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A FORÇA DO DISCURSO RELIGIOSO NA MIDIA DIGITAL:

O YOUTUBE E A CATEQUESE.
Dr. Paulo Fernando Dalla-Déa1
Leandro Roberto Longo2

Resumo: A mídia digital hoje tem uma força de convencimento comparável (ou
mais forte) do que a religião pregada nas comunidades cristãs. “Fazer a cabeça” parece
ser a especialidade da mídia digital. Por mais que se pregue nas igrejas, através da
catequese e de outros grupos da comunidade sobre um projeto de “esquerda católica”
valorizando o perdão, a compreensão e a valorização dos diferentes, esse discurso é
fraco frente ao discurso de “direita católica” feita pela Canção Nova, Padre Paulo
Ricardo e outros canais do Youtube que acabam convencendo os adolescentes (nativos
digitais) a pensar em termos de intolerância humana e religiosa, sem perceber a
incoerência de base entre esse discurso e o projeto de Jesus.
Palavras-chaves: discurso religioso, mídia digital, Youtube, fundamentalismo,
catequese

1. O fundamentalismo e a modernidade
O final do século XIX marca as várias contradições da modernidade. É verdade
que a nova sociedade implantada no Ocidente não se concretizou como a panaceia
imaginada. Se por um lado havia o canto de vitória das novas conquistas, por outro
havia a sombra escura e fria que sangrava o drama humano. Como afirmou Karen
ARMSTRONG, 2009, p. 190:

Ao mesmo tempo que celebravam as conquistas da sociedade moderna,


homens e mulheres experimentavam também um vazio que deixava a vida
sem sentido; muitos ansiavam por certezas em meio ao atordoamento da
modernidade; alguns projetavam seus temores em inimigos fictícios e
imaginavam uma conspiração universal.

O Velho Continente sobreviveu utilizando-se da mitologia e do rito religioso


para significar o vazio existente na vida humana. Com o advento da racionalidade
científica, o mundo passa a ser “desencantado”, na perspectiva do sociólogo Max
Weber, dispensando o uso dos mitos e ritos, banindo a fé do cotidiano dos fiéis.
O sonho do Iluminismo que consistia em criar um mundo fraterno, justo e
igualitário, se esvaiu numa sucessão de guerras e sobressaltos que podem acabar com o

1
Pós-doutor em Ciências da Religião pela Universidade Laval, Canadá. Doutor em Teologia e Educação pela
Escola Superior de Teologia (EST) em São Leopoldo-RS. Mestre em Teologia Pastoral pela PUC SP. Professor de
Filosofia e Sociologia pela UNIESP em Jaú-SP e membro do GEGE da UFSCAR-SP. E-mail:
paulo_fernando@hotmail.com
2
Licenciado em Ciências Sociais e bacharelando em Ciências Políticas pela PUC de Campinas. E-mail:
l.leandrolongo@gmail.com.
planeta. O sentimento do medo e do vazio que brotam no coração humano, será o
terreno propício para o fundamentalismo nascer, crescer e desenvolver-se.
O discurso e a prática fundamentalista estão diante dos olhos de quem quiser
ver. O fundamentalismo produz um proselitismo religioso travado entre ocidentais e
orientais para a conquista do espaço sagrado do outro. A conversão é sempre a
ferramenta usada para a “salvação” do próximo.

[...] o fundamentalismo é a tradição travando uma luta feroz contra um


mundo cosmopolita e reflexivo que está à procura de razões. É mais do que
uma cisão entre as diferenças categorias de crente verdadeiro: é não
participação deliberada na “conversação cosmopolita com a humanidade” de
que fala o filósofo Richard Rorty. A recusa ao diálogo – a insistência em
afirmar que somente é possível uma visão do mundo e que já possui essa
visão – tem efeito potencialmente nocivo num mundo que necessita cada vez
mais de diálogo. O fundamentalismo é tradição que conscientemente se opõe
à modernidade, mas que ao mesmo tempo assume feições modernas e não
raro se utiliza de tecnologias modernas. (GIDDENS; PIERSON, 2000, p.
97).

O fundamentalismo, portanto, é criação moderna, que está localizada no tempo e


no espaço. Leonardo Boff (2009, p. 49) nos ajuda a compreender melhor o que é o
fundamentalismo:

Ele [fundamentalismo] não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e


viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar do seu
espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, postura
que exige contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter
sua verdade originária. Fundamentalismo representa a atitude daquele que
confere caráter absoluto ao seu ponto de vista.

O cenário que surge com os discursos fundamentalistas nos leva, por alguns
instantes, a um rompimento com a esperança. Seremos conduzidos a um rigoroso
choque hermenêutico de ideias a ponto de estabelecer guerras civis para criar uma casta
pura? “O fundamentalismo é perigoso porque sempre implica a possibilidade de
violência” (GIDDENS; PIERSON, 2000, p. 97). Eis, portanto, o mundo no contexto
moderno3. A modernidade irá alterar a nossa concepção de mundo e nos colocará em
meio a novos paradigmas que se afastarão dos modos tradicionais, como afirma
GIDDENS:

“Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilharam de


todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem
precedentes […] Sobre o plano extensional, elas serviram para estabelecer
formas de interconexão social que cobrem o globo; em termos intencionais,
elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais características de
nossa existência cotidiana”. (GIDDENS, 1991, p. 14)

3
Utilizaremos o conceito modernidade e não pós-modernidade como sugere alguns autores, pois seguimos a
abordagem de GIDDENS (1991, p. 13) que afirma: “em vez de estarmos entrando num período de pós-
modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais
radicalizadas e universalizadas do que antes”.
O ritmo acelerado de mudança que a modernidade nos coloca rompe
definitivamente com as raízes seguras do passado, e nos lança em meio ao pântano do
medo e da insegurança.

Já houve tempos em que este era um universo encantado e mágico, no qual


os mortais viviam sob o assombro e o espanto do sagrado. As almas dos
humanos faziam o mundo girar em torno de seus dramas existenciais cujos
destinos apontavam, invariavelmente, para os céus, para o inferno e
adjancências. As artes retratavam a infinita distância entre os seres
angelicais e os seres mortais. As catedrais góticas apontavam algum ponto
para além das estrelas numa referência explícita ao primado do
sobrenatural. O canto gregoriano e a música de Bach se afinavam ao sistema
planetário de Kepler para executarem a sinfonia maior ao Todo Poderoso. A
Teologia reinava sobre todas as ciências. (ALVES, 1999, p.39).

Portanto, a ideia de sociedade estável contida no mundo medieval teocêntrico dá


lugar a racionalidade do século das luzes. O tempo e o vento das transformações
sacudem o que parecia sólido. A modernidade, de acordo com o sociólogo Zygmunt
BAUMAN, nos coloca no “viveiro das incertezas”. A fase “sólida” da modernidade dá
lugar para a “liquida”, criando condições em que a modernidade ataca as estruturas
essenciais do crente fundamentalista que por sua vez contra-ataca a modernidade.
Então, o fundamentalismo tenta modelar a partir de suas convicções religiosas o mundo
que está em constante mutação. O valor na sociedade moderna está atribuído aquilo que
se pode comprar e vender. Tudo se tona mercadoria, sendo assim:

A força da modernidade, que dissolve a religião, é ela mesma religiosa, a


forma da mercadoria é um fetiche, a participação da sua benção é a
condição material e psíquica da vida. Não ser mercadoria é algo terrível para
o homem moderno, pois equivale a não ter nenhum valor; sem o sentido da
mercadoria quase ninguém suporta a vida, mas só com ele a vida tem
sentido. (TÜRCKE apud ORO, 1996, p. 79).

Para a sociologia, sobretudo, a teoria da secularização com os seus elementos


modernos: a urbanização, a industrialização, a separação do público e privado,
provocariam o declínio da religião. Porém, o fundamentalismo crescente questiona essa
teoria. Mesmo diante de um quadro de avanços científicos, a secularização anda em
baixa. Como afirmou John COLEMAN (1992/1993, p. 60):

As forças econômicas e políticas da assim chamada modernização e


secularização contêm o germe de uma reação que leva a religião a ocupar-se
novamente com assuntos de interesse vital. O secular, o separado sem nova
integração, é ele próprio a causa de um processo de ressacralização. Muitas
vezes, embora não exclusivamente, grupos fundamentalistas estão na
vanguarda deste processo de ressacralização.
2. A Modernidade do Youtube e a força de seus cliques
Nos tempos atuais, a Internet ocupa um papel fundamental na aceleração da
modernidade. Se os tempos e os movimentos eram muito acelerados após a Revolução
Industrial, isso se intensificou ainda mais na segunda metade do século XX. A
revolução nas comunicações feitas pelos trens foi multiplicada pelos motores a explosão
e pelas telecomunicações continentais do telefone e das mídias baseadas nele. Com o
advento da rede de comunicação da Internet, baseada num modelo militar de guerrilha
de núcleos autogeridas, a explosão das movimentações de dados e de informação se fez.
(CASTELLS, vol. I, 1999)
A Internet, desabilitando os mercados locais e possibilitando a
internacionalização rápida das trocas econômicas e a aplicação virtual de capitais nas
bolsas de valores de todo o planeta, possibilitou também a ascensão de identidades no
mundo virtual. (CASTELLS, vol. 2, 1999). Assim, as identidades e os conflitos locais
tomaram força e dimensão globais. CASTELLS mostra como a ascensão do movimento
fundamentalista islâmico é gestada e parida a partir da força multiplicadora da Internet.
O fundamentalismo islâmico é cria da modernidade acelerada possibilitada pela
comunicação de rede e só pode ser entendida a partir desse contexto:

Uma nova identidade está sendo construída, não por um retorno à tradição,
mas pela manipulação de materiais tradicionais para a formação de um novo
mundo divino e comunal, em que massas excluídas e intelectuais
marginalizados possam reconstruir significados em uma alternativa global à
ordem mundial excludente. (CASTELLS, vol. 2, p. 37)

O que se diz do fundamentalismo islâmico se poderá dizer das outras formas de


fundamentalismo. A Rede4 abre espaço para a reconfiguração da tradição, de forma que
ela será reconstruída a partir da ressignificação possibilitada por essa sociedade
interconectada.
Assim, as novas identidades reconstruídas e resinificadas chegam à Rede a partir
da página do Youtube, uma das inúmeras expressões da Rede. Há milhares de
expressões diferentes, Facebook, Instagram, Twitter, Snapchat, SMS e tantas outras
faces da Rede, que expressa hoje um mundo digital. A Rede é por si mesma hoje uma
Second Life de muitos que não nasceram a partir da Revolução Digital, mas se tornou
para muitos uma Principal Life para os que nasceram a partir do século XXI. Ficar off-
line não é uma opção para muitos, que estão tão mergulhados nesse contexto que não
veem mais a água, como o peixe que vive nela.
Namorar, pedir comida, estudar, se divertir com amigos e se comunicar com
eles, tudo é feito a partir da mediação de uma minitela: ou o laptop, ou o tablet ou o
celular, mediam as relações humanas. Não há sigilo e privacidade absolutas onde um
hacker pode entrar e visualizar suas informações virtuais a qualquer momento. Esse é
um calcanhar-de-Aquiles da Rede. Outra de suas fraquezas está na eternidade de suas
informações: algo jogado na Rede dificilmente é completamente apagado, o que torna
4
Pela palavra Rede (com maiúscula) entendemos o conjunto de sites e de interconexões de páginas e formas de
mídia digital, expressando o conjunto de todas essas formas de conexão possibilitadas pela Internet. É a sociedade
expressa de forma digital.
um erro passageiro em uma eternidade de dor-de-cabeça digital, já que o mínimo
twitter5 equivocado e antigo pode gerar processos na justiça e possibilitar a demissão ou
a não contratação de uma pessoa por uma firma.
Mesmo assim, o Youtube se tornou popular a ponto de ser usado tanto para ouvir
música, assistir trailers de filmes (ou os mesmos filmes), aprender inglês, ser um
manual de instrução de como configurar algum componente eletrônico ou divulgar
ideias, conceitos ou preconceitos. Na plataforma Youtube, encontram-se canais dos mais
diversos e plurais, como contas de humoristas e de igrejas ou também de grupos
radicais, políticos ou religiosos. Ou ambos.
O Youtube possibilita não só a aparição de celebridades instantâneas mas cria e
recria identidades, segundo a lógica de CASTELLS:

O fundamentalismo religioso, as comunidades territoriais, a autoafirmação


nacionalista ou mesmo o orgulho de denegrir-se a si próprio, invertendo os
termos do discurso opressivo (...) são todas manifestações que denomino
exclusão dos que excluem pelos excluídos, ou seja, a construção de uma
identidade defensiva nos termos das instituições/ideologias dominantes,
revertendo o julgamento de valores e, ao mesmo tempo, reforçando os limites
da resistência. (CASTELLS, vol. 2, p. 37)

O Youtube se configurou como uma maneira de ser e de aparecer na Rede. O que


foi a televisão em matéria de alavancar celebridades instantâneas nas décadas de 70, 80
ou 90, no século XX, agora o papel é exercido por essa plataforma de vídeos. A
monetarização do mercado capitalista se manifesta nos cliques e nas contagens de
engajamento de audiência, gerando pequenas fortunas por parte de celebridades de
canais.
Mas não só pessoas e grupos estão na plataforma de vídeos. Igrejas e
movimentos, padres, pastores e leigos também estão. Há uma identidade religiosa a ser
construída através do Youtube. Para um nativo digital, essa não é uma possibilidade
remota, mas absolutamente palpável e presente. Enquanto as paróquias e comunidades
tradicionais das igrejas ainda optam por construir uma identidade religiosa a partir de
uma catequese tradicional e a partir de “encontros” ou aulas, os nativos digitais tendem
a selecionar os discursos que simpatizam e gostam, mesmo os religiosos.
Enquanto o padre ou o pastor off-line tenta arrebanhar adeptos e convencê-los
um a um, a Rede os seleciona a partir dos milhares de cliques. Enquanto o coordenador
de grupo de acólitos tenta inculcar uma mentalidade litúrgica do Vaticano II, os
coroinhas participam de treinamentos no Youtube de como acolitar uma liturgia no Rito
Extraordinário (em latim). Também é comum se ver grupos de coroinhas e acólitos mais
treinados no Youtube do que baseados nos conceitos e documentos da Igreja.
Como a Rede é feita de auto escolhas, selecionadas a partir do gosto e das
convicções (construídas a partir da mesma Rede, portanto auto referenciadas), ela gera a
construção de uma convicção que não se consegue a partir da catequese tradicional,

5
Twitter pode ser o programa ou cada postagem individual. No primeiro caso, grafa-se Twitter no segundo twitter.
Ambos vem do inglês e significa piado, pio, pela rapidez da escrita rápida de 140 caracteres.
gerando uma possibilidade de evangelização e uma deturpação da mesma
evangelização, vista aos olhos dos religiosos tradicionais.
Grande parte dos pastores, padres ou grupos tradicionais tende a combater esse
tipo de evangelização auto referenciada e midiática. Mas esses grupos só crescem, o que
dá a entender que essa tendência veio para ficar no século XXI. Nativos digitais nossos
jovens, adolescentes e crianças pensam e vivem em um ambiente digital. Os não-
nativos digitais pensam a Rede como uma extensão de si. Os nativos digitais pensam a
Rede como parte de si e de seus relacionamentos, como o peixe que não vê a água que
está imerso. Só consegue vê-la, senti-la ou percebe-la como outra coisa quando sai da
água, no momento em que é pescado ou que pula de uma cachoeira.

3. Visualizando um trailer sem spoiler


Este artigo parte da noção clássica de comunidade onde as relações sociais
aconteciam por meio da presença física e na face a face. Contudo, como já observou o
teólogo Paulo Roque GASPARETTO, parece-nos surgir uma nova “comunidade de
pertencimento”, que são ligadas pelas redes sociais. Esse novo lugar de disputa
simbólica6 propõe um novo modo de viver o discurso e as práticas religiosas. Se
outrora, a igreja católica criticou a comunicação por proporcionar o racionalismo,
parece-nos que, justamente agora, quando surgem novos modos de contato social, a
igreja passa a investir em comunicação, legando-nos personagens contraditórios,
conservadores e artificiais.
O fenômeno religioso é deslocado dos templos, de suas lógicas litúrgicas, para
emergir em novas redes sociais, submetendo a experiência do transcendente e perpétuo,
como algo instantâneo passageiro.
Até antes da eleição do Papa Francisco, parece que a esquerda católica tinha sido
deixada de lado (ou optou por isso). O fato é que fizemos uma pesquisa no Youtube7 e
descobrimos a relevância de algumas palavras-chaves:

Palavra Resultado
Papa Francisco 613.000
Padre Marcelo Rossi 85.300
Padre Fábio de Melo 60.900
Pe. Paulo Ricardo8 60.200
Vaticano II 49.900
Bento XVI 44.300
Teologia da Libertação 22.400
Treinamento missa tridentina 18.300
6
Certa feita, ao me estender em conversas facebookianas, foi abordado por um adolescente afoite em discutir
política. Entre suas várias indagações sobre comunismo e sua escrita afirmativa do mal que tal sistema produziu, eu
lhe indaguei de onde tirava conhecimento sobre tais assuntos. Sua resposta está na problemática que esse artigo
propõe. Disse-me ele: “A maioria das coisas que sei devo a esse cara aqui”, e me mandou um link. Ao abri-lo, para
o meu espanto, tratava-se das pregações do padre Paulo Ricardo, conhecido pelas suas pregações conservadoras
e difundidas pelo Youtube.
7
Pesquisa feita em 30/06/2016.
8
196 vídeos tratam do Pe. Paulo Ricardo pregando contra a Teologia da Libertação.
Missa tridentina 18.000
Missa vaticano II 15.400
Padres cantores 11.900
Liturgia do Vaticano II 8.070
Liturgia Tridentina 4.020
Pe Paulo Ricardo e a TDL 196

Como se pode ver, o Pe. Paulo Ricardo perde pouco para as visualizações do Pe.
Fabio de Melo (700 vídeos). Por outra parte, o Pe. Paulo Ricardo ganha da Teologia da
Libertação (37.800 vídeos). Também Missa Tridentina ganha de Missa Vaticano II
(2.600 vídeos).
Claro que temos alguns problemas a considerar aqui:
 Não estamos falando de visualizações, mas de vídeos do Youtube, o que
mostra certa relevância, que não chega a ser acadêmica.
 Os vídeos feitos manifestam interesses, mas precisaríamos de maiores
referências em termos de métrica de Internet, demonstrando quais vídeos
teriam maiores taxas de empenho (manutenção da atenção) e
permanência.
 A realidade é muito fluída e extremamente dinâmica: amanhã os
resultados serão outros porque entrarão muitos vídeos novos a cada 24
horas. (3 bilhões de vídeos por dia9 são colocados na página do Youtube).

Mas podemos notar algumas coisas básicas:


 Pe. Paulo Ricardo sem ser tão bonito e mesmo sem cantar é tão famoso
como o Pe. Fábio de Melo, que é um professor de Teologia bem mais
liberal e menos radical. É o que se chama uma subcelebridade na
linguagem da mídia digital.
 Pe. Paulo Ricardo é conhecido por ser uma liderança carismática de
direita, em termos de ideologia e de Teologia, tendo muitos vídeos contra
o PT, o marxismo e outras coisas do gênero.
 Os vídeos fazem mais sucesso nas gerações mais novas, consideradas
nativos digitais. Esses nativos digitais já vão aprendendo desde pequenos
a não gostar das lideranças políticas de esquerda e até a formar uma
espécie de saudade do que nunca viveram (como no caso da Missa de
Rito Extraordinário).

Como se pode dizer que os discursos religiosos são discursos constituintes e


como eles operam normatizando e garantindo comportamentos da coletividade
(SOUZA, p. 3 e 4), tem que se temer que a força desses vídeos na Rede seja de
constituição de um tipo de católico conservador, politica e ideologicamente. Graças ao
Papa Francisco (veja a comparação com o Papa Bento XVI) tem-se a possibilidade –
mesmo que em longo prazo, a se manter esse papado no mesmo tom – de que se vá

9
Fonte: TECMUNDO – Com quantos vídeos se faz um Youtube?
formando uma mentalidade menos conservadora, mais tolerante e inclusiva nas
comunidades religiosas católicas. Sobre as comunidades pentecostais e protestantes, não
se poderá dizer o mesmo, visto que o discurso dos atuais pastores midiáticos não pode
ser considerado de esquerda10.
Os tempos não são dos mais tolerantes. Se fizermos uma pequena pesquisa em
outras palavras-chaves, teremos:

PALAVRAS RESULTADOS
Hitler 5.100.000
Bolsonaro 379.000
Mein Kampf 166.000
Skinheads 131.000
Nazismo 89.400
Fundamentalismo 20.100
Partido de direita 19.600
Partido dos trabalhadores 19.500
Ideologia de direita 10.800
Ideologia de esquerda e direita 6.840
Ideologia de direita e esquerda 6.300
Neonazismo 3.530

Tanto a ideologia de direita como a de esquerda tem seus adeptos e isso se mede
no número de páginas (interesse externo) como no número de visualizações (interesse
interno)11. Mas a ideologia de direita parece ter um número crescente de adeptos no
Brasil. Os tempos já foram melhores para a esquerda política. Todos esses escândalos
desses últimos anos, sem dúvida contribuíram para o atual estado de coisas.
BAKHTIN (2006, p. 30) pode nos ensinar algo, mesmo não tendo escrito
diretamente para a realidade do Youtube:

“Portanto, ao lado dos fenômenos naturais, do material tecnológico e dos


artigos de consumo, existe um universo particular, o universo dos signos. Os
signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos, todo produto
natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir assim
um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não
existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma
outra. Ele pode distorcer esta realidade, ser-lhe fiel, ou apreende-la de um
ponto de vista especifico, etc. todo signo está sujeito aos critérios de avaliação
ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.) o
domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos; são mutuamente
correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o
ideológico. Tudo o que é ideológico possui um valor simbólico.” (grifo nosso)

10
Claro que estamos falando da maioria e que há honrosas exceções. O discurso dos pastores na mídia Youtube
deveria ser considerado também, mas se estenderia demais ao escopo que nos propusemos.
11
Aqui temos um problema de metodologia que são sabemos como resolver tecnicamente. A pesquisa feita por
temas ou palavras-chave no Youtube mostra o número de vídeos daquele tema, mas não permite saber quantas
visualizações houve desse total, apenas dá o resultado por cada vídeo. Isso torna a possibilidade de somar cada
vídeo humanamente impossível. Para ser precisos, precisaríamos saber quantas visualizações esses milhões de
vídeos sobre Hitler tiveram.
O Youtube parece ter se tornado, ele mesmo um signo que ultrapassa toda e
qualquer finalidade pensada na sua própria criação. No caso, ele parece não só servir
para a “evangelização” (termo muito vago usado pelos religiosos de ideologias mais
diversas), como também se tornou um signo capaz de exercer uma influência digna de
nota em termos de religião e catequese.
Ainda na linha bakhtiniana, mas citando MIOTELLO (2011):

“Sem a linguagem nós não nos construiríamos. Nós não seríamos. Então, se
há uma ética no discurso, é porque quando a linguagem passa entre um e
outro, o que a gente está passando não são palavras, mas sou eu mesmo. E
quando isso se dá, eu sou o construtor do outro. O outro é também o meu
próprio construtor, ele me constrói; logo, eu não posso me fechar. O discurso
é a ponte, e essa ponte é o lugar do encontro ético entre eu e o outro.” p. 45

“Não são os grandes eventos que vão instaurar nosso ponto de vista apenas.
Ele vai se instaurar é no cotidiano. Dê valor ao cotidiano. Preste atenção nas
falas do cotidiano, naquilo que você diz no dia-a-dia; isso é importante para
constituir a ética; isso é o que você é.” P. 47

4. Vozes que refletem e refratam


O Youtube dá vozes para pessoas que necessariamente não teriam. Dá vozes aos
sábios e aos loucos e está cheio de vídeos dos mais diversos matizes e gostos
ideológicos e religiosos. Nesse ritmo, tem feito subcelebridades instantaneamente e
destruído muitas delas também. A própria televisão tem se mostrado permeável à Rede,
passando a copiar e a exibir muito conteúdo do Youtube. Vídeos de mini-desastres
(“videoscacetadas”), denúncias de moradores e mini vídeos amadores pululam nos
canais e tornam-se virais (relevantes para uma maioria da população), mostrando que
nem só de gatinhos fofinhos vive a a Rede. Há muito espaço para os mais relevantes
temas, incluindo os religiosos.
Por isso, está se tornando uma grande praça virtual onde as os canais
competem por inscrições, visualizações e likes. A tela é a grande praça e os canais são
as barracas de feira, tentando a todo grito atrair mais atenção e inscrição para si. Mas
esse mercado religioso virtual não é apenas inocente, mas faz discípulos e dá
manutenção semanal (ou diária) a cada pessoa que quiser fazer um caminho de
seguimento. Não só faz discípulos, mas também os mantém ligados e progredindo
através das atualizações periódicas da conta.
O mundo da Rede sintetizado no Youtube está interpretando o mandato de
Mateus 28, 19-20:

Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do


Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas
que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a
consumação dos séculos.
Ela também anda fazendo a sua própria interpretação do sermão da praça pública
de São Paulo no Areópago de Atenas (At. 17) Só que agora, Deus é conhecido, os
motivos é que não são...
Agora, além de ser bom religioso, o candidato a subcelebridade (padre, pastor,
catequista ou apenas um leigo interessado no assunto) tem que ser também bom de
técnica midiática. A religião se faz a partir de Deus, mas se prega e se filma a partir do
marketing e do mercado virtual.

BIBLIOGRAFIA CITADA
ALVES, Carlos Alberto Rodrigues. A vida é o dia de hoje. Curitiba: JM
Editora, 1999.
ARMSTROG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no
cristianismo e no islamismo. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem – 12ª ed. São Paulo:
HUCITEC. 2006.
BOFF, Leonardo. Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz: desafio para o
século XXI. Petrópolis: Vozes, 2009.
CASTELLS, M. A sociedade em rede - a era da informação: economia,
sociedade e cultura, tradução Roneide V. Majer, volume I. São Paulo: Paz e Terra,
1999.
CASTELLS, M. A sociedade em rede - a era da informação: economia,
sociedade e cultura, tradução Klaus Brandini Gerhardt, volume 2. São Paulo: Paz e
Terra, 1999.
COLEMAN, A John. Fundamentalismo global – Perspectivas sociológicas.
Fundamentalismo um desafio ecumênico, n.241, p. 53- 66, 1992/3.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed.
Unesp, 1991.
_________; PIERSON, Christopher. Conversas com Anthony Giddens: o
sentido da modernidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
GASPARETTO, Paulo Roque. Midiatização da religião – processos midiáticos
e a construção de novas comunidades de pertencimento. São Paulo: Paulinas, 2011.
YOUTUBE – Página oficial: estatísticas. Disponível em:
<https://www.youtube.com/yt/press/pt-BR/statistics.html>, 06/07/2016.
MIOTELLO, V. Discurso da Ética e Ética do Discurso. São Carlos: Pedro &
João Editores. 2011. Série Dialogações.
ORO, Ivo Pedro. O outro é o demônio: uma análise sociológica do
fundamentalismo. São Paulo: Paulus, 1996.
TECMUNDO – Com quantos vídeos se faz um Youtube? Disponível em:
<http://www.tecmundo.com.br/infografico/10502-com-quantos-videos-se-faz-um-
youtube-infografico-.htm>, 30/01/2016.
TECMUNDO – O Youtube em números. Disponível em:
<http://www.tecmundo.com.br/youtube/5810-o-youtube-em-numeros.htm>,
30/06/2016.
SOUZA, Ronivaldo Moreira de – O discurso religioso na mídia digital: entre
a diversidade e a intransigência. UNITAS – Revista Eletrônica de Teologia e Ciências
das Religiões, Vitória-ES, v. 1, jan-jun. 2014. Disponível em
<http://revista.faculdadeunida.com.br/index.php/unitas/article/view/4>, 30/06/2016.
ZYGMUNT, Bauman. Tempos líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros.
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