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AMARO
O presente artigo revela o posicionamento da obra O Crime do Padre Amaro (1875) de Eça de
Queirós no que tange à Igreja e sua relação com o Estado português do final do século XIX. Tomando
as personagens como típicas e representantes de uma classe, conforme as pesquisas de Gallo (2012 e
2017) a respeito da teoria de Georg Lukács, o conflito das personagens serve como argumento para as
críticas tecidas na obra de Queirós, sobretudo em sua visão anticlericalista e de transformação social.
Palavras-chave: O Crime do Padre Amaro; Eça de Queirós; anticlericalismo.
ABSTRACT
The present paper reveals the stance of the work O Crime do Padre Amaro (1875) by Eça de
Queirós on what concerns the Church and its connection to the portuguese State in the late
19th century. Taking the characters as typical and representing a social class, according to
Gallo’s (2012 and 2017) research about Georg Lukács theory, the conflict of the characters
suit the arguments for the critics made by Queirós in his work, overall his anticlericalistic and
societal transformation visions.
Keywords: O Crime do Padre Amaro; Eça de Queirós; anticlericalism.
1
Licenciando em Letras-Português pelo IFSP - Câmpus São Paulo; victorgaetecontato@gmail.com
INTRODUÇÃO
Moisés (1967, p.239-240) afirma que sempre houveram atitudes realistas na arte, mas
que os autores do Realismo focaram-se em imagens cruas das realidades baseado num
programa estético que pressupunha o vínculo entre Arte, Ciência e Filosofia: “Pregavam e
procuravam realizar a filosofia da objetividade: o que interessa é o objeto, isto é, aquilo que
está fora de nós, diante de nós, o não-eu.” (MOISÉS, 1967, p.240). Assim, a realidade é o
real sensível - e a realidade psicofisiológica é encarada como objeto passível de análise. No
campo político, “A obra literária passou a ser considerada utensílio, arma de combate, de
reforma e ação social.” (MOISÉS, 1967, p.241), ou seja, a arte Realista é engajada e não
desinteressada e egocêntrica como no Romantismo. Além disso, se não for revolucionária e
panfletária, a obra literária é como a comprovação de uma tese científica, poderoso espelho
da vida humana. De sorte que tem por objetivo “(...) mostrar o mal sem lhe dar remédio,
salvo o que ia implícito na análise: alijar a classe burguesa da hegemonia social.” (MOISÉS,
1967, p.242).
O Crime do Padre Amaro de Eça de Queirós ([1880] 1997) apresenta a vida da
personagem que dá nome à obra, explorando sua realidade psicofisiológica em vias de expor
a realidade do clericato português do final do século XIX, este alinhado à monarquia e
burguesia dominantes de então. Segundo Moisés (1967, p.241), os autores realistas
portugueses deste período eram republicanos e com frequência socialistas, tomando teorias
deterministas e científicas para interpretação do mundo: “(...) antimonárquicos, antiburgueses
e anticlericais, diametralmente opostos às crenças ideológicas em voga no Romantismo.”, de
modo que a obra de Queirós (1997) serve como instrumento de transformação social. Estas
características corroboram a estética proposta e almejada por Georg Lukács em O Romance
como epopeia burguesa de 1935.
Segundo Renata Gallo (2012), Lukács postula que o pressuposto da forma romanesca
é a representação das contradições que nascem no interior da vida burguesa, e que os grandes
autores realistas, como Balzac, Tolstoi, Stendhal e Dickens foram capazes de representar
essas contradições através de narrativas predominantemente descritivas, “uma solução
encontrada para que pudessem os autores se posicionar como observadores e críticos diante
de uma sociedade burguesa que já havia se imposto.” (GALLO, 2017, p.102), e também
através de um destino individual típico, “um personagem típico” nas palavras da autora, que
revela concretamente as contradições da vida social dadas por razões materiais. Lukács vê no
realismo a melhor forma de se exibirem estas contradições no romance e defende esta estética
(cf. Frederico, 2015) uma vez que
Marx, ao estudar o fetichismo da mercadoria, mostrou que a
realidade no mundo capitalista aparece de forma invertida,
sugerindo que o sujeito da vida social é a mercadoria e não os
homens que a fizeram. Diante desse contexto desumanizado,
diz Lukács, a literatura que retrata o mundo dos homens precisa
romper com o fetichismo e conferir centralidade à ação dos
homens. (FREDERICO, 2015, p.113)
O Crime do Padre Amaro poderia ser primeiramente lido como um romance centrado
no tema de castidade e os desejos de um padre por uma mulher, mas o anticlericalismo de
Eça de Queirós vai além desta temática largamente explorada na literatura. O problema não é
a questão da castidade, ou os valores promovidos pela igreja católica, mas a forma como
esses valores são apresentados, impostos, inculcados de forma sistemática na formação de
todos os portugueses, e com a finalidade apenas de mantenimento do sistema e do controle
por parte dessa instituição, como será explorado no terceiro ponto.
Assim, em segundo lugar, o que constrói a crítica de Eça e conforma como se dão os
fatos do enredo, é a venalidade do clero e a corrupção da igreja. Como exemplo, o cônego
Dias é uma espécie de mentor de Amaro na cidade de Leiria. Dias tem relações sexuais com
D. Joaneira, mãe de Amélia. A maior parte das personagens femininas da obra são beatas, e
D. Joaneira não é uma exceção, mas trava suas relações com Dias de forma sigilosa e
culpabiliza quem faria o mesmo que ela, uma vez que Dias se esforça para que jamais ela
descubra que a filha engravidou de Amaro. Estas relações demonstram como a sexualidade
pulsante dos sacerdotes não se restringe a Amaro, e tampouco os segredos e o sigilo. E
revelam que, dentro da Igreja, há uma rede de proteção e acobertamento de desvios e
corrupções.
Importante notar que este modo de vivenciar secreta e corruptamente a sexualidade
faz parte da igreja católica como instituição em Portugal, e se perpetua entre o clericato e os
fiéis de tal maneira que parece manter presas as pessoas nestes modos de relação entre si e
relação com o próprio desejo: “A Igreja (...) começa, quando a pobre criatura ainda nem tem
sequer consciência da vida, por lhe impor uma religião…”. (QUEIRÓS, 1997, p.334). A
personagem Amélia, por exemplo, têm pesadelos terríveis uma vez que engravida de Amaro,
sente-se culpada e pecaminosa: Nota-se
(...) que na sua construção é particularmente bem feito e
elaborado o seu sentimento de culpa. É uma personagem
dominada pelo meio em que vive e por ele é moralmente
moldada. (ROANI, 2003, p.48)
Assim, mesmo dispondo Amélia de algum livre-arbítrio, uma vez que pretere seu
pretendente João Eduardo a Amaro, é também vítima da ideologia da Igreja e do seu
aparelhamento, porque lhe foram ensinados e reforçados os valores de uma moral católica
que não reflete a realidade e oprime tanto aos sacerdotes como aos seus fiéis. E isto lhe é
imposto desde que nasce, como aponta a personagem do Abade Ferrão ao conversar com o
doutor Gouveia que realiza o parto de Amélia:
- Ó doutor, ainda que não seja senão por caridade com a sua
alma, devo adverti-lo que o sagrado Concílio de Trento, cânon
décimo terceiro, comina a pena de excomunhão contra todo o
que disser que o batismo é nulo, por ser imposto sem a
aceitação da razão. (QUEIRÓS, 1997, p.334)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os três pontos analisados ao mesmo tempo comprovam uma tese e criticam uma
situação de conflito. O Crime do Padre Amaro apresenta como e de certa forma porque a
sociedade portuguesa está tão atrelada à Igreja católica e seu poderio. Como analisado no
primeiro ponto, a soberania da verdade católica se faz desde o nascimento do cidadãos, e se
perpetua ao longo da vida, comprimindo possibilidades de livre-arbítrio, o que não impede de
fazerem-se atos imorais dentro do contexto religioso. O que leva ao segundo ponto, a
corrupção é inevitável para mantenimento desses valores, porque ocultam-se os atos que
desviam a moral da Igreja. Aí estão as características anticlericais da obra, uma vez que o
narrador, como nos excertos aqui analisados, demonstra os sofrimentos de que padecem tanto
os sacerdotes como os fiéis decorrentes dessas contradições. Por fim, o terceiro ponto
analisado destrinchou o posicionamento da obra no que tange à relação da Igreja com o
antém-se essa relação contraditória dentro de Portugal. E
Estado, uma resposta do para quê m
a resposta é dada por várias personagens - porque não há objetivo de transformação social em
Portugal, não há esforços por parte das elites em mudar a situação em que se encontra o país.
As personagens típicas e o descritivismo serviram a expor estas contradições internas,
como proposto por Lukács (cf. Gallo, 2012). A obra não oferece uma solução a estes
problemas, mas revela que há um sofrimento ignorado por parte daqueles que detêm o poder
naquele momento histórico, e revela de forma crua a situação insolúvel e imutável em que
encontram-se as instituições que exercem dominação em Portugal na segunda metade do
século XIX.
REFERÊNCIAS
GALLO, Renata Altenfelder Garcia. “A teoria do romance” e “O romance como epopeia
burguesa”: um estudo comparado da concepção de Romance em Georg Lukács. 2012.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da
Linguagem, 2012.
MOTA, Aline Leal. Anticlericalismo em mutação: as três versões de “O Crime do Padre
Amaro” (1875-1876-1880), de Eça de Queirós. 2014. Dissertação (mestrado) - Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, 2014.
QUEIRÓS, Eça de. O Crime do Padre Amaro. São Paulo: Ática, 10.ed., 1997.
ROANI, Gerson Luiz. Eça de Queirós e a criação de um homem imoral. Revista Língua e
Literatura. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, v.5, n.8 e 9,
2003.
AUTOAVALIAÇÃO
Justificativa: Atribuo a nota 2,5 considerando, frente ao contexto de ensino remoto, o melhor
aproveitamento da disciplina, tanto nas aulas anteriores à suspensão das aulas, bem como nas
aulas expositivas síncronas em que o professor abordou obras e autores do Realismo e
Naturalismo portugueses. A partir do proposto em aula, com registros feitos em meu caderno,
parti para a produção do artigo acadêmico em que, articulado a teorias previamente estudadas
no fichamento e alinhadas à bibliografia básica do curso, consegui criar um material
consistente de consulta e análise da escola literária estudada que me ajudarão em minha
carreira como docente e pesquisador. As dificuldades do ensino remoto são inúmeras e sinto
que fui capaz de, dentro das limitações e desafios impostos pela situação, aproveitar a
disciplina. Agradeço ao professor e à instituição pelos esforços.