“Lavagem de dinheiro.”
- Ah....
“Entendeu? Então as regras, [...], inclusive pessoas que estavam envolvidas na Lava Jato,
foram convidadas a se retirar da corretora.”
- Tinha gente...
“Eu capitei um cara, que o nome dele tava na [...]”
- Ah, pessoas que estavam lá....
“Quando eu abri a conta dele, a XP negou. Ela chega a esse nível.”
- Sim, mas eu imagino...
“A XP, quase metade da XP é do Itaú, o Itaú comprou... então assim, isso deu um respaldo
pra nós muito grande.”
- Mas segurança?
“Segurança pro próprio investidor, porque antes a XP... como começou a XP? Eu tô citando
muito a XP aqui, porque a gente tá falando da maior plataforma de investimento da América
Latina.”
- A XP?
“É, e a XP vai se tornar maior ainda do que ela já é, sabe... eles são extremamente agressivos,
eles têm planos extremamente ousados.”
230

- E tem alguma concorrente de peso assim no Brasil?


“No Brasil não tem, ele é o maior.”
- Disparado?
“Disparado. Só o que que tá acontecendo... a gente tá vendo que tá acontecendo uma
revolução no nosso mercado hoje...por quê? Porque os bancos estão começando a fazer
parcerias com *aceps*”
- Hm...
“E tão começando a ter melhores fundos dentro da plataforma deles.”
- Hm... entendi.
“E qual é o nosso diferencial? A gente pegava ‘Pedro, me dá a sua carteira. Deixa eu ver a sua
carteira, por favor, de investimentos... Vou fazer análise dela pra você’ eu ia lá, fazia análise e
fazia um comparativo entre o que a gente tinha na plataforma e o que você tinha e dava pra
você. A hora que você olhava a diferença... Meu Deus, o que eu tô fazendo aqui? Sabe, a
gente ainda, nós ainda detemos os melhores produtos, mas a gente tá vendo que o banco tá
começando a ter bons produtos também.”
- Sim...
“Então a nossa concorrência tá aumentando. Logo, na minha visão, o que vai fazer a diferença
é relacionamento, é serviço, é informação e transparência. O gerente do banco, ele não te dá
transparência. O gerente do banco ele não ganha mais ou menos se ele colocar o seu dinheiro
em bons produtos.”
- Sim.
“O gerente, ele primeiro tá acordado com o banco e depois com você e eu, primeiro estou
acordada com você.”
- Mas agora que a XP... o Itaú comprou parte da XP...
“Mas nós não somos o Itaú e o Itaú também não é a XP, ele é só investidor. Então pra você
ver assim, o tamanho do potencial...”
- Nossa...
“que a XP já tá desenvolvendo.”
- Já era grande, agora com essa associação...
“Exato! Xxx viu na XP um grande negócio. A XP, ela começou em Porto Alegre, eles davam
palestras sobre como investir na bolsa. Aí eles davam muitos cursos, todo final de semana
davam cursos, curso, curso, curso... e aí eles começaram a vislumbrar aí que eles poderiam
virar corretora e aí começou, numa salinha...
231

- E hoje é isso aí....


“E hoje é esse império que você tá vendo aí.”
- Nossa...
“Entendeu?! Então a profissão de agente autônomo é uma profissão em que a gente vive de
variável, eu não tenho salário fixo, eu ganho de acordo com aquilo que eu produzo, de acordo
com aquilo que eu capto. Quem me paga são os bancos,
- Hm... quanto mais cliente você consegue, mais...
“Mais dinheiro eu ganho.”
- E não tá atrelado com a rentabilidade dos seus clientes?
“Sim...”
- Também?!
“Se eles estão rentabilizando, eu tô ganhando dinheiro. Se eles não estão rentabilizando, eu
não tô ganhando dinheiro.”
- Mas, por exemplo, se seus clientes ganham mais num mês, aí você ganha mais também
nesse mês?
“Ganho.”
- Tá atrelado o ganho...
“Sim, porque eu ganho via taxa de administração. Todo... vou dar exemplo dos fundos, os
fundos, eles têm uma taxa de administração anual, 1%, ½%, 2%, 0,5% né... e todo mês,
aquele pedacinho ali, ele é provisionado, tem essa palavra provisionado...”
- Que significa?
“Que é você...”
- A taxa?
“...pegar um pedacinho do dinheiro que [...], do fundo e se pagar. Então se eu tenho ali, 1% ao
ano, eu tenho que dividir 1% por 12 e todo mês eu vou estar pegando aquele 0 vírgula alguma
coisa e vão se pagar.”
- Sim...
“E é o custo, o custo da equipe, o custo de...”
- Toda essa gestão, da estrutura...
“Exatamente, e aí é um dinheirinho. Se você fizer a conta, é um dinheirinho... só que você
multiplica isso pra não sei quantos investidores... então o fundo, a *asset*, eles sabem que o
seu CPF tá ligado ao meu código de [...], assessora”
- Por isso você falou que é relacionamento.
232

“Relacionamento... e assim, pra mim, eu não tenho o menor interesse em te colocar [...],.”
- É porque daí eu vou sair...
“Se eu ganho 1% ao ano, no total né, se eu ganho um pedaço de 1% ao ano, dos fundos que
você tá, um pedacinho daquele 1%, esse pedacinho... digamos que seja 0,20, você concorda
que 0,20 em cima de 5 milhões é diferente de 0,5.... 20 em cima de 1 milhão...”
- Sim...
“Então pra mim, tem que... esteja bombando, porque se bombar...”
- Te leva junto.
“Isso me leva junto e isso é com todos os clientes. Aí você me indica pessoas e aí a gente
vai...”
- Crescendo...
“Crescendo assim e mais pessoas vão entrando em contato com esse tipo de oportunidade
mesmo, porque isso que a gente trás pro investidor é uma oportunidade.”
- Tem gente que nem sabe né, como funciona, não tem nem ideia...
“Muita gente não tem ideia de como funciona... outra coisa, o investidor pequeno, ele não
sabe que ele pode, já pode com mil reais investir. Têm muitos fundos bons a partir de mil
reais. Então uma coisa que a XP trouxe também de legal né, é que ela abriu o mercado pra
todo tipo de tamanho de investidor. Porque por exemplo, no banco, quanto menor seu capital,
mais caro é o fundo, porque a sua categoria é pobre, baixa renda... olha que louco isso.”
- Aí eles te cobram mais, quanto mais pobre, mais eles te cobram...
“É! Mais, mais caro fica. Quanto mais dinheiro você tem lá dentro, mais barato fica. Então às
vezes, pro povo acessar um fundo muito bom, mega top de rentabilidade, de custo, de não sei
o que... ele tem que ter um milhão lá dentro do banco, R$500 mil”
- Pra valer a pena.
“Pra valer a pena, [...],...”
- Na XP não tem.
“Não tem isso. Lógico que a gente tem fundos que são pra clientes ou qualificados, que são
clientes acima de um milhão, de liquides, ou fundos que o ‘sarrafo’ é alto mesmo... R$50 mil,
R$25 mil... mas é diferente de R$500 mil [...] R$100 mil, sabe... por exemplo, eu posso te
mostrar que a foto... dos nossos top..”
- Fundos
“...fundos né e os valores para entrar.”
- Ah!!
233

“São fundos que eu ofereço para clientes de R$ 5 milhões, clientes de R$20 mil, clientes de
R$10 mil”
- Os seus clientes, tu acha que são, em geral, mais conservadores?
“Os meus clientes são mais conservadores, olha só: essa foto eu tirei hoje. Olha aqui ó, puta
fundo, *clareta* institucional, fundo de investimento multimercado d+1, d+1 quer dizer o
seguinte, se você Pedro, pede o resgate hoje do seu dinheiro, amanhã ele está na sua conta.”
- Ah, sim... demora um dia pra resgatar.
“Um dia... olha lá, mil reais.”
- Que já dá pra entrar...
“Puta fundo! Tem esse *idion* aqui ó, a luz atrapalhou, mas esse fundo aqui é um fundo só de
[...], é um fundo incentivado... mil reais, tá vendo?”
- D+0
“Olha esse aqui ó, três mil reais...esse aqui já é um pouquinho mais alto R$20 mil, mas olha
só na maioria... olha esse aqui, olha esse aqui que maneiro, esse fundo aqui é muito bom XP
Macro, R$500 reais...”
- E esse critério é definido arbitrariamente ou tem alguma coisa a ver com o tipo de
investimento?
“[...], tamanho de estrutura também.”
- Sim...
“Tem cara que fala assim ‘eu não quero trabalhar pra ter pouco dinheiro, quero muito dinheiro
no banco, não faz sentido pra mim eu não ter...”
- Ah, pega um nicho de mercado...
“É um nicho de mercado, por exemplo eu, eu abro conta pequena. Gosto, tenho muito prazer
em trabalhar com investidor mili, pequeninho, não sei o que... hoje em dia eu tenho produto
pra esse tipo de pessoa, esse tipo de investidor.”
- Sim, é também...
“Há dois anos atrás, a gente não tinha tudo isso. Então eu só mirava em cliente de um milhão,
dois milhões, três milhões, sabe... lógico que continuo mirando em clientes muito grandes,
mas eu também tô abrindo para os clientes menores...”
- Sim...
“Meu namorado, ele não tem muito dinheiro.... ele aplicou uma grana lá comigo, sabe... e ele
teve acesso a esses top fundos aqui.”
- E ele comentou muito esses números de fundos?
234

“Pra caraca!”
- De quanto tempo?
“De dois anos pra cá muito... pra ti ter uma noção Pedro, tá um problema, porque todo mês o
fundo fecha.”
- Por que?
“Porque os brasileiros estão diversificando. Eles estão investindo no banco e tão investindo
nessa indústria fora bancos comerciais, então...”
- A concorrência aumentou.
“A concorrência aumento, os fundos estão fechando. O gestor fala ‘para, para não deu’
- Não dá mais...
“Não dá mais... sabe fundos bons, isso é porque as pessoas estão tendo mais acesso à
informação, estão com menos medo de investir, estão diversificando mais, porque assim, os
fatos que aconteceram na década de 90...”
- Como?
“Os fatos econômicos que aconteceram na década de 90 deixou os brasileiros, os mais velhos,
muito assustados. [...] Então isso deixou o brasileiro extremamente engessado. Eu não digo
pra você, que o brasileiro hoje tá com uma outra cabeça, mas a gente tá vendo hoje, em
2018...”
- Mais gente...
“...que o brasileiro, ele tá mais aberto, pelo menos [...] do que a XP, porque é uma indústria
diferente dá que ele tá até hoje, entendeu?”
- Sim.
“Justamente pela transparência, justamente pelo trabalho de bons profissionais.”
- E a tecnologia de informação facilitou muito também
“A tecnologia, a segurança na informação também aumentou muito...”
- Tem aplicativo da XP né.
“A gente tem aplicativo, tudo que a gente faz é auditado, então assim, pra eu mexer em um
real seu, tem que ser via e-mail ou gravado, ou via ligação gravada.”
- Ah....
“Pedro, você autoriza que eu mexa no fundo tal, conforme você solicitou que eu saque aqui
cinco mil reais do fundo bla bla bla... pra mandar pra sua conta corrente do banco. ‘Sim [...],
autorizo.’ ‘Ah, ok’... porque se acontecer qualquer coisa, tá lá ó, você falou com ela.”
- Sim... é deve ser tudo...
235

“Sim, porque são muitos investidores. Então hoje em dia, ainda tem gente que faz porcaria? É,
tem. Mas o cara tem que estar disposto...”
- Como assim porcaria?
“Ah tem gente engana cliente, faz sacanagem com cliente, mesmo dentro de uma indústria
como a XP, que é tão...”
- Mas como faz isso tipo de... tudo auditado, pelo telefone...
“Muitas vezes pela própria.... como eu posso dizer assim, às vezes pela própria ingenuidade
do investidor, de acreditar numa análise ‘megalomaníaca’ às vezes, sabe...”
- Mas isso é um tiro no pé né, porque depois a pessoa vai perder, vai sair e vai falar
ainda...
“É um tiro no pé. Com certeza vai reclamar de você pra XP, ‘olha a [...], me ludibriou aqui,
investi dessa forma porque ela mostrou através de análises...”
- E vai tá tudo lá registrado...
“É, é realmente...”
- Deve ser uma vida bem concorrida pra quem trabalha assim...
“É bem concorrida, mas é um trabalho de relacionamento, por exemplo, pra você vê como o
relacionamento é forte nesse meu mercado...quando eu saí do escritório que eu trabalhava,
eles fizeram uma sacanagem comigo. Pegaram a minha carteira de clientes e venderam, minha
carteira vou distribuída pelo Brasil.”
- Quando você saiu?
“Quando eu saí, tá. Eu tive um problema com o dono do escritório, resolvi sair e ele como
gestor, como dono do escritório, como responsável né...era só ele apertar um botão lá dentro
da nossa internet, que toda a minha base ia embora junto comigo, junto com meu código, toda
a minha base de clientes que eu captei iria embora junto comigo. Eu tava lá, debaixo do meu
*assessora*, todo assessor tem um código. Eu tenho o meu código...”
- E isso tá registrado na CVN...
“Isso tá registrado na CVN, isso tá registrado lá na XP e eu só posso ter contrato com a XP, se
eu resolver operar por uma outra plataforma eu vou ter que romper com a XP, para ir para
essa outra plataforma...e aí dentro da XP, eu tenho lá a minha área de assessora, onde eu
enxergo as carteiras todas, todos os dados, os produtos, não sei o que... e quando eu saí do
escritório, o escritório pegou a carteira, não passou pra mim e vendeu a carteira para um outro
escritório grande.”
- Eles podem fazer isso?
236

“O gestor? Pode! Ele pode fazer isso. É uma sacanagem tremenda, mas ele pode fazer.”
- Sim...
“Porque dentro do escritório você tem o assessor né, que é o dono do escritório mesmo, então
todos os assessores ficam debaixo dele.”
- E ele tem esse.
“Eu tenho [...], da [...],, que é o sétimo maior escritório do Brasil pela XP.”
- É esse que você tá trabalhando agora
“É esse que eu tô trabalhando hoje. Então eu faço parte do contrato social, pequeninha, mas
faço...”
- Sim...
“E tem o dono do escritório que tem lá, 80% das cotas, então tá todo mundo lá debaixo dele.
Então ele tem meio que esse poder, então o que que eu fiz... eu tive que ir, cliente por cliente.”
- Pois é, mas os clientes não recebem? Ele vendeu a carteira...
“Vendeu a carteira e recebeu lá um e-mail: você agora faz parte de assessor tal, que pertence
ao escritório tal, pela XP nanana e eu já tinha avisado os clientes que isso possivelmente ia
acontecer.”
- Sim.
“A gente espera pra ver onde eles iam cair. Eu fui cliente por cliente e a gente fez no dedo,
pra passar pro meu assessor. Nenhum cliente, nenhum cliente foi no meu escritório novo.”
- Tu teve que ir...
“Ninguém quis conhecer o escritório. A confiança é tanta que eles não quiseram nem ir lá pra
ver.”
- Nos novos que eles tinham recebido...
“Eu liguei e falei ‘olha, você tá na base de outro assessor, precisamos mudar senão não posso
te atender, eu já estou em um escritório novo, o escritório funciona assim e assim, nosso
histórico é esse e esse, bla bla bla bla.... tô muito feliz aqui, você quer voltar pro meu?
‘lógico! Como a gente faz?’ Aí eu instruía como é que fazia e o cliente ia lá e mudava o
código e vinha pra debaixo do meu assessor.”
- Sim.
“Você quer conhecer o escritório? ‘Não’’’
- É que não interessa, interessa onde você tá...
“Entendeu? Como esse trabalho é de confiança.”
- É verdade.
237

“O que mais você quer saber?”


- Não, queria...gosta de trabalhar no mercado financeiro?
“Gosto.”
- Como é que é descrever esse ambiente de trabalho? As pessoas se dão bem ou tem
muita competição dentro do escritório?
“Não. Esse escritório que eu trabalho ele não fomenta a competição. Ele fomenta uma
competição saudável, é lógico que a gente quer...
- Sim.
“O escritório, ele tem uma... a gente tem um bi sobre gestão, um bi e trezentos sobre
aconselhamentos, não é nem sobre gestão, nós não somos gestores.”
- Sim...
“Nós somos assessores, né... então nós temos um bi e trezentos já e a gente quer triplicar isso.
Então, o escritório, ele passa pra gente uma ideia de time. É lógico que se eu capto mais o
meu salário fica melhor e eu fico mais feliz pra trabalhar, mas o time aumenta, o nosso
ranking nacional melhora...”
- Mais gente vai atrás de vocês.
“Sim, e aí a gente vai ficando cada vez maiores. Então o meu ambiente de trabalho é muito
bom. Não tem isso de roubar cliente, não tem isso de passar a perna, sabe?”
- Sim...
“Todo mundo se ajuda, se eu pedir pra um assessor ir comigo para fazer uma reunião o cara
vai...se alguém precisar que eu vá junto em uma reunião eu vou, sabe...é uma coisa assim de
se ajudar, mas eu já passei, tive a experiência, de passar por um escritório que fomentava uma
competição entre os assessores muito ruim. Tinha zero time, não tinha essa... pelo contrário,
fomentava briga... tipo, se eu chamasse você para ir em uma reunião comigo pra me ajudar a
captar um cliente, você ia virar e falar assim ‘ó qual é o meu *fit* de colocação aí, quando o
cliente bota o dinheiro?’ era desse nível.”
- Era esse tipo de...
“Era bem feroz assim, sabe, bem feroz.”
- Você acha que... tem mais escritórios assim? Ferozes, que incentivam isso ou mais
como esse seu...
“Cara, nós somos todos ferozes.”
- Ah...
“Mais captadores ferozes assim... a gente tá sempre vendo oportunidade”
238

- Eu digo em relação...
“A esse ambiente hostil?”
- É!
“Varia muito, mas eu posso dizer que é mais hostil do que tranquilo.”
- Do que tranquilo...
“Sabe, assim, eu me sinto muito feliz pelo escritório que eu trabalho hoje.”
- Dá pra fazer bons amigos?
“Dá pra fazer bons amigos se você tá ali, é um ambiente tranquilo, sabe? As pessoas tem
prazer em ajudar você, as pessoas se preocupam em ajudar você.... mas eu já passei por... esse
lugar mesmo de onde eu vim, onde eu comecei... tipo assim, era o oposto disso multiplicado
por cinco, sabe... era um ninho de cobra realmente. Era um lugar assim, que não tinha a menor
ideia de equipe, era uma coisa absolutamente individual, erámos muitos trabalhando numa
sala só...’’
- Sim, não era um time...
“A gente não era um time, entendeu... se alguém pudesse pegar e falar ‘ah o Pedro? O Pedro
não trabalha mais aqui não, deixa que eu te atendo’, era meio que assim, sabe... mas eu acho
que hoje, o mercado tá tão grande, hoje em dia a gente tem uma noção de abertura com os
clientes tão grande, que eu creio que isso tende a amenizar, entendeu... não aguento mais... vai
amenizar”
- E você diria que, ser mulher é um ambiente que...
“... é um ambiente difícil pra caramba.”
- Eu imagino.
“Sendo mulher a gente tem que se impor né, muitas vezes, no sentido [....] ou o cara acha a
gente burra...’’
- A maioria, eu imagino, dos grandes que estão no poder são...
“São, é um ambiente extremamente masculino né.”
- É, pelo que eu vejo assim na televisão parece...
“Então assim, quando eu tô lá dentro, de feminino só o meu batom.”
- Tem que ser...
“Tem que se assumir normalmente com uma postura masculina mesmo. É lógico que eu não
vou falar palavrão, coçar o saco, não tem nada a ver com isso... não vou virar uma mulher
macho, mas é um ambiente assim, que você tem que estar ali... de vez em quando a gente tem
que dar umas na canela... olha, nossa se liga aí que você...”
239

- Não é....
“Eu tô ligada na sua, entendeu? Não vem que não tem.... de vez em quando, mas eu já aprendi
a me virar com isso, sendo mulher, sendo bonita... até com os clientes mesmo, a gente tem
que se impor, o cliente homem...”
- Tu diria que é um lugar que tem muito assédio?
“Tem assédio.”
- Todo lugar também né....
“Todo lugar tem assédio.”
- Academia tem, que mais tem né...
“Tudo, todo lugar tem assédio. Isso depende muito da maneira de como a gente leva isso.”
- Sim...
“Eu já aprendi a lidar com isso e tiro de letra, tranquilo. Eu sempre parto da premissa que é o
seguinte: o cara que vem com o intuito de dar em cima de mim, ele não vai investir.”
- Já consegue ver no jeito que a pessoa fala contigo...
“Não vai investir. Eu já do logo um fora nele, com muita elegância...
- Sutiliza
“E já corto ali... porque dificilmente, ele pode até ‘nossa, essa menina é séria, é profissional’,
mas acho muito difícil. O cara tá nesse intuito ele vem e se ele levar um fora, é muito difícil
que ele invista mesmo...Ele mude a cabeça dele e fala ‘Oh a [...], é minha assessora, porque
ela se mostrou uma mulher muito séria’...”
- Sim, já tem um preconceito ali e ele leva...
“Sim, vai embora ou volta daqui a três meses tentando de novo em função do contato que
ficou né, pelo menos o cara se utiliza disso...O meu trabalho, é um trabalho de prospecção, é
um trabalho de relacionamento.”
- Pois é, isso é o mais....
“Eu tenho clientes [...],...”
- Daí você marca reunião...
“Você marca almoço, você marca café... e é lógico que isso não é pra todo mundo.”
- Depende de cada caso...
“Depende de cada caso, tem gente que eu não marco nada, eu só fico mandando as
informações relevantes pra ele e aí a gente vai estabelecendo ali devagar uma relação. Isso
quando o cliente não vem de carro.”
- Sim.
240

“Isso quando conheci você no curso que a gente fez, vi em você um potencial investidor...
poxa Pedro, você não quer vir numa palestra que a gente vai fazer com o [...],, aquele
economista que é o nosso economista chefe, que aparece na Globo News.”
- Como é que é o nome?
“[...],, pode procurar... ele é um cara muito bom, fala sobre economia muito bem... poxa
Pedro, você não gostaria de ir na palestra do Celso, ele vai falar sobre isso e isso... ‘po [...],,
interessante, eu vou’ daí você vem ‘Pedro o que você achou, achou bacana? Não quer tomar
um café e eu apresentar o meu trabalho pra você?’ ‘ah, poxa agora eu não tô com tempo’, ‘Ah
Pedro, você se importa se eu te mandar vez por outra algum material que seja interessante pro
seu conhecimento?’ ‘permito sim [...],’... aí eu fico nessa.”
- É uma coisa gradual assim...
“É que nem paquerar mulher gostosa... vai ficar ali, vai ficar ali, vai ficar ali, até ela dar uma
abertura pra você. Aí você consegue almoçar com ela, aí ela não ficou muito convencida...
Agora, com o cliente vem de casa(?), que é o que a gente busca...”
- Esse é mais...
“É a melhor coisa, porque o cliente quando vem conversar comigo, tá com um pé na corretora
já. Daí pra gente virar essa chave é fácil.”
- Então quando ele vem de casa já tem... por isso é bom ter um, de um tu faz...
“Um ninho de relacionamento, por isso é bom a gente ter esse bom relacionamento. Então
hoje eu vou pouco a campo.”
- Sim...
“Pra caçar cliente.
- Já tem um...
“Porque eu já tenho ali uma carteira de cliente...”
- Tá desde quando nesse?
“Olha, eu tô no mercado financeiro, comecei ter contato com ele em 2013.”
- 2013....
“Mas eu passei em 2015.”
- Ah....
“Então, eu estou fazendo esse mês três anos como assessora financeira registrada pela CVN.”
- Meus parabéns.
241

“Pois é! E a XP, ela também é internacional, ela tem XP Europa e XP Miami. Ano passado,
por causa de uma indicação, eu abri a primeira conta na XP, eu sou a única assessora
financeira...”
- Do Brasil?
“Do Brasil, que abriu conta na XP Europa.”
- Nossa!
“Que é uma operação muito nova. Eu tenho um cliente em Portugal...”
- Ah que maravilha!
“E a única conta, é a primeira conta na XP Europa e quem abriu fui eu.”
- Mas aí são outros fundos?
“É, é global, são investimentos globais. O cara tem acesso aos produtos da Europa...”
- Por que que isso tem agora?
“Porque só agora a XP conseguiu estar realmente acessando né, esse mercado no exterior.
Isso aí é fruto de um crescimento né, substancial dela.”
- Tem uma estrutura lá?
“Tem uma estrutura lá, como corretora né.”
- Sim.
“Mas tem uma XP lá!”
- Internacionalização....
“Internacionalização, exatamente. Aqui no Brasil, a gente internacionaliza a fatura dos
clientes a partir de cinco mil reais... uma coisa chamada *coi*, *coi* chama-se certificado de
operação ‘instruturada’. É um conjunto de clientes, que compram lotes a partir de cinco mil e
aí com isso, nesse bolo, a gente investe esse dinheiro atrelado a um fundo lá fora ou ações no
exterior. Por exemplo, tem um *coi* que é maravilhoso, muito bacana, e ele tá atrelado as
ações do Facebook, Netflix, Apple e Alibaba.”
- Chineses.
“Exatamente. E aí, tem janelas...”
- Isso é como se fosse um índice?
“Como se fosse um índice.”
- Dessas ações?
“E aí tem as janelas de observação e se naquela janela de observação, as três ações tiveram
subido ou descido o preço em relação ao preço inicial, eles encerram o *coi*, te dão o seu
capital investido, mais uma valorização daquele período, que pode ser seis ou sete %.
242

Digamos que naquela janela de observação, nenhuma, as três não se comportaram igual, né...
naquela data.”
- Sim...
“Então vamos migrar pra próxima, mais três meses, outra janela... ah agora foi, as três
subiram em relação ao preço inicial. Ótimo! Então o Pedro recebe os cinco mil que investiu,
mais 12%... então é muito legal! Uma maneira de você ser contra cliente conservador, porque
é capital protegido.”
- Sim.
“A gente consegue internacionalizar a carteira do cliente, a gente dá acesso pra ele a uma
coisa que ele teria que ter U$50 mil pra investir lá fora pelo menos...”
- E esses conjuntos são vocês que definem ou eles têm prontos?
“A XP gestão é que faz. E aí a gente tem *cois* associados ao Stanley, fundos globais né e
ações internacionais. Então é muito legal, o cliente com cinco mil reais consegue investir na
Apple”
- Consegue investir na Apple...
“Que é um [...], de clientes, tá ali, então eles chegam lá com um caminhão de dinheiro pra
investir, eles têm tamanho [...] isso é operação estruturada tá, partiu de uma opção... opção é
uma operação de bolsa, é uma opção porque você compra direitos de comprar ou vender uma
determinada ação em determinado tempo.”
- Você compra o direito de comprar...
“Você compra o direito de comprar ou você compra o direito de vender.”
- Eles te dizem eu tô comprado, eu tô vendido?
“Também, também... e aí, então assim o gestor, o cara que olha, o cara gráfico, ele tá lá
olhando o comportamento, estuda e faz [...] porque tem fundos geridos por robôs, sensacional
né.”
- Já tinha ouvido falar...
“fundo gerido por robôs né cara, incrível! A Cadima é uma que faz muita gestão via robô.
Pega lá os meninos do...
- Da engenharia de computação...
“É, essa galera... do Inpa, [...]”
- Do IMI ali...
“Do IMI, do ITA... daí eles vem...”
- Fazem o algoritmo
243

“Fazem o algoritmo e fica ali...”


- E funciona será?
“Funciona. Então a XP ela faz teste com algoritmo nesse tipo de produto.”
- Sim...
“A probabilidade é muito alta, você trabalha com probabilidade muito alta né, então eles
acreditam num viés de alta, normalmente, mas eles se protegem contra a baixa.”
- Como é que se faz isso?
“Comprando a opção de compra.”
- E de venda...
“E de venda [...] quando você entende a alteração... eu tô explicando muito grosseiramente...”
- Não... sim, sim. Até imagino, pra pegar isso tudo tem que ser....
“Se você quiser, tiver interesse em saber a natureza dessa operação eu posso explicar pra você
como funciona, mas assim, a grosso modo é o tipo de operação que você compra a opção de
comprar ou vender aquela ação num determinado tempo.”
- Então essa opção, ela se valoriza de acordo com...
“Com o mercado.”
- Quanto mais as pessoas compram essa opção, mais ela oscila em relação a ação?
“[...]
- A opção se valoriza se a ação se valoriza, então a opção de compra dela deve se
valorizar.
“[...]
- Isso faz sentido...
“Sim, isso faz sentido...
- E a de venda o contrário...
“Sim... na verdade essa operação é uma operação de proteção.”
- Sim... e muita gente faz isso?
“Tem muito investidor, muita gente que quer operar na bolsa sozinha...’’
- Deve ser arriscado assim
“[...]
- Mas é um investimento arriscado?
“É, você pode perder muito lá...[...] encerramento antecipado, *floi*, *bnp*, Apple,
Facebook, Unilever... dois anos ó, venceu. Deu 14.60 o tempo de valorização.”
- Valorizou
244

“O cliente vai receber o que ele investiu mais 14,6%.”


- Isso em um mês?
“Isso em um ano. Ele se iniciou nessa data aqui, há um ano atrás...”
- E esse aqui foi mais do que... relativamente ao CDI
“195% ao CDI, bom pra caramba né.”
- Pois é.
“Viu que legal? Aí o cliente pequenininho”
- Tem acesso...
“Com cinco mil reais ele consegue ter acesso a isso. Tem alguns *cois* que são a partir de mil
reais. É maravilhoso pro cliente pequeno.”
- Sim...
“Entendeu? Então olha lá, mais um vencendo... esse aqui é o nosso grupo né, a gente passa
informação...”
- E se discute muito política?
“Muito! Muito política e o pessoal é Bolsonaro né.”
- Bolsonaro?
“Bolsonaro.”
- A maioria?
“[...]
- Nossa...
“Se você mandar um PT assim, dentro do mercado financeiro, eles vão olhar pra você
assim...”
- E se mandar um Alckmin?
“Com o Alckmin eles flertam.”
- Eu achei que se fosse chutar, o Bolsonaro não seria...
“[...]
- Pois é.
“Olha, na época do impeachment da Dilma, eu tava trabalhando no novo escritório... se você
esboçasse, qualquer comentário, não é nem em favor da Dilma ou do PT, um comentário
neutro... eles olhavam pra você assim....eu nem falava.”
- Mas por que isso?
“Cara, o mercado financeiro é capitalista né.”
245

- Mas tu acha que é algo que as pessoas ficam assim no mercado financeiro ou quem vai
pra lá já tem...
“As pessoas ficam assim, porque elas estão vendo o lado monetário, elas não estão vendo um
lado social, elas estão vendo o que é [...] bom pro Brasil, sabe...”
- Sim.
“Então [..]
- Eles acham que o Bolsonaro é bom economicamente?
“Eu tenho ouvido pessoas lá, comprando [...]”
- Nossa.
“Apesar da tendência dele é instalar uma ditadura né...”
- Pois é, tem todo...
“Olha que legal isso aqui...isso aqui é a carteira de uma cliente de previdência, tá... ela tem
três previdências no Banco do Brasil.”
- Previdência significa...uma carteira de previdência significa...
“Previdência, a previdência privada é um dinheiro que você faz pra sua aposentadoria. A
previdência privada, ela é muito legal, porque ela dependendo da forma *tgdl* por exemplo,
na hora de você fazer a sua tributação, fazer sua IR, você vai conseguir um desconto no seu
imposto de renda, reduzido do seu imposto de renda, então, dependendo das questões fiscais,
é interessante...mas se você é uma pessoa regrada, que consegue juntar dinheiro, eu diria que
é um pouco de perda de tempo fazer uma previdência privada.. só a previdência privada,
entende....
- Muito conservador...
“Que tem gente que eu pego, como é o caso dessa mulher, tá com um caminhão de dinheiro
de previdência e ela só investia até hoje em previdência. Aí aparece com outro investimento
em previdência, olha esse...
- Nossa, quase todos deve ser muito...
“Muito! E é uma doutora, tá?”
- Ah, mas isso não quer dizer muita coisa.
“Não quer dizer nada... a mulher pode ser pica das galáxias no que ela faz...”
- O que ela faz?
“Dá aula no mundo inteiro, ela roda o mundo inteiro, ela é chefe de departamento lá no
Jardim Botânico, entendeu...”
- Sim...
246

“Mas ela não entende nada disso aqui e é assim que a gente ganha honestamente o nosso
dinheiro... A mulher tá num fundo muito ruim.
- Risos. Três ao ano...
“Três meses cara”
- Isso é num ano...
“Isso é num ano.”
- Aquele ali deu 14...
“É.”
- Esse aqui deu três...
Risos.
“Em três meses, olha quanto deu... em seis, olha de agosto pra cá...tá vendo? Então através
disso aqui, dessas janelinhas aqui, a gente consegue mostrar pro cliente que os nossos
produtos são melhores. Entendeu? Eu ainda nem mostrei isso pra ela, porque eu trouxe pra
mim, caso eu fale no telefone eu ter comigo, mas ela tá muito mal locada. Tem três
previdências no mesmo lugar, concentração de risco enorme...”
- Pois é né, tem mais isso...eu sempre ouço diversificação
“Pulveriza.”
- Não coloca todos ovos numa sexta só né...
“[...] e renda fixa a gente pulveriza dentro do FGC, do limite do FGC, [...] e na XP, o sistema
é tão fechado, é tão seguro, que se eu, digamos, oferecer pra você o *cvv/cbb(?)* que você já
tem, banco original, aí vê aí né, tem a agência física lá em Ipanema e tal...você já tem lá o
investimento no banco original na sua carteira... aí eu te ofereci um [...] do banco original
também e você gostou, gostou da taxa, depois do lá o dinheiro... vou aplicar pro Pedro, botei
lá.... tum! Na mesma hora o sistema, se aquele valor ali... ele ultrapassar R$250 mil na
projeção da rentabilidade, o sistema trava, ele fala que o cliente não pode investir...”
- R$250 mil com a projeção da rentabilidade... não é quanto capital? Ah....
“Ele já registra que ‘opa’.”
- Então se a pessoa chega com um milhão, vocês pulverizam para ficar no fundo de
garantia... perder dinheiro assim é difícil?
“Olha, esse risco é um risco país, sabe por quê? Não é só um risco institucional, tem vários
tipos de risco né, o risco desses conteúdos é um risco país, sabe por quê? Porque assim, dentro
desse fundo aqui que você tá vendo, o que tem aqui de título público, título privado... se um
banco desses quebra”
247

- Quebra tudo...
“Cara você vai sair fazendo uma lambança no mercado financeiro inteiro... imagina um
caminho menor pra construir...
- Vai derrubar...
“Vai derrubar o Brasil inteiro, todos os fundos de renda fixa vão ter perdas significativas...vai
tá todo mundo caindo.”
- Me explica melhor então, o que é... isso aqui é um fundo?
“Isso é um fundo.”
- Em que as pessoas, colocam dinheiro, mas você falou títulos.... aqui tem títulos?
“Tem, porque o seguinte, vou desenhar aqui pra você...”
- Por favor...
“Você tem aqui um fundo, é do Banco do Brasil isso aqui tá... aí aqui você tem a *previ*,
Banco do Brasil *re*... cada fundo tem um nome, que o banco decide dá lá...
- Metro...
“Metro, arrojado, arrojado 1,2,3.... o Banco do Brasil é mestre nisso.”
- Criar nomes...
“Os fundos são assim 1,2,3,4,5... é o mesmo fundo? Isso quer dizer o que?”
- Pois é!
“Isso quer dizer que ele tem um fundo mãe, que ele chama de *maji* aí esse fundo aqui enche
a capacidade máxima dele, aí o que ele faz? Ele replica, aí digamos, ele se chama *previ fix
master*”
- Mas por que ele tem um limite?
“Porque todo gestor, daí isso vale de gestor pra gestor, ele tem uma capacidade de gestão.”
- Ah coisa de...
“aí ‘se colocar mais cinco mil aqui eu já não sei, vai ficar difícil pra mim’, então assim 200
milhões está ótimo...”
- Então cada um deles é um gestor?
“E o que que eles fazem? Encheu né, mas o fundo é tão bom, tão bom, ele tá tendo tanta
capitalização, vamos criar o previ, o fix, 2, que a gente chama de fundo *fider*, o fundo
*fider* é um fundo filho, é um fundo espelho, a estratégia de investimento aqui...”
- É a mesma...
“É a mesma que o master, é tudo igual. Aí encheu aqui, vamos criar o 3.”
- Mas aí são gestores...
248

“Pode ser o mesmo gestor, pode ser gestores diferentes... pode ser um gestor e a equipe só
replica.”
- Caraca!
“Entendeu? Aí tem o 4, tem o 5... esse fundo que ela tá é assim, 1,2,3,4,5... é até 10.”
- E são muitos?
“É fundo de fundo de fundo... ele vem de outro. Então eles estão ligados a esse CNPJ aqui e
cada um tem o seu CNPJ.”
- E cada um tem o seu CNPJ. Mas de fato eles são basicamente a mesma coisa?
“Basicamente a mesma coisa e o que acontece, esse fundo de renda fixa aqui, um fundo de
renda fixa por legislação, ele só pode aplicar 100% em títulos de renda fixa.”
- Ele só pode aplicar 100%?
“Só pode fazer isso e aí, ele aqui dentro, tem muito título público.”
- Mas essa é a minha questão, a pessoa compra um título público e coloca lá?
“Não, o gestor compra”
- Ah tá, entendi! Tu bota o dinheiro lá o gestor compra o título público como estratégia
de investimento...
“Você não pode esquecer que tem um maestro lá dentro.”
- Sim...
“Entendeu? Tem um maestro que vai compra, vende, pega...ele fica assim.”
- Entendi.
“Entendeu então? Tem um caminhão de título público aqui dentro... se a gente fosse colocar
isso fisicamente, hoje é tudo eletrônico né, mas se gente fosse colocar fisicamente, iria encher
uma sala inteira de papel.”
- Então o risco é desses títulos todos aí, que estão associados a esse aqui e todos...
“E a todos os outros fundos que que possuem os mesmos [...], porque um título é uma dívida.
Um título público é a dívida do governo.”
- Só que títulos de banco...
“Tudo, tudo é uma dívida. Então, por exemplo, uma *debentori*, uma *debentori* é uma
dívida de uma empresa.”
- Sim.
“Então quando você compra uma *debentori* você está assumindo o risco... quanto mais
saudável é uma empresa, menos ela paga.”
- Sim, menos risco...
249

“Menos risco, não preciso pagar muito pra ti... agora, se a *Tata Roger* lançar a dívida dela
no mercado...”
- Vai ter que pagar bastante...
“Vai ter que pagar muito, porque quase ninguém conhece, eu não tenho nome de mercado,
tenho algumas aqui pra melhorar, mas mesmo assim não fui aprovada...”
- Sim...
“Por isso que *debentori*, *LCI* Letra de Crédito Imobiliária, *LCA* Letra de Crédito
Agronegócio, elas são incentivadas, porque quando você compra uma LCA da *Tata Roge*
tá, você está ajudando o Brasil a crescer, porque a Tata vai empregar, a Tata vai construir... a
Tata vai fazer dinheiro girar. Então esse tipo de produto não têm IR.”
- Sim.
“Mas”
- Você tá emprestando dinheiro”
“Pra uma empresa”
- Que no caso é o governo...
“A CBB nada mais é que a dívida de um banco, certificado de depósito bancário. Na
plataforma hoje, eu tenho... deixa eu te mostrar aqui, uma coisa que eu enviei [...]

Entrevista 1: transcrição do segundo áudio – duração 16 min e 32 segundos

- Então a opinião que eles dão, é tomada pelos outros como e aí eles agem a partir disso?
“Lógico.”
- Sim, olhando pra realidade...
“O que sai no jornal, dados de mercado, análise gráfica, sabe... números divulgados pelo
governo né, mas esses [...], são uns verdadeiros deuses pra gente, não é pra mim, mas pra eles
são verdadeiros deuses sabe... a gente tem gestores extremamente renomados e muito, com
mestrado, doutorado, pós, pós doc, um mundo experimentado pelo mercado que faz os
formadores de opinião desse mercado financeiro.”
- Gente que trabalha no mercado financeiro ou gente que tá na academia?
“Trabalha, pessoas que trabalham... são grandes gestores, grandes [...],, com uma alta
performance, sabe. Então os cara acreditam muito...”
- No que?
250

“Numa análise de um cara desses. Se o cara deu uma rentabilidade dessa em momentos tão
difíceis e o cara conseguiu, é porque a análise de mercado dele é boa.”
- Mas tu não acha que tem uma profecia alto realizável ali?
“Eu acho.”
- Porque quando, um cara desses diz aí você bota lá e realmente...
“Exatamente.”
- Se valoriza por causa da opinião dele...
“Sim, de certa forma, eles são formadores de opinião e essa opinião, não deixa de influenciar
fortemente o mercado, porque quando a gente lida com tendência e especulação né, quando
uma ação sobe ou desce, é porque uma grande maioria acreditou na subida ou na descida dela,
sabe?”
- Sim.
“Então quando uma ação sobe, é pela força dos compradores. Se existe uma força
compradora, venho de alguma notícia. Venho de alguma informação que fez as pessoas
apostarem nessa alta. É ao contrário quando uma ação cai, é a força dos empreendedores.”
- De alguma...
“De alguma informação que foi passada, que fez com que essas pessoas acreditassem que era
o momento de vender aquela ação, então a partir daí ela vai cair. Então o mercado, ele vive
nesse cabo de guerra, sabe? Horas mais pra lá, horas mais pra cá, ele vive assim... então a
opinião de um cara desses, ele não deixa de influenciar lógico, fortemente, o mercado.”
- Sim...
“Se você quiser, eu posso te mandar as análises...”
- Sem dúvida.
“... de fundo, todo fundo ele tem a carta do gestor, o gestor ele...”
- Que é como estratégia?
“É! Ele faz um balanço do mês... ‘olha, a gente teve queda disso, movimentos econômicos
assim, assim e assim, levou o fundo a ter uma determinada queda... sabe, coisas assim.”
- Sei... aí ele diz ali a estratégia né.
“Sim, tá ali. Todo fundo tem um prospecto e ele tem uma estratégia de investimento, que é
respeitada... sempre.”
- Sim.
“O investidor tá ciente disso.”
- Sim, porque quando você bota você espera que...
251

“Exatamente. Então assim, tem fundos que a proposta dele é acompanhar o CDI, tem fundos,
que a proposta deles é superar o CDI, tem fundos que a proposta é acompanhar o índice
Bovespa, outros de superar o índice Bovespa, ou acompanhar o *Imab*... então é assim, tem
vários...”
- Vários tipos de...
“Tem vários tipos de estratégia, de abordagens... então a gente ali como assessor...”
- Tem que seguir...
“A gente ajuda ali o cliente a ir equilibrando, tornando a carteira dele saudável... fazendo com
que ele tenha um colchão de renda fixa, mas que ele também esteja correndo um risco
pulverizado, pra que ele também tenha investimentos um pouquinho mais arriscados, que
possa dar pra ele uma rentabilidade maior a longo prazo.”
- E esses formadores de opinião, tu acha que eles têm opiniões, normalmente,
congruentes tem uns que destoam muito dos outros?
“Normalmente convergentes.”
- Eles devem todos se basear numa mesma teoria...
“Sim, sim...Só tem um cara assim, que toda vez que ele fala, a galera fica...ele realmente vem
com premissas muito assustadoras, sabe... dólar cinco reais...”
- Quem que é?
“... essas coisas assim, pior que não guardo o nome Pedro, mas eu posso saber de tudo isso
pra você.”
- Não, relaxa... depois se você puder me mandar.
“... pra você se basear.
- Ah, me ajudou muito já!
“Cara, do que você lembrar, que você precisa, alguma coisa... alguma pergunta.”
- Deixa eu ver... não a questão é que eu queria ouvir mais a tua opinião mesmo, que a
minha pergunta é de pesquisa... que tem gente que diz que, o pessoal mais de esquerda,
que o mercado financeiro se tornou o grande problema do mundo e tem gente que diz
que o mercado financeiro não, ele é a coisa que aloca recursos, que faz contribuir pro
desenvolvimento.
“Ele contribuiu pro desenvolvimento e com o advento aí da XP, é aquela coisa que se abriu
pra todo mundo. Eu acho que o mercado financeiro é extremamente benéfico pra nós.”
- Você não diria que quando se foca muito nessa saúde financeira no Brasil, por
exemplo, e não considera os impactos sociais que isso pode gerar, por exemplo, congelar
252

os recursos públicos e daí menos dinheiro para a saúde, para a educação, etc... tu não
acha que eles desconsideram isso? Sendo algo muito fundamentalista, como tu falou...
“É... é, normalmente a gente não tá pensando muito nisso não, não muito nisso não.”
- Sim, nem entra né... é uma forma muito estranha de interagir né, porque você olha pra
um conjunto de números né...
“[.....]
- Pois é, eu até não sei como botar, porque pretendo entrevistar alto escalão do mercado
financeiro, mas trabalhadores do mercado financeiro.... nunca ouvi alguém se referir a
trabalhadores do mercado financeiro.
“Se você quiser, quando tiver alguma palestra nossa, lá no teatro XP, que fica no Jardim
Botânico, sempre tem palestra lá e tal, eu te aviso pra você ir. Aí você fica lá, prestando
atenção, daí você pode perguntar.”
- Pode perguntar?
“Pode! Aí você pode tirar umas dúvidas e fazer umas perguntas, assim, cabeludas sabe...”
- Acho que eu vou tirar a barba, fazer um look mais...”
“Só passa gel no cabelo e tá ótimo, porque o que mais tem é barbudo.”
- É?
“É, eles não têm mais esse preconceito no mercado financeiro não.”
- É mais aberto...
“É mais aberto.”
- É, pois é! Antigamente eu via nos filmes... quem trabalhava com umas caras...
“[...]
- É! Também não era assim? Hoje em dia...
“Pelo contrário, os meninos novinhos eles deixam a barba crescer.”
- Pra parecer mais cool.
“É, pessoal muito bebezinho.”
- É? Muita gente jovem então
“São muito novinhos, assim, enquanto um jovem de 25 anos não tenha saído pra beber ele é
um bebe...”
- Ah mas a experiência de vida...
“Mas a carinha...”
- A barba ajuda...
“A barba ajuda, trás ele pra perto dos 30, sabe?”
253

- Eu sei.
“[...], vendedor, oficialmente tem a carinha muito... mais limpa que o dente [...]”
- Entendi. Tem muita gente chovem?
“Nós somos doze assessores [...]
- Sim...
“... cresce demais. O que a gente mais vê é formado lá da [...]”
- Indo pra lá.... e qual tu diria que é a habilidade mais importante? Se eu quisesse entrar
no mercado financeiro, o que que eu precisaria, o que tu acha que eu precisaria saber
pra mim ter sucesso?
“Se virar nos 30, saber ter jogo de cintura.”
- Jogo de cintura.
“É, jogo de cintura...”
- Saber mais que teoria econômica?
“Mais que teoria econômica, isso aí é uma coisa que vai ajudar você a ser tornar um assessor
melhor, mas pra você ser um assessor, você precisa saber se virar nos 30, porque
relacionamento com cliente chata é saia justa, sabe?”
- Ah sim, é um ambiente...
“Aí sabe...”
- Sim, tem que lidar...
“Saber lidar com diferentes situações e saber fugir de alguns questionamentos às vezes,
passando muita segurança pro cliente.”
- Sim.
“... às vezes você recebe umas perguntas assim.... e dependendo da maneira que você
responde pro cliente, ele fica absolutamente inseguro.”
- Você tem que passar certeza.
“Sim, você tem que passar certeza...”
- Até quando você tá com dúvida?
“Sim, até quando você tá com dúvida, por isso o jogo de cintura [...]...’’
- Mas assim, sempre tem uma incerteza né, incerteza na economia...
“Ah, não existe incerteza!”
- Mas aí quando você passa, você diz, olha... incerteza...”
“A gente sempre se isenta.”
- Sim...
254

“Digamos, aquele negócio, aquela carteira de previdência... uma carteira é simplesmente um


conjunto de investimento... [...] Aquela carteira é uma sugestão ruim pro cliente, então eu vou
passar pra ela os riscos...”
- Que daí ela vai...
“É... [...] eu não faço as coisas baseadas no que eu acho, eu faço as coisas baseadas no que ele
vê o que é melhor pra ele, eu vou lá e mostro.”
- Você traz uma...
“[...] é isso, tá bacana. Então, se você quiser ser um bom assessor hoje você precisa...”
- Jogo de cintura.
“... ter jogo de cintura.”
- [...] Curioso pra ler, tudo o que dá pra ler sobre informação...
“Ser um bom generalista...”
- Como assim generalista?
“Fazer de tudo um pouco...”
- Pra relacionar várias...
“É, porque às vezes você vai conversar com uma pessoa e aí aquela pessoa mostra que pode
ser um potencial cliente. Então, às vezes você sabe que um pouquinho daquele problema que
ela está trazendo ali... você já dá a informação que você sabe, aí a pessoa vai ficar mais
impressionada com você e você consegue trazer ela...”
- Sim...
“...pra uma reunião, uma palestra... vai começar um relacionamento com ela. Então é sempre
bom a gente ser generalista. Então, às vezes eu nem sei... tipo assim, às vezes eu entendo a
mecânica do seu problema e aí eu falo assim, ‘olha, lá no escritório a gente lida com esse tipo
de coisa... você quer falar com um especialista?’...”
- Sim.
“... ‘quer falar com ele?’ Eu entendo a natureza do seu problema...
- Faz um diagnóstico....
“de qual produto pode ajudar você, mas aí eu vou botar o especialista pra [...]
- Um poder de observação, também né....
“Muito, muito, muito. A gente vai deixar a pessoa falar, deixa ela falar e a gente vai
observando as coisas, sabe? Um cliente meu na semana retrasada, me ligou perguntando como
é que ele fazia pra doar os investimentos dele pra mulher dele, mas dentro da XP. Aí eu
peguei e expliquei pra ele como é que era, mas aí eu disse assim: ‘vem cá, posso entender,
255

qual é... o que tá acontecendo com você?’ Aí ele me contou, ele falou que tava envolvido com
uma falcatrua, que ele não teve nada a ver com isso...”
- Mas tava...
“... acho que o cara era sócio dele, o sócio dele que não acreditou na verdade era um canalha,
o cara sacaneou um monte de gente e ele estava com medo de ser executado.”
- Aí ele protege colocando...
“É, e aí ele queria proteger mandando pra mulher. Aí assim, entendendo a natureza do
problema dele e entendo a natureza do produto que ele tem, que é um seguro de vida... eu
disse assim ‘pera aí, posso colocar um especialista aqui na linha pra falar com você?’ ‘pode’,
lá no escritório a gente tem um especialista só de seguro de vida.”
- Sim...
“Aí falei, Renato chega aí... aí a gente começou a fazer umas contas... aí o Renato entendeu e
disse ‘o ideal pra você, nesse caso, seria a gente fazer um seguro de vida pra você. A gente dá
baixa em todos os seus investimentos, contudo, [...] é impenhorável’.’’
- Ah, o seguro de vida...
“É, é impenhorável. O juiz não consegue ir lá e...
- Aliena isso...
“Aliena, não consegue. Já os investimentos ele consegue.”
- Sim...
“Aí ele ‘poxa bacana, [...]’ tem pouquinho de estudo”
- Você consegue lidar com o problema.
“É!”
- ... solucionadora de problemas.
“É! Eu consegui fazer essa ponte, daí muito provavelmente, vai sair um seguro aí pra esse
cara, que daí ele vai esperar prescrever, cinco anos ele resgata....’’
- Sim.
“Entendeu...”
- [...], is, muito obrigado!
“Cara... de nada! Imagina!
256

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