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Aspectos Nutricionais e Regulação

do Metabolismo na Obesidade
e Emagrecimento

Brasília-DF.
Elaboração

Nuno Manuel Frade de Sousa

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO................................................................................ 9

CAPÍTULO 1
METABOLISMO DOS LIPÍDIOS..................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS....................................................................................... 15

CAPITULO 3
INTEGRAÇÃO DO METABOLISMO DOS LIPÍDIOS E DOS CARBOIDRATOS.................................... 23

UNIDADE II
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE............................................................................................ 30

CAPÍTULO 1
O PAPEL DA LEPTINA E DA GRELINA NO CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR......................... 30

CAPÍTULO 2
OS HORMÔNIOS DA ADIPOSIDADE......................................................................................... 37

CAPÍTULO 3
OS HORMÔNIOS DA SACIEDADE............................................................................................. 42

CAPÍTULO 4
DISTORÇÃO DOS SINAIS DA SACIEDADE GÁSTRICA NA OBESIDADE.......................................... 47

UNIDADE III
CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL.............................................. 50

CAPÍTULO 1
INTEGRAÇÃO DOS SINAIS PERIFÉRICOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL................................. 51

CAPÍTULO 2
INTEGRAÇÃO DOS CIRCUITOS CENTRAIS................................................................................. 59

CAPÍTULO 3
CAUSAS CENTRAIS DA OBESIDADE........................................................................................... 63

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 75
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

6
Introdução
“A obesidade não é uma doença singular, e sim um grupo heterogêneo de condições
com múltiplas causas que, em última análise, refletem no fenótipo obeso. O balanço
energético positivo, que ocorre quando o valor calórico ingerido é superior ao gasto, é
importante contribuidor para o desenvolvimento da obesidade, promovendo aumento
nos estoques de energia e peso corporal. O início da manutenção de um balanço
calórico positivo relativo às necessidades do organismo pode ser conseqüência tanto
de aumento na ingestão calórica, como redução no total calórico gasto, ou os dois
fatores combinados. [...] Estudo realizado com crianças nos EUA demonstrou que,
aproximadamente, um terço do consumo calórico diário das crianças é realizado na
escola, onde 88,5% do estoque das lanchonetes é rico em gordura e/ou açúcar. Em
estudo relatado por Mahan e Escott-Stump, realizado com 264 trabalhadores (203
homens e 61 mulheres), foi observado que 81,9% dos indivíduos consumiam lipídios
acima de 30% do total calórico ingerido, dado semelhante ao encontrado na população
norte-americana. Metade das mulheres ingeria acima de 40% de lipídios na dieta e a
frequência de sobrepeso era de 43,9%, enquanto a de indivíduos obesos era de 23,1%.
Outro dado interessante observado pelo grupo foi que a maioria dos trabalhadores
realizava apenas três refeições diárias e 43% dos indivíduos obesos tinham o jantar
como a maior refeição. Há indícios de que o padrão de alimentação hiperlipídica,
hiperproteica e hipoglicídica esteja se repetindo também no Brasil.”

Este pequeno trecho de uma introdução, retirado do artigo “Obesidade: hábitos


nutricionais, sedentarismo e resistência à insulina”, do periódico “Arquivos Brasileiros
de Endocrinologia e Metabolismo”, já deixa evidente que a obesidade pode ser causada
por uma desregulação energética com múltiplas causas. São essas causas que serão
abordadas nesta disciplina. No entanto, mais que apontar as causas, serão tratados
todos os processos que originam tais desordens metabólicas e energéticas.

Serão versados três grandes temas no âmbito da obesidade, divididos em três unidades:
(1) metabolismo dos principais nutrientes, (2) regulação hormonal e (3) controle da
ingestão alimentar pelo sistema nervoso. Como poderá ser constatado, existirá uma
interação constante entre os temas, na procura de um conhecimento estruturado.

Nesse sentido, a disciplina irá abordar a obesidade como uma desordem metabólica do
organismo.

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Objetivos
»» Aprofundar os conhecimentos teóricos sobre a disciplina em pauta.

»» Compreender as relações existentes entre a história e o desenvolvimento


da obesidade.

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DETERMINANTES
DA OBESIDADE NO UNIDADE I
METABOLISMO

CAPÍTULO 1
Metabolismo dos Lipídios

O tecido adiposo possui intensa atividade metabólica, que contribui notavelmente para
o controle da homeostase energética do organismo. As principais ações metabólicas do
tecido adiposo podem ser divididas em atividades lipogênicas e atividades lipolíticas.
Entende-se por atividade lipogênica todos os processos metabólicos que resultam
em biossíntese, incorporação e armazenamento de triglicerídeos (TG) na gotícula de
gordura intracitoplasmática, ao passo que atividade lipolítica refere-se às ações que
resultam na hidrólise do TG armazenado e na liberação de ácidos graxos livres (AGL)
e glicerol.

A energia armazenada nas células de gordura em forma de TG confere ao tecido adiposo


o maior reservatório de energia do organismo. Em uma pessoa com peso normal, cerca
de 100 a 300 gramas de TG são hidrolisados e sintetizados por dia(BJORNTORP,
1987). No entanto, esta quantidade está bastante alterada em indivíduos obesos. Na
obesidade, a expansão da massa de tecido adiposo está em condições de suprir substrato
lipídico abundante para alcançar as necessidades do gasto energético aumentado tanto
em repouso como em exercício.

Armazenamento de gorduras
Como discutido na disciplina de “Fisiologia e Fisiopatologia da Obesidade e
Emagrecimento”, a principal função do tecido adiposo consiste em armazenar os
triglicerídeos até que se tornem necessários para o suprimento de energia em outras
partes do corpo. A enzima lípase lipoprotéica é uma molécula envolvida durante este
processo, uma vez que hidrolisa os triglicerídeos dos quilomícrons na corrente sanguínea,
com a consequente liberação de AGL. Os AGL, por serem altamente permeáveis às

9
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

membranas celulares, difundem-se imediatamente para as células do tecido adiposo.


Uma vez no interior dessas células, os AGL são ressintetizados em triglicerídeos.

O quilomícron é a maior das lipoproteínas encontradas no corpo humano. Forma-se


nas células intestinais a partir dos lipídios e é encontrado na corrente sanguínea.
É degradado principalmente nos capilares do tecido adiposo e fígado através da
lípase lipoproteica.

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Em indivíduos obesos, a lípase lipoproteica está com sua atividade aumentada no


tecido adiposo. Desta forma, quando a atividade da enzima é expressa por adipócito,
são observados aumentos em indivíduos obesos. No entanto, se a atividade da lípase
lipoproteica é expressa por grama de tecido adiposo, podem não ser observados
aumentos da enzima na condição de obesidade. Um ponto é claro, em indivíduos
obesos, devido ao aumento elevado de tecido adiposo, a atividade da enzima lípase
lipoproteica está aumentada, contribuindo para o maior armazenamento de gordura
no tecido adiposo.

Vários autores afirmam que a lípase lipoproteica tem um papel muito importante nas
recidivas da condição de obesidade, ou seja, é uma enzima-chave do retorno à condição
de obesidade após perda de peso. Existem evidências de que a atividade da enzima
lípase lipoproteica no tecido adiposo continua aumentada mesmo após redução e
posterior manutenção do peso. Mesmo em estudos que não foi observado o aumento
da atividade da enzima, ocorre um aumento da sua resposta, principalmente em dietas
ricas em gorduras (YOST; ECKEL, 1988), ou seja, para a mesma concentração de lípase
lipoproteica, a atividade enzima é maior em indivíduos com histórico de obesidade.
Desta forma, podemos destacar a importância de uma dieta após o emagrecimento com
objetivo de manutenção de peso corporal.

Mobilização das gorduras (Lipólise)

Na disciplina “Fisiologia e Fisiopatologia da Obesidade e Emagrecimento” foi estudado


o mecanismo de mobilização de gorduras, especificamente a lipólise. Recordando:

Durante a lipólise, o TG intracelular é hidrolisado no interior das células


do tecido adiposo pela Lípase Hormônio Sensível (LHS), formando
glicerol e AGL. Esses produtos deixam as células do tecido adiposo e
são transportados pela corrente sanguínea para outros tecidos, onde
serão metabolizados.

10
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

Independentemente dos hormônios ou de outras substâncias reguladoras existe uma


taxa basal de lipólise nos adipócitos. E o mais importante é o fato de que essa taxa
lipolítica apresenta uma forte relação com o tamanho da célula adiposa. Desse modo,
célula adiposa com tamanho acima do normal (hipertrofiada) tem uma taxa basal de
lipólise mais alta que as células normais ou pequenas. Considerando o indivíduo obeso
com hipertrofia das células do tecido adiposo, a lipólise estará exacerbada, ou seja, a
mobilização de gorduras dos adipócitos está aumentada em relação a um indivíduo
normal.

Mais uma vez, é importante destacar o metabolismo lipolítico em indivíduos obesos


com peso reduzido, quer seja por dieta, quer seja por exercício ou ambos. A redução
do peso corporal mediante a redução do tamanho da célula adipócita é seguida por
diminuição da taxa basal de lipólise. No entanto, alguns autores descrevem que
é necessário tomar algumas precauções quando nos referimos à taxa de lipólise em
indivíduos obesos. Quando a taxa lipolítica é relacionada com o total de massa gorda,
os indivíduos obesos apresentam taxas de lipólise normais. Assim, as taxas globais
aumentadas de lipólise basal, que causam elevação de AGL circulantes em indivíduos
obesos, são provavelmente consequência de um aumento da massa gorda.

Além disso, a regulação hormonal da lipólise fica prejudicada com a obesidade. As


catecolaminas circulantes, que em condições normais estimulam a LHS, apresentam
uma diminuição da estimulação na condição de obesidade. Para mais informações
acerca da regulação hormonal da lipólise.

Diferenças no metabolismo das gorduras


entre homens e mulheres

Homem e mulher diferem na quantidade de gordura corporal e em como essa gordura


está distribuída no corpo. Essas diferenças têm origem nas diferenças metabólicas e
hormonais entre os sexos.

Distribuição de gordura entre sexos


Resumidamente, a mulher apresenta maior deposição de gordura nas coxas
e nádegas e distribuída principalmente na região subcutânea. O homem é
mais suscetível a adiposidade abdominal e visceral. No entanto, não podemos
esquecer que em indivíduos obesos esta relação pode ser alterada. Mulher
obesa também tem amplos aumentos de gordura visceral assim como homem
obeso também apresenta deposição aumentada de gordura nas pernas.

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UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

Agora que você já realizou uma revisão acerca da diferente distribuição de gordura
entre homem e mulher, vamos estudar as principais diferenças no metabolismo das
gorduras para tais casos.

A mulher parece ser metabolicamente mais propensa a armazenar gordura. Em


repouso, a mulher desvia maior número de ácidos graxos não essenciais para o seu
armazenamento, com maior produção de triglicerídeos. Apesar de os estrogênios
evitarem o armazenamento de gordura visceral, eles atuam fortemente na deposição de
gordura subcutânea, além de afetarem diretamente a ingestão do alimento. No homem,
a regulação da testosterona é fundamental para essas diferenças, uma vez que ela inibe
a lípase lipoproteica, diminuindo a acumulação de triglicerídeos no tecido adiposo.

No que diz respeito à lipólise, como descrito anteriormente, a atividade lipolítica está
diretamente relacionada com o tamanho dos adipócitos. Entre gêneros, diferenças no
tamanho dos adipócitos são observadas, as mulheres apresentam adipócitos maiores
na região glútea e os homens na região visceral. Apesar disso, homens e mulheres com
tamanhos de adipócitos parecidos no tecido adiposo da extremidade inferior do corpo e
subcutâneo abdominal apresentam taxas de lipólise semelhantes. Entretanto, os adipócitos
abdominais subcutâneos apresentam maiores taxas lipolíticas que adipócitos viscerais de
igual tamanho. Apesar de existirem diferenças regionais da taxa e lipólise, estas diferenças
não parecem contribuir para as diferenças observadas na distribuição de gordura entre
os gêneros. Além disso, Arner (1988) demonstrou que não existem diferenças regionais
na supressão da lipólise em indivíduos obesos. Assim, a maior propensão da mulher em
armazenar gordura ainda parece ser o fator que mais contribui para as diferenças entre os
gêneros.

Outra diferença importante é a maior capacidade do homem em oxidar os AGL, apesar


de serem ainda resultados controversos. Nagy et al. (1996) mostraram que a oxidação
de AGL é menor em mulheres que em homens, mesmo após ajuste das diferenças de
VO2max, massa magra e hormônio T4 livre. Este estudo sugere que a menor taxa de
oxidação de AGL nas mulheres pode contribuir para o aumento do armazenamento
de gordura nos adipócitos, comparativamente com os homens. A tabela 1 apresenta a
diferença entre homens e mulheres no que se refere ao metabolismo de AGL.

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DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

Tabela 1. Diferenças entre gêneros no metabolisdo dos ácidos graxos

Estado basal
Liberação sistêmica de AGL (por kg massa magra) homens = mulheres*

Lipólise regional homens = mulheres*

Oxidação de AGL (por kg de massa magra) homens> mulheres*


Condição de estimulação por catecolaminas
Liberação sistêmica de AGL (por kg massa magra) homens = mulheres

Lipólise da parte de cima do corpo/liberação de AGL homens = mulheres*

Lipólise da parte de baixo do corpo/liberação de AGL homens> mulheres


Condição pós-prandial
Liberação subcutânea de AGL na parte de cima do corpo homens> mulheres

Liberação sistêmica de AGL homens> mulheres

Armazenamento de AGL no tecido adiposo subcutâneo homens< mulheres*

Armazenamento de AGL no tecido adiposo visceral homens< mulheres*


Exercício
Lipólise sistêmica/liberação de AGL homens< mulheres*

Oxidação de AGL homens< mulheres

*Dados não consistentes ou que ainda necessitam de confirmação. AGL, ácido graxo livre. Adaptado de Blaak (2001).

Metabolismo do tecido adiposo e exercício

Como descrito anteriormente, a principal fonte de energia dos lipídios são os


triglicerídeos armazenados no tecido adiposo. Quando necessários, são transportados
para os músculos em atividade na forma de AGL. Para tal, o exercício físico representa
o estímulo fisiológico mais forte para a lipólise, sendo que quanto maior a intensidade
do exercício maior será a estimulação da enzima LHS. Neste ponto é necessário
entender a diferença entre mobilização dos AGL e sua oxidação. Qualquer leitura
menos atenta poderá entender que a melhor intensidade de exercício para perda de
massa gorda seria em intensidades elevadas, devido ao incremento da lipólise. No
entanto, em intensidades elevadas, apesar de a LHS estar fortemente estimulada, a
oxidação de AGL está reduzida devido ao inadequado suprimento de oxigênio. Este
tema será aprofundado na disciplina de “Prescrição do Exercício Físico na Obesidade e
Emagrecimento”.

A importância de uma equipe multidisciplinar


na prescrição de exercício para obeso
O balanço lipídico no organismo é bem menos preciso que o de carboidratos e
proteínas, fazendo com que qualquer impacto do exercício sobre o peso corporal
possa ser completamente anulado se o alimento disponível for rico em gorduras,

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UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

ou seja, o importante é o balanço de gorduras, e não apenas a sua ingestão ou


a sua oxidação separadamente. Os altos conteúdos energéticos associados aos
alimentos ricos em lipídios contribuem para compensar o déficit energético
induzido pelo exercício. A perda de gorduras somente ocorre cronicamente com
o exercício se este promover um balanço lipídico negativo.

TREMBLAY A.; ALMERAS N. Exercise, macronutrient preferences and food intake.


International Journal of Obesity, v. 19, S97-S101, 1995.

Os níveis de AGL no plasma representam um balanço entre AGL liberados no plasma


e a captação deles no tecido. Entretanto, esta estimativa pode não fornecer sempre
uma medida fidedigna da atividade lipolítica de corpo inteiro, pois os ácidos graxos
liberados durante a lipólise em exercício físico podem ser resterificados no interior
da célula. Durante o exercício físico, a concentração de AGL plasmáticos apresenta
uma diminuição no início do exercício, causada pelo aumento imediato da captação
de AGL no músculo. Esta captação aumentada do músculo deve-se à dilatação capilar
que ocorre no músculo em exercício. Ao final do exercício, a taxa de lipólise não se
normaliza imediatamente, permanecendo aumentada por certo tempo. Dessa forma,
ao final do exercício, os valores plasmáticos de AGL também estão acima do normal.

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CAPÍTULO 2
Metabolismo dos Carboidratos

Os carboidratos estão entre os macronutrientes que fornecem energia e podem,


portanto, contribuir para o excesso de peso corporal. Apesar de fornecerem menos
energia por grama de substrato que os lipídios, os carboidratos apresentam um
papel fundamental para o controle do peso corporal. Entender o seu metabolismo na
obesidade é fundamental para o tratamento desta patologia.

Os produtos finais da digestão de carboidratos no aparelho digestivo são quase inteiramente


glicose, frutose e galactose – com a glicose representando cerca de 80% deles. Após a
absorção a partir do trato gastrointestinal, grande parte da frutose e quase toda a galactose
são rapidamente convertidas em glicose no fígado. Consequentemente, existe pouca frutose
ou galactose na circulação sistêmica de um indivíduo normal. A glicose assim torna-se a
via comum final para o transporte de quase todos os carboidratos para as células.

Deste modo, a ingestão de carboidratos aumenta a concentração de glicose sanguínea e,


consequentemente, a concentração de insulina. No entanto, em indivíduos obesos, esta
relação é alterada, apresentando-se como uma importante alteração do metabolismo
dos carboidratos neste tipo de patologia.

Obesidade, intolerância à glicose


e resistência à insulina
Como referido anteriormente, a utilização da glicose como substrato energético em
indivíduos obesos é prejudicada. O desenvolvimento de resistência à insulina diminui a
utilização da glicose como substrato energético, levando a um quadro de intolerância à
glicose e resistência à insulina. As causas da resistência à insulina podem ser atribuídas
a fatores nutricionais que impedem a ligação ao receptor, a defeitos da sinalização
intracelular nos tecidos-alvo e ao aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias.

Estudos clínicos relatam que o alto consumo de alimentos ricos em lipídios saturados
e carboidratos, dieta equívoca e habitualmente realizada por obesos, contribui para
o desenvolvimento da intolerância à glicose e da resistência à insulina (WOLEVER,
2000). A figura 1 representa um esquema básico do mecanismo de resistência à insulina
e intolerância à glicose. Como podemos observar através da figura, a ingestão alimentar
com alto teor de ácidos graxos livres provoca aumento do tecido adiposo, que por sua
vez libera adipocinas e citocinas pró-inflamatórias que contribuem para a resistência à

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UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

insulina e intolerância à glicose. Assim, a maior ingestão de lipídios não é acompanhada


por aumento imediato da sua oxidação, pelo contrário, o excesso de AGL é estocado em
diferentes tecidos, além das células adiposas. Como referido no capítulo 1, “Metabolismo
dos Lipídios”, muitos estudos comprovam que há aumento da oxidação lipídica em
pacientes obesos que possuem grande ingestão de lipídios e elevadas taxas de lipólise.
Essa preferência de utilização de AGL derivados dos estoques de triglicerídeos como
substrato energético seria responsável pela diminuição da mobilização de glicose. Isto
levaria a um feedback negativo do glicogênio muscular e hepático sobre a atividade da
glicogênio-sintetase e, consequentemente, no estoque de glicose. Como mencionado
no subtítulo, o resultado será a intolerância à glicose e resistência periférica à ação da
insulina (FELBER; GOLAY, 1995). Estudos indicam que a resistência à insulina ocorre
primeiramente no fígado, em um período de tempo muito curto, seguido de prejuízo na
ação da insulina em diversos tecidos como músculos e tecido adiposo.

Figura 1. Resistência à insulina e intolerância à glicose através da ingestão de comida derivada de ácidos graxos

livres.

Esses efeitos descritos anteriormente são dependentes não apenas da quantidade de


gordura ingerida, mas em especial do tipo, tamanho e número de insaturações (STEIN;
STEVENSON et al., 1997).

Curiosidades
O estudo da ingestão hiperlipídica vem recebendo muita atenção, especialmente
quanto às alterações na ação da insulina. Já foram observadas tais alterações
em ratos que permanecem consumindo ração hiperlipídica por 7 dias, 10 dias, 3
semanas, 4 semanas e 32 semanas.

16
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

Em um estudo realizado com cachorros, a captação da glicose (medida através


de clamp) diminuiu cerca de 30% após 1 semana de alimentação hiperlipídica e
60% após 3 semanas (ROCCHINI; MARKER et al., 1997).

A maior relação entre lipídios do tipo w-6 e w-3 ingeridos na dieta provoca maior
insulinemia de jejum. Nesse sentido, os lipídios polinsaturados do tipo w-3
apresentam um efeito protetor (DEL PRETE; LUTZ et al., 2000).

São inúmeros os estudos que tentam identificar as causas das alterações na captação de
glicose em indivíduos obesos, em função da alimentação hiperlipídica. Entre as causas
da resistência à insulina, discutiremos aquelas cuja modelação do funcionamento
adequado desse hormônio em indivíduos obesos é permitida pela intervenção
nutricional e de exercício físico.

A primeira causa a ser abordada é a modificação do perfil lipídico da membrana celular.


Alguns autores acreditam que a redução da ação da insulina, decorrente da alta ingestão
de ácidos graxos saturados, é consequência de uma modificação no perfil lipídico da
membrana celular. Neste caso, quanto mais saturada for a membrana fosfolipídica
muscular, maior a resistência à ação da insulina neste tecido (STORLIEN; PAN et al.,
1996). No caso de indivíduos obesos, existem evidências de que a membrana fosfolipídica
do tecido muscular apresenta maior saturação que em um indivíduo normal, podendo
levar a um processo de resistência à insulina.

Outra causa importante para a deficiente captação de glicose pelos tecidos,


principalmente o muscular, é a diminuição da translocação do GLUT-4, tanto mediada
pela insulina como pela contração muscular. A redução na translocação de GLUT-4 em
indivíduos obesos pode ser consequência de uma adaptação do metabolismo energético
a um aumento das concentrações de triglicerídeos nos tecidos musculares e AGL
plasmáticos, devido a uma dieta hiperlipídica, resultando em aumento da oxidação de
lipídios (OAKES; COONEY et al., 1997; PAN; LILLIOJA et al., 1997). Além da diminuição
da sensibilidade à insulina, o mecanismo pós-receptor de insulina da translocação
das vesículas portadoras de GLUT-4 pode estar também prejudicado. Alguns autores
supõem que os aminoácidos podem ser substâncias que dificultam essa translocação.
Estudos demostram que a suplementação de aminoácidos desencadeia alterações na
estrutura muscular e resistência à ação da insulina, que é revertida com a introdução
de atividade física. O principal responsável pela resistência à insulina neste processo
seria a ativação da via das hexosaminas (TRAXINGER; MARSHALL, 1991), que está
aumentada em indivíduos obesos. Da mesma forma, a taxa de proteólise corporal total
em obesos também está aumentada, em relação a não obesos. Interessante que esta taxa
é reduzida em decorrência da diminuição e da manutenção do peso corporal, resultante
de dieta balanceada e prática de atividade física.

17
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

A figura 2 apresenta um esquema das causas abordadas anteriormente para as


alterações na captação de glicose em obesos. As alterações na membrana fosfolipídica
estão representadas pela letra A, enquanto as alterações na translocação dos GLUT-4
estão representadas pela letra B. Desta forma, a glicose, que necessita da mediação da
insulina e da translocação dos GLUT-4 para entrar na célula, encontra dificuldades
para ser captada.

Figura 2. Via de sinalização da insulina na captação de glicose e principais fatores para as alterações na

captação da glicose: saturação da membrana celular fosfolipídica (A) e diminuição da translocação do GLUT-4

para a membrana (B). GLUT-4, proteína transportadora de glicose; IR, receptor de insulina.

GLUT-4 é uma proteína transportadora de glicose tipo 4 regulada pela insulina. É


encontrada no tecido adiposo e muscular. É responsável pela entrada da glicose
na célula através da mediação da insulina.
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Glicotoxicidade

A glicotoxicidade também é considerada como uma das principais causas para o


desencadeamento de resistência à insulina. Não nos podemos esquecer de que, além
de uma dieta hiperlipídica, os obesos também consomem alimentos com alto índice
de açúcares. Desse modo, o aumento da glicemia pode dessensibilizar os receptores
de insulina nos tecidos alvo, impedir a ligação da insulina nesses tecidos e resultar na
resistência à insulina.

A hiperglicemia crônica pode levar a várias alterações como a redução dos transportadores
de glicose localizados no pâncreas e fígado (GLUT-2), redução da quantidade de
transportadores GLUT-4 nos tecidos musculares esqueléticos ou mesmo da capacidade

18
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

de cada transportador carrear glicose. Além disso, pode ocorrer glicação (processo de
soma entre uma proteína e a glicose) de algumas proteínas ou enzimas envolvidas no
metabolismo da glicose, principalmente a glicoquinase. Esta enzima age como “sensor
de glicose” nas células β, ou seja, de capital importância para o metabolismo da glicose.

No entanto, diversos estudos têm demonstrado que os carboidratos de baixo índice


glicêmico desempenham um papel importante na melhoria da sensibilidade à insulina
e na consequente redução do peso corporal. As fibras e o amido presentes nesse tipo de
carboidratos não são digeridos pelo trato gastrointestinal. Dessa forma, aumentam a
produção de ácidos graxos de cadeia curta que atuam favoravelmente no metabolismo
da glicose e na sensibilidade à insulina (WOLEVER, 2000). Dietas com 55% de
carboidratos não digeríveis no trato gastrointestinal podem diminuir até 10% os níveis
de insulina em jejum e até 13% a resistência à insulina, quando comparadas em dietas
ricas em carboidratos refinados.

Lipotoxicidade

Devido à intensa atividade da enzima lípase lipoproteica em indivíduos obesos, como


descrito no capítulo 1, observa-se um aumento do armazenamento dos triglicerídeos
nos adipócitos subcutâneos e a consequente variação do turnover (degradação entre
a síntese e degradação) desses triglicerídeos. Essas variações podem aumentar o fluxo
de AGL no fígado, diminuindo a extração hepática de insulina e inibindo sua ligação
a seus receptores. A extração hepática de insulina é um mecanismo importante para
que o fígado reconheça a importância da produção de glicose por meio da glicogenólise
ou mesmo gliconeogênese. Em indivíduos normais, a extração hepática de insulina
funciona como um estímulo para que o fígado não produza mais glicose. No entanto, em
indivíduos obesos esse mecanismo está afetado, ocorrendo hiperinsulinemia sistêmica e
inibição da ação da insulina na supressão da produção de glicose hepática.

Dessa forma, a exposição prolongada e crônica à hiperglicemia e à resistência à


insulina resulta na diminuição da expressão das enzimas lipolíticas e altera o potencial
para oxidação dos ácidos graxos, ou seja, além de um indivíduo obeso apresentar
glicotoxicidade, também apresenta lipotoxicidade. Estudos apontam que o alto
consumo de lipídios saturados e do tipo ω-6 está diretamente relacionado com a
menor sensibilidade à insulina. Sugere-se que a diminuição dessa sensibilidade reduz a
atividade da enzima delta 5-desaturase, alterando o metabolismo do ácido araquidônico
e desviando a cascata para maior produção de eicosanoides pró-inflamatórios.

Delta 5-redutase é uma enzima necessária para a síntese de ácidos graxos


altamente insaturados. Eicosanoides pró-inflamatórios são moléculas derivadas

19
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

de ácidos graxos, principalmente da família dos w-6, que exercem um controle


sobre o sistema inflamatório.
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Diferenças no metabolismo dos carboidratos


entre homens e mulheres

Durante um exercício submáximo, mulheres apresentam maior oxidação de lipídios


e menor de carboidratos que os homens. Este comportamento é refletido na menor
utilização de glicogênio no músculo esquelético e menor produção de glicose hepática
nas mulheres comparadas com os homens. Estas diferenças descritas acima são
explicadas em parte devido às maiores concentrações de 17-β-estradiol nas mulheres,
hormônio feminino. Para melhor entendimento das diferenças no metabolismo dos
carboidratos entre homens e mulheres, vamos analisar os resultados de alguns estudos:

»» Concentração de glicogênio muscular (vasto lateral) apresentou menor


depleção em mulheres durante uma corrida de 15,5km em esteira –
avaliado mediante biopsia muscular (TARNOPOLSKY; MACDOUGALL
et al., 1990).

»» A utilização de glicogênio muscular foi menor em mulheres durante


um exercício de endurance com duração de 90 minutos a 65%VO2max
– avaliado por meio de métodos de marcação de isótopos (CARTER;
RENNIE et al., 2001).

»» Homens e mulheres apresentam taxas similares de glicose. No entanto, a


quantidade total de carboidrato oxidado é maior nos homens – avaliado
por meio de métodos de marcação de isótopos (DAVIS; GALASSETTI et
al., 2000).

»» Em altas intensidades do VO2max, as mulheres apresentam uma menor


taxa de oxidação de carboidratos, o que leva a uma maior hiperglicemia e
resistência à insulina pós-exercício (MARLISS; KREISMAN et al., 2000).

»» A 65% do VO2max, o glicogênio muscular representa 34% do total de


produção de energia para as mulheres e 41% para os homens – avaliado
por meio de métodos de marcação de isótopos (ROMIJN; COYLE et al.,
2000).

20
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

Definição de conceitos
VO2max: capacidade máxima que um indivíduo apresenta de captar, transportar e
metabolizar oxigênio para a biossíntese oxidativa de ATP.

Endurance: exercício físico realizado por um longo período de tempo. Pode ser
classificado como exercício aeróbio.

Exercício submáximo: exercício físico realizado abaixo do VO2max de um indivíduo.


Várias classificações são utilizadas para definir a intensidade de um exercício
submáximo (ex.: <20%VO2max – muito leve; 20-39%VO2max – leve; 40-59%VO2max –
moderado; 60-84%VO2max – intenso; >85%VO2max – muito intenso).

Fonte: Princípios fundamentais de fisiologia do exercício para a aptidão, desempenho e saúde,


Robergs e Roberts.

Apesar da controvérsia acerca do tema, como podemos observar são muitos os estudos
que evidenciam diferenças no metabolismo dos carboidratos, principalmente da
utilização de glicose durante o exercício físico.

Como referido anteriormente, já foi claramente demonstrada a importância do hormônio


17-β-estradiol nesta diferença. No entanto, os mecanismos moleculares que estão
envolvidos ainda não estão claramente definidos. Uma observação consistente é que a
resposta das catecolaminas a um exercício submáximo é atenuada em mulheres, assim
como a resposta simpática. No entanto, estas diferenças não são observadas em exercício
de alta intensidade. As vias de sinalização no hipotálamo que poderão estar envolvidas
nesta resposta ainda não foram ilustradas e não parece ser uma ação/resposta assim tão
direta.

Outro ponto a ser considerado em relação às diferenças entre o gênero na seleção de


substratos energéticos é a diferença na composição de fibras musculares. Existe uma área
relativamente maior de fibras do tipo I e do tipo II em homens. Estas diferenças podem
ser devido a altas concentrações de testosterona em homens.

Os GLUT-4 também merecem uma atenção especial no que diz respeito às diferenças
no metabolismo dos carboidratos. Apesar de o número total de GLUT-4 não se alterar,
a ovariectomia (modelo experimental em animais que remove os ovários) resulta na
diminuição da captação de glicose pelo músculo esquelético. Estes resultados podem
sugerir que existem diferenças entre os sexos na translocação dos GLUT-4, afetando a
captação de glicose e com isso o metabolismo dos carboidratos.

21
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

TARNOPOLSKY, M. A.; RUBY, B. C. Sex differences in carbohydrate metabolism.


CurrOpinClinNutrMetab Care, v. 4, n. 6, nov., pp. 521-6. 2001.

CARTER, S. L.; RENNIE, C. et al. Substrate utilization during endurance exercise


in men and women after endurance training. Am J PhysiolEndocrinolMetab,
v. 280, n. 6, jun., pp. E898-907. 2001. Disponível em: <http://ajpendo.physiology.
org/content/280/6/E898.full.pdf+html>.

22
CAPITULO 3
Integração do Metabolismo
dos Lipídios e dos Carboidratos

Os ácidos graxos predominantes no tecido adiposo humano, na forma de triglicerídeos,


refletem tanto a composição da dieta do indivíduo como o produto de lipogênese.
Especialmente em indivíduos obesos, os carboidratos e os lipídios são potenciais fontes
dessas gorduras armazenadas. Este capítulo pretende discutir a interdependência e o
controle do metabolismo dos lipídios e dos carboidratos no que se refere à lipogênese,
propondo uma hipótese unificada para a obesidade. Reúne uma série de abordagens
diferentes focando na: (1) interação de dieta de lipídios e carboidratos, que tipicamente
representa 80% da ingestão calórica diária, e seu papel na síntese de triglicerídeos; (2) vias
bioquímicas que controlam a quantidade de triglicerídeos produzidos, através do controle
dacomposição de ácidos graxos via ação da enzimaestearoil-CoAdessaturase (SCD); (3)
o controle da lipogênese e da SCD por dietas ricas em ácidos graxos polinsaturados; (4)
a interação dos ácidos graxos polinsaturados com fatores transcritores, mantendo o
balanço entre oxidação e armazenamento de lipídios.

O destino metabólico dos lipídios e dos carboidratos na dieta é regulado pela


necessidade do corpo de (1) sintetizar componentes celulares essenciais, (2) fornecer
energia para processos essenciais do organismo e (3) armazenar esqueletos de carbono
(principalmente na forma de lipídios) para atender a necessidades energéticas futuras,
principalmente em estados de redução de consumo de nutrientes e exercício físico.
A contribuição da gordura ingerida através de dietas e da de novo lipogêneseno
armazenamento de energia na forma de lipídios é dependente de vários fatores,
incluindo as demandas energéticas, conteúdo calórico, composição da dieta e tipo de
gordura ou carboidratos ingeridos.

A estearoil-CoAdessaturase (SCD) é uma enzima-chave no metabolismo dos


ácidos graxos. É responsável pela formação dos ácidos graxos insaturados a partir
de ácidos graxos saturados. Alterações na atividade da estearoil-CoAdessaturase
dos tecidos é refletida pela alteração da composição da membrana fosfolipídica,
do colesterol e dos triglicerídeos.

De novo lipogênese é a via de conversão do carboidrato dietético em gordura.

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

23
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

Se aceitarmos, de forma mais simplista, que a obesidade é o acúmulo de triglicerídeos no


tecido adiposo, uma simples questão devia ser respondida: qual é a origem dessa gordura
e o que controla o fluxo dos ácidos graxos para dentro e para fora do tecido adiposo?
Como descrito anteriormente, existem duas fontes principais de armazenamento de
gordura – pela dieta e pela síntese de novo.

Revendo conceitos
A gordura originária da dieta é composta por gorduras saturadas, monoinsaturadas
e polinsaturadas. As gorduras saturadas apresentam-se no estado sólido a
temperaturas fisiológicas enquanto as mono e polinsaturadas estão no estado
líquido.

As gorduras saturadas são encontradas normalmente nos animais, no coco e no


óleo de palma e as insaturadas nos demais vegetais. Gorduras insaturadas são
mais saudáveis que as gorduras saturadas. A gordura satura é a principal gordura
responsável pela arteriosclerose. A monoinsaturada é a mais benéfica de todas,
pois colabora para redução do colesterol LDL, sem reduzir o colesterol HDL.
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Os triglicerídeos que são sintetizados no organismo (síntese de novo) são compostos


por ácidos graxos saturados e monoinsaturados derivados dos nutrientes como os
carboidratos. É aceito na literatura que açúcares simples, que representam um grupo
de carboidratos com alto índice glicêmico, estimulam a de novo lipogênese, quando
administrados em dietas com alta quantidade de carboidratos e a energia consumida
excede a requerida pelo metabolismo (JEFFCOAT, 2007).

Estudos mais antigos acerca da de novo lipogênese estavam focados na ação da


acetil-CoAcarboxilase (ACC) e formação do malonil-CoA. O malonil-CoA atuaria
como substrato para a enzima ácido graxo sintetase (FAS), formando ácidos graxos
saturados por meio de uma série de reações. Acreditava-se que estes mecanismos
enzimáticos exerciam papel importante na conversão de açúcares como a glicose e a
sacarose em triglicerídeos estocados, apesar de ainda se pensar que seria um processo
com limitações. Entretanto, estudos com alimentação em animais demonstraram
que a síntese de triglicerídeos, em hepatócitos derivados de ratos com dieta rica em
carboidratos e pobre em gorduras, está correlacionada com as concentrações da SCD
(JEFFCOAT; ROBERTS et al., 1979).

A enzima SCD catalisa a conversão de ácidos graxos saturados (pré-formados da dieta


ou mesmo da de novo lipogênese) em ácidos graxos monoinsaturados. Os ácidos graxos
monoinsaturados são os ácidos graxos predominantes do tecido adiposo humano (cerca
de 50%), com os saturados contribuindo para cerca de 25% do total. Estas proporções

24
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

refletem primariamente a composição lipídica de uma dieta e a atividade catalítica da


enzima SCD no tecido hepático e adiposo.

Diferentemente de outras dessaturases, a SCD é responsável apenas pela biossíntese de


ácidos graxos monoinsaturados e não apresenta qualquer participação no metabolismo
dos ácidos graxos polinsaturados. No entanto, a atividade da enzima SCD está reduzida
em dietas que contenham gorduras polinsaturadas. Por outro lado, quando a dieta é
rica em carboidratos, o consumo excede o requerimento de energia, representando em
excesso de calorias que resultam em de novo lipogênese, controlada principalmente
pela enzima SCD para a síntese de triglicerídeos. Em obesos, a atividade da enzima
SCD está aumentada, resultando em maior armazenamento de gordura. A figura
3 esquematiza a ação da SCD na produção de triglicerídeos. Em uma dieta rica em
carboidratos, além da sua oxidação, ocorre a formação de ácidos graxos saturados
através da de novo lipogênese, que, por meio da ação da SCD, são sintetizados em ácidos
graxos monoinsaturados e triglicerídeos. Os ácidos graxos polinsaturados agem como
inibidores da de novo lipogênese e da enzima SCD, o que diminui a ação dessa enzima
e posterior formação de triglicerídeos. Devido à maior ingestão alimentar por parte
de indivíduos obesos, a atividade da enzima SCD é aumentada, uma vez que grande
parte de carboidratos consumidos é convertida em triglicerídeos através da de novo
lipogênese.

Figura 3. O destino metabólico de carboidratos em relação à síntese de triglicerídeos. Os ácidos graxos

polinsaturados (AGPI) agem como inibidores da enzima estearoil-CoAdessaturase (SCD).

Como descrito anteriormente, a enzima SCD é uma enzima-chave da síntese de gordura


e seu armazenamento no tecido adiposo. Além disso, não podemos esquecer que ela

25
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

também atua com o mesmo objetivo no tecido hepático, principalmente em indivíduos


obesos, levando à deposição de gordura no fígado, favorecendo o surgimento da doença
esteatose hepática não alcoólica.

Desta forma, entender o mecanismo de controle da SCD poderá ser um importante fator
para a manipulação da obesidade. Os baixos níveis de ácidos graxos polinsaturados na
dieta, associados à inibição da lipogênese é resultado da modulação da expressão do
gene da SCD (NTAMBI, 1999). Além disso, vários estudos demonstraram que ratos
com a atividade da SCD interrompida apresentavam reduções na gordura corporal,
aumento da sensibilidade à insulina e eram resistentes a dietas com o objetivo de
ganho de peso. Contrariamente, também foi demonstrado que a atividade da enzima
SCD é elevada em animais obesos, fundamentando a hipótese de que a SCD tem um
papel fundamental na síntese de triglicerídeos (JONES; MAHER et al., 1996). Desta
forma, níveis reduzidos de SCD devem não só reduzir a quantidade de triglicerídeos
produzidos, mas apresentam também um potencial para a produção de triglicerídeos
enriquecidos com ácidos graxos saturados que podem solidificar na corrente sanguínea.

Fatores que influenciam a atividade da enzima


SCD

A regulação descendente da enzima SDC em consequência de baixos níveis de ácidos


graxos polinsaturados na dieta é apenas um aspecto de vários fatores que influenciam
o armazenamento de triglicerídeos e obesidade. Uma variedade de hormônios, como as
adipocinas, leptina, grelina e mesmo insulina influenciam a atividade da enzima SDC.
Como estamos na Unidade I, responsável por estudar o metabolismo na obesidade,
concentramo-nos para já no hormônio insulina.

A insulina, além do papel bem definido de controle dos níveis de glicose sanguínea e de
redução de lipídios no sangue por meio de sua ação sobre a lipase lipoproteica, também
apresenta um papel importante na manutenção e síntese da enzima SDC. Em obesos,
também já foi descrito que a insulina apresenta relação com o aumento da atividade da
SCD, associada à resistência à insulina (MEDEIROS; LIU et al., 1995).

Os outros fatores que influenciam a atividade ou mesmo expressão da enzima SCD serão
discutidos na Unidade 2, reservada para estudar as alterações hormonais na obesidade.

Oxidação versus armazenamento de ácidos graxos

Em circunstâncias normais (dieta balanceada), em que os carboidratos são consumidos


em combinação com gorduras, os carboidratos não são apenas metabolizados mais

26
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

rapidamente, mas também reduzem a taxa de oxidação das gorduras. Isto se deve à
inibição da enzima carnitina-palmitoiltransferase (CPT-1) através do malonil-CoA.
A CPT-1 catalisa a interação de acil-CoAs de longa cadeia com a carnitina, levando à
oxidação dos ácidos graxos. Níveis elevados de malonil-CoA resultam da indução da
acetil-CoAcarboxilase (ACC) através de fatores lipogénicos como os açucares simples.
Consequentemente, a inibição da CPT-1 faz com que o fluxo de gorduras acil-CoAs seja
para a síntese de novos triglicerídeos, em vez da sua oxidação (MCGARRY, 2002).

Este mecanismo está exacerbado em indivíduos obesos, levando à desregulação do


metabolismo dos lipídios e dos carboidratos. Assim, dietas ricas em carboidratos e
lipídios, característica das dietas de indivíduos obesos, além de reduzirem a taxa de
oxidação de ácidos graxos livres, aumentam o seu armazenamento no tecido adiposo.

No entanto, quando as calorias consumidas não excedem as necessidades diárias, a


energia proveniente dos carboidratos não é suficiente para as demandas energéticas,
levando à oxidação dos AGL. Por exemplo, durante o exercício ou reduzida ingestão
calórica, a concentração de insulina está reduzida, os triglicerídeos são hidrolisados a
AGL e transportados até ao fígado. Uma vez no fígado, os ácidos graxos de longa cadeia
sofrem inúmeros processos bioquímicos para gerar ácidos graxos polinsaturados
fisiologicamente ativos ou serem sintetizados em proteínas de baixa densidade, que
podem ser utilizadas como energia pelo tecido muscular. Desta forma, uma leitura
mais atenta faz entender a importância da dieta e do exercício físico na luta contra a
obesidade, uma vez que estas duas medidas levam à regulação positiva tanto na síntese
como na oxidação de lipídios, mesmo pensando em dieta rica em carboidratos.

Obesidade, SCD e dieta

A obesidade e o papel central da enzima SCD pode ser explicada em três diferentes
cenários de dieta que excedem as calorias necessárias para indivíduos saudáveis. A
obesidade será a consequência do balanço positivo de ingestão calórica em relação ao
gasto energético, por um longo período de tempo.

Cenário A – Dieta altamente rica em carboidratos e poucos ou nenhuns


ácidos graxos polinsaturados:

Este tipo de dieta resulta em elevadas taxas de lipogênese de novo. Esta seria provocada
por uma elevação de enzimas lipogênicas, principalmente a SCD, por meio dos níveis
aumentados de insulina. Como consequência a longo período, ocorre a regulação
ascendente da enzima SCD, que, em combinação com elevados níveis da atividade

27
UNIDADE I │ DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO

da lipase lipoproteica, aumenta o potencial para a síntese de triglicerídeos no tecido


adiposo.

Cenário B – Dieta altamente rica em carboidratos e com conteúdo de


gorduras, contendo pequenas quantidades de ácidos graxos polinsaturados:

Este tipo de dieta resulta no armazenamento de gorduras derivadas da dieta e dos


carboidratos pela lipogênese de novo no tecido adiposo. O efeito global resulta da
inibição da lipogênese hepática, no entanto, ocorre a estimulação da lipogênese do tecido
adiposo em conjunto com a inibição da oxidação das gorduras, como consequência dos
níveis elevados de malonil-CoA e SCD neste tecido. Dietas ricas em carboidratos com
moderado teor de gordura, quando não excedem as calorias necessárias, são capazes de
inibir a lipogênese de novo, através da ação dos ácidos graxos polinsaturados.

Cenário C – Dieta altamente rica em gorduras e baixa em carboidratos

Este tipo de dieta resulta no armazenamento de gorduras no tecido adiposo. Apesar de a


concentração de malonil-CoA ser pequena, o que resulta na ativação do receptor CPT-1
e no aumento da oxidação de gorduras, o balanço entre a oxidação e o armazenamento
ainda é favorável à formação de triglicerídeos. Tudo isto se deve à ingestão calórica que
excede o gasto. A simples redução da ingestão calórica, para um balanço neutro ou mesmo
negativo, é capaz de reverter esta situação de armazenamento de lipídios.

Este tópico confirma que, no que se refere à obesidade, a relação entre carboidratos e
lipídios não pode ser explicada por uma hipótese unificadora. Tem de ser considerada
em termos das necessidades fisiológicas do consumidor, da composição da dieta e se o
consumo calórico atende ou não à necessidade diária – sendo este último um fator que
contribui para obesidade humana. Controlar a quantidade de lipídios armazenados,
sejam eles derivados da dieta ou da de novo lipogênese, é a preocupação principal.
Um fator crítico para alcançar este controle é obter o correto equilíbrio entre o tipo
de gordura, tipo de carboidrato e a carga calórica total. Postula-se que o controle da
lipogênese no fígado é realizado através das enzimas SCD e ACC em conjunção com
fatores de transcrição, mantendo um balanço entre a síntese e a oxidação, enquanto no
tecido adiposo a composição dos ácidos graxos dos TG é controlada pelas enzimas SCD
e lípase lipoprotéica, entre outros fatores de transcrição.

A diminuição da atividade de fatores de transcrição da SCD através da ingestão de ácidos


graxos polinsaturados ou a redução da secreção de insulina provocada pela ingestão de
carboidratos de baixo índice glicêmico pode resultar na maior oxidação de carboidratos
do que na síntese de novo de lipídios. Mesmo em condições de ingestão aumentada
de carboidratos, os ácidos graxos polinsaturados presentes na dieta podem evitar a

28
DETERMINANTES DA OBESIDADE NO METABOLISMO│ UNIDADE I

de novo lipogênese. Deste modo, parece que, ao abordar as questões da obesidade,


pelo menos sob uma perspectiva dietética, deve ser considerada a interação de lipídios
e carboidratos e não apenas as gorduras de per si, mas especificamente as gorduras
polinsaturadas e a natureza dos carboidratos que constituem os maiores componentes
de uma dieta.

JEFFCOAT, R. Obesity – a perspective based on the biochemical interrelationship


of lipids and carbohydrates. Med Hypotheses, v. 68, n. 5, pp. 1159-71. 2007.

29
ALTERAÇÕES
HORMONAIS UNIDADE II
NA OBESIDADE

CAPÍTULO 1
O Papel da Leptina e da Grelina
no Controle da Ingestão Alimentar

Pesquisas recentes na área de metabolismo mostram que o adipócito é capaz de sintetizar


várias substâncias e, diferentemente do que se supunha anteriormente, o tecido adiposo
não é apenas um local de armazenamento de triglicérides, é hoje considerado um órgão
endócrino. Dentre as diversas substâncias sintetizadas pelo adipócito destaca-se a leptina.
A leptina é um peptídeo que desempenha importante papel na regulação da ingestão
alimentar e no gasto energético, gerando aumento no gasto de energia e diminuindo a
ingestão alimentar. Além dos avanços no estudo da célula adiposa, um novo hormônio
relacionado ao metabolismo foi descoberto recentemente, a grelina. A grelina é um
peptídeo produzido nas células do estômago e está diretamente envolvida na regulação
do balanço energético a curto prazo.

Leptina

A leptina é um hormônio peptídico com um peso molecular de 16 kDa, que


apresenta uma estrutura terciária semelhante a alguns membros da família das
citocinas. É produzida principalmente pelo gene obdosadipócitos, sendo que
sua concentração varia de acordo com a quantidade de tecido adiposo. Ela é
sintetizada também na glândula mamária, músculo esquelético, epitélio gástrico
e trofoblasto placentário, mas em menores concentrações.

Gene ob – gene da obesidade


Fonte: Wikipédia (inglês)

A leptina é responsável pelo controle da ingestão alimentar, atuando em células


neuronais do hipotálamo no sistema nervoso central. A ação da leptina no sistema
nervoso central (hipotálamo) promove a redução da ingestão alimentar e o aumento
do gasto energético, além de regular a função neuroendócrina e o metabolismo da

30
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

glicose e de gorduras. Assim, a leptina atua como sinalizadora da quantidade do tecido


adiposo aos centros do Sistema Nervoso Central (SNC) que regulam o comportamento
alimentar.

A leptina age a partir da ativação de receptores específicos presentes nos órgãos-alvo.


Existem dois tipos de receptores para a leptina, o ObRb, de cadeia longa (maior quantidade
de aminoácidos), com maior expressão no hipotálamo, e os receptores de cadeia curta
(menor quantidade de aminoácidos), ObRa, encontrados em outros órgãos como o
pâncreas, e mais especificamente nas células alfa e delta das ilhotas de Langerhans.

A expressão da leptina é controlada por diversas substâncias, como a insulina, os


glicocorticoides e as citocinas pró-inflamatórias. Estados infecciosos e as endotoxinas
também podem elevar a concentração plasmática de leptina. Inversamente, a
testosterona, a exposição ao frio e as catecolaminas reduzem a síntese de leptina (tabela
2). Situações de estresse impostas ao corpo, como jejum prolongado e exercícios físicos
intensos, provocam a diminuição dos níveis circulantes de leptina, comprovando, dessa
maneira, a atuação do sistema nervoso central na inibição da liberação de leptina pelos
adipócitos.

Tabela 2. Influência dos fatores orgânicos e ambientais nos níveis de leptina

Situações Níveis de leptina


Ganho de peso Aumentados
Insulina Aumentados
Glicocorticoides Aumentados
Infecções agudas Aumentados
Perda de peso Diminuídos
Jejum Diminuídos
Estimulação adrenérgica Diminuídos
Hormônio de crescimento Diminuídos
Hormônios tireoidianos Diminuídos
Melatonina Diminuídos
Fumo Diminuídos

A concentração plasmática de leptina está parcialmente relacionada com a quantidade


de tecido adiposo presente no corpo. Os mecanismos pelos quais o aumento de tecido
adiposo é traduzido em aumento da concentração sérica de leptina envolvem tanto
o número de células adiposas quanto a indução do RNAmob. Indivíduos obesos
apresentam aumento do número de células adiposas, o que significa uma maior
quantidade de RNAmob encontrada em seus adipócitos do que em sujeitos eutróficos
(MAFFEI; HALAAS et al., 1995). Entretanto, a concentração sérica de leptina não é
dependente somente do tamanho do tecido adiposo, uma vez que a redução de 10% do
peso corporal provoca diminuição de cerca de 53% de leptina plasmática, sugerindo

31
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

que outros fatores, além da adiposidade tecidual, estão envolvidos na regulação de sua
produção (SANDOVAL; DAVIS, 2003).

A leptina reduz o apetite a partir da inibição da formação de neuropeptídios


relacionados ao apetite, como o neuropeptídeo Y, e também do aumento da expressão
de neuropeptídios anorexígenos (hormônio estimulante de α-melanócito), hormônio
liberador de corticotropina (CRH) e substâncias sintetizadas em resposta à anfetamina
e cocaína. Assim, altos níveis de leptina reduzem a ingestão alimentar enquanto baixos
níveis induzem a hiperfagia.

No entanto, indivíduos obesos apresentam elevados níveis plasmáticos de leptina, cerca


de cinco vezes mais que aqueles encontrados em sujeitos magros (CONSIDINE; SINHA
et al., 1996). As mulheres possuem maior concentração plasmática de leptina que os
homens. A hiperleptinemia, encontrada em pessoas obesas, é atribuída a alterações
no receptor de leptina ou a uma deficiência em seu sistema de transporte na barreira
hemato-encefálica, fenômeno denominado resistência à leptina, semelhante ao que
ocorre no diabetes mellitus. A figura 4 mostra as causas da resistência à leptina e suas
consequências no organismo. A leptina, secretada em proporção à quantidade de
gordura corporal, não consegue atravessar a barreira hemato-encefálica ou encontra
alterações dos seus receptores no hipotálamo. Desta forma, sua ação fica prejudicada
e o cérebro não recebe a informação para reduzir o apetite, aumentando a ingestão
alimentar e consequentemente a formação de novos adipócitos. Por sua vez, maior
quantidade de gordura corporal vai aumentar a liberação de leptina. A produção de
leptina em pessoas eutróficas segue um ritmo circadiano e aumenta durante o ciclo
menstrual em mulheres.

32
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

Figura 4.Ciclo vicioso da resistência à leptina em indivíduo obeso. A resistência à leptina se deve ao ineficiente

transporte na barreira hemato-encefálica (A) e alterações nos receptores de leptina, impedindo a produção e

neuropeptídio Y e de outras substâncias anorexígenas.

A leptina será extensamente estudada em outros capítulos da Unidade II e mesmo da


Unidade III, assumindo importância fundamental para o entendimento da ingestão
alimentar e suas implicações na gênese da obesidade.

Grelina

Nome originário da palavra Ghre = Grow, que significa crescimento.

A grelina é um hormônio peptídeo composto por 28 aminoácidos e produzido


nas células Gr do trato gastrointestinal. Tem como principal função a secreção do
hormônio de crescimento (GH). É também produzida em menores quantidades
no sistema nervoso central, rins, placenta e coração.

Fonte: Wikipédia (inglês)

O hormônio grelina é um potente estimulador da liberação de GH, nas células


somatotróficas da hipófise e do hipotálamo, sendo o ligante endógeno para o receptor
secretagogo de GH (GHS-R). Assim, a descoberta da grelina permitiu o aparecimento
de um novo sistema regulatório para a secreção de GH, já que sua ação estimulatória
para a liberação de GH é mais acentuada em humanos do que em animais. Além de sua
ação como liberador de GH, a grelina possui outras importantes atividades, incluindo

33
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

estimulação da secreção lactotrófica e corticotrófica, atividade orexígena acoplada


ao controle do gasto energético, controle da secreção ácida e da motilidade gástrica,
influência sobre a função endócrino-pancreática e metabolismo da glicose e ainda ações
cardiovasculares e efeitos antiproliferativos em células neoplásicas.

Estudos em modelos animais indicam que esse hormônio desempenha importante papel
na sinalização dos centros hipotalâmicos que regulam a ingestão alimentar e o balanço
energético (Nakazato; Murakami et al., 2001). Recentes estudos com roedores sugerem
que a grelina, administrada perifericamente ou centralmente, independentemente do
GH, diminui a oxidação das gorduras e aumenta a ingestão alimentar e a adiposidade.
Assim, esse hormônio parece estar envolvido no estímulo para iniciar uma refeição.
Sabe-se ainda que os níveis de grelina são influenciados por mudanças agudas e
crônicas no estado nutricional, encontrando-se elevados em estado de anorexia nervosa
e reduzidos na obesidade.

A grelina está diretamente envolvida na regulação a curto prazo do balanço energético.


Níveis circulantes de grelina são aumentados durante jejum prolongado e em estados
de hipoglicemia e têm sua concentração diminuída após a refeição ou administração
intravenosa de glicose.

A liberação endógena de grelina encontra-se reduzida após ingestão alimentar,


retornando progressivamente aos valores basais, próximos ao término do período pós-
prandial. Estudos prévios envolvendo liberação desse hormônio em humanos mostram
que são os tipos de nutrientes contidos na refeição, e não o seu volume, os responsáveis
pelo aumento ou decréscimo pós-prandial dos níveis plasmáticos de grelina. Esses
resultados sugerem que a contribuição da grelina na regulação pós-prandial da
alimentação pode diferir, dependendo do macronutriente predominante no conteúdo
alimentar ingerido. Sua concentração plasmática é diminuída após refeições ricas em
carboidratos, concomitantemente à elevação de insulina plasmática. Por outro lado,
níveis plasmáticos aumentados de grelina foram encontrados após refeições ricas em
proteína animal e lipídeos, associados ao pequeno aumento da insulina plasmática
(Erdmann; Topsch et al., 2004).

Como descrito anteriormente com a leptina, a grelina também será extensamente


estudada em outros capítulos das Unidades II e III, assumindo também importância
fundamental para o entendimento da ingestão alimentar e suas implicações na gênese
da obesidade.

34
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

ROMERO, C. E.; ZANESCO, A. O papel dos hormônios leptina e grelina na gênese da


obesidade. RevNutr, 19(1): 85-91, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
rn/v19n1/28802.pdf>.

Estes dois hormônios descritos acima apresentam ação integrada no controle da ingestão
alimentar, como podemos observar na figura 5. O alvo principal dos hormônios leptina
e grelina é o núcleo arqueado, localizado no hipotálamo. A grelina é um sinal periférico
orexígeno (estimulador do apetite) secretado pelo estômago, enquanto a leptina é um
sinal periférico anorexígeno (inibidor do apetite) secretado pelo tecido adiposo. No
núcleo arqueado, a grelina se liga ao receptor GHS-R e estimula os neurônios para o
aumento da expressão do neuropeptídio Y (NPY) e da proteína relacionada à agouti
(AgRP), enquanto a leptina os inibe. A liberação de NPY, em resposta ao estímulo da
grelina, estimula o apetite e o ganho de peso. Os efeitos da leptina são opostos aos
da grelina, ou seja, a leptina ao se ligar aos receptores Ob-R diminui a liberação de
NPY, suprimindo o apetite e ganho de peso. Deste modo, a regulação do apetite no
hipotálamo é controlada por meio da via de sinalização do NPY.

Todas essas vias serão aprofundadas durante a apresentação da Unidade III. Por agora,
é descrito o mecanismo de ação mais simples para cada hormônio, necessário para
entender de forma global o controle da ingestão alimentar por meio dos hormônios
descritos acima. À medida que vamos avançando na matéria, todas estas vias serão
aprofundadas. Passo a passo, chegaremos ao final da disciplina com o entendimento de
uma lista de hormônios no controle da ingestão alimentar.

35
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

Figura 5. Controle do apetite através da leptina e grelina.NPY, neuropeptídio Y; AgRP, proteína relacionada à

agouti; Ob-R, receptor de insulina; GHS-R, receptor de grelina.

Existem dois sistemas de controle da ingestão alimentar e do peso corporal. Um de


curto prazo, que determina o início e o término de uma refeição, e outro de longo prazo,
que é responsável pelo estoque de gordura corporal.

Logo após uma refeição, a distensão do estômago e a digestão dos alimentos


estimulam o nervo vago e os nervos espinhais, inibindo os neurônios NPY/AgRP
e determinando o fim da refeição (sistema de curto prazo). Por sua vez, a elevação
dos níveis de leptina e insulina, que ocorre com o aumento da gordura corporal
e nas situações de balanço energético positivo também inibem os neurônios
NPY/AgRP no hipotálamo. Outros neurônios secundários no SNC com propriedades
catabólicas também são estimulados e contribuem para a diminuição da ingestão
alimentar.

Uma a duas horas antes de uma refeição ocorre a elevação da grelina, que funciona
como um indicador para se iniciar uma refeição. A grelina também se eleva nas
situações de balanço energético negativo, fazendo parte dos sistemas de curto e longo
prazo de regulação do peso corporal. Este hormônio estimula os neurônios NPY/AgRP,
levando ao aumento da ingestão alimentar. Outros neurônios secundários do SNC,
com propriedades anabólicas, são ativados e levam ao aumento da ingestão alimentar
a longo prazo.

RODRIGUES, A. M.; SUPLICY, H. L.; RADOMINSKI, R. B. Controle neuroendócrino


do peso corporal: implicações na gênese da obesidade. Arq Bras Endocrinol
Metab, 47 (4): 398-409, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/abem/
v47n4/a12v47n4.pdf>.

36
CAPÍTULO 2
Os Hormônios da Adiposidade

A regulação e o monitoramento dos estoques de gordura corporal representam um


desafio para o cérebro, uma vez que a gordura é armazenada no tecido adiposo em
vários locais do corpo. Dependendo do grau de adiposidade, pode ser armazenada em
outro tipo de células como o fígado e o músculo esquelético. Embora seja possível que
os nervos sensoriais possam transmitir informações integradas ao cérebro dos locais
de depósito de gordura, nenhuma rede neural ainda foi descrita para tal. Em vez disso,
um sistema diferente de sinalização, envolvendo secreção de hormônios específicos na
corrente sanguínea, está diretamente relacionado com o armazenamento de gordura.
Deste modo, o cérebro necessita apenas de ter receptores específicos para esses
hormônios sinalizadores, de forma a obter uma estimativa da gordura corporal. Esta
hipótese, inicialmente proposta por Kennedy, já tem mais de meio século de existência
(KENNEDY, 1953).

Sinais de adiposidade
Os sinais de adiposidade estão relacionados com a quantidade de gordura que o corpo
carrega e mantém. Pelo menos dois hormônios atendem aos critérios de enviar sinais
de adiposidade ao cérebro: insulina e leptina. Como esses dois hormônios já foram
estudados durante esta disciplina, chegou a hora de realizar uma breve revisão acerca
deles. Esta revisão torna-se fundamental devido à importância destes dois hormônios
no metabolismo do tecido adiposo.

A insulina é secretada pelas células beta do pâncreas em resposta à glicose, ácidos


graxos e aminoácidos na corrente sanguínea. A quantidade de insulina secretada
durante condições basais ou em resposta ao aumento da glicose é diretamente
proporcional à gordura corporal. Assim, indivíduos obesos apresentam níveis basais
de insulina mais elevados do que indivíduos magros ou mesmo insensibilidade à
insulina.

A leptina é secretada diretamente pelas células do tecido adiposo em resposta


à sua contínua atividade metabólica. A sua secreção é diretamente proporcional
à quantidade de tecido adiposo. Atua como sinalizadora do tamanho do tecido
adiposo aos centros do SNC que regulam o comportamento alimentar.

37
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

Para uma revisão mais aprofundada, favor voltar aos capítulos 2 e 4 deste
Caderno de Estudos e Pesquisa.

Como estas substâncias são hormônios, qualquer tecido com receptores específicos para
a insulina e/ou leptina receberá informação da quantidade total de gordura corporal.

Assim, a insulina e a leptina partilham várias características que lhes permitem ser
classificadas como hormônios de sinalização de adiposidade. Ambos atravessam a
barreira hemato-encefálica e chegam ao cérebro através das células capilares endoteliais.
Os receptores para a insulina e a leptina estão localizados em neurônios do hipotálamo
e mesmo em outros locais do cérebro, incluindo as principais populações de neurônios
no núcleo arqueado hipotalâmico que sintetizam pró-ópio-melanocortina (neurônios
do POMC) e neuropeptídio Y e proteína relacionada à agouti (neurônios do NPY/
AgRP). Os neurônios do POMC e do NPY/AgRP no núcleo arqueado são considerados
controladores muito importantes da ingestão alimentar e do peso corporal.

Alterações nas concentrações de insulina ou de leptina próximo ao núcleo arqueado


podem causar alterações previsíveis da ingestão alimentar ou peso corporal. Aumento
da concentração ou atividade da insulina ou da leptina (sinalizando aumento da gordura
corporal) resulta na estimulação dos neurônios do POMC e inibição dos neurônios do
NPY/AgRP, diminuindo a ingestão alimentar, aumentando o gasto energético e a perda
de peso. Contrariamente, a diminuição da atividade da insulina ou leptina resultam
na inibição dos neurônios do POMC e na estimulação dos neurônios do NPY/AgRP,
aumentando a ingestão alimentar, diminuindo o gasto energético e aumentando o peso
corporal (SCHWARTZ; WOODS et al., 2000; BENOIT; CLEGG et al., 2004). A figura
6 esquematiza este modelo, mostrando como alterações na adiposidade corporal são
acompanhadas de alterações compensatórias na ingestãoalimentar. A leptina e a insulina
são secretadas em proporção ao tamanho do tecido adiposo, agindo no hipotálamo
para estimular processos catabólicos, enquanto inibem as vias anabólicas. Estas vias
apresentam efeitos opostos no balanço energético que determinam a quantidade de
energia armazenada como gordura. Para maiores explicações acerca da figura, favor ler
retângulos com os números 1, 2, 3 e 4.

38
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

Figura 6. Modelo mostrando como uma mudança na adiposidade corporal está associada a alterações na

ingestão alimentar. A leptina e a insulina são sinais de adiposidade, secretados em proporção à quantidade de

gordura corporal, que agem no hipotálamo para estimular as vias catabólicas, enquanto inibem as anabólicas.

Estas vias apresentam efeitos opostos no equilíbrio energético, que por sua vez determinam a quantidade de

energia armazenada como gordura.

Importante – Não esquecer


Indivíduos com deficiência em insulina, como diabéticos tipo I (descompensado),
são magros e não obesos, porque a maior ação sistêmica da insulina é permitir
que os lipídios sejam armazenados no tecido adiposo.

Apesar de a leptina e a insulina apresentarem características semelhantes de adiposidade,


existem diferenças importantes entre estes dois hormônios. As suas concentrações não
refletem os mesmos depósitos de gordura. A maioria da leptina tem origem na gordura
subcutânea, sinalizando a gordura subcutânea com maior exatidão do que o total de
gordura corporal. Em contraste, a insulina é secretada em proporção à gordura visceral,
apresentando informações mais exatas para a gordura visceral do que total. Portanto,
as duas sinalizações combinadas proporcionam maior exatidão no quadro de gordura
total e fornecem informações fundamentais de onde a gordura está distribuída.

Como mostrado na figura 7, os hormônios insulina e leptina inibem os neurônios do


NPY/AgRP e estimulam os neuronios do POMC no núcleo arqueado do hipotálamo.
39
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

Cada hormônio interage com seu respetivo receptor, iniciando uma cascata de eventos
intracelulares, representadas pelas setas tracejadas. Estudos indicam que existe
convergência na cascata de eventos destes dois hormônios de adiposidade, com o
objetivo de diminuir a ingestão alimentar.

Figura 7. Ação dos hormônios leptina e insulina nas diferentes populações de neurônios do núcleo arqueado no

hipotálamo. Lepr/insr, receptores de leptina e de insulina.

Outros hormônios de adiposidade

A adiponectina também é um hormônio de sinalização da adiposidade. No entanto,


este hormônio apresenta algumas diferenças em relação à insulina e leptina. Apesar
de ser secretada exclusivamente pelas células do tecido adiposo, sua concentração
é inversamente proporcional à gordura corporal, especialmente gordura visceral
(ATZMON; YANG et al., 2002). Desta forma, a expressão da adiponectina está diminuída
em indivíduos obesos. Quando administrada localmente no cérebro, aumenta o gasto
energético e causa a perda de peso, sem alterar a ingestão de alimentos (QI; TAKAHASHI
et al., 2004). Diferentemente da leptina, a concentração sanguínea de adiponectina
mantém-se relativamente constante durante o dia, sem sofrer alteração pela ingestão
de comida (HOTTA; FUNAHASHI et al., 2000).

Alguns estudos sugerem que a diminuição da concentração de adiponectina representa


um papel importante no desenvolvimento da resistência à insulina em diabéticos do tipo
II. Esta permissa foi confirmada por estudos que observaram menores concentrações
de adiponectina em indivíduos obesos diabéticos quando comparados por obesos não
diabéticos.

A resistina, outro hormônio secretado pelas células do tecido adiposo, age nos miócitos
do músculo esquelético, células hepáticas e adipócitas. Contrariamente à adiponectina,
altas concentrações de resistina (diretamente proporcional ao tamanho de gordura
corporal) diminuem a sensibilidade à insulina, podendo levar ao desenvolvimento de

40
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

diabetes tipo II (STEPPAN; BAILEY et al., 2001). No entanto, a influência da resistina


no desenvolvimento da obesidade ainda é um ponto contraditório. Necessita de maiores
estudos para clarificar essa relação.

A figura 8 apresenta um esquema da integração dos hormônios de adiposidade


com o hipotálamo e SNC, alterando tanto o consumo quanto o gasto energético. Os
sinais advindos do tecido adiposo exercem uma regulação a longo prazo na ingestão
alimentar, enquanto os sinais advindos do pâncreas exercem principalmente um efeito
a curto prazo na ingestão alimentar. Todos estes sinais interagem com populações de
neurônios localizados no hipotálamo (NPY, AgRP e POMC), que informam o SNC da
quantidade de gordura corporal armazenada. Com base nessas informações, o SNC
procura ajustar o consumo e o gasto energético, sendo que a diminuição do gasto e
aumento do consumo energético pode provocar a obesidade.

Figura 8. Hormônios da adiposidade e suas vias no controle da ingestão alimentar. NPY, neuropeptídeo Y;

AgRP, proteína relaciona a agouti; POMC, pró-ópio-melanocortina; SNC, Sistema Nervoso Central.

41
CAPÍTULO 3
Os Hormônios da Saciedade

Por definição, fatores de saciedade, quando administrados em humanos ou animais


no início de uma refeição, resultam na redução da comida ingerida. A sua secreção, ou
mesmo administração exógena, provoca ativação de receptores específicos que causam
a prematura interrupção do ato de comer. Desta forma, para que um hormônio seja
considerado um sinal de saciedade, tem de ser secretado em resposta à ingestão de
comida, atuar dentro do prazo de uma única refeição, reduzir o tamanho da refeição
sem criar mal-estar e agir dentro de doses consideradas fisiológicas (MORAN; KINZIG,
2004).

A maioria dos hormônios da saciedade é secretadas a partir de células especializadas nas


paredes do trato gastrointestinal (GI), em resposta à digestão e absorção das refeições.
Nervos locais sensoriais expressam receptores para os peptídeos do intestino de forma
a informar o cérebro imediatamente acerca do conteúdo nutricional da refeição,
monitorando a concentração dos hormônios secretados. Quando uma refeição complexa
é consumida, uma mistura de macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas)
estimula uma combinação de peptídeos da saciedade, produzindo mensagem final da
quantidade da refeição que é integrada no tronco cerebral. Uma vez no tronco cerebral,
são ativadas respostas apropriadas, incluindo o término da refeição, que em humanos
está associada à sensação de saciedade.

Fica claro que o aumento da concentração dos hormônios peptídeos secretados no trato
GI induzem a redução no tamanho de uma refeição. No entanto, existe uma exceção
que é o hormônio grelina. A concentração de grelina está aumentada antes de uma
refeição ou mesmo após uma rápida refeição (CUMMINGS; PURNELL et al., 2001). Sua
administração exógena causa aumento do tamanho da refeição.

A tabela 3 apresenta os hormônios peptídeos do trato GI que afetam a condição de


saciedade. Seguidamente, falaremos dos hormônios peptídeos mais importantes
secretados no trato GI e que atuam na regulação de ingestão de comida. Sem dúvida,
um dos hormônios da saciedade mais importantes é a grelina, que já foi estudado no
capítulo 4, “O Papel da Leptina e da Grelina no Controle da Ingestão Alimentar”. Para
uma revisão acerca deste hormônio, favor voltar ao capítulo 4.

Como se pode observar na tabela 3, com exceção do hormônio peptídeo grelina, todos
os outros agem no cérebro para a diminuição da ingestão alimentar, provocando um
efeito de saciedade.

42
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

Tabela 3. Hormônios do trato GI que afetam a saciedade

Hormônio peptídeo Efeito na ingestão alimentar


CCK Diminui
GLP-1 Diminui
PYY Diminui
Apo A-IV Diminui
Enterostatina Diminui
Bombesina Diminui
Oxintomodulina Diminui
Amilina Diminui
Grelina Aumenta

Colecistocinina
A colecistocinina (CCK) é o peptídeo do trato GI mais estudado no controle da ingestão
alimentar. Quando alimentos que contêm gorduras ou proteínas são consumidos e
entram no duodeno, a CCK é secretada das células I do epitélio do intestino delgado para
a corrente sanguínea. Uma vez na corrente sanguínea, a CCK tem influências hormonais
na motilidade intestinal, contração da vesícula biliar, secreção das enzimas pancreáticas,
esvaziamento gástrico e secreção de ácido gástrico (RAYBOULD, 2007). Entretanto, a
CCK também se difunde localmente, realizando um estímulo parácrino dos receptores
CCK-1 dos nervos vagais sensoriais. Através deste mecanismo, uma mensagem (que foram
processadas gorduras e proteínas e que brevemente serão absorvidas) é transmitida ao
tronco cerebral (núcleo do trato solitário) e retransmitida ao hipotálamo, onde está
integrada a informação sobre a homeostase energética (BERTHOUD, 2007).

Estudos em humanos mostraram que a CCK inibe o consumo de alimentos, sem


afetar diretamente o peso corporal. A redução do tamanho da refeição causada pela
administração de CCK exogenamente é dose dependente, com altas doses levando
a maiores reduções. No entanto, a CCK não impede que as refeições ocorram, sendo
necessária uma pré-carga gástrica para se conseguir atingir o efeito de saciedade com a
CCK tanto em indivíduos obesos como em normais. Assim, a CCK reduz o tamanho de
uma refeição após o seu início, reduzindo a fome e aumentando a saciedade sem sensação
de mal-estar. Porém, a repetida administração de CCK não altera o peso corporal de
um indivíduo, uma vez que sua ação é muito rápida e aguda, ou seja, apenas para uma
determinada refeição, não apresentando efeitos em longo prazo.

Como descrito anteriormente, a via de sinalização proposta para o hormônio peptídeo


CCK tem como aferência as fibras do nervo vago que chegam ao núcleo do trato
solitário (NTS), realizando conexões com o hipotálamo. A CCK é capaz de diminuir as
concentrações de NPY no hipotálamo e hipocampo, sem afetar as concentrações em

43
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

outras regiões do cérebro(Gourch, Oroscoet al., 1990). Assim, sugere-se uma relação
negativa entre o NPY e CCK, o que não é surpresa devido às suas funções opostas no
controle da alimentação. Interessantemente, tanto a leptina como a insulina (sinais de
adiposidade) aumentam os efeitos da CCK, principalmente potencializando a ativação
dos neurônios do NTS através da CCK.

Peptídeo Semelhante ao Glucagon 1 (GLP-1)


O peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) é um hormônio produzido e secretado
nas células L do intestino, principalmente na região do íleo e no cólon. Após ingestão
alimentar, os níveis circulantes de GLP-1 aumentam acentuadamente, sugerindo fatores
humorais e neurais na sua liberação.

O GLP-1 atua principalmente na modulação do trânsito intestinal e no esvaziamento


gástrico, inibindo ou retardando estes dois mecanismos (GIRALT; VERGARA, 1999). É
geralmente assumido que o GLP-1 media essas ações mediante um mecanismo endócrino,
por meio da ligação direta a tecidos-alvo como células do pâncreas. No entanto, devido à
sua rápida metabolização na circulação e mesmo à sua reduzida meia vida no plasma (1-2
minutos), este mecanismo tem sido questionado. Além disso, como o receptor de GLP-1
(GLP-1r) está expresso em neurônios periféricos e do SNC, além das células do pâncreas
e no trato GI, mecanismos neurais da ação da GLP-1 têm sido estudados. Vários estudos
demonstraram que a administração de GLP-1 reduz a ingestão de comida em humanos e
que esta ação anorexígena é mediada por mecanismos periféricos e centrais (NASLUND;
GUTNIAK et al., 1998; GUTZWILLER; GOKE et al., 1999).

Uma população de neurônios que sintetizam GLP-1 está localizada em vias neurais
do cérebro e se projetam para as áreas hipotalâmicas importantes no controle da
homeostase energética. A administração central de GLP-1 reduz a ingestão de comida
através de pelo menos dois mecanismos. Os GLP-1r no hipotálamo reduzem a ingestão
atuando em circuitos de homeostasia calórica, enquanto os GLP-1r localizados na
amídala cerebelosa reduzem a ingestão de comida através do desenvolvimento de
sintomas de stress e mal-estar.

A administração sistemática de GLP-1 provoca um estado de saciedade em humanos


saudáveis, obesos e diabéticos. No entanto, a redução da ingestão alimentar por meio
da inibição do trânsito intestinal e da redução do esvaziamento gástrico apresenta um
efeito transitório, principalmente devido à meia vida menor que 2 minutos do GLP-1.

O peptídeo GLP-1 também exerce uma função importante no metabolismo da glicose,


estimulando a secreção de insulina e inibindo a liberação de glucagon (DRUCKER;

44
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

NAUCK, 2006). Desta forma, os GLP-1r presentes nas ilhotas do pâncreas apresentam
um papel sinalizador na regulação da glicemia por meio da liberação de insulina e inibição
do glucagon. Devido à importância do GLP-1 no controle da glicemia, este peptídeo
tem sido alvo de inúmeros estudos em diabéticos do tipo II, em que a sensibilidade da
insulina está alterada.

Peptídeo Tirosina-Tirosina (PYY)


O peptídeo tirosina-tirosina (PYY) é um hormônio produzido e secretado nas células L
do intestino, principalmente na região distal do íleo e no cólon. O PYY é secretado como
PYY1-36 e é rapidamente metabolizado em PYY3-36, com potentes ações anorexígenas.
É liberado a partir do trato GI após a ingestão de alimentos em proporção com o
conteúdo energético de uma refeição, induzido um estado de saciedade (BATTERHAM;
COWLEY et al., 2002).

Apresenta alta sensibilidade aos receptores Y2 do NPY. Deste modo, o PYY reduz a
atividade dos neurônios do NPY, que, por sua vez, remove a ação inibitória que
normalmente suprime os neurônios anorexígenos da POMC, inibindo a ingestão
alimentar. Existem evidências de que a influência do PYY na ingestão alimentar se
dá através da interação com os receptores Y2 no núcleo arqueado porque ele passa
livremente através da barreira hemato-encefálica. Mais informações acerca dos
receptores Y2 serão estudadas na Unidade III.

Assim como a CCK e o GLP-1, o PYY inibe a ingestão alimentar transitoriamente, com
duração de apenas 3-4 horas após a sua administração (CHALLIS; PINNOCK et al.,
2003). No entanto, contrariamente à CCK, a inibição da ingestão alimentar através
do PYY é realizada diretamente em neurônios hipotalâmicos que expressam POMC,
principalmente neurônios do núcleo arqueado. Também é um hormônio associado
à motilidade do trato GI, sendo considerado um componente do mecanismo de
retardamento do trânsito intestinal e esvaziamento gástrico. A simples presença de
nutrientes na região do íleo é um fator para a secreção do PYY, que parece ter particular
estimulação através da presença de lipídios.

Estudos com humanos demonstram que a concentração basal e pós-prandial de PYY é


significativamente menor em sujeitos obesos que em sujeitos magros(BATTERHAM;
COHEN et al., 2003). A concentração menor levou a concluir que a sensibilidade ao PYY
em obesos não está afetada e que as diferenças são causadas devido a anormalidades na
produção de PYY em obesos. Interessantemente, existem evidências de que variações
genéticas no PYY e no receptor Y2 estão associadas a aumento do peso.

45
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

A figura 9 apresenta um esquema da integração dos hormônios da saciedade com o


hipotálamo e SNC, além dos hormônios de adiposidade, alterando tanto o consumo
quanto o gasto energético. Os sinais advindos do trato GI (principalmente íleo e
cólon) exercem uma regulação a curto prazo da ingestão alimentar, ou seja, regulação
transitória. Da mesma forma que os sinais de adiposidade, os sinais de saciedade
interagem com populações de neurônios no hipotálamo, que, por sua vez, informam o
SNC acerca da ingestão alimentar. Não está representado na figura, mas é importante
não esquecer que tanto a grelina, o CCK e o GLP-1 levam informação ao núcleo do trato
solitário através do nervo vago, que, por sua vez, realiza sinapse com o hipotálamo.
Integrando todos os sinais de adiposidade eos sinais de saciedade, o hipotálamo
recebe informações originárias do trato GI, do tecido adiposo e do pâncreas acerca da
quantidade de gordura armazenada no tecido adiposo e da quantidade de comida que
está sendo ingerida. A integração de todas essas informações no hipotálamo permite
ao SNC atuar na regulação do gasto e consumo energético. Mais uma vez, o aumento
do consumo e a diminuição do gasto energético podem levar ao desenvolvimento da
obesidade.

Figura 9. Hormônios da saciedade e suas vias no controle da ingestão alimentar.

Em segundo plano, os hormônios da adiposidade. NPY, neuropeptídeo Y;

AgRP, proteína relaciona a agouti; POMC, pró-ópio-melanocortina;

SNC, sistema nervoso central; CCK, colecistocinina; GLP-1, peptídeo semelhante ao glucagon-1; PYY3-36,

peptídeo tirosina-tirosina; GI, gastrointestinal.

46
CAPÍTULO 4
Distorção dos Sinais da
Saciedade Gástrica na Obesidade

Como descrito anteriormente, exceto o PYY, que apresenta redução na obesidade, não
existem evidências claras de diferenças nos hormônios da saciedade entre sujeitos
normais e obesos que possam explicar a alta ingestão alimentar como componente
da obesidade. Os níveis mais baixos de grelina poderiam sugerir mesmo a redução
do apetite em obesos. No entanto, não podemos esquecer que na maioria das vezes
indivíduos obesos têm maior capacidade gástrica que pessoas normais. Desta forma,
um estômago com maior capacidade pode exigir maiores refeições para gerar sinais de
saciedade, incluindo a liberação de peptídeos do trato GI relacionados com a saciedade.
Outras evidências da importância da capacidade gástrica é a observação de que redução
cirúrgica do estômago reduz o tamanho de uma refeição e induz uma acentuada redução
de peso (BROLIN, 1992). Redução cirúrgica na capacidade do estômago também pode
atenuar a compulsão alimentar, confirmando que um estômago com maior capacidade
ajuda na manutenção da desordem da compulsão alimentar. Além disso, a redução não
cirúrgica da capacidade gástrica por pressão externa no abdômen ou mesmo por um
balão gástrico também reduz o tamanho da refeição, especialmente a curto prazo.

Um estômago com a capacidade aumentada também pode apresentar um esvaziamento


gástrico mais lento após uma refeição, sendo que esvaziamentos lentos são típicos em
pessoas com bulimia nervosa. Quando a capacidade gástrica é comparada entre sujeitos
com bulimia nervosa, sujeitos obesos e sujeitos normais, a capacidade é maior em pessoas
com bulimia nervosa, sendo que as pessoas com peso normal são as que apresentam
menor capacidade gástrica (GELIEBTER; HASHIM, 2001). O retardo no esvaziamento
gástrico, promovendo maior distensão gástrica, está geralmente associado à sensação
de saciedade. No entanto, também pode diminuir os sinais de saciedade intestinais,
incluindo o atraso na liberação de CCK no duodeno, como acontece na bulimia nervosa.
Entretanto, quando os sujeitos obesos apresentam um comportamento de alimentação
compulsiva, o seu estômago é semelhante a pessoas com bulimia nervosa.

Bulimia nervosa é uma disfunção alimentar. A pessoa bulímica tende a apresentar


períodos em que se alimenta em excesso, muito mais do que a maioria das
pessoas conseguiriam se alimentar em um determinado espaço de tempo,
seguidos pelo sentimento de culpa e tentativas para evitar o ganho de peso com
jejuns, exercícios, vômitos autoinduzidos, laxantes e/ou diuréticos.

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

47
UNIDADE II │ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE

Como referido anteriormente, a grelina parece ser o único hormônio da saciedade que
apresenta concentrações diferentes em jejum entre indivíduos obesos e normais. Como
observado na figura 10A, na obesidade sua concentração está diminuída. Como esperado,
sua concentração diminui após uma refeição, mas decresce em concentrações inferiores
em indivíduos obesos (figura 10B). A concentração de jejum inferior sugere uma
regulação descendente da grelina em indivíduos obesos. Mesmo após 30 minutos de uma
refeição, a concentração de grelina também é inversamente proporcional a capacidade
gástrica, sendo que indivíduos com maior capacidade gástrica (obesos) apresentam
menores diminuições na concentração de grelina. Se entendermos que a diminuição da
concentração de grelina é por si só um sinal de saciedade, a pequena diminuição após
uma refeição pode contribuir para a compulsão alimentar em indivíduos obesos. Além
das modificações na concentração de grelina, indivíduos obesos apresentam maior
capacidade gástrica, como observado na figura 10C. Todo este mecanismo reflete-se em
um padrão anormal da grelina em indivíduos obesos e com compulsão alimentar.

Figura 10. Concentração de grelina em jejum, diminuição da sua concentração após refeição e capacidade

gástrica em indivíduos normais e obesos.

Outro peptídeo importante que pode contribuir para a obesidade é o hormônio GLP-1.
O aumento da concentração de GLP-1 no plasma após uma refeição está atenuada em
sujeitos obesos (RANGANATH; NORRIS et al., 1999). Como demonstrado na figura 11,
como o GLP-1 inibe fortemente o esvaziamento gástrico em cerca de 50% após 3 horas
da refeição, a baixa concentração em obesos pode levar a uma refeição precoce. Pode-se
observar através da figura que a administração de GLP-1 é capaz de inibir o esvaziamento
gástrico em até 180 minutos, o que não acontece com a administração de uma solução
placebo, ou seja, indivíduos obesos, devido à baixa concentração de GLP-1 no sangue,
comem mais frequentemente.

48
ALTERAÇÕES HORMONAIS NA OBESIDADE│ UNIDADE II

Figura 11. Curva do esvaziamento gástrico durante 180 minutos após


administração de GLP-1 (0,75 pmol/kg/min) e cloreto de sódio (NaCl; 9g/L).

Em famílias com obesidade mórbida, existe uma ligação genética no cromossoma 5q e


o precursor do GLP-1, chamado de gene do proglucagon. Um defeito no cromossoma
5q pode resultar na diminuição nos níveis de GLP-1 plasmáticos e consequentemente
períodos pós-prandiais curtos do estado de saciedade e intervalos de refeição curtos,
resultando em aumento da ingestão alimentar diária.

49
CONTROLE
DA INGESTÃO
ALIMENTAR UNIDADE III
PELO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL

Durante a Unidade II tivemos a oportunidade de definir os hormônios mais importantes


no controle da ingestão alimentar. Além disso, foi possível discutir suas alterações na
obesidade, mecanismos de capital interesse para entender a obesidade como uma
doença crônica multifatorial. Como foi referido, várias evidências sugerem que o
equilíbrio entre a ingestão alimentar e o gasto energético é largamente controlado por
um potente e inconsciente sistema biológico.

Os hormônios referenciados na Unidade II, divididos em categorias, são entendidos


como hormônios do controle periférico na ingestão alimentar. Todos esses hormônios
interagem com o SNC para controlar o equilíbrio energético. Entretanto, para que
isso aconteça é necessária a transmissão das informações em tecidos periféricos até
ao SNC. Em se tratando de hormônios, a sinalização endócrina da periferia para o
SNC apresenta um papel muito importante. No entanto, outra forma é usada para a
transmissão do sinal da periferia para o SNC, que é transmissão através do nervo vago.
A informação que chega ao SNC é processada em vários níveis e estruturas, estruturas
estas que podem ser específicas tanto no recebimento do estímulo como na resposta
gerada.

Desta forma, a Unidade III procura fazer a integração das vias periféricas com as
vias centrais do controle da ingestão alimentar, com foco principal para os distúrbios
no desenvolvimento da obesidade. Muitos conceitos também já foram abordados
principalmente na Unidade II, no entanto, se fazem necessários para a integração de
todas as vias.

50
CAPÍTULO 1
Integração dos Sinais Periféricos
no Sistema Nervoso Central

A homeostase energética consiste em processos inter-relacionados e integrados pelo


cérebro para manter as reservas energéticas em níveis apropriados para determinadas
condições ambientais. Por conseguinte, inclui a regulação dos níveis de nutrientes
em órgãos de armazenamento-chave (ex.: gordura no tecido adiposo e glicogênio
nos tecidos hepáticos e musculares) assim como na circulação sanguínea (ex.: glicose
sanguínea). Para alcançar a homeostase energética, o cérebro recebe contínuas
informações acerca das reservas e fluxos energéticos em órgãos críticos, da comida que
está sendo ingerida e absorvida, das necessidades basais e de cada situação dos tecidos.
O SNC, por sua vez, controla os tecidos que têm um papel importante na homeostase
energética, como o fígado e o sistema musculoesquelético, assim como a secreção de
hormônios metabólicos chave, principalmente através do sistema nervoso autonômico.
Desta forma, o cérebro é capaz de responder adequadamente às demandas normais do
organismo ou mesmo demandas imprevistas, evitando quedas nas reservas de energia
e mantendo a homeostase bioquímica. Os hormônios que informam ao cérebro as
reservas energéticas foram estudados na unidade anterior, estando o foco deste capítulo
na sua integração com o SNC que influencia a ingestão calórica e por consequência o
peso corporal.

Modelo para a homeostase energética


e epidemia da obesidade
O aumento na ingestão alimentar (hiperfagia) desencadeada por um período de jejum é
um simples mas complexo exemplo da regulação da ingestão alimentar. A consequente
recuperação para valores basais do peso corporal perdido, acompanhado pelo retorno
gradual dos níveis de consumo energético, é o testemunho de um processo de regulação
que é preciso e robusto. Pra explicar este fenômeno, Kennedy (1953) propôs que sinais
inibitórios gerados em proporção às reservas de gordura corporal atuavam no cérebro
de forma a reduzir a ingestão alimentar. Assim, a perda de peso, induzida pela restrição
calórica, reduzia os níveis desses sinais inibitórios, aumentando a ingestão alimentar
até a deficiência energética ser corrigida. No entanto, este modelo não explicava
como o consumo energético é controlado durante uma refeição isolada, ou seja, qual
o tamanho de uma refeição isolada para satisfazer a homeostase energética. Vinte
anos mais tarde, Gibbs e Smith (1997) propuseram que sinais gerados durante uma

51
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

refeição (chamados de fatores de saciedade), incluindo peptídeos secretados do trato


GI, forneciam informações ao cérebro que inibem a alimentação e levam à interrupção
de uma refeição.

A equação energética estabelece que, se o peso corporal mantém-se estável, a ingestão


alimentar (ex.: consumo energético) tem de ser igual ao gasto energético (ex.: metabolismo
e efeitos do exercício físico) em intervalos de tempo longos. Se a equação energética
não está em equilíbrio, o peso corporal pode apresentar aumentos ou diminuições ao
longo do tempo. No entanto, sabemos que existe um sistema do tipo feedback negativo
(explicado no parágrafo anterior), que atua para manter relativamente constantes as
reservas de gordura corporal por períodos longos de tempo.

Assim, uma importante questão diz respeito a como e porque o peso corporal aumenta
em determinados indivíduos, mesmo na presença de um sistema regulatório que deveria
prevenir os desvios em uma base crônica. Enquanto não existem respostas fáceis para esta
questão, a solução pode estar em um equívoco comum sobre o peso corporal. Note-se que
referimo-nos a peso corporal como sinônimo de adiposidade corporal (ex.: assumimos
que alteração no peso corporal reflete uma subjacente alteração da gordura corporal, e
que a gordura corporal é a variável regulada). O equívoco é que existe um ponto comum
de ajuste para o peso corporal, determinado geneticamente, como a quantidade ideal
de peso corporal que cada indivíduo pode carregar, e que desvios desse peso ideal são
detectados e desencadeiam reflexos de compensação através do sistema de regulação,
restabelecendo o peso ideal sempre que possível (KEESEY; HIRVONEN, 1997). No
entanto, acredita-se que, ao invés de existir um ponto de ajuste, existe uma faixa de
peso corporal que um indivíduo está disposto a aceitar e defender (WIRTSHAFTER;
DAVIS, 1977). Os limites inferiores e superiores são provavelmente determinados
geneticamente e sob controle independente. O peso real de um indivíduo estará dentro
dos limites do sistema regulatório, com interferência de fatores regulatórios, que ainda
são desconhecidos. Por exemplo, um indivíduo que vive estresse crônico, ou se exercita
regularmente, tende a defender um menor peso corporal. Inversamente, um indivíduo
com facilidade de obter alimentos altamente palatáveis tende a defender um maior
peso corporal. Olhando por este prisma, a epidemia da obesidade pode ser considerada
como uma resposta adequada por parte de um tipo de população em um ambiente com
maior acesso e disponibilidade de comidas palatáveis e de grande densidade energética.
Neste cenário, o sistema de regulação da ingestão alimentar funciona adequadamente,
sendo o ambiente o que está alterando.

52
CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL│ UNIDADE III

Homeostase energética e sistema nervoso


central
Por vários anos, o modelo clássico de regulação da ingestão alimentar foi o “modelo
de duplo-centro” (dual-centre model) (STELLAR, 1954), que sugeria que diferentes
núcleos no hipotálamo governavam a ingestão alimentar pela modificação dos estados
de fome e saciedade. No entanto, este modelo mostrou-se simplista e estruturas neurais
além daquelas descritas no modelo de duplo-centro (núcleo hipotalâmico lateral e
ventromedial) estão hoje fortemente implicadas na regulação do apetite. Por exemplo,
o núcleo arqueado e o núcleo paraventricular são centros importantes no controle da
ingestão alimentar, enquanto o núcleo do trato solitário serve como uma porta de entrada
de sinais do trato GI que são retransmitidos para o nível hipotalâmico. Este modelo está
representado na figura 12, mostrando a porta de entrada e a área de atuação no SNC
dos sinais periféricos mais importantes no controle da ingestão alimentar. Os hormônios
leptina, insulina e PYY estimulam diretamente as populações de neurônios localizados
no núcleo arqueado, enquanto a grelina, a CCK e o GLP-1 estimulam principalmente o
núcleo do trato solitário através do nervo vago. A grelina também estimula diretamente
neurônios do núcleo arqueado.

O núcleo arqueado parece ter uma importância central para o fluxo de sinais
periféricos, mediando informações de armazenamento e necessidades metabólicas.
No núcleo arqueado existem dois tipos de populações de células que apresentam
papel importante na ingestão alimentar. Uma dessas populações de células
contém NPY, que é um poderoso estimulador do comportamento alimentar em
animais (CHAMORRO; DELLA-ZUANA et al., 2002), enquanto a outra população
de células contém pro-ópio-melanocortina (POMC). Este pró-hormônio, sob a
ação das pró-hormônio convertases, dá origem a peptídeos bioativos, incluindo a
α-melanocortina (α-MSH). Por sua vez, a α-MSH inibe a ação de comer atuando
em receptores de melanocortina (WIKBERG; MUCENIECE et al., 2000).

53
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Figura 12. Ilustração esquemática dos sinais periféricos e centrais da regulação da ingestão alimentar. POMC,

pró-ópio-melanocortina; a-MSH, a-melanocortina; NPY, neuropeptídio Y; AgRP, proteína relacionada à agouti; PPY,

peptídeo tirosina tirosina;

CCK, colecistocinina; GLP-1, peptídeo semelhante ao glucagon 1.

Os receptores de hormônios peptídeos estão localizados nessas duas populações de


células, que por sua vez são controladas pela leptina e insulina. Como foi discutido
em capítulos anteriores, a leptina e a insulina inibem os neurônios contendo NPY e
estimulam os neurônios da POMC. Os receptores NPY pós-sinápticos são principalmente
do tipo Y1, enquanto os receptores inibidores pré-sinápticos do tipo Y2 estão localizados
diretamente nos neurônios das células contendo NPY. Esta especificação de receptores
NPY é importante para entender a ação do peptídeo PYY, secretado no trato GI após
ingestão alimentar e que se liga naturalmente a receptores do tipo Y2 (BATTERHAM;
COWLEY et al., 2002). Isto significa que sinais de feedback do trato GI não atuam
exclusivamente através do tronco cerebral, mas também diretamente no hipotálamo.
Dentro do núcleo arqueado também existem sinapses inibitórias entre os dois sistemas
de neuropeptídios, com os neurônios contendo NPY exercendo estímulos inibitórios
nos neurônios da α-MSH e AgRP.

O peptídeo anorexígeno GLP-1 é encontrado no núcleo do trato solitário e nas regiões


dorsal e ventral do núcleo reticular medular, correspondendo a regiões do tronco
cerebral que recebem aferências vagais do intestino. Fibras nervosas imunorreativas ao
GLP-1 também são encontradas no núcleo hipotalâmico paraventricular, com fibras se
projetando para tratos laterais e periventriculares hipotalâmicos, indicando mais uma
vez que a sinalização do trato GI apresenta terminações no nível do tronco cerebral e
hipotalâmico.

Realizando uma divisão funcional do SNC em relação à homeostase energética,


as estruturas do tronco cerebral parecem controlar principalmente o conteúdo
energético, o volume e a duração de uma refeição, enquanto o hipotálamo basicamente

54
CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL│ UNIDADE III

equilibra o status metabólico no controle da ingestão alimentar. Estes mecanismos de


feedback envolvem os hormônios peptídeos localizados em vários pontos do trato GI,
denominados anteriormente de hormônios da saciedade. Além dos seus receptores
centrais, os sinais provenientes de receptores periféricos são transferidos via nervo
vago até ao NTS no tronco cerebral. O sistema vagal periférico e central é sensível à
distensão mecânica e estimulação química de diferentes nutrientes. Esses sinais não
afetam apenas diretamente as fibras nervosas sensoriais, mas também estimulam
a secreção de hormônios na circulação, como a CCK e o GLP-1. Estes hormônios
peptídeos são suscetíveis a modificarem o nervo vago. No nervo vago, os efeitos de
saciedade da CCK são mediados pelo receptor CCKA, enquanto os efeitos do GLP-1 são
mediados pelo seu receptor distinto. Em termos gerais, o nervo vago é ativado pela CCK
e pelo GLP-1 e o estômago é distendido pela comida, entregando nutrientes ao intestino
delgado. Seguidamente, no cérebro, as fibras vagais secretam transcritores reguladores
de cocaína e anfetamina no NTS do tronco cerebral, onde o efeito de promoção de
saciedade é grande.

Os diferentes níveis do controle


da homeostase energética – sua integração
A figura 13 representa um esquema bastante ilustrativo da origem e das vias de controle
da ingestão alimentar por sinalização periférica e sua atuação em estruturas centrais,
como a região do hipotálamo e do tronco cerebral. Como podemos observar, durante as
refeições, sinais como CCK, GLP-1 e a distensão do estômago que chegam do intestino
estimulam impulsos nervosos que chegam ao tronco cerebral através dos nevos
sensoriais. Esses sinais de saciedade em neurônios no núcleo do trato solitário (NTS)
são o que influenciam o tamanho da refeição. A grelina age a partir do estômago através
do nervo vago e estimula diretamente neurônios do núcleo arqueado (ARC). Sinais
relacionados ao conteúdo de gordura corporal como a leptina e a insulina, chamados
de sinais de adiposidade, circulam da corrente sanguínea até ao cérebro. Esses dois
hormônios atravessam a barreira hemato-encefálica na região do ARC e interagem
com neurônios que sintetizam POMC ou NPY e AgRP. Por sua vez, neurônios do ARC
projetam-se para outras áreas hipotalâmicas incluindo o núcleo paraventricular (NPV)
e área hipotalâmica lateral (AHL). O NPV é uma via catabólica e potencia os sinais de
saciedade no tronco cerebral, enquanto que a AHL é anabólica, suprimindo a atividade
dos sinais de saciedade. Desta forma, o conteúdo de tecido adiposo tende a se manter
constante por intervalos de tempo longos por meio de mudanças do tamanho da refeição.

Esta figura é de suma importância, uma vez que engloba todas as vias de regulação da
homeostase energética, dando uma ideia de atuação em conjunto e integração dos sinais

55
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

periféricos com os sinais centrais. Também é uma figura que completa a figura 12, que
foi descrita anteriormente de forma mais simplista.

Observe com atenção a figura 13. Como todos os hormônios já foram discutidos
em capítulos anteriores, já está habilitado para construir um quadro com o
nome dos hormônios, origem da sua secreção, tipo de sinal, vias, estruturas-alvo
no SNC e sua atuação.

Este tópico foi escrito pensando essencialmente na integração de todos os


sinais de ingestão alimentar estudados durante a disciplina. Assim, este tópico
nada mais é que a integração de todo o conhecimento até aqui adquirido.
Poucos serão os conceitos novos, focando principalmente o entendimento e a
integração dos conhecimentos já adquiridos. Podemos definir como um tópico
resumo do controle da ingestão alimentar.

Figura 13. Modelo dos diferentes níveis do controle da homeostase energética. POMC, pró-ópio-melanocortina;

NPY, neuropeptídio Y; AgRP, proteína relacionada à agouti; PPY, peptídeo tirosina tirosina; CCK, colecistocinina; GLP-

1, peptídeo semelhante ao glucagon-1; NPV, núcleo paraventricular; AHL, área hipotalâmica lateral; NTS, núcleo

do trato solitário; SNC, sistema nervoso central; ARC, núcleo arqueado; GI, gastrointestinal.

Regra geral, os sinais provenientes da periferia que influenciam a ingestão alimentar e


gasto energético podem ser divididos em duas categorias, como discutido na unidade
anterior e esquematizado na figura 13 (WOODS; SEELEY et al., 1998; SCHWARTZ;
WOODS et al., 2000; WOODS, 2005). A primeira categoria compreende os sinais gerados
que causam saciedade durante (ex.: sensação de “cheio”, que contribui para a decisão de
interromper uma refeição) e/ou após uma refeição (ex.: aumento do intervalo de tempo
até que o estímulo de fome apareça). O sinal padrão de saciedade é o peptídeo CCK, que
é secretado principalmente em resposta à ingestão de lipídios ou proteínas e que ativa
receptores em nervos sensoriais locais no duodeno, enviando a mensagem de saciedade
até ao cérebro via nervo vago. A segunda categoria inclui hormônios como a insulina

56
CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL│ UNIDADE III

e a leptina que são secretados em proporção à quantidade de gordura corporal. Estes


hormônios de adiposidade são transportados através da barreira hemato-encefálica
e interagem com receptores neurais específicos principalmente no hipotálamo para
afetar o equilíbrio energético. Os sinais de adiposidade e de saciedade interagem com
outros fatores no hipotálamo e em outros lugares do cérebro para controlar o apetite e
peso corporal.

A influência homeostática sobre a ingestão de comida é, na maioria das vezes, realizada


por meio do controle de quantas calorias são consumidas assim que uma refeição se inicia
(tamanho de uma refeição). Desta forma, muitas das secreções do trato GI durante uma
refeição, como a CCK, são proporcionais ao número de calorias consumidas, enviando
sinais de saciedade até ao SNC para limitar o tamanho da refeição, como foi discutido
anteriormente.

Em contraste com os sinais de saciedade, que são secretados em fases durante as


refeições, os sinais de adiposidade são tonicamente ativos, fornecendo uma mensagem
constante ao cérebro proporcional ao conteúdo de gordura corporal total. A insulina
é secretada tonicamente em quantidades basais, com fases de incremento ocorrendo
durante as refeições. Interessantemente, as duas componentes de secreção de insulina
(basal e estimulação por refeição) são diretamente proporcionais à adiposidade corporal
(POLONSKY; GIVEN et al., 1988). A leptina também é secretada em proporções diretas
com a adiposidade corporal, seguindo um padrão de secreção diurno com pouca relação
com as refeições (TEFF; TOWNSEND, 2004).

Quando um indivíduo altera o peso corporal através de restrição calórica ou hiperfagia,


a quantidade de insulina e leptina secretada na corrente sanguínea alteram-se
paralelamente, refletindo-se em um sinal alterado da quantidade de gordura corporal
chegando ao cérebro, equivalente às reservas energéticas corporais. Estes sinais de
adiposidade interagem com circuitos neurais anabólicos e catabólicos, causando uma
alteração na sensibilidade do cérebro para os sinais de saciedade. Por exemplo, durante
a privação de comida ou mesmo dieta, os sinais de insulina e leptina estão reduzidos,
tornando os circuitos neurais que controlam o tamanho de uma refeição menos
sensíveis a sinais de saciedade, como a CCK, o GLP-1 e o PYY. Como consequência, o
ajuste homeostático está orientado para a ingestão de refeições grandes, uma vez que
mais comida tem de ser consumida para que sejam atingidos os sinais de saciedade
e consequente interrupção da refeição. Esta situação de refeições grandes persiste
até que o peso corporal (e mesmo os sinais de leptina e insulina) retorne ao normal.
Reciprocamente, após um ganho de peso excessivo, os sinais cerebrais aumentados de
insulina e leptina resultam em aumento da sensibilidade a sinais de saciedade, levando
ao consumo de refeições pequenas até que o excesso de peso seja perdido.

57
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

No entanto, o nosso sistema homeostático nem sempre funciona perfeitamente para


controlar qualquer alteração do peso corporal. O maior dilema que enfrentam os médicos
e qualquer profissional da área da saúde é a derrapagem deste sistema homeostático
que permite o armazenamento excessivo de energia, obesidade e as doenças associadas
aos excessos nutricionais.

Para os povos que viveram em tempos de privação de comida, como os que


viviam da caça, a comida estava esporadicamente disponível e o risco de fome
estava sempre presente. Em um ambiente desses, os genes ou mecanismos
da obesidade aumentavam as reservas energéticas e forneciam vantagens
de sobrevivência em situações de fome. Esses tipos de genes ou mecanismos
poderiam levar à resistência à leptina, resultando na retenção eficiente de
energia no tecido adiposo. Coerente com esta ideia é a constatação de que a
obesidade e o aumento dos níveis de leptina no plasma, indicativo de resistência
à insulina, são características dos índios Pima vivendo o estilo de vida ocidental,
enquanto os índios Pima vivendo o estilo de vida nativo mantêm concentrações
baixas de leptina. O grupo de índios que mora no seu habitat natural não tem
problemas com a obesidade e suas doenças relacionadas. No entanto, quando
deslocados o seu peso normal e saudável torna-se quase impossível de manter
(RAVUSSIN, 1995).

58
CAPÍTULO 2
Integração dos Circuitos Centrais

Como descrito anteriormente, apesar de receptores para a insulina e a leptina serem


encontrados em várias áreas do cérebro, a maioria que é especialmente importante
para o controle da homeostase energética está localizada no núcleo arqueado (ARC) do
hipotálamo. O ARC está localizada idealmente como um receptor para a adiposidade
corporal, assim como para a integração de diversos hormônios e sinais neurais, isto
porque as moléculas que circulam no sangue têm acesso mais facilitado no hipotálamo
do que em outras regiões do cérebro. Isto se deve principalmente à maior permeabilidade
da barreira hemato-encefálica na região do ARC (CONE; COWLEY et al., 2001). Duas
categorias de neurônios do ARC são particularmente importantes. Uma categoria
sintetiza o pré-pro-peptídio POMC, que por sua vez é clivado no neurotransmissor
α-MSH. O neurotransmissor α-MSH atua em receptores de melanocortina3 e 4 (MC3R
e MC4R) situados em neurônios noutras áreas hipotalâmicas e do cérebro para reduzir
a ingestão alimentar. Agonistas sintéticos para os receptores MC3R/MC4R causam
hipofagia e perda de peso em estudos realizados com animais. A ação catabólica da leptina
e insulina depende da sinalização do neurotransmissor α-MSH, porque a administração
de antagonistas nos receptores MC3R/MC4R bloqueiam cada uma de suas ações no
cérebro (BENOIT; AIR et al., 2002).

A segunda categoria de neurônios do ARC sintetiza e secreta dois neuropeptídios


importantes na homeostase energética, sendo que seus axônios se projetam para
muitas das mesmas áreas cerebrais dos neurônios POMC. Um dos neuropeptídios é o
AgRP, que é antagonista dos receptores MC3R e MC4R, de tal forma que a atividade
dos neurônios que secretam AgRP é contrária à atividade dos neurônios da POMC.
O segundo neuropeptídio é o NPY, que atua em receptores do tipo Y para estimular
a ingestão alimentar (CORP; MELVILLE et al., 1990). Quando AgRP e NPY são
administrados cronicamente no cérebro próximo da área hipotalâmica, o peso corporal
aumenta. A insulina e a leptina têm um efeito de supressão da atividade dos neurônios
NPY/AgRP no ARC.

Os neurônios POMC e NPY/AgRP no ARC partilham importantes características. Têm


origem em tratos e projetam-se para outras áreas hipotalâmicas e cerebrais, muitas
vezes ocorrendo em paralelo. O trato originário do POMC tem efeito global catabólico,
tanto que sua estimulação reduz a ingestão alimentar, aumenta o gasto energético e, em
estimulação prolongada, diminui a gordura corporal. Contrariamente, o trato originário
do NPY/AgPR é anabólico, sendo que sua estimulação causa aumento da ingestão

59
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

alimentar e da gordura corporal. Em situações normais, os dois circuitos estão ativos de


tal forma que uma alteração de entrada, que pode ser estimulatória ou inibitória para
cada tipo de neurônios, provoca rápidas alterações ao vários parâmetros energéticos. Em
situação aguda, a ingestão alimentar e a concentração de glicose sanguínea são alteradas
porque o ARC influencia circuitos projetados tanto para áreas de comportamento como
para circuitos autonômicos, influenciando a secreção de glicose hepática e de insulina
(WOODS; SEELEYET al., 2008). A figura 14 procura ilustrar as duas categorias de
neurônios importantes no controle da homeostase energética e suas projeções. Sinais
provenientes do trato gastrointestinal e do tecido adiposo estimulam primeiramente os
neurônios NPY/AgRP e POMC, ou seja, essas duas populações de neurônios são a porta
de entrada dos sinais de adiposidade e de saciedade no hipotálamo. Seguidamente,
essas duas populações de neurônios estimulam outras áreas do hipotálamo, sendo que
os neurônios NPY/AgRP atuam em áreas de diminuição da saciedade e os neurônios
POMC atuam em áreas de aumento da saciedade.

Outro aspecto importante das áreas próximas ao ARC e ao hipotálamo é o fato de que
receptores para muitos sinais de saciedade estão expressos nessas regiões (ex.: grelina
circulante interage diretamente com os neurônios do ARC, que também são sensíveis
a alterações da CCK e GLP-1). Além disso, como muitos peptídeos são sintetizados no
cérebro, a origem das moléculas que alteram a atividade do ARC pode não ser diretamente
do plasma, como ocorre com a insulina, a leptina e a grelina. Existem evidências de que
numerosos circuitos de áreas da saciedade do tronco cerebral se projetam para o ARC,
contribuindo para a síntese de muitos outros neuropeptídios (BERTHOUD, 2002).
Finalmente, os neurônios do ARC são também sensíveis a concentrações locais de
nutrientes, incluindo a glicose, alguns ácidos graxos de cadeia longa e aminoácidos.

Figura 14. Ilustração das duas populações de neurônios do núcleo arqueado mais importantes na regulação da

homeostase energética. ARC, núcleo arqueado; CCK, colecistocinina; Ghr, grelina; PYY, peptídeo tirosina tirosina;

NTS, núcleo do trato solitário.

60
CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL│ UNIDADE III

Portanto, o ARC está localizado numa área sensível a ampla variedade de sinais
importantes na regulação energética (WOODS; SEELEY et al., 2008). É diretamente
sensível a hormônios cuja secreção é proporcional à gordura corporal (insulina e
leptina), recebe informações constantes das refeições ingeridas e é sensível a níveis
locais de nutrientes. Ao mesmo tempo, numerosos circuitos neurais interconectam
o ARC e outras áreas hipotalâmicas com o NTS, permitindo que a rede hipotalâmica
receba constantes informações da atividade do trato GI enquanto, ao mesmo tempo,
é influenciada por áreas autonômicas do tronco cerebral que se projetam ao trato
GI, fígado, pâncreas e outros tecidos (SCHWARTZ, 2006). O núcleo ARC pode ser
considerado como uma área aferente chave na regulação da homeostase energética.

Embora os neurônios do núcleo ARC se projetem por todo o cérebro, duas áreas
vizinhas são especialmente importantes. O núcleo paraventricular (NPV) expressa
igualmente receptores MC3R/MC4R e receptores do tipo Y, sendo que os neurônios
do NPV sintetizam e secretam neuropeptídios que têm uma ação catabólica, incluindo
a CRH e o ocitocina. A administração exógena de CRH ou de ocitocina no cérebro
reduz a ingestão alimentar. Portanto, existe um circuito catabólico em que o aumento
da gordura corporal está associada ao aumento da insulina e da leptina, aumento do
neurotransmissor α-MSH, e diminuição da atividade do NPY e AgRP, com consequente
aumento da atividade da CRH, ocitocina e outros sinais catabólicos. Todos estes
mecanismos levam à redução da ingestão alimentar e aumento do gasto energético.

A área lateral hipotalâmica (ALH) tem um perfil contrastante do NPV. Também recebe
estímulos diretos do núcleo ARC, mas contém neurônios que sintetizam e secretam
peptídeos anabólicos, incluindo o hormônio concentrador de melanina e orexinas. A
administração de agonistas do hormônio concentrador de melanina ou de orexinas
aumenta a ingestão alimentar e o ganho de peso (SWEET; LEVINE et al., 1999; NAHON,
2006). A arquitetura e o funcionamento desses circuitos opostos no hipotálamo

61
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

permitem o rápido e fino ajuste sobre a homeostase energética, uma vez que o cérebro
pode simultaneamente ativar um sistema (catabólico ou anabólico) enquanto inibe o
outro.

A figura 15 representa uma população de neurônios de primeira ordem no núcleo


arqueado (NPY/AgRP e POMC/CART), que recebe informações de sinais de adiposidade
e de saciedade. Esses sinais se projetam para o NPV e ALH, que são locais de neurônios
de segunda ordem na regulação da ingestão alimentar e homeostase energética.

Figura 15. Neurônios de primeira e segunda ordem no controle da homeostase energética. Exemplo da ação da

leptina no núcelo arqueado e integração da informação nos diferentes níveis de neurônios.

62
CAPÍTULO 3
Causas Centrais Da Obesidade

Este capítulo foi baseado no artigo escrito pelo pesquisador Friedman e publicado na
revista Nature: FRIEDMAN, J. M. Obesity: causes and control of excess body fat. Nature,
v. 459, n. 7245, maio 2009, pp. 340-2.

Mantendo a originalidade do autor, será apresentada uma breve discussão acerca


da temática em sistema de pergunta e resposta, além da introdução para cada tema
pertinente.

Classicamente, a contribuição genética para uma característica humana é quantificada


por comparação da variação das características entre gêmeos idênticos e não idênticos.
Levando em consideração esta abordagem, o fator hereditário da obesidade –
percentagem devido a fatores genéticos – varia entre 70% a 80%. Estes valores excedem
outras características que são comumente aceitas para ter base biológica, como
diabetes, doença cardíaca e câncer. Estudos com crianças adotadas também apoiam
a contribuição dos genes para a obesidade: crianças adotadas apresentam um peso
mais próximo dos seus pais biológicos que dos adotivos. No entanto, nenhum estudo
pode atribuir completamente a obesidade à causa genética. Uma vez que ninguém se
torna obeso por estar faminto, o ambiente – principalmente o acesso livre a calorias –
é provavelmente um fator permissivo que pode marcar o início das reações genéticas
predispostas à obesidade.

Stunkard evidenciou que, quando gêmeos idênticos são separados à nascença


e crescem em diferentes famílias, os seus índices de massa corporal tinham
pouca semelhança com o das famílias que os adotaram, mas apresentavam
forte correlação com os do gêmeo idêntico que não via desde a nascença.
(STUNKARD; HARRIS et al., 1990)

Um estudo com gêmeos ingleses idênticos e não idênticos determinou que


a carga genética do índice de massa corporal é da ordem dos 80% (WARDLE;
CARNELL et al., 2008).

63
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Quais são os genes que estão envolvidos


na obesidade?
Mutações em alguns genes envolvidos no controle central da homeostase energética
podem levar à obesidade humana. Até à década de 1990, a relevância da leptina para a
fisiologia humana era incerta. Foi por essa altura que se descobriu que os níveis de leptina
aumentavam à medida que um indivíduo ganhava massa gorda. Este fato sugeriu que
a resistência à leptina poderia ser um fator importante na obesidade humana. O gene
ob, responsável pela síntese de leptina, é um dos genes mais envolvido com a gênese
da obesidade. Ratos que têm mutações no gene ob não sintetizam leptina e apresentam
um aumento do peso corporal e de massa gorda que pode chegar até 5 vezes os valores
de um rato normal. Em relação à obesidade humana, vários estudos demonstraram
que pode ser desencadeada por múltiplos defeitos nas vias de sinalização da leptina
no cérebro, como: a) mutações no gene ob; b) mutações nos receptores de leptina; c)
mutações no gene POMC, que é expresso nas células hipotalâmicas e que é ativado pela
leptina; d) mutações no receptor de melanocortina4, que é ativado por produtos do
gene POMC. Humanos que apresentam qualquer tipo destas mutações principalmente
a mutação no gene ob ou no receptor de leptina, podem tornar-se obesos.

A obesidade pode ser causada pela mutação


de apenas um gene?
Não. Apenas 5-10% da obesidade mórbida (IMC maior que 40 kg/m2) é causada por
defeitos no gene ob ou em outros genes que funcionam nos circuitos cerebrais, incluindo
o que sintetiza o neuropeptídio BDNF (atua em alguns neurônios do SNC e periférico,
ajudando na sobrevivência de neurônios já existentes e no crescimento e diferenciação
de novos neurônios e sinapses). Contudo, na restante população, uma combinação de
genes e sua interação com o ambiente são os principais causadores da obesidade. Vários
genes que afetam o peso corporal já foram identificados através de estudos de associação
do genoma humano. Um desses genes é o FTO (massa gorda associada com obesidade),
onde a variação na sua sequência de DNA pode levar de 3 a 5 kg de diferença no seu peso
corporal. Apesar de sua função na obesidade ainda continuar inteiramente obscura, o
fato de o FTO ser altamente expresso no hipotálamo e regulado nutricionalmente sugere
que pode ter um papel no ajuste hipotalâmico do apetite e saciedade. Recentes estudos
também demonstraram que crianças que carregam alelos de risco no gene FTO têm níveis
de saciedade menores e aumento da ingestão alimentar. No entanto, a fração de genes,
como o FTO, que contribuem para a obesidade na população em geral é relativamente
baixa. Assim, continua indefinido se alguns genes contribuem para a obesidade por meio

64
CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL│ UNIDADE III

de pequenas mutações ou de interações complexas envolvendo uma quantidade grande


de genes, cada um exercendo efeito em eles próprios.

Existe diferença entre o metabolismo


de um indivíduo obeso e de um magro?
Não se for medida apenas a massa corporal magra. Mas quando pessoas obesas perdem
peso, seu gasto energético é reduzido desproporcionalmente à sua alteração no peso
corporal. Pessoas que passaram por um processo de emagrecimento gastam menos
energia que indivíduos magros que não passaram por um processo de redução de peso.
Desta forma, para manter o peso reduzido após emagrecimento, os indivíduos devem
consumir menos calorias que as pessoas que sempre foram magras. Esta desvantagem
contribui indiscutivelmente para a alta taxa de reincidência após dieta, especialmente
as que ocorrem quando a via básica para se alimentar está ativada pela redução dos
níveis de leptina.

Além da leptina, quais hormônios


estão envolvidos na obesidade?
Enquanto a leptina mantém constantes as reservas energéticas por longos períodos,
existe outro sistema que mantém relativamente constantes os níveis de nutrientes no
sangue por curtos períodos de tempo, por exemplo, ao longo do dia. Este sistema, que
controla a fome e saciedade, consiste em sinais transmitidos pela corrente sanguínea
e sinais neurais. Os sinais transmitidos pela circulação sanguínea incluem metabólitos
– glicose, aminoácidos e ácidos graxos – e hormônios do sistema digestivo – grelina,
GLP-1, PYY e CCK. A sinalização a curto prazo atua em neurônios no tronco cerebral e
hipotálamo de forma a regular a ingestão alimentar e os intervalos entre as refeições.
Os sistemas a curto e a longo prazo interagem extensivamente.

Se a predisposição à obesidade é determinada por genes e metabolismo, por que a dieta


e o exercício físico?

A perda de peso reduz a obesidade associada a complicações médicas, mesmo perdas


modestas de 5-7kg têm grandes benefícios na saúde. Muitas das pessoas conseguem
atingir apenas esta quantidade de perda de peso corporal, principalmente porque os
fatores biológicos começam a resistir a alterações no peso corporal quando a perda de
peso é acentuada. Um conselho para indivíduos obesos: faça o que estiver ao seu alcance
para melhorar sua saúde. Faça uma dieta saudável, comece um programa de exercícios

65
UNIDADE III │CONTROLE DA INGESTÃO ALIMENTAR PELO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

físicos e tente perder o maior peso possível para melhorar sua saúde, sem se sentir
obrigado a “normalizar” o seu peso.

Está claro que uma abordagem simples e reducionista para a obesidade não
explica toda a sua complexidade. O controle homeostático da ingestão alimentar
não ocorre em um vácuo. O estímulo para comer ou parar de comer não se limita
a sinais biológicos provenientes do tecido adiposo, mas incorpora influências
neurais e hormonais pós-prandiais, além do impacto de estímulos hedônicos,
situacionais e de estresse.

Um objetivo crucial é entender o caminho por onde estes diversos inputs levam
a uma resposta comportamental – alimentação. Ainda não está completamente
definido como esta complexa informação é representada nos centros cerebrais
que controlam a ingestão alimentar, ou mesmo onde são exatamente esses
centros. Respostas a estas questões podem eventualmente revelar como e porque,
em nível neurobiológico, o desejo consciente de perder peso é tão dominado pelo
gesto básico de comer. Outro objetivo fundamental é identificar todas as variações
genéticas que contribuem para diferenças no peso corporal.

66
PARA (NÃO) FINALIZAR

LORDELO, A. L.; MANCINI, M. C.; CERCATO, C.; HALPERN, A. Eixos hormonais


na obesidade: causa ou efeito? Arq Bras Endocrinol Metab, 51 (1): 34-41, 2007.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/abem/v51n1/03.pdf>.

O nível e a função de diversos hormônios encontram-se alterados na obesidade. Não é


conhecido se as modificações são meramente adaptativas e fisiológicas ou se possuem
algum papel na gênese ou perpetuação da obesidade. Em estudos experimentais nos
quais as alterações foram restauradas para o nível “normal”, não foram observados
maior perda de peso ou melhor prognóstico da obesidade. A função endócrina do tecido
adiposo pode ter papel etiológico, pois as alterações variam com a gravidade da obesidade
e o fenótipo de distribuição de gordura corporal. O conhecimento do perfil hormonal
peculiar do paciente obeso é importante para: 1) compreender a fisiopatologia das
complicações associadas ao excesso de peso; 2) evitar erros diagnósticos (por exemplo,
atribuição das alterações encontradas a processos orgânicos); 3) motivar estudos que
possam resultar em intervenções terapêuticas.

Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) apresenta-se hiper-responsivo nos
indivíduos obesos. Observa-se resposta aumentada do cortisol a estímulo com o
hormônio adreno-corticotrófico (ACTH), CRH e refeição mista. Há maior frequência
na liberação dos pulsos de ACTH, com menor amplitude de pulso, mas o nível basal é
normal.

Existem diversas evidências na literatura de que há uma maior ativação do eixo HHA
em pacientes obesos, particularmente naqueles com distribuição central de gordura.
Pasquali et al. demonstraram que mulheres com obesidade central apresentaram um
aumento significativo de cortisol e ACTH após estímulo com CRH em relação a não
obesas ou mulheres com obesidade periférica. Há maior frequência na liberação dos
pulsos de ACTH, com menor amplitude de pulso, mas o nível basal é normal. Não é
conhecido se esta alteração influencia a liberação de cortisol pelas glândulas adrenais.

Alternativamente, uma anormalidade no metabolismo dos glicocorticoides, levando ao


maior clearance metabólico de cortisol, poderia estimular o eixo HHA para compensar

67
PARA (NÃO) FINALIZAR

as alterações periféricas. O clearance metabólico de cortisol encontra-se elevado em


obesos. A diminuição da globulina ligadora de corticosteroides e a alta densidade
de receptores de glicocorticoides (GC) periféricos são alterações que favorecem
a metabolização do cortisol. Os adipócitos viscerais possuem maior densidade
de receptores de GC que os adipócitos do tecido adiposo periférico. Estudo sobre a
farmacocinética de cortisol na obesidade, realizado por Lottenberg et al., demonstrou
que o clearance metabólico de cortisol apresentava forte correlação com a quantidade
de gordura abdominal. Portanto, quanto maior a quantidade de gordura visceral, maior
o clearance metabólico de cortisol, resultando em redução dos seus níveis plasmáticos
e maior estímulo do eixo HHA.

Assim, o aumento do clearance de cortisol é compensado por um aumento da produção,


ou esta pode decorrer primariamente da hiperativação hipotálamo-hipofisária.
Consequentemente, o cortisol sérico basal é normal. O ritmo circadiano é normal,
apesar de alguns autores terem documentado nível menor de cortisol sérico pela manhã
em obesos, quando comparados com indivíduos de peso normal.

Em resumo, apesar das sutis alterações encontradas, não há evidência de hipercortisolismo


clínico (bioquímico) em indivíduos obesos. Em revisão recente, Salehi et al. afirmam
que os dois parâmetros principais utilizados para avaliar hipercortisolismo sistêmico
são o cortisol urinário livre e o cortisol sérico, sendo o último mais importante e preciso.
Salientam que a interpretação apropriada do cortisol urinário requer correção para a
massa metabolicamente ativa, mais bem realizada expressando o resultado por grama
de creatinina urinária. Lembram também que a avaliação do cortisol sérico pode ser
influenciada por flutuações momentâneas devido a secreção episódica. Uma avaliação
mais apropriada seria feita avaliando a concentração média nas 24 horas. Os autores
concluem que o cortisol urinário livre corrigido é normal em indivíduos obesos e que a
concentração média de cortisol em 24 horas é levemente subnormal.

Apesar de não haver hipercortisolismo bioquímico, o hipercortisolismo funcional


presente na obesidade abdominal poderia contribuir para a síndrome metabólica, cujas
características se assemelham em muito às manifestações da Síndrome de Cushing.

Existe aumento da atividade glicocorticoide na gordura abdominal devido a maior


atividade local da enzima 11-beta-hidroxiesteróide desidrogenase do tipo 1(11bHSD-
1), que catalisa a interconversão de cortisona para cortisol na célula-alvo. Estudos
com ratos Zucker obesos, resistentes à leptina, demonstraram aumento da atividade
da 11bHSD-1 no tecido adiposo omental, acarretando uma maior geração de
glicocorticoide local e consequentemente maior ativação de seu receptor, promovendo
obesidade.

68
PARA (NÃO) FINALIZAR

Um dos estudos de maior relevância sobre a participação da 11bHSD-1 na obesidade foi


o de Masuzaki et al. Neste estudo, os autores desenvolveram um modelo transgênico
de ratos com superexpressão de 11bHSD-1 exclusivamente no tecido adiposo. Os
animais transgênicos apresentavam níveis séricos de corticosterona (equivale ao
cortisol em humanos) semelhantes aos animais não transgênicos, porém os níveis de
corticosterona no tecido adiposo eram significativamente aumentados. Os ratos com
hiperexpressão da 11bHSD-1 apresentaram maior ganho de peso, principalmente na
região abdominal, especialmente após dieta rica em gordura. O aumento de peso foi
paralelo ao aumento do consumo energético, indicando que o aumento da atividade
da 11bHSD-1 no tecido adiposo pode levar a hiperfagia. Os animais transgênicos eram
marcadamente hiperglicêmicos e hiperinsulinêmicos e apresentavam níveis plasmáticos
aumentados de ácidos graxos livres, triglicérides e leptina. Por meio deste estudo, os
autores indicaram que o aumento da atividade da 11bHSD-1 no tecido adiposo foi capaz
de causar hiperfagia, obesidade visceral e síndrome metabólica. Estudos recentes têm
avaliado a atividade da 11bHSD-1 no tecido adiposo em humanos. Rask et al. avaliaram
homens saudáveis que foram submetidos a biópsia de tecido adiposo subcutâneo
abdominal e verificaram que quanto maior o IMC maior a atividade da 11bHSD-1.
Outro grupo demonstrou um aumento da expressão do gene da 11bHSD-1 em biópsia
de tecido adiposo de mulheres e que houve uma correlação positiva entre expressão e
anormalidades metabólicas.

Eixo hipotálamo-hipófise-gonadal

Puberdade

A observação de que crianças desnutridas não entram em puberdade e que crianças


obesas iniciam a puberdade em idade mais precoce é antiga. Estudos epidemiológicos
corroboraram a observação clínica da importância do tecido adiposo no desencadeamento
e manutenção da atividade reprodutiva.

A possibilidade de um elo etiológico foi observada inicialmente em camundongos.


Foi notado que camundongos ob/ob (que não produzem leptina) não entravam em
puberdade e que a injeção de leptina recombinante desencadeava puberdade.

Administração de leptina a camundongos ob/ob leva a aumento do nível basal do


hormônio luteinizante (LH). Em camundongos selvagens, o jejum de 48 horas acarreta
redução da frequência de pulsos de LH e, paralelamente, a leptina encontra-se suprimida.
A administração exógena de leptina evita a redução da frequência de pulso de LH. A
ação central da leptina sobre as gonadotrofinas foi evidenciada através da injeção

69
PARA (NÃO) FINALIZAR

intracerebroventricular de anticorpo antileptina em camundongos, o que causou redução


na secreção pulsátil de LH.

A leptina pode ter uma ação direta na regulação do hormônio liberador das
gonadotrofinas (GnRH), sendo evidências a favor da presença de receptores no
hipotálamo e da capacidade da leptina de estimular liberação de GnRH em extratos
hipotalâmicos in vitro.

As concentrações de leptina oscilam durante o desenvolvimento puberal em ratos,


primatas e humanos. Em meninas, a concentração aumenta progressivamente durante
o desenvolvimento puberal. Em meninos, a leptina aumenta antes da puberdade e
durante as fases iniciais e depois declina progressivamente. Estas diferenças podem
contribuir para a distribuição regional de gordura característica de cada sexo. A leptina
em humanos parece ter um papel permissivo para o início da puberdade, sendo um
fator necessário mas não suficiente para o seu desencadeamento.

Gonadotrofinas

Geralmente, a obesidade não está associada a alterações nos níveis de gonadotrofinas.


Não existe alteração de resposta à administração de GnRH. Diferenças na pulsatilidade
de LH não foram encontradas em obesas antes da menopausa. Homens com obesidade
grave têm níveis de testosterona livre baixos sem concomitante aumento de LH,
sugerindo um estado de hipogonadismo hipogonadotrófico. As alterações são reversíveis
com perda ponderal.

Em algumas mulheres obesas após a menopausa, observam-se níveis de gonadotrofinas


menores que o esperado na condição de falta de retroalimentação negativa estrogênica.
Como será descrito a seguir, mulheres obesas com sídrome do ovário policístico (SOP)
apresentam alterações de gonadotrofinas características da condição.

Esteroides sexuais

Na obesidade, a produção androgênica adrenal e ovariana encontra-se elevada,


apresentando correlação positiva com IMC. Nas mulheres, a obesidade abdominal
é fortemente associada a hiperandrogenemia. Nos homens, entretanto, a produção
androgênica testicular é reduzida, apresentando correlação inversa com o grau de
obesidade abdominal.

Assim como acontece com o cortisol, o aumento da produção adrenal pode ser
uma compensação para um clearance aumentado. Os 17-cetoesteróides urinários

70
PARA (NÃO) FINALIZAR

são frequentemente elevados em indivíduos obesos. Também parece haver


hiper-responsividade dos andrógenos adrenais ao estímulo corticotrófico, como
demonstrado por aumento de deidroepiandrosterona (DHEA) e da relação DHEA/17-
OH progesterona após administração exógena de ACTH. Este achado também
apresenta correlação positiva com IMC.

A globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG) encontra-se diminuída em indivíduos


obesos causando grande impacto no metabolismo e na ação dos esteroides sexuais. Esta
alteração pode também facilitar o aumento do clearance androgênico. A diminuição da
SHBG decorre de menor produção hepática e correlaciona-se inversamente com IMC,
hiperinsulinemia e relação cintura-quadril. Há maior quantidade de testosterona livre
(bioativa) nas mulheres. Em homens moderadamente obesos, a testosterona total é baixa
devido à redução de SHBG, mas a testosterona livre é normal. Como já mencionado, a
testosterona livre poder ser reduzida em obesos graves (IMC>40) devido à redução de
frequência e amplitude de pulso de LH nesses indivíduos.

A obesidade é uma condição de hiperestrogenismo, associada a aumento de risco para


hiperplasia endometrial e carcinoma hormônio-sensível em mulheres. A aromatização,
reação enzimática responsável pela conversão de andrógenos a estrógenos, ocorre
no tecido adiposo de homens e mulheres (tanto na pré como na pós-menopausa) e é
fortemente relacionada ao peso corporal. A androstenediona é o principal substrato
para formação periférica de estrógenos e é convertida a estrona. Disto resulta aumento
da relação estrona/estradiol. A estrona também pode ser convertida em estradiol no
próprio tecido adiposo por atividade 17β-hidróxi-esteróide-desidrogenase. Os níveis de
estrógenos totais são iguais aos de mulheres magras, mas a fração livre encontra-se
aumentada. Níveis de estrógenos também são elevados em homens obesos, mas não
ocorrem sinais de feminilização.

O nível baixo de SHBG amplifica mais a ação estrogênica do que a androgênica. Isto
decorre da menor afinidade da SHBG pelo estradiol e pela maior biotividade molar do
estradiol (pg/ml) em relação à testosterona (ng/ml). Em mulheres após a menopausa,
os níveis de estrona e estradiol apresentam correlação com o grau de obesidade.

O tecido adiposo é um grande reservatório de esteroides, já que eles concentram-se


preferencialmente nos adipócitos do que no plasma (a concentração de esteroides na
gordura é 2–13 vezes maior do que no plasma), e o volume de gordura no obeso é muito
maior que o espaço intravascular.

71
PARA (NÃO) FINALIZAR

Ovário e síndrome do ovário policístico


A condição de hiperestrogenisno e hiperandrogenismo é comum em mulheres obesas.
Entretanto, cerca de 50% das obesas destacam-se por terem excesso de produção
ovariana (com alterações morfológicas associadas) e alteração de gonadotrofinas que
caracterizam a síndrome dos ovários policísticos.

Aumento absoluto do nível LH é encontrado em 60% e da relação LH/FSH em 95%


das pacientes. Este achado decorre de maior número de pulsos de GnRH por alteração
hipotalâmica primária ou falta de inibição pela progesterona (anovulação).

Hiperandrogenemia, hiperinsulinemia e obesidade abdominal são condições


independentemente relacionadas à SOP e cada uma capaz de perpetuar as demais
condições.

A hiperinsulinemia parece ter um papel central naetiopatogenia da SOP. É capaz de


elevar a androgenemia por estimular esteroidogênese ovariana e adrenal e reduzir SHBG
(aumentando a biodisponibilidade). O estímulo à esteroidogênese ovariana ocorre
diretamente por meio da ação em seu próprio receptor ou por ação cruzada no receptor
de IGF1, ou até mesmo indiretamente por aumentar a biodisponibilidade de IGF1.

A leptina também pode ter efeito modulatório na pulsatilidade do GnRH. O nível mais
elevado de leptina em mulheres obesas com SOP está inversamente correlacionado
com o nível basal de LH.

Uma perda de peso modesta (2–7%) com modificações de estilo de vida promove redução
do nível de andrógenos e melhora função ovulatória. Vários estudos com metformina
1,5 a 2 g/dia demonstram diminuição da insulinemia, aumento da sensibilidade a
insulina e da SHBG, redução do nível de andrógenos e LH. Os efeitos ocorrem mesmo
em obesos que não perderam peso e em magros.

Eixo somatotrófico

Nível reduzido de GH e baixa resposta de GH a estímulos são características da obesidade.


Em humanos, constata-se diminuição do número de pulsos de GH e maior depuração.
Todas estas alterações são revertidas em obesos que perdem peso.

Apesar do prejuízo na liberação de GH, não há déficit absoluto na produção, pois a


administração combinada de GHRH e GHRP6 ou associação de propranolol aos estímulos
normaliza a resposta do GH.

A leptina pode ser um dos fatores hipotalâmicos implicados nas alterações. Em animais,
tem efeito inibitório na secreção de GH através de efeitos no GHRH e neuropeptídioY
no hipotálamo. Elevações agudas ou crônicas nos níveis de AGL ocasionam inibição

72
PARA (NÃO) FINALIZAR

da liberação de GH pela hipófise. AGL encontram-se elevados em condições de


hiperinsulinemia tal como a obesidade.

Não parece haver déficit funcional de GH nos obesos, já que o nível de IGF1 é normal.
Há evidências de maior sensibilidade da ação do GH, tais como maior nível de GHBPs
(e consequentemente de receptores de GH) e o achado de que administração de baixas
doses de rhGH tem efeito estimulatório na produção de IGF1 maior em obesos do que em
indivíduos de peso normal. Além disso, a redução do peso após cirurgia bariátrica acarreta
elevação marcante de parâmetros do perfil de secreção de 24 horas de GH (ritmo) em
obesas grau III sem alteração do nível de grelina, sugerindo um papel limitado desta na
regulação fisiológica do eixo somatotrófico.

É importante lembrar que crianças obesas têm crescimento linear normal e até um
pouco acelerado em relação a crianças de peso normal, atingido altura final comparável.
Deve-se estar atento à interpretação de testes de estímulo ao GH em crianças obesas em
investigação para baixa estatura, pois a falta de resposta ao estímulo perde especificidade
para o diagnóstico de déficit de GH.

Em uma meta-análise de 16 estudos, publicada sobre a administração de GH em


obesos com distribuição predominantemente central de gordura, não se encontraram
evidências para benefícios metabólicos da administração de GH na obesidade na
ausência de deficiênciade GH verdadeira. Pelo contrário, quase todos os estudos
relataram efeitos negativos do GH no metabolismo da glicose. Portanto, apesar da perda
de gordura visceral ser atingida com a administração de GH, este benefício é perdido
pela piora da resistência insulínica induzida pela GH. Além disso, a administração de
GH foi acompanhada de outros efeitos colaterais, como retenção hídrica artralgias e
Síndrome do Túnel do Carpo.

Portanto, apesar de os níveis de GH serem reduzidos na obesidade, particularmente


do tipo visceral, a perda de peso pode restaurar a secreção normal deste hormônio.
O uso exógeno de GH com objetivo de perda de peso não é recomendado, uma vez
que sua eficácia e segurança a longo prazo ainda não foram comprovadas. Indicações
alternativas para uso de GH que não o déficit documentado não são consensuais na
literatura.

Eixo tireotrófico

Frente ao importante papel dos hormônios tireoidianos na regulação da termogênese,


a dinâmica do eixo hipotálamo-hipófise-tireoidiano na obesidade já foi amplamente
estudada.

73
PARA (NÃO) FINALIZAR

Em obesos em estado neutro de balanço energético, os níveis de TSH, T4 e T3 são


normais. As alterações clássicas descritas são as encontradas no estado de jejum
(aumento de RT3 e redução de T3) e no estado de hiperalimentação (aumento de T3 e
redução de RT3), encaradas como respostas que tentam manter o peso corporal.

Quando avalia-se a função tireoidiana no indivíduo obeso, deve-se considerar os efeitos


do balanço energético atual, caso esteja submetido a dieta hipocalória ou em plena
hiperalimentação.

Vários estudos foram conduzidos com administração de hormônios tireoidianos aobesos


em dieta restrita, na tentativa de reverter as alterações metabólicas que conduzem à
redução da taxa metabólica basal (TMB). Diversos estudos utilizaram doses elevadas
de T3, obtendo-se aumento do nível sérico de T3 e correlação negativa com o peso final.

A reposição de T3 a obesos com restrição calórica moderada ocasiona aumento da TMB


e maior perda de peso, mas somente em doses altas associadas a sérios efeitos adversos
cardiovasculares e excessivo consumo de massa muscular.

Pacientes com hipotireoidismo pesam, em média, 15% a 30% mais que indivíduos
eutireoidianos. Mesmo após terapia adequada, cerca de 7% ainda permanecem acima do
peso. Em estudo transversal, foi encontrada associação discreta entre hipotireoidismo
subclínico e IMC em mulheres, mas uma associação em direção oposta em homens.
Hipotireoidismo clínico ou subclínico parece não ser mais comum em obesos que
indivíduos de peso normal. Apesar disto, numa casuística de 72 indivíduos com
obesidade mórbida com indicação cirúrgica de derivação gastrojejunal, a incidência
de hipotireoidismo subclínico foi de 25%, tendo o TSH normalizado um ano após a
cirurgia em todos os indivíduos.

A leptina influencia a regulação central da função tireoidiana, através do estímulo


hipotalâmico do TRH. No hipotireoidismo, os níveis de leptina são elevados, talvez
como forma de contrapor ao acúmulo de lipídeos e energia na ausência de T3.

74
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