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1
Resumo:
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Índice
Introdução _____________________________________________________ 4
Antecedentes ___________________________________________________ 7
I . Contextualização histórica______________________________ 20
Conclusão ______________________________________________________ 31
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Introdução
O Real Edifício de Mafra, mandado construir pelo rei Dom João V em 1711, é um dos
mais emblemáticos edifícios barrocos europeus, tendo esta extensa obra sido erguida
entre 1717 e cerca de 1750, sob a supervisão do arquiteto alemão João Frederico
Ludovice e do engenheiro mor Custódio Vieira. A peça central deste edifício é a sua
igreja basilical, cuja primeira pedra foi lançada, por mãos do próprio rei, a 17 de
Novembro de 1717, sendo o templo consagrado, em 1730, na presença da família real,
da corte, da cúria patriarcal e representantes de quase todas as congregações
religiosas. Este grandioso palácio é, assim, a síntese da estrutura social do antigo
regime e simultaneamente uma manifestação de poder, tanto do soberano, como do
próprio reino.
Sob o signo do ouro brasileiro, este objeto marca a afirmação de uma dinastia, a
exteriorização do reino como uma importante potência económica e política,
assumindo, assim, um papel histórico da maior relevância.
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Ocupando uma área de implantação de 40.000m2 e cerca de 170.000m2 de piso (a que
se juntam 11.790.000m2 de tapada [1.1790 hectares murados, num perímetro de cerca
de 21km] e mais 80.000m2 de jardim [8hectares também murados]), neste complexo
destaca-se a existência de uma sumptuosa basílica dedicada a Santo António, à qual
estão afetas várias áreas de apoio, como as vias-sacras, a sacristia, casa dos lavabos,
casa da fazenda, entre outras.
A basílica, à qual o rei deu especial atenção no que respeita ao seu desenho e
edificação, é a parte mais notável de todo o conjunto. Destaca-se a sua fachada, ao
estilo romano, a qualidade da galilé com os seus revestimentos pétreos brancos e
negros, o uso profuso de pedras coloridas de grande qualidade no seu interior, a
existência de 58 estátuas italianas em mármore, a presença de seis órgão históricos (o
único templo no mundo onde os seis instrumentos foram concebidos para tocarem em
conjunto), bem como de dois carrilhões instalados nas torres sineiras, cada qual o
maior do seu tempo, originalmente com 107 sinos, para além dos mais ricos acervos
de paramentos e alfaias litúrgicas executados no seu tempo e que complementam a
linguagem integrada artístico-arquitetónica do imóvel.
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Para a caracterização desta peça de arquitetura, cuja missão é fechar a estrutura do
templo, iniciamos a abordagem pela marcação de uma série de referenciais teóricos
(tratadísticos) e práticos (por analogia a outras obras), tentando perceber qual a
evolução histórica, tecnológica e construtiva deste tipo de estruturas, cujo desenho e
execução, por ser tão complexo e oneroso, seria um dos expoentes da atividade de
qualquer arquiteto e engenheiro no seu tempo.
Por fim fazemos uma abordagem ao funcionamento desta estrutura como veículo de
transporte de cargas, em função da sua forma, dos materiais usados e do fim a que se
destina, enquadrado no tempo (e nas capacidades existentes nesse momento
específico).
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Antecedentes
No tratado “De Architectura”, de Vitrúvio (séc. I a.C.), definem-se seis preceitos da arte
de edificar: 1) a ordem (ordinatio), ou seja, a justa proporção dos diversos elementos
constitutivos da obra, na qual a simetria tem grande influência; 2) a disposição
(dispositio), forma adequada de conjugação dos componentes, nomeadamente do
ponto de vista estético, relacionando-se com a definição das plantas, elevações e dos
ângulos de visão sobre o imóvel; 3) a euritmia (eurythmia), que consiste na harmonia e
esbelteza; 4) a simetria (symmetria), a posição de elementos considerando linhas de
eixo e de forma equilibrada; 5) o decoro (decor), ou seja, a ideia de uma obra digna,
competente, justa, honesta e irrepreensível face aos recursos e fins a que se destina; e
6) a distribuição (distributio), que pode consistir na boa repartição dos recursos e do
terreno, na prudente administração da obra ou na eficiente criação de espaços em
função das necessidades.
Esta ideação matemática do corpo humano, que integra formas geométricas simples,
como o círculo, o quadrado ou o triângulo, é também a base sobre a qual se pensam as
cúpulas em termos geométricos e matemáticos, cujas raízes podem remontar às
conhecidas teorias de Euclides de Alexandria (filósofo e matemático influenciado pela
escola platónica, presumível autor da obra clássica “Os Elementos”).
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Da época clássica e da Alta Idade Média sobreviveram
poucos edifícios com cúpulas expressivas, porém esta
relação é proporcionalmente inversa quando falamos
de qualidade e de peças icónica que transformaram em
“modelos”, e que se mantiveram inultrapassados até
aos nossos dias, tais são os casos do Panteão, em
Roma, e da Basílica da Sagrada Sapiência (Agia Sophia),
na antiga capital bizantina.
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Os modelos italianos na transição do Renascimento para o Barroco
Fig.7: Catedral de Santa Maria del Fiore (Florença, Filippo Brunelleschi, 1436)
Fig.8: Catedral de Santa Maria del Fiore (corte) (Florença, Filippo Brunelleschi, 1436)
Na catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, Filippo Brunelleschi deu um passo
de gigante ao compreender o modo de transferência das forças através da estrutura
material de um corpo e em estreita sintonia com a sua forma. Na duomo de Florença,
Brunelleschi ensaia uma solução radical na construção de uma cúpula gigantesca. Usa,
pela primeira vez e de forma eficiente (aplicada às cúpulas), não só uma tecnologia
inovadora na colocação do tijolo, mas também o uso de duas estruturas, pré-
esforçando cargas que, através da sua verticalização, permitem a anulação de trações
provocadas pelo sentido adotado pelas cargas (resultantes do esforço interno
momento fletor), ajudando a suster a enorme massa daquela cobertura e, por último,
recorrendo a um desenho que não é em arco circular ou de volta perfeita, mas sim
ligeiramente alongado, formando uma curvatura parabólica. Brunelleschi consegue,
assim, construir uma estrutura altamente eficiente para a transposição de cargas e
geração de uma ampla cobertura, pese embora ainda não houvesse, nessa altura, a
sistematização matemática ou um conceito teórico consolidado sobre “força” e da
forma como esta progride nos corpos, teoria só desenvolvida no final do século XVII
pelo académico britânico Robert Hooke.
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A reconstrução da Basílica de São Pedro de Roma,
empreendida a partir do século XV, teve como
primeiros ideadores os arquiteto Leon Battista
Alberti (1404-1472) e Bernardo Rossellino (1409-
1464), optando-se, neste período, por manter alguns
dos cânones da arquitetura basilical clássica, com
uma planta de corpo longitudinal, na qual se previa a
inserção de um transepto e de uma abside, que
receberia uma cúpula.
Na fábrica pontifícia da basílica de São Pedro passaram diversos arquitetos que não
conseguiram responder ao programa construtivo do zimbório, mesmo com a
participação de arquitetos de grande renome como Rafael Sanzio (1483-1520),
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Baldassare Peruzzi (1481-1537) e Antonio da Sangallo (1484-1546). Este último (talvez
quem mais se debruçou sobre esta questão) previa a construção de uma cúpula
maciça, com forte carga, com um interior em arco parabólico (inserido num triângulo
equilátero) e no exterior com um arco de volta perfeita, que provocaria uma maior
verticalização das forças com a correspondente redução do esforço interno momento
fletor, porém esta estrutura seria apoiada numa complexa rede de apoios sobre vigas e
colunas (numa espécie de colunata dupla circular).
Fig.12 Cúpula projetada por Bramante para a Basílica de São Pedro de Roma (1506)
Fig.13: Projeto de Antonio da Sangallo para a Basílica de São Pedro de Roma (1513)
Não tendo sido construída a cúpula proposta por Rafael, restruturada ainda com
Sangallo, é já com Michaelangelo Buonarroti (1475-1564), a partir de 1547, que se
desenvolve outro conceito para a cúpula de São Pedro e é este o ponto que devemos
considerar a base estruturante das cúpulas que vieram a ser construídas em Roma
durante os séculos XVI, XVII e XVIII.
Fig.14 e 15: Projeto de Antonio da Sangallo para a Basílica de São Pedro de Roma (corte e medições, observando-se a curvatura
interna em arco parabólico e a externa em arco de volta perfeita) (1513)
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Michaelangelo, ao rever o projeto de Bramante, considerou que o projeto era, na
essência, válido; porém introduz-lhe importantes correções que se traduzem numa
melhoria da performance estrutural dessa peça, bem como da sua elegância e
evidência, rejeitando muito do trabalho proposto por Antonio Sangallo.
Fig.16: Desenho comparativo entre o corte da cúpula da Catedral de Florença e a cúpula da Basílica de São Pedro de Roma,
projetada por Michaelangelo Buonarroti (1561), com medições em palmos romanos.
Fig.17: Maqueta (corte) da cúpula da basílica de São Pedro de Roma (1561?, Vaticano)
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de um arco parabólico, subsistem ainda hoje deficiências estruturais que obrigaram,
ao longo do tempo a criar mecanismos compensatórios.
A solução, neste caso, foi criar uma pesada colunata que contorna o perímetro exterior
da cúpula que serve de reforço de contraforte, sobre a qual assenta um friso também
ele bastante robusto em cantaria (com forte atrito das superfícies em pedra,
eventualmente ligadas com peças metálicas, produzindo um anel único), e coroado
com estátuas (também para aumento de carga). A própria cúpula era rematada, ainda,
com um lanternim, cujo peso e forma ajudava a conter eventuais movimentos típicos
dos arcos de volta perfeita.
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Fig.19: Igreja de Jesus (Roma) (Vignola, 1560)
melhoria da eficiência estrutural, executando de forma exemplar um projeto
considerado por muitos como impossível. Esse é, essencialmente, o seu grande mérito,
bem como de terem, depois, transportado a mais-valia deste conhecimento para uma
série de outras intervenções em Roma, como na prestigiada Igreja de Jesus (1682).
A conclusão de que o arco parabólico funciona melhor no transporte das forças, e que
a verticalização e aumento de carga é essencial para uma maior eficiência estrutural,
torna-se um padrão perfeitamente estabelecido a partir da segunda metade do século
XVI. Em 1576, na igreja de Santa Maria di Loreto, desenhada pelo arquiteto Jacopo del
Duca, esta solução está perfeitamente consolidada, embora aqui a enfatização
estrutural (e de carga) dada ao lanternim, comprometa um pouco a sua beleza.
Em 1587 Della Porta executa a cúpula da Igreja de Santa Maria de’ Monti, em Roma.
Estes modelos são a base para um século XVII cruzado pela afirmação de uma
arquitetura muito mais madura (menos prospetiva em muitos casos) e do
desenvolvimento de uma tratadística que resulta numa clara teorização de modelos
matemáticos e geométricos. Neste caso o percurso da cúpula da Basílica de São Pedro
às obras de Della Porta, são os passos cruciais para a consolidação de um
conhecimento empírico e teórico que permeia toda a arquitetura clássica barroca de
matriz romana. Durante o século XVII são diversos os exemplos de igrejas com cúpulas
que se ergueram em Roma. Uma delas
é Sant'Andrea della Valle dirigida pelo
arquiteto Carlo Rainaldi entre 1655 e
1663; e uma outra, Sant'Agnese in
Agone (Roma) de Girolamo Rainaldi,
Carlo Rainaldi e Francesco Borromini
(1652-1672), cuja “imagem” é bastante
próxima da Basílica de Mafra.
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Fig.22: Sant'Agnese in Agone (Roma) (Borromini, 1652-1672)
[Giovanni Giacomo de Rossi, Insignium Romae templorum... (Roma, Giovanni Giacomo de Rossi, 1683)]
Fig.23: Basílica de Mafra (1717-1730)
[Fr. Frei João de São José do Prado - Monumento Sacro …. Lisboa, 1751]
É curioso notar que, em 1694 (mais de 100 anos depois da atividade de Della Porta)
Carlo Fontana, outro renomado arquiteto que tem ligações “paternais” a Mafra,
apresenta estudos muito concretos sobre este tipo de estrutura, fenómeno que é
relevante pela sedimentação de tratadística e pela proximidade temporal com a
edificação do Palácio-convento em Mafra.
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Os modelos de Mafra
Fig.24: João Frederico Ludivice (1670-1752) Fig.25: Filipo Juvarra (1678-1736) Fig.26: Carlos Mardel (1695-1763)
É também importante assinalar a poderosa influência que vem do século XV e que flui,
de mestre a discípulo, durante todo o processo de amadurecimento do Renascimento,
cujos protagonistas são: Leon Battista Alberti (1404-1472), Donato Bramante (1444-
1514), Rafael Sanzio (1483-1520) e Michelangelo Buonarroti (1475-1564), Baldassare
Peruzzi (1481-1537), Sebastiano Serlio (1475-1554) ou Andrea Palladio (1508-1580);
agora sedimentados num novo “estilo”, o Barroco, com forte peso dramático e
expressão máxima do poder terreno e Divino, cujos protagonistas são Vignola (1507-
1573), Orazio Grassi (1583-1600), Giovanni Battista Della Porta (1535-1615), Domenico
Fontana (1543-1607), Carlo Maderno (1556-1629), Gian Lourenzo Bernini (1598-1680),
Francesco Borromini (1599-1667), chegando a Andrea Pozzo (1642-1709).
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Passada uma primeira fase em que o rei D. João V teve oportunidade de observar
diversos projetos propostos por importantes arquitetos do panorama internacional, a
escolha do monarca recaiu sobre o estudo de João Frederico Ludovice. Dado o volume
da obra, esta seria um trabalho conjunto, quase certamente aproveitando diversos
contributos (quer de projetistas concorrentes, quer de outros que integraram o
“gabinete” de arquitetura mafrense, designado por “Casa do Risco”).
A dimensão deste imóvel e o rigor sob o qual ele foi projetado e construído, implicam
um profundo conhecimento prático sobre como desenhar e edificar, conhecendo
obras reais e profundo conhecimento tratadístico em várias áreas (arquitetura,
engenharia, matemática, geometria, topografia, astronomia, etc., e até outras áreas
menos “científicas” como a astrologia, numerologia, e outras áreas do saber filosófico).
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Fig.28: Palácio Nacional de Mafra - Planta do piso 1
Destes tratados há que destacar alguns “álbuns” iconográficos que são outra das bases
para o estudo das opções construtivas, tanto nos aspetos gerais como particulares,
como é o caso das cúpulas ou zimbórios. Optamos por referir, neste trabalho, apenas
nove obras que nitidamente são relevantes no que respeita a iconografia (pese
embora nos restantes tratados existentes em Mafra, mais de meia centena, todos eles
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disponham de iconografia interessante para um estudo mais aprofundado sobre esta
matéria)1.
ANGELIS, Paolo - Basilicae S. Mariae Maioris de urbe a liberio Papa.I usque ad Paulum
V Pont. Max. descritio et delineatio auctore abbate Paulo De Angelis. Roma,
Bartolomeo Zannetti, 1621
- Disegni di vari altari e cappelle delle chiese di roma con le loro facciate, fianchi,
piante e misure de piu celebri architetti... Roma, Giovanni Giacomo de Rossi,
1688
1
Veja-se Anexo I neste artigo.
19
exstructae, adjunctis Ichnographiis, Palmorumq[ue] Scalis. Nuremberga,
Iohannes Iacobi de Sandrart, 1694
Ainda assim, destas nove obras, entendemos que as obras de Paolo Angelis (Basilicae
S. Mariae Maioris…), de Domenico de Rossi (Studio d'architettura civile…), de Giovanni
Giacomo de Rossi (Insignium Romae templorum prospectus… e Disegni di vari altari e
cappelle delle chiese di roma…) e a obra de Andrea Pozzo (Perspectiva pictorum atque
architectorum) são determinantes na formação dos arquitetos do tempo em que a
basílica, palácio e convento de Mafra foram projetados e construídos, sendo quase
certo que eram do conhecimento profundo de Ludovice, Custódio Vieira e de outros
que com eles colaboraram.
Através de uma observação direta podemos constatar que a obra de Mafra cumpre os
critérios destinados a edificações jesuíticas (as mais vanguardistas do seu tempo), base
de formação do próprio arquiteto principal da obra. Do ponto de vista formal o projeto
cumpre escrupulosamente as premissas vitruvianas (já referidas), descritas na “De
Architectura”, e que são condensadas, cerca de 1600 anos depois, por Giacomo
Barrozzi, de Vignola (1507-1573).
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O zimbório da basílica de Santo António de Mafra
I. Contextualização histórica
2
PRADO, Frei João de São José do - Monumento Sacro da Fábrica, e Solemníssima Sagração da Santa
Basílica do Real Convento de Mafra. Lisboa, 1751.
21
Num documento de cerca de 1733-35, com o título Relação da Magnífica Obra de
Mafra3, faz-se uma descrição genérica do Real Edifício no momento em que o zimbório
estaria a ser construído. Sabe-se que para a sagração em Outubro de 1730, ainda não
estaria construída esta peça, sendo substituída por um zimbório efémero, em madeira,
recoberto a lâminas chumbo, tendo sido edificado definitivamente, em pedra, numa
empreitada adjudicada a 1 de Abril de 1733, com fábrica iniciada a 4 de Outubro desse
mesmo ano, tendo sido concluído em 17 de Setembro de 1735, ou seja, tendo sido
construído em menos de 2 anos.
“Tem o dito cruzeiro no seu meyo hum zimbório que se vay fazendo, para o qual
se fez modello de madeira pequeno. Custou 5.000 e tantos cruzados /192v./ em
o qual há 48 columnas de mármore de 34 palmos de comprimento e de grossura
3 e meio, e 16 janellas para o dito cruzeiro e tem do mais alto da Igreja para
sima 167 palmos e deste alto para o cham 126 palmos e leva duas serventias
que servem athé à sua cupula, as quais vão por dentro da parede por escada de
caracol, e no mais alto da cupula pela parte de dentro tem a figura do Espírito
Santo em huma glória de Seraphins, tudo de pedra mármore sendo todo por
dentro apaynellado de mármore branco, vermelho, amarello, azul e preto, e por
fora mármore branco de relevo de notável architetura, e lavor, e sobre as
3
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT/DGLAB – Manuscritos da Livraria, Livro 2056 [38],
fl.190-199.
4
Idem, fl.192.
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janelas leva oyto atributos de Nossa Senhora lavrados muito coriozamente na
mesma pedra em mármore branco.”.
Cerca de 1744 Guilherme José de Carvalho Bandeira, na sua obra manuscrita: Relação
do Convento de Santo António de Mafra suas oficinas e Palácios que se fundarão
místicos ao dito Convento5, descreve muito detalhadamente e com medições precisas,
toda a estrutura do zimbório (com as suas cúpulas interior e exterior), materiais
empregues, número de colunas, janelas, decoração, etc. referindo o processo de obra
desde o assentamento nos arcos torais do cruzeiro, até à imposição do orbe e cruz de
remate sobre a grimpa do lanternim.
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Documento pertencente a um particular, presentemente lido e preparado para edição. A obra recolhe
notas da fase de construção do edifício (cerca de 1744), mas é passado a uma redação final apenas no
reinado de D. José I, a quem o documento foi oferecido.
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dentro com huns quartelões agalhuados; e no meyo destes, por modo de fexo
da verga está hum seraphim em cada huma sahindo sobre os quartelõens e
humas palmas nos lados. As coussoeyras destas janelas se ornão com humas
cornucópias compostas com folhas de louro que fechão com muitas flores. Estas
janelas são da parte de dentro, e tanto estas como as columnas, e pilares 7
pilares hé tudo /27/ formado de lios branco; e todos os mais fundos neste corpo
são encarnados. Hé este corpo formado da Ordem Corinthia. Sobre a simalha
deste corpo assenta hum pedestal ornado com várias folhas sobre o qual
pedestal descansa a cúpula interior do Zimbório. Forma-se esta cúpula em 8
arcos que vão espirar, em forma de meya laranja; cada hum destes arcos /28/
se compõem de hum festão de folhas de louro feytas em pedra branca com
sementes de pedra azul, e todo este festão hé enlasado de fitas amarelas. Entre
hum e outro arco hé o vão composto de apaynelado, tendo no meyo de cada
painel, hum florão de pedra branca, e todos os fundos vermelhos, e nas
estremidades dos painéis há flores de pedra postas com tal ordem que a cada
florão branco /29/ correspondem quatro azues; faz feixo a esta cúpula hum
arco de pedra branca, composto de várias molduragens, fazendo entre elas hum
bocelão ornado de várias flores. Sobre este arco há hum parapeyto de pedra, do
qual se olha para o pavimento da Igreja por fazer huma forma de varanda, e
pela parte das costas desta abóbeda, tem outro parapeyto composto de huma
grade de ferro. /30/ Hé o parapeyto da referida grade executado por excelente
ideia, e faz boa correspondência.
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Jannacoli, Stela matutina6. São obrados na pedra com propriedade e perfeição;
ornados com festões de flores de assucenas. Assenta sobre a simalha deste
corpo, hum pedestal sobre o qual vay huma abóbeda cúpula /32/ exterior. Hé
formada em outo arcos, que principião nos prumos dos pedestaes, que há entre
as columnas, e todos estes arcos vão em espiração até hum aro de pedra, que
faz fexo a esta cúpula. Há no vão que medea entre os arcos desta abóbeda,
duas ordens de janelas, que fazem o número de dezaseis, são redondas, e
ornadas com mísulas nos lados, sobre que assenta a sua simalha, que lhe faz
frontespício. /33/ Entre o aro, que serve de fexo a abóbeda interior há hum vão
de 17 palmos de altura, que tanto hé demais a abóbeda exterior, a interior.
Espelho de Justiça (oriente) Trono de Sabedoria (nordeste) Rosa Mística (norte) Torre de David (noroeste)
Casa de Ouro (poente) Arca da Aliança (sudoeste) Porta do Céu (sul) Estrela da manhã (sudeste)
Fig.34 a 41: Basílica de Mafra – zimbório decoração do friso sobre as janelas exteriores
Sobre o arco ou fexo desta abóbeda exterior, assenta ali hum pedestal formado
em planta outavada, que forma nos outo lados, outo janelas redondas, que dão
luz a este corpo. Forma-se sobre este pedestal hum lanternino, seguindo a
mesma planta, que hé composto /34/ de outo columnas brancas por fora, e
outras outo encarnadas por dentro, e nos outo vãos que há entre estas
columnas, há outo janelas que todas dão luz ao corpo do Zimbório, e à Igreja.
Tem cada huma de alto dez palmos e meyo, e de largo três, com caixilhos de
ferro. Hé todo o corpo da Obra formado com a Ordem Compósita. Assenta
sobre a simalha deste corpo /35/ hum pedestal que segue a mesma planta
outavada, e nos outo lados, que forma faz outo janelas ouvadas, que tem de
alto cada huma três palmos e meyo, e dous, e meyo de largo. São ornadas estas
janelas com frontespícios de molduras.
6
Refere-se às Litanias da Virgem já enunciadas.
25
Fig.42 e 43: Basílica de Mafra – intradorso do zimbório e decoração da cúpula interior
Nos prumos das outo columnas há outo vasos de fogo obrados em pedra branca
sobre os frontespícios destas outo janelas, em que se forma o fexo da Cúpula do
/36/ lanternino seguindo sempre a mesma planta outavada, e forma nos outos
lados na parte superior deste fexo outo seraphins, sahindo de entre as asas de
cada seraphim, hum festão de flores, que vay espirar sobre o frontespício das
janelas, e toda esta fábrica do fexo da cúpula do lanternino hé formado em
huma só pedra que tem de comprido 15 palmos e meyo, e de grosso 12, e ¼.
/37/ Este lanternino por dentro hé obrado segundo a Ordem Compósita, tem o
friso vermelho, e por sima dele vay a simalha deste corpo, sobre o qual se forma
huma abóbeda feyta em huma só pedra, composta de huma glória de
seraphins, e a fegura do Espírito Sancto no meyo. Esta abóbeda hé a única que
se fexa de todo, porque as mais são abertas por onde recebem luzes. Tem /38/
este Zimbório as serventias seguintes:
Fig.44 a 46: Basílica de Mafra – implantação do zimbório sobre o transepto e pormenor da forma do lanternim
26
No pavimento em que assenta o primeyro socolo deste edifício se formão duas
escadas de caracol, no grosso da parede, que há entre as columnas interiores, e
exteriores, que sobem toda a altura que faz o pé direyto desta obra, e daqui
para sima vão as escadas nas costas da abóbeda interior da cúpula com
corrimanus de ferro, subindo até ao aro que faz fexo à /39/ mesma cúpula;
deste lugar até o do aro, que faz fexo a abóbeda exterior, faz de alto os
referidos 17 palmos, e sobe-se por huma escada de ferro, que vay sahir ao dito
aro, aonde está outra varanda de ferro. Todo o corpo deste Zimbório hé de
pedra branca por fora, e matizada por dentro como fica referido. Para o vão,
que forma se entra por quatro portas, que olhão para os quatro /40/ ventos;
dão liberdade, e sahida para huma varanda de ferro circular, de donde se vê a
Igreja, a qual hé destinta da que já dicemos, porque fica sobre a simalha do
primeyro aro do Zimbório; e pela parte exterior na altura das janelas grandes,
que são as primeyras, corre huma varanda que circula todo o corpo do
Zimbório.”7
Fig.47 e 48: Basílica de Mafra – vista sobre o complexo palaciano-conventual vendo-se a implantação do zimbório e
vista sobre o zimbório a partir da janela central da biblioteca voltada à quadra conventual
“Peza o varão de ferro em o qual estão enfiadas as peças que servem de pianha
ao globo de cobre, dentro em o qual está colocado o Santo Lenho, e juntamente
huma relíquia de Santa Bárbora, com as suas autênticas; cincoenta e huma
aroba e seis arrátes. Peza o globo de cobre quatro arrobas, e treze arrátes, e o
forro de chumbo, peza ao todo onze arrobas e onze arrátes. Tem de diâmetro
quatro palmos, e ¾.” e ainda: “Tem do pavimento da igreja até à simalha real,
que vai por sima das perci[a]nas sobre a qual se forma o corpo do zimbório, 112
palmos e ¾. / Desde a dita simalha até a abóbeda, que fecha no corpo do
7
BANDEIRA, Guilherme José de Carvalho - Relação do Convento de Santo António de Mafra suas
oficinas e Palácios que se fundarão místicos ao dito Convento (manuscrito), PP. 24-40 do documento.
8
GORJÃO Sérgio - Princípio e Fundação do Real Convento de Mafra, e sua grandeza, e sua
sustentação, e luxo… [Livro das Pitanças]. Mafra, Associação dos Amigos do Convento de Mafra, 2015
27
zimbório 82 palmos e ¾. / Tem do fecho até altura da crus, 83 palmos e 2/4. /
Que faz toda a altura do zimbório 181 palmos”9
E sobre o número de degraus que vão da base (piso da basílica) até ao topo do
zimbório:
“Desde o pavimento da terra até aos sinos que dobrão ao coro, são 197
degraos. E desde o pavimento da terra até as grades do zimbório, são, 240
degraos”10.
9
Idem, pp.69-72 do documento.
10
Idem, pp.180 do documento.
28
II. Estrutura (forma, espaço e materiais)
O zimbório da basílica de Mafra cumpre o objetivo de criar espaço num ponto crucial
desta edificação, nomeadamente o fecho do espaço central do cruzeiro.
Para aumento da eficiência neste tipo de Fig.51: Triangulação dos fatores essenciais na
análise de uma forma construtiva considerando
cobertura era essencial compreender como é a dimensão temporal
que as cargas ou forças se movimentam dentro
daquela estrutura específica, atendendo à sua forma e volumetria, e aos materiais
usados (neste caso a cantaria de pedra).
29
A pedra, embora seja um material altamente durável e resistente, só permite esforço
normal de compressão, pelo que tudo o que possa constituir tração, como é o caso dos
esforços provocados pelos arcos de volta perfeita, é desadequado considerando as
deformações que o material tende a desenvolver. Para contrariar e anular os efeitos
negativos (provocados pelo esforço interno momento fletor), a construção em pedra
de uma cúpula exige outros recursos construtivos, nomeadamente a imposição de
cargas estruturais (verticalização) que obriguem o material a manter-se no sítio
previsto sem movimentos de componentes, deformações ou tensões excessivas.
30
Fig.53: Demonstração do sentido do caminho das forças dentro da estrutura material do zimbório até aos apoios.
[a vermelho] Cúpula interior, em arco de volta perfeita, com forte tendência a gerar esforço interno momento fletor e esforço
interno normal de tração, considerada uma estrutura com fraca eficiência no transporte de forças.
[a amarelo] Cúpula exterior, com forte verticalização de cargas produzida através do pré-esforço e de uma forma em arco
parabólico, considerado de grande eficiência no transporte de forças, reduzindo as trações e o momento fletor, através de uma
contraposição de trabalho interno que é maioritariamente normal e de compressão.
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Conclusão
O problema das cúpulas subsistiu, por isso, a esta inovação, já que só no final da Idade
Média (no primeiro renascimento italiano ocorrido entre os séculos XIII e XV), se
começou, também ainda de forma empírica, a explorar a forma dos arcos parabólicos
convexos, permitindo assim uma maior eficiência construtiva, adaptado às condições
de resistência física dos materiais (alvenaria de tijolo ou pedra), que suportavam bem
as compressões, mas não as trações.
Da época clássica foi herdada a “ortodoxia” dos modelos e perfeição do desenho, que
através da observação de construções da antiguidade, quer pela tratadística; do gótico
herda-se a noção de distribuição de cargas (através de nervuras que, nas cúpulas, se
traduz e mantém nos reticulados produzidos pela interceção dos meridianos e
paralelos); e no início do Renascimento nasce a ideia de arco parabólico, cujo expoente
é a duomo de Milão. Em consequência disso, desenvolvem-se, depois, os estudos com
vista à sistematização dos conhecimentos ao nível científico, tentando responder ao
“porquê” de uma maior eficiência, processo de teorização que se expande, sobretudo,
na segunda metade do século XVI e na centúria seguinte.
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A duomo de Florença, de Brunelleschi (1436), é o começo de uma nova era para a
construção de cúpulas, secundada pelas (prolongadas) obras da reedificação de uma
nova basílica de São Pedro, em Roma, e de outras experiências ocorridas sobretudo no
contexto dos estados pontifícios.
33
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Mafra, 2015)
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Créditos Fotográficos
36
Anexo I
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Fig.60: Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Roma.
38
Fig.61 e 62: Basílica de Santa Inês, em Roma (alçado da fachada principal e corte).
39
Fig.64 e 65: Igreja dedicada a São Martinho e São Lucas, em Roma (alçado da fachada principal e corte).
Fig.66 e 67: Igreja de Sant’Andrea della Valle, em Roma (alçado do zimbório e corte).
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Fig.68: Igreja dedicada a Santo Inácio de Loyola, em Roma (alçado do zimbório).
Neste se observam nítidas influências de desenho externo com o zimbório da basílica de Mafra.
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