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ÊXODO

Cuiabá – Várzea Grande - 1970 a 1980


Triiiiiiimmmmm, o despertador toca, são 4 horas da manhã. Rosa levanta sonolenta
para mais um dia de trabalho, pega a lata de leite, que agora serve para carregar água para
escovar os dentes. As crianças ainda continuam na cama, ela prepara o café com pão
torrado da noite anterior, verifica os uniformes das crianças e meia hora depois vai
acordando um a um.
Mil, Thiago e Augusto são seus filhos, que ainda choramingavam, pois queriam
permanecer mais um pouco na cama, porém o olhar de sua mãe mostra que precisam
levantar. Seis horas já está pronta para a maratona do dia a dia: deixar Mil na escola
“Maria da Glória” e os dois maiores Thiago e Augusto no colégio “Antônio
Epaminondas”. Após essa maratona, sai correndo para o trabalho de serviços gerais, na
empresa de curtume “SAUDÁVEL” da cidade de Várzea Grande. Às 6h, Paulo, seu
marido, ainda está acordando.
O trabalho no curtume é pesado e o chorume não agrada muito, pois seu serviço
primeiramente passa pela preparação de pele de bois, raspando-a para retirar qualquer
carne, gordura ou pelo, depois dessa proporção aplica pasta de cal para matar as bactérias
que ainda permanece na pele, o resto de todo o material é jogado diretamente no Rio
Cuiabá. Ela cumpre essa maratona todos os dias para ganhar R$ 20,00 (vinte mil
cruzeiros) semanais.
Sua carteira nunca foi assinada, apenas a promessa que um dia será e se por um acaso
reclamar, seu chefe logo lhe dirá: “se não está satisfeita, procure outro lugar”. O tempo
passa e Rosa começa a sentir fortes dores no peito e falta de ar, mas não entende, porque
nunca fumou, porém as dores só aumentam.
Termina o dia, ela volta para casa, passa no açougue do seu João e leva 1kg de ossinho
do boi, geralmente recomendado para dar aos cachorros, pois é uma parte que eles gostam
de ficar roendo, mas é o máximo que ela pode comprar para fazer ensopado com
mandioca, pois é uma sustância muito boa por conter tutano.
Em casa começa a preparar o jantar para as crianças, Paulo ainda não chegou, o tempo
passa e ela serve o jantar. Mil fala e reclama: “de novo?” Thiago e Augusto o acompanha
na reclamação, porém somente o olhar fixo de Rosa os faz calar na hora.
Meia noite Paulo chega cheirando aguardente, as crianças já estavam na cama e Rosa
o recebe nada bem, reclamando do estado em que se encontrava, totalmente embriagado,
porém ele a manda calar a boca e não é atendido. Com raiva do marido ela avança sobre
ele entre palavras ofensivas e empurrões.
- Você é um filho da puta, enquanto eu estou preocupada achando que aconteceu algo,
você chega nesse estado de embriaguez e ainda cheirando perfume de puta, eu trabalhei
o dia inteiro e estou com fortes dores, você acha que só eu tenho deveres nessa casa. A
geladeira está vazia, o armário não tem nada, até quando iremos viver nessa imundice,
até quando você acha que irei aceitar essa situação? Olha as crianças, não estão tendo
nem roupa para vestir, sempre tenho que passar uma roupa para outro, por não ter dinheiro
para comprar e parece que não vê isso.
Paulo vira e acerta um soco em seu rosto, que a faz cair, bate a cabeça e desmaia.
Paulo fica desesperado, corre e chama ajuda dos vizinhos.
Dona Eulália, vizinha, ouve os gritos, corre trazendo um álcool com arnica e passa no
nariz de Rosa, pouco a pouco ela vai se recuperando e chora.
Os vizinhos se recolhem dizendo: “deixa para lá, briga de marido e mulher, ninguém
mete a colher”.
Após os vizinhos se recolherem, Paulo já meio recomposto do álcool, cai de joelho
em choro, pede desculpas e promete que nunca mais fará esse tipo de ato.
“Perdi a cabeça. Eu não sei o que aconteceu. Eu não sou assim, quando dei por mim,
já tinha levantado a mão e acertado seu rosto. Nunca mais farei isso. Me perdoa!”
Rosa, respira, se recompõe e o perdoa, afinal ele é o pai dos seus filhos, se ele for
embora, como será a vida tendo que educar três filhos sem o pai.
Amanhece, seu rosto continua inchado e mesmo assim novamente vai cumprir a
mesma maratona de todos os dias. Chateada com o acontecido, mas com medo de faltar
e perder o serviço, ela encaminha para o trabalho, afinal a vida continua e ela não pode
perder esse emprego.
Após cumprir meia maratona de serviços gerais, vem o descanso, ela senta para comer
a marmita da noite anterior: arroz, feijão e ossinho com mandioca; já ensebado. Ela pede
para seu encarregado esquentar sua marmita, ele prontamente a encaminha para a cozinha,
porém ao chegar ele tenta abraçá-la, entre empurrões ela o afasta e é salva por uma outra
amiga que chega no momento, ele se retira e a ameaça: “Agora entendi porque está com
o rosto inchado, sua ingrata, assim que agradece o emprego que te arrumei?”
Rosa chora e continua esquentando sua marmita porque senão ficará sem comer.
O período da tarde começa e a maratona também, às 18h bate o ponto e retorna para
casa.
Paulo trabalha de guarda em uma empresa de transporte de material de limpeza, o
dono é seu Manoel, homem rígido, que cobra pontualidade, meia hora de atraso e ele
já tem motivo para descontar o ponto. Paulo entra às 7h, tem uma hora e meia de
descanso e sai às 18h, reclama que não tem oportunidade de crescimento, que a
empresa paga mal, mas recebe os benefícios da carteira assinada.
Seu amigo de infância, Fábio, também trabalha no mesmo lugar e compartilha o
mesmo sofrimento, os dois completaram apenas a 4ª série do ensino fundamental.

O PLANO

Fábio propõe a Paulo fazer um assalto na empresa e diz que já estava tudo combinado
com o rapaz do financeiro.
Paulo treme.
Fábio explica o plano: o assalto não pode ser aqui na empresa para não levantar
suspeita. Toda quinta-feira seu Manoel faz o recolhimento do dinheiro, nesta e na outra
empresa que ele tem e o rapaz do financeiro e seu Manoel levam a grana para o banco.
O rapaz do financeiro já me passou tudo, eles saem em um Del Rei prata, às 13h ele
recolhe todo o dinheiro daqui da empresa e às 15h ele passa na outra empresa dele e só
depois vão para o banco, sempre depois que o banco fecha, por se tratar de uma quantia
enorme, eles são atendidos depois do horário comercial. A gente só tem que ficar
esperando-o estacionar no banco e antes que ele entre, a gente avisa do assalto, joga-os
no chão e toma o malote de dinheiro, é como tomar doce da boca de criança.
Paulo pergunta:
- Mas se o dono estiver armado?
- Não está não, o rapaz do financeiro já me passou tudo. Dividiremos em 3 partes
iguais. Vamos lá Paulo, não é você que fica reclamando que não tem oportunidade. Ela
chegou, você topa ou não topa?
- Onde fica o banco? - perguntou Paulo.
- É o BEMAT (Banco do Estado de Mato Grosso) localizado na rua 13 de junho, perto
do Hospital Geral.
- Você tem as armas? - perguntou Paulo.
- Esse é o problema, a arma que tenho é de brinquedo, mas como ele não saberá disso
e nós estaremos encapuzados, tomamos o dinheiro da sua mão e saímos correndo,
ninguém sairá ferido.
- Você andou fumando maconha, Fábio? Que plano idiota é esse?
Sabe aquele friozinho que invade a costela, Paulo sentiu nessa hora, alguma coisa
estava dizendo que não daria certo, estava fácil demais.
Paulo propôs colocar mais uma pessoa na jogada, teria que ter um motorista, era muito
arriscado.
Fábio, com muita resistência, concordou, porém falou que a parte do dinheiro dessa
terceira pessoa teria que ser dividida entre os dois.
Paulo concordou, pois queria apenas um dinheiro para comprar sua casa própria e
colocar Rosa e seus filhos dentro.
Iria sair daquela favela chamada, bairro da “Lixeira”.

Ref: ALVEZ, Jair da Silva. Ê X O D O - Uma história de amor, ódio, disputa, amizade
e família, 2019.

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