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M. Cecília S. R. Gomes
DRAPCentro
Embora a célebre frase de Pasteur “le vin est la plus saine et la plus hygiénique des boissons”,
em muitos aspectos, ainda mantenha actualidade e o vinho, à partida, não contenha
microrganismos patogénicos, acontece que, como refere Peynaud, “durante a sua preparação e
conservação, [ele] não está ao abrigo de acidentes microbianos que podem depreciá-lo ou
mesmo, em casos extremamente graves, torná-lo impróprio para consumo”.
As alterações microbianas a que o vinho está sujeito podem ser devidas a bactérias (lácticas
ou acéticas) ou a leveduras (fungos unicelulares), como a seguir se refere.
A.1. Refermentação
Esta alteração, que é notada pela produção de gás (dióxido de carbono) e ocorrência de
turvação, verifica-se em vinhos doces ou secos com açúcares residuais (> 2g/l), nos quais
permanecem algumas leveduras activas, muitas vezes, mesmo após o engarrafamento.
A.2. Flor
Operada por leveduras de metabolismo aeróbio, como Candida spp. e Pichia spp., esta doença
desenvolve-se, sobretudo, em vinhos jovens e com baixo teor alcoólico, ocorrendo em
depósitos mal atestados ou em garrafas com excessiva camada de ar.
A doença que, quando no início, tem como medidas curativas a realização de uma colagem
seguida de filtração, previne-se facilmente evitando o contacto do vinho com o oxigénio, quer
através do atesto dos depósitos, quer pelo recurso à utilização de um gás inerte. No caso dos
vinhos engarrafados, para além de serem de evitar excessivas camadas de ar, importa aplicar
doses convenientes de sulfuroso e usar rolhas boa qualidade.
B.1. Azedia
Caracterizada pelo desenvolvimento de um cheiro a azedo, que lhe dá o nome, a azedia está
também associada a uma diminuição da cor do vinho e à formação de uma película superficial
esbranquiçada ou acinzentada, semelhante à que ocorre na doença da flor. Trata-se, no
entanto, de uma película mais ligeira, que nunca atinge peso suficiente para sedimentar, pelo
que não ocorre turvação do vinho.
Sendo causada por bactérias acéticas (sobretudo Acetobacter spp.), muito tolerantes ao
álcool, a doença pode ocorrer em vinhos com 14-15% vol., embora a sobrevivência das
bactérias seja mais facilitada em vinhos com baixa graduação alcoólica. São favoráveis
condições de baixa acidez fixa, falta de atesto das vasilhas ou má qualidade das rolhas,
permitindo o contacto do vinho com o oxigénio, deficiente higienização do equipamento e
reduzidas doses de sulfuroso. A temperatura óptima para o desenvolvimento das bactérias
acéticas é de 25-30ºC.
Nos casos de doença declarada, um vinho com azedia só pode ser encaminhado para a
destilaria ou ser aproveitado para produzir vinagre, a menos que a doença esteja ainda no
início e a acidez volátil do vinho não tenha subido muito. Neste caso, pode-se recorrer a alguns
tratamentos, nomeadamente ao loteamento com mosto fresco, provocando-se depois uma nova
fermentação, ou à pasteurização do vinho. O recurso à neutralização com desacidificantes
(como o tartarato neutro de potássio e o carbonato de cálcio) não é eficaz, pois estes
compostos neutralizam primeiro os ácidos fixos e só depois os voláteis, resultando naquilo a
que habitualmente se chama “vinhos chatos” (vinhos pouco ácidos).
Como medidas curativas, pode ser indicada a realização de uma colagem seguida de filtração,
mas apenas nos casos em que a acidez volátil ainda não tenha subido muito.
Muito semelhante ao pico láctico, distingue-se dele pelo aparecimento de um sabor agri-doce
devido à produção de manitol (sabor doce) a par da produção dos ácidos acético e D-láctico, e
é resultado da degradação da frutose pelas bactérias lácticas.
B.4. Gordura
Esta manifestação, embora rara, ocorre sobretudo em vinhos brancos com baixo teor alcoólico
e pH elevado (e poucos taninos), embora também possa ocorrer em vinhos tintos. A qualidade
organoléptica não é afectada, a cor e o aroma do vinho mantêm-se e a acidez volátil também
não sofre alteração. O que se nota, no caso da doença da gordura, é que o vinho, ao cair no
copo, produz um som característico, que se assemelha ao cair de um fio de azeite.
Tendo sido outrora uma doença frequente, o desenvolvimento de práticas enológicas que
asseguram uma melhor higienização de vasilhas, equipamento e instalações em geral, bem como
a correcção da acidez e a sulfitação convenientes, têm reduzido bastante a incidência da
volta.
A volta manifesta-se pelo aumento da acidez e do pH, pelo aparecimento de nuvens ténues,
com o aspecto de algodão, que se movem lentamente no vinho, pela produção de gás, pelo
surgimento de um aroma desagradável e pela alteração da cor dos vinhos, que se tornam
acinzentados, no caso dos tintos, e adquirem tonalidades verde acastanhadas, no caso dos
brancos.
Como medida curativa, a realização de uma filtração esterilizante pode ser eficaz quando a
doença ainda não se encontra numa fase muito avançada (justificando-se quando o vinho vai
ser comercializado de imediato).
B.6. Amargo
Sendo uma doença pouco frequente, o amargo está associado a vinhos tintos velhos, pouco
ácidos, pouco alcoólicos e com algum teor em taninos.
Caracteriza-se pelo aparecimento de um sabor amargo pronunciado, por uma ligeira libertação
de gás e por uma perda de cor.