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DESIGN E SUSTENTABILIDADE

AULA 5

Prof. Jaime Ramos


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, vamos apresentar quais são as possibilidades e quais as


vantagens de usarmos a natureza como fonte de inspiração para o
desenvolvimento de soluções mais sustentáveis. Falaremos sobre o uso da
biomimética como ferramenta para resolver problemas de projeto e sobre o seu
potencial na busca de soluções de design mais sustentáveis e mais
harmonizadas com o meio ambiente. Também trataremos sobre como a
biomimética tem sido usada para aplicações no design e no desenvolvimento de
novos materiais, bem como os métodos para seu uso nas etapas de um projeto.
O objetivo é conhecer e aprender como é possível expandir o nosso potencial
criativo na busca por soluções inovadoras para os problemas ambientais atuais.

CONTEXTUALIZANDO

Como já sabemos, na natureza não existe lixo. Quando um material é


descartado, ele é reaproveitado de alguma forma. Além disso, as soluções
existentes na natureza costumam ser muito mais complexas e superiores à mais
sofisticada tecnologia humana. Essas soluções são também extremamente
eficientes, tanto nos seus aspectos formais, funcionais, comportamentais,
quanto na sua interação com os outros ecossistemas. A natureza sempre usa o
mínimo de recursos e materiais para atender a uma determinada função. Assim,
as soluções naturais são também um modelo para o desenvolvimento de
projetos que levem em conta a sustentabilidade ambiental.
O estudo sistematizado das soluções existentes na natureza com a
finalidade de aplicar essas soluções para resolver problemas humanos é uma
ação relativamente recente e que tem sido chamada de biônica ou de
biomimética. É uma área que vê a natureza como fonte de inspiração para se
alcançar soluções inovadoras. Nem sempre essas soluções técnicas obtidas por
meio da inspiração na natureza são sustentáveis, mas o mundo natural está
repleto de exemplos de criações que são genuinamente assim.
A biomimética pode ser usada na concepção de soluções de design nas
suas mais variadas vertentes, por exemplo, gráfico, editorial, animação, games,
interiores, moda e produto. O processo de design, em cada uma dessa áreas,
começa normalmente em função de um problema ou necessidade. Para colocar
a biomimética nesses processos, o designer pode começar com as seguintes

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perguntas: como a natureza resolve um problema ou necessidade semelhante?
Como essas soluções estão integradas na natureza com outros sistemas
naturais?

TEMA 1 – BIOMIMÉTICA

A biomimética estuda a natureza com o objetivo de identificar as soluções


que existem nos sistemas naturais e que possam auxiliar na resolução de
problemas humanos. Essas soluções, com as devidas adaptações, podem ser
aplicadas na criação ou desenvolvimento de formas, funções, materiais ou
comportamentos análogos. O design de formas busca fazer parecer com algo
existente na natureza. Nas funções e materiais, busca-se o funcionamento ou
características do sistema natural para aplicá-las no design ou desenvolvimento
de novos materiais. Quanto a comportamentos análogos, busca-se entender
como um sistema natural age, para depois mimetizar esse comportamento em
um sistema técnico.
Mas vejamos: com tanta tecnologia, informação e conhecimento que
temos hoje à nossa disposição, por qual razão deveríamos nos inspirar também
na natureza para resolver nossos problemas?
O que acontece é que a natureza na Terra teve quase 4 bilhões de anos
para fazer experiências, criar formas e soluções, que já foram testadas,
selecionadas e aprovadas ao longo do tempo. Assim, apesar de todo o
desenvolvimento científico e tecnológico alcançado pela humanidade, ainda
tempos muito o que aprender com as soluções existentes nos sistemas naturais.
Seria muito bom se pudéssemos criar embalagens biodegradáveis que
preservassem um suco mesmo fora da geladeira e que fossem tão eficientes
quanto em uma laranja.
De acordo com Pazmino (2018),

As frutas como a laranja, tangerina são produtos e embalagens que


apresentam absoluta coerência entre forma, função, consumo e
descarte [...] Cada receptáculo é embrulhado individualmente por meio
de películas, todas elas protegidas por uma casca forte e
biodegradável.

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Figura 1 – Laranja cortada – casca e gomos protegem e preservam o suco

Crédito: Valentyn Volkov/Shutterstock.

As formas naturais podem ser criadas ao longo de um processo de


evolução ou moldadas pelas ações da física. Por exemplo, uma gota de água
caindo tem sua forma moldada pelo ar, que cria uma forma aerodinâmica que
pode ser considerada uma forma ideal para diminuir a resistência do ar a um
corpo durante o deslocamento.

Figura 2 – Gota de água caindo

Crédito: AG Cuesta/Shutterstock.

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Segundo Ramos (2018),

Os primeiros humanos usavam já a experiência dos processos naturais


como fonte de inspiração para resolver seus problemas cotidianos. A
forma dos peixes pode ter servido de inspiração para a configuração
das primeiras canoas. As primeiras choupanas apresentavam
semelhanças com os ninhos dos pássaros. A ponta do arpão, usado
desde a idade da pedra, é semelhante ao ferrão dos insetos e aos
espinhos de algumas plantas.

A utilização de princípios biológicos no projeto de máquinas pode ser vista


nos trabalhos de Leonardo Da Vinci, que estudou o voo dos pássaros,
analisando o batimento das asas. Com esse conhecimento, projetou inicialmente
asas movidas pelo batimento comandado pelos braços (Pazmino, 2018).

Figura 3 – Umas das máquinas voadoras imaginadas por Leonardo da Vinci

Crédito: Nesa Cera/Shutterstock.

Inicialmente, a palavra biônica foi utilizada para nominar as iniciativas que


tinham como objetivo integrar a biologia e a engenharia, assunto que também
despertava muito interesse na área militar. A biônica foi inicialmente definida pelo
major Steele da Força Aérea Americana como “a ciência dos sistemas cujo
funcionamento foi copiado de sistemas naturais ou que apresentam
características específicas de sistemas naturais ou ainda que lhes são análogos”
(Gerardin, citado por Ramos, 1993).
É importante esclarecer que, quando se fala em imitar a natureza, isso vai
além de simplesmente copiar. Envolve analisar e compreender o princípio
natural, adaptando e traduzindo a solução encontrada para resolver um

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problema de projeto. Essa aplicação pode ser na criação de formas, funções ou
princípios de funcionamento e organização.
O termo biomimética foi cunhado por Otto Schmitt, engenheiro biomédico
da Universidade de Minnesota, em 1957, a quem também se atribui sua
formulação como teoria (Vincent et al., 2006).
A bióloga americana Janine Benyus contribuiu para difundir o termo
biomimética como uma abordagem que pode ir além de olhar a natureza como
um lugar onde sempre vamos para extrair alguma coisa. Benyus (1997) defende
que a natureza seja encarada de forma mais respeitosa e como um lugar de
aprendizado. Segundo ela, a biomimética “inaugura uma era cujas bases
assentam não naquilo que podemos extrair da natureza, mas no que podemos
aprender com ela” (Benyus, 1997).

TEMA 2 – BIOMIMÉTICA VERSUS SUSTENTABILIDADE

Na busca de soluções para a redução de impactos ambientais dos


produtos, a própria natureza pode ser uma fonte de inspiração, pois ela sempre
utiliza a menor quantidade de matéria e de energia para obter o máximo em
desempenho. A compreensão dos meios pela natureza utilizados para obter
esse efeito fornece base para o desenvolvimento de produtos que aproveitem
melhor as características dos materiais e processos existentes (Ramos, 2001).
A natureza é movida a energia solar, usa apenas a energia de que precisa,
adapta a forma à função, recicla tudo, recompensa a cooperação, confia na
diversidade, exige especialização geograficamente localizada, inibe excessos e
“explora o poder dos próprios limites” (Benyus, citada por Pazmino, 2018).
Como já sabemos, a busca por soluções de projeto ambientalmente
sustentáveis passa pela redução do uso de materiais e da energia necessárias
para configurar nosso meio artificial. A biomimética pode dar uma grande
contribuição nesse sentido, já que a natureza está repleta de exemplos de
soluções leves duráveis e resistentes, testadas e aprovadas.
Projetar usando como inspiração as formas naturais pode servir a
diferentes propósitos. Primeiramente essas formas fazem parte da cultura visual
humana que sempre conviveu com elas. Assim, estamos habituados a
reconhecer essas formas intuitivamente. Falando de uma forma ampla,
designers são criadores de interfaces visuais entre a informação e os usuários.
Quando a informação é compreendida com facilidade, podemos dizer que o
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design foi bem-sucedido na comunicação. Assim, a biomimética pode ajudar na
tarefa de criar interfaces cada vez mais amigáveis, que facilitem a comunicação
reduzindo desperdício de tempo e de recursos.
A segunda razão é a eficiência dessas formas do ponto de vista do
consumo de recursos. Benyus (citada por Soares; Arruda, 2018) afirma que:

basta observar os feitos incríveis das algas bioluminescentes, que


combinam substâncias para abastecer suas lanternas orgânicas; dos
ursos polares que se protegem do frio através de uma camada de pelos
transparentes que funcionam como as vidraças de uma estufa; das
abelhas, libélulas que excedem a capacidade de manobra dos
melhores helicópteros; da formigas que conseguem carregar o
equivalente a centenas de quilos; dos beija-flores que cruzam o golfo
do México com o equivalente a 3ml de combustível etc...

Existem muitos exemplos de estruturas leves inspiradas em formas ou


soluções existentes na natureza. Segundo Ramos (2018), as bolhas de sabão
serviram como inspiração para o projeto do centro de natação, chamado de
Watercube, utilizado nas Olimpíadas de Pequim em 2008:

As paredes e o teto da construção são compostos de grandes bolhas


achatadas feitas com um polímero translúcido, fino, leve e
extremamente resistente. As bolhas acumulam o ar quente do sol que
também circula para aquecer as piscinas. O resultado é uma estrutura
leve que permite a passagem da luz, manutenção da temperatura
interna, e que funciona como aquecedor natural da água das piscinas.
(Hennighausen, citado por Ramos, 2018)

Esse tipo de solução contribui para reduzir o consumo de energia


necessária, tanto para o aquecimento da água quanto para a iluminação do
ambiente.

Figuras 4 e 5 – Centro de natação Watercube e bolhas de sabão

Crédito: Zhao Jiankang/Shutterstock; Nataliya Rodenko/Shutterstock.

A aplicação de aerodinâmica com o uso da biomimética para resolver


problemas ambientais pode ser visto no trem-bala Shinkansen no Japão. Devido

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à alta velocidade, esse trem provocava, ao sair da boca dos túneis, um barulho
semelhante a uma explosão. Segundo Versos (citado por Soares; Arruda, 2018),
o engenheiro Eiji Nakatsu encontrou a solução ao estudar o pássaro martim-
pescador. Esse pássaro mergulha em busca de sua presa sem espirrar água, o
que assustaria e espantaria a sua refeição. A forma do seu bico é que garante
esse efeito. Ao transpor a forma do bico desse pássaro para o trem foi possível
reduzir em 30% a pressão do ar, resolvendo não apenas o problema do barulho,
mas criando também um trem-bala que consegue ser 10% mais rápido
consumindo 15% menos energia, o que reduz também o seu impacto ambiental.

Figuras 6 e 7 – Trem-bala (Shinkansen) e bico do martim-pescador

Crédito: Vacclav/Shutterstock; Suriya Phonlakorn/Shutterstock.

TEMA 3 – BIOMIMÉTICA: OUTRAS APLICAÇÕES

Na área de mobilidade,

outro exemplo de aplicação da biomimética para reduzir impactos


ambientais é o bionic car da marca Mercedes-Benz, cuja inspiração se
dá por meio da forma e estrutura óssea hidrodinâmica do peixe-cofre
com o propósito de proporcionar alta resistência à estrutura do carro
com um uso mínimo de material. Como resultado, o automóvel
apresentou uma excelente aerodinâmica e peso reduzido com um
consumo de 4,3 litros por 100 km, o que significa 20% mais economia
que os veículos da mesma classe, e ainda, redução das emissões de
óxido de nitrogénio em cerca de 80%. (Versos, citado por Soares;
Arruda, 2018)

Nas áreas do design gráfico ou visual, ou até mesmo nas artes, também
podemos ver inúmeros exemplos de uso da natureza como fonte de inspiração.
Na verdade, essa prática não é novidade. Os antigos gregos estudavam as
proporções naturais para aplicá-las na arte e na arquitetura. Leonardo da Vinci
foi um dos estudiosos que aplicaram a matemática da natureza nas suas obras.
A série de Fibonacci e o número de ouro têm sido usados na arte, na arquitetura
e no design para estabelecer proporções mais agradáveis.

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Observe que as formas orgânicas em geral são menos simétricas e quase
sempre têm curvas. Você lembra de algo reto na natureza? Difícil, não é mesmo?
As formas curvas ajudam a dar resistência às estruturas naturais usando menos
materiais. Do ponto de vista do design visual, ela também transmite harmonia e
proporções agradáveis. A espiral, por exemplo, é uma forma frequente na
natureza. Ela está presente nas formas dos caracóis e dos tornados e em muitas
plantas. A espiral na natureza está associada a crescimento e transformação.

Figura 8 – Corte da concha do Nautilus – exemplo de crescimento na natureza


que acontece por adição, com o mínimo material e máximo de resistência e
volume, além de proporções da série de Fibonacci

Crédito: Andersphoto/Shutterstock.

Já nas construções humanas, o uso de retas está muito presente.


Possivelmente isso acontece nas construções pela facilidade de se construir
com formas retas e por limitações nos dispositivos técnicos que usamos para
transformar os materiais. Por exemplo, é mais fácil fazer um corte reto na
madeira do que um corte sinuoso.
Além da proporção áurea, outra área interessante de estudo do
crescimento das formas naturais são os fractais, que são figuras geométricas em
que cada parte tem as mesmas características formais do todo. Um floco de neve
é um bom exemplo desse tipo de padrão, pois cada parte lembra o conjunto.
Veja a representação esquemática do floco na Figura 9. Consegue identificar
quantos tamanhos de triângulos diferentes existem em cada floco?

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Figura 9 – Representação de flocos de neve – fractal

Crédito: Elfina Design/Shutterstock.

Os processos de impressão 3D criam novas oportunidades para a


construção de formas baseadas na natureza, já que nesse processo as
limitações técnicas para o uso de formas orgânicas desaparecem. Na impressão
3D, por adição de camadas, a peça cresce de forma semelhante ao que
acontece na natureza; o crescimento das árvores, por exemplo, também
acontece por adição de camadas.

Figura 10 – Radiolário – organismo marinho

Crédito: Hannes Grobe/CC Commons.

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Figura 11 – Impressão de forma complexa em 3D

Crédito: Lucheschen F/Shutterstock.

A impressão 3D tem sido cada vez mais usada. É possível imprimir móveis
ou uma casa com esse tipo de processo. Isso permite construir localmente,
evitando os impactos ambientais do transporte de peças e utilizar formas
orgânicas que podem ser mais resistentes, com o mínimo de material e baixo
impacto ambiental como acontece na natureza.

Saiba mais

BEZERRA, M. Vídeo mostra impressora em 3D construindo uma casa


inteira de 2 andares. Tilt, 20 jul. 2020. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/20/video-mostra-
impressora-em-3d-construindo-uma-casa-inteira-de-2-andares.htm>. Acesso
em: 27 out. 2020.

TEMA 4 – NOVOS MATERIAIS

A biomimética busca inspiração na natureza para resolver problemas


técnicos. Mas essa aplicação de princípios naturais no projeto não significa
normalmente uma cópia direta. A solução natural é estudada, e o design
transforma esses princípios em uma aplicação que pode ser feita com materiais
completamente diferentes dos usados no sistema natural. Mas existe uma área
que busca justamente pesquisar esses materiais naturais e reproduzi-los em
grande escala para que possam substituir materiais sintéticos. Essa área é uma
da biotecnologia que atua no desenvolvimento dos biomateriais.

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As tecnologias para a produção e uso dos biomateriais estão sendo
desenvolvidos por empresas e centros de pesquisa em diversos países. Essas
tecnologias são uma alternativa aos materiais feitos com base em combustíveis
fósseis, por exemplo, os polímeros ou plásticos, podendo contribuir para redução
de impactos ambientais da extração, transporte e uso desses derivados do
petróleo.
Na natureza, os materiais não são descartados, mas reaproveitados para
novas funções. Materiais inspirados nessas soluções poderiam nos ajudar a
resolver problemas como o descarte e a geração de lixo com seus impactos
ambientais associados:

A Adidas desenvolveu um tênis biodegradável que pode ser dissolvido


na água em 36 horas com o auxílio de uma enzima. Esse tênis é feito
com um tecido ultraleve e resistente chamado Biosteel. O material foi
desenvolvido usando as mesmas proteínas que as aranhas usam para
fazer suas teias. (Garfield, citado por Ramos, 2018)

Em lugar de jogar o tênis velho no lixo, você poderá simplesmente


derramá-lo no ralo.
Uma empresa americana, a Ecovative desenvolveu um material que pode
substituir o isopor com uma grande vantagem: é biodegradável.

Esse material usa tecnologia de cogumelos (micélio) para converter


resíduos agrícolas (cascas de sementes, talos de milho e rebarbas de
algodão) em um material de compostagem. Após um processo de
secagem, o Mushroom® pode ser utilizado em diversas formas de
aplicação, como na substituição de embalagens de espuma plástica
(EPS, EPP e EPE). (Cradle To Cradle Certified, citado por Barauna;
Razera, 2018)

Saiba mais

PARADISE PACKAGING. Disponível em:


<https://www.paradisepackaging.co/>. Acesso em: 27 out. 2020.

As patas das lagartixas têm sido estudadas há muito tempo. Como elas
conseguem andar no teto sem cair? Como elas conseguem isso sem usar
nenhuma substância adesiva? Segundo Soares e Arruda (2018, p. 21), essa
adesão é possível graças à “força intermolecular encontrada nos seus micro e
nanopelos que ligam as moléculas da pata do animal às moléculas da superfície,
permitindo que se grudem até mesmo em superfícies lisas como o vidro”. Várias
empresas e centros de pesquisa estão estudando como aplicar essa

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característica em uma fita adesiva sem cola, que poderia grudar e desgrudar
várias vezes sem perder a adesão.

Figura 12 – Lagartixa com suas patas aderentes a diferentes superfícies

Crédito: Nico99/Shutterstock.

TEMA 5 – MÉTODOS

Um método, por definição, é uma sequência de ações ou etapas que


podem auxiliar para resolver um problema ou atingir um determinado fim e
alcançar uma meta ou objetivo. Para aplicar a biomimética em um projeto de
design, em qualquer uma das suas vertentes, é preciso entender o design como
um processo integrado de resolução de problemas. O design de sucesso leva
em conta os usuários, seus contextos e restrições de projeto. A
interdisciplinaridade (interação com outras áreas do conhecimento) é importante
para o design, mas isso ganha destaque quando o juntamos à sustentabilidade
e à biomimética. Dependendo do tipo de projeto, é necessário trabalhar em
conjunto com biólogos, engenheiros e estudiosos do comportamento animal.

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Benyus (citada por Araújo et al., 2018) estabelece três princípios base da
biomimética, que também são modos iniciar um projeto inspirado na natureza:

• Natureza como modelo: estudar os modelos da natureza e imitá-los ou


usá-los como inspiração, com o intuito de resolver os problemas
humanos.
• Natureza como uma medida: usar o padrão ecológico para julgar a
relevância e a validade das nossas inovações. Após bilhões de anos de
evolução, a natureza aprendeu o que funciona, o que é mais apropriado
e o que perdura.
• Natureza como um mentor: nova forma de observar e avaliar a natureza.
Preocupar-se não no que podemos extrair do mundo natural, mas no que
podemos aprender com ele. Os seres vivos, em conjunto, mantêm uma
estabilidade dinâmica, continuamente manipulando recursos sem
desperdícios (Benyus, citada por Araújo et al., 2018, p. 209).

A aplicação da biomimética, dentro de um processo de design, pode


seguir diferentes caminhos. Ela pode iniciar com pesquisas sobre características
de sistemas naturais que já foram feitas e que estão disponíveis, ou o próprio
designer pode pesquisar a natureza em busca de princípios ou soluções de
projeto que sejam interessantes para resolver um problema ou atender a uma
necessidade humana.

5.1 Da inspiração na natureza para a aplicação a um problema de projeto

Nesse caso, com base na observação na natureza, buscamos um


princípio que possa ser interessante para resolver um problema de projeto ou
necessidade humana. Perceber oportunidades de projeto levando em conta a
observação da natureza é um processo extremamente criativo e que pode gerar
soluções inovadoras.
Um dos exemplos mais conhecidos de aplicação dos princípios da
biomimética, em que uma inspiração levou a uma inovação, foi a criação dos
sistemas de fixação da marca Velcro®. Esse sistema foi inventado por um
engenheiro suíço que tinha o hábito de caminhar pelo campo e sempre voltava
com sementes espinhentas (carrapicho) grudadas na roupa. Depois de muito
estudo, conseguiu aplicar o princípio natural em um produto que é sucesso até
hoje. Seria perfeito se fosse biodegradável.

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Figuras 13 e 14 – Velcro® e semente espinhenta

Crédito: Josep Curto/Shutterstock; Anna Rogalska/Shutterstock.

Quando se baseia numa solução da natureza para resolver algum


problema de projeto, o processo metodológico costuma seguir a sequência do
processo criativo sugerida por Baxter (2008), que destaca as etapas de
inspiração, preparação, incubação, iluminação e verificação, descritas a seguir:

1. Inspiração: o primeiro sinal que surge na mente a partir da observação


de uma solução interessante em sistema natural.
2. Preparação: envolve o levantamento de informação sobre o sistema
natural e a compreensão do problema técnico ou necessidade que ele
pode resolver.
3. Incubação: o subconsciente entra em ação fazendo conexões entre as
ideias e destrinchando as ligações entre a solução na natureza e a sua
aplicação em projeto.
4. Iluminação: é aquele em que surge uma ideia interessante para a
aplicação da solução existente na natureza.
5. Verificação: a ideia é avaliada e são feitas verificações quanto ao seu
potencial de aplicação em uma inovação. Se aprovada, é iniciado o
processo de desenvolvimento do projeto (Baxter, 2008).

Segundo Ramos (1993), nesse procedimento, ao se analisar o objeto


natural, não se sabe com antecedência, quais os problemas de projeto que
podem ser resolvidos com base nessa análise. Em consequência, esse
procedimento não pode ser aplicado para resolver um problema projetual
específico, já que não se tem controle dos resultados.

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5.2 De um problema de projeto para a busca por soluções na natureza

Nesse caso, iniciamos levando em conta um problema de projeto. É o


mais comum no dia a dia dos designers. Com base num problema ou
necessidade, buscamos soluções nas mais variadas áreas, e a natureza sempre
pode ser uma fonte válida para a pesquisa. Iniciamos com uma necessidade dos
usuários, da empresa ou da sociedade, identificamos o problema que precisa ser
resolvido e as possíveis soluções.
É importante ressaltar que a biomimética não elimina o processo do
design. Ela não tem finalidade em si mesma, ou seja, o foco do design continua
sendo resolver um problema ou atender a uma necessidade humana e não
apenas o de reproduzir um sistema natural.
Assim, a biomimética é aplicada dentro das etapas da metodologia do
design. Baxter (2008, p. 59) divide esse processo em quatro fases, que são as
seguintes: preparação, geração de ideias, seleção de ideias e revisão do
processo criativo. Mais especificamente, a biomimética é aplicada dentro das
etapas de preparação e geração de ideias, como ferramenta para expandir o
potencial criativo.

TROCANDO IDEIAS

No fórum de seu ambiente virtual, cite um exemplo de uso da biomimética


para resolver problemas humanos, explique por que seu exemplo é válido e
compare com os exemplos dos colegas.

NA PRÁTICA

Pesquise sobre formas e características de sistemas naturais e cite


possíveis aplicações em seu campo de atuação dentro do design.

FINALIZANDO

Quanto mais procurarmos entender a natureza e gerarmos ideias com


base no vasto repertório de soluções já prontas e testadas, maior será nossa
chance de criarmos soluções inovadoras e verdadeiramente sustentáveis.
Os grandes problemas ambientais quem vêm sendo gerados pela
humanidade já têm soluções prontas na natureza há muito tempo. Matéria

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orgânica em decomposição gera gás carbônico? Sim, mas as árvores vivas
retiram esse gás da atmosfera. Tudo o que seria lixo ou resíduo se decompõe e
vira adubo. Plantas crescem no local sem a necessidade de transporte de
materiais para a sua construção.
A natureza vem trabalhando para resolver problemas há muito tempo. As
soluções individuais estão em equilíbrio com o conjunto ou com outros sistemas.
Essas soluções fazem parte de processos de tentativa, erros e acertos, que
ocorrem há milhões de anos. Observando como a natureza tem resolvido
problemas, podemos criar inovações em matéria de uso racional dos materiais,
eliminação do lixo, eficácia e eficiência, além do uso de formas e proporções
agradáveis e esteticamente bem resolvidas.

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REFERÊNCIAS

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leveza e resistência para artefatos aquáticos inspirados no Agave. In: ARRUDA,
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