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Blog da Rede Iberoamericana de Pesquisadores em História da Psicologia

Bispo Dom Pedro Casaldáliga


(1928-2020)

EM 20 AGO 202016 AGO 2020 / POR JOSÉ FELIPE V.


MACHADO / EM HOMENAGEM
No último final de semana faleceu em Batatais (SP) o Bispo Dom
Pedro Casaldáliga (1928-2020), um importante defensor dos
direitos humanos, desde os tempos da ditadura militar
brasileira, especialmente dos povos indígenas e das populações
ribeirinhas.

Nascido em Balsareny, uma província de Barcelona, ingressou


na vida eclesiástica aos 15 anos e mudou-se da Espanha para o
Brasil aos 40 anos. Em território brasileiro, fundou uma missão
Clarentiana (de Sta. Clara) no Estado do Mato Grosso, na cidade
de São Félix do Araguaia, local marcado pela marginalização
social a qual Casaldáliga se opôs veemente.

Após sua nomeação a administrador apostólico da prelazia de


São Félix do Araguaia, escreveu o primeiro texto-denúncia que o
tornou conhecido no Brasil e no exterior: “Escravidão e
Feudalismo no norte de Mato Grosso”, o qual denunciava a
situação da região às autoridades da igreja e do governo. Em
1971, recebeu a nomeação de bispo prelado de São Félix do
Araguaia pelo Papa Paulo VI.

Devido ao seu engajamento com as questões sociais, Casaldáliga


foi vítima de ameaças de morte por parte dos latifundiários da
região devido às suas denúncias sobre as injustiças cometidas
com os povos indígenas. Durante a ditadura, foi alvo de
processos que o ameaçavam expulsar do Brasil, chegando a ser
acusado de agente comunista.

Sua vida, entretanto, não se resume nas lutas contra a injustiça


social. Casaldáliga era escritor e poeta, com mais de 20 livros
publicados, alguns apenas em espanhol, onde é reconhecido pela
sua liderança católica. Interessado pelas áreas de antropologia,
sociologia e ecologia, também era adapto a teologia da
libertação, adotando para si o lema: “Nada possuir, nada
carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar“.
Dom Pedro
Casaldáliga
em
entrevista
à imprensa
em 1988.

Devido a sua atuação e importância no cenário brasileiro, este


blog resgata seu discurso para os formandos de Psicologia da
Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, em 1981. Suas
palavras são de grande inspiração e importância que
reverberam até os dias de hoje.
PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA, MATO GROSSO –
BRASIL

São Félix do Araguaia, MT, 12/2/1981

Aos amigos e companheiros Formandos de Psicologia da


Universidade Gama Filho de Rio de Janeiro:

Na impossibilidade de enviar para vocês um discurso


e na impossibilidade de estar aí, com vocês – porque sua
colação de grau coincide com a Assembléia Nacional da CNBB
-, escrevo esta carta. Com liberdade familiar. Vocês me
elegendo como “patrono”, como “padrinho”, deram-me esse
direito.

Elegendo-me, vocês pretendiam prestar “uma


homenagem á Igreja de nosso país que atualmente paga um
alto preço por sua liberdade de ser.V. Igreja de Jesus Cristo; por
ser o que deve ser, apenas. Honestamente a Igreja de Jesus não
pode deixar de pagar este preço de encarnação comprometida.
De todo jeito, obrigado. Vocês, com isso, nos confortam e nos
comprometem a mais.

Agradeço ainda a lição de simplicidade que vocês


deram a muitos com o seu convite, simples folha vestida de
Terra. Seja ele como um pequeno sacramento da simplicidade
com que vocês pretendem ingressar mais comprometidamente
no “espaço social brasileiro” e latinoamericano.

Agora é que vocês vão se formar, na luta, com o Povo,


frente ás tentações do Dinheiro, do Poder, do Prestígio. Frente
á grande tentação do Mercado Profissional.

Também a Psique virou matéria de mercado, nesta


mercantilista sociedade que o Capitalismo moderno exarcebou
em requintes de desequilíbrios e necessidades.

Não esqueçam nunca que a Psicologia toca a alma


humana, “mercadoria” outra, “matéria prima” nascida do
próprio alento do Deus Vivo, transação feita a preço de sangue
– do Sangue do Filho de Deus, do muito sangue dos muitos
filhos dos Homens…

A maltratada alma humana destes tempos de


neuroses e de psicoses, na desajustada sociedade do
consumismo e da supertécnica; onde o importante é ter mais,
ser mais-do-que-os-outros, mesmo á custa de deixar de ser
identidade humana.

Não se vendam: nem nas Escolas do Sistema


dominante, nem nas Empresas do Lucro capitalista nem nos
Consultórios da Medicina prostituída.
Não acabem sendo funcionários bem pagos,
psicólogos dos privilegiados do Mundo, aliados úteis da
Exploração, talvez da Repressão.

Sejam trabalhadores da Ciência, junto aos


trabalhadores da enxada ou do torno ou da panela.
Construtores todos do Mundo Novo que precisamos, que os
Pobres da Terra exigem angustiadamente.

Vocês, como psicólogos, têm uma específica missão,


escandalosamente “espiritual”. O Homem não pode ser
máquina. Devolvam ao Homem sua condição livre e luminosa.
Reconciliem a Ciência dos gabinetes com a Sabedoria do Povo.
Recuperem para si e para os irmãos aquela Psicologia popular,
ainda “natural”, humana ainda, que se expressa em comunhão
com a Natureza – sobretudo nos meios indígenas -, em sábia
paz interior do dia a dia, em relacionamento familiar ou de
vizinhança sem hermetismos e sem histerismos, na alegria
simples dos festejos – sem as sofisticações dos reveillons
cariocas, na capacidade de falar com Deus…

Descubram e assumam as atitudes básicas do


HOMEM NOVO que todos sonhamos, que Deus programou,
pelo qual deveríamos apostar, minuto a minuto, toda nossa
existência, tentando sermos nós, em irradiação comunitária,
Mulheres Novas, Homens Novos, novas Pessoas humanas.

A verdadeira revolução definitivamente


transformadora da Socidade Humana é tanto “psicológica”
como “socio-político-econômica”. Devemos transformar
simultâneamente – sublinhem o advérbio, para evitar
escapismos dualistas – tanto as pessoas quanto as estruturas.
Um bom psicólogo seria assim, por definição, um militante.

Vocês estudaram privilegiadamente a Alma Humana,


para agir a paritr dela – vocês sendo sempre humanos -, para
agir em torno a ela – entre humanos e irmãos-, para agir
sempre em favor dela – síntese vital da Pessoa Humana que,
por sua vez, é a síntese consciente do Universo, sendo a
imagem filial do próprio Deus Criador.

Hoje, aqui. Nesta hora do Brasil e da Pátria Grande


comum, que é esta América Latina. sejam atuais, não tanto
pelos novos livros que conheçam ou pelas novas técnicas que
utilisem, quanto pelo diário engajamento com que se joguem
na correntesa viva da História.

“Companheiríssimo”, vocês me chamaram. Sejamos.

Com esta afeição e nesta Esperança, sob a luz e o grito deste


desafio, abraço a todos vocês, companheiro e irmão,

Pedro Casaldáliga Bispo de São Félix do Araguaia, MT


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