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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA II – PROFº WALDEMAR NETTO

Aluna: Lívia Ferreira de Paula

Nº USP: 13652520

lferreiradepaula13@usp.br

A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS

BRUNO BETTELHEIM

Baseando-se firmemente em uma análise crua, como é percebida por nós, leitores, em
um primeiro momento, Bettelheim se apropria de alguns contos de fadas de enredo
semelhante; onde há uma maldição de finalidade inicialmente fatal, que passa a ser
temporária e se finda perante uma ação externa à personagem afetada, para
relacionar os acontecimentos fantasiosos ao ciclo de amadurecimento humano –
especialmente o conto “A Bela Adormecida”, equiparado em alguns momentos à
“Branca de Neve”.

Apesar de abordar a masculinidade em contos como no “As Três Plumas” e “As Três
Linguagens”, tais citações tornam-se praticamente levianas quando seguimos para o
restante do texto, onde desfia-se detalhadamente uma trama atrelada especificamente
ao processo do amadurecimento feminino, praticamente desmembrando cada passo
deste e analisando-os de forma abrangente nas principais versões de “A Bela
Adormecida”.

O modo subjetivo com o qual o autor relaciona as características do conto com a


realidade do leitor aproxima os ouvintes destas histórias, tanto os primeiros ouvintes
há pouco mais de três séculos quanto os ouvintes atuais, reafirmando a natureza
humana presente no enredo, provando-a praticamente imutável. Podemos dizer que o
modus operandi permanece o mesmo, o que faz com que o conto relacione-se com o
leitor, ou melhor dizendo, com a leitora independente de quando ele for lido.
Em dado momento, a proposta do texto parece perder-se por entre as comparações
feitas pelo autor entre uma versão e outra, questionando as ações e reações
propostas pelas personagens, o que causa uma leve sensação de distanciamento do
que nos fora prometido inicialmente. No entanto, tão subitamente quando a proposta
parecia ter-se perdido, ela reaparece relacionando-se com esse momento de
“distanciamento” de forma tão intrínseca que gera um choque momentâneo. É quando
percebe-se a sensibilidade da análise através do que parecia ser insensível e quase
grotesco.

A forma com a qual o autor desenrola o texto acompanha uma cadência linear de
acontecimentos; o momento de introversão que acompanha o início do
amadurecimento, ligado ao feminino como o momento pré menarca, os simbolismos
expressos de forma sutil ao longo da narrativa – a pretensão de aventurar-se no
perigo, rumo ao desconhecido, relacionado aos primeiros contatos com a sexualidade,
a aquisição da harmonia, primeiramente consigo mesmo até se estender à harmonia
com o outro.

A questão da menstruação, uma questão certamente atemporal e que estende essa


atemporalidade para os tabus e os medos à ela atrelados, também é plenamente
abordada como ponto principal da narrativa, uma vez que em “A Bela Adormecida”, o
sangue imprime no leitor a idéia de uma ocorrência traumática, como o sangramento
repentino da moça no início da puberdade e, posteriormente, na primeira cópula. No
entanto, ainda expressa um fator essencial à vida: a de que cada processo de
amadurecimento serve a um propósito maior e melhor, onde no caso da menstruação
deve-se ao amadurecer por fora e por dentro e, na cópula, a maior compreensão do
mundo e o estreitamento de laços com os frutos que dela advém.

Sendo assim, o autor consegue, de forma analítica, atrelar os contos de fadas às


próprias experiências humanas, explorando os simbolismos utilizados pelos autores
como uma forma quase lúdica de abordagem. O processo do “crescer”, “tornar-se
adulto”, pode muito bem ser contido e representado em histórias tidas como infantis
como uma forma de gerar compreensão pelas crianças e adolescentes, pois afinal,
como citado por Bettelheim, o conto “implanta o pensamento de que estes
acontecimentos devem ser levados a sério, mas que não precisamos temê-los. A
‘maldição’ é uma bênção disfarçada”.

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