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SISTEMAS AGROFLORESTAIS E AGRICULTURA FAMILIAR: UMA PARCERIA


INTERESSANTE

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Maria Teresa Vilela Nogueira Abdo Antônio Lúcio Mello Martins


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Revista Tecnologia & Inovação Agropecuária Dezembro de 2008

SISTEMAS AGROFLORESTAIS E
AGRICULTURA FAMILIAR: UMA PARCERIA
INTERESSANTE

Maria Teresa Vilela Nogueira Abdo1, Sérgio Valiengo Valeri2, Antônio Lúcio Mello Martins3
1
Eng.Agr., Mestre, Pesquisador Científico, Pólo APTA Centro Norte, Caixa Postal 24, CEP:15830-000 Pindorama SP. Correio
Eletrônico: mtvilela@apta.sp.gov.br;
2
Eng.Agr., Doutor, Professor titular, Departamento de Produção Vegetal, UNESP- FCAV- Campus de Jaboticabal,
valeri@fcav.unesp.br;
3
Eng. Agr., Doutor, Pesquisador Científico, Pólo APTA Centro Norte, lmartins@apta.sp.gov.br.

RESUMO
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) têm sido amplamente divulgados como modelos de exploração
agropecuária que muito contribuem para a sustentabilidade da exploração agrícola atual. Para que
modelos agrícolas possam ser assim classificados esses devem seguir a definição dos SAFs, no qual é
necessário o uso de plantas arbóreas, arbustivas e herbáceas, consorciadas com espécies agrícolas e
forrageiras com ou sem a presença animal, mas obrigatoriamente associadas às espécies florestais. Tais
modelos se tornam alternativas interessantes para pequenos agricultores que buscam obter uma
exploração economicamente viável intensiva. Utilizando-se de uma diversidade de plantas de vários
estratos, numa mesma área, para atingirem o resultado esperado, esses produtores devem ter como
aliado imprescindível o manejo adequado e tecnicamente embasado. No Estado de São Paulo essa
discussão ganhou ainda maior destaque pela possibilidade de uso de modelos de SAFs nas áreas de
Reserva Legal, apoiados por lei em fase de regulamentação. O uso de SAFs exige uma maior difusão de
técnicas desenvolvidas, um comprometimento maior de políticas públicas de implantação e escoamento
de produção. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo traçar considerações sobre o assunto e
apresentar alguns modelos de Sistemas Agroflorestais já implantados viáveis para instalação por
pequenos agricultores.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, pequena propriedade, sistemas agrosilvipastoril,


reserva legal.

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sociais (turismo, educação ambiental). A importância


INTRODUÇÃO das árvores contra as mudanças climáticas vem
ganhando destaque nos últimos anos, pois elas são
Entende-se por pequena propriedade aquela
excelentes sequestradoras de carbono ao captarem o
com área de até 30 (trinta) hectares, explorada mediante
CO2 atmosférico no processo de fotossíntese e
o trabalho pessoal do proprietário e de sua família,
mantendo esse carbono fixado por um longo período já
admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja renda bruta
que a madeira é extraída após alguns anos quando
seja proveniente, no mínimo, em 80 (oitenta) % da
podem ser empregadas na construção civil e fabricação
propriedade.
de móveis.
Os Sistemas Agroflorestais constituem sistemas
Atualmente as florestas também assumem um
de uso e ocupação do solo em que plantas lenhosas
papel de destaque como insumo energético, além de
perenes (árvores, arbustos, palmeiras) são manejadas
promoverem a fixação de carbono na biomassa
em associação com plantas herbáceas, culturas
(Castanho Filho, 2008). A destruição das florestas nos
agrícolas e/ou forrageiras e/ou em integração com
leva a vivenciar cenários catastróficos como a erosão do
animais, em uma mesma unidade de manejo, de acordo
solo e consequentemente o assoreamento dos cursos de
com um arranjo espacial e temporal, com alta
água, além da perda da biodiversidade e dos biomas
diversidade de espécies e interações ecológicas entre
brasileiros. Em regiões tropicais, alguns sistemas atuais
estes componentes. Nesses modelos de exploração
de uso da terra são inapropriados para o meio ambiente.
agrícola são utilizadas culturas agrícolas e/ou
Dentre os prejuízos ambientais ocasionados pelo uso
pastagens com espécies florestais. Essas últimas são
inadequado da terra os de maior importância são:
partes fundamentais e devem integrar tais sistemas de
elevada radiação solar e intensa erosão (mesmo regiões
exploração, portanto, a não ocorrência de espécies
áridas), redução da fertilidade natural dos solos,
florestais não caracteriza a exploração agrícola como
elevado custo de insumos e o surgimento de áreas
agroflorestal e sim como sistemas de consorciação de
degradadas. Embora hoje existam muitos elementos
culturas agrícolas ou integração lavoura pecuária.
agroflorestais viáveis que poderiam ser empregados na
Embora o uso de Sistemas Agroflorestais esteja
implantação de Sistemas Agroflorestais, nas
aumentando nas áreas nacionais, muito deve ser feito
propriedades brasileiras, principalmente nas
tanto na adequação técnica dos modelos escolhidos
propriedades de agricultura familiar, ainda faltam
como na adoção de políticas agrícolas, que amparam o
dados sobre esses sistemas de produção, tanto na
produtor a fim de que ele possa obter maior benefício
escolha das espécies adequadas como na adequação à
desse modelo de agricultura.
legislação existente.
A agricultura familiar fundamentada no uso de
O agricultor deve escolher uma variedade de
área de exploração agrícola reduzida, exige uma grande
espécies adaptadas à região e promover uma boa
conscientização do agricultor na escolha do modelo de
interação entre elas. O uso adequado do meio físico,
exploração adotado, para garantir a sua
vertical e horizontalmente é fundamental. Também
sustentabilidade ao longo dos anos. Isso se deve ao fato
deve levar em conta as necessidades de mercado e
de que a atividade agropecuária nessas áreas será
analisar a sua viabilidade econômica.
intensiva, procurando-se obter o máximo de
O investimento deve ser compatível com a
rendimento econômico possível por área. Mas
produção esperada. Essa produção deve ser de fácil
concomitantemente a essa ação deve-se buscar a
reposição adequada e satisfatória de nutrientes, a comercialização. O modelo deve ser ecologicamente
implantação de práticas de conservação do solo e equilibrado para contribuir com a sustentabilidade do
diversificação de culturas e espécies florestais usadas. Sistema Agroflorestal implantado e do
desenvolvimento social.
O Sistema Agroflorestal é uma opção
Algumas dificuldades do SAF devem ser
interessante e extremamente viável na escolha de
vencidas para que tenha sucesso. A diversidade de
modelos pelo pequeno produtor. É o seu melhor aliado,
pois as árvores sempre tiveram um papel importante na produção requer uma especialização na mão-de-obra
vida dos homens tanto no fornecimento de produtos empregada e uma articulação entre os produtores no
(madeira, mel, produtos medicinais) como de momento da compra de insumos para instalação das
benefícios indiretos. Entre os benefícios indiretos estão culturas e comercialização do produto. Nesse sentido,
os de bem estar e saúde pública (sombra, umidade do a mão-de-obra deve ser capacitada, para que o manejo
ar, temperatura e poluição atmosférica), proteção dos e a exploração sejam racionais, eficientes e
solos e dos mananciais, bem como outros benefícios econômicos.

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O sucesso depende muitas vezes do agricultor tipo de exploração, e eventualmente trabalhada com a
que, amparado tecnicamente, deve ter o espírito ajuda de terceiros (Estatuto da Terra).”
inovador e investigativo para experimentar novas O conceito de propriedade familiar é
formas de associação de culturas e/ou animais, mas fundamental para entender o significado de Módulo
sem deixar de ser atento e cauteloso na observação dos Rural. O conceito de módulo rural é derivado do
resultados e problemas que possam surgir. Os conceito de propriedade familiar e, sendo assim, é uma
conhecimentos práticos, aliados ao conhecimento unidade de medida expressa em hectares, que busca
científico, dão uma grande contribuição na condução exprimir a interdependência entre a dimensão, a
dos plantios. situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e as
O associativismo entre produtores é uma condições do seu aproveitamento econômico. A
alternativa sábia para vencer as dificuldades da cadeia Pequena Propriedade é o imóvel rural de área
produtiva, que vai desde a obtenção de sementes até a compreendida entre um e quatro módulos fiscais.
entrega do produto ao consumidor. O cooperativismo Módulo fiscal, por sua vez, é estabelecido para cada
facilita a compra de insumos, faz uso racional de município, e procura refletir a área mediana dos
equipamentos, racionaliza as atividades pós-colheita e Módulos Rurais dos imóveis rurais do município. Esses
promove um escoamento eficiente dos produtos. A valores variam para cada município e região
demanda por mão-de-obra é concentrada no momento Para Guanziroli et al.(2001), citado por Colla et al.
de implantação do SAF, portanto, a prática de mutirões (2008), enquadram-se na categoria de agricultores
é sempre indicada por alguns autores como sendo de familiares os produtores que têm a direção dos trabalhos
grande valia para grupos de produtores que trabalham realizados na propriedade feita pelo próprio produtor
com culturas semelhantes nos SAFs. rural e mão-de-inserir hífen antes da palavra (mesmo que
Como limitações técnicas para a implantação de fique em outra linha) regra nova ortográfica -obra
SAFs, podem-se citar: a existência de poucos estudos familiar utilizada em proporção maior do que a
das interações biofísicas entre os componentes do contratada. Sendo esse trabalho de grande importância
sistema que são de cunho multidisciplinar, poucos para a revalorização do meio rural, pois une a eficiência
conhecimentos sobre os arranjos, combinações de econômica com a eficiência social e contribui para a
espécies e manejo dos SAFs, alto custo das pesquisas de melhoria das condições de vida no campo. Segundo o
médio e longo prazos, inadequação dos serviço de Censo de 1997, 85,2% das propriedades brasileiras se
extensão rural e pequena disponibilidade de enquadravam na categoria de agricultores familiares,
germoplasma específico, pois o melhoramento genético ocupando 30,5% da área total nacional e respondendo
das espécies agrícolas e florestais sempre foi por 50,9% da renda na safra de 1995/1996. Essas
direcionado para o monocultivo. propriedades empregam mais de 2,5 milhões de pessoas
Para amenizar esses problemas enfrentados na no cenário nacional e para Guilhoto et al.(2006) um terço
fase de implantação, manejo e comercialização das do agro negócio nacional origina-se da produção
culturas, os órgãos competentes devem promover uma agropecuária realizada pela agropecuária familiar.
maior difusão de tecnologia disponível, oferecer apoio Abramovay (1997) ressalta que o conceito de
agricultura familiar não deve ser confundido
aos agricultores por meio de legislação, políticas
equivocadamente com “produção de baixa renda”,
públicas e incentivos para financiamentos. pequeno produção ou agricultura de subsistência,
conceitos esses que carregam uma carga de preconceito.
O conceito de agricultura familiar deve remeter a um
DISCUSSÃO conceito de agricultura social, ambiental e
economicamente viável e competitivo.
A busca de novos modelos com alternativas
Propriedade familiar e agricultura rentáveis e inovadoras empregando novas culturas e
familiar melhoria do escoamento da produção surge como uma
necessidade, pois segundo dados de Agroanalysis
A Propriedade Familiar é definida pelo artigo 4.º, (1998), os preços dos produtos como o arroz, feijão e
inciso II, da Lei n.º 4.504/64 como: “o imóvel rural que, milho tiveram redução de 3,55%, 3,59% e 3,52%,
direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua respectivamente, de 1990 a 1996 afetando os
família, lhes absorva toda a força de trabalho, agricultores familiares diretamente que tiveram acesso
garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e restrito às políticas públicas e que estavam voltados à
econômico, com área máxima fixada para cada região e produção de alimentos básicos (Colla et al., 2008).

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Para os autores é necessário que haja uma adoção espécies no espaço, combinam-se os consórcios no
de políticas públicas criando mecanismos alternativos tempo como no processo de sucessão natural de
de escoamento dessa produção e uma diversificação da espécies, em que os consórcios se sucedem uns após
produção por meio da agroindustrialização. A escolha outros, num processo dinâmico, dependendo do ciclo
do melhor mecanismo de comercialização leva em de vida das espécies. Outro aspecto fundamental é a
consideração a oferta, condições climáticas e introdução de alta diversidade de espécies, replicando
comportamento sazonal do produto. Colla et al. ( 2008) uma característica marcante de ecossistemas da Mata
apontam as feiras-livres como um canal de distribuição Atlântica, o bioma original.
importante na comercialização de produtos A classificação dos SAFs se baseia nos critérios de
provenientes da agricultura familiar, pois apresentam arranjos espacial e temporal, na importância e no papel
uma relação mais estreita com o consumidor e uma dos componentes, no planejamento da produção ou na
melhor rentabilidade dos produtos comercializados. produção do sistema, e suas características
A agregação de valores aos produtos obtidos, socioeconômicas (Nair, 1985 appud Santos 2000). Os
valorizando a produção regionalizada diferenciada na Sistemas Agroflorestais, segundo Bernardes (2008),
tentativa de superar a restrição de escala imposta pela podem ser classfificados de acordo com seus
pequena propriedade e a diversificação da produção componentes em Silviagrícola ou agrossilviculturais,
tornando os produtores menos susceptíveis à (Espécies florestais e culturas agrícolas) (Figura1);
sazonalidade, devem ser importantes preocupações Silvipastoril ( Espécies florestais e forrageiras para
dos produtores que se enquadram como produtores alimentação animal) ou (espécies florestais, forrageiras
familiares. e animais) (Figura 2) e Agrossilvipastoril ( Espécies
florestais, culturas agrícolas e forrageiras para
alimentação animal)(Figura 3).
Sistemas agroflorestais De acordo com a disposição das espécies no
O termo “Sistema Agroflorestal” (SAF) campo os modelos podem ter uma grande variação,
corresponde a uma forma de uso da terra e manejo dos consistindo desde sistemas mistos adensados como
recursos naturais, nos quais espécies lenhosas (árvores, quintais caseiros, mistos de baixa densidade, como os
arbustos, palmeiras) são utilizadas em associação com sistemas agrissilvipastoris, em faixas ou contínuos ou
cultivos agrícolas ou animais, na mesma área, de ainda ao acaso. E de acordo com a disposição das
maneira simultânea ou em uma sequência temporal espécies no tempo, os SAFs podem ser simultâneos ou
(Montagnini, 1992). sequenciais.
Para Nair (1989) e Young (1990) o Sistema Os SAFs sequenciais ocorrem de forma que haja
Agroflorestal (SAF) é um sistema de uso da terra com a um intervalo de tempo entre a colheita da primeira
introdução ou retenção deliberada de árvores em cultura e a semeadura da cultura subsequentes. Já para
associação com outras culturas perenes ou anuais e/ou os simultâneos podem-se observar que existem várias
animais, apresentando mútuo benefício ou alguma situações: duas culturas com a mesma época de plantio
vantagem comparativa aos outros sistemas de e colheita (SAF coincidente), culturas de mesma época de
agricultura resultante das interações ecológicas e semeadura e épocas diferentes de colheita
econômicas. Pode apresentar várias disposições em (concomitantes). Um exemplo interessante de SAFs de
espaço e tempo, e deve utilizar práticas de manejo culturas concomitantes é o plantio de palmeira real e
compatíveis com o produtor. palmito jussara para obtenção de palmito sob plantio de
Peneireiro (2008) afirma que a floresta é eucalipto (Figura 4) onde a cultura do palmito é extraída
composta por várias espécies, que se desenvolvem em com cinco anos, portanto antes do término do primeiro
diferentes contextos (nichos) e ocupam o espaço vertical ciclo do eucalipto que se dá com sete anos.
de forma bastante completa, com seus estratos, de Outro modelo de SAF é o sobreposto quando
acordo com a necessidade específica de cada uma ocorre a semeadura de uma cultura antes do final do
dessas espécies, em luz, direta ou filtrada, fazendo com ciclo de uma cultura já instalada no local e cuja colheita
que a energia do sol seja aproveitada da melhor maneira será feita após o término do ciclo da primeira cultura
possível. Nos SAFs as plantas cultivadas são instalada. Ainda temos o modelo interpolado no qual
introduzidas em consórcio, de forma a preencher todos durante o ciclo de uma cultura perene temos a
os nichos, inclusive, considerando nessa combinação, implantação de culturas de ciclo menor. Por exemplo, o
espécies nativas remanescentes, espécies da cultivo de culturas anuais sob árvores de seringueira ou
regeneração ou reintroduzidas. Além de combinar as eucalipto.

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Figura 1. Modelo Silviagrícola ou agrissilvicultura (Fonte: Abdo,


2008)

Figura 4. Palmeira real sob plantio de eucalipto. (Abdo, 2008)

Levando-se em consideração aspectos ecológicos


e econômicos, os SAFs podem ser classificados como
protecionistas ou produtivos quando visam à
comercialização dos produtos obtidos. Esses últimos
podendo ainda ser classificados em SAFs comerciais,
intermediários e subsistencial dependendo da
destinação da produção, para mercado externo e ou de
subsistência da família produtora (Santos, 2000).
Figura 2. Modelo Silvipastoril (Fonte: Bernardes, 2008) Existem vários tipos de SAFs: quintais
agroflorestais, cultivo de faixas em culturas perenes,
taungya, aléias, multiestratos, capoeira melhorada,
cerca viva, árvores em pasto, pastagens em plantações
florestais entre outras (Santos, 2000) e (Bernardes, 2008).
As árvores utilizadas em SAFs podem ter
diversas funções: arborização de pastos e culturas,
barreiras vivas, cercas vivas, quebra-ventos,
revegetação de áreas degradadas, fonte de proteína
para animais, adubação verde, bosque de proteção,
fornecimento de matriz energética para obtenção de
biocombustíveis, apicultura, forragem, alimentação e
celulose (Santos, 2000). Ainda pode-se ressaltar o uso
dessas espécies para obtenção de resinas, óleos
essenciais, utilização de princípios ativos medicinais,
obtenção comercial de frutos etc. As intervenções de
manejo demandam conhecimento sobre as espécies
exigindo observação e precisão por parte dos
Figura 3. Modelo Agrossilvipastoril (Fonte: Bernardes, 2008) agricultores.

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O conhecimento acerca das espécies tem outro As plantas perto do eucalipto apresentaram
aspecto interessante: quanto mais o agricultor conhece a produtividade muito superior quando comparadas ao
espécie e seu uso, mais retorno pode ter do SAF, seja restante da parcela (Figura 5) Os resultados da área de
para uso da família (alimentação, medicamentos, observação implantada indicam a complementaridade
artesanato), para alimentação dos animais ou como uso do uso do ambiente disponível (solo e clima) pelos
de espécieschave sendo repelentes ou atratoras de cultivos envolvidos (eucalipto, feijão, milho e mandioca).
fauna e/ou insetos e para a destinação final do produto Com as produtividades obtidas para os componentes
obtido (Penereiro, 2008). Para Castanho Filho (2008), milho e feijão e considerando as médias de produtividade
embora, o uso da madeira e seus resíduos no Estado de dos plantios em área total para essas culturas no Espirito
São Paulo como fonte energética seja pequeno, este Santo, pode-se concluir que, apesar do reconhecimento
apresenta um grande potencial de crescimento. O dos benefícios dos SAFs, o entendimento sobre o seu uso
plantio de árvores na propriedade pode reduzir os em condições específicas e sobre sua capacidade de
custos de produção agrícola devido aos menores gastos gerarem benefícios ainda são limitados.
na conservação de solos e combate de pragas e doenças,
substituição de material para cercas e construções, fonte
alternativa para abastecimento energético e rendas
alternativas com a madeira explorada e subprodutos.
Essa situação também leva a uma menor pressão na
utilização de florestas nativas como fonte de matéria-
prima, principalmente para energia.

Modelos de sistemas agroflorestais


já instalados
A diversidade de espécies empregadas na
instalação de SAFs e o longo período entre a fase de
implantação e a obtenção de dados sobre a produção
das culturas, principalmente quando temos o plantio
das espécies florestais na fase inicial do projeto, levam a
uma falta de dados conclusivos sobre iniciativas de
sucesso com SAFs. Fato esse que salienta a necessidade
de difusão de iniciativas dessa natureza para que os
agricultores possam adaptar resultados positivos já
obtidos às condições de sua região, seu poder
econômico e possibilidade de comercialização dos Figura 5. Plantio de milho entre eucalipto (Fonte: Bernardes, 2008)
produtos finais.
A seguir são apresentados alguns modelos já Também pelo mesmo autor foi verificado um
implantados e que possuem até o presente momento aumento no teor de matéria orgânica, K, Ca, Mg e no V%
dados significativos para avaliação. Em experimento em solos onde foi implantado seringueira em SAFs
relatado por Bernardes (2008), onde foi realizado o intercalada com mandioca, feijão, milho, batata-doce,
plantio de milho, feijão e mandioca em área no quarto mamão, cacau e açaí quando comparada com a cultura
ciclo da cultura de eucalipto, aproximadamente 28 da seringueira intercalada com Pueraria phaseoloides e
anos, numa região de baixa aptidão agrícola que campo cultivado continuamente.
apresentavam solos de tabuleiros costeiros, sem Uma outra opção apresentada por Bernardes
irrigação e controle de pragas e doenças, foi realizado o (2008) é a utilização da cultura de eucalipto como
preparo de solo para um novo reflorestamento de quebra-vento de cafeeiro. Foram realizados dois
eucalipto utilizando-se rebaixador de tocos, experimento, o primeiro com duas linhas de café ,
subsolagem a 80 cm e barra pré-plantio. O plantio das intercaladas entrelinhas simples de árvores de
culturas agrícolas foi realizado na segunda quinzena de eucalipto e 11 linhas intercalares de cafeeiros ( Figura 7).
março de 2004. Segundo o autor, foi observado que o No segundo experimento foram intercaladas cinco
milho teve um grande aproveitamento do adubo linhas de café entre duas linhas, e eucalipto em uma
destinado ao eucalipto. área de monocultivo de café.

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Esses experimentos demonstram a


compatibilidade do eucalipto com culturas agrícolas de
forma sustentável promovendo inclusive uma geração
de renda complementar para as famílias envolvidas no
projeto e com o desenvolvimento satisfatório das
culturas. Também pelo mesmo autor temos a citação de
opções de plantio intercalar de mandioca entre
eucalipto na época do corte da cultura e a alternativa de
plantio de feijão plantado em área total para cobertura
do solo com e sem introdução de mamão que seria uma
renda extra.

Figura 8. Plantio de SAF com seringueira, cacau e banana ( Fonte:


Bernardes , 2008)

Um experimento semelhante foi implantado no


Polo Apta Centro Norte, em Pindorama, SP, onde foram
utilizadas plantas de banana e cacau sombreadas por
árvores farinha seca e tipuana (Figura 9).

Figura 6. Plantio de seringueira com Pueraria phaseoloides

Figura 7. Plantio de eucalipto como quebra vento na


cultura de café (Fonte: Bernardes, 2008)

O autor apresenta ainda o modelo de plantio em


Figura 9. Cultura do cacau sombreada atualmente por farinha seca e
SAF das culturas de seringueira, cacau e banana.( tipuana e por bananeira durante a fase de implantação, área do Polo
Figura 8). Centro Norte, Pindorama, SP.

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Santos (2000), avaliando Sistemas Agroflorestais Esse valor nos dará a área necessária para
em áreas degradadas por pastagens na Amazônia, obtenção da mesma produção em monocultivo
concluiu que além de economicamente viável, esses comparada a um ha de SAF.
sistemas são benéficos para recuperar essas áreas. O A seguir algumas fotos de SAFs já implantados:
modelo multiestrato com introdução de diversas
espécies arbóreas definidas pelo autor como frutíferas
perenes (mogno, castanha-do-brasil e teca) e
semiperenes (araçá-boi, jenipapo, acerola e maracujá) e
com cultivo de arroz no primeiro ano juntamente com
cupuaçu, apresentou maior desempenho pelo valor
comercial das espécies adotadas. O oferecimento de
produtos madeireiros e não madeireiros contribuem no
sucesso do empreendimento, pois proporcionam fluxo
de caixa maior ao agricultor, flexibilidade de
comercialização e otimização de mão-de-obra. A
produção de culturas em SAFs pode superar o
monocultivo em termos de produtividade se for
adotado manejo adequado.
Para efeito de cálculo da área necessária para se
obter uma determinada produtividade comparando-se
a cultura em sistema de monocultivo e em SAFs deve-se
utilizar o conceito de equivalência de uso da terra
representada pela fórmula (Bernardes, 2008):

N
produtividade da cultura i no SAF
EUT = ?
produtividade da cultura i em monocultivo
i=1
Figura 11. Seringueira e Palmito Jussara (Fonte: Brioschi. V Ciclo de
Palestra sobre a Heveicultura Paulista)

Onde: N = número de cultura do SAF

Figura 10. Plantio de maracujá cultivado entrelinhas de seringueira Figura 12. Plantio de filas duplas de seringueira ( 13,0 x 3.0 x 2,5 m)
(Fonte: Bernardes, 2008) (Fonte: Bernardes,2008)

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Figura 13. Café arborizado por coco e seringueira, experimento Figura 16. Plantio de milho entre seringueira (Fonte: Brioschi. V Ciclo
realizado na área do Polo Apta Centro Norte, Pindorama, SP. de Palestra sobre a Heveicultura Paulista)

Legislação e órgãos promotores de


SAFs
O Código Florestal dá possibilidades de
implantação de sistemas agroflorestais em pequenas
propriedades e manejo sustentável na área da reserva
legal. A área de reserva legal deve ser pelo menos 80%
da propriedade agrícola na Amazônia Legal, 35% da
propriedade agrícola do Cerrado da Amazônia Legal e
20% da área da propriedade para as demais localidades.
Isso significa que na Amazônia Legal o SAF é a condição
mais racional para o desenvolvimento sustentável e a
Figura 14. Café sombreado por seringueira na área do Polo Apta monocultura se tornaria inviável. Mas, também nas
Centro Norte, Pindorama, SP. demais localidades onde ocorre a predominância da
monocultura, a fragmentação dos remanescentes
florestais é intensa e exige um trabalho de
reflorestamento com embasamento técnico adequado e
eficiente para recuperá-las. Nessas áreas o uso de SAFs
pode ser uma alternativa mais viável e promissora uma
vez que a utilização de culturas agrícolas juntamente
com plantios de espécies nativas oferecem um
rendimento extra aos agricultores, amortizando os
custos de implantação do reflorestamento, oferecendo
uma renda extra com os produtos obtidos ao longo dos
anos e uma melhor proteção do solo com uma cobertura
mais rápida e eficiente. No Estado de São Paulo, a
Secretaria do Meio Ambiente em conjunto com A
Secretaria da Agricultura estão viabilizando o uso de
sistemas agroflorestais em até 50% da reserva legal que
necessita de reforestamento (Lei nº 12.927/08, relativa à
Figura 15. Plantio de café entre seringueira (Fonte: Brioschi. V Ciclo de introdução de plantas exóticas e uso de SAFs na área de
Palestra sobre a Heveicultura Paulista) reserva legal).

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que de difícil mensuração. A exploração de espécies


CONSIDERAÇÕES FINAIS florestais também deve ser feita de forma a causar o
menor dano possível às culturas agrícolas implantadas
Os Sistemas Agroflorestais podem ser uma ótima
nos SAFs.
opção para o pequeno agricultor e para o equilíbrio
ecológico das propriedades o que o torna uma opção
que poderá ser amplamente adotada em propriedades
que tenham sua forma de produção classificada como REFERÊNCIAS
agricultura familiar. Como benefício na adoção de SAFs
pode-se citar a variabilidade de espécies utilizadas nos ABDO, M. T. V.N. 2008. Visita técnica a SAFs com
modelos de plantio, a melhoria da capacidade eucalipto e palmeiras, propriedade particular em São
produtiva da terra, otimização da utilização dos Francisco Xavier. Relatório. São Paulo, 2008.
recursos naturais disponíveis, se adaptado às condições
ecológicas e dos produtores, obtendo assim uma maior MONTEIRO, M.J. Preços Agrícolas: 30 anos de queda,
produção por unidade de área. A diversificação de Rev. Agroanalysis, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro
culturas ocasiona uma melhora significativa das de Economia, Centro de Estudos Agrícolas. Fundação
propriedades físicas, químicas e biológicas do solo por Getúlio Vargas, fevereiro, p.26-27, 1998.
meio de ciclagem de nutrientes e controle de erosão.
BERNARDES, M. S. 2008. Sistemas Agroflorestais. In:
Protege o solo da ação desagregante do impacto das
XXXIII SECITAP. Jaboticabal: UNESP, Palestra
gotas de chuva e contribui para a redução da amplitude
de variação de temperatura e umidade local CASTANHO FILHO, E. P. 2008. Floresta e bioenergia.
protegendo, em alguns casos, inclusive as culturas do Informações Econômicas, IEA v. 38, n.2: p.52-67.
efeito de geadas em regiões mais frias. As condições
criadas pelo uso de diversas espécies de diversos CENSO AGROPECUÁRIO. 1997. Rio de Janeiro: IBGE.
estratos possibilitam o desenvolvimento de culturas
COLLA, C.; STADUTO, J.A.R; DA ROHA JR., W, F.;
que são beneficiadas pelo sombreamento como cacau,
RINALDI, R.N. 2008. Escolha da feira livre como canal
café, cupuaçú e palmito. Economicamente a
de distribuição para produtos da agricultura familiar de
diversificação da produção em diferentes épocas do ano
Cascavel, estado do Paraná. Informações Econômicas 38,
pode ocasionar uma diminuição de riscos econômicos,
n.2: p.7-17..
melhor distribuição temporal e maior conforto do
trabalho. Para que o cenário seja de sucesso vale GUILHOTO, J. J. M. et al. 2006. A importância do
salientar que o agricultor deve adequar as culturas à sua agronegócio familiar no Brasil. Revista de Economia e
capacidade de investimento, interação entre espécies, Sociologia Rural. Rio de Janeiro 44 n.3: p. 355-382.
condições edafoclimáticas regionais e condições
favoráveis de escoamento pela comercialização. Essas MONTAGNINI, F. ANO??Sistemas Agroflorestales:
opções devem ser fundamentadas e amparadas por principios y aplicaciones en los trópicos. San Jose, Costa
políticas agrícolas implantadas pelo setor público a fim Rica: II CA.622p.
de favorecer a adoção desses modelos .
NAIR, P. K. R. 1989. Agroforestry systems in the tropics.
A não observação desses fatores pode aumentar
Dordrecht: Kluwer Academic, 664p. ( Foresry
ainda mais os entraves para a adoção dos SAFs. A
diversificação de produtos exige um conhecimento Sciences,31)
técnico mais complexo e um custo de implantação mais PENEIREIRO, F. M. 2008. Cuidando da natureza,
elevado e uma maior dificuldade de mecanização que cuidamos da humanidade. Palestra proferida no Segundo
pode encontrar no pouco conhecimento técnico, aliado
Módulo do Projeto “Formação de agentes
a falta de tradição dos agricultores, uma barreira à alta
multiplicadores Socioambientais na Bacia do Xingu”.
produtividade que esperada, desestimulando a adoção
Disponível no site www.socioambiental.org
e difusão desses novos modelos. A produtividade por
área de cada cultura deve ser avaliada, levando-se em SANTOS, M. J. C. 2000. Avaliação econômica de quatro
conta a nova situação. A diminuição da produção por modelos agroflorestais em áreas degradadas por pastagens na
componente do consórcio não pode ser avaliada Amazônia ocidental. Piracicaba: ESALQ-USP, 75p.
isoladamente, pois na mesma área poderemos obter um
(Dissertação de mestrado).
rendimento maior ao longo do tempo quando
incorporamos novas culturas no local e os ganhos YOUNG, A. 1990. Agroforestry for soil conservation,
ecológicos ambientais devem ser contabilizados mesmo Nairóbi: ICRAF, 276p.

www.apta.sp.gov.br 59
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