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Ferenczi II – Aula 1

A situação traumática
Esse processo se deriva a partir de uma situação que produz uma sobrestimulação,
incapaz de ser processada pelo sujeito e que produz neste uma resposta inconsciente,
vale ressaltar que o trauma é intrinsecamente particular, ou seja, aquilo que gera um
trauma em determinado indivíduo não necessariamente produzirá em outro. Mostra-se
evidente o caráter intimista da entrevista psicanalítica, a qual deve respeitar e considerar
a história familiar e de vida do indivíduo, pois é a partir dela que se pode entender a
conjuntura na qual se sucedeu a ocorrência do trauma (muitas vezes é necessário que o
processo seja estendido para que se possa adentrar no cerne dessa estrutura e entender o
que significa aquele trauma para o indivíduo e como ele foi possível ocorrer). Não
existe, portanto, na situação de abuso um ato que seja menos ou mais traumático, essa
classificação quantitativa depende unicamente de como o indivíduo abusado processa
aquela ocorrência. Ao entender esse ponto de vista, o profissional é capaz de entender os
papeis que os diferentes membros da família ocupam na situação de abuso (os diferentes
papeis são essenciais para que se entenda como se dará o processo de Desmentido –
aquilo que será acreditado, pelos demais membros familiares, ou até mesmo do
profissional em questão, sobre o relato da vítima).
Toda essa situação e o contexto em que ela se estabeleceu é descoberto pelo profissional
a partir das entrevistas, iniciando-se desde a primeira delas, responsável por promover a
anamnese do caso, de modo que é orientado procurar entender sobre como se
estabeleceu o desenvolvimento da criança abusada, para que seja possível entender
principalmente o papel dos outros componentes familiares nesse processo, como eles
participam na conjuntura do abuso e a partir disso, elaborar, associar o abuso à
determinados sujeitos e refletir sobre toda a situação. (o abuso é muito mais traumático
quanto maior for a significação daquele outro para o indivíduo abusado).

Obs: Trauma cumulativo - Repetição dos episódios traumáticos sucessivos é capaz


de gerar um trauma sobre o psiquismo do sujeito justamente pela repetição de um ato
com a intenção de submeter o indivíduo a uma condição passível da geração de trauma.
Muitas vezes os atos do trauma cumulativo se analisados isoladamente não seriam
capazes de gerar o trauma em si, contudo, em um contexto a posteriori, uma dessas
atitudes pode ser capaz de gerar uma carga significativa que será responsável por
rememorar todas as outras sofridas anteriormente.

Outro aspecto importante de entender como a estrutura familiar se estabelece no


processo de abuso, consiste na possibilidade de elaborar os motivos pelos quais a
criança encontra-se presa àquele contexto de abuso. Para a criança abusada por um
membro familiar, a possibilidade de existir uma elaboração de uma “rota de fuga” feita
pela própria criança, de modo que devido ao fato de o desenvolvimento psíquico não
estar completamente estabelecido, esta se encontra presa àquele ambiente, não sendo
capaz de defender-se do abusador. Para a criança, o ambiente familiar é tudo o que ela
possui, quando este se torna traumático, este indivíduo não consegue se desvincular da
situação, devido justamente a essa dependência excessiva de uma das partes da relação.
(armadilha trágica)

A recusa do trauma no relato


Devido à grande carga traumática do abuso sofrido, muitas das vezes os indivíduos que
são atendidos pelo profissional em um contexto relacionado à violência sexual, não são
capazes de relatar de maneira adequada a ocorrência da cena traumática. Isso se deve a
um mecanismo de defesa utilizado pela consciência para que o indivíduo possa
prosseguir com sua vida da “maneira menos dolorosa”, esse mecanismo acaba por
apagar parcialmente das lembranças conscientes do indivíduo essa cena traumática
(diminuição da carga libidinal), provocando um verdadeiro estado corpuscular no
indivíduo em uma futura repetição dessa cena, uma verdadeira dissociação egóica, na
qual o indivíduo não se entende como consciente ao viver aquilo (o indivíduo não é
capaz de relatar com precisão e por isso, muitas vezes acaba sendo desmentido por
aqueles que não são especialistas na escuta das vítimas). É no contexto da análise que o
profissional será capaz de extrair as partes essenciais desse relato e remontar a cena
traumática, para que o indivíduo seja colocado em face dela e possa elaborar o abuso
que sofreu (muitas vezes a reedição da cena traumática pode provocar até mesmo uma
reação de contratransferência por parte do analista, o que pode prejudicar o andamento
da análise).

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