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Introdução à Arquitetura – Elementos

Primários, Forma e Espaço

Apresentação
A arquitetura é uma atividade complexa que requer o estudo de variados elementos para que, ao
final, o resultado seja interessante. Assim, uma das etapas para saber fazer arquitetura diz respeito
aos estudos sobre os elementos primários, sobre as diferentes formas e sobre os espaços e suas
composições.

Em se tratando de elementos primários, formas e espaços, existe uma infinidade de tipos e


combinações que resultam em diferentes edificações e que determinam o funcionamento dos
locais, bem como a maneira como esses locais serão utilizados e percebidos pelas pessoas.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar os elementos básicos compositivos de um


projeto. Serão vistos os elementos primários, as suas formas e a inserção desses no espaço para
maior embasamento e compreensão de uma linguagem arquitetônica. Serão utilizados desenhos,
diagramas e imagens de projetos para que seja possível visualizar esses elementos e suas
condicionantes no dia a dia.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar os elementos primários na ordem do seu desenvolvimento.


• Identificar as formas compositivas e suas variações a partir das figuras primárias.
• Reconhecer os elementos compositivos no espaço.
Desafio
Na arquitetura, a forma é um dos elementos mais facilmente percebidos pelas pessoas, pois é por
meio dela que uma edificação é primeiramente percebida. Assim, a forma das edificações é o que
faz com que elas se destaquem ou não na paisagem.

Para a elaboração de um projeto, entender os elementos primários e as formas advindas deles


possibilita ao profissional propor algo que esteja inserido no contexto e que colabora para
determinar a funcionalidade da futura edificação.

Uma das mais famosas casas do mundo, a Casa da Cascata (Casa Kaufmann), projetada pelo
arquiteto americano Frank Lloyd Wright, em 1934, foi considerada uma introdução da arquitetura
moderna em seu país. Essa edificação é uma referência sobre o estudo da forma, pois foi inovadora
para sua época e evidencia muito a composição de volumes retangulares.

Imagine que você foi o arquiteto responsável por essa edificação e precisa explicar de forma
bastante objetiva, em pelo menos um parágrafo, quais são as características evidentes da
edificação. Explique o que é possível perceber através dos planos, da forma como um todo e da sua
articulação com o meio em que está inserida, como se fosse uma explicação do seu próprio projeto.
Infográfico
Os elementos primários referem-se ao ponto, à reta, ao plano e ao volume. Esses elementos podem
ser vistos como etapas, pois, ao utilizar vários pontos, você terá uma reta. Ao utilizar várias retas,
você pode formar um plano e, ao juntar vários planos, você terá um volume. Esse é um raciocínio
muito básico, mas é por meio dele que as formas são criadas na arquitetura.

Nesta sessão do Infográfico, veja um pouco mais sobre cada um desses elementos, sobre como eles
se transformam em duas e três dimensões e como essas dimensões são utilizadas nos projetos de
arquitetura.
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Conteúdo do livro
Algumas definições de arquitetura descrevem a disciplina como o jogo da manipulação das formas
sob a luz. Essa definição parece correta, mesmo que às vezes não se saiba exatamente quais formas
seriam manipuladas e, em alguns casos, o que é a forma. Para executar projetos com qualidade, o
profissional deve conhecer a geometria que estará presente em suas obras.

No capítulo Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço, base teórica desta
Unidade de Aprendizagem, você vai saber quais são os elementos primários envolvidos na forma
arquitetônica, desde as formas primitivas bidimensionais, como o círculo e o quadrado, até os
sólidos puros, ou platônicos, que podem ser combinados para formar projetos, como nos exemplos
citados neste capítulo.

Boa leitura.
ARQUITETURA
E URBANISMO

Gabriel Lima Giambastiani


Introdução à arquitetura:
elementos primários,
forma e espaço
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar os elementos primários na ordem do seu desenvolvimento.


 Determinar as formas compositivas e suas variações a partir das figuras
primárias.
 Reconhecer os elementos compositivos do espaço.

Introdução
A arquitetura sempre esteve ligada à geometria, seja no processo de
representação — utilizando a geometria descritiva —, seja no processo
criativo, no qual formas básicas são combinadas para gerar o espaço
arquitetônico. Ao longo da história, é possível observar uma preferência
por composições em que sejam identificáveis as formas primitivas que as
geraram, aumentando a importância do conhecimento sobre o assunto
por parte dos projetistas.
Neste capítulo, você identificará os elementos primários na compo-
sição arquitetônica e como eles podem ser combinados em projetos.
Também estudará sobre o conceito de forma, quais são as figuras primi-
tivas bidimensionais, bem como os sólidos primários e platônicos, com
exemplos de diversos períodos da história.

1 Elementos primários conforme seu


desenvolvimento
A definição de arquitetura feita por Le Corbusier é amplamente conhecida, que
define a profissão como “[…] o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes
2 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

dispostos sob a luz” (LE CORBUSIER, 2007, p. 102). Menos conhecida — como
é comum com frases célebres — é a justificativa que o mestre suíço apresenta
após o aforismo: “[…] nossos olhos foram feitos para ver formas na luz; sombra
e luz revelam as formas: cubos, cones, esferas, cilindros e pirâmides são as
grandes formas primárias que a luz revela bem” (LE CORBUSIER, 2007, p. 102).
Para Le Corbusier (2007), a arquitetura trata da manipulação de formas de
modo que sejam percebidas da maneira mais clara possível por quem as observa.
Ainda no mesmo livro, o autor expande sua apologia à combinação de formas
simples como a base da arquitetura de qualidade ao elogiar as construções romanas
em um capítulo chamado “A lição de Roma”, cuja ilustração você pode ver na
Figura 1. “A luz toca as formas puras e as retribui com juros. Massas simples
desenvolvem superfícies imensas que se apresentam com uma variedade carac-
terística, de acordo com o tipo de questão que se apresenta: cúpulas, abóbadas,
cilindros, prismas retangulares ou pirâmides” (LE CORBUSIER, 2007, p. 200).

Figura 1. “A lição de Roma” (Le Corbusier).


Fonte: Le Corbusier (2007, p. 200).

Ao entender a forma como parte essencial da arquitetura, é preciso ter uma


definição clara do que é a forma exatamente. Le Corbusier (2007) exalta o
uso de formas puras nas composições sem, no entanto, definir o que é forma.
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 3

Nesse sentido, Edmund Bacon (1967, p. 16) apresenta a forma, especificamente


a forma arquitetônica, como “[...] o ponto de contato entre massa e espaço”.
Bacon (1967) vai ao encontro de Le Corbusier (2007) ao afirmar que a “[...]
clareza e o vigor com que a relação entre massa e espaço é resolvida” seria uma
das características inerentes à arquitetura de excelência (BACON, 1967, p. 16).
Francis Ching (2013, p. 34) traz exemplos concretos para a sua definição do
termo; para ele, a forma pode referir-se tanto à “[...] aparência externa passível
de ser reconhecida”, como a cubos, cadeiras e, até mesmo, um corpo humano
quanto a “[...] uma condição particular na qual algo atua ou se manifesta,
como quando falamos de água na forma de gelo ou de vapor” (CHING, 2013,
p. 34) . Para isso, o autor enumera quatro propriedades — formato, tamanho,
cor e textura — que ajudam a especificar a forma de um objeto (Quadro 1).

Quadro 1. As quatro propriedades que determinam a forma de um objeto

Formato O contorno característico ou a


configuração da superfície de
uma forma específica. Formato é o
principal aspecto por meio do qual
identificamos e classificamos as formas.
Tamanho As dimensões físicas de comprimento,
largura e profundidade de uma
forma. Embora essas dimensões
determinem as proporções de uma
forma, sua escala é determinada
por seu tamanho relativo a outras
formas de seu contexto.
Cor Um fenômeno de luz e percepção
visual que pode ser descrito em termos
da percepção que um indivíduo tem
de matiz, saturação e valor tonal. A
cor é o atributo que mais distingue
uma forma de seu ambiente. Também
afeta o peso visual de uma forma.
Textura Qualidade visual e tátil conferida a
uma superfície pelo tamanho, pelo
formato, pela disposição e pela
proporção das partes. A textura
também determina o grau em que
as superfícies de uma forma refletem
ou absorvem a luz incidente.

Fonte: Adaptado de Ching (2013).


4 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

No entanto, as formas também podem ser percebidas e diferenciadas em


relação a outras formas. Você já deve ter visto alguma imagem de ilusão de
óptica, na qual a percepção do tamanho de um objeto é distorcida pela presença
de outros elementos gráficos. A Figura 2 traz um exemplo clássico desse tipo
de distorção. É possível observar como as linhas horizontais parecem estar
inclinadas pelo posicionamento estratégico dos quadrados pretos e brancos.
Ao olhar com atenção, no entanto, percebe-se que elas são paralelas.

Figura 2. Ilusão de óptica.


Fonte: OpenClipart-Vectors/Pixabay.com.

No exemplo da Figura 2, a geometria das linhas não é alterada, mas, pa-


radoxalmente, a sua forma é, ou seja, a maneira como nossos olhos percebem
uma figura em relação a outras pode transformar a forma. Le Corbusier (2007),
Bacon (1967) e Ching (2013) afirmam que a forma só existe na percepção
humana. Para tratar das relações entre formas, Ching (2013) estabeleceu três
propriedades que ditam a maneira como as formas são percebidas (Quadro 2).
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 5

Quadro 2. Padrão e composição de formas

Posição A localização de uma forma


em relação ao seu ambiente
ou ao campo visual dentro
do qual ela é vista.

Orientação A direção de uma forma em


relação ao plano do solo,
aos pontos cardeais, a outras
formas ou ao observador.

Inércia visual O grau de concentração e


estabilidade de uma forma. A
inércia visual de uma forma
depende de sua geometria,
bem como de sua orientação
em relação ao plano do
solo, à força da gravidade
e à nossa linha de visão.

Fonte: Adaptado de Ching (2013).

As formas primitivas, ou figuras primárias, são um conjunto de figuras


geométricas que podem ser facilmente reconhecíveis pelos seres humanos,
e às quais as pessoas tendem a reduzir todas as formas mais complexas. Em
outras palavras, quando você vê uma garrafa, seu cérebro tende a interpretar
aquela forma como um agrupamento de cilindros, por exemplo. Esse processo
cognitivo é parte da psicologia da Gestalt, explicada por Ching (2013, p. 38)
da seguinte maneira:

[...] a psicologia gestaltística afirma que a mente simplifica o meio visual a


fim de compreendê-lo. Dada qualquer composição de formas, temos a ten-
dência a reduzir o tema, em nosso campo visual, aos formatos mais simples
e regulares. Quanto mais simples e regular for um formato, mais fácil será
percebê-lo e compreendê-lo.

As figuras primitivas, puras ou regulares são definidas de modo geométrico


como aqueles polígonos que “[...] têm seus vértices igualmente espaçados em
um círculo de modo que suas arestas sejam do mesmo tamanho” (POTTMANN
et al., 2007, p. 79). Dessa maneira, as figuras primitivas mais conhecidas são o
triângulo equilátero, o quadrado e o pentágono, embora todos os polígonos que
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obedeçam às regras já citadas, independentemente do número de arestas, são


considerados regulares. A Figura 3 demonstra diferentes figuras primitivas.

Figura 3. Círculo, triângulo, quadrado, pentágono e hexágono.


Fonte: Ching (2013, p. 38).

2 Formas compositivas e suas variações a partir


das figuras primárias
Conta-se que o navio de Aristipo de Cirene naufragou próximo à cidade de
Rodes e, ao chegar à praia, o filósofo encontrou algumas figuras regula-
res desenhadas na areia; vendo aquilo, gritou para os outros sobreviventes:
“Animem-se! Vejo sinais de humanidade” (VITRUVIUS, 2006, p. 167).

Os principais exemplos das figuras primitivas, aquelas cujas arestas po-


dem ser posicionadas de maneira equidistante em um círculo, são o próprio
círculo, o triângulo e o quadrado. Para autores como Le Corbusier (2007) e
Bacon (1967), é na articulação das formas primárias que está a chave para a
produção de projetos arquitetônicos de excelência.

Círculo
O círculo é a epítome da forma ideal, uma vez que qualquer ponto que seja
posicionado sobre sua aresta se encontrará exatamente à mesma distância do
centro da figura do que outro ponto qualquer posicionado sobre essa mesma
linha. Talvez por essa característica, essa forma é comumente associada a
divindades e outros fenômenos de difícil explicação:

[...] o círculo é relacionado com o divino: um simples círculo representa a


eternidade desde a antiguidade, visto que ele não tem nem início nem fim.
Um texto antigo diz que Deus é um círculo cujo centro está em todo lugar
mas cuja circunferência não está em lugar nenhum (MUNARI, 2012, p. 5).
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 7

Embora Munari (2012) associe o círculo ao divino, afastando-o das cons-


truções, as quais ele associa ao quadrado, existem grandes possibilidades
compositivas utilizando essa figura geométrica. Ching (2013) trata o círculo
como uma figura centralizadora e introvertida, uma forma adequada para
programas que demandem centralidade. Ao combinar o círculo com formas
retas ou angulares, é possível, ainda segundo Ching (2013, p. 39), “[...] induzir
no círculo um movimento de rotação aparente”. A Figura 4a traz exemplos de
composições com círculos e seções de círculos.
Na arquitetura moderna, tornou-se comum a prática da combinação de
formas puras. Um dos exemplos mais interessantes desse tipo de composição é
o Edifício da Assembleia Legislativa de Chandigarh, projetado por Le Corbusier
(CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019), que insere um círculo dentro de
um quadrado para o programa especial do edifício (Figura 4b).

(a) (b)

Figura 4. (a) Composições com círculos e seções de círculos; (b) planta baixa da Assembleia
Legislativa de Chandigarh (Le Corbusier).
Fonte: (a) Ching (2013, p. 39); (b) Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 758).

Quadrado
Chama-se quadrado o polígono formado por quatro arestas de mesma dimen-
são. Trata-se de uma figura intuitiva que pode ser desenhada e identificada
facilmente. Munari (2012, p. 5) afirma que “[...] o quadrado é fortemente
ligado com o homem e suas construções, arquitetura, estruturas harmônicas,
8 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

escritas e outras expressões” que demandem estabilidade. Para Ching (2013),


o quadrado é a representação simbólica do puro e do racional, uma figura
estática e neutra. O autor defende que todos os retângulos, mesmo aqueles
cujas arestas tenham dimensões diferentes, são derivações do quadrado,
configurando apenas “[...] desvios de uma norma pelo aumento de altura ou
da largura” (CHING, 2013, p. 41).
A rotação do quadrado altera a percepção de sua forma, que pode variar
de estática, quando repousa sobre uma das arestas, à dinâmica, com sensação
de movimento, quando está apoiado sobre um dos vértices com rotação que
faça com que suas diagonais fiquem não horizontais e verticais (Figura 5a).
Na arquitetura, abundam os exemplos de composições utilizando combinações
de quadrados. Na arquitetura moderna, arquitetos como Mies van der Rohe,
Bakema e Louis Kahn ficaram conhecidos por criarem composições pela
combinação de figuras geométricas puras, em especial, o quadrado. Na Figura
5b, é possível observar a elevação da Casa del Fascio, do arquiteto italiano
Giuseppe Terragni, com uma composição utilizando a repetição de quadrados.

(a) (b)

Figura 5. (a) Rotações de quadrados; (b) elevação da Casa del Fascio (Giuseppe Terragni).
Fonte: (a) Ching (2013, p. 41); (b) Alonso Pereira (2010, p. 270).

Triângulo
A terceira figura pura mais comum em composições arquitetônicas é o triângulo,
que está presente na arquitetura desde tempos imemoráveis, sendo possível
encontrá-lo na arquitetura egípcia produzida por volta do ano 2.500 a.C. Esse
fato deve-se à estabilidade da figura quando apoiada sobre uma de suas arestas,
como é possível ver na Figura 6a, que traz um corte da Pirâmide de Quéops.
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 9

Ching (2013) postula que o triângulo é sinônimo de estabilidade, e esse


é o motivo para a sua presença massiva na arquitetura da Antiguidade. Essa
estabilidade só é possível quando ele está apoiado sobre uma das arestas, caso
contrário, existe um equilíbrio precário ou, até mesmo, a tendência aparente
de cair sobre um dos lados. A Figura 6b demonstra como é verdadeira a
percepção apontada por Ching (2013).

(a) (b)

Figura 6. (a) Pirâmide de Quéops (Egito); (b) rotação de um triângulo.


Fonte: (a) e (b) Ching (2013, p. 40).

3 Elementos compositivos do espaço


As figuras primitivas são percebidas de diferentes maneiras dependendo de
sua inclinação, posição em relação a outras figuras e repetição. Na arquitetura,
no entanto, é raro o trabalho ser feito exclusivamente com um plano único. O
trabalho do arquiteto consiste, de forma primária, em arranjar objetos tridi-
mensionais em um espaço também tridimensional de modo a gerar artefatos
que sejam ao mesmo tempo úteis e belos.
Em “A lição de Roma”, texto de Le Corbusier (2007), o autor fala em como a
luz, ao tocar os sólidos simples, gera superfícies imensas que variam de acordo
com o tipo de sólido. A seguir, o suíço apresenta sua seleção de sólidos primiti-
vos: cúpulas e abóbadas, que podemos simplificar como semiesferas; cilindros;
prismas retangulares, entre eles os cubos e paralelepípedos; e as pirâmides.
10 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

Ching (2013), por sua vez, classifica como formas primárias as esferas, os
cilindros, os cones, as pirâmides e os cubos. A justificativa de Ching (2013, p.
58) para elencar essas formas como as primárias deve-se ao fato de que estas
podem ser “[...] ampliadas ou postas em rotação de modo a gerarem formas vo-
lumétricas ou sólidos distintos”. Além disso, ao explicar a origem desses sólidos,
o autor defende que sua origem e natureza geométrica são atributos relevantes:

[...] os círculos geram esferas e cilindros; os triângulos geram cones e pirâ-


mides; e os quadrados geram cubos. Nesse contexto, o termo sólido não se
refere à firmeza da substância, mas a um corpo ou uma figura geométrica
tridimensional (CHING, 2013, p. 58).

Uma abordagem mais científica é apresentada por Pottmann et al., em


Architectural geometry (2007, p. 80), em que os autores apresentam os sólidos
platônicos como aqueles em que “[...] o mesmo número de faces encontra cada
vértice”. Com essa definição mais restrita, existiriam apenas cinco sólidos
platônicos: o tetraedro, com quatro faces; o cubo, com seis faces; o octaedro,
com oito faces; o dodecaedro, com doze faces; e o icosaedro, com vinte faces. Na
Figura 7, é possível visualizar essas figuras e como elas podem ser planificadas.

Figura 7. Sólidos platônicos e suas planificações.


Fonte: Adaptada de Pottmann et al. (2007).
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 11

Para a aplicação na arquitetura, utilizaremos a definição de Ching (2013),


uma vez que os sólidos apresentados por esse autor são os mais comumente
encontrados nas volumetrias de obras de arquitetura.

Esfera
A característica definidora da esfera, e o que a torna uma forma única entre os
sólidos geométricos, é o fato de que, assim como acontece com o círculo, todos
os pontos posicionados sobre sua superfície estarão equidistantes do centro
da esfera. Essa figura é formada, segundo Ching (2013), pela revolução de um
semicírculo em torno do seu diâmetro, constituindo uma forma centralizadora
e extremamente concentrada.
De um ponto de vista pictórico, as esferas são os únicos sólidos que são
percebidos com a mesma forma independentemente do ângulo de vista, inexis-
tindo distorções por pontos de vista distintos. Desse modo, a esfera sempre é
percebida como um círculo. A Figura 8a mostra como se dá essa percepção. Na
arquitetura, os exemplos de uso de esferas variam desde as cúpulas e abóbadas,
citadas por Le Corbusier (2007), até os projetos em que esferas completas
são utilizadas. O caso mais emblemático do uso de esferas é o Cenotáfio
de Newton, projeto teórico realizado pelo arquiteto francês Étienne-Louis
Boullée em 1784 (Figura 8b).

(a) (b)

Figura 8. (a) Esfera e sua percepção: um círculo; (b) cenotáfio para Newton (Etienne-Louis
Boullée).
Fonte: (a) Ching (2013, p. 44); (b) Boullée (2020a, 2020b).
12 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

Cilindro
A exemplo da esfera, o cilindro também é considerado um sólido de revolução.
No entanto, sua geração se dá pela revolução de um retângulo sobre um de
seus lados, gerando uma forma que é centralizada em relação ao seu eixo de
revolução. Ching (2013) apresenta o cilindro como estável, quando repousa
sobre uma das faces circulares, e instável, quando seu eixo central for incli-
nado. Sua percepção visual é bastante interessante, uma vez que, ao olhar
um cilindro perpendicularmente ao seu eixo de rotação, o que é visto é um
retângulo, enquanto que, ao olhar paralelamente a esse eixo, ele é percebido
como um círculo. A Figura 9a demonstra esse efeito.
Existem muitos exemplos do uso do cilindro como elemento compositivo
na arquitetura. Alguns projetos de torres podem ser descritos como cilindros
alongados; alguns templos da Antiguidade também utilizavam o cilindro como
forma geradora. Na Grécia, esse tipo de templo recebeu o nome de Tholos e,
até hoje, é possível encontrar ruínas que demonstram sua geometria, como a
que pode ser vista na Figura 9b, do Tholos de Delphi.

(a) (b)

Figura 9. (a) Cilindro e sua percepção: um círculo e um retângulo; (b) Tholos de Delphi.
Fonte: (a) Ching (2013, p. 44); (b) furud/Pixabay.com.

Cone
Último dos sólidos de revolução, o cone é gerado pela revolução de um triângulo
retângulo sobre um de seus catetos. A exemplo do cilindro, segundo Ching
(2013), esse sólido é bastante estável quando apoiado sobre a base circular,
mas ganha instabilidade quando é inclinado ou invertido, deixando seu vértice
como apoio, gerando um estado precário de equilíbrio.
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 13

Sua percepção visual varia de acordo com o ponto de vista: se olhado


paralelamente ao eixo de revolução, o cone é percebido como um círculo; no
entanto, ao olhar perpendicularmente a esse eixo, a figura percebida é um
triângulo, como atesta a Figura 10a. Na arquitetura, não é comum encontrar
cones usados de maneira isolada, mas a sua combinação com outros elementos.
Um exemplo dessa combinação é a Catedral Metropolitana de Brasília (Figura
10b), projetada por Oscar Niemeyer. Nesse exemplo, é possível identificar a
interseção de dois cones invertidos, um com a base maior do que o outro.

(a) (b)

Figura 10. (a) O cone e sua percepção: um triângulo e um círculo; (b) Catedral Metropolitana
de Brasília (Oscar Niemeyer).
Fonte: (a) Ching (2013, p. 45); (b) Thorge/Pixabay.com.

Pirâmide
Esse interessante sólido é formado por uma base quadrada a partir da qual
faces triangulares se encontram em um vértice central. Suas propriedades de
estabilidade são semelhantes às do cone, com a exceção de que a pirâmide, ao
contrário do cone, possui faces laterais planas, podendo, portanto, repousar
sobre estas com considerável estabilidade. Visualmente, as pirâmides são
percebidas como triângulos ao serem observadas por sua lateral e, como um
quadrado, quando observadas de modo perpendicular à sua base. A Figura 11a
demonstra como a sua percepção assemelha-se à do cone, com a diferença de
que a sua base quadrada confere um aspecto mais duro e angular.
As pirâmides estão presentes na arquitetura há milênios e, em razão de sua
estabilidade, foram uma das primeiras formas a permitir construções em grande
escala, como as pirâmides egípcias. Na arquitetura do século XX, foram ressigni-
ficadas em projetos como a ampliação do Museu do Louvre, em Paris (Figura 11b).
14 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

(a) (b)

Figura 11. (a) Pirâmide e sua percepção: um triângulo e um quadrado; (b) Pirâmide do
Louvre (I. M. Pei).
Fonte: (a) Ching (2013, p. 45); (b) 139904/Pixabay.com.

Cubo
Esse sólido, com o qual todos estamos acostumados a trabalhar e manipular,
é formado por seis quadrados iguais dispostos de modo que todos os ângulos
entre as faces sejam retos. Segundo Ching (2013), é uma forma estática devido
à igualdade de suas dimensões, que carece de movimento e direção aparentes.
Sua percepção visual pode ser transformada de acordo com o ponto de vista,
mas sua forma é tão estável e estática que se mantém, segundo Ching (2013),
claramente reconhecível, independentemente do ângulo de visualização. A
figura percebida ao olhar para um cubo será um quadrado quando o observador
se posicionar perpendicularmente ao objeto, como demonstra a Figura 12a.
O cubo e suas variações dimensionais — os paralelepípedos — são as
formas mais encontradas em projetos de arquitetura ao longo da história. Os
prismas de base retangular formam a base da arquitetura ocidental desde a
Antiguidade. Para ilustrar esse uso, a Figura 12b traz um projeto inusitado
realizado na Holanda, projetado por Piet Blom, em 1984 — as Casas Cubo.
Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço 15

(a) (b)

Figura 12. (a) O cubo e sua percepção: um quadrado; (b) Casas Cubo (Piet Blom).
Fonte: (a) Ching (2013, p. 45); (b) Broesis/Pixabay.com.

O conhecimento das formas geométricas, suas propriedades e maneiras


de percepção são parte essencial da formação dos arquitetos. Esses conceitos
consagrados de arquitetura corroboram para que os profissionais possam
manipular corretamente as formas geométricas puras e gerar projetos com
nível de qualidade excepcional.

ALONSO PEREIRA, J. R. Introdução à história da arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2010.


BACON, E. N. Design of cities. New York: The Viking Press, 1967.
BOULLÉE, E.-L. Mausoléu para Newton: corte, durante o dia com efeito interior noturno.
1 desenho. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/793749/classicos-da-ar-
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-ad-classics-cenotaph-for-newton-etienne-louis-boullee-section-during-the-day-with-
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BOULLÉE, E.-L. Mausoléu para Newton: fachada. 1 desenho. Disponível em: ht-
tps://www.archdaily.com.br/br/793749/classicos-da-arquitetura-mausoleu-para-
-newton-etienne-louis-boullee/53a26459c07a8079c5000231-ad-classics-cenotaph-
-for-newton-etienne-louis-boullee-exterior-elevation. Acesso em: 23 abr. 2020a.
16 Introdução à arquitetura: elementos primários, forma e espaço

CHING, F. D. K. Arquitetura: forma, espaço e ordem. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013.
CHING, F. D. K.; JARZOMBEK, M.; PRAKASH, V. História global da arquitetura. 3. ed. Porto
Alegre: Bookman, 2019.
LE CORBUSIER. Toward an architecture. Los Angeles: Getty Publications, 2007.
MUNARI, B. Square, circle, triangle. Nova York: Princeton Architectural Press, 2016.
POTTMANN, H. et al. Architectural geometry. Exton, PA: Bentley Institute Press, 2007.
VITRUVIUS. Ten books on architecture: The Project Gutenberg. 2006. Disponível em:
https://www.gutenberg.org/files/20239/20239-h/20239-h.htm. Acesso em: 22 abr. 2020.

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Dica do professor
A forma é um dos fatores mais relevantes na arquitetura, pois é por meio dela que as edificações
são percebidas e se destacam na paisagem. A forma de uma edificação é iniciada por um elemento
básico, como, por exemplo, um cubo que vai sofrendo ajustes, adições, subtrações, sobreposições,
entre outras ações que vão gerar como resultado final uma obra de forma singular.

Nesta Dica do Professor, saiba alguns aspectos referentes aos elementos primários, às formas e à
inserção delas no espaço. Você também terá detalhes sobre transformação da forma, aberturas e
propriedades do espaço arquitetônico.

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Exercícios

1) Todo projeto de arquitetura é formado por elementos primários, conhecidos como ponto,
reta, plano e volume. Um desses elementos primários tem como característica a
bidimensionalidade.

Assinale a alternativa que apresenta corretamente esse elemento, juntamente com suas
propriedades.

A) A reta e as suas propriedades de comprimento, direção e superfície.

B) O plano e as suas propriedades de comprimento, largura, profundidade e superfície.

C) O plano e as suas propriedades de comprimento, largura, formato e superfície.

D) O volume e as suas propriedades de comprimento, largura, profundidade, forma e superfície.

E) O volume e as suas propriedades de comprimento, largura, profundidade, formato e


superfície.

2) A forma na arquitetura é um elemento muito importante, pois ela é capaz de caracterizar as


edificações, tornando-as singulares e destacando-as na paisagem. A forma é um composto
de figuras primárias.

Assinale a alternativa que contém as figuras primárias identificadas por meio da forma.

A) O ponto, a reta e o plano.

B) A reta, o volume e o plano.

C) O cubo, o cilindro, o quadrado e a pirâmide.

D) A esfera, o cilindro, o cone e o cubo.

E) O círculo, o triângulo e o quadrado.

3) As formas são capazes de trazer características marcantes para as edificações, tornando-as


diferenciadas de acordo com as variadas composições dos arquitetos. Um exemplo interessante e
famoso referente à forma de uma edificação é a Vila Rotonda, projeto do arquiteto italiano Andrea
Palladio.
Assinale a alternativa que apresenta a caracterização correta da forma dessa edificação.

A) Forma regular, forma aditiva e forma centralizada.

B) Forma irregular, forma aditiva e forma agrupada.

C) Forma regular, forma aditiva e forma agrupada.

D) Forma irregular, forma aditiva e forma centralizada.

E) Forma irregular, forma subtrativa e forma radial.

4) O movimento moderno foi um marco para a arquitetura, pois trouxe novas ideias sobre a forma
das edificações. Nesse contexto, também surgiram obras diferenciadas que se tornaram famosas
ao longo do tempo, uma vez que se destacaram nesse momento da história. Um dos exemplos é a
Casa Edith Farnsworth, do arquiteto Mies Van Der Rohe.

Sobre essa edificação, e no que diz respeito aos elementos horizontais e às aberturas, assinale a
alternativa correta.
A) Identificamos um plano base, um plano de cobertura e a abertura em planos.

B) Identificamos o plano de base elevado e aberturas em quinas.

C) Identificamos o plano de base elevado, o plano de cobertura e aberturas entre dois planos.

D) Identificamos plano de base rebaixado, plano de base e abertura em plano.

E) Identificamos o plano de cobertura e aberturas em quinas.

5) As aberturas nos planos de fechamento influenciam de forma direta a relação visual interior
e exterior de um cômodo. Suas características podem influenciar o grau de fechamento do
plano, a vista e a iluminação. Sobre as aberturas, assinale a alternativa correta.

A) As aberturas localizadas ao longo das arestas dos planos de fechamento do espaço fortalecem
visualmente as quinas do volume, promovendo uma continuidade visual e a interação com os
espaços adjacentes.

B) Uma abertura pode estar localizada na própria quina dos planos da parede ou na quina da
parede com o teto, mas somente nesta segunda opção é que teremos efetivamente a
abertura em um canto no espaço.

C) Na abertura entre dois planos, uma abertura pode se estender verticalmente entre o piso e o
teto e horizontalmente entre duas paredes.
D) O tamanho, o formato e a localização da abertura são determinantes na configuração de um
cômodo. Podemos influenciar a ventilação e a iluminação natural do espaço, mas essa
abertura não terá relação com o "foco" no ambiente.

E) A luz do sol através das aberturas projeta sombras nas superfícies dos planos e, através dessa
projeção, conseguimos perceber o tamanho da abertura, mas dificilmente seu desenho.
Na prática
As formas e os elementos primários são importantes na concepção dos projetos e estão presentes
no nosso dia a dia nas mais variadas tipologias arquitetônicas. Entender essas formas e saber
identificá-las nas obras facilita a criação de repertório arquitetônico e, consequentemente, colabora
para o treino da criatividade.

Este Na Prática traz o exemplo da edificação Casa da Música, localizada na Cidade de Porto, em
Portugal. Entenda sua forma final e os elementos identificadores do espaço.
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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Arquitetura: forma, espaço e ordem


A forma, o espaço e o ordenamento desses dois elementos são uns dos principais fatores a serem
considerados no momento da realização de um projeto de arquitetura. Aprofunde seus
conhecimentos sobre o tema nesta obra.

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Introdução à arquitetura
Entender a arquitetura requer a interpretação dos elementos gráficos. Este livro é uma excelente
obra, que traz os principais aspectos da arquitetura de forma acessível. Confira.

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Forma e espaço
Na arquitetura, ao pensarmos a forma de uma edificação, também devemos pensar como serão os
espaços internos, pois isso está totalmente relacionado. Leia mais sobre essa relação neste artigo.

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