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O zimbório da Basílica de Mafra

uma revisitação das cúpulas renascentistas no período barroco


Sérgio Gorjão / 2015

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Resumo:

O Real Edifício de Mafra é uma das principais construções da primeira metade do


século XVIII na Europa, um complexo palaciano e conventual, que integra uma basílica,
jardins e tapada, bem como enfermarias, uma academia de estudos e uma das mais
significativas bibliotecas barrocas do seu tempo. A basílica de Mafra recebeu a sua
primeira pedra em 1717 e foi consagrada e aberta ao culto em 1730, sem contudo
estar totalmente terminada a construção do zimbório que coroa o transepto da igreja,
obra concluída nos anos subsequentes. Este zimbório é uma peça arquitetónica de
grande complexidade, cujo desenho remonta à abordagem feita no Renascimento a
este tipo de estrutura, implicando importantes avanços na compreensão dos métodos
construtivos.

Palavras-chave: Palácio Nacional de Mafra, arquitetura renascentista, arquitetura


barroca, cúpulas/zimbório.

Nota: trabalho realizado para a disciplina de História Crítica do Desenvolvimento das


Formas Construtivas no âmbito do curso de Doutoramento em Arquitetura – Teoria e
História na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, sob orientação do
Prof. Doutor António Morais.

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Índice

Introdução _____________________________________________________ 4

Antecedentes ___________________________________________________ 7

Os modelos italianos na transição do Renascimento para o Barroco ________ 9

Os modelos de Mafra ____________________________________________ 16

O zimbório da basílica de Santo António de Mafra

I . Contextualização histórica______________________________ 20

II . Estrutura (forma, espaço e materiais) ____________________ 28

Conclusão ______________________________________________________ 31

Fontes Documentais _____________________________________________ 33

Fontes Bibliográficas _____________________________________________ 33

Bibliografia Geral ________________________________________________ 33

Créditos Fotográficos _____________________________________________ 35

Anexo I - Elementos comparativos entre o zimbório da basílica de Mafra e


referências iconográficas na obra de Giovanni Giacomo de Rossi, Insignium
Romae templorum prospectus exteriores interioresque a celebrioribus
architectis inventi... (Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683) ___________ 36

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Introdução

O Real Edifício de Mafra, mandado construir pelo rei Dom João V em 1711, é um dos
mais emblemáticos edifícios barrocos europeus, tendo esta extensa obra sido erguida
entre 1717 e cerca de 1750, sob a supervisão do arquiteto alemão João Frederico
Ludovice e do engenheiro mor Custódio Vieira. A peça central deste edifício é a sua
igreja basilical, cuja primeira pedra foi lançada, por mãos do próprio rei, a 17 de
Novembro de 1717, sendo o templo consagrado, em 1730, na presença da família real,
da corte, da cúria patriarcal e representantes de quase todas as congregações
religiosas. Este grandioso palácio é, assim, a síntese da estrutura social do antigo
regime e simultaneamente uma manifestação de poder, tanto do soberano, como do
próprio reino.

Sob o signo do ouro brasileiro, este objeto marca a afirmação de uma dinastia, a
exteriorização do reino como uma importante potência económica e política,
assumindo, assim, um papel histórico da maior relevância.

Fig.1: Zimbório da basílica de Mafra


["Explicação sumária do grande e magnífico edifício de Mafra igreja convento e Palácio" séc. XVIII (1ª metade)]

4
Ocupando uma área de implantação de 40.000m2 e cerca de 170.000m2 de piso (a que
se juntam 11.790.000m2 de tapada [1.1790 hectares murados, num perímetro de cerca
de 21km] e mais 80.000m2 de jardim [8hectares também murados]), neste complexo
destaca-se a existência de uma sumptuosa basílica dedicada a Santo António, à qual
estão afetas várias áreas de apoio, como as vias-sacras, a sacristia, casa dos lavabos,
casa da fazenda, entre outras.

A basílica, à qual o rei deu especial atenção no que respeita ao seu desenho e
edificação, é a parte mais notável de todo o conjunto. Destaca-se a sua fachada, ao
estilo romano, a qualidade da galilé com os seus revestimentos pétreos brancos e
negros, o uso profuso de pedras coloridas de grande qualidade no seu interior, a
existência de 58 estátuas italianas em mármore, a presença de seis órgão históricos (o
único templo no mundo onde os seis instrumentos foram concebidos para tocarem em
conjunto), bem como de dois carrilhões instalados nas torres sineiras, cada qual o
maior do seu tempo, originalmente com 107 sinos, para além dos mais ricos acervos
de paramentos e alfaias litúrgicas executados no seu tempo e que complementam a
linguagem integrada artístico-arquitetónica do imóvel.

A basílica é coroada por um zimbório, um


dos aspetos mais relevantes desta obra,
tanto em termos de desenho como
construtivos; expressão da extraordinária
capacidade dos engenheiros portugueses
e da qualidade dos canteiros que fizeram
larga escola em Mafra. É também uma
das mais notáveis obras do seu tempo,
inspirada em estruturas renascentistas e
barrocas existentes em Itália (mormente
em Roma), e no conhecimento de
tratados de arquitetura e álbuns com
levantamentos de época, sublimando as
opções das arquiteturas mais
vanguardistas da época, sobretudo das Fig. 2: Pormenor do levantamento do alçado poente da
basílica de Mafra [Fr. Frei João de São José do Prado -
que eram promovidas pelos jesuítas, de Monumento Sacro …. Lisboa, 1751]
onde avulta a ação do arquiteto Giovanni
Battista Della Porta (1535-1615), um dos intervenientes na cúpula de São Pedro de
Roma, ou de Andrea Pozzo (1642-1709), nas suas conjetura de arquitetura fictícia
desenhada para o teto da nave da Igreja de Jesus, em Roma.

O presente estudo debruça-se especificamente sobre o zimbório de Mafra, constituído


por um tambor assente nos arcos torais do transepto da basílica, sobre o qual se
erguem duas cúpulas (interna e externa), rematadas por um lanternim.

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Para a caracterização desta peça de arquitetura, cuja missão é fechar a estrutura do
templo, iniciamos a abordagem pela marcação de uma série de referenciais teóricos
(tratadísticos) e práticos (por analogia a outras obras), tentando perceber qual a
evolução histórica, tecnológica e construtiva deste tipo de estruturas, cujo desenho e
execução, por ser tão complexo e oneroso, seria um dos expoentes da atividade de
qualquer arquiteto e engenheiro no seu tempo.

Por fim fazemos uma abordagem ao funcionamento desta estrutura como veículo de
transporte de cargas, em função da sua forma, dos materiais usados e do fim a que se
destina, enquadrado no tempo (e nas capacidades existentes nesse momento
específico).

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Antecedentes

No tratado “De Architectura”, de Vitrúvio (séc. I a.C.), definem-se seis preceitos da arte
de edificar: 1) a ordem (ordinatio), ou seja, a justa proporção dos diversos elementos
constitutivos da obra, na qual a simetria tem grande influência; 2) a disposição
(dispositio), forma adequada de conjugação dos componentes, nomeadamente do
ponto de vista estético, relacionando-se com a definição das plantas, elevações e dos
ângulos de visão sobre o imóvel; 3) a euritmia (eurythmia), que consiste na harmonia e
esbelteza; 4) a simetria (symmetria), a posição de elementos considerando linhas de
eixo e de forma equilibrada; 5) o decoro (decor), ou seja, a ideia de uma obra digna,
competente, justa, honesta e irrepreensível face aos recursos e fins a que se destina; e
6) a distribuição (distributio), que pode consistir na boa repartição dos recursos e do
terreno, na prudente administração da obra ou na eficiente criação de espaços em
função das necessidades.

Fig.3: Vitrúvio apresentando os princípios da “De Architectura” a Augusto


(Thomas Gordon Smith, 1684)

De acordo com Vitrúvio, a observação destas qualidades seria o suficiente para


garantir a qualidade de uma obra de arquitetura, perspetivada em função das próprias
proporções medianas do corpo humano (divina proporção), teoria que se mantém viva
na teorização e prática de diversos arquitetos na Idade Média e no Renascimento.

Esta ideação matemática do corpo humano, que integra formas geométricas simples,
como o círculo, o quadrado ou o triângulo, é também a base sobre a qual se pensam as
cúpulas em termos geométricos e matemáticos, cujas raízes podem remontar às
conhecidas teorias de Euclides de Alexandria (filósofo e matemático influenciado pela
escola platónica, presumível autor da obra clássica “Os Elementos”).

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Da época clássica e da Alta Idade Média sobreviveram
poucos edifícios com cúpulas expressivas, porém esta
relação é proporcionalmente inversa quando falamos
de qualidade e de peças icónica que transformaram em
“modelos”, e que se mantiveram inultrapassados até
aos nossos dias, tais são os casos do Panteão, em
Roma, e da Basílica da Sagrada Sapiência (Agia Sophia),
na antiga capital bizantina.

É no fim da Idade Média europeia, quando se


redescobrem tratados e se descortinam alguns aspetos Fig.4: De Architectura
(Marcus Vitruvius Pollio, ed. de 1521)
da cultura imperial romana, que se gera um renovado
interesse na construção de grandes edifícios, os quais careciam de soluções práticas de
cobertura, mas também soluções que simbolicamente se enquadrassem nos ditames
filosóficos das estruturas religiosas. Uma cúpula, neste caso, é um recurso plausível
para a cobertura de um espaço considerável mas, simultaneamente, oferece uma
leitura simbólica representando abstratamente o Universo.

Fig.5: Panteão (Roma, c. 125)

Fig.6: Basílica da Sagrada Sabedoria “Agia Sophia” (Constantinopla, 532-537)

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Os modelos italianos na transição do Renascimento para o Barroco

A primeira grande cúpula que inaugura o Renascimento na arquitetura e que lança as


bases para um aprofundamento da questão na época barroca, foi a duomo de
Florença, que se destaca largamente da duomo de Milão, a qual ainda se radica numa
perspetiva de construção gótica, muito mais empírica.

Fig.7: Catedral de Santa Maria del Fiore (Florença, Filippo Brunelleschi, 1436)

Fig.8: Catedral de Santa Maria del Fiore (corte) (Florença, Filippo Brunelleschi, 1436)

Na catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, Filippo Brunelleschi deu um passo
de gigante ao compreender o modo de transferência das forças através da estrutura
material de um corpo e em estreita sintonia com a sua forma. Na duomo de Florença,
Brunelleschi ensaia uma solução radical na construção de uma cúpula gigantesca. Usa,
pela primeira vez e de forma eficiente (aplicada às cúpulas), não só uma tecnologia
inovadora na colocação do tijolo, mas também o uso de duas estruturas, pré-
esforçando cargas que, através da sua verticalização, permitem a anulação de trações
provocadas pelo sentido adotado pelas cargas (resultantes do esforço interno
momento fletor), ajudando a suster a enorme massa daquela cobertura e, por último,
recorrendo a um desenho que não é em arco circular ou de volta perfeita, mas sim
ligeiramente alongado, formando uma curvatura parabólica. Brunelleschi consegue,
assim, construir uma estrutura altamente eficiente para a transposição de cargas e
geração de uma ampla cobertura, pese embora ainda não houvesse, nessa altura, a
sistematização matemática ou um conceito teórico consolidado sobre “força” e da
forma como esta progride nos corpos, teoria só desenvolvida no final do século XVII
pelo académico britânico Robert Hooke.

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A reconstrução da Basílica de São Pedro de Roma,
empreendida a partir do século XV, teve como
primeiros ideadores os arquiteto Leon Battista
Alberti (1404-1472) e Bernardo Rossellino (1409-
1464), optando-se, neste período, por manter alguns
dos cânones da arquitetura basilical clássica, com
uma planta de corpo longitudinal, na qual se previa a
inserção de um transepto e de uma abside, que
receberia uma cúpula.

Este projeto não foi seguido, em termos de planta,


quando Donato Bramante (1444-1514) toma a obra,
no pontificado de Júlio II (p.1503-1513), mas há um
Fig.9: Vista sobre a fábrica da basílica de
claro compromisso na necessidade de coroamento São Pedro (Roma, 1580)
(Frankfurt, Stadellsches Kunstinstitut)
da basílica com uma cúpula, peça simultaneamente
funcional e simbólica.

Para Donato Bramante, no contexto cultural do Renascimento, a basílica de São Pedro


deveria adotar uma planta centralizada (usada ainda noutros pontos da Itália, como
em Veneza, na Basílica de São Marcos, ou em São Lourenço, em Milão), sob a qual se
impunha um zimbório, ideia aliás já experimentada por este na igreja de San Pietro in
Montorio, conhecida como Tempieto (Roma, 1502-1510). Porém, a planta em cruz
grega não garantia a possibilidade da igreja acolher um grande número de fiéis,
obrigando ao abandono da planta original e ao alongamento de um dos seus corpos,
produzindo uma planta em cruz latina, mais consentânea com as necessidades
funcionais do templo.

Fig.10 e 11: San Pietro in Montorio, Tempieto (Bramante, Roma, 1502-1510)

Na fábrica pontifícia da basílica de São Pedro passaram diversos arquitetos que não
conseguiram responder ao programa construtivo do zimbório, mesmo com a
participação de arquitetos de grande renome como Rafael Sanzio (1483-1520),

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Baldassare Peruzzi (1481-1537) e Antonio da Sangallo (1484-1546). Este último (talvez
quem mais se debruçou sobre esta questão) previa a construção de uma cúpula
maciça, com forte carga, com um interior em arco parabólico (inserido num triângulo
equilátero) e no exterior com um arco de volta perfeita, que provocaria uma maior
verticalização das forças com a correspondente redução do esforço interno momento
fletor, porém esta estrutura seria apoiada numa complexa rede de apoios sobre vigas e
colunas (numa espécie de colunata dupla circular).

Fig.12 Cúpula projetada por Bramante para a Basílica de São Pedro de Roma (1506)
Fig.13: Projeto de Antonio da Sangallo para a Basílica de São Pedro de Roma (1513)

Não tendo sido construída a cúpula proposta por Rafael, restruturada ainda com
Sangallo, é já com Michaelangelo Buonarroti (1475-1564), a partir de 1547, que se
desenvolve outro conceito para a cúpula de São Pedro e é este o ponto que devemos
considerar a base estruturante das cúpulas que vieram a ser construídas em Roma
durante os séculos XVI, XVII e XVIII.

Fig.14 e 15: Projeto de Antonio da Sangallo para a Basílica de São Pedro de Roma (corte e medições, observando-se a curvatura
interna em arco parabólico e a externa em arco de volta perfeita) (1513)

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Michaelangelo, ao rever o projeto de Bramante, considerou que o projeto era, na
essência, válido; porém introduz-lhe importantes correções que se traduzem numa
melhoria da performance estrutural dessa peça, bem como da sua elegância e
evidência, rejeitando muito do trabalho proposto por Antonio Sangallo.

Aos 72 anos de idade, Michaelangelo tomou a decisão de propor um conjunto de


medidas em relação à desmesurada cúpula cuja construção levantava muitíssimas
reservas. Michaelangelo acaba por empiricamente criar uma proposta melhorada face
à de Sangallo, eventualmente conhecedora das opções estruturais da catedral de
Florença, porém não compromete claramente o seu desenho com uma solução tão
radicalmente inovadora fazendo uso de arcos de volta perfeita a que se contrapõem
contrafortes através de uma colunata, o que recorre, de algum modo, à ideia de
verticalização de cargas usadas no gótico.

Fig.16: Desenho comparativo entre o corte da cúpula da Catedral de Florença e a cúpula da Basílica de São Pedro de Roma,
projetada por Michaelangelo Buonarroti (1561), com medições em palmos romanos.
Fig.17: Maqueta (corte) da cúpula da basílica de São Pedro de Roma (1561?, Vaticano)

Para São Pedro de Roma Michaelangelo desenvolve um desenho de cúpula dupla


porém, comparativamente a Florença, a sua curvatura é bastantemente mais reduzida,
quase em arco de volta perfeita, o que inevitavelmente produz bastante ineficiência
estrutural. Para que esse aspeto fosse resolvido era necessário que o desenho do
zimbório tivesse alguns dispositivos compensatórios, de modo a contrariar os
movimentos, através de um processo de pré-esforço e verticalização (com recurso a
contrafortes), reduzindo o esforço momento fletor, para que a estrutura resistisse às
enormes forças de tração provocadas por um vão que tem quase o diâmetro do
Panteão de Roma. Embora a cúpula tenha sido construída e ainda se mantenha no seu
lugar indicia que parte do problema resultante do trabalho interno momento fletor e
tração tenha sido resolvido, mas ainda assim, por não se ter optado por um desenho

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de um arco parabólico, subsistem ainda hoje deficiências estruturais que obrigaram,
ao longo do tempo a criar mecanismos compensatórios.

A solução, neste caso, foi criar uma pesada colunata que contorna o perímetro exterior
da cúpula que serve de reforço de contraforte, sobre a qual assenta um friso também
ele bastante robusto em cantaria (com forte atrito das superfícies em pedra,
eventualmente ligadas com peças metálicas, produzindo um anel único), e coroado
com estátuas (também para aumento de carga). A própria cúpula era rematada, ainda,
com um lanternim, cujo peso e forma ajudava a conter eventuais movimentos típicos
dos arcos de volta perfeita.

Fig.18: Cúpula da basílica de São Pedro de Roma por Michaelangelo (1561?)

Em 1560 executa-se a primeira revisão deste projeto, projetando-se para a cúpula


interior um sistema de nervuras (gomos), permitindo que as cargas se concentrem
nesses pontos, ligados por “paredes” de tijolo revestidas a mármore. A cúpula exterior
sofre também uma alteração sensível, alargando-se o ângulo da curvatura (mais
próxima de um arco parabólico).

Vinte e quatro anos depois da morte de


Michaelangelo, a cúpula de São Pedro foi
concluída segundo o desenho final de
Domenico Fontana e Giacomo Della Porta,
arquitetos que vieram a dedicar-se também a
outras obras importantes, como as que foram
empreendidas pelos Jesuítas, congregação que
acabara de surgir no contexto da contra-
reforma. Ambos os arquitetos pouco
modificaram os planos de Michaelangelo,
fazendo correções pontuais que ajudaram à

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Fig.19: Igreja de Jesus (Roma) (Vignola, 1560)
melhoria da eficiência estrutural, executando de forma exemplar um projeto
considerado por muitos como impossível. Esse é, essencialmente, o seu grande mérito,
bem como de terem, depois, transportado a mais-valia deste conhecimento para uma
série de outras intervenções em Roma, como na prestigiada Igreja de Jesus (1682).

A conclusão de que o arco parabólico funciona melhor no transporte das forças, e que
a verticalização e aumento de carga é essencial para uma maior eficiência estrutural,
torna-se um padrão perfeitamente estabelecido a partir da segunda metade do século
XVI. Em 1576, na igreja de Santa Maria di Loreto, desenhada pelo arquiteto Jacopo del
Duca, esta solução está perfeitamente consolidada, embora aqui a enfatização
estrutural (e de carga) dada ao lanternim, comprometa um pouco a sua beleza.

Em 1587 Della Porta executa a cúpula da Igreja de Santa Maria de’ Monti, em Roma.
Estes modelos são a base para um século XVII cruzado pela afirmação de uma
arquitetura muito mais madura (menos prospetiva em muitos casos) e do
desenvolvimento de uma tratadística que resulta numa clara teorização de modelos
matemáticos e geométricos. Neste caso o percurso da cúpula da Basílica de São Pedro
às obras de Della Porta, são os passos cruciais para a consolidação de um
conhecimento empírico e teórico que permeia toda a arquitetura clássica barroca de
matriz romana. Durante o século XVII são diversos os exemplos de igrejas com cúpulas
que se ergueram em Roma. Uma delas
é Sant'Andrea della Valle dirigida pelo
arquiteto Carlo Rainaldi entre 1655 e
1663; e uma outra, Sant'Agnese in
Agone (Roma) de Girolamo Rainaldi,
Carlo Rainaldi e Francesco Borromini
(1652-1672), cuja “imagem” é bastante
próxima da Basílica de Mafra.

Fig.20: Sant'Andrea della Valle (Roma) (Rainaldi, 1655-1663)


Fig.21: Sant'Andrea della Valle (Roma), corte e planta

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Fig.22: Sant'Agnese in Agone (Roma) (Borromini, 1652-1672)
[Giovanni Giacomo de Rossi, Insignium Romae templorum... (Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683)]
Fig.23: Basílica de Mafra (1717-1730)
[Fr. Frei João de São José do Prado - Monumento Sacro …. Lisboa, 1751]

É curioso notar que, em 1694 (mais de 100 anos depois da atividade de Della Porta)
Carlo Fontana, outro renomado arquiteto que tem ligações “paternais” a Mafra,
apresenta estudos muito concretos sobre este tipo de estrutura, fenómeno que é
relevante pela sedimentação de tratadística e pela proximidade temporal com a
edificação do Palácio-convento em Mafra.

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Os modelos de Mafra

Está ainda por estudar a “parentalidade” do projeto de Mafra, atribuído,


comummente, ao prateiro alemão João Frederico Ludovice (1670-1752) que, em Itália,
trabalhou para a Companhia de Jesus e que veio para Portugal, no reinado de D. João
V (1689-1750), como exímio desenhador e conhecedor do gosto e critérios da
arquitetura jesuítica, para levar a cabo o desenho do colégio de Santo Antão, em
Lisboa. Quanto à obra de Mafra, é notória a sua presença, aliás assinalada por vários
autores coevos, trabalhando ao lado do engenheiro-mor do reino Custódio Vieira
(bastante mais esquecido neste contexto, mas um dos efetivos responsáveis pela
edificação), mas aqui devemos também considerar a possível colaboração de outros
arquitetos e engenheiros estrangeiros, por mera influência ou colaborando
diretamente, como os italianos Carlo Fontana (1634-1714), Filipo Juvarra (1678-1736)
e António Canevari (1681-1764), o húngaro Carlos Mardel (c.1695-1763), o maltês
Carlo Gimac (1655-1730), entre outros.

Fig.24: João Frederico Ludivice (1670-1752) Fig.25: Filipo Juvarra (1678-1736) Fig.26: Carlos Mardel (1695-1763)

É também importante assinalar a poderosa influência que vem do século XV e que flui,
de mestre a discípulo, durante todo o processo de amadurecimento do Renascimento,
cujos protagonistas são: Leon Battista Alberti (1404-1472), Donato Bramante (1444-
1514), Rafael Sanzio (1483-1520) e Michelangelo Buonarroti (1475-1564), Baldassare
Peruzzi (1481-1537), Sebastiano Serlio (1475-1554) ou Andrea Palladio (1508-1580);
agora sedimentados num novo “estilo”, o Barroco, com forte peso dramático e
expressão máxima do poder terreno e Divino, cujos protagonistas são Vignola (1507-
1573), Orazio Grassi (1583-1600), Giovanni Battista Della Porta (1535-1615), Domenico
Fontana (1543-1607), Carlo Maderno (1556-1629), Gian Lourenzo Bernini (1598-1680),
Francesco Borromini (1599-1667), chegando a Andrea Pozzo (1642-1709).

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Passada uma primeira fase em que o rei D. João V teve oportunidade de observar
diversos projetos propostos por importantes arquitetos do panorama internacional, a
escolha do monarca recaiu sobre o estudo de João Frederico Ludovice. Dado o volume
da obra, esta seria um trabalho conjunto, quase certamente aproveitando diversos
contributos (quer de projetistas concorrentes, quer de outros que integraram o
“gabinete” de arquitetura mafrense, designado por “Casa do Risco”).

A dimensão deste imóvel e o rigor sob o qual ele foi projetado e construído, implicam
um profundo conhecimento prático sobre como desenhar e edificar, conhecendo
obras reais e profundo conhecimento tratadístico em várias áreas (arquitetura,
engenharia, matemática, geometria, topografia, astronomia, etc., e até outras áreas
menos “científicas” como a astrologia, numerologia, e outras áreas do saber filosófico).

É notável que, em Mafra, exista uma vasta coleção de tratados na secção de


arquitetura da sua biblioteca, sendo notável a existência de mais de mais de meia
centena de autores nela representados (entre os séculos XVI e meados do século XVIII)
que refletem sobre várias áreas: o estatuto do arquiteto, filosofia e matemática,
tratados clássicos e ordens arquitetónicas, catálogos iconográficos, engenharia e
métodos construtivos, arquitetura militar e geografia, hidráulica e jardins, arquitetura
de interiores, arquitetura efémera e decoração, entre outros.

Fig.27: Palácio Nacional de Mafra – Vista aérea (2013)

17
Fig.28: Palácio Nacional de Mafra - Planta do piso 1

O efeito prático da tratadística tem essencialmente duas orientações: o primeiro,


como instrumento de formação académica dos arquitetos; o segundo, de apoio direto
à gestão de uma empresa de arquitetura e construção, ou seja, na possibilidade de
recorrer a este tipo de tratados para resolver problemas candentes durante o processo
de programa, desenho e decisão, bem como do processo de edificação.

Destes tratados há que destacar alguns “álbuns” iconográficos que são outra das bases
para o estudo das opções construtivas, tanto nos aspetos gerais como particulares,
como é o caso das cúpulas ou zimbórios. Optamos por referir, neste trabalho, apenas
nove obras que nitidamente são relevantes no que respeita a iconografia (pese
embora nos restantes tratados existentes em Mafra, mais de meia centena, todos eles

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disponham de iconografia interessante para um estudo mais aprofundado sobre esta
matéria)1.

ANGELIS, Paolo - Basilicae S. Mariae Maioris de urbe a liberio Papa.I usque ad Paulum
V Pont. Max. descritio et delineatio auctore abbate Paulo De Angelis. Roma,
Bartolomeo Zannetti, 1621

GUARINI, Guarino - Architettura civile del padre D. Guarino Guarini. Turim,


Gianfrancesco Mairesse, ed. de 1737

MUTTONI, Francesco (sobre obra de PALADIO, André) - Architettura di Andrea Palladio


vicentino. Di nuovo ristampata, e di figure in rame diligentemente intagliate
arricchita, corretta, e accresciuta di moltissime fabbriche inedite; con le
osservazioni. Veneza, Angiolo Pasinelli, 1740-1748

LE PAUTRE, Antoine - Les Oeuvres d’architecture d’Anthoine Le Pautre, architecte


ordinaire du Roy. Avec privilege de sa Majesté. [ou] Desseins de plusieurs palais,
plans et elevations en perspective geometrique, ensemble les profiles elevez sur
les plans, le tout dessiné et inventez par Anthoine Le Paultre architecte, et
ingenieur ordinaire des bastimens du Roy. Paris, [J.] Jombert, s.d. (1644)

ROSSI, Domenico de - Studio d'architettura civile : sopra gli ornamenti di porte, e


finestre colle misure piante, modini, e profili, tratte da alcune fabbriche insigni
di Firenze erette col disegno de' piu' celebri architetti / opera misurata,
disegnata, e intagliata da Ferdinando Ruggieri architetto. Roma, Tip. Rossi,
1702-1711

ROSSI, Giovanni Giacomo de (Ioannes Rubeis)

- Insignium Romae templorum prospectus exteriores interioresque a


celebrioribus architectis inventi / nunc tandem suis cum plantis ac mensuris...
Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683

- Disegni di vari altari e cappelle delle chiese di roma con le loro facciate, fianchi,
piante e misure de piu celebri architetti... Roma, Giovanni Giacomo de Rossi,
1688

POZZO, Andrea (Andreas Puteus) - Perspectiva pictorum atque architectorum.


Augsburgo, Peter Detleffaen, 1719

SANDRART, Johann Jakob von; FERRERIO, Pietro - Palatiorum Romanorum a


Celeberrimis sui aevi Architectis erectorum pars prima, secunda et tertia: Cui
acceßerunt Immoratalis gloriae Architecti Andreae Palladii Praedia Aedesque
Hortenses Iussu Ipsius hincindè in Statu Veneto à fundamentis erectae et

1
Veja-se Anexo I neste artigo.

19
exstructae, adjunctis Ichnographiis, Palmorumq[ue] Scalis. Nuremberga,
Iohannes Iacobi de Sandrart, 1694

Ainda assim, destas nove obras, entendemos que as obras de Paolo Angelis (Basilicae
S. Mariae Maioris…), de Domenico de Rossi (Studio d'architettura civile…), de Giovanni
Giacomo de Rossi (Insignium Romae templorum prospectus… e Disegni di vari altari e
cappelle delle chiese di roma…) e a obra de Andrea Pozzo (Perspectiva pictorum atque
architectorum) são determinantes na formação dos arquitetos do tempo em que a
basílica, palácio e convento de Mafra foram projetados e construídos, sendo quase
certo que eram do conhecimento profundo de Ludovice, Custódio Vieira e de outros
que com eles colaboraram.

Através de uma observação direta podemos constatar que a obra de Mafra cumpre os
critérios destinados a edificações jesuíticas (as mais vanguardistas do seu tempo), base
de formação do próprio arquiteto principal da obra. Do ponto de vista formal o projeto
cumpre escrupulosamente as premissas vitruvianas (já referidas), descritas na “De
Architectura”, e que são condensadas, cerca de 1600 anos depois, por Giacomo
Barrozzi, de Vignola (1507-1573).

É curioso que Vignola ao escrever sobre as cinco ordens arquitetónicas (toscana,


dórica, jónica, coríntia e compósita), fá-lo para justificar o uso que fez, nas suas obras,
de teorizações sobre as proporções já anteriormente desenvolvidas por Peruzzi ou
Serlio e não necessariamente como forma de criar um modelo rígido e normativo,
sobre uma área que deveria ser deixada ao arbítrio prudente dos arquitetos. Sendo a
formação de Vignola essencialmente autodidática e prática, não deixa de ser
extraordinário que, em resposta a uma necessidade sua, tenha estruturado uma
“regra” de cálculo de proporções muito prático, possibilitando que, a partir de uma
parte, se pudesse calcular o todo, partindo de um princípio de correlação proporcional,
fornecendo um modelo aritmético harmoniosamente proporcionado e facilmente
adaptável a qualquer construção.

O classicismo arquitetónico romano é a base sobre a qual Mafra é desenhada, numa


apropriação de “modelos” que servem como inspiração, mais do que de uma regra,
contemplados em monumentos romanos tão importantes como a Basílica de São
Pedro, a Igreja de Jesus, a Igreja de Santo Inácio, ou mesmo a Igreja de Santa Inês,
entre outras.

20
O zimbório da basílica de Santo António de Mafra

I. Contextualização histórica

As primeiras notícias que temos sobre o zimbório da basílica de Mafra encontram-se


expressas em vários documentos do século XVIII, redigidos por autores coevos à sua
construção.

A primeira alusão iconográfica ao zimbório refere-se à cerimónia de lançamento da


primeira pedra da basílica, junto à qual foram depositadas 12 medalhas benzidas pelo
Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida “em que estavão esculpidas a Igreja, e
Convento, que se erigião, os retratos d'El Rey, Rainha, e de Clemente XI que occupava a
Cadeira Pontifícia.” (…) “Na segunda medalha se divizava primorosamente esculpido o
insigne Portuguez Santo António em huma nuvem sobre o Altar, e El Rey de joelhos
diante delle com as mãos levantadas, e a seguinte letra: / In Coelis regnat, invocatur im
patria. / Da outra parte estava estampada a frontaria do templo com duas torres, e
zimbório com a letra, que dizia: / Divo António Ulyssiponensi dicatum. / No pórtico do
templo a seguinte letra: / Joannes V. Portugalliae Rex mandavit. Mafrae 1717”2.

Em termos de imagem difundida, a primeira referência iconográfica encontra-se numa


cartela na parte inferior do retrato de D. João V, gravura da autoria de Guilherme
Francisco Lourenço Debrie, pintor e escultor régio, datada de 1743 (integrada no
frontispício da obra de Frei João de São José do Prado Monumento Sacro…), na qual
consta uma alegoria tendo como pano de fundo o Palácio de Mafra, como símbolo e
casa da Monarquia Lusitana, cuja grandeza é sustentada pela Abundância que advinha
do trato marítimo (dos mares de Neptuno).

Fig.29: Palácio Nacional de Mafra (detalhe da gravura de Debrie, 1743)


[Frei João de São José do Prado - Monumento Sacro... (Lisboa, 1751)]

2
PRADO, Frei João de São José do - Monumento Sacro da Fábrica, e Solemníssima Sagração da Santa
Basílica do Real Convento de Mafra. Lisboa, 1751.

21
Num documento de cerca de 1733-35, com o título Relação da Magnífica Obra de
Mafra3, faz-se uma descrição genérica do Real Edifício no momento em que o zimbório
estaria a ser construído. Sabe-se que para a sagração em Outubro de 1730, ainda não
estaria construída esta peça, sendo substituída por um zimbório efémero, em madeira,
recoberto a lâminas chumbo, tendo sido edificado definitivamente, em pedra, numa
empreitada adjudicada a 1 de Abril de 1733, com fábrica iniciada a 4 de Outubro desse
mesmo ano, tendo sido concluído em 17 de Setembro de 1735, ou seja, tendo sido
construído em menos de 2 anos.

Nesse documento descreve-se o zimbório considerando-o uma das mais


extraordinárias peças de arquitetura e engenharia da obra, construído sobre o
cruzamento da nave, capela-mor e transepto, evidenciando-se uma informação
importante ao referir-se que o mesmo “…se vay fazendo, para o qual se fez modello de
madeira pequeno”(4), ou seja, sabemos através deste documento que foi realizada
uma maqueta, hoje desaparecida, o que constitui um passo importante na exploração
do processo de construção numa obra desta envergadura (concordante aliás, a prática
corrente noutras obras europeias deste género). O uso de miniaturizações poderia
servir vários propósitos, nomeadamente para melhor apreciação do projeto por parte
do dono da obra mas, sobretudo, para servir de guia aos arquitetos, engenheiros e
oficiais construtores. De forma muito especial o zimbório exigiu redobradas atenções
devido à complexidade do seu sistema construtivo, guindagem de cargas,
assentamento de materiais e distribuição de pesos, pois sob pretexto algum seria
admissível a sua derrocada com todas as consequências económicas e simbólicas que
daí poderiam advir.

Na Relação da Magnífica Obra de Mafra… o zimbório continua a ser descrito da


seguinte forma:

“Tem o dito cruzeiro no seu meyo hum zimbório que se vay fazendo, para o qual
se fez modello de madeira pequeno. Custou 5.000 e tantos cruzados /192v./ em
o qual há 48 columnas de mármore de 34 palmos de comprimento e de grossura
3 e meio, e 16 janellas para o dito cruzeiro e tem do mais alto da Igreja para
sima 167 palmos e deste alto para o cham 126 palmos e leva duas serventias
que servem athé à sua cupula, as quais vão por dentro da parede por escada de
caracol, e no mais alto da cupula pela parte de dentro tem a figura do Espírito
Santo em huma glória de Seraphins, tudo de pedra mármore sendo todo por
dentro apaynellado de mármore branco, vermelho, amarello, azul e preto, e por
fora mármore branco de relevo de notável architetura, e lavor, e sobre as

3
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT/DGLAB – Manuscritos da Livraria, Livro 2056 [38],
fl.190-199.
4
Idem, fl.192.

22
janelas leva oyto atributos de Nossa Senhora lavrados muito coriozamente na
mesma pedra em mármore branco.”.

Cerca de 1744 Guilherme José de Carvalho Bandeira, na sua obra manuscrita: Relação
do Convento de Santo António de Mafra suas oficinas e Palácios que se fundarão
místicos ao dito Convento5, descreve muito detalhadamente e com medições precisas,
toda a estrutura do zimbório (com as suas cúpulas interior e exterior), materiais
empregues, número de colunas, janelas, decoração, etc. referindo o processo de obra
desde o assentamento nos arcos torais do cruzeiro, até à imposição do orbe e cruz de
remate sobre a grimpa do lanternim.

Ao referir a estrutura do zimbório, Carvalho Bandeira dá conta do método construtivo,


com o uso exclusivo de cantaria, integrando duas cúpulas sobrepostas (uma exterior e
outra interior). Na parte exterior do zimbório, destaca a elegância do volume, que
apresenta uma modelação ondulante (reforçando a ideia dos uso de nervuras), 16
colunas inteiras e uma peculiar decoração sobre os 8 janelões, nos quais se
representam os principais atributos simbólicos das Litanias da Virgem Maria,
nomeadamente: Espelho de Justiça (oriente), Trono de Sabedoria (nordeste), Rosa
Mística (norte), Torre de David (noroeste), Casa de Ouro (poente), Arca da Aliança
(sudoeste), Porta do Céu (sul) e Estrela da manhã (sudeste). Sobre esta estrutura
monumental, desenhada sob os cânones da ordem compósita, está o lanternim,
decorado com oito serafins, e sobre o qual assenta um remate realizado numa só
pedra e coroado por um globo/relicário (onde estão as relíquias do Santo Lenho e de
Santa Bárbara) e uma cruz em bronze.

“No meyo do Cruzeyro se admira a formosura do


Zimbório, que tem de altura desde o pavimento da
Igreja até à simalha que vay sobre os arcos toraes, em
que assenta o primeyro soclo deste Zimbório, que hé
formado em huma planta outavada 113 palmos, e do
soclo até ao último remate da Cruz 163 palmos; forma
8 corpos e em cada corpo faz duas /25/ columnas por
dentro, e duas por fora, que por todas fazem o
número de 32. Tem hum pilar em cada hum dos
meyos de duas columnas, tanto por fora como por
dentro, e entre cada hum dos corpos há huma janela,
e vem a fechar-se o círculo com 8 janelas, que tem de
altura dez palmos, e de largo 9. São as janelas em Fig.30: Planta da Basílica de Mafra
e área de implantação do zimbório
volta redonda nas vergas, ornadas pela parte de /26/ [PRADO, 1751]

5
Documento pertencente a um particular, presentemente lido e preparado para edição. A obra recolhe
notas da fase de construção do edifício (cerca de 1744), mas é passado a uma redação final apenas no
reinado de D. José I, a quem o documento foi oferecido.

23
dentro com huns quartelões agalhuados; e no meyo destes, por modo de fexo
da verga está hum seraphim em cada huma sahindo sobre os quartelõens e
humas palmas nos lados. As coussoeyras destas janelas se ornão com humas
cornucópias compostas com folhas de louro que fechão com muitas flores. Estas
janelas são da parte de dentro, e tanto estas como as columnas, e pilares 7
pilares hé tudo /27/ formado de lios branco; e todos os mais fundos neste corpo
são encarnados. Hé este corpo formado da Ordem Corinthia. Sobre a simalha
deste corpo assenta hum pedestal ornado com várias folhas sobre o qual
pedestal descansa a cúpula interior do Zimbório. Forma-se esta cúpula em 8
arcos que vão espirar, em forma de meya laranja; cada hum destes arcos /28/
se compõem de hum festão de folhas de louro feytas em pedra branca com
sementes de pedra azul, e todo este festão hé enlasado de fitas amarelas. Entre
hum e outro arco hé o vão composto de apaynelado, tendo no meyo de cada
painel, hum florão de pedra branca, e todos os fundos vermelhos, e nas
estremidades dos painéis há flores de pedra postas com tal ordem que a cada
florão branco /29/ correspondem quatro azues; faz feixo a esta cúpula hum
arco de pedra branca, composto de várias molduragens, fazendo entre elas hum
bocelão ornado de várias flores. Sobre este arco há hum parapeyto de pedra, do
qual se olha para o pavimento da Igreja por fazer huma forma de varanda, e
pela parte das costas desta abóbeda, tem outro parapeyto composto de huma
grade de ferro. /30/ Hé o parapeyto da referida grade executado por excelente
ideia, e faz boa correspondência.

Fig.31: Basílica de Mafra – implantação do zimbório nos arcos torais do transepto


Fig.32 e 33: Basílica de Mafra – zimbório e lanternim com escultura da pomba representando o Espírito Santo

O Zimbório pela parte exterior hé composto por dezaseis columnas, e outo


pilares 7 pilares como fica dito, formado da Ordem Corinthia, e faz os mesmos
outo vãos que forma da parte interior; porém as janelas da parte exterior sendo
as vergas redondas, tem a diferença de serem ornadas com florõens /31/
encaixilhados em paynéis. São de ferro os cayxilhos das vidraças das janelas. Há
por sima delas, no friso desta Ordem, outo atributos de Nossa Senhora que são,

24
Jannacoli, Stela matutina6. São obrados na pedra com propriedade e perfeição;
ornados com festões de flores de assucenas. Assenta sobre a simalha deste
corpo, hum pedestal sobre o qual vay huma abóbeda cúpula /32/ exterior. Hé
formada em outo arcos, que principião nos prumos dos pedestaes, que há entre
as columnas, e todos estes arcos vão em espiração até hum aro de pedra, que
faz fexo a esta cúpula. Há no vão que medea entre os arcos desta abóbeda,
duas ordens de janelas, que fazem o número de dezaseis, são redondas, e
ornadas com mísulas nos lados, sobre que assenta a sua simalha, que lhe faz
frontespício. /33/ Entre o aro, que serve de fexo a abóbeda interior há hum vão
de 17 palmos de altura, que tanto hé demais a abóbeda exterior, a interior.

Espelho de Justiça (oriente) Trono de Sabedoria (nordeste) Rosa Mística (norte) Torre de David (noroeste)

Casa de Ouro (poente) Arca da Aliança (sudoeste) Porta do Céu (sul) Estrela da manhã (sudeste)

Fig.34 a 41: Basílica de Mafra – zimbório decoração do friso sobre as janelas exteriores

Sobre o arco ou fexo desta abóbeda exterior, assenta ali hum pedestal formado
em planta outavada, que forma nos outo lados, outo janelas redondas, que dão
luz a este corpo. Forma-se sobre este pedestal hum lanternino, seguindo a
mesma planta, que hé composto /34/ de outo columnas brancas por fora, e
outras outo encarnadas por dentro, e nos outo vãos que há entre estas
columnas, há outo janelas que todas dão luz ao corpo do Zimbório, e à Igreja.
Tem cada huma de alto dez palmos e meyo, e de largo três, com caixilhos de
ferro. Hé todo o corpo da Obra formado com a Ordem Compósita. Assenta
sobre a simalha deste corpo /35/ hum pedestal que segue a mesma planta
outavada, e nos outo lados, que forma faz outo janelas ouvadas, que tem de
alto cada huma três palmos e meyo, e dous, e meyo de largo. São ornadas estas
janelas com frontespícios de molduras.

6
Refere-se às Litanias da Virgem já enunciadas.

25
Fig.42 e 43: Basílica de Mafra – intradorso do zimbório e decoração da cúpula interior

Nos prumos das outo columnas há outo vasos de fogo obrados em pedra branca
sobre os frontespícios destas outo janelas, em que se forma o fexo da Cúpula do
/36/ lanternino seguindo sempre a mesma planta outavada, e forma nos outos
lados na parte superior deste fexo outo seraphins, sahindo de entre as asas de
cada seraphim, hum festão de flores, que vay espirar sobre o frontespício das
janelas, e toda esta fábrica do fexo da cúpula do lanternino hé formado em
huma só pedra que tem de comprido 15 palmos e meyo, e de grosso 12, e ¼.
/37/ Este lanternino por dentro hé obrado segundo a Ordem Compósita, tem o
friso vermelho, e por sima dele vay a simalha deste corpo, sobre o qual se forma
huma abóbeda feyta em huma só pedra, composta de huma glória de
seraphins, e a fegura do Espírito Sancto no meyo. Esta abóbeda hé a única que
se fexa de todo, porque as mais são abertas por onde recebem luzes. Tem /38/
este Zimbório as serventias seguintes:

Fig.44 a 46: Basílica de Mafra – implantação do zimbório sobre o transepto e pormenor da forma do lanternim

26
No pavimento em que assenta o primeyro socolo deste edifício se formão duas
escadas de caracol, no grosso da parede, que há entre as columnas interiores, e
exteriores, que sobem toda a altura que faz o pé direyto desta obra, e daqui
para sima vão as escadas nas costas da abóbeda interior da cúpula com
corrimanus de ferro, subindo até ao aro que faz fexo à /39/ mesma cúpula;
deste lugar até o do aro, que faz fexo a abóbeda exterior, faz de alto os
referidos 17 palmos, e sobe-se por huma escada de ferro, que vay sahir ao dito
aro, aonde está outra varanda de ferro. Todo o corpo deste Zimbório hé de
pedra branca por fora, e matizada por dentro como fica referido. Para o vão,
que forma se entra por quatro portas, que olhão para os quatro /40/ ventos;
dão liberdade, e sahida para huma varanda de ferro circular, de donde se vê a
Igreja, a qual hé destinta da que já dicemos, porque fica sobre a simalha do
primeyro aro do Zimbório; e pela parte exterior na altura das janelas grandes,
que são as primeyras, corre huma varanda que circula todo o corpo do
Zimbório.”7

Fig.47 e 48: Basílica de Mafra – vista sobre o complexo palaciano-conventual vendo-se a implantação do zimbório e
vista sobre o zimbório a partir da janela central da biblioteca voltada à quadra conventual

Em 1766, na obra Princípio e Fundação do Real Convento de Mafra [Livro das


Pitanças]8, o zimbório é também descrito, embora menos minuciosamente, dando-se
importância, essencialmente, a questões de medição:

“Peza o varão de ferro em o qual estão enfiadas as peças que servem de pianha
ao globo de cobre, dentro em o qual está colocado o Santo Lenho, e juntamente
huma relíquia de Santa Bárbora, com as suas autênticas; cincoenta e huma
aroba e seis arrátes. Peza o globo de cobre quatro arrobas, e treze arrátes, e o
forro de chumbo, peza ao todo onze arrobas e onze arrátes. Tem de diâmetro
quatro palmos, e ¾.” e ainda: “Tem do pavimento da igreja até à simalha real,
que vai por sima das perci[a]nas sobre a qual se forma o corpo do zimbório, 112
palmos e ¾. / Desde a dita simalha até a abóbeda, que fecha no corpo do

7
BANDEIRA, Guilherme José de Carvalho - Relação do Convento de Santo António de Mafra suas
oficinas e Palácios que se fundarão místicos ao dito Convento (manuscrito), PP. 24-40 do documento.
8
GORJÃO Sérgio - Princípio e Fundação do Real Convento de Mafra, e sua grandeza, e sua
sustentação, e luxo… [Livro das Pitanças]. Mafra, Associação dos Amigos do Convento de Mafra, 2015

27
zimbório 82 palmos e ¾. / Tem do fecho até altura da crus, 83 palmos e 2/4. /
Que faz toda a altura do zimbório 181 palmos”9

Ainda, a pp.73 do documento, quando se refere ao cômputo das colunas existentes no


edifício:

“O zimbório se compoem de 48 columnas asim dentro como por fora, e também


a alenterna do mesmo zimbório, o que tudo junto faz o compto, igreja, e
zimbório, de 86 columnas, e ajuntando-ce todas as mais da Real Obra, são 170.”

E sobre o número de degraus que vão da base (piso da basílica) até ao topo do
zimbório:

“Desde o pavimento da terra até aos sinos que dobrão ao coro, são 197
degraos. E desde o pavimento da terra até as grades do zimbório, são, 240
degraos”10.

Fig.49: Palácio-convento e Basílica de Mafra (gravura do século XIX)

9
Idem, pp.69-72 do documento.
10
Idem, pp.180 do documento.

28
II. Estrutura (forma, espaço e materiais)

Fig.50: Basílica de Mafra (corte pelo eixo da nave/capela-mor da basílica)


[levantamento do século XIX, autor desconhecido, PNM]

O zimbório da basílica de Mafra cumpre o objetivo de criar espaço num ponto crucial
desta edificação, nomeadamente o fecho do espaço central do cruzeiro.

Esta estrutura, cujo valor histórico-artístico, arquitetónico e construtivo, foi já posto


em evidência, é uma peça essencial que resolve o problema de uma cobertura cujos
materiais e tecnologias, no seu tempo, impunham um severo constrangimento.

A criação deste espaço específico (uma


cobertura), associada à forma (em cúpula),
recorrendo a determinados materiais (cantaria
de pedra), é uma combinação íntima e
estruturante das soluções necessárias para
construir este corpo, sem que o mesmo ruísse.

Para aumento da eficiência neste tipo de Fig.51: Triangulação dos fatores essenciais na
análise de uma forma construtiva considerando
cobertura era essencial compreender como é a dimensão temporal
que as cargas ou forças se movimentam dentro
daquela estrutura específica, atendendo à sua forma e volumetria, e aos materiais
usados (neste caso a cantaria de pedra).

29
A pedra, embora seja um material altamente durável e resistente, só permite esforço
normal de compressão, pelo que tudo o que possa constituir tração, como é o caso dos
esforços provocados pelos arcos de volta perfeita, é desadequado considerando as
deformações que o material tende a desenvolver. Para contrariar e anular os efeitos
negativos (provocados pelo esforço interno momento fletor), a construção em pedra
de uma cúpula exige outros recursos construtivos, nomeadamente a imposição de
cargas estruturais (verticalização) que obriguem o material a manter-se no sítio
previsto sem movimentos de componentes, deformações ou tensões excessivas.

Em Mafra optou-se por construir uma cúpula interna em


arco de volta perfeita (respondendo aos cânones
clássicos), com uma marcação de meridianos e paralelos
(formando uma retícula que produz grande resistência
estrutural), com os espaços da retícula ligeiramente
rebaixados (aligeirando o peso), com aplicação de florões
decorativos. Esta abóbada é carregada lateralmente,
junto à base (equivalente ao alfis dos arcos), produzindo
uma cinta maciça pré-esforçada, em pedra. Sobre esta
estrutura ergue-se outra, uma segunda abóbada exterior
em arco parabólico, cujo exterior forma 8 gomos
ligeiramente ondulados, o que permite aumentar a
resistência desta peça e, simultaneamente, dispersar as
cargas para pontos específicos (correspondentes aos Fig.52: Zimbório da basílica de Mafra
paramentos e colunas entre as janelas do tambor). Esta (demonstração do arqueamento das
cúpulas [interna e externa] em arco de
segunda cúpula produz a necessária carga e verticalização volta perfeita e arco parabólico)
de forças (através do alongamento vertical do seu arco) e
permite resistência ao atrito do vento (protegendo a cúpula interior).

Desta forma, com a verticalização produzida pelo aumento de carga resultante da


construção da segunda cúpula (exterior), anula-se o esforço interno momento fletor,
aumenta-se a eficiência do esforço interno normal (de compressão) e,
simultaneamente, reduz-se o esforço interno normal de tração, provocada ao nível da
base de assentamento do zimbório.

Outra situação que ocorre com a verticalização de forças, é a possibilidade de se


deslocarem as cargas para pontos específicos, podendo estes ser ou não reforçados do
ponto de vista construtivo (neste caso distribuindo-se as cargas pelas paredes de
cantaria de pedra, e também através do uso recorrente de colunas), permitindo o
rasgar de amplas janelas no tambor do zimbório, o que melhora a performance da
estrutura e permite a remoção de pesos em áreas sem qualquer valia no que respeita à
eficiência no transporte de forças, melhorando a captação de luz para o interior, facto
que não é de todo despiciente neste tipo de construção.

30
Fig.53: Demonstração do sentido do caminho das forças dentro da estrutura material do zimbório até aos apoios.
[a vermelho] Cúpula interior, em arco de volta perfeita, com forte tendência a gerar esforço interno momento fletor e esforço
interno normal de tração, considerada uma estrutura com fraca eficiência no transporte de forças.
[a amarelo] Cúpula exterior, com forte verticalização de cargas produzida através do pré-esforço e de uma forma em arco
parabólico, considerado de grande eficiência no transporte de forças, reduzindo as trações e o momento fletor, através de uma
contraposição de trabalho interno que é maioritariamente normal e de compressão.

Fig.54: Demonstração do sentido de verticalização de forças.


Fig.55: Quadratura do zimbório, com indicação da geometria das formas,
e particularmente de uma inserção num triângulo não equilátero.

31
Conclusão

O zimbório da basílica de Mafra é uma das principais peças construtivas da basílica. O


seu desenho e construção constituíram um dos maiores desafios aos arquitetos,
engenheiros e oficiais de construção, pelo que o cuidado posto na sua edificação foi
muito grande, tanto mais porque a sua forma está fortemente condicionada em
termos tecnológicos e materiais.

O zimbório de Mafra é, no entanto, o produto de uma evolução paulatina que se


baseia, no ocidente, na arquitetura desenvolvida pelos romanos, depois
sucessivamente transposta durante a Idade Média e, por fim, surge como uma
necessidade premente (e simultaneamente um problema matemático e geométrico),
no dealbar do Renascimento.

Depois da grande cúpula tardo-clássica do Panteão, em Roma, e da cobertura central


de Agia Sophia, no império bizantino; o mundo ocidental mantém uma incessante
busca de soluções arquitetónicas para construir espaços amplos (não conseguindo,
contudo, superar estes exemplos). O tipo de construção desenvolvida durante a Idade
Média não permitiu desenvolver soluções eficientes, muitas vezes devido ao tipo de
construção monolítica, muito pesada, característica do românico. Este fator veio a ser
alterado com o gótico, que introduz a ideia de transferência de forças, permitindo,
assim, aligeirar cargas e rasgar paramentos sem função estrutural, fator que, contudo,
não passa de uma abordagem empírica e não resultou na afirmação de um conceito.

O problema das cúpulas subsistiu, por isso, a esta inovação, já que só no final da Idade
Média (no primeiro renascimento italiano ocorrido entre os séculos XIII e XV), se
começou, também ainda de forma empírica, a explorar a forma dos arcos parabólicos
convexos, permitindo assim uma maior eficiência construtiva, adaptado às condições
de resistência física dos materiais (alvenaria de tijolo ou pedra), que suportavam bem
as compressões, mas não as trações.

Da época clássica foi herdada a “ortodoxia” dos modelos e perfeição do desenho, que
através da observação de construções da antiguidade, quer pela tratadística; do gótico
herda-se a noção de distribuição de cargas (através de nervuras que, nas cúpulas, se
traduz e mantém nos reticulados produzidos pela interceção dos meridianos e
paralelos); e no início do Renascimento nasce a ideia de arco parabólico, cujo expoente
é a duomo de Milão. Em consequência disso, desenvolvem-se, depois, os estudos com
vista à sistematização dos conhecimentos ao nível científico, tentando responder ao
“porquê” de uma maior eficiência, processo de teorização que se expande, sobretudo,
na segunda metade do século XVI e na centúria seguinte.

32
A duomo de Florença, de Brunelleschi (1436), é o começo de uma nova era para a
construção de cúpulas, secundada pelas (prolongadas) obras da reedificação de uma
nova basílica de São Pedro, em Roma, e de outras experiências ocorridas sobretudo no
contexto dos estados pontifícios.

Roma marca a rutura com a arquitetura do norte, apostada no gótico, e da arquitetura


de alguns estados fortemente influenciados por Bizâncio, como Veneza, onde subsiste
uma notável basílica de estilo “oriental”. Em Roma regressa-se ao rigor clássico, à
refundamentação de uma arquitetura alicerçada na grandeza imperial e no seu legado
simbólico. Um dos mais significativos exemplos deste “neoclassicismo” renascentista,
que mais tarde vai derrogar no barroco (num sentimento mais teatral e como
expressão de poder), é o pequeno Tempieto, de Bramante (1502-1510), que podemos
admitir ser uma espécie de maqueta para todo um conjunto de outras edificações,
incluindo a basílica de São Pedro.

Com Vignola dá-se um primeiro grande


progresso na afirmação e cristalização do
cânone construtivo romano; e com Giovanni
Battista Della Porta consolida-se a
capacidade de construir estruturas
complexas, simultaneamente “classicistas” e
muito mais estruturadas do ponto de vista
do conhecimento. Podíamos ainda evocar
uma série de outros nomes, mas destacamos
apenas mais um: Andrea Pozzo, que lança
uma nova perspetiva na compreensão e no
desenho de cúpulas, alicerçando a sua
abordagem na projeção tridimensional dos Fig.56: Desenho de uma cúpula por Andrea Pozzo
(POZZO: 1719)
projetos, o que auxilia muito a análise
estrutural.

O complexo de Mafra, incluindo a sua basílica e zimbório, torna-se herdeiro da


sabedoria desenvolvida durante este período (século XV a XVII), desde uma fase de
experimentação à consolidação, pelo que se desenvolve num contexto já plenamente
maturado, não exclusivamente empírico.

Além de um marco na arquitetura portuguesa, em termos da sua execução


competente, o zimbório de Mafra, completado em 1735, é um feito da engenharia, um
produto acabado e a essência da qualidade da arquitetura de todo o conjunto da
basílica, palácio e convento; e uma peça herdeira de glorioso passado arquitetónico e
com grande valor para o desenvolvimento de uma nova arquitetura em Portugal,
expressa numa série de obras pós terramoto.

33
Fontes Documentais

Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT/DGLAB – Manuscritos da Livraria, Livro 2056 [38], fl.190-199.

Arquivo Particular (José Medeiros): BANDEIRA, Guilherme José de Carvalho - Relação do Convento de Santo António
de Mafra suas oficinas e Palácios que se fundarão místicos ao dito Convento (manuscrito)

Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: Princípio e Fundação do Real Convento de Mafra, e sua grandeza, e sua
sustentação, e luxo… [Livro das Pitanças] (ed. GORJÃO, Sérgio; Mafra, Associação dos Amigos do Convento de
Mafra, 2015)

Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: Desenho da basílica de Mafra – corte (aquisição em 2015)

Fontes Bibliográficas

ANGELIS, Paolo - Basilicae S. Mariae Maioris de urbe a liberio Papa.I usque ad Paulum V Pont. Max. descritio et
delineatio auctore abbate Paulo De Angelis. Roma, Bartolomeo Zannetti, 1621

GUARINI, Guarino - Architettura civile del padre D. Guarino Guarini. Turim, Gianfrancesco Mairesse, ed. de 1737

MUTTONI, Francesco (sobre obra de PALADIO, André) - Architettura di Andrea Palladio vicentino. Di nuovo
ristampata, e di figure in rame diligentemente intagliate arricchita, corretta, e accresciuta di moltissime fabbriche
inedite; con le osservazioni. Veneza, Angiolo Pasinelli, 1740-1748

LE PAUTRE, Antoine - Les Oeuvres d’architecture d’Anthoine Le Pautre, architecte ordinaire du Roy. Avec privilege de
sa Majesté. [ou] Desseins de plusieurs palais, plans et elevations en perspective geometrique, ensemble les profiles
elevez sur les plans, le tout dessiné et inventez par Anthoine Le Paultre architecte, et ingenieur ordinaire des
bastimens du Roy. Paris, [J.] Jombert, s.d. (1644)

ROSSI, Domenico de - Studio d'architettura civile : sopra gli ornamenti di porte, e finestre colle misure piante,
modini, e profili, tratte da alcune fabbriche insigni di Firenze erette col disegno de' piu' celebri architetti / opera
misurata, disegnata, e intagliata da Ferdinando Ruggieri architetto. Roma, Tip. Rossi, 1702-1711

ROSSI, Giovanni Giacomo de (Ioannes Rubeis)

- Insignium Romae templorum prospectus exteriores interioresque a celebrioribus architectis inventi / nunc
tandem suis cum plantis ac mensuris... Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683

- Disegni di vari altari e cappelle delle chiese di roma con le loro facciate, fianchi, piante e misure de piu
celebri architetti... Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1688

POZZO, Andrea (Andreas Puteus) - Perspectiva pictorum atque architectorum. Augsburgo, Peter Detleffaen, 1719

PRADO, Frei João de São José do - Monumento Sacro da Fábrica, e Solemníssima Sagração da Santa Basílica do Real
Convento de Mafra. Lisboa, 1751

SANDRART, Johann Jakob von; FERRERIO, Pietro - Palatiorum Romanorum a Celeberrimis sui aevi Architectis
erectorum pars prima, secunda et tertia: Cui acceßerunt Immoratalis gloriae Architecti Andreae Palladii Praedia
Aedesque Hortenses Iussu Ipsius hincindè in Statu Veneto à fundamentis erectae et exstructae, adjunctis
Ichnographiis, Palmorumq[ue] Scalis. Nuremberga, Iohannes Iacobi de Sandrart, 1694

Bibliografia Geral

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del Simposio Internacional. Zaragoza, Instituición Fernando el Católico, 2012

Créditos Fotográficos

Fig.1, 2, 29-46, 49-56: Sérgio Gorjão


Fig.3: https://en.wikipedia.org/wiki/Vitruvius#/media/File:Vitruvius.jpg
Fig.4: http://www.bl.uk/reshelp/images/earlyprint/large14574.html
Fig.5: http://anaborralho.com/tag/pantheon
Fig.6: https://tr.wikipedia.org/wiki/Dosya:Hagia-Sophia-Laengsschnitt.jpg
Fig.7: http://www.hotelpalazzovecchio.it/pt/catedral-de-florenca.php
Fig.8, 19, 21: http://www.edatlas.it/scarica/galleria_disegno/Chiese2/chiese02.html
Fig.9, 14-17: BELLINI 2011 (original em: Frankfurt, Stadellsches Kunstinstitut)
Fig.10 e 11: http://www.quondam.com/15/1510.htm
Fig.12 e 13: https://en.wikipedia.org/wiki/Saint_Peter%27s_Basilica#/
Fig.18: site oficial do Vaticano.
Fig.20: recolha na net
Fig.22: Giovanni Giacomo de Rossi, Insignium Romae templorum prospectus exteriores interioresque a celebrioribus
architectis inventi... (Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683)
Fig.23: Sérgio Gorjão
Fig.24:Ludovice: http://estradadasvoltinhas.blogspot.pt/2014/10/joao-frederico-ludovice.html
Fig.25: Fig.6: http://art-y-cultura.blogspot.pt/
Fig.26: http://estoriasdahistoria12.blogspot.pt/2013/07/aqueduto-das-aguas-livres.html
Fig.27: http://guiastecnicos.turismodeportugal.pt/
Fig.28: Luís Marreiros, 2015 (doc. particular)
Fig.47: http://portugalfotografiaaerea.blogspot.pt/2015/05/palacio-nacional-de-mafra.html
Fig.48: DGEMN/IHRU/DGPC [ficha digital de inventário do Palácio Nacuional de Mafra]
Fig.57 a 68: Giovanni Giacomo de Rossi, Insignium Romae templorum prospectus exteriores interioresque a
celebrioribus architectis inventi... (Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683)

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Anexo I

Elementos comparativos entre o zimbório da basílica de Mafra e referências


iconográficas na obra de Giovanni Giacomo de Rossi, Insignium Romae templorum
prospectus exteriores interioresque a celebrioribus architectis inventi... (Roma,
Giovanni Giacomo de Rossi, 1683)

Fig.57: Vista sobre a praça e basílica de São Pedro, em Roma.

Fig.58 e 59: Vista sobre a praça e basílica de São Pedro, em Roma.

37
Fig.60: Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Roma.

38
Fig.61 e 62: Basílica de Santa Inês, em Roma (alçado da fachada principal e corte).

Fig.63: Igreja dedicada a São Carlos Borromeu, em Roma (corte).

39
Fig.64 e 65: Igreja dedicada a São Martinho e São Lucas, em Roma (alçado da fachada principal e corte).

Fig.66 e 67: Igreja de Sant’Andrea della Valle, em Roma (alçado do zimbório e corte).

40
Fig.68: Igreja dedicada a Santo Inácio de Loyola, em Roma (alçado do zimbório).
Neste se observam nítidas influências de desenho externo com o zimbório da basílica de Mafra.

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