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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – João Pessoa - PB – 15 a 17/05/2014

The Zuera Never Ends: interação, compartilhamento e potências virais


das imagens meméticas em comentários no Facebook1

Luana INOCENCIO2
Camila Priscila LOPES3

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN

RESUMO
Nas redes sociais, os indivíduos estão acostumados às dinâmicas hipertextuais de uma
cultura participativa, estabelecida através de linguagens que replicam padrões de
comportamentos e potencializam suas ideias. Os recursos nessas plataformas
possibilitam diálogos cada vez mais interativos, cuja potência de disseminação pode ser
uma das chaves para se pensar o intenso fluxo de produção colaborativa que parte dos
usuários na rede atualmente. Nesse contexto, após a rede social Facebook liberar uma
nova funcionalidade que permite a publicação de imagens nos comentários de suas
postagens, deu-se início a uma imensa profusão de piadas internas e virais proliferados
por meio do compartilhamento de imagens meméticas, pautando-se na ironia e humor
nonsense, característicos do entretenimento na chamada "cultura digital trash".

PALAVRAS-CHAVE: Facebook; redes sociais; entretenimento; meme; cultura


participativa.

INTRODUÇÃO

Um dos primeiros conceitos de meme surgiu através de estudos na área da


genética, onde Dawkins (1976) definia meme como um substantivo que transmite a
ideia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. Sua origem
é baseada no termo grego mimeme, que se traduz como “algo imitado” e atualmente o

1
Trabalho apresentado no DT 05 – Rádio, TV e Internet do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Nordeste realizado de 15 a 17 de maio de 2014.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB). E-mail: luanahinocencio@hotmail.com.
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Recém-formada do Curso de Comunicação Social, Rádio e TV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). E-mail: camilaha.lopes@gmail.com.

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termo classifica figuras ou frases utilizadas de forma repetida, que se propagam de


forma viral pela rede, são remixadas e misturadas a novos contextos.
Atualmente, o termo meme proliferou-se pela rede, sendo usado para todas as
coisas que são utilizadas repetidamente na internet em vários contextos diferentes e que
podem até ganhar um novo significado nesse processo. Exemplos dessa amplitude
podem ser encontrados na memepedia4, uma enciclopédia brasileira que hospeda memes
de várias naturezas e busca rastrear suas origens.
Nesse contexto, no artigo identificaremos tal cultura participativa como retórica
estética que desencadeia e propicia a produção de linguagens específicas na interação
através dos comentários no Facebook. Tal fenômeno tem particularidades intrigantes,
como, por exemplo, os discursos pautados na ironia e no humor negro que partem de
alguns atores sociais. Estes se aproximam da construção de valores adotados por uma
parcela de público segmentada, e sua piada é compreendida apenas por este círculo,
com o objetivo de conquistar um maior capital social agregado à sua popularidade na
rede.
Buscando aproximar a compreensão da lógica memética e de como ela opera,
utilizaremos então essas imagens que são disseminadas nos comentários como elemento
articulador. Assim, traçaremos uma análise descritiva para entender como esses
diálogos se processam na rede, observando de que modo estas novas formas de
interação imagética no Facebook ocorrem, alterando os modos de interação
estabelecidos anteriormente.

O memé é a mensagem: como nascem as piadas nonsense e sua potência viral

A cultura participativa encontrou terreno fértil no ciberespaço, em especial na


web 2.0. Essa participação caracteriza-se, como pontua Shirky (2011), por cidadãos
conectados em círculos colaborativos que promovem o compartilhamento de ideias e
projetos, a ser realizados com o coletivo. Nesse ambiente efervescente, os grupos
reunidos percebem que querem mudar a maneira como se desenrolam os diálogos
públicos e descobrem que possuem meios de fazê-lo.

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Disponível em: <http://youpix.com.br/memepedia>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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Como observa Canclini (2008), no contemporâneo cenário cibercultural, os


meios de comunicação passaram a sofrer permanentes deslocamentos e integrações.
Essa estética da remixabilidade, como denomina Manovich (2001), passa a influenciar
nossa forma de ressignificar o mundo, por meio de comportamentos, relações sociais e
diversas formas de hibridizações. Implicando um processo de fragmentar a imagem
reprodutiva e reconstruí-la a partir de uma nova realidade, trata-se de uma
recombinação de vozes sociais, linguagens, sentidos, identidades e culturas.
Estruturadas com interfaces cognitivas flexíveis, plásticas e adaptáveis, algumas
plataformas multimidiáticas específicas contribuem para o processo criativo pautado na
instantaneidade e característico da cultura remix e participativa. Revelando novas
possibilidades de produção de sentido e memória coletiva na rede, isso pode ser
observado como um agente facilitador de laços sociais ao estimular seus usuários à
produção, em busca do capital social, ou seja, reputação.
Traduzindo o espírito da então chamada cultura digital trash (PEREIRA, 2007),
na qual os indivíduos produzem e compartilham conteúdo textual e audiovisual amador
na web como forma de entretenimento, nasce o meme, um fenômeno ambientado na
cibercultura e com formas híbridas. Elaboradas sem preocupação com padrões de
qualidade estética e fundamentadas em uma retórica intencionalmente tosca, essas
produções são alimentadas recombinando elementos nonsense.
Como afirma Blackmore (2000), memes são ideias e comportamentos que um
indivíduo aprende com o outro através da imitação, sendo cada indivíduo então uma
“máquina de memes”. E a internet é o terreno ideal para essa proliferação. Esse
raciocínio é interessante para identificar a mudança da mídia social como um meio de
criar epidemia memética: compartilhe uma ideia com seus contatos em uma rede social
e eles poderão fazer o mesmo, passando o pensamento adiante inconscientemente,
colocando a palavra dita ao risco de contaminação.
Em uma comunidade, como afirma Campanelli (2010), a imitação é a raiz de sua
identidade cultural. Quando um comportamento é aceito, passa a ser repetido por seus
membros, por meio de uma propagação contagiosa. Esse processo de seleção memética,
aninhada na mente dos indivíduos, influencia decisões e direciona condutas, tornando-se
parte de seus costumes por meio de multiplicações de uma herança social.
Se os primeiros memes na web raramente saíam dessa ambiência, hoje podemos
observar sua reprodução na mídia de massa, apropriações por programas de humor e,

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mais frequentemente, por campanhas publicitárias. Isso porque os memes trabalham no


plano subjetivo do inconsciente e das ideias, relacionado a elementos culturais.
Compreendemos aqui o meme como o cotidiano reinventado pelo humor, muitas
vezes nonsense - característica marcante dos memes em geral – impregnado em sua
retórica e estética, com constante carga de humor-negro e elementos subjetivamente
irônicos. O nonsense é caracterizado por utilizar a desconstrução do real como uma
forma de contestação, não se opondo ao sentido, mas à ausência deste. Como afirma
Deleuze (2007), esse não-senso é constituído de uma lógica própria, que opera através
de elementos que não são, por si mesmos, “significantes”.
Com a premissa de mostrar que a realidade sobre a qual está construída a nossa
lógica não é tão perfeita quanto parece, a estética nonsense, antes carregada com um
apelo de insatisfação, é absorvida pela cibercultura, perdendo muito do seu valor
contestatório e passando a reforçar grandemente o seu valor de humor, criando situações
inusitadas e bizarras.
Os memes são caracterizados pela repetição de um modelo básico a partir da
qual as pessoas podem produzir diferentes versões do original, sendo possível
identificar o cerne da unidade replicadora nas diferentes variações de um mesmo meme.
Um exemplo desse processo pode ser observado no meme Willy Wonka Irônico,
inspirado em uma cena do personagem Willy Wonka, da versão de 1971 do filme A
Fantástica Fábrica de Chocolate, em que o protagonista faz uma expressão irônica. A
principal característica desse meme são os debates construídos por meio do sarcasmo,
aproveitando a expressão do personagem para satirizar situações geralmente em torno
de questões sociais, expostas em variadas versões.

Figuras 01 e 02 – Exemplos do meme Willy Wonka Irônico.

Fonte: <https://www.facebook.com/WillyWonkaIronico>.

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No site memecreator.com, o usuário pode buscar pelo template (modelo) da


imagem – dentre vários outros memes, adicionando seu texto e criando sua própria
versão do Willy Wonka Irônico, que atualmente conta com mais de 50 mil variantes só
nesta página. Esse é um meme de composição estética simples, do tipo chamado image
macro, imagens modelos às quais é adicionado um texto simples e curto que compõe o
efeito humorístico. Basicamente, a fórmula desse meme é inserir no topo da imagem
uma pergunta sarcástica, seguida abaixo de uma frase de teor irônico, iniciada em
“conte-me mais sobre …”

Figura 03 – Criando uma versão do meme no site MemeCreator.

Fonte: <http://memecreator.org>.

É possível identificar como as versões de Willy Wonka Irônico dependem da


ação criativa e consciente dos usuários, frente a um amplo leque de possibilidades
oferecidas pelo replicador original. Além disso, alguns usuários se permitem variações
não previstas, podendo adotar formas variadamente distintas do modelo original e
eventualmente gerando novos memes.
No entanto, os memes não são fenômenos culturais aleatórios: são coletivamente
articulados com outras esferas da vida social. Nesse contexto, pode-se observar uma
disputa pela atenção dos usuários, como afirma Blackmore (2000), posto que algumas
versões e modelos de memes claramente tornam-se mais populares e duradouros. No

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entanto, essa competição é diretamente determinada pelos agentes no processo de


produção e difusão do meme.

Interação nas redes e a busca do capital social

O Facebook é uma rede social bastante mutável e que disponibiliza recursos


interativos, de modo que os usuários constroem seu perfil e têm a opção de compartilhar
conteúdos de seu interesse, onde seus amigos adicionados podem dar curtidas e realizar
comentários em tempo real. Suas ferramentas se tornaram populares devido à
simplicidade do manuseio e a rapidez, como a publicação de imagens, vídeos, eventos,
links, matérias e chat.
Todos esses recursos contidos no Facebook funcionam como ferramentas
interativas, e através da grande maioria deles a conversação também pode ser
estabelecida. É evidente, no entanto, que muitos desses recursos não sustentam uma
conversação contínua e restrita, mas, se a interação for alimentada, a conversação pode
surgir e/ou migrar para outra ferramenta, como o chat oferecido pela rede.
É relevante lembrar que a rede referenciada é um meio que aproxima os
sujeitos, unindo-os, expandindo os limites da comunicação, e dessa forma rompendo os
obstáculos de tempo e espaço, sendo capaz de estreitar os contatos físicos de tais
pessoas. Assim, como afirma Ribeiro (2004), as transformações que esse tipo de
conversação conduz não são vistas negativamente, pois as trocas de falas podem ser
feitas de forma mais rápida, trazendo a tona novas modalidades de escrita e
representação de sentimentos.
O autor observa ainda que opostamente a conversação oral, onde a
possibilidade de participar de várias conversas ao mesmo tempo não é possível, a
conversação nas redes sociais sustenta essa capacidade. É comum nesse meio os
interlocutores se expressarem informalmente, atribuindo elementos da linguagem
falada, na tentativa de deixá-la mais coloquial e mais parecida com as conversas
realizadas no cotidiano.
O digital é fundamentalmente anônimo, graças a sua mediação, que torna o
corpo físico um elemento não participante. Diferentemente da conversação presencial, o
participante pode muito bem adquirir a imagem que deseja. As audiências são invisíveis

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a principio e o distanciamento físico entre os atores presentes no processo está


diretamente relacionado à transferência do processo conversacional da co-presença.
Como afirma Recuero (2012), as conversações cultivadas do ciberespaço por
meio da linguagem escrita exigem a aplicação de uma nova linguagem. Quase sempre
os integrantes do Facebook dialogam com distintas pessoas simultaneamente,
necessitando assim de maior rapidez no envio e nas respostas das mensagens, e por
causa dessa pressa, novas estratégias são usadas para sintetizar os conteúdos dispostos
em cada entrada textual.
Nas conversas virtuais, geralmente os indivíduos se comunicam através de
textos. Todavia, as ferramentas encontradas no Facebook deixam abertura para edição e
adição de elementos existentes na interação falada, diferentemente, por exemplo, do ato
de escrever uma carta. Se tratando da comunicação escrita, podemos perceber que foi
preciso acontecer uma adaptação, para adquirir maneiras de indicar os componentes
indispensáveis para transferir as emoções do que foi escrito em gestos e expressões.
Essa apropriação carrega outras características presentes na comunicação oral,
como o uso se onomatopéias e a repetição de letras para simular a prosódia. É comum
acharmos que o uso desses símbolos surgiu a partir da internet, mas eles já eram
utilizados em cartas. No entanto, a mediação foi crucial para a popularização de tais
referenciais e com o passar do tempo, essas apropriações se tornaram mais detalhadas,
passando a representar dialetos específicos de grupos de usuários.
Nas postagens públicas compartilhadas no Facebook, tanto o usuário que
iniciou o diálogo, como outros participantes da rede podem acessar o que foi
transmitido e compartilhado, podendo ainda intervir nos diálogos e adicionar
comentários. Nessa rede social, os acontecimentos são efêmeros e mutantes, e seus
processos tendem a ser modificados a cada ação dos participantes, como um clique
relativo ao curtir, ou compartilhar.
Nesse processo, o indivíduo constrói sua identidade a partir da relação com
outras pessoas que julga admiráveis, a quem ele possa referenciar-se e espelhar-se.
Como observa Hall (2011), esse sujeito moderno não é dotado de uma identidade fixa
permanente, visto que esta é concebida e modificada continuamente em suas relações
sociais.
No ciberespaço, os interagentes não se conhecem de forma imediata, é
necessário então que esse “comparecimento” seja representado corriqueiramente de

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alguma forma, para que a interação ocorra satisfatoriamente. Esse modo de


demonstração do “eu” pode ser apresentada de diversas formas nesse ambiente, não
dependendo dos portadores de tais referenciais estarem online naquele momento.
Recuero (2012) esclarece que através dos elementos identitários de
representação dos indivíduos virtuais, esses atores sociais constroem um novo espaço de
fala, onde divulgam detalhes de seus contextos particulares e características de suas
personalidades. Tais expressões pessoais espalhadas na internet servem de guia para o
reconhecimento do espaço do outro, e consequentemente para a realização da
comunicação entre esses atores.
Ou seja, para ser encontrado dentro de uma rede social, o indivíduo necessita a
priori se identificar. Recuero (2009, p.29) distingue esses ambientes como “espaços de
expressão e de construção de impressões”. “Assim, perfis do Orkut, weblogs, fotologs,
etc. são pistas de um „eu que poderá ser percebido pelos demais‟. São construções
plurais de um sujeito, representando múltiplas facetas de sua identidade” (RECUERO,
2009, p.30).
No ciberespaço, essas informações tornam-se ainda mais valiosas, pois nele as
trocas simbólicas presentes na interação face a face quase não são perceptíveis. Devido
ao distanciamento físico desses sujeitos, a assimilação da personalidade é possível
graças ao conteúdo produzido, que no caso pode ser uma foto, gosto musical, as
comunidades virtuais adicionadas ao perfil, dentre outros.
A linguagem utilizada, bem como os contextos aplicados nesses ambientes são
incorporados como elementos de construção de identidade, e é a partir dela que é feita a
identificação dos sujeitos, fundamental para que a situação da conversação aconteça.
Ribeiro (2004) defende a ideia de que as representações construídas são possíveis
devido à capacidade de interação dos ambientes no ciberespaço. Isso quer dizer que sem
a interação nada prosseguiria, é ela que sustenta todo o sistema e é por meio dela o
reconhecimento do “eu” é feito, e os laços são mantidos.
De fato, a demonstração do “eu” no ciberespaço ocorre de maneira diferente de
quando se realiza uma apresentação presencial. A construção da identidade nos espaços
virtuais pode ser moldada de acordo com visões de preferência e atração, em virtude, é
claro, dos recursos dispostos na ferramenta utilizada na mediação. Thompson (1998)
explica que o procedimento de construção do self se modificou com o desenvolvimento
das sociedades modernas.

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O processo de formação do self se torna mais reflexivo e aberto, no sentido


de que os indivíduos dependem cada vez mais dos próprios recursos para
construir uma identidade coerente para si mesmos. Ao mesmo tempo, o
processo de formação do self é cada vez mais alimentado por materiais
simbólicos mediados, que se expandem num leque de opções disponíveis aos
indivíduos [...] (THOMPSON, 1998, p.181).

A construção da identidade em ambientes virtuais, como em redes de


relacionamentos, pode ser atualizada constantemente, por causa das próprias tendências
do sistema, sempre oferecendo novas opções de preferências, que funcionam como
expressão de personalidade. Os sujeitos abordam em seus perfis assuntos interessantes,
e conteúdos que possam seduzir os outros membros, pois a busca por capital social
através de amigos e popularidade é uma das principais metas dos adeptos da
socialização nas redes.
Dessa forma, como observa Hall (2011), quanto mais encantador o sujeito
consiga ser, mais relações ele alcançará na rede, mesmo que na maioria das vezes, para
que isso ocorra, seja preciso uma constante alteração na identidade desses indivíduos.

The Zuera Never Ends5: humor, interação e diálogos meméticos no Facebook

Recentemente, a rede social Facebook permitiu a inserção de imagens em


comentários. A nova funcionalidade foi recebida com grande empolgação pelos
usuários, que já passaram a dar um contexto memético aos seus comentários,
adicionando uma série de imagens com a conhecida linguagem jocosa e divertida.
Basta uma rápida checada na timeline para achar um comentário que recebeu
uma foto. A nova mania está presente tanto em perfis pessoais, quanto em fanpages.
Com a popularidade desse novo uso possível, há blogs que ensinam e disponibilizam
fotos com frases engraçadas para postar nos comentários, dentre eles o YouPix.
Em uma postagem com dezenas de comentários, a predominância imagética nos
comentários com fotos em comparação com aqueles em que há só texto, realmente atrai
o olhar. Isso potencializa o poder deste comentário, que ganha vários “curtir”, e também

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Expressão popularizada na rede, equivalente a “A zoeira nunca tem fim”. Geralmente aplicada a
situações em que usuários descontextualizam alguma situação séria, transformando-a em algo engraçado.

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a vontade do “comentador com imagens” de emplacar outras interferências de sucesso


como esta.

Figura 04 – Postagem de imagem nos comentários do Facebook.

Fonte: <https://www.facebook.com/YouPix>.

Além de trazer maior liberdade para as interações no site, essa novidade realça a
presença da ironia e do humor que os usuários brasileiros têm demonstrado que adoram
produzir e consumir na internet. Mas é preciso traçar uma poderação: será que muito em
breve o excesso de imagens nos comentários criará uma poluição visual, contribuindo
para sua “orkutização”?
Neste momento da história da web – volátil e em constante transformação -
contrário ao que muita gente fala, o Facebook não passa por um processo de
“Orkutização” – referindo-se à hoje decadente rede social Orkut - e sim de
“9Gagzação”, advindo do termo 9Gag, nome de um site colaborativo de imagens
engraçadas que ficou bastante popular, com a predominância de memes hospedados.
Ainda que com grande foco no humor, os memes são capazes de resgatar
assuntos que estão há muito tempo fora da pauta social, renovando o debate entre as

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pessoas e mostrando que a cultura pode estar presente em situações inusitadas. A página
“Artes Depressão”, cuja amostra veremos a seguir, que publica no Facebook conteúdos
de cunho intelectuais mesclados com o humor moderno próprio da internet, o
entendimento só é possível para aqueles com o conhecimento artístico e capacidade
cognitiva de interpretação mais aguçada.

Figuras 05 e 06 – Diálogos com imagens meméticas nos comentários do Facebook.

Fonte: <https://www.facebook.com/ArtesDepressao >.

Para compreender o potencial irônico da postagem acima e o respectivo diálogo


tecido através das imagens meméticas nos comentários, é necessário que o usuário
recorra a seu conhecimento de mundo e à sua capacidade de interpretação e de
organização das ideias; ou seja, são fundamentais a intertextualidade e o interdiscurso.

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Primeiro, é necessário reconhecer o sujeito ilustrado na fotografia, o físico Albert


Einstein.
Secundariamente, é preciso saber que ele foi o responsável por estudos na área
da relatividade. Depois, conhecer o trecho da popular música da banda Charlie Brown
Junior, “Tamo ai na atividade”. Ainda, há que se construir a relação entre esses fatos
para então entender seu humor, assimilação geralmente feita quase que
instantaneamente pelos seguidores da página, acostumados com seu universo cultural
referente, seu tom afinado de ironia e, por vezes, de humor negro.
Agora que o Facebook conta também com o recurso de adição de imagens aos
seus comentários e um público cada vez mais participativo, engajado e “zueiro” para
disseminar suas ideias dentro de seu círculo de amigos ou mesmo para desconhecidos, é
possível identificar um grande potencial interativo.
Assim, nos comentários tecidos na amostra pelos dois usuários, podemos
observar uma extensão com a linguagem hipertextual em diferentes sentidos da piada
inicial. A primeira, brinca com o fato de Einstein fazer vários cálculos para chegar em
conclusões definitivas sobre suas teorias, uma descontextualização da aplicabilidade
séria de cálculos matemáticos. O segundo comentário, escrito, faz uma breve rima
narrando fatos da história de Albert e adicionando uma personalidade mais “descolada”
à sua séria figura.
O terceiro comentário faz uma brincadeira com a dubiedade da palavra físico,
designando uma profissão e uma condição corporal, tornando-se divertido pela forma
física frágil de Einstein e seu despreocupado cruzar de pernas ao posar para a foto. Já o
último comentário, traz em resposta ao diálogo anterior a imagem do ilustre psicanalista
Freud, junto ao bordão da internet “puro recalque”, que torna engraçado também o
contexto da sua postura na foto.
Através dessa análise, além da identificação de uma unidade replicadora que
compreende a agência humana, é preciso observar também as práticas culturais que
ocorrem a partir da apropriação tática desses replicadores. Esses elementos são o que
estimula a participação das interagentes, posto que o modelo básico é simples e a
qualidade exigida para sua elaboração não é muito exigente, minimizando o papel da
habilidade técnica individual para produzir uma variação, ao invés de apenas
retransmitir.

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Para a pesquisa empírica com subculturas, especialmente com aquelas


catalizadas a partir da web, como plataformas para consumidores de bens da cultura
pop, absorvemos então a ideia de repertório interpretativo vinculado a uma comunidade,
a memesfera. Observamos o fator de que a apropriação criativa pela edição e replicação
de textos, imagens e vídeos na forma de mashups, remixagens e memes torna-se uma
experiência estética importante para fazer referência ao imaginário compartilhado,
aproximando seus criadores de uma dinâmica cibercultural participativa.
Mais um aspecto que merece abordagem é a potência imagética que os memes
carregam. Há sim bordões, apenas verbais como “Tenso!” ou “Fica, vai ter bolo!”, mas
até eles se transformam em imagens e ficam mais engraçados quando tem algum
desenho ou foto acompanhando.
Os memes redefiniram nossa cultura de web, tornando-a muito mais imagética.
Mas, por que o maior fórum do mundo – o 4chan - é de imagens; em 2011 o Instagram
foi eleito o melhor aplicativo de 2011; em 2012, o Tumblr no Brasil apresentou um
crescimento de 680%. A resposta pode ser a emergência dos memes na internet, posto
que o consumo do humor é muito mais efetivo com imagem, um atributo de
interpelação muito mais emocional do que racional, universal, fácil de ser
compreendida, além de rápida de se consumir: o que vai de encontro ao espírito atual do
usuário da rede, cada vez menos leitor. Imagem pode ser tão eficiente quanto um vídeo,
mas é muito mais fácil de se editar.

Considerações

Entretenimento compartilhado pelos sujeitos na rede, com fruições estéticas e


produções de sentido que lhe são próprias, os memes da web carregam uma potência
muito mais visual do que verbal, redefinindo nossa cultura digital e tornando-a muito
mais imagética, uma vez que o consumo do humor é muito mais efetivo com imagem.
Esse é um atributo de interpelação muito mais emocional que racional, fácil de ser
compreendida e de rápida de se consumir: o que vai de encontro ao espírito atual do
usuário da rede, cada vez menos leitor.
A nova funcionalidade no Facebook, que agora permite a adição de imagens aos
comentários postados, trouxe maior liberdade para a interação dos usuários no site, mas

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também traz a tona observações negativas, como a maior possibilidade de poluição


visual no site. Além de seu caráter mais irônico, uma vez que um usuário queira postar
algum conteúdo mais sério e abrir uma questão para debate, afinal, um comentário em
forma de meme não necessariamente expressa uma opinião original e ponderada do
comentarista.
Esse processo de síntese memética, ressignificação da imagem e sua subversão
de contexto sob a ótica da cultura participativa, podem ser considerados como formas de
produção de capital simbólico em busca de reputação e popularidade dos atores sociais
na rede. Na base dessa relação de proximidade e representação social na cibercultura,
implícitas na ordem da estética emitida pelos assuntos frequentemente satirizados nos
memes, estão o amadorismo e o deslocamento da preocupação quanto à perfeição
estética para suas capacidades de simbiose e conexão a temas do cotidiano.
Podemos, então, considerar esse um fenômeno não apenas midiático, mas social,
visto que alteram-se as formas de linguagem e de pensamento com base na retórica do
entretenimento irônico, amplamente utilizado em nosso cotidiano. Dessa forma,
podemos observar esses memes como o cotidiano reinventado através do humor jocoso,
como forma de expressão cultural e de socialização dos indivíduos midiatizados.

Referências

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