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Nome: Juliana Rodrigues Alves Costa

DRE: 118061370
Habilitação: Letras: Português/Literatura
Disciplina: Narrativa Portuguesa I
Professora: Marlon Augusto Barbosa

Terceira Avaliação

Questão 01:

Em uma carta a Teófilo Braga, Eça de Queirós escreve:

“A minha ambição [em O Primo Basílio] seria pintar a sociedade portuguesa, tal
qual a fez o Constitucionalismo desde 1830 – e mostrar-lhe, como num espelho, que
triste país eles formam – eles e elas. É o meu fim nas ‘Cenas da vida portuguesa’. É
necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo
agrícola, o mundo supersticioso – e com todo o respeito pelas instituições que são de
origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações, que lhe dá uma
sociedade podre”.

Correspondências, 1978, p. 51.

Nesse fragmento, podemos perceber que Eça recupera dois termos emblemáticos
do projeto realista de sua época: a pintura e o espelho. Partindo desses dois termos e das
considerações desse trecho da carta, elabore um texto em que seja possível pensar como
Eça de Queirós, com os seus romances, se apropria de uma estética realista e se torna
um autor / leitor crítico da sociedade de sua época.
Quando se fala em Eça de Queirós, associá-lo à estética literária do Realismo é
inevitável. Marcado por uma postura nitidamente antirromântica, o movimento
afastava-se da idealização do Romantismo a fim de construir um retrato fidedigno da
realidade circundante. A partir de uma conduta que visava lançar um olhar analítico
sobre a sociedade, os autores realistas buscavam descortinar as hipocrisias das relações
sociais burguesas na tentativa de desenvolver críticas que, embora sutis, corroboravam
para a deflagração de importantes denúncias sociais. Nesse sentido, devida à clara
aproximação entre o autor e o Realismo, entende-se que Eça de Queirós, em “O Primo
Basílio”, obra que constituí uma emblemática metonímia de Portugal, revela a dinâmica
complementar que faz a estética do artista ser vista, para além de uma simples pintura,
como um espelho cristalino em que a realidade seria revelada em suas máximas
imperfeições – atitude essa que fazia das obras queirosianas a extensão de uma leitura
crítica do autor sobre a sociedade.

A conjuntura desenvolvida por Eça de Queirós, em “O Primo Basílio”,


possibilita ao leitor analisar minuciosamente as bases da estética elaborada pelo autor
português: influenciado pela chama realista, o artista buscava se tornar um observador
da realidade social para, em seguida, descrevê-la a partir de uma perspectiva ácida e
contestadora. Sob essa ótica, pois, depreende-se que, ao se propor a investigar as
condutas sociais, o escritor transmutava-se em uma espécie de intérprete das práticas
coletivas burguesas. É essa compreensão, aliás, que permite a difusão de avaliações
ácidas sobre os comportamentos humanos considerados moralmente reprováveis.
Diferente do Romantismo, portanto, as constantes idealizações davam lugar, na
literatura queirosiana, à exposição das falhas e dos vícios morais de instituições sociais
que, ao defender projetos doutrinadores, escondiam suas imperfeições sob as máscaras
de práticas morais utópicas.

Faz-se mister, dessa forma, entender que havia, em Portugal, um cenário que
viabilizava o processo de crítica com relação à hipocrisia das camadas mais atuantes.
Nesse sentido, analisando os pormenores de “O Primo Basílio”, distinguem-se assuntos
que são de suma relevância para que o leitor perceba a forma como Eça de Queirós
reproduz a pesquisa sobre comportamentos humanos duvidosos na sociedade da época.
O primeiro deles conversa, é claro, com a delação do adultério: há, na figura de Luísa, a
denúncia da subversão dos valores morais de uma conjuntura social torpe. A
personagem, casada com Jorge, cai na tentação de consumar uma relação extraconjugal
com o primo, Basílio, durante uma viagem do marido a trabalho. Assim, percebe-se que,
já em um primeiro momento, o artista revela ao leitor a faceta corrupta de uma
sociedade que vive de aparências e que encontra o seu reflexo, consequentemente, na
crítica queirosiana. Mordaz, a denúncia da lacuna moral de Luíza encontra uma outra
queixa contundente: o casamento por interesse. Desse modo, o expectador depara-se
com uma dinâmica em que a mulher, desgostosa e fatigada, vislumbra na figura de seu
primo e amor da juventude uma maneira de escapar daquilo que não lhe apraz.

Quando se pondera, no entanto, o fato de Luísa ser uma leitora aficionada dos
açucarados romances românticos, faz-se necessário levar em consideração a existência
de uma crítica que incide, diretamente, sobre o fazer literário desenvolvido pelo
Romantismo. Assim, Eça de Queirós antevê a necessidade de refletir sobre o
compromisso social da literatura. Diferente dos românticos, os artistas envolvidos com
o Realismo tinham por objetivo retratar em suas obras o espaço social do modo mais
real possível, o que colabora para a construção de uma verossimilhança entre a narrativa
e a sociedade. É a partir dessa ideologia, portanto, que se deflagra, em “O Primo
Basílio”, um novo estilhaço na quebrada reprodução da realidade portuguesa: a
idealização do amor, construído na literatura romântica, seria a responsável, pois, por
levar Luísa a não realizar as consequências de seus atos e a entregar-se a um amor
moralmente impossível. Construindo a figura da mulher burguesa que não possui
qualquer tipo de pensamento crítico e que, por consequência, não consegue distinguir o
certo do errado, o genial autor revela, outra vez, as imperfeições que as máscaras das
instituições sociais tentam esconder.

Todo o imbróglio tem sua complicação acentuada, todavia, quando a criada de


Luísa, Juliana, decide chantagear a patroa ao descobrir o relacionamento extraconjugal
entre a esposa de Jorge e Basílio. Aqui, evidentemente, o leitor encontra-se diante de
uma nova revelação: a denúncia à ambição cega. Juliana é, logicamente, a metonímia de
uma parcela da sociedade que, para ascender socialmente, visa à obtenção de lucro livre
de padrões de consciência que ditam a moralidade social. Sem qualquer tipo de amarra
que a prenda a uma postura empática, a empregada, na tentativa de lograr certo
favorecimento, não vê problema em roubar as cartas em que os amantes trocavam juras
de amor para, por meio delas, alcançar o objetivo que a move. É uma conjuntura social
marcada pelo materialismo que irá, então, potencializar a denúncia social queirosiana. O
leitor é levado a pensar, com isso, sobre como a própria dinâmica da sociedade é capaz
de criar indivíduos que tentam, com afinco, sustentar seus desejos mais secretos sem
emitir qualquer preocupação com o resultado de suas ações.

Como, portanto, um autor que se propõe a ser o artífice da realidade poderia


deixar de abordar, em suas obras, elementos tão reveladores das práticas sociais? Parece
impossível. É essa a motivação que desencadeia a postura crítica assumida por Eça de
Queirós e que encontra, como fim, a criação de obras marcadas pela denúncia de
práticas morais que, embora questionáveis, passam despercebidas pelos olhos
desatentos de uma sociedade que prefere não enxergar seus erros a admitir a
necessidade de mudança. É em meio a esse caos que se torna imprescindível a
elaboração de uma literatura fidedigna e pujante que se faz a força motriz de uma
incansável busca pela honestidade literária. É em meio à adversidade das contradições
sociais portuguesas que são reveladas a Eça de Queirós as percepções de uma sociedade
fadada ao fracasso. São, portanto, essas mesmas contradições que o autor, com
primazia, tenta retratar em suas obras. Um reflexo da sociedade portuguesa, sem sombra
de dúvidas, mas, para além disso, um jogo de espelhos disformes que revelam o lado
mais obscuro do ser humano; essa é a obra queirosiana, uma leitura crítica da tecitura
social portuguesa.

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