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ISBN 978-85-7899-213-2
Editora In House
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[ Joel Silveira ]
Eber Cocareli
Diretor Geral da FAPSP
OBSERVAÇÕES:
O valor relativo aos direitos autorais dessa obra será cedido à ANDI - Comu-
nicação e Direitos.
O jornalista Caco Barcellos chegou a ser entrevistado pelas estudantes Cynthia
Mello, Lúcia Armelin e Priscila Guimarães, mas só autorizou a publicação da
entrevista no ambiente acadêmico.
“O caso conto
como o caso foi:
ladrão é ladrão,
boi é boi.”
Conheci essa quadrinha em um livro de jornalismo escrito por um
autor da região Nordeste (agora não me recordo o nome) e nunca mais me
esqueci dela. Podemos tirar desses versos uma preciosa lição de reporta-
gem: contar a história de maneira simples, clara, direta, com as palavras
que a definem.
Tem outra “lição”, esta meio no sarro, deixada por Rubem Braga. Pen-
sando na imprensa escrita (que era a mídia de seu domínio), respondeu à
pergunta sobre como se faz uma boa reportagem da seguinte maneira:
“Começa com maiúscula, termina com ponto final.”
Jornalismo é uma área que é enjoada de teorizar. Depois que os ame-
ricanos fizeram aquela fórmula do 5W + H (What, Who, Where, When,
Why e How) parece que teoria no jornalismo está mais na prática mesmo.
É ler (ver, ouvir) os bons e correr atrás.
Eu sei de uma regra bem cruel: jornalismo é uma ocupação de um
mercado de trabalho restrito, de muita concorrência e competitividade.
Só sobe quem abre seu caminho arranhando a pedra do muro com a unha.
Às vezes, sangra; moleza é que não tem.
...
...
Este livro reúne jornalistas históricos do Brasil, com tanto jeito e es-
tilos diferentes para contar uma história, mas sempre a contando bem.
São jornalistas que passam o que é importante, a emoção. A todos, tiro
meu chapéu, reverentemente, e de alguns tenho inveja escondida... (mas
sem maldade).
Alguém dirá que tem muito jornalista bom que ficou de fora. Pode
ser, certamente é. Mas ninguém vai dizer que nesta relação dos Mestres da
Reportagem tem algum cabeça-de-bagre.
BRUNO GARCEZ
“A arrogância e a empáfia são dois
dos piores pecados do jornalista” .............................................................. 59
CARLOS WAGNER
“Quero ser lembrado pela História” .......................................................... 69
CÉSAR TRALLI
“Jornalismo não é profissão de celebridade” ........................................... 81
CID MARTINS
“O segredo é tentar olhar a história por outro ângulo” ....................... 105
ELIANE BRUM
“A pergunta é uma forma de controle” ................................................... 115
ELVIRA LOBATO
“A boa reportagem é aquela meticulosa”................................................ 139
ERNESTO PAGLIA
“Não há nada mais interessante pra fazer
em televisão do que reportagem” ............................................................ 151
GÉRSON DE SOUZA
“Jornalista também é ser humano” .......................................................... 203
GIOVANI GRISOTTI
“As instituições não funcionam de maneira eficiente” ......................... 219
GOULART DE ANDRADE
“Eu só mostrava a realidade. A polêmica vinha depois” .................... 233
LEANDRO FORTES
“O jornalista não deve aceitar fazer trabalho sujo” ............................. 289
MARCELO CANELLAS
“O jornalismo tem uma natureza insubmissa” ...................................... 323
MARCELO REZENDE
“O jornalista deve ser chefe de si mesmo” ............................................ 341
MAURI KÖNIG
“A imprensa é o facho de luz sobre a atuação
de grupos políticos, criminosos e grandes corporações” ..................... 361
PAULA SCARPIN
“O capricho na elaboração dos textos
é uma forma de seduzir o leitor” ............................................................. 377
REGIANI RITTER
“Eram 600 homens contra
uma mulher fazendo futebol” ................................................................... 399
RENATO LOMBARDI
“Para ser jornalista é preciso ter vocação” ............................................. 415
RICARDO KOTSCHO
“O jornalismo tem que surgir da rua
para a redação e não da redação para rua” ............................................ 431
ROBERTO CABRINI
“A melhor matéria da sua vida
vai ser a próxima” ....................................................................................... 449
SILVIA BESSA
“Precisamos contar o que se passa no Nordeste” ................................. 467
SÔNIA BRIDI
“A única coisa que vale a pena
no jornalismo é a reportagem” ................................................................. 479
TATIANA MERLINO
“É preciso ser ético, estar próximo
do povo e dar voz a ele”............................................................................ 505
VALMIR SALARO
“Não sou um jornalista justiceiro” .......................................................... 515
Não é propriamente o véu sobre o rosto das mulheres que faz com
que o Oriente Médio e os países muçulmanos do norte da África e de
parte da Ásia sejam vistos como redutos de terroristas. Existe um véu
abstrato, muito mais decisivo para a formação dessa visão preconceituosa,
que é aquele criado pela forma distorcida como essas regiões são retrata-
das no Ocidente. A cobertura não raro ignora a riqueza cultural de países
que representam o berço da humanidade; fica indiferente ao contexto
histórico que fez essas partes do mundo mergulharem em um círculo vici-
oso de violência; esquece-se de que a população local é tão vítima do
terrorismo como todos nós.
Felizmente, ainda há repórteres que, com coragem e respeito ao jor-
nalismo, atuam procurando mostrar o que está por trás desse véu, contri-
buindo para um mundo mais tolerante e solidário. Adriana Carranca é
uma dessas profissionais.
Fez isso quando escreveu O Irã sob o chador – Duas brasileiras no país dos
aiatolás (Editora Globo, 2010), em parceria com a colega Marcia Camargos,
e O Afeganistão depois do Talibã (Civilização Brasileira, 2011). A primeira
obra traz a sua própria vivência e a da coautora em viagem ao Irã. Já no
livro sobre o Afeganistão, ela conta a história de 11 personagens e como
a década, desde o 11 de Setembro, é vista e vivida por eles; o maior aten-
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Após a graduação, foi ser babá nos Estados Unidos durante seis me-
ses para aprimorar o inglês. A experiência, que aparentemente não tinha
nada a ver com jornalismo, contribuiu para a cobertura que fez anos mais
tarde da Guerra do Afeganistão (deflagrada com a invasão do país pelas
forças de coalizão lideradas pelos EUA em resposta aos atentados de 11
de Setembro). “Foi importante para entender como pensam os america-
nos conservadores”, afirma.
Quando voltou ao Brasil, experimentou diferentes áreas da comuni-
cação – trabalhou escrevendo roteiros para vídeos, e passou por uma ex-
periência em empresa de comunicação. Mas queria mesmo é fazer repor-
tagem. Começou a fazer matérias freelance para revistas da editora Abril,
como Cláudia e Exame até ser contratada por Veja São Paulo.
No jornal O Estado de S. Paulo, para onde foi dois anos depois, passou
a direcionar seu trabalho para pautas de cunho social: “Eu me encontrei.
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“Os afegãos comuns não têm relação com bin Laden e com o
terrorismo. Aliás, o suicídio para o afegão [como faz o homem-
bomba] é um crime, uma desonra. A Al Qaeda, de bin Laden,
teve muita dificuldade para encontrar e treinar homens-bomba
no país.”
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Como a sua família reagiu ao saber que você ia para uma região
belicosa?
AC: Na primeira vez que fui para o Afeganistão não contei para nin-
guém. Meu marido sabia por alto. De lá, liguei para ele e para a minha
mãe, mas a reação maior foi dela. Eu disse: “Mãe, fica calma. Está tudo
bem. Mas eu estou no Afeganistão”. Ela caiu no choro! Eu falava com ela
no viva-voz e jornalistas afegãos que estavam na sala ouviram tudo. Eu
traduzi para eles o que estava acontecendo e eles comentaram: “Puxa,
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“Na maioria das vezes, as melhores fontes não são aquelas que
estão em evidência, mas os subalternos, como um motorista, por
isso é importante não desprezar ninguém.”
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“Um bom repórter tem que ser curioso por natureza. E gostar
mais dos temas que está cobrindo do que gostar de ver o seu
próprio nome no jornal ou sua cara na tela de TV.”
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Qual foi o start para a reportagem investigativa que você fez so-
bre a operação Satiagraha, ou seja, que dado inicial te levou a apu-
rar o caso?
CT: Eu estava fazendo uma série de apurações sobre crimes financei-
ros, quando me deparei com esse caso. Quando você vai a fundo em
determinada área no jornalismo, é natural que você acabe tomando co-
nhecimento de situações que seus olhos, a princípio, não estavam miran-
do. E aí – obviamente - pelo teor do caso, de interesse público, e pelo
valor jornalístico determinado assunto passa na frente dos demais e entra
para o rol das prioridades. Isso ocorreu neste episódio.
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“Meu pai ficou cego em 1994 e foi por isso que resolvi trabalhar
em rádio. Sempre digo que é uma forma dele me ver um pouco a
cada dia.”
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E foi no Zero Hora que você começou com a sua linha de fazer
reportagens sobre anônimos, com esse seu jeito de ver coisas boni-
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“Eu defendo que o cheiro, a textura das coisas e os gestos são tão
importantes quanto as palavras. O que não é dito é tão impor-
tante quanto aquilo que é dito. Tudo é informação. Às vezes, o
jornalista pensa que informação é somente a palavra dita.”
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Muita gente diz que a Internet não é lugar para textos longos.
Qual é a sua opinião a respeito?
EB: Eu acho a Internet um lugar perfeito para textos longos, comple-
xos, profundos. Uma coisa que me deixa muito indignada é essa balela de
que Internet é para textos curtos e rápidos, para notícia e não para repor-
tagem. Isso é uma bobagem enorme, e é uma sacanagem, porque pela
primeira vez na história a gente tem um meio no qual não há disputa de
poder por espaço, como ocorre no espelho do jornal e da revista. A Internet
é um meio ilimitado, no qual você pode escrever cem páginas, se desejar.
As matérias podem finalmente ter o tamanho que elas precisam ter. Pas-
sei a vida inteira ouvindo que eu escrevia demais para os padrões do
jornalismo tradicional, sempre enfrentei gozação a respeito disso. A Internet
mudou essa relação. Sempre ouvi também que o leitor não gosta de texto
longo, mas aí tu pergunta: “Essa afirmação que tu está dizendo vem de
onde, de qual pesquisa?” E aí tu percebe que não tem pesquisa por trás
daquela afirmação. Desde março de 2010, escrevo uma coluna semanal
de opinião na Época. Essa é a relação que mantenho hoje com a revista.
De vez em quando, eu faço algumas reportagens. Na coluna, eu pude
comprovar que o leitor gosta sim de textos longos, que ele lê sim textos
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Qual foi a sua situação mais difícil que você viveu como repórter?
EB: Já tive vários momentos difíceis, mas talvez a matéria mais difícil
tenha sido a minha primeira grande reportagem, que foi sobre a Coluna
Prestes. Fiz essa matéria em 1993, quando eu tinha 26 anos. Foi difícil
por várias razões. Primeiro, porque foi uma matéria concretamente difícil
de fazer: foram 25 mil quilômetros percorrendo o território brasileiro,
passando por lugares muito distantes, muito pobres. Havia dificuldades
práticas, como reconstruir pontes e viajar quilômetros usando álcool de
cozinha como combustível. E essas dificuldades práticas eram, na verda-
de, as menores, porque eu acabei descobrindo que a história que eu fui
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“Você precisa ter bastante domínio do assunto pra não ser usa-
do como massa de manobra, e não servir a um propósito de
alguém que quer acusar outra pessoa.”
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“Na nossa profissão não dá pra ser burro. Tem que ser, pelo
menos, medianamente inteligente. Também é importante ser bem
informado e curioso. Quanto ao resto a gente dá um jeito.”
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Por falar em Newton Cruz, nas entrevistas que você fez com ele
e com o general Leônidas Pires, que chefiou o DOI-CODI (Desta-
camento de Operações de Informações/ Centro de Operações de
Defesa Interna - do I Exército no Rio de Janeiro entre março de
1974 e janeiro de 1977), houve algo que foi dito que o incomodou?
GMN: Já me perguntaram até se fiquei com medo. Não fiquei com
medo, mas, em alguns momentos, quando os generais me dirigiam per-
guntas, evitei responder, porque minha função, ali, era a de jornalista: eu
não estava ali pra fazer um debate com Leônidas Pires ou com o Newton
Cruz. Mas quando o general Leônidas falou sobre algo que me pareceu
muito injusto sobre o [ex-governador] Miguel Arraes ter “fugido”, tive
que lembrar que Arraes foi deposto do governo, preso na ilha de Fernando
de Noronha e exilado. Teve de sair do Brasil. Em outro momento da
entrevista, ao falar sobre mortes na luta armada, o general perguntava:
“É duro pra você ouvir isso?”. Também há outra parte em que ele disse
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“Eu não tenho tanta coragem assim. O que ocorre é que, quan-
do você vê a possibilidade de fazer algo que é raro, sobra cora-
gem. Eu tive sorte de chegar duas vezes ao topo do vulcão Pacaya
e ele estar expelindo aquela fumaça tóxica, quase explodindo,
isso é sorte.”
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“Me deram uma espécie de pinga que ficava num vidro que
trazia fetos de vaca, pênis de crocodilo, asa de morcego. Essa
tribo é conhecida por matar seus inimigos e arrancar o pulmão e
o coração. Foi melhor aceitar bebida” [risos].
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“Eu vou te matar, ele me falou. Ao ouvir isso, entrei no shopping pra
pedir socorro a algum segurança. Nesse meio tempo, já tinha numa saco-
la, só por precaução, uma camiseta e um boné. Tirei a camiseta que esta-
va usando e vesti a que estava na sacola, coloquei o boné e sai pelos
fundos do shopping. Consegui escapar com a ajuda de um motoboy”.
Essa poderia ser uma daquelas cenas de fuga que costumamos ver em
filmes de ação, mas é uma história real. Aconteceu com o repórter gaúcho
Giovani Grizotti, da RBS TV (Rede Brasil Sul de Comunicações, retransmissora
da Rede Globo no Rio Grande do Sul), em uma das vezes em que foi ame-
açado por conta de seu jornalismo investigativo.
Com uma câmera escondida e muita ousadia, Grizotti não tem medo
de enfrentar a corrupção. Defende que o jornalista precisa ter coragem
para bater de frente com pessoas poderosas, políticos, empresários e até
policiais corruptos. “Na hora de fazer um flagrante de corrupção, por
exemplo, você tem que ter coragem para se fazer passar por um corrupto
ou por alguém que está interessado em participar de algum esquema”,
explica.
E qual seria o rosto do destemido repórter? Não se sabe. Grizotti
preserva sua identidade para sua própria segurança e para garantir o an-
damento de suas matérias. Toma uma série de cuidados para se manter
incógnito. Muda de endereço a cada dois anos, no máximo, e não permite
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Você poderia nos relatar uma das várias situações de risco que
viveu em sua carreira?
GG: Houve várias, consigo relembrar bem algumas delas. Foi quando
fiz uma reportagem sobre a máfia das funerárias, que era um esquema em
que policiais rodoviários recebiam uma comissão toda vez em que avisa-
vam determinadas funerárias quando ocorriam mortes no trânsito. As fu-
nerárias procuravam os parentes dos mortos e conseguiam obter a tarefa
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Nas suas matérias a gente percebe que você conversa com uma
linguagem muito próxima da fala do entrevistado e ele,
consequentemente, abre o coração pra você. Como explica isso?
GA: A minha cultura da humanidade veio de experiências pessoais
que tive em várias atividades. Dos 15 anos aos 20 anos, consegui fazer
muita coisa e reservava essas coisas na minha essência. Eu saia de um
emprego e dois meses depois entrava em outro. Fui salva-vidas de praia,
motorista de caminhão, jogador de futebol, piloto de avião. Isso me deu a
oportunidade de entender todo tipo de pessoa – da mais simples à mais
refinada, de falar a língua da prostituta, do cardeal, dos esportistas. Isso
que me facilitou e que me ajuda até hoje. Não fui um tolo! Quando tinha
15 anos, eu entregava remédios de uma farmácia na casa das pessoas com
uma bicicleta. É a partir dessas experiências que você cresce como ser
humano. Você aprende a linguagem dos outros. Em 1960, as portas dos
cemitérios eram abertas e eu não tinha grana pra pagar hotel todo dia,
então fiz um acordo com o cara do hotel: “Quando eu dormir aqui você
me cobra, quando eu não dormir você não me cobra. Peço apenas que
deixe as minhas roupas ficarem aqui? Pode ser?”. Ele respondeu que sim.
Então, eu deixava a roupa lá e andava com uma pequena malinha com
uma cueca e minha escova de dentes. Quando dava uma hora da manhã
eu pensava: “Não vou para o hotel, porque tenho que estar às oito aqui
na rua Bahia”. Eu tinha um compromisso comercial. Então, eu dormia
no cemitério da Consolação, e era delicioso. Acordava com o barulho da
vassoura varrendo as folhas. Tinha um banheirinho lá no cemitério aonde
eu ia escovar meus dentes. Depois que me aprontava, saia para trabalhar.
Na década de 80, os cemitérios começaram a fechar, porque foram inici-
ados os assaltos a túmulos, e aí não dava mais pra fazer isso. Até fiz
cobertura dessa questão. Enfim, essa foi uma experiência impagável na
minha vida. Você não consegue pagar um psiquiatra ou psicólogo pra te
dar isso, precisa viver. Você precisa ir fazer solda pra dizer que foi um
operário de solda, precisa dirigir um avião pra dizer que foi um piloto.
Essas coisas enriquecem muito o ser humano. Um filho meu foi ser repór-
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Hoje em dia a maior parte dos repórteres fica boa parte do tem-
po na redação, sem ir para a rua. Você acha que isso afeta o jorna-
lismo?
GA: Isso é o ortodoxo da profissão. O que eu sou é uma exceção. Mas
não há mérito nenhum nisso. Vocês ficam me chamando de “mestre, mes-
tre”, mas não tem mestre nenhum aqui. Sinceramente, vocês são jovens e
estão começando. Vocês vão me olhar e só vão me olhar, não vão fazer
nada como eu. Cada um tem a sua experiência. Não há mérito e nem
demérito nisso. A única coisa que eu, sem querer ser arrogante, posso
passar pra vocês, é que sejam curiosos na hora de fazer uma reportagem.
É uma bobagem sair de uma redação com uma pauta estipulando: “O
Carlinhos Cachoeira é um bicheiro assim e assado...” Você tem que sentar
na frente do Carlinhos Cachoeira e perguntar: “Porque você é Carlinhos,
no diminutivo, e não Carlos?”. Essa é a primeira pergunta que eu faria pra
ele [risos]. Tudo tem que te despertar curiosidade.
“O Capeta era maravilhoso. Ele era meu alter ego, meu olhar
eletrônico. Tinha uma sensibilidade fantástica. Ele percebia que
eu tinha achado algo interessante e logo focava a câmera naqui-
lo, eu não precisava falar nada. Nunca mais consegui uma pes-
soa que tivesse tanta sintonia comigo.”
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Muita gente acredita que tudo o que sai na mídia é verdade. Por
que isso acontece?
JA: Essa ilusão de que o jornalismo expressa a verdade acontece mui-
to pela falta de informação das pessoas. Muita gente que viu as torres do
World Trade Center caindo em 11 de setembro de 2001 nos EUA compra
a versão de que aquele foi o maior atentado da história mundial, porque
não sabe nada sobre Hiroshima e Nagasaki e nem sobre a Guerra do Vietnã,
quando os Estados Unidos mataram mais de dois milhões de camponeses
com bombas. A grande mídia trabalha com a ignorância dos leitores, dos
telespectadores. Ela joga com a ignorância, sabendo que a maioria do
público é comodista e não questiona. Ou então a pessoa sabe, mas tem
medo de questionar e finge que aceita aquilo que está sendo dito. Isso é
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A Veja é tida por muita gente como a “revista das pessoas cul-
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Você sempre quis ser jornalista? O que o levou para essa área?
Mauri König: Costumo dizer que foi o jornalismo que me escolheu e
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Os textos que você faz para a Piauí são muito bem trabalhados,
próximo do jornalismo literário. Que dicas você oferece para que o
jornalista consiga fazer esse tipo de texto?
PS: Na verdade, acho que o que temos na Piauí é tempo para apurar
bem as reportagens e espaço para contar as histórias. O capricho que
temos na elaboração dos textos é uma forma de seduzir o leitor a gastar o
tempo dele se debruçando sobre cinco, oito páginas sobre o mesmo as-
sunto. Se o texto não for atraente, se a história não tiver drama, graça,
suspense, ninguém consegue chegar até o final.
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Que técnicas você utilizou para fazer essa reportagem que você
considera que foi a melhor?
PS: Eu já havia lido algumas obras de Tolstói e Dostoiévski, mas
estou a quilômetros de ser especialista no gênero. Apesar de a ideia da
reportagem ser a tradução do russo, a história desses três tradutores na
atividade, eu tinha muito medo de escrever alguma bobagem. Então li
muitos artigos, teses, dissertações, entrevistei muitas pessoas que pudes-
sem me munir de informações antes de começar as entrevistas com os
três. Encomendei livros com todas as traduções disponíveis de cada obra,
comparava trechos. Minha casa virou uma bagunça de livros, papéis e
anotações soltas por todos os lados! E, mesmo assim, durante as entre-
vistas, brinco que adotei uma técnica “psicanalítica”: deixava-os falando,
fazia pouquíssimas perguntas e interrompia o mínimo possível.
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Como você define um bom repórter? Que qualidades ele deve ter?
PS: Como pessoa arguta, perspicaz e obstinada, ele sabe descobrir onde
está uma boa história. Sabe apurar, escrever, ouvir e contar. É uma arte.
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“Eu não podia errar. Eram 600 homens contra uma mulher
fazendo futebol e outras poucas na produção. No caso de qual-
quer erro, iria ouvir: Volta pra a cozinha!”
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Por ter mais sensibilidade, você acha que a mulher leva vanta-
gem para obter as informações?
RR: A mulher leva vantagem quando faz bom proveito das informa-
ções. Nem que para isso ela tenha de voltar na mesma pessoa para obter
mais informações. Só que um detalhe é fundamental: tratar com decência
e honestidade as informações e a pessoa informante.
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Como foi saber que uma premiação teria o seu nome? No caso,
o Troféu Regiani Ritter, da Associação dos Cronistas Esportivos do
Estado de São Paulo (ACEESP).
RR: O Érick Castelheiro, vice-presidente da ACEESP e do portal
Gazeta Esportiva Net, que é um site esportivo maravilhoso, e a Michelle
Giannella [apresentadora do programa Gazeta Esportiva] foram ao estúdio,
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Sim, afinal você foi uma pioneira. Qual foi a grande mensagem
que sempre a norteou na vida?
RR: Meu pai e a minha mãe sempre me diziam que para ser alguém na
vida eu não precisava falar dez idiomas ou vestir roupa de marca. Nem
precisa viajar todo ano para a Europa ou os Estados Unidos. Não precisa-
va me prostituir ou ir para esquina usar drogas para vencer. Eles me ensi-
naram que para ser alguém eu só precisava ter dignidade, vergonha na
cara, solidariedade e trabalhar. Trabalho é uma coisa que verdadeiramen-
te enobrece e dignifica o homem. Embora eu não goste dos ditados anti-
gos, esse é o mais certo. Eles me deram o principal, eles me deram educa-
ção para conviver com o mundo, para conviver com o planeta. Eu amo
viver! Amo a vida e as pessoas, especialmente aquelas que estão perto de
mim.
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Você ganhou o Prêmio Esso com a matéria que fez em 1985 so-
bre a corrupção no extinto INAMPS (Instituto Nacional de Assis-
tência Médica da Previdência Social). Na época, você dividiu os
créditos que teve com a equipe do jornal O Estado de São Paulo.
Por que fez isso?
RL: Nesse caso, necessitei do apoio de outros colegas. Nada mais
justo do que dar crédito aos que se empenharam nesta cobertura que foi
tão ampla. Recebi a informação do envolvimento de uma família com os
golpes. Eles eram donos de uma empresa contábil e moravam num pe-
queno sobrado, sem muitas condições financeiras. Em poucos meses se
tornaram ricos. Essas pessoas se associaram aos médicos do INAMPS.
De um simples atendimento ambulatorial, como um pequeno corte, o
grupo cobrava o preço de uma cirurgia. Com isso, ganharam muito di-
nheiro. Durante o trabalho de apuração, levantei as informações, monta-
mos um esquema de cobertura e, enquanto os demais colegas apuravam
os fatos sobre a família, eu me encarreguei de ficar com a parte dos médi-
cos e da Polícia Federal, que fez toda a investigação e colocou os respon-
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Como foi trabalhar com mestres como Clóvis Rossi e Mino Carta?
RK: Dei muita sorte de trabalhar com eles. Não apenas de aprender a
escrever, a fazer matéria, mas principalmente de obter lições de caráter. A
coisa mais importante do jornalista é a honestidade, ter compromisso com
o país e sua gente. Os exemplos que tive marcaram minha carreira. Essa
passagem de uma geração para a outra está em falta hoje nas redações. Há
uma predominância de jovens, inclusive nos cargos de chefia. Gente que
nunca passou pela reportagem e que acaba virando chefe de redação. Acho
isso errado, porque, para comandar uma equipe, é preciso ter experiência
naquilo. Ninguém pode ser general sem ter sido soldado, sargento, tudo
faz parte de um processo.
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Como foi seu início como jornalista? Sempre quis seguir essa
profissão?
Silvia Bessa: Comecei como estagiária do departamento de rádio da
Secretaria de Imprensa do Estado de Pernambuco. Era repórter, saía para
a rua diariamente. Entrevistava autoridades, voltava à redação, ouvia a
fita e montava a matéria. Fazia no tranco, sem muita orientação, como
acontece com a maioria dos estagiários. Achava aquele o maior dos em-
pregos. E era mesmo na ocasião. Por meio dele, tive os primeiros conta-
tos com colegas jornalistas, observava como os repórteres profissionais
se comportavam, anotava perguntas para adaptá-las em outras oportuni-
dades. Depois, consegui um estágio em uma instituição governamental
da área de cultura, chamada aqui de Fundarpe [Fundação de Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco]. Acumulava os dois estágios e estu-
dava à noite na Universidade Católica. Achava que, quanto mais estágio
tivesse, melhor para aprender a prática e aumentar as relações pessoais -
naquela época, claro, não havia redes sociais. Era um sufoco, no
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Qual foi a melhor reportagem que você já fez e por que conside-
ra que ela foi a melhor?
SB: Não tem uma específica. Há várias matérias que gostei muito de
fazer. Têm reportagens que são pouco relevantes, mas são bonitas, fica-
ram benfeitas. Outras são muitos fortes. No ano passado, fiz uma série
sobre aquecimento global e ficou bem legal. Na verdade, é o seguinte: a
matéria mais importante é a que eu estou fazendo agora, não a matéria
que já foi para o ar. Se eu não tratar a matéria que estou fazendo agora
como a mais importante da minha carreira, então ela não vai manter o
padrão de qualidade. Não dá para tratar uma reportagem como apenas
mais uma.
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Qual conselho você oferece para quem deseja ser um bom jor-
nalista?
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Você costuma dizer que alguns casos mais graves que ocorrem
na periferia não têm tanto destaque como teve o caso Isabella
Nardoni. Por que a mídia se comporta dessa maneira?
VS: É a classe média cobrindo crime de classe média. Na maioria das
vezes, é isso. Se o caso Isabella tivesse acontecido na periferia, ia até sair
a notícia num jornal ou outro, mas não teria essa repercussão de parar o
país. Porque todos falavam do caso Isabella. Aonde eu ia as pessoas me
perguntavam a respeito.
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