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módulo 2

AS RAÍZES DO CONCEITO DE
CONSERVADOR: EDMUND BURKE E
A REVOLUÇÃO FRANCESA

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aula 1
POR QUE A REVOLUÇÃO FRANCESA ERA
UM PROBLEMA PARA BURKE?

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Aula 1:
Por que a Revolução Francesa era um problema para Burke?
O tema do conservadorismo, no Brasil, é considerado muito “quente”,

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como é falado no jornalismo. E com isto, o jornalismo quer dizer que se
trata de um tema que facilmente entra em ebulição.

O conservadorismo se encontra no centro da tendência à polarização e


da baixaria presente nas redes sociais. A Revolução Francesa (1789-1799)
está no centro histórico de uma série de acontecimentos do final do sé-
culo XVIII, e impacta profundamente a Europa, assim como as Américas,
no século XIX.

É a própria revolução que gera figuras como Joseph de Maistre (1753-


1821), que apesar de ser francês, viveu algum tempo na Rússia e escreveu
a obra “St Petersburg Dialogues”.

Além de tudo isto, a Revolução Francesa é a efeméride, como se diz no


jornalismo, que gerou o que mais tarde ficaria conhecida como tradição
conservadora.

Falando agora sobre Edmund Burke (1729-1797), ele era um membro do


Partido Whig, que hoje pode ser chamado de Partido Liberal. Portanto,
Burke não fazia parte do Partido Tory, notoriamente conservador.
Dentro do contexto do século XVIII, os Tories, que eram conservadores,
seriam os representantes da aristocracia rural. Enquanto os Whigs, co-
nhecidos por serem liberais, representavam a burguesia urbana e se
identificavam mais com um certo quadro de mudanças.

Burke, ao longo de sua vida política, foi favorável à Revolução Norte-


-Americana (1776-1783), condenou a tentativa do Império Britânico de
converter os indianos ao Cristianismo e defendeu a autonomia religiosa
da Índia.

Sendo assim, por causa de suas atitudes e pensamentos, havia uma su-
posição de que Burke fosse a favor da Revolução Francesa, o que não era
verdade.

Tanto não é verdade, que de acordo com Russell Kirk (1918-1994), filósofo
político e historiador norte-americano, o livro de Burke a respeito de suas
considerações sobre a revolução na França é o primeiro documento en-
volvendo a reflexão conservadora moderna.

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É também Kirk que irá explicar a origem do termo “conservador”. Ele te-
ria começado a circular ainda na França, entre aqueles que ofereceram
resistência ao período conhecido como “Período do Terror”, que era co-
mandado pelos jacobinos.
Edmund Burke, portanto, identificou na Revolução Francesa uma inten-
ção de começar a França do zero. Um exemplo disto é a criação, por par-
te de revolucionários franceses, de um novo calendário, em que eventos
como o “Golpe do 18 de Brumário” fizeram parte.
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Logo, essa ideia de começar a França a partir do zero, e a percepção de


que esse perigoso processo poderia atingir outros países da Europa, aca-
bou se tornando o objeto de reflexão na obra de Burke.

Sendo assim, então qual é a diferença fundamental entre a Revolu-


ção Norte-Americana e a Revolução Francesa, que fez com que Burke
apoiasse uma e desconfiasse da outra?

A diferença está na forma de rompimento com a lógica vigente. Enquan-


to a Revolução Francesa desejou romper com a lógica de representação,
e também com a lógica de respeito às leis, a revolução dos Estados Uni-
dos visou apenas mudar um detalhe para continuar do jeito que já era.

Ela nasce dos esforços dos colonos para terem representatividade na


casa legislativa de Londres, e teve como um de seus slogans mais conhe-
cidos a seguinte frase: “No taxation without representation”. Em tradu-
ção livre: “Nenhum imposto sem representação”.

Já a Revolução Francesa desejava, de fato, inventar uma série de coisas


novas sobre como o mundo deveria ser.

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aula 2
DEFINIÇÃO DE
SOCIEDADE

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Aula 2
Def inição de sociedade
A Revolução Francesa era um problema para Burke, na medida em que
ela desejava criar uma nova concepção de sociedade.

Não haveria problema se a França criasse, por exemplo, uma monarquia


constitucional, em que a figura real era, de certa forma, mediada pelo
Parlamento. Este modelo de governo já acontecia, por exemplo, na In-
glaterra.

Portanto, é válido dizer que nesta aula, vocês terão acesso à ideia de so-
ciedade concebida por Burke, que se contrapunha à visão de sociedade
dos franceses da revolução.

Burke, no caso, entendia que os revolucionários franceses eram movidos


por ressentimento, por ódio e por uma vaidade gigantesca de romper
com tudo que já existia antes.

Não à toa que a tradição conservadora nasce como uma “tradição de


trincheira”, que não apresenta ideologias e busca estabelecer acordos
entre os vários tipos de tensão presentes no processo natural de transfor-
mação social, que por sua vez, acaba sendo impulsionado pela própria
modernização.

Sendo assim, a tradição conservadora te exige uma capacidade de lidar


com várias referências, e não com três ou quatro ideias que você pode
ficar cuspindo na cara das pessoas.

“A sociedade é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos


e os que ainda não nasceram”.

Esta famosa frase de Edmund Burke, que já foi exposta em aulas ante-
riores do curso, apresenta uma concepção de sociedade que visa con-
frontar dois ideais típicos da Revolução Francesa: a fetichização do novo
e o rompimento radical com o passado.

Com esta frase, é ainda possível identificar duas ideias centrais da tradi-
ção conservadora: a reverência aos mortos e o respeito ao passado.

Trata-se também de uma frase que busca dar significado à sociedade.


Logo, na visão de Burke e também do já citado historiador norte-ame-

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ricano Russell Kirk (1918-1994), a sociedade seria um contínuo histórico,
com o respeito aos mortos se devendo ao fato de que eles nos legaram
o mundo, enquanto nós, que vivemos nos tempos atuais, não temos cer-
teza do que seremos capazes de legar para aqueles que nascerão no
futuro.

Relacionando esta visão com a dos revolucionários franceses, a diferença


é nítida. Pois enquanto Burke pensava dessa forma, os integrantes da re-
volução tinham o desejo de romper com tudo que existia até então e de
criar um mundo completamente novo, em que aqueles que ainda estão
para nascer seriam absolutamente condenados a viver em um mundo
que quatro ou cinco pessoas julgaram que deveria existir.

Burke, ainda em seu livro “Reflexões sobre a Revolução na França”, aca-


baria por também utilizar uma expressão que se tornaria clássica na
tradição conservadora. Trata-se do termo “closet theories”, comumente
traduzido para “teorias de gabinete”.

Esta expressão se dirige justamente para aquelas pessoas que, de dentro


do seu gabinete, julgam-se capazes de falar como o mundo deveria ser.

A sociedade definida por Burke, que é reunidora dos vivos, dos mortos e
dos que ainda não nasceram, também toca em um outro tema central
da modernização, que é marcado, até mesmo de acordo com a herme-
nêutica marxista materialista, pela fetichização da noção de progresso.

Burke percebe, então, que havia uma vocação revolucionária para a rup-
tura. Talvez se vivesse nos dias atuais e dominasse a linguagem contem-
porânea, ele perceberia este fetiche através dos orgasmos que muitas
pessoas têm com a palavra “inovação”.

Em resumo, a sociedade de Burke se diferencia da visão de sociedade dos


jacobinos pela consideração aos mortos, não sendo apenas uma reunião
de pessoas vivas com permissão para jogar fora tudo que foi feito antes.

Contudo, esta visão de se jogar fora tudo que vem do passado é, infeliz-
mente, um pecado típico do mundo brega em que vivemos.

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aula 3
CALCULADORES, SOFISTAS E
ECONOMISTAS

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Aula 3
Calculadores, sofistas e economistas

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Além de “teorias do gabinete” (no original, “closet theories”), há uma ou-
tra figura de linguagem que Burke utiliza, e que acaba por se tornar um
termo clássico da tradição conservadora.

Essa figura é a dos “calculadores, sofistas e economistas”, que inclusive


dá nome a esta aula. Essas três figuras, obviamente, não são utilizadas
de forma aleatória.

Dessa forma, para Burke, essas três figuras, que podem ser chamadas de
“especialistas”, reúnem uma certa qualidade e uma certa disposição de
espírito na prontidão que apresentam para encarar a realidade.

Outra figura famosa que percebeu o risco desta ideia de “especialis-


tas gerindo a sociedade” foi o escritor e jornalista inglês G.K. Chesterton
(1874-1936).

Especialistas que gerem a sociedade, no caso, também podem ser aque-


les que se consideram especialistas na forma com que as pessoas devem
conduzir as suas vidas.

Chesterton também foi um grande crítico desse entusiasmo pela criação


de um mundo completamente novo, a partir do que seriam as novas es-
pecialidades que estavam sendo criadas naquele momento (se referindo
ao período temporal em que Chesterton viveu, essas especialidades es-
tariam sendo criadas na virada do século XIX para o século XX).

Baseado no que foi dito anteriormente, é sempre bom lembrar que o


pensamento conservador britânico é uma tradição cética, e nada tem a
ver com frases como: “Deus acima de todos”.

Não se trata também de uma tradição anticlerical, mas sim de uma tra-
dição com um olhar e um recuo metodológico e epistemológico sobre o
mundo, com o intuito de perceber a dinâmica transformadora moderni-
zadora, e os problemas que essa dinâmica causa.

Vale ainda ressaltar que a tradição conservadora, além de possuir essas


características, se recusa a acreditar em qualquer teoria abstrata, como
a famosa dialética histórica, proposta pelo filósofo alemão Friedrich En-
gels (1770-1831).

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Agora, alterando o direcionamento da aula, lhes faço a pergunta: o que
são sofistas?

A expressão “sofista” obviamente é muito conhecida por qualquer pes-


soa que tenha o mínimo de repertório em filosofia.

E os “sofistas originais”, por assim dizer, são os filósofos gregos que colo-
caram em dúvida o caráter absoluto do conhecimento. Foram eles que
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afirmaram, por exemplo, que o “homem é a medida de todas as coisas”


e que também teriam sido os criadores do relativismo, termo que passou
a ser utilizado na linguagem filosófica muito tempo depois da época dos
sofistas.

O termo “relativismo” diz respeito ao fato de não haver verdade absolu-


ta. Tudo seria, então, contextual, dependente da geografia e também
da história psicológica de cada pessoa.

Ou seja, trata-se de inúmeros contextos constituindo aquilo que alguém,


ou um grupo de pessoas, poderiam ter como verdade, não sendo uma
verdade absoluta e sim efêmera, no sentido de ser histórica.

Portanto, a figura do sofista acabou sendo associada por muito tempo,


ao longo da história da filosofia, à uma tradição que nega a própria fi-
losofia. Logo, quando Burke utiliza o termo “sofista” em referência aos
revolucionários franceses, ele não quer defender o relativismo.

Na verdade, Burke está se referindo ao fato dos revolucionários franceses


acharem possível que o mundo fosse dependente simplesmente do pon-
to de vista de cada um. E ao chamá-los de “sofistas”, portanto, Burke es-
taria acusando-os de utilizarem uma retórica que confunde as pessoas,
e dizendo que esses revolucionários convenciam as pessoas a acreditar
naquilo que tratavam como ideal.

Em resumo, Burke identificou essa característica retórica nos revolucio-


nários, que antes era imputada aos sofistas. Ele inclusive chama-os de
“retóricos sofistas”, que hoje é um termo largamente associados àqueles
que se utilizam de argumentos falsos, chamados de “sofismas”, para fa-
zer com que as pessoas acreditem no que eles querem.

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aula 4
LITTLE PLATOONS, IMAGINAÇÃO
MORAL E PRUDÊNCIA

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Aula 4
Little Platoons, imaginação moral e prudência

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Ainda no assunto da aula passada, em que cito os calculadores, Burke
possui uma definição para esse grupo de pessoas.

Um calculador, de acordo com Burke, é aquele tipo de especialista técni-


co, bastante moderninho, que acha que consegue calcular tudo que vai
acontecer no mundo e que nada escapa da sua capacidade de enqua-
drar o mundo dentro do seu gabinete.

Burke também vai dizer que o homem não é um ser que só escolhe a par-
tir de decisões racionais. Portanto, não é possível calcular o mundo ple-
namente, e muito menos reduzi-lo à lógica da economia, considerando
o homem unicamente como um ser que otimiza ganhos e evita perdas
econômicas.

Sendo assim, para fazer frente aos economistas, sofistas e calculadores,


Burke vai ainda oferecer o que pode ser chamado de “disposições positi-
vas”. Dessas disposições, nascem três conceitos.

O primeiro é o famoso conceito de “little platoon”, que pode ser traduzi-


do para “pelotãozinho” e que consiste em uma afirmação de Burke de
que na verdade, as pessoas são formadas no seu próprio pelotão, no seu
próprio pensamento, na sua própria disposição de espírito e no seu pró-
prio comportamento.

Logo, a sua formação como pessoa estaria muito mais ligada ao am-
biente em que vive, do que necessariamente à uma grande abstração.

Esta linha de raciocínio vai fazer com que Burke escreva uma frase que
se tornaria notória posteriormente, em referência a esses especialistas e
calculadores.

“Ama a humanidade, mas detesta os seus semelhantes.” (No original,


“loves mankind, hates his kindred”).

Ou seja, nesta frase, há a ideia de que as pessoas reais, e a vida real, se


dão dentro do pequeno grupo em que você vive. Trata-se ainda de uma
traço marcante da tradição conservadora: a desconfiança diante dos
grandes sistemas abstratos políticos, ou das grandes organizações.

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Exemplificando o caso, a tradição conservadora seria aquela que valori-
zaria muito mais o prefeito do que o presidente da república.
Isto demonstra, dentre outras coisas, o quão longe os bolsonaristas es-
tão longe da tradição conservadora, visto que um conservador clássico
jamais idolatra um presidente ou qualquer líder político.

Bolsonaro e bolsonaristas não são, portanto, membros da tradição con-


servadora britânica, a única que vale a pena ser debatida dentro do
grande universo de ideias do mundo contemporâneo.

Com tudo isto dito, é válido também ressaltar que a ideia do “little pla-
toon” se refere à sua família, à sua escola e à cidade em que vive. Con-
tudo, este conceito, aplicado inicialmente no século XVIII, obviamente
não é o mesmo conceito aplicado nos dias de hoje, apesar de continuar
valendo a ideia de que a disposição moral, política e comportamental
das pessoas são muito mais influenciadas pelo grupo no qual crescemos
e vivemos o nosso cotidiano, do que pela humanidade em si.

Burke ainda desenvolve a noção de imaginação moral, em que a moral é


tratada como uma ordem de afeto e estética, e que resulta diretamente
da experiência ancestral. Esta moral, portanto, não tem nada a ver com
a ordem geométrica, composta por ideias abstratas e formulada pelos
tais especialistas e calculadores.

E por fim, mas não menos importante, Burke ainda nos apresenta à vir-
tude da prudência, que talvez seja a maior virtude que a tradição con-
servadora põe em questão.

Ela basicamente diz para termos cuidado e paciência, visto que pode-
mos perdê-las muito facilmente. Mas ela também relaciona a caracte-
rística da prudência com as figuras dos líderes da sociedade.

O ideal, portanto, é que esses líderes sejam, antes de tudo, pessoas pru-
dentes, cuidadosas, bem educadas e que ao invés de conflitos, busquem
o consenso.

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Citações e bibliografias:

Edmund Burke (1729-1797) - filósofo, teórico político e orador irlandês, ampla-


mente reconhecido como o fundador do conservadorismo moderno.

Livro “Reflexões sobre a Revolução na França”, de Edmund Burke.

Joseph de Maistre (1753-1821) - escritor, filósofo, diplomata e advogado fran-


cês.

“St Petersburg Dialogues”, de Joseph de Maistre.

Russel Kirk (1918-1994) - filósofo político e historiador norte-americano.

“Golpe do 18 de Brumário” - nome dado ao golpe que marca o início da era


napoleônica na França e na Europa, em 1799.

Karl Marx (1818-1883) - filósofo, sociólogo, historiador e economista nascido na


Prússia.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) - importante filósofo e teórico político ge-


nebrino.

Thomas Hobbes (1588-1679) - matemático, teórico político e filósofo inglês.

John Locke (1632-1704) - filósofo inglês conhecido como o “pai do liberalismo”.

John Keeks (1936) - filósofo húngaro radicado nos Estados Unidos.

Thomas Sowell (1930) - economista, crítico social e filósofo político norte-ame-


ricano.

G.K. Chesterton (1874-1936) - escritor, poeta, dramaturgo e jornalista inglês.

Friedrich Hegel (1770-1831) - filósofo germânico.

Fonte: Wikipédia

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