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módulo 3

o ceticismo é a alma do
conservador

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David Hume
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aula 1
O QUE É CETICISMO: A FALTA DE
CONFIANÇA NA RAZÃO E NAS
TEORIAS - DAVID HUME

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Aula 1
O que é ceticismo: a falta de confiança na razão e nas
teorias - David Hume
Nesta aula, será abordada a relação entre o ceticismo e o pensamento
conservador. No caso, saber que o pensamento conservador está cen-
trado no ceticismo é fundamental para que não confunda as coisas, e
pense que por ser conservador, você seja uma pessoa necessariamente
religiosa, ou uma pessoa que pense que o passado é melhor do que o
presente, por exemplo.

É comum dizer que a tradição conservadora não é uma ideologia em si, e


sim uma tradição que reage a determinados problemas concretos, com
uma avaliação e uma proposta de ação específicas para aquele proble-
ma. Ela não segue, então, aquilo que Edmund Burke chamou de “closet
theories”, que pode ser traduzido para “teorias de gabinete”.

Eis que chegamos então ao século XVIII, século este em que um dos
maiores nomes da filosofia ocidental surge. Trata-se, no caso, do filóso-
fo David Hume (1711-1766). Hume é conhecido como o “cético moderno”
mais importante de todos, além de ter escrito obras como “Investigações
sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral”.

Uma das questões de Hume, que é então recuperada pelo filósofo hún-
garo radicado nos Estados Unidos John Kekes (1936), se refere aos cha-
mados “princípios de ação”, que também pode ser chamado de “princí-
pios da moral”, ou de “princípios que regem as normas da nossa conduta”.

Antes de abordarmos mais profundamente os conceitos de Hume, contu-


do, é válido explicar o surgimento do conceito de ceticismo. O ceticismo
é uma escola filosófica que nasce na Grécia Antiga, estando associada a
diversas figuras da época, como Pirro de Élis (360 a.C. - 270 a.C) e Sextus
Empiricus (160-210).

Uma outra grande figura ligada ao ceticismo é também o filósofo do sé-


culo XVI Michel de Montaigne (1533-1592).

O termo “ceticismo” se origina do verbo grego “sképtomai”, e significa,


antes de tudo, a ideia de olhar algo com atenção. Portanto, a ideia do
ceticismo é a de que em um dado momento, quando você analisa várias

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teorias em questão, você percebe que nenhuma delas se sustentam ple-
namente.

Entretanto, caso você acumule um certo repertório, uma certa experi-


ência de observação e análise, um determinado repertório histórico, ou
uma certa “paciência do conceito”, como já dizia Friedrich Hegel (1770-
1831), ao comparar os diversos cenários possíveis, você acabará perce-
bendo que as teorias mais ou menos se equivalem.

Retornando agora à figura de David Hume, que é considerado uma es-


pécie de ancestral por conservadores do século XX, é possível verificar a
crença de Hume em dois fundamentos provindos dos já citados “princí-
pios da moral”.

O primeiro desses fundamentos é o “hábito”, que será analisado neste


curso nas próximas aulas, e o segundo são as “paixões”. Portanto, o ceti-
cismo não se trata apenas de uma comparação entre teorias. Ele tam-
bém pode ser aplicado à suposição de que o que rege a nossa ação não
são os princípios racionais.

Isto faz com que eu dê atenção à ideia do utilitarismo, muito presente


entre os liberais ingleses do século XVIII e que contou com fortes nomes
da filosofia britânica como Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart
Mill (1806-1873), um dos liberais mais famosos da história.

Dentre as teorias utilitaristas, então, havia a ideia de que o homem é um


ser que age a partir de escolhas racionais, que são aqui compreendidas
como a capacidade que temos de fazer as nossas escolhas sempre base-
adas na otimização dos benefícios ou na eficácia dos resultados.

Esta lógica de pensamento pode nos levar à ideia que muitos econo-
mistas acreditam: a de que o homem sempre age a partir de prejuízos e
lucros.

Porém, esta teoria, nomeada de “teoria da escolha racional”, é uma te-


oria fortemente criticada por céticos, visto que no ceticismo, a ideia de
Hume envolvendo as paixões é muito mais aceita. Inclusive, é justamen-
te este confronto de ideias que gera a pergunta: “Se as paixões impulsio-
nam a nossa ação, os sentimentos e as sensações, como eu posso chegar
à conclusão de que o homem é um ser que faz escolhas racionais?”.

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aula 2
A VALORIZAÇÃO DO
HÁBITO

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Aula 2
A valorização do hábito
A ideia envolvendo as paixões, que surge a partir de David Hume (1711-

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1766), não é exatamente o que o romantismo afirma.

Na verdade, o romantismo, quando fala da primazia das emoções e das


paixões, o faz a partir de um ponto de vista que podemos chamar, a
grosso modo, de positivo. Neste caso, o certo a se fazer então seria “se-
guir o coração”.

A razão, na visão dos românticos, seria então uma forma de diminuição


da experiência profunda das emoções humanas.

O apontamento de que as paixões podem atrapalhar, de alguma forma,


a nossa avaliação da realidade, ou de que elas podem enviesá-la, é fa-
cilmente encontrado no âmbito político.

Sendo assim, nas escolhas, nas decisões e nos debates políticos, as pes-
soas são muito mais movidas por obsessões e paixões, do que propria-
mente por razões objetivamente fundamentadas. Tal noção, contudo,
está muito longe da suposição romântica de que seria o certo viver essa
profundidade das paixões.

Pois neste caso, a primazia das paixões significa a desorganização do


processo decisório, ou a miopia em relação à experiência que está dian-
te de você. Pode significar ainda a dificuldade de ser racional, que se
trata do requisito básico na tomada de decisões políticas, por exemplo.

Em cursos de filosofia, é muito comum ouvir que o ceticismo de David


Hume tira o sono de Immanuel Kant (1724-1804), considerado por mui-
tos como o principal filósofo da era moderna. Isto acontece porque Kant
queria muito provar que a razão tem sim fundamento, assim como a
moral. Porém, é Hume quem vai pôr em dúvida a fundamentação racio-
nal da razão.

Esta ideia de Hume nos leva à conclusão, portanto, de que no fundo da


posição conservadora, existe um ceticismo profundo em relação à razão.
Desta forma, o comportamento humano seria muito mais motivado e

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fundamentado em emoções e paixões, do que propriamente em avalia-
ções objetivas, racionais e científicas.

Um cientista que vai à TV e fala sobre a pandemia da COVID-19, por


exemplo, pode estar tanto falando a partir do seu conhecimento cientí-
fico, quanto a partir de seus interesses políticos dentro da corporação em
que trabalha.
Logo, se a ideia de Hume for verdadeira, devemos então ficar atentos e
desconfiar de uma pessoa que está alegando informações a partir de
razões muito objetivas, já que ela pode não estar fazendo isso.

O conservador verdadeiro não tem nada a ver com xingamentos ou com


coisas como a “defesa pela família”. Na verdade, a postura conservadora
nasce de um olhar cheio de dúvidas acerca do comportamento humano.

No que se refere ao conservadorismo, há ainda definições diferentes, de-


pendendo de quem o analisa. O filósofo John Kekes (1936), por exemplo,
vai defini-lo como uma “política da imperfeição”. Já o economista Tho-
mas Sowell (1930) vai dizer que o conservadorismo é uma “política da
natureza humana restrita”.

Retomando o exemplo do cientista que vai à TV e comenta a respeito


da pandemia, ele pode muito bem estar especulando sobre um assunto
que nós não temos noção, mas também pode estar sendo movido pela
demanda da mídia de que ele passe a imagem que sabe tudo, dizendo
coisas que ninguém consegue prever.

A causa para que isto aconteça é a vaidade e o desejo de responder às


demandas da mídia, que por sua vez, também coloca o profissional da
ciência em uma saia justa.

Sendo assim, analisando cautelosamente essa cena, que foi muito vista
nos últimos meses, é possível compreender a teoria de David Hume a
respeito das paixões. Esta teoria, com fundamentação cética, vai dizer
que a ação humana é muito mais baseada nas paixões, nas emoções,
e até mesmo nos chamados “elementos extrarracionais”, como dizia o
epistemólogo Imre Lakatos (1922-1974).

O cético, portanto, não confia na capacidade racional de ninguém, in-


clusive a dele próprio.

David Hume ainda dirá que além de haver as paixões como base para

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a nossa moral, o nosso comportamento e a nossa ação, o modo mais
seguro que teríamos para avaliar o nosso comportamento é o “Hábito”.

O “Hábito” de David Hume (escrito nesta exata forma, com o “H” maiús-
culo) diz que devemos levar muito a sério os hábitos antigos, pois mesmo
que não entendamos as suas fundamentações racionais, foram eles que

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garantiram a travessia humana através dos séculos.

Por isso, o hábito é considerado o conceito central da tradição


conservadora.

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aula 3
A SENSIBILIDADE CÉTICA
TENDE A SER BLASÉ

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Aula 3
A sensibilidade cética tende a ser blasé
Desde a Grécia Antiga, o hábito é muito valorizado. Mas afinal de con-
tas, por que o cético entende o hábito como um conceito e como uma
experiência fundamental?

Antes de tudo, alarguemos o entendimento acerca do hábito, para você


não pensar que se trata apenas de levantar pela manhã e escovar os
seus dentes.

O hábito é, desde a Grécia Antiga, algo que o cético tem como conclu-
são, já que ele não pode erguer, de uma forma segura, as conclusões
da razão como algo fundamental ou sólido o suficiente para justificar o
mundo e o seu funcionamento.

Isto não significa que o cético não emite opiniões, mas sim que ele é
muito mais cuidadoso ao analisar opiniões fundamentadas. O ceticismo,
aliás, apresenta métodos. E para sê-lo, é necessário que seja capaz de
observar elementos históricos, analisar contextos específicos e também
saber quem são as pessoas envolvidas.

A pandemia da COVID-19, por exemplo, pode ser considerada uma expe-


riência antropológica histórica fundamental para alguém que observa,
do ponto de vista cético, a política e seus agentes. Não há como praticar,
portanto, o pensamento conservador sem um senso histórico extrema-
mente aguçado.

Então, a ideia aqui estabelecida é a de que o ceticismo te levaria a sofrer


menos, ou te levaria a menos frustrações ao longo da vida. Já que sendo
cético, você talvez também fosse capaz de se enganar menos em algu-
mas situações, além de perceber coisas que normalmente não seriam
perceptíveis.

Dentre essas percepções do ceticismo, por exemplo, está a percepção do


impacto direto das paixões em nossas decisões, ou em nosso comporta-
mento moral.

Há ainda uma outra suposição, que é a de que a experiência de vida


praticada no ceticismo levaria você a uma espécie de transformação

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na sua vida prática, visto que ela te daria sabedoria. Esta sabedoria, no
caso, afastaria você do racionalismo ou da adesão a ideologias no cam-
po político.

Isto tudo, contudo, não significa que viver de forma cética é o mesmo
que viver de forma positiva. Muito pelo contrário, já que muitos céticos
são também considerados pessoas niilistas, melancólicas e deprimidas.

É válido concluir, então, que o ceticismo aplicado à vida deixaria você


uma pessoa um tanto quanto blasé. Eu utilizo esta expressão porque
normalmente ela carrega uma conotação negativa, já que diz respeito a
alguém que não se envolve diretamente com o que acontece no mundo,
ou mesmo alguém pelo qual seria difícil se apaixonar.

Portanto, a ideia de que a personalidade cética é uma personalidade


com uma vocação para a atitude blasé, por se tratar de uma persona-
lidade distante ou um tanto quanto desinteressante, não deixa de ser
uma certa verdade.

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aula 4
EM POLÍTICA, O CÉTICO
TENDE SER CONSERVADOR

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Aula 4
Em política, o cético tende a ser conservador
Como está no próprio título da aula, o cético no meio político tende a ser
conservador. Com isto, ele também apresenta uma vocação para duvi-
dar de alguém, ou de um partido, que propõe mudanças muito radicais
ou mesmo propõe utopias.

Mas então qual é o vínculo que existe exatamente entre ceticismo e con-
servadorismo político?

Este vínculo é forte pois antes de tudo, o cético herda da tradição grega
e de David Hume (1711-1766) a suspeita em relação à prevalência das pai-
xões sobre a razão, no sentido de desorientar essa mesma razão.

O cético ainda herda, mais uma vez da tradição grega e de David Hume,
a suposição de que devemos valorizar os hábitos. E por valorizar os hábi-
tos, entenda que se trata de valorizar uma série de políticas estabeleci-
das ao longo de muito tempo.

Essa valorização dos hábitos também se associa ao fato de que nós não
conseguimos fundamentar os hábitos e as crenças em razões geomé-
tricas, como costumamos dizer na filosofia, e nem que conseguimos ex-
plicar a história humana de uma forma “científica”, com a utilização de
uma causa e efeito plena, por exemplo.

Um grande autor que desenvolve bem essa ideia é o russo Liev Tolstói
(1828-1910), no apêndice do segundo livro de “Guerra e Paz”. Neste apên-
dice, ele desenvolve a sua teoria acerca da história humana, que acaba
por ser profundamente cética.

O ceticismo de Tolstói, na verdade, acaba por ser extremamente profun-


do, já que de acordo com ele, nós nunca verdadeiramente sabemos o
que está acontecendo no mundo. É um pensamento, portanto, anti-he-
geliano.

O ceticismo faz com que analisemos o comportamento humano e não


consigamos dizer se ele foi completamente racional, visto que o “Homo
Sapiens” é profundamente delirante até hoje.

Um exemplo claro deste delírio é que muitas pessoas, até hoje, não con-

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seguem acreditar na epidemiologia, na imunologia ou nos cuidados epi-
demiológicos. Essas pessoas, então, são delirantes.

Contudo, também não há nem mesmo um método para conseguir, cien-


tificamente, comprovar as razões do comportamento humano. Isso nos
leva à conclusão de que se não existe uma fundamentação metodo-
lógica empírica para se ter certeza do porquê as pessoas fazem o que
fazem, o cético então tenderá a valorizar a chamada “experiência do
hábito”, no sentido largo da expressão.

Dentre esses exemplos de hábitos, estão os de ser religioso, de respeitar


os mais velhos, de entender a relação amorosa entre as pessoas, de su-
por que é importante ter filhos, de ter certa higiene pessoal, de se com-
portar na mesa e de ser cético com elementos sobrenaturais, mas não
necessariamente negar a sua existência.

No final das contas, essa “sensibilidade conservadora”, como dizia Mi-


chael Oakeshott (1901-1990), é profundamente construída na percepção
de que devemos valorizar aquilo que chegou até nós.

Portanto, esse olhar e essa desconfiança em relação à fundamentação


da razão e das nossas ações, significa antes de tudo uma “reverência” ao
fato de que nossos ancestrais nos legaram o mundo, mas talvez nós não
o leguemos para ninguém.

Com isso dito, lembrem-se: o conservador é o cético no ambiente político.


Sendo assim, o cético tende a pensar de forma conservadora, enquanto
o conservador “com credenciais epistemologicas”, sofisticado, inteligen-
te e que conhece a tradição, é um cético na sua própria experiência de
vida.

Logo, o conservador “com credenciais epistemológicas” jamais será um


sujeito que acha que o lugar da mulher é na cozinha, que acha que to-
dos devem acreditar em Jesus Cristo, ou que pensa que devemos voltar
ao século XIX.

O conservador, na verdade, é alguém que valoriza o passado, aprende


com ele, com os mortos que nele viveram, e entende que as mudanças
são necessárias, principalmente para preservar aquilo que é importante
em termos de valor, costumes e hábitos.

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Citações e bibliografias:

John Kekes (1936) - filósofo húngaro radicado nos Estados Unidos.

Edmund Burke (1729-1797) - filósofo, teórico político e orador irlandês, ampla-


mente reconhecido como o fundador do conservadorismo moderno.

David Hume (1711-1766) - filósofo, historiador e ensaísta britânico nascido na


Escócia.

Livro “Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da


moral”, de David Hume.

Michael Oakeshott (1901-1990) - filósofo e teórico político inglês.

Pirro de Élis (360 a.C - 270 a.C) - filósofo grego nascido na cidade de Élis.

Sextus Empiricus (160-210) - médico e filósofo grego que viveu entre os séculos
II e III D.C.

Michel de Montaigne (1533-1592) - jurista, político, filósofo, escritor, cético e


humanista francês.

Friedrich Hegel (1770-1831) - filósofo germânico.

Jeremy Bentham (1748-1832) - filósofo e jurista britânico.

John Stuart Mill (1806-1873) - filósofo e economista britânico.

Immanuel Kant (1724-1804) - filósofo nascido na Prússia e considerado por mui-


tos como o principal da era moderna.

Thomas Sowell (1930) - economista, crítico social e filósofo político norte-ame-


ricano.

Imre Lakatos (1922-1974) - filósofo da matemática e da ciência húngaro.

Woody Allen (1935) - cineasta norte-americano.

Liev Tolstói (1828-1910) - escritor russo, amplamente reconhecido como um dos


maiores de todos os tempos.

Livro “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói.

Greta Thunberg (2003) - ativista ambiental sueca.

Fonte: Wikipédia

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