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A Idade Media no Ocidente - Resumos de AFarelo

História da Idade Média (Universidade Aberta)

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História da Idade
Média

Apontamentos de: António Farelo


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Data: 2001/02

Livro: A Idade Média no Ocidente


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A Idade Média no Ocidente


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A ALTA
IDADE MÉDIA
OCIDENTAL
(410-1050)

Livro primeiro

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A Idade Média no Ocidente


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A Idade Média no Ocidente


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I
Os primeiros reinos (410-568)

1. A implantação dos primeiros Bárbaros (411-450)

Situação do Império Romano


Á data da morte de Teodósio, em 395, o Império Romano é definitivamente repartido em dois: o Oriente
sob a direcção de Arcádio, o Ocidente sob a de seu irmão Honório. O imperador é um monarca absoluto,
cercado de funcionários servido por uma burocracia minuciosa. As ordens são transmitidas pelos três
prefeitos do Pretório até aos condes dirigindo as cidades, por intermédio dos vigários nas dioceses e dos
juízes nas províncias. Ao nível da fiscalidade, muito pesada e complicadíssima, surgem já dificuldades. As
entradas dos impostos fazem-se a custo, o volume dos atrasados é considerável. A sociedade está
extremamente hierarquizada. No topo encontram-se os senadores, grandes proprietários fundiários, com
cargos de magistraturas oficiais. O seu poder político é nulo, se bem que, pouco a pouco, se vão arrogando
dos direitos de patronato (poder de protecção de um grande proprietário de origem senatorial sobre os
camponeses) sobre aldeias inteiras. A escravatura é pouco significativa. Quanto aos artesãos e ao povo das
cidades, estão agrupados em corporações das quais ninguém pode desvincular-se: o estudante será
funcionário, o filho do padeiro exercerá obrigatoriamente o ofício de seu pai. Dadas as necessidades fiscais e
militares do Estado, a sociedade está presa ao interesse geral.
Desde 392, o cristianismo é religião de Estado; a Igreja, um corpo novo dentro do Império, assume uma
importância crescente. O paganismo encontra-se oficialmente desenraizado, embora subsistindo de alguma
forma a nível dos campos. Os quadros hierárquicos da Igreja decalcam os do Império: o bispo de Roma quer
fazer reconhecer a sua autoridade junto dos metropolitas (o prelado que está à cabeça dos bispados da sua
província) nas províncias. Os monges propagam-se por todo o Ocidente segundo a regra dos Padres egípcios
do deserto.
Se a Igreja pode fortalecer o Império, o exército, pelo contrário, pode arruiná-lo. Teoricamente, há 2000
mil homens nas fronteiras e 50 mil homens formando um exército de manobra. O limes (zona de postos
fronteiriços fortificados) é uma fronteira aberta. O soldado romano é em muitos casos um Bárbaro
germânico. Concretamente, o exército está nas mãos dos futuros invasores; Roma, sem se dar conta, confiou
o seu destino aos inimigos.

Os Bárbaros
Os Bárbaros cercam o Ocidente em três frentes. Os povos do mar compreeendem os Anglos e os Saxões,
ao longo das costas do Mar do Norte; na península dinamarquesa os Jutas e os Frísios; na Grã-Bretanha e na
Irlanda, os Caledónios e os Escotos. Estes povos, ainda na Idade do Ferro, fazem incursões marítimas
constantes às costas romanas da Grã-Bretanha e da Gália. Nas florestas germânicas vivem populações de
soldados e camponeses: os Francos na embocadura do Reno, os Alamanos entre o Reno e o Danúbio, os
Marcomanos e os Quados no Danúbio Médio. Têm todos reis à cabeça.
A entrada dos Bárbaros no Império faz-se em duas etapas. Os Hunos, vindos da Ásia Central, transpõem o
Don em 375. Os Visigodos, rechaçados, procuram refugiar-se em território romano a título de auxiliares do
exército romano. Mas a boa convivência não dura muito. Em 378, a cavalaria goda esmaga o exército
romano num ataque de flanco: é o final do Império que se anuncia. Os Visigodos erram por solos imperiais
em busca de terras onde morar: o seu rei Alarico lidera-os em pilhagens. Finalmente, Alarico apodera-se da
Cidade Eterna em 410. Em 418, o imperador Honório aceita fixar os Visigodos na Aquitânia, sob a ficção
jurídica de «federados» (bárbaros que concluíram um tratado de aliança com Roma, num pé de igualdade
com esta; em troca de um território e do reconhecimento dos seus costumes, eles prestam ao Império o
serviço militar), isto é, aliados do povo romano. Era, efectivamente, o nascimento do primeiro reino bárbaro
do Ocidente.
Tanto Suevos como Vândalos, passando os Pirinéus, devastam a Espanha antes de sucumbirem à fome,
situação que cria as condições para o imperador Honório poder começar a negociar a sua instalação. Os
Suevos acabam por receber o estatuto de federados com um território situado na embocadura do Douro e na
Galiza, em redor de Braga: é o segundo reino bárbaro. Os Vândalos, após uma breve estadia na Bética,

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A Idade Média no Ocidente


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transpõem o estreito em 429 com um corpo de mil homens. Genserico, o seu rei, obtém o estatuto de
federado em 435 e, depois de saquear Cartago, pode instalar-se definitivamente na parte oriental do Norte de
África.
Doravante, e em consequência do poderio de Genserico, todo o esforço de defesa no Ocidente fica
paralisado. Tal não impede, contudo, que Valentiniano III e o seu general Aécio não prossigam as lutas para
entravar os avanços dos Bárbaros. Este general romano soube melhor do que ninguém conter a progressão
de cada um dos povos, repelindo os Visigodos para o seu território, fazendo recuar os Francos para o Norte
e a margem direita do Reno, esmagando completamente os Burgúndios graças ao seu exército composto por
Hunos.

2. A morte lenta do Império do Ocidente (450-476)

Os Hunos
O derradeiro acto de Aécio foi importante para o Ocidente. Surgidos das longínquas estepes da Ásia
Central, os Hunos tinham continuado a avançar, instalando-se nas planícies da Hungria actual. Desde o seu
acampamento, estes lançam ataques sucessivos ao Oriente, depois, unificados por Átila, viram as suas
investidas, por volta de 449-450, contra o Ocidente. Precedidos por uma reputação de terror, avançam em
direcção ao Reno. Aécio consegue então reagrupar algumas tropas romanas e, sobretudo, obtém dos
Visigodos que estes apliquem o tratado de aliança com Roma. É, em suma, um exército mais bárbaro do que
romano que faz recuar os Hunos de Átila no Verão de 451. No ano seguinte, o chefe dos Hunos repete a sua
proeza, mas em Itália. Empreende uma marcha sobre Roma. No meio do pânico geral, o papa Leão
consegue, graças a uma onerosa negociação, desviá-lo da Cidade Eterna. Pouco depois, Átila morria. O seu
império desmoronou-se imediatamente. O Ocidente romano estava salvo.

Os Anglo-Saxões
A trégua foi curta. O imperador Valentiniano III, ciumento dos êxitos de Aécio e temendo pelo seu trono,
estrangula-o com as suas próprias mãos. Os fiéis de Aécio replicam assassinando Valentiniano. Desde então,
imperadores fantoches vão suceder-se em Itália, enquanto os povos bárbaros federados estendem os seus
domínios. Daí em diante, iria acelerar-se o declínio do Império.
Os chefes bretões, vendo o seu país amputado de Roma, chamam em seu auxílio, cerca de 450-455, na
qualidade de federados, grupos de Saxões que vão juntar-se aos destroços da guarnições germânicas
romanas. Estes, depois de terem repelido os invasores, não tardam a rebelar-se contra os seus anfitriões. No
início do século VI, esta colonização desenvolveu-se, forçando os Bretões a recuarem para Oeste e para o
Norte. Os Irlandeses, convertidos ao cristianismo desde 461, continuam a colonizar certas regiões da grande
ilha. Bloqueados entre Irlandeses e Anglo-Saxões, os Bretões tiveram um único recurso: atravessar a
Mancha para se instalarem na Armónica. O apogeu desta emigração teve lugar em 550-560.
Já minado na periferia, o Império é mais uma vez castigado em pleno coração: em 455, Genserico pilha
Roma durante mais de um mês. O Império passa então para as mãos de um general romano de raça sueva, o
qual faz e desfaz os imperadores: é a agonia. Aqui e acolá ainda surgem defensores isolados da
Romanidade. Mas os reinos bárbaros alastram irresistivelmente, rejeitando os tratados de aliança fictícios
com Roma.

O último imperador romano


Na Itália, o último exército romano sob a direcção de Odoacro acabou por se rebelar e reclamar o mesmo
estatuto do que os povos federados. O jovem Rómulo Augústulo é despojado das suas insígnias imperiais a
4 de Setembro de 476. O império Romano do Ocidente estava extinto: restava um único imperador, o de
Constantinopla. O imperador do Oriente, Zenão, não reconhece o poder de Odoacro. Por fim, como o povo
ostrogodo exaurira os recursos do seu território e ameaçava Constantinopla, Zenão, considerando-se de
direito o único dono de todo o Império, encarrega o rei Teodorico de conduzir os Ostrogodos até à Itália a
fim de, em seu nome, neutralizar Odoacro. Após duros combates, o exército ostrogodo consegue eliminar os
adversários e, a partir de 493, passa a haver um reino ostrogodo da Itália. Teodorico, na qualidade de
representante do poder imperial, tenta então estender a sua hegemonia até ao Danúbio e sobre os restantes

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A Idade Média no Ocidente


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reinos bárbaros: o visigótico, o burgúndio e o vândalo, que eram arianos como o seu. Um novo equilíbrio
surgia assim no Ocidente, edificado com base numa dominação germânica e ariana em detrimento dos povos
romanos.

3. Os reinos bárbaros

A criação do reino dos Francos: Clóvis (481-511)


Teodorico, tal como sucedera com Aécio, não tem possibilidades de ver coroada de êxito a sua empresa
de estabilização. Novos povos fazem a sua aparição e convulsionam a construção da mesma. O mais
importante de todos é, incontestavelmente, o dos Francos. Divididos em dois grupos, os Sálios e os
Renanos, os Francos são o único povo bárbaro que nunca perde o contacto com a sua pátria de origem, ao
contrário de todos os outros, desenraizados, isolados no meio das populações romanas. Durante muito tempo
aliados do povo romano, os Sálios haviam-se aproveitado das desordens para progredir lentamente em
direcção ao Sul, colonizando a actual Bélgica do Norte, instalando a sua capital em Tournai, onde é
enterrado em 481 o seu rei Quilderico. O filho deste, Clodoveu, que conhecemos pelo nome de Clóvis,
lança-se então na empresa de eliminar um general romano, Siágrio, que dirigia o país. Apodera-se da sua
capital, Soissons, em 486. É então que Clóvis vira a sua atenção para os reinos arianos do Sul do país.
Clóvis consegue transpor o Loire; esmaga os Visigodos e mata-lhes o rei no ano de 507. O reino visigótico
ter-se-ia desmoronado totalmente se Teodorico não interviesse, bloqueando os Francos no seu avanço. O
novo poderio franco vinha perturbar o estado do Ocidente, sem no entanto chegar ao Mediterrâneo.
A 25 de Dezembro de 498 ou 499, Clóvis é baptizado em Reims: este facto iria favorecer a conquista do
sudoeste da Gália, que ele empreende. O único rei bárbaro católico, Clóvis, levou a cabo até Toulouse uma
verdadeira guerra de libertação. Quando vem a morrer na sua nova capital, Paris, em 511, Clóvis acabava de
colocar os alicerces de um novo tipo de reino germânico onde as relações entre os vencedores e as
populações romanas eram mais sólidas do que em qualquer outro lugar.

Os outros reinos
Outros povos germânicos tinham ocupado os territórios deixados devolutos. Toda a Germânia meridional
passava a ficar sob a influência franca. Pela primeira vez, a Gália e a Germânia entravam em contacto num
quadro político comum. O reino dos Francos iria, daí para o futuro, exercer no seio daquele uma hegemonia
insofismável.
Os outros três reinos arianos do conjunto germânico que ainda subsistem têm um fraco papel. Na
Hispânia, os Visigodos, abalados pelas suas derrotas perante os Francos, não chegam, apesar da tutela de
Teodorico, a encontrar uma realeza e uma organização estáveis. Incapazes de se decidirem por um rei único
e de conquistarem o sul da península povoada de católicos hostis ao seu arianismo, os Visigodos vêem-se à
beira da catástrofe em 550. Por fim, o reinado brilhante e muito hábil de Teodorico termina pessimamente: a
sua rigorosa separação dos dois povos, Godos arianos de um lado e Romanos católicos do outro, vira-se
contra ele. Imediatamente antes da sua morte, em 526, o conflito religioso já não pode ser evitado.
Exasperados, os Godos colocam no poder Teodato, que retoma uma política de dominação.

A reconquista pelo Império do Oriente: Justiniano


É a meio destas três crises que intervém o imperador romano do Oriente. Justiniano (525-568), que
sonhava reconquistar todo o Ocidente para reconstruir a unidade desaparecida, vai subverter a situação. Em
533, o reino vândalo desmorona-se, e o Norte de África fica sob a autoridade de Bizâncio. Em 535, as tropas
imperiais desembarcam na Sicília e lançam-se ao ataque da Itália ostrogoda. Aqui, no entanto, o povo
bárbaro resiste desesperadamente durante vinte anos. Ao cabo destas lutas terríveis, a península, de novo
parte integrante do Império, encontra-se deveras enfraquecida. Finalmente, em Espanha, Atanagildo chama
em seu auxílio as tropas bizantinas. Consolida deste modo o seu poder e vai ter que ceder ao Império, como
forma de gratidão por essa mesma ajuda, as províncias do Sudoeste de Espanha. À data da morte de
Justiniano, o Mediterrâneo torna-se de novo praticamente romano. No entanto, para que tal reconquista
vingasse, seria necessário que a Gália franca se submetesse, o que não foi o caso. Além disso, os sucessores
de Justiniano não puderam prosseguir o esforço deste último. A Itália, por seu lado, extremamente
debilitada, assolada pela peste, ficou totalmente passiva diante da invasão dos Lombardos, os quais se

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apoderam de toda a região setentrional da península. Finalmente, tomando o lugar dos Lombardos na
planície do Danúbio, cavaleiros nómadas asiáticos, os Ávaros, instalam aí bases de partida para inúmeras
razias e pilhagens no mundo germânico, de forma que forçam este último a passar gradualmente para a
órbita franca. Doravante, a situação do Ocidente bárbaro iria estabilizar-se por dois séculos.
Assim, o Império Romano do Ocidente leva mais de cento e cinquenta anos a desaparecer, devido
sobretudo à política de aliança com os Germanos e à formidável marcha atrás que opera a Reconquista. Isto
explica a conservação e a sobrevivência da civilização romana e da ideia imperial. A primeira geração dos
reinos bárbaros (Visigodos, Suevos, Burgúndios, Ostrogodos e Vândalos) era composta por povos arianos
que não tinham oportunidade, dado o seu reduzido número, de instalar-se de maneira duradoura no Império,
a não ser praticando uma política de separação em relação às populações romanas. Daí, a sua maioria ter
desaparecido ou ficado seriamente abalada. Em contrapartida, a segunda geração de Estados bárbaros, em
geral pagãos e conservando o contacto coma pátria-mãe germânica (Anglo-Saxões, Francos, Alamanos,
Bávaros), tinha muitíssimo mais oportunidades de estabilidade, graças à conversão desses mesmos Estados,
tardia ou precoce consoante os casos ao catolicismo, o que facilitava o contacto com os Romanos.
A causa imediata do sucesso dos Bárbaros reside na fraqueza do Império e na sua incontestável
superioridade em matéria de técnica militar. A lança comprida germânica é bastante superior à lança
romana. A aptidão dos Germanos orientais na utilização da cavalaria permite-lhes obterem sucessos
decisivos. Assim se explica que, na segunda metade do século VI, o Ocidente desconjuntado fosse
dominado por duas potências, o reino dos Francos em plena expansão e o Império de Bizâncio na defensiva
face aos Lombardos.

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II
Permanência romana e transformações cristãs (séculos VI-VII)

1. O contributo bárbaro

A implantação dos Bárbaros


A vinda dos Bárbaros não perturbou em nada a demografia romana. Trata-se de uma migração de homens
em armas, acompanhados pelas mulheres, filhos e escravos, e seguidos dos seus haveres, Romanos
desenraizados ou Germanos destribalizados. A sua coesão racial e religiosa era débil; prova-o o rápido
desaparecimento dos Vândalos ou dos Ostrogodos. Não deviam formar mais do que cinco por cento da
população total do Ocidente romano.
Os Bárbaros preservaram igualmente a sua originalidade graças ao sistema da hospitalidade. Do ponto de
vista jurídico, o Bárbaro está ligado ao Império por um tratamento de aliança: o foedus. Cada povo federado
deve a Roma o serviço militar; em troca, ele conserva as suas leis, os seus próprios chefes ou reis e recebe,
para a sua manutenção e alimentos, um conjunto de propriedades fundiárias. É o que se chama o contrato da
hospitalidade.
Os Anglo-Saxões e os Francos fazem recuar definitivamente a língua latina e a sua civilização. A Grã-
Bretanha, que pode desde então chamar-se Inglaterra, está agora dividida em dois domínios linguísticos:
Escócia, País de Gales e Cornualha falam a língua celta do mesmo modo que a Bretanha, ao passo que o
resto da ilha fala o anglo-saxão. Na Gália, a língua germânica progride em menor grau. A sul desta nova
linha, a língua latina subsiste e evolui sob a forma de línguas românicas que vêm a dar o espanhol, o francês,
o italiano, o português e o romeno.
O último contributo específico do Bárbaro, depois da sua língua, é o seu direito, expressão das suas
concepções sociais. Regra geral, as leis bárbaras eram inteiramente orais e transmitidas pela memória
colectiva. O processo judicial, também ele oral, era confiado a especialistas que deixavam ao réu a tarefa de
fazer prova da sua inocência com a ajuda dos co-juradores; estes decidiam então dever o culpado pagar uma
determinada quantia, tarifada segundo um catálogo muito preciso de ofensas. Esta concepção deveras
arcaica da justiça fazia, obviamente, uma fraca figura diante dos monumentos do direito romano que
acabavam de ser compilados: o Código Teodosiano em 438 e o Código Justiniano em 529. Por outro lado,
muito em breve iam surgir casos de processos mistos (entre Romanos e Bárbaros). Tornou-se por
conseguinte necessário pôr por escrito as leis germânicas, redigindo-se simultaneamente algumas sínteses de
direito romano para cada uma das populações. Surgia assim a personalidade das leis (cada povo tem o seu
Direito, quer seja germânico ou romano. Para os juristas, o Direito romano é aplicável a todos, logo, é
territorial; os Direitos germânicos concernem unicamente o Direito privado de cada povo. Assim, o Direito
público romano seria aplicável aos Bárbaros). Cada povo teve a sua: os Visigodos o Código de Eurico, os
Burgúndios a Lei Gombeta, os Francos a Lei Sálica, os Lombardos o Edicto de Rotário, e assim
sucessivamente. Todas elas estão redigidas em latim. Cada um era julgado segundo a lei da sua própria
nação, embora a igualdade dos povos fosse estritamente mantida.

O arianismo bárbaro
O Bárbaro estava separado do Romano pela sua língua, pela sua lei, mas sobretudo pela sua religião
ariana ou pagã. A rejeição da heresia foi, justamente, uma das causas essenciais dos êxitos de Clóvis e
Justiniano, constantemente solicitados a socorrer populações romanas católicas. Excepção feita aos
Vândalos, perseguidores violentos, os restantes povos bárbaros arianos mostraram-se, em maior ou menor
grau, relativamente tolerantes. Os Burgúndios, em particular, foram deveras pacíficos neste domínio. Com
efeito, o povo seguiu rapidamente a conversão ao catolicismo do seu rei. Teodorico, admirador da
civilização romana, procurou estabelecer a Igreja ariana do seu povo no mesmo pé de igualdade com a
Igreja católica, mas os seus esforços goraram-se diante da atitude anti-ariana de Constantinopla e a
resistência do papa.
Por parte dos Visigodos, sob o reinado de Leovigildo (567-586), a incapacidade mental dos homens da
época para separar unidade do reino e unidade religiosa levou o rei a suprimir em primeiro lugar o poderio
dos Suevos que acabavam justamente de se converter ao catolicismo, a esmagar a revolta de seu filho

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Hermenegildo, a impedir, em suma, toda e qualquer conversão dos Visigodos ao catolicismo. É de crer que
tal política não tivesse granjeado grande sucesso, uma vez que seu filho proclama, no Concílio de Toledo
(589), a religião católica em toda a Espanha. A erradicação do arianismo sob os seus sucessores favoreceu a
eliminação dos Bizantinos que ocupavam as costas do Sul e Sudoeste da península, e resultou na criação da
unanimidade nacional.
Restava o povo lombardo. Para evitar que Roma fosse tomada, o papa Gregório Magno abandona o apoio
bizantino, preferindo concluir a paz com os Bárbaros para melhor os converter a seguir. Acalentava a
esperança de que o baptismo do filho do rei Agilulfo segundo o rito católico acarretasse a conversão do
povo inteiro. Na realidade, porém, a oposição era demasiado forte para que esta pudesse ser tão rápida. Foi
preciso esperar até 650-680, para que aquela se tornasse real e completa. Desde então, através de um
cristianismo comum aos Germanos e aos Romanos, a fusão ia ser possível entre as duas civilizações.

2. A fusão entre Romanos e Bárbaros

As instituições
Esta fusão faz-se em grande parte em benefício dos Romanos, salvo nas regiões sob total influência
germânica. As instituições e os hábitos sociais romanos eram mais sedutores do que os dos Bárbaros. Um
exemplo preciso vai mostrar as modalidades dessa fusão: os cemitérios. Do Reno ao Loire, entre 450 e 550,
surge um tipo novo de inumação, associando a prática romana do sarcófago ao hábito germânico de enterrar
os mortos vestidos e armados. São os denominados cemitérios em fileira pelo facto de os sarcófagos
figurarem alinhados. Contudo, dentro deste tipo de inumação abundam as variantes. Por aqui se percebem os
inúmeros aspectos regionais desta Romanidade ocidental, cada vez mais sujeita à influência dos Bárbaros à
medida que se caminha para Norte, ou dos Celtas para o Oeste.
As primeiras monarquias bárbaras foram infinitamente respeitadoras das instituições romanas. Estas
continuaram intactas, após o desaparecimento do governo central imperial, lado a lado com realezas que
utilizam com frequência funcionários romanos. Fala-se o latim, as actas oficiais reproduzem as fórmulas
romanas, e ainda que nas moedas visigóticas ou francas figure a imagem do rei, estas são cunhagens com o
peso, o título e as inscrições do Império.
As verdadeiras inovações institucionais vão operar-se ao nível da escolha do rei. Na Espanha, os
Visigodos nunca souberam, como modo de sucessão, decidir-se entre a hereditariedade e a eleição. Em
consequência, os seus príncipes vão tentar consolidar o seu poder apoiando-se nos concílios que reuniam em
Toledo e que lhe servem de sustentáculo nos grandes processos e nas decisões legislativas contra as
ambições da nobreza. Na Gália, uma prática germânica é implantada: a partilha do reino entre os filhos do
rei. A noção romana de Estado, órgão do bem público, desaparece aqui face à noção de reino, propriedade
privada dos reis. Os reis germânicos são, enquanto chefes militares, dotados do poder de ordenar e coagir
(direito de banum) pois que deles emana uma força de protecção cujo espírito ainda é de cariz pagão: o
mund (poder viril e guerreiro, capacidade misteriosa de vitória, força divina. O cabo-de-guerra germânico
atrai a obediência dos seus súbditos em função dessa força pagã, religiosa e bélica). Tudo gira em torno
deles, a começar pelo seu palácio, povoado de membros da aristocracia e de servidores.
É a nível local que a permanência romana reaparece. Um funcionário recentemente criado no Baixo
Império, o conde da cidade, detém todos os poderes régios. Preside ao tribunal dos Homens Livres, dirige e
recruta o exército, recolhe os impostos, etc. No século VI, o sistema fiscal romano ainda funciona com
alguma normalidade na Hispânia, na Gália e na Itália. Os impostos indirectos, em particular as taxas sobre
os transportes e os objectos importados em locais de passagem (impostos terrádigos, portagens, etc.),
tendem a representar a fonte essencial das receitas reais.

A sociedade
Em geral, as principais funções públicas estão nas mãos das altas classes das sociedades romano-
germânicas. A aristocracia senatorial romana permanece influente até ao século VIII. A sua riqueza, que lhe
advém dos seus grandes domínios, bem como a sua cultura permitem-lhe muitas vezes monopolizar os
cargos de conde e quase todas as funções episcopais. Ela não tardará a entrar em contacto, nas cortes reais,
com a aristocracia germânica, de origem guerreira, à qual se mistura lentamente no decurso dos séculos VI e
VII, em particular na Gália e na Hispânia. A transformação dos nomes testemunha bem uma tal fusão. A

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A Idade Média no Ocidente


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pouco e pouco, o sistema dos três nomes romanos vinha desaparecendo, e o próprio nome único romano
começa a rarear sob a influência da moda dos nomes germânicos.
Nobres romanos e germânicos possuem todos nas suas terras um número maior ou menor de escravos.
Apesar das invasões, a escravatura continua a ser praticada, devendo a sua origem fundamentalmente à
guerra e ao comércio; as inúmeras campanhas francas em território romano ou germânico alimentavam em
mão-de-obra doméstica ou rural os proprietários. Todavia, a escravatura dos reinos bárbaros tende desde
logo a distinguir-se da da Antiguidade. Certos escravos estavam desde há muito ligados a um lote de terra, o
que faz com que a sua condição se aproxime da dos camponeses livres romanos, os chamados colonos, os
quais deram as suas terras a um grande proprietário; a este cabe o dever de os proteger e, em troca, eles
ficam hereditariamente adstritos às suas antigas possessões. Escravos e colonos encontram-se sujeitos a uma
mesma condição económica. Tudo isto não impede contudo que sejam bastante numerosos os camponeses
livres. Estes pequenos proprietários desempenharam provavelmente um papel económico importante.

A economia
O essencial dos recursos económicos provém da terra e essa é uma das razões que levam os Bárbaros a
tentar apoderar-se delas. A sua instalação não aboliria, contudo, o sistema agrário romano. Adoptaram o
sistema romano do grande domínio, a villa, em geral uma área média de dois a quatro mil hectares e
dividida em duas partes: o ager e o saltus. O ager é constituído pela terra cultivada, com as respectivas
dependências de exploração, a residência do dono, as cabanas dos escravos ou dos camponeses. Esta clareira
de cultura que engloba terras de lavoura, prados e vinhas, é rodeada pelo saltus, terrenos maninhos mas
enormemente utilizados como fonte de recursos em termos de produtos de recolecção, nomeadamente a
caça, o peixe e as madeiras. Terras incultas e bosques formavam. A maior parte da paisagem.
A par do grande domínio frequentemente retalhado pelas heranças, famílias de camponeses livres
cultivam pequenas áreas de terras de 5 a 30 hectares por vezes denominadas manses (unidade de exploração
familiar reunindo em redor da habitação e das suas dependências a quantidade de terra cultivável por uma
família). Em caso de insegurança, vêmo-las agruparem-se em planaltos facilmente fortificáveis. Nestes
burgos, consegue, inclusive, vigorar um comércio local. Destes burgos é possível o acesso às cidades através
das estradas romanas que continuam a ser frequentadas. Salvo na Grã-Bretanha, onde estas desapareceram,
as cidades mantêm-se. Doravante, naturalmente, a sua área está reduzida aos estreitos espaços muralhados
dos finais do século III; mas mesmo assim comprimidas, elas permanecem como o centro de um tipo de
vida, se não administrativo, pelo menos comercial e, sobretudo, religioso. Ao lado do castrum, cercado de
muros, há, na maioria dos casos, arrabaldes (suburbia) onde se nota a presença de mercadores gregos, sírios
ou judeus. Estes últimos continuam o grande comércio do tempo do Império. Vão encontrar-se traços seus
até ao fim do século VII. O papiro do Egipto, o trigo da África e da Sicília, o azeite hispânico, as especiarias
da Índia e da China, as sedas da Constantinopla. Por outro lado, através de Verdun, chegam os escravos
saxónicos; dos Pirinéus expedem-se mármores esculpidos; os vidros de Colónia. O Norte de África troca
comércio com as costas hispânicas.
O estudo das moedas e da sua circulação revela a importância deste comércio mediterrânico a partir dos
centros que constituem na altura Marselha e Barcelona. Até 570-575, todos os países do Ocidente bárbaro
mantêm uma relação com o Mediterrâneo oriental. Em seguida, a moeda seria exclusivamente cunhada em
ouro e as relações através das gargantas alpinas são cortadas até ao século VIII. Os soldos de ouro francos
são postos de parte a troco do terço de soldo. Este declínio progressivo demonstra, a longa resistência das
estruturas económicas centradas no Mediterrâneo.

3. O papel da Igreja

O bispo
A permanência romana que caracteriza todo este mundo é reforçada pela transformação que aqui opera a
Igreja. Herdeira da Romanidade, esta vai continuá-la ao nível da civilização, e estende a sua influência
convertendo os povos pagãos. A Igreja torna-se omnipresente: depois de terem ajudado e sustentado as
populações no decurso das invasões, os bispos passam a ser, nas sua dioceses, os verdadeiros chefes, não só
espirituais como também temporais. Estes antigos senadores, através das suas doações à igreja catedral,
aumentam a riqueza fundiária eclesiástica. Graças a tais rendimentos, convertem-se nos únicos construtores
dentro da cidades, onde perpetuam as tradições artística e arquitectónicas romanas. A estas novas basílicas

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urbanas ou suburbanas afluem multidões de peregrinos que vêm venerar as relíquias dos santos aí
guardadas. Pouco a pouco, a cidade tem como função essencial servir de centro da vida religiosa. Rodeada
de cemitérios e necrópoles, possui inúmeros santuários; cada bispado tem um grupo catedral de pelo menos
três igrejas. O bispo encoraja a libertação dos escravos, mormente o resgate dos cativos de guerra. Sustenta
um número determinado de pobres. Fomenta a criação de paróquias rurais. A sua influência é tal que os reis
preferem procurar obter o apoio do corpo episcopal reunido em concílios; aqueles convocam todos os bispos
eleitos pelos seus colegas da mesma província, os quais passam a ser então verdadeiros funcionários cuja
fidelidade é essencial para as monarquias.

A cultura
A educação antiga ainda se perpetuou até ao século V, após o qual desapareceu. A cultura torna-se o
privilégio das grandes famílias aristocráticas; a Igreja reapodera-se dela. O Concílio de Vaison, em 529,
decide a criação, no reino dos Francos, de escolas episcopais destinadas à educação do clero. Cassiodoro,
antigo funcionário do reino ostrogodo, tentou, uma vez chegado à categoria de monge, estruturar toda a
educação latina em dois ciclos: o trivium (primeiro ciclo de estudos, compreendendo a gramática, a retórica
e a dialéctica, isto é, a arte do discurso e a arte de contrapor argumentos) e o quadrivium (segundo ciclo de
estudos, compreendendo a aritmética, a geometria, a astronomia e a música). Esta classificação iria subsistir
durante toda a Idade Média. A melhor síntese da cultura romana é escrita por Isidoro de Sevilha.
Terminadas pelos seus discípulos após a sua morte, em 636, as Etimologias foram a enciclopédia de base do
saber medieval. Depois de expor as sete artes liberais, Isidoro explica os rudimentos da medicina, do direito
e da cronologia, a interpretação da Bíblia, os Cânones e a liturgia. Em seguida, chegava à parte central do
seu tratado: Deus e os seus laços com o Homem, para terminar com uma dissertação sobre as relações do
Homem com o Estado, a anatomia humana, o mundo animal e a matéria. Com os velhos materiais antigos,
Isidoro fez uma nova construção intelectual inteiramente cristã.
Claro que naquela época ele não é o único autor do Ocidente. No entanto, nem Gregório de Tours, que
escreve a História dos Francos, nem o papa Gregório Magno, do qual ficaram 848 cartas, 22 homilias, a
Pastoral e os Diálogos, conseguem rivalizar com a vastidão dos conhecimentos e a profundidade dos
conceitos do bispo de Sevilha. Mas, em compensação, são ambos directamente responsáveis pelo voga em
que se tornam as vidas dos santos. Esta literatura hagiográfica (género literário; vidas de santos escritas para
a edificação dos clérigos e do povo aos quais são lidas) exerce um papel importante na mentalidade popular
e representa, nas mãos dos monges, um instrumento ideal de evangelização.

Os monges
À medida que o clero vinha caindo sob a autoridade dos reis germânicos, os elementos mais dinâmicos da
Igreja encontram-se na ordem monástica. Um primeiro movimento, vindo do Egipto, tinha implantado
mosteiros por todo o Ocidente no século IV. Fundado com base no ascetismo individual e no eremitismo,
este ideal propaga-se um pouco por todo o lado, e culmina, em particular, na conversão da Irlanda por São
Patrício. Cria-se aqui uma nova Igreja, quase exclusivamente constituída por mosteiros; as escolas destes
mosteiros adoptam o latim bem como a nova cultura cristã que se vinha elaborando no continente. A ilha
torna-se rapidamente um centro de irradiação missionária: em 590, São Columbano desembarca na Gália
onde reenvangeliza todo o Norte, e funda novos mosteiros. O Romano São Bento de Núrsia, com a sua
Regra de vida comunitária escrita entre 530 e 556, fundou um monaquismo de instituições flexíveis mas
regulares. Os monges beneditinos trouxeram à Europa um sentido da organização; os seus contactos
permanentes com o mundo rural, graças ao trabalho dos campos, inserem-nos rapidamente na mentalidade
medieval; a beleza da liturgia romana criou uma atmosfera prestigiosa em torno do serviço divino; em suma,
o seu trabalho intelectual não só alimenta, nos scriptoria e nas escolas de cada mosteiro, a nova cultura,
como ainda a desenvolve. A regra beneditina alastra pela Europa a partir de 630-650.

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III
Crises e mutações dos reinos bárbaros (550-750)

1. Declínio dos reinos bárbaros

Crises internas
Entre os Francos, a patrimonialidade do reino suscita terríveis guerras fratricidas, as primeiras das quais
estoiram logo a seguir às partilhas de 561. Em 613 o reino é reunificado por Clotário II, que morre em 629.
As guerras civis tornam a eclodir, na altura das partilhas ulteriores. O perfeito do palácio, administrador dos
domínios reais, coloca-se à cabeça da nobreza e tenta reunificar o reino, ou procura dominar a pessoa real.
Em 687, Pepino de Heristal esmaga os seus adversários e passa praticamente a dirigir o reino dos Francos,
deixando para trás os reis merovíngios.
A Espanha visigótica conhece o mesmo tipo de guerra civil. A aristocracia procura conduzir ao trono o
seu candidato. Por mais que a Igreja aceite o principio da eleição e reforce o prestigio do soberano através
da unção real, nem por isso as revoltas são menores. Pelo contrário, a influência da Igreja vê-se diminuída
pela nobreza, que lhe impõe uma legislação anti-judaica. Como resultado, em 711, quando se dá o
desembarque dos Árabes e a Espanha visigótica é dirigida por um rei, Rodrigo, que não tem o
reconhecimento dos filhos de um outro rei, Vitiza, os Judeus estão dispostos a receber qualquer estrangeiro
como libertador, e os escravos evadem-se dos domínios. Reina na península uma enorme confusão.
Na Itália, tanto os reis como os príncipes lombardos procuram fazer desaparecer qualquer tipo de
dependência para com o Império bizantino. A luta entre os dois adversários prossegue esporadicamente:
lentamente, o território bizantino reduz-se, dilacera-se em parcelas esparsas. Na Grã-Bretanha, os Anglo-
Saxões esforçam-se igualmente por obter a unificação. Na prática, os reinos anglo-saxónicos permanecem
divididos e o único êxito que obtêm é face ao inimigo comum, os Bretões.

Vicissitudes externas
Às divisões e às crises internas somam-se as derrotas no exterior. No seio dos Francos, os reveses dos
finais do século VI, face aos Visigodos, aos Lombardos e aos outros povos germânicos, acentuam-se após o
desaparecimento de Dagoberto. Novos povos que nunca foram submetidos ameaçam as fronteiras. Na
Espanha, os reis visigodos vêem repetidamente gorados os seus esforços de cada vez que pretendem conter
as mesmas incursões bascas. Finalmente, na Europa oriental aparecem novos invasores, os Ávaros e os
Eslavos. Neste contexto de crise generalizada, verifica-se o aparecimento de processos de regionalização. As
lutas intestinas dos Francos reforçam a oposição entre o reino do Leste, e o reino do Oeste, enquanto que a
sul as terras de civilização romana estão cada vez menos submetidas à influência franca.

2. Novas soluções

Laços de clientela
A fragmentação dos reinos, a sua regionalização e o fracasso dos meios políticos inspirados nas
concepções romanas levam estas sociedades novas a procurar soluções novas. A segurança vai ficar a cargo
da nova potência: a aristocracia. Para os Romanos, trata-se sobretudo dos laços de clientela conhecidos pelo
nome de «patronato»; o fosterage entre os Anglo-Saxões consiste na adopção em sua casa, por parte de um
chefe poderoso, de jovens rapazes que este educa e protege. Uma vez adultos, estes rapazes formam um
grupo de companheiros de armas, pessoalmente devotados ao seu chefe, a ponto de o seguirem na morte em
combate. Entre merovíngios, anglo-saxónicos, visigodos ou lombardos, um nome comum acaba por
designar estes grupos de guerreiros domésticos protegidos pelo chefe ou pelo rei: vassus, vassalo, cujo
significado equivale a um mancebo vigoroso, por contraste com senior, o velho, o patrono que os dirige e
que viria a dar o termo «senhor».

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O homem livre que pretenda ingressar nestes grupos coloca-se sob a protecção de um poderoso através da
cerimónia da «recomendação», na qual se confia a este último colocando as suas mãos nas dele. Esta
recomendação pelas mãos é um contrato que estabelece um vínculo entre dois homens livres. O poderoso
concede ao novo vassalo uma protecção total que se concretiza pela doação de vestuário, alimentos, armas e
outros presentes chamados benefícios. Em troca, o vassalo, doravante vinculado ao seu amo por um laço
pessoal fortíssimo, deve a este uma ajuda militar total e completa. Assim, das clientelas domésticas passou-
se para a vasalidade e para a manutenção do vassalo por meio do benefício. É ainda de assinalar que esta
evolução se efectua em detrimento dos reis, cuja soberania e poderio fundiário são fraccionados e
disseminados pelas doações que fazem aos nobres e aos vassalos a fim de conservar a sua fidelidade.

A adaptação da Igreja
O aparecimento de grupos de poderosos nos reinos bárbaros torna-se para a Igreja um perigo
considerável. O corpo episcopal procura desde logo obter privilégios particulares para as suas terras: doação
de uma oficina de cunhagem, isenção de impostos e, principalmente, imunidade (privilégio que consistia
em interditar ao conde a entrada nas terras de um bispado ou de uma abadia para aí exercer os seus direitos.
Era o próprio bispo ou o abade que cobrava ou exercia esses direitos, quer em seu proveito, quer no do rei
directamente). A Igreja secular entra deste modo no jogo político e o seu episcopado perde rapidamente toda
a influência religiosa, tanto mais que os concílios da Gália deixam de reunir-se a partir da segunda metade
do século VII. Certos clérigos comportam-se como chefes militares ou políticos, outros enveredam pelos
laços da vassalidade. Determinadas práticas bárbaras são inclusive aceites pela Igreja.

Nova economia
Atingidas por uma crise idêntica são também as estruturas económicas dos séculos VII e VIII. Se a
agricultura evolui muito pouco, a suspensão das guerras implica para ela consequências nefastas. Verifica-se
um afrouxamento do tráfico de escravos, acentuado pela atitude dos monges que encorajam a libertação. Os
grandes mercadores gregos e sírios desaparecem. A cunhagem de moeda de ouro é interrompida depois de
711. Os laços económicos com o Império Bizantino afrouxam. Abandonam-se as importações do papiro ou
do azeite, as antigas oficinas de cerâmica cessam a sua fabricação. Desaparecem, inclusivamente, cidades,
como em Espanha. Todavia, na mesma altura em que morre a economia antiga, uma outra começa a surgir.
A grande via de trânsito passa doravante, desde o mar Adriático, pelas gargantas alpinas e desemboca nos
portos da Frísia e da Inglaterra. O centro de gravidade económica deslocou-se lentamente do Sul
mediterrânico para o Norte europeu. Face ao Sul arruinado, ergue-se um espaço nórdico próspero com
novos portos aos quais afluem mercadores anglo-saxónicos e frísios.

Os novos poderosos
As três crises, política, religiosa e intelectual colocaram em evidência três factores novos: o poderio das
grandes famílias nobres, rodeadas de guerreiros domésticos, a renovação monástica e o pré-renascimento
intelectual e artístico, e o novo espaço económico centrado no Mar do Norte. Estas três forças novas lançam,
ao longo da primeira metade do século VIII, as sementes daquilo que viria a tornar-se o sistema carolíngio.
Com efeito, o berço da família austrasiana dos Pepinos encontra-se situado ao longo do novo eixo
económico, o Mosa. Dono de um capital fundiário e financeiro de tal importância, Pepino de Heristal,
prefeito do palácio da Austrásia desde 679 assume o título de príncipe dos Francos e tenta restituir ao reino
as suas antigas fronteiras. Porém, a única coisa que consegue é fazer recuar os Frísios na direcção do Norte.
Nas restantes partes a sua autoridade é nula. Em 714, a sua morte provoca uma crise solucionada pelo seu
enérgico bastardo, Carlos Martel, que suprime a independência dos Frísios.
Tais progressos eram já sintomáticos do poderio da nova dinastia que dirigia os Francos a despeito da sua
falta de legitimidade. Em 714, Pepino o Breve sucede a Carlos Martel e envolve-se, por sua vez, em
combates contínuos contra os Saxões. Pepino faz-se aclamar rei pelos grandes e sagrar-se por um bispo em
751. Quando o papa Estêvão II vem à Gália, em 754, pedir-lhe o seu apoio contra os Lombardos, unge-o.
Era o começo de uma nova dinastia. Já não são os grandes os que fazem os reis, mas sim Deus. Uma nova
legitimidade nascia.

Os primeiros Carolíngios e os papas

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A ascensão ao trono da dinastia carolíngia ficava-se a dever a dois factores que, à primeira vista, se
contrariam: a formação de uma poderosa clientela de vassalos graças à confiscação de terras da Igreja, e o
apoio dado à reforma dessa mesma Igreja. Carlos Martel e Pepino, com o intuito de aumentar o número dos
seus vassalos, nomearam abades e bispos laicos para usufruir dos rendimentos das terras eclesiásticas, ou
então concederam aos seus fiéis, a título de benefício, usufruto de terras da Igreja. As tropas de guerreiros
assim remuneradas pelos príncipes austrasianos levavam vantagem sobre as que os seus adversários
pudessem alinhar. Ao mesmo tempo, aqueles príncipes souberam ter o bom-senso de não alienar a Igreja,
encorajando, pelo contrário, a sua reforma. Desde 690, Carlos Martel protege o avanço do cristianismo em
Hesse, Turíngia e Baviera, a tal ponto que a evangelização se torna uma verdadeira empresa pública,
assimilando baptismo e conquista franca. Não satisfeitos com este tipo de vigilância sobre o elemento mais
vivo da Igreja, os novos chefes ainda encorajam a reunião dos concílios a fim de assegurar uma melhor
disciplina eclesiástica, preparar uma reforma litúrgica e regularizar o problema das confiscações das terras
da Igreja. Quando Pepino o Breve se torna rei, é dono e senhor das duas grandes forças da época: a
aristocracia e a Igreja. Esta última, em particular, deixa de constituir uma ameaça para si no plano
económico.

Fraqueza dos restantes reinos bárbaros


Os primeiros Carolíngios aparecem como os únicos capazes de restaurar a ordem na Europa meridional. O
Império Bizantino ora está presente no Mediterrâneo ocidental no século VI, ora, desde a chegada ao poder
de imperadores gregos, se encontra ali ausente nos séculos VII e VIII. Uma nova e grande potência acaba de
surgir, o islão, o qual, depois de ter-lhe arrancado metade dos seus territórios orientais, ataca Constantinopla,
assenhoreia-se definitivamente do Norte de África, tomando Cartago em 702, não deparando com a mínima
resistência no domínio hispano-visigodo. O principal resultado da incursão do islão na Europa meridional
saldou-se na restituição do domínio bizantino dos mares do Mediterrâneo central, enquanto o único
adversário que soubera resistir-lhe, o reino dos Francos, viria a retirar daí um acréscimo de prestígio. Daí em
diante a península estava em poder dos Muçulmanos, e o pequeno reino cristão de Afonso I (739-757)
mostrava-se incapaz, por si só, de reconquistar o antigo reino visigodo. O apelo aos Francos não se fez
tardar da parte da Espanha e Itália.
A meio do século VIII, num universo onde se haviam sucedido oito reinos bárbaros, apenas restam dois
que são verdadeiramente importantes. Francos e Lombardos são os únicos a sair intactos – e até reforçados –
das crises e mutações do século VII. Mas os primeiros, donos do novo espaço económico nórdico, amigos e
protectores da Igreja, fortalecidos por uma nova legitimidade, adversários convictos de todo o poder e de
qualquer potência religiosa herética ou estrangeira como Bizâncio ou o Islão, só podem ser levados à
hegemonia pelo Papado. Assim se explica a inversão de atitude do Bárbaro germânico. Em 410, este pilhava
uma Roma em grande parte pagã; três séculos depois, vai tornar-se o salvador da Roma cristã.

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IV
A expansão do reino dos Francos e a criação do Império (751-840)

1. As guerras de Carlos Magno (768-814)

A sagração de Pepino
Os apelos de Roma dominam o reinado de Pepino, bem como o de Carlos Magno (768-814). É possível
que o papa Estêvão II tenha mostrado ao rei Pepino a falsa «Doação de Constantino». Este texto afirmava
que Constantino, antes de partir para o Oriente, doara toda a Itália ao papa Silvestre. O certo é que Pepino
oficialmente, deu ao papado vinte e duas cidades da Itália central. É o ponto de partida do Estado Pontifício
que viria a durar até 1870. O outro feito importante do reinado de Pepino o Breve, foi a conquista
sistemática do Sul de França, de 760 a 768. Ao morrer, deixava aos seus dois filhos, Carlomano e Carlos,
um reino extremamente engrandecido e apoiado pelo papado.

As conquistas de Carlos Magno


A divisão do reino entre os dois irmãos foi de curta duração, já que o mais novo morreria em 771 e Carlos
ficava doravante na condição de único dono. Principiou as suas campanhas contra os Saxões em 772. Em
seguida, chamado pelo papa a Itália para se opor aos Lombardos, ergue um longo cerco à sua capital, Pavia,
e faz desaparecer o seu reino, assumindo ele próprio o título de rei dos Lombardos (774). Partindo à
conquista da Saxónia, é daqui desviado pelo apelo recebido de Espanha a pretexto de revoltas muçulmanas e
de Cristãos oprimidos. O ano 778 vê-o transpor os Pirinéus, mas na passagem do desfiladeiro de
Roncesvales a sua retaguarda é massacrada pelos Vascos e os muçulmanos reunidos.
Carlos Magno toma uma série de medidas oportunistas destinadas a acalmar as oposições internas e a
domar os irredutíveis no exterior. Em 781, dá como reis aos Lombardos e aos Aquitanos os seus dois filhos,
Pepino e Luís. A seguir, edita terríveis capitulares contra os Saxões, e lança-se em sete anos de expedições
contínuas. Para suprimir qualquer hipótese de conspiração, Carlos Magno exige de todos os seus súbditos o
juramento de fidelidade; conclui a conquista da Saxónia em 797. Dirige, enfim, inúmeras expedições contra
o povo nómada dos Ávaros e acaba por apoderar-se do ring deste povo. O espólio aí contido teve um papel
considerável no poderio de Carlos Magno e permitiu-lhe recompensar largamente os seus fiéis servidores. A
vitória foi a principal base da sua autoridade e do respeito que lhe votavam.

2. A marcha para o império

A ideologia do poder franco


Nessa mesma época, nasce nos meios eclesiásticos uma corrente de ideias políticas emanada da nova
cultura. Este conjunto de ideias políticas manifestara-se através da restauração do conceito real nas unções
de 751 e 754, bem como na restauração do papa como chefe de Roma. O paralelo com o profeta Samuel
ungindo David para fazer dele rei, surge constantemente. Há dois movimentos ideológicos, um em torno de
Carlos Magno, o outro em torno do papado, que procuram conduzir o rei dos Francos para um poder que
Alcuíno qualifica, em 778, de império. Se a restauração do Império tem como objectivo, para o papado,
permitir a este reencontrar a sua autoridade espiritual sobre o patriarca de Constantinopla e o Império do
Oriente, parece que os círculos de Carlos Magno alimentam pontos de vista mais laicos sobre a matéria:
Teodulfo não hesita em suprimir a ideia da superioridade jurisdicional do papa sobre a Igreja romana; o
próprio Carlos Magno precisa que, se pertence ao papa ajudar Carlos por meio da oração para que este seja
vitorioso, só a ele lhe cabe defender, no exterior, a Igreja de Cristo contra os ataques dos pagãos e os
estragos dos infiéis, e velar, no interior, pelo reconhecimento da fé católica. Para os círculos do rei franco,
põe-se a separação dos dois poderes; para os clérigos pontificiais, os dois poderes, papado e império, vêm de
São Pedro, logo, o espiritual é superior ao temporal.

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A coroação imperial (800)


Em Bizâncio, a imperatriz Irene toma o lugar do seu filho, Constantino VI. Para os Francos, esta era uma
prova de que já não havia imperador. A 25 de Abril de 799, o papa Leão III é encarcerado pelos nobres
romanos. Conseguindo escapar, vai refugiar-se junto de Carlos. Dos três poderes – o império, o papado e a
realeza -, apenas este último, representado pelo rei dos Francos, estava ainda em funções. Pertencia portanto
a este príncipe restaurar o segundo e tomar o primeiro, vago na altura. E foi exactamente o que ele fez em
finais do ano 800. A 25 de Dezembro, em Roma, na basílica de São Pedro, o papa coloca a coroa imperial
na cabeça de Carlos, e a multidão aclama o novo imperador. Por último, o papa ajoelha-se diante do novo
imperador. O rei dos Francos sai furioso desta cerimónia. Com efeito, o cerimonial não seguira a ordem
tradicional. Em Bizâncio as aclamações da multidão e do exército precediam a coroação por parte do
patriarca, o que equivalia a demonstrar que o poder imperial provinha do povo e das vitórias do imperador.
Ao começar por coroar Carlos, antes das aclamações, Leão II afirmara que todo o poder vem de Deus (logo,
por intermédio do papa). A concepção laica do poder que Carlos Magno sustentava era desta forma
vilipendiada, e daí o seu furor. Isto é capital para a compreensão de todo o ideal político da Idade Média:
assim começam as difíceis relações entre o Império e o Papado.

Rumo a um império franco


Durante os últimos catorze anos do seu reinado, Carlos Magno tem como único empenho clarificar esta
noção de império e levar ao triunfo a sua concepção. O seu Império é franco; engloba o povo amplamente
cristão e a Igreja. Levara ao triunfo a sua concepção de um Império com o qual Roma e os Romanos não
tinham mais nada a ver. Os novos Romanos eram os Francos, e Roma seria doravante em Aix.

3. O fim do reinado de Carlos Magno

As derradeiras conquistas
Ocupado pela governação do Império, Carlos Magno parece ter afrouxado as suas conquistas entre 800 e
814. Em 47 anos de reinado, o imperador reagrupou todo o mundo germânico e a totalidade do mundo
latino. A projecção de Carlos Magno e o seu prestígio foram grandes.

A Espanha
Enquanto o emirato de Córdova se torna gradualmente mais poderoso, o reino das Astúrias mantém-se
separado do novo Império através da criação, no País Basco, do principado navarro, ciosamente
independente e ainda por cristianizar. Este reino neo-visigodo apoia-se numa nobreza de fiéis ou de homens
livres sustentados pelo rei ou pagos com doações de terra revogáveis; é uma sociedade que se conserva ao
nível jurídico romano e no estádio pré-feudal do patronato, para o qual o sistema feudo-vassálico carolíngio
continuaria desconhecido até ao século XII. Na verdade, o rei, permanentemente carecido de soldados, não
hesita em dar armas a qualquer homem livre e a integrá-lo entre os seus gardingos (grupo de guerreiros
domésticos protegidos pelo chefe ou pelo rei). Ele é que concede aos homens livres as terras devolutas para
arrotear, das quais estes se tornam proprietários ao fim de trinta anos de exploração: é o chamado contrato
de pressura. O repovoamento do vale do alto Minho começou a operar-se ao mesmo tempo que o do vale do
alto Ebro. Esta última região, guarnecida de castelos para a luta contra o islão, não tardaria a receber o nome
de Castela. Entretanto um acontecimento religioso de capital importância ia produzir-se por volta de 800 na
Galiza: é descoberto um sarcófago e relíquias tidas como pertencendo ao apóstolo Santiago. Santiago de
Compostela torna-se em breve, como local de peregrinação, uma afirmação da fé cristã face ao islão, um
encorajamento à luta, um elemento da alma espanhola. Como Carlos Magno, também os reis asturianos
iriam desenvolver um espírito de pré-Cruzada. Estavam criadas a condições para uma reconquista da
península.

As Ilhas Britânicas
O mundo celta e anglo-saxónico escapa a Carlos Magno. A Bretanha permanece totalmente independente,
com os seus chefes locais e a sua organização eclesiástica própria. As intervenções do imperador no sentido
de apoiar um ou outro rei anglo-saxão nunca se traduziram, na ilha da Grã-Bretanha, numa influência

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A Idade Média no Ocidente


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concreta. Entre 815 e 839, pela primeira vez, a hegemonia do Wessex reunia numa única formação toda a
Inglaterra. Os povos celtas da Escócia, País de Gales e Irlanda são muito mal conhecidos, extremamente
divididos, sem economia monetária e permanecem de fora das grandes correntes comerciais. Já a Inglaterra,
pelo contrário, em relação estreita com a Cristandade, exerce uma forte influência intelectual na corte de
Carlos Magno por intermédio dos seus monges e dos seus escritores. Os seus mercadores vendem casacos
ingleses dentro do Império, os seus peregrinos vão até Roma.

A noção de Europa
Os contemporâneos tiveram a impressão de que havia um grande império e dois pequenos reinos, o
espanhol e o inglês, nas extremidades da península europeia. A palavra Europa muda então de sentido. De
geográfico que era, este termo cumula-se de uma conotação política e religiosa. Este conceito de Europa
respeita a todos os povos cristãos latinos e romanos, pois é a Igreja de Roma que fixa a fé cristã. Por isso
todo o Europeu é Romano no sentido religioso, mas já não no sentido político, ao passo que o não-Europeu
é aquele que não fala latim mas sim o grego. Assim se gerava uma ruptura mental entre Ocidente e Oriente.
Com Carlos Magno, o Ocidente – ou a Europa – toma consciência de si próprio.

4. A difícil conservação do Império (814-840)

Essa tomada de consciência de uma unidade religiosa e intelectual acaba por culminar num verdadeiro
programa ideológico e político sob Luís, o Piedoso (814-840), ajudado por clérigos que o aconselhavam no
sentido de uma unidade imperial cada vez mais forte e de uma racionalização das instituições de acordo com
a Igreja, única detentora da verdadeira justiça. Rodeado por um verdadeiro governo de clérigos, Luís o
piedoso, no início do seu reinado, pode acreditar na viabilidade do seu programa, graças ao prestígio de seu
pai, Carlos Magno. Além disso, a guerra no exterior e as vitórias, factor indispensável de autoridade e
riqueza, prosseguiram até 825.

A política religiosa de Luís o Piedoso


O que contava aos olhos de Luís era a sua política religiosa e imperial. O imperador manda celebrar toda
uma série de concílios em Aix entre 816 e 819, que reorganizam a Igreja impondo o sistema de canonicato
aos clérigos que se comportavam como leigos. Repentinamente, a propriedade eclesiástica começa a crescer
sem riscos. Por fim, durante um encontro com o papa Estêvão IV em Reims no ano 816, Luís reconhece a
existência de um Estado pontificial. Assim, a Igreja reformava-se e subtraía-se à influência dos leigos mas,
contrariamente ao que quisera Carlos Magno, que não cessava de a vigiar, esta poderia, doravante, através
dessa independência, tornar-se uma potência exterior ao Império.

As guerras fratricidas
Luís o Piedoso abandonou a concepção laica do Império de seu pai Carlos Magno. O principio unitário
cristão foi finalmente afirmado em Reims em 816, através da nova coroação de Luís e da sua sagração pelo
papa, como se a cerimónia secular de 813 fosse nula e unicamente a intervenção do papa fizesse o
imperador. Em conformidade com as práticas germânicas deixou intactos os três sub-reinos: a Itália,
confiada por Carlos Magno a Bernardo, filho de Pepino; a Baviera, doado a seu filho Luís; por último a
Aquitânia, atribuída em 814 a seu filho Pepino. Estes três reinos estavam estreitamente sujeitos ao filho mais
velho de Luís, Lotário, proclamado imperador e único herdeiro de todo o Império. Lotário é enviado como
rei a Itália, onde o fazem coroar e sagrar imperador pelo papa Pascal I, em Roma no ano 823, como se a
coroação de 817, também ela, tivesse sido insuficiente. Cada vez mais, o titulo imperial passava a estar
ligado à sagração e coroação, tornando-se uma prerrogativa do papa que apenas podia ser conferida em
Itália.
Daí por diante, Luís o Piedoso vai ver-se oscilar entre influências contraditórias, as dos clérigos
partidários da unidade e a de sua mulher, Judite da Baviera, a qual, desde o nascimento de seu filho em 823,
o futuro Carlos, o Calvo, não descansou enquanto não se aplicasse o princípio da partilha em reinos a favor
do novo herdeiro. Era ver quem melhor dominaria a vontade do monarca. De um lado, Lotário e os
eclesiásticos favoráveis ao Império; do outro, Pepino e Luís, procurando engrandecer a sua parte, e Judite.
Uma primeira crise em 826-829 viria a terminar com o triunfo do princípio das partilhas.

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A segunda crise em 830-831 vê os três irmãos unidos restabelecerem Lotário como imperador associado,
para em seguida, divididos por seu pai, obterem acréscimos consideráveis para os seus reinos respectivos.
Era um segundo triunfo do princípio das partilhas.
A terceira crise, de 832 a 835, não é mais do que uma repetição do mesmo processo. O partido unitário,
exasperado, lança contra Luís o Piedoso os três irmãos a quem o papa apoiava. A batalha iria ter lugar perto
de Colmar, quando todos os nobres abandonaram o imperador. Luís o Piedoso é obrigado a fazer penitência
e a retirar-se para um mosteiro, deixando assim o Império a Lotário. Em Fevereiro de 835, Luís o Piedoso é
solenemente reentronizado imperador pelos bispos. Assim, em consequência da incapacidade dos leigos
para fazer triunfar o programa unitário, o clero torna-se detentor da função imperial.

As partilhas arruinam a unidade do Império


Os últimos anos do desditoso imperador giram em torno de uma obsessão: criar um reino para Carlos o
Calvo. Em 837, dá a este um lote de terras entre o Sena, o Mosa e a Frísia. Em seguida, por ocasião da morte
de Pepino, concede-lhe a Aquitânia (838), o que provoca uma sublevação dos grandes deste território, os
quais proclamam rei um bastardo de Pepino, Pepino II. Enquanto o rescaldo se traduzia no retorno da
Aquitânia à independência, a Baviera fazia outro tanto com Luís, revoltado contra o seu pai.
Consequentemente, vinte anos de crises sucessivas saldam-se no renascimento dos principados regionais.
Luís o Piedoso, desgastado, divide então em dois o Império: o Oeste para Carlos, o Leste para Lotário.
Estava em vias de defrontar uma vez mais Luís da Baviera, quando morre, a 20 de Junho de 840.
O Império encontrava-se então completamente desmantelado. A expansão cessara, a fazenda real vira os
seus bens de raiz consideravelmente diminuídos, a fidelidade dos nobres e dos vassalos rudemente posta à
prova pelas partilhas sucessivas e as reiterações de juramentos a novos reis. A unidade vivida ao nível
intelectual e religioso não pudera concretizar-se politicamente. A política prudente e empírica de Carlos
Magno fora abandonada em proveito de uma política favorável à Igreja, a qual não saía ilesa deste turbilhão.
O Império de Carlos Magno, não obstante, marcara definitivamente a Europa ocidental.

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V
A renovação da civilização pelos Carolíngios

1. A noção de «Estado»

O Estado e o direito
Mal se aborda o tema «Estado» depara-se-nos desde logo duas concepções. Relativamente aos Francos
que dirigem o reino, o poder é exercido em conjunto pela nobreza dos homens livres e pelo rei. Estes dois
elementos formam o Estado, espécie de comunidade de pessoas sem domicilio fixo, que se autopromove
submetendo a si outros povos. Este «Estado» é reforçado pela prestação do juramento de fidelidade e pela
guerra de conquista. Estes juramentos são em geral mal compreendidos pelos súbditos, aos olhos dos quais o
soberano os exigia porque tinha necessidade de ser apoiado, e isso é interpretado como uma confissão de
fraqueza. Em contrapartida, a guerra era necessária pois impedia que a nobreza, ocupada em bater-se, se
arrogasse localmente demasiados poderes. Era, portanto, uma concepção concreta, a deste «Estado» que
apenas resiste pela vitória. Os clérigos tentam então fazer reaparecer a noção romana de Estado com a
expressão, desta vez abstracta, de respublica, «a coisa pública», o bem comum. Renovam esta expressão
juntando-lhe a palavra christiana. A Respublica christiana, sob Luís o Piedoso é constantemente afirmada.
O imperador zela pela Igreja, mantém a paz e a justiça.
A unidade do Estado devia ser completada pela unidade da legislação. Carlos Magno, antes da partida de
cada expedição militar, utiliza a assembleia de todos os homens livres– o chamado plaid geral (reunião bi-
anual dos homens livres por ordem do rei germânico, a fim de serem aí tomadas decisões ou prepara-se a
partida de expedições militares) -, para obter o acordo dos Grandes, leigos e eclesiásticos, para as suas
decisões. Estas eram então proclamadas e postas por escrito, capítulo por capítulo, o que vale o nome de
«capitulares». As capitulares resolveram um número muitíssimo maior de questões de ordem regulamentar
do que legislativa. Com efeito, no interior do Império cada povo conservava a sua lei. A personalidade das
leis persistia, impedindo a unidade do Império.

O governo central e os seus agentes


O palácio começa a fixar-se no domínio de Aix em 794, onde Carlos Magno passa a residir regularmente
a partir de 807. À sua volta, os oficiais-mores ajudam-no no seu cargo com a confusão característica da
época entre tarefas públicas e tarefas privadas. O senescal (o mais velho dos criados) ocupa-se dos criados.
Têm como principal função a gestão dos domínios imperiais. O camareiro-mor, além dos aposentos do rei,
zela pela boa ordem do tesouro e administra-o por intermédio de exactores. O condestável, com os seus dois
ferradores, assegura a remonta dos cavalos, os transportes de reabastecimento do exército, etc. O conde do
palácio substitui o soberano nos processos em recurso que este não pode decidir durante as suas ausências
da corte. Entre escrivães e notários, aparece, no final do reinado de Carlos Magno, um protonotário que
recebe também o nome de «chanceler». Ocupa-se dos arquivos do palácio, recentemente criados, onde se
conservam todos os documentos enviados ao rei e as cópias dos que este expediu.
A ordem intimada do palácio era executada a nível do condado. Há cerca de trezentos condados no
Império, divididos em pagi ou gau por um conde, o pagus (este coincide com o condado na época
merovíngia e torna-se, muitas vezes, uma subdivisão do condado na época carolíngia) por um vigário e o
gau por um centenier (administrador de uma divisão territorial franca). Escolhido pelo rei, o conde pode ser
por este transferido ou exonerado; é remunerado com o usufruto de rendimentos de bens fundiários
imperiais ao qual se dá o nome de honor ou comitatus. Responsável por numerosas funções, este executa as
ordens reais e convoca os homens livres para a expedição anual (a hoste); assegura a presidência do tribunal
régio, o mall público (tribunal régio, presidido pelo conde). O Império está subadministrado. Em alguns
casos, Carlos Magno recorre ao margraviado, agrupando condados que confia a um duque. Situados nas
fronteiras, estes territórios vivem num estado de guerra permanente, tornando-se indispensável a presença de
um chefe dotado de todos os poderes. As «marcas» (zona fronteiriça indecisa, estabelecida contra os pagãos
ou os Sarracenos com excepção da da Bretanha) mais importantes eram as de Espanha, da Bretanha e as que
estavam estabelecidas face aos Dinamarqueses, aos Vendes e aos Ávaros.

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Para impedir que tais agentes, em número tão reduzido, viessem a converter-se em déspotas locais, Carlos
Magno reforça a instituição dos missi dominici. Estes enviados régios, circulando em número de dois ou de
três, na maior parte dos casos um conde e um bispo, aparecem por volta de 779, tendo como tarefa
investigar sobre eventuais abusos, propor sanções, presidir ao tribunal, etc. São eles que asseguram um
mínimo de coesão ao Império. Por último, e ainda animado pelo mesmo desejo de reforçar a solidez do seu
império, Carlos Magno introduz a vassalidade no Estado, ao sistematizar a união do benefício com o vinculo
pessoal. O monarca exorta todos os homens livres a entrarem na obediência de um senhor através da
cerimónia da recomendação. Em troca do serviço militar desse homem recomendado, o senhor é obrigado a
oferecer-lhe o usufruir vitalício de um dos seus próprios bens fundiários. O serviço do vassalo é o móbil do
benefício. Criava-se, deste modo, toda uma hierarquia de subordinações, que atingia o próprio Carlos
Magno, o qual tem ligados a si os vassi dominici (vassalos particulares do rei), a quem concede chasement
(instalar alguém, em regime de domicílio, nas suas terras). Por outro lado, obriga bispos e abades a
entrarem, também eles, no sistema da recomendação. Com esta rede de fidelidades entrecruzando-se e
culminando na sua pessoa, contava o imperador levar o edifício político a assentar no respeito da palavra
dada, na fé jurada sobre os Evangelhos ou sobre relíquias, e, sobretudo, nas obrigações mútuas entre senhor
e vassalo.

Os meios de governação
Teoricamente, todos os homens livres estão obrigados ao serviço militar, a expensas suas. Na prática,
porém, acabam por ser convocados só os vassalos e os homens livres que habitam perto da região onde vai
ter lugar a refrega; os casos de deserção são punidos com a morte. Em geral, a infantaria desempenhava um
fraco papel; frequentemente, é a cavalaria pesada que dita a decisão, graças ao seu equipamento.
Outro meio de acção de Carlos Magno era a sua riqueza fundiária. É com um zelo cioso que ele gere os
seus domínios. Se esbanjava este capital a conceder terras aos seus vassalos, recuperava-as contudo em
seguida, pela morte destes últimos. Mas sob Luís, o Piedoso, o engrandecimento desse capital viria a parar
com o fim das guerras e o imperador faz concessões de terras em regime de plena propriedade, o que
precipita o seu decréscimo. Os outros rendimentos consistiam sobretudo em coimas judiciais, coimas por
recusa de ingresso no exército, impostos indirectos, nomeadamente portagens, o imposto do terrádigo, etc.
Para alcançara paz interna, era necessária uma justiça eficaz. É neste domínio que se revela mais forte a
influência de Carlos Magno. As suas capitulares comportam prescrições numerosas destinadas a melhorar a
justiça do tribunal condal. Cria juizes profissionais, esforça-se por desenvolver a prova por testemunho ou
por averiguação e organiza o recurso ao tribunal do palácio no caso de falsos julgamentos. Todavia, apesar
de todos estes esforços, a crueza das penas e a corrupção dos juizes persistiram.

2. A Igreja

Face ao Estado
A fraqueza desta governação explica o recurso contínuo à Igreja, a única força moral e material expandida
por todo o Império a ponto de confundir-se com este último. O sermão do padre da paróquia pode transmitir
a vontade régia e robustecê-la pela obediência que todo o cristão deve ao rei, até aos pontos mais recuados
do Império. Ela é, portanto, o principal auxiliar do Estado.
Esta confusão do espiritual com o temporal teve como principal resultado ajudar a Igreja a acelerar a sua
reforma, empreendida no século VIII. Duas gerações de grandes bispos representam este duplo
renascimento da Igreja, o primeiro sob Carlos Magno, o segundo sob Luís, o Piedoso. A primeira geração
reorganiza, ao passo que a segunda se esforça para aplicar um programa. De igual modo, no plano
intelectual, a primeira situa-se ao nível da aprendizagem das letras, enquanto a segunda vai elaborar um
pensamento que conduz ao renascimento da Filosofia. É esta que pensa a estrutura social dividindo-a em
três ordens: a ordem dos clérigos, a ordem dos monges e a ordem dos leigos.

Os clérigos
A primeira ordem compreende os bispos, os párocos e os cónegos. A reforma episcopal fica mais ou
menos concluída por volta de 814 com o estabelecimento dos arcebispados. Ao bispo cabem então múltiplas

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tarefas, nomeadamente visitar todos os anos as paróquias rurais e as igrejas privadas pertencentes aos
grandes proprietários que as construíram nos seus domínios, criar escolas de leitores, zelar pelos mosteiros,
pregar e defender a fé, ocupar-se, em suma, do serviço da catedral com os cónegos. As rendas dos bispos
são divididas em duas partes: a mensa episcopal, e a mensa capitular (ou mesa dos cónegos). Esta segunda
mensa é dividida em tantas prebendas (parte da renda da mensa reservada a um cónego para cobrir a sua
alimentação e manutenção) quanto o número de cónegos; a prebenda cobre as necessidades do cónego. Ao
nível dos meios materiais do clero paroquial, o problema da confiscação das terras da Igreja pelo soberano é
solucionado por meio de uma compensação imposta em 779 no âmbito de uma capitular: doravante, toda a
terra, as terras reais incluídas, era devedora do dízimo (décima parte da colheita que verte para o clero no
quadro da paróquia) às igrejas rurais.

Os monges
Carlos Magno alimentava uma certa desconfiança em relação aos mosteiros onde se abrigavam homens
livres, o que contribuía, inevitavelmente, para diminuir o seu potencial militar. A eleição livre do abade
pelos seus monges não agradava ao monarca. Carlos Magno utilizou os monges como missionários,
misturando pregação e terror, instalação da hierarquia, criação de mosteiros e baptismos forçados. Luís, o
Piedoso, teve uma atitude completamente diferente para com os monges, por quem nutria particular
veneração. Este pôs em prática uma reforma geral do mundo monástico. A capitular de 10 de Julho de 817
reafirmava a obrigação da Regra de São Bento de Núrsia em todos os conventos, masculinos e femininos,
num desígnio de conferir ao culto e à oração um primado absoluto. Pouco a pouco, esta reforma acabou por
se consolidar. Os mosteiros tornaram-se centros de múltiplas funções: agrícola, espiritual e intelectual.

A cultura
Se os mosteiros, através das suas duas escolas, interna e externa, a sua biblioteca e o seu scriptorium
estiveram na base do Renascimento carolíngio, não foram, contudo, os seus iniciadores. A obra de Carlos
Magno foi, neste aspecto, capital. É ele quem ordena que, em cada bispado, em cada mosteiro, se administre
o ensino dos salmos, das notas, do canto, do cálculo, da gramática, e que se tenham livros cuidadosamente
corrigidos. Era necessário, em primeiro lugar e uma vez feita a reforma eclesial, passar à reforma da litúrgia.
O aperfeiçoamento dos manuscritos traduziu-se noutros tantos progressos. Alguns escribas introduziram
em 770 uma letra minúscula redonda que hoje designamos por «minúscula carolina». Graças a esta
caligrafia mais clara e mais nítida, é possível recopiar-se inúmeros manuscritos. Com o incremento do
número de escolas, cresceu a necessidade de bíblias em abundância. Os autores pagãos não são deixados de
lado. As bibliotecas monásticas do Ocidente recheiam-se na época de textos latinos clássicos.
Nascimento das línguas europeias. O mais espantoso é que esta descoberta do latim clássico se opera
justamente quando as pessoas cessavam de falar essa língua. O Concílio de Tours em 813 ordenou que todos
os padres passassem de futuro a pregar em língua romana rústica ou germânica. O antigo francês ou o alto-
alemão estão largamente difundidos nesta época. O catalão começa a diferenciar-se do futuro castelhano.
Assim, as línguas europeias aparecem nitidamente constituídas no momento em que o latim ganha o seu
impulso como língua morta universal. Epopeias (poema composto em torno de um acontecimento militar,
aprendido de cor, transmitido por via oral, amplificado pela imaginação criadora dos contadores ao longo
dessa mesma transmissão) em língua românica eram transmitidas oralmente de geração em geração, como a
célebre Chanson de Roland.
A primeira geração de letrados. Em conclusão, os clérigos têm praticamente o monopólio da cultura
letrada e erudita. Os grandes escritores carolíngios que formam a melhor pena da época, pertencem quase
todos à Igreja.

A arte carolíngia
Este renascimento viria a traduzir-se igualmente no plano arquitectónico e pictórico. O culto das relíquias,
a adopção de uma nova liturgia exigiam novos tipos de igrejas ou de mosteiros. O mais belo edifício, e de
longe o mais complexo é a Capela de Aix, lembrando, pela sua planta e o seu simbolismo, os palácios
bizantinos, o Santo Sepulcro de Jerusalém e o baptistério de São João de Latrão em Roma. Esta arte
carolíngia que se pretende antiga faz alternar os mármores matizados, a pedra talhada em cubo com o tijolo
alongado. O interior das igrejas era sumptuosamente ornamentado com mosaicos de fundo dourado, ou com
frescos cobrindo as paredes de alto a baixo. A escultura reaparece, em relevo atenuado, nos cancelos. O
trabalho do marfim e dos metais preciosos permite a criação de cálices, relicários e molduras dotada de uma

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sumptuosidade destinada a criar uma impressão de pujança fora do comum. As miniaturas dos manuscritos,
onde convergem influências bizantinas, irlandesas ou antigas, revelam temperamentos artísticos novos.

3. Os leigos

A aristocracia
Face ao poderio da Igreja, a terceira ordem, a dos leigos, está em nítida posição de inferioridade. É a partir
da época carolíngia que a identificação entre leigo e iletrado se instala. Através das suas alianças com a
família real ou com as nobrezas locais, as famílias nobres implantam-se rapidamente um pouco por todo o
lado. Para condes, Carlos Magno escolhia quase exclusivamente Francos da Austrásia, Hispano-Visigodos,
Lombardos ou Bávaros, a fim de moderar a tendência desta aristocracia a implantar-se nas regiões
administradas.

União da vassalidade e do «benefício»


Carlos Magno encorajou esta evolução para uma sociedade vassálica englobando todos os homens livres,
através da cerimónia da recomendação, a qual era igualmente praticada ao nível dos simples vassalos. Após
o ritual da postura das mãos nas do senhor e prestado o juramento de recomendação, seguia-se a investidura
do «benefício», com a ajuda de um símbolo que era suposto representar a fruição da terra concedida. Assim,
por meio de uma cadeia de juramentos, formava-se como que uma pirâmide desde o rei as vassalos
ordinários, passando pelos vassalos régios. O imperador esperava por este meio reforçar o Estado, mas o
certo é que o seu filho Luís, o Piedoso, deixou desenvolver-se o poderio da aristocracia.
Estas instituições vassálicas propagam-se sobretudo em país germânico. Nas regiões meridionais da
França e na Lombardia, apesar do encorajamento que merecem da parte dos reis carolíngios, elas
permanecem embrionárias. Existe tão somente o juramento de fidelidade, mas sem nunca se lhe ligar o
benefício, ressalvado o caso dos agentes régios francos. O mesmo se aplica às outras categorias sociais
laicas, as do mundo rural onde escravos, colonos e homens livres entram, pouco a pouco, no quadro do
senhorio rural.

Escravo e servo
A maior parte da população está ligada, nesta época, ao trabalho nos campos, nas grandes propriedades
fundiárias aristocráticas que eram as villae. O escravo do tipo antigo passa a pertencer ao pessoal da casa
para os serviços domésticos. Alojado algumas vezes num mansus que ele próprio cultiva,
imperceptivelmente a sua condição económica difere cada vez mais da sua condição jurídica. O tráfico de
escravos, depois de ter conhecido uma recrudescência importante sob o reinado de Carlos Magno, diminui
com a cessação das guerras. Como doravante é proibido reduzir um cristão à escravatura, a única alternativa
é uma verdadeira caça ao homem entre os Eslavos pagãos. Uma vez que a Igreja reconhece a validade do
casamento dos escravos, ordena padres os escravos libertos e encoraja a liberdade em geral, a personalidade
jurídica do escravo emerge. Os colonos, incapazes de responder às convocações no mall condal ou
impedidos pelo seu patrão, caem na sujeição do seu poder de coacção. A sua condição jurídica deterioriza-se
até uma semi-liberdade análoga à dos escravos. Nesta confusão de estatutos, a passagem da escravatura e do
colonato a um novo estado chamado «servidão» faz-se de um modo imperceptível, sem grande abalo social.
O servo que se esboça no século IX, um dependente total do senhor, é um não-livre. Daqui para diante, para
distinguir o camponês livre do servo, apenas existe um único critério: o nascimento.

O grande domínio
O sistema agrário assenta no grande «domínio» que parece ter sido criado em toda a sua exemplaridade
entre o Sena e o Reno, como o comprovam os polípticos (registo de direitos e de rendas escrito
primeiramente sobre tabuinhas ligadas umas às outras, e depois sobre um conjunto de folhas de papiro) no
início do século IX. No centro, encontra-se doravante a «reserva» (terra indominicata), conjunto de terras
aráveis, vinhas e pastos, com um centro de exploração chamado curtis ou paço dominial – casas de
habitação do proprietário, anexos de exploração, o moinho, a prensa, as destilarias, etc. Toda esta área
estava sob exploração directa. Pelos rendeiros (tenanciers) das terras situadas na segunda parte do domínio:

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os manses (Teoricamente, o mansus é suposto alimentar uma família de camponeses. A sua área é calculada
em função disso; pode ser lavrado com um arado e uma junta de dois ou quatro bois. Aquela superfície varia
grandemente consoante as regiões e segundo o estatuto, servil ou livre. De qualquer modo, todas estas
unidades de cultivo pertencem ao proprietário e constituem uma unidade fiscal). Além do trabalho que
fazem nas suas tenures (concessões) os rendeiros devem portanto ajudar na cultura da reserva. É uma
maneira de pagarem a renda do seu mansus ao proprietário. São obrigados a determinado número de dias de
trabalho na reserva, de forma a efectuarem ali as grandes operações agrícolas: arar, semear, ceifar, vindimar,
malhar o centeio ou a cevada, e assim por diante. Acrescentemos por último, como outras modalidades de
prestações, as rendas em géneros ou, mais raramente, em dinheiro. De qualquer maneira a floresta natural e
os espaços incultos eram comuns às varas de porcos do proprietário e do rendeiro. A madeira, o mel, a carne
do javali, os frutos e as bagas silvestres constituem sempre um complemento indispensável para os legumes
da horta e para o pão.
Este modo de produção agrária foi rentável. As alfaias são insuficientes, o ferro escasseia, a ausência do
estrume ou do adubo é total, excepto para as hortas, a rotação trienal das culturas está pouco difundida. Os
grandes domínios não são mais do que ilhotas de cultura, superpovoados por vezes, no meio de espaços
vazios. Quanto aos outros tipos de exploração, a sua característica principal é a separação entre a reserva e
as tenures.

As trocas
Nem mesmo o grande domínio clássico tinha capacidade para se bastar a si próprio; havia sempre
necessidade de comprar, ou fosse o ferro para os diversos utensílios, ou o sal para a conservação da carne,
ou o vinho nas regiões não vinícolas. Mas, para tanto, era necessária uma moeda de fraco poder de compra e
acessível a todos. Foi esta a razão que levou Carlos Magno a adoptar definitivamente a prata como medida
monetária. O sistema comporta duas moedas de conta, a libra e o soldo, utilizados nas transacções. O
imperador soube, simultaneamente, suprimir as cunhagens privadas, manter em oficinas existentes em
número fixo o monopólio régio. Tratava-se afinal de orientar a economia para o espaço nórdico e estimular
as trocas locais.
A estas modestas trocas regionais, justapunham-se as trocas internacionais. Os grandes mercadores judeus
continuavam a importar os artigos orientais, estofos de seda, especiarias, e a vender, no exterior do Império,
escravos e madeiras. Os mercadores de abadias importam o sal das salinas ou os vinhos dos vinhedos mais
próximos. Os Francos vendem aos Eslavos e aos Normandos armas, couraças e o gado em troca de peles e
de escravos. As novas correntes económicas manifestam-se pelo aparecimento de novos portos,
nomeadamente Veneza, que se transforma num centro importante de comércio local e internacional no qual
se inserem a madeira, os escravos, as especiarias de Alexandria, as sedas de Constantinopla, o peixe e o sal
do Adriático.
A nível regional, as trocas têm uma influência mínima sobre a evolução urbana, a não ser nas regiões
nórdicas onde o comércio fluvial está na origem do aparecimento do portus. Noutros locais, o carácter
religioso da cidade permanece dominante. Os arrabaldes vão-se desenvolvendo à volta das velhas
fortificações. As bases da Idade Média são lançadas pelos carolíngios a nível da realeza, da vassalidade, da
Igreja, da cultura intelectual e artística, da servidão, da moeda; mas, no conjunto, isto não é mais do que um
esboço da Europa. Este projecto viria a ser abalado pelos herdeiros de Carlos Magno.

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VI
O fracasso da unidade carolíngia (840-888)

1. A partilha de Verdun e o desaparecimento do Império (843)

O Juramento de Estrasburgo e a partilha de Verdun


Logo que o pai morreu, Carlos o Calvo e Luís o Germânico concluem uma aliança contra o irmão mais
velho, Lotário, que quer reunir toda a herança imperial sob a sua direcção sem lhes reconhecer reinos
autónomos. Os dois esmagam-no a 25 de Junho de 841, selando em seguida com todos os seus vassalos a
promessa de uma ajuda mútua total contra o irmão. Trocaram os seus juramentos em Estrasburgo, a 14 de
Fevereiro de 842. Por fim, os três irmãos, após um ano de laboriosas conversações, chegam a um acordo
sobre uma partilha do Império que é ratificado em Verdun em Agosto de 843. Três princípios regeram as
partilhas: igualdade das três partes, unidade de cada uma destas e integridade dos três principados ou reinos
da Baviera, Itália e Aquitania. Os países a leste do Reino foram atribuídos a Luís o Germânico, os situados a
ocidente do Sena a Carlos o Calvo, passando a chamar-se respectivamente Francie Orientale e Francie
Occidentale. No centro, da Frísia à Provença, e até Espoleto, uma longa faixa de territórios, com as duas
capitais Aix e Roma, era atribuída ao irmão mais velho Lotário, que usava o título imperial.

O desaparecimento do Império
Os três irmãos tentam viver em boa harmonia: é o regime dito «de fraternidade» que durou mais ou menos
até à morte do Lotário em 855. Mas, assim que o imperador morre, deixando o seu território repartido pelos
seus três filhos (Luís II, Carlos e Lotário II), o título sofre uma nova degradação. Tios e sobrinhos não
tardam a engalfinhar-se. Como Lotário II morre sem descendência, a partilha do seu reino entre os reis da
França Oriental e da França Ocidental esteve na origem de uma rivalidade que perdurou até às proximidades
do Ano Mil. Carlos, o Calvo, depois de ter adquirido uma boa parte da Lotaríngia e aumentando o seu
quinhão na Provença, aparece como o único homem forte do Ocidente. Carlos poderá restabelecer a unidade
imperial. Apoiado pelo papado, o filho de Luís o Piedoso é proclamado imperador. Na verdade, a sua
política imperial, entre 875 e 877, não é mais do que uma longa série de desaires face aos filhos de Luís o
Germânico e às revoltas italianas. O trono imperial permanece vago de 877 a 881, enquanto, dos três filhos
de Luís o Germânico, apenas Carlos o Gordo conseguira reunificar a França oriental e estabelecer uma nova
harmonia entre os reis carolíngios. Por isso mesmo, a pedido do papa, é coroado imperador. Dividido entre
os apelos das populações assoladas pelos invasores escandinavos ou muçulmanos e as revoltas dos Grandes,
Carlos o Gordo morre em 888 no meio da anarquia geral.
Esta queda do Império faz-se acompanhar, a nível da ideia política, de tonalidades cada vez mais clericais.
De forma imperceptível, a concepção laica de Carlos Magno vinha desaparecendo. Já no caso de Lotário sob
a influência dos clérigos, ele fora coroado imperador em Roma, no ano 823. Depois de 843, sagração e
coroação estão cada vez mais ligadas a Itália e ao papa. O papado acabaria por fazer triunfar a sua
construção de um Império romano e não franco. Os pontífices asseguram a unidade moral da Cristandade,
inspiram e controlam os monarcas, definem o que é o Império Romano por oposição ao Império do Oriente.
A Antiguidade está bem morta e enterrada. A prova disso é que o papa João VIII não hesita em adoptar o
título que fora atribuído a Carlos Magno: «Reitor da Europa». O fracasso dos Carolíngios faz escapar para
as mãos da Igreja a sua herança. E essa herança vai frutificar.

Prestígio da cultura carolíngia


Vai frutificar porque o declínio do Império carolíngio não se repercutiu a nível intelectual e artístico. Bem
pelo contrário, o apogeu do renascimento carolíngio situa-se nesta época. A Teologia renasce das suas
cinzas. Um irlandês, João Escoto cria a Filosofia cristã. O pensamento político ganha uma precisão
consideravelmente maior com a obra de Hincmar, arcebispo de Reims de 845 a 882, através das suas cartas
e do seu De ordine Palatti. Hincmar é um dos que mais insistiram no respeito devido ao rei, primeiro do que
ao próprio Império. Fez de Reims um centro intelectual e histórico, um alto lugar da realeza francesa.
Nos mosteiro mais recentes do Leste numerosos manuscritos antigos são recopiados. Se ali ainda não se
manifestara plenamente o desenvolvimento intelectual, no domínio da arquitectura e da ourivesaria este está

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bem patente nas abadias de Corvey e de Saint-Gall, cuja planta celebérrima é a primeira tentativa conhecida
de uma organização do espaço na Idade Média. As pastas de encadernação do Evangeliário de S. Gauzlin de
Metz testemunham a que ponto o sentido da riqueza e a habilidade técnica se combinam nos ourives desta
época. A palma cabe, porém, às esculturas de placas de marfim dos mosteiros germânicos.

2. As invasões escandinavas e sarracenas

Fracassada a unidade, o elemento seguinte da crise reside na segunda vaga de invasões que se abate sobre
a Europa, a partir de 840. As causas dos ataques dos escandinavos são o desejo de pilhar um império tão
rico, tão desunido e tão desarmado. Os mosteiros, em particular, com os seus tesouros e os seus vasos
sagrados, atraem-nos sobremaneira.

Os Vikings
O reino de Carlos o Calvo é tanto mais visado quanto se tratava do mais atraente. Podíamos enumerar
todo um rosário das cidades e mosteiros que foram tomados e saqueados. Sistematicamente, os
Dinamarqueses subiam os rios até ao limite da navegabilidade, furtavam cavalos e surpreendiam os monges
confiantes nas suas terras altas. A partir de 850, instalaram-se na embocadura dos rios. Doravante podiam
invernar perto do continente e coordenar os seus ataques. Finalmente, após cada sucesso, passam a exigir o
pagamento de um tributo que as populações deviam satisfazer para que os seus homens se retirassem. A
partir de 860, Carlos o Calvo tenta reagir, as populações locais esforçam-se por resistir.
Apesar disso, os Vikings não cessavam de empreender as suas pilhagens noutras costas. As da Espanha
cristã ou muçulmana vêem-nos subir o curso dos rios. Só o reino da França Oriental teria, aparentemente,
escapado às suas investidas. Em contrapartida, no Mar do Norte, a acção dos Noruegueses e dos
Dinamarqueses ia saldar-se, pela primeira vez, numa colonização e ocupação de territórios. É então que se
revela o maior homem de Estado anglo-saxónico da época, Alfredo (871-899), rei do Wessex. Pelas suas
vitórias, e principalmente pela tomada de Londres, este consegue bloquear o avanço dinamarquês, deixando
aos invasores, mediante um tratado de paz, um território que compreendia mais de um terço da ilha.

Os Sarracenos
O mesmo fenómeno ocorria no Mediterrâneo. O advento na Tunísia de um novo emirato robusteceu a
pirataria muçulmana. A partir de 827, os Sarracenos lançam-se ao ataque da Sicília bizantina que
conquistam cidade após cidade. Daqui para a frente, não lhes foi nada difícil instalarem bases na península.
Estas bases permitem-lhes partir impunemente à pilhagem dos mosteiros e das cidades do interior e
lançarem-se com a maior das tranquilidades na caça ao escravo. Face aos Sarracenos, o futuro apresentava-
se ainda mais sombrio em finais do século X do que diante dos Vikings, dado que ninguém os pudera deter
verdadeiramente e que o espaço mediterrânico ocidental ia ficando gradualmente votado à insegurança e à
asfixia económica.

3. A derrocada dos reinos

As revoltas regionais
Por que teriam reagido tão pouco os reinos europeus? Pela simples razão de que os próprios reis viam o
seu poder contestado por uma aristocracia que, com as partilhas e as guerras civis, ganhara o hábito de
passar de um soberano a outro sem a mínima dificuldade. Carlos o Calvo passou longos anos a tentar
reprimir as revoltas de funcionários francos instalados no reino. Na Lotaríngia, produzem-se as mesmas
intrigas aristocráticas e análogas sublevações. Na França Oriental, os filhos de Luís o Germânico fazem uma
aliança contra o pai. Por ocasião da morte de Carlos o Gordo, todo o Ocidente carolíngio não era mais do
que revoltas e sublevações.

A Igreja em socorro da realeza

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Face a semelhante anarquia, a Igreja tenta intervir reforçando a ideia real. Os bispos insistem na tese de
que só a unção, e não a eleição dos Grandes, fazia o rei. Toda a revolta contra o rei aparece como um
sacrilégio. Aquando da sagração de Carlos o Calvo, em 869, como rei da Lorena, afirma-se que a unção era
o sinal certo de que Deus o escolhera.

O assédio da vassalidade à realeza


Este reforço da ideologia real não impede o retraimento da soberania diante dos ataques da grande
aristocracia. Na assembleia de Coulaines (843) o monarca tem de prometer à Igreja que não a despojará dos
seus bens, e aos Grandes que não lhes retirará os seus cargos (honores). Se não aplicasse tais decisões, os
súbditos podiam considerar-se desobrigados dos seus juramentos de fidelidade. O poder real estava então
limitado, de um lado pela lei divina, do outro pelo julgamento dos Grandes. Também o sistema vassálico
posto em prática por Carlos Magno se vira contra a realeza. No final do século IX, o rei quase não possui
terras fiscais. Carlos, o Calvo, distribui quatro vezes mais terras aos seus fiéis dentro dos seus reinos do que
Carlos Magno em todo o seu império. Os vassalos que já nada têm a esperar dele em troca da sua fidelidade
abandonam-no. O rei pode todavia recuperar os seus bens fiscais e os seus benefícios por morte do detentor,
mas em breve essa possibilidade desaparece. A linhagem do defunto interpõe-se, procurando convencer o rei
ou o poderoso de que é oportuno dar os benefícios ao herdeiro. De forma imperceptível, a hereditariedade
instala-se e faz recuar o vínculo pessoal diante do vinculo material. O benefício torna-se o móbil das
obrigações vassálicas. Escapa-se progressivamente das mãos do proprietário para as do detentor. O poder
leva o mesmo caminho. Após ter passado do Império para a Realeza, declina do rei para os poderosos locais.

Nascimento dos poderes locais


É prova disso o facto de estes pequenos potentados, pelos seus próprios interesses mas também
preocupados em defender a sua região contra os Vikings ou os Sarracenos, construírem castelos, a despeito
da interdição régia. Apoiada nos seus castelos, a aristocracia reforça o senhorio rural. Os condes
açambarcam o direito de banum sobres os homens livres. Como a estrutura dos grandes domínios afrouxa
devido às partilhas e heranças entre rendeiros, os estatutos dos camponeses uniformizam-se em torno da
condição servil.

4. O bloqueio da vida económica

Enquanto a condição camponesa se debilita, o mundo urbano conhece idêntico destino. Diante dos
Escandinavos e dos Sarracenos, as cidades fortificam-se ou deslocam-se para planaltos ou rochedos
inexpugnáveis. O surto urbano é bloqueado e o aspecto militar das cidades reforçado.
As trocas comerciais são afectadas pelos acontecimentos na mesma proporção. A circulação monetária
restringiu-se aos quadros regionais. Os locais de cunhagem multiplicaram-se, uma vez que as trocas se
faziam a curta distância e era necessário que a pequena moeda de base pudesse ser facilmente fornecida aos
seus utilizadores. As invasões têm como consequência o desaparecimento, de momento, do ouro e da prata,
e mesmo do vinho, que os homens do Norte procuram obter com avidez. O comércio no Mar do Norte não
se reduz unicamente aos escravos obtidos das razias: ainda ali circulam o peixe e o sal. No Mediterrâneo, o
comércio dos escravos mantém-se em direcção aos países muçulmanos, e o dos artigos de luxo da
Alexandria ou de Constantinopla é canalizado para Veneza e a Itália do Sul. Os Judeus têm uma rede
comercial que se estende da Espanha e da França até à China. No entanto, o grande comércio sobrevive
sobretudo em Veneza. A partir de 883, esta cunha a sua própria moeda e desenvolve com crescente
intensidade o seu comércio internacional de tráfico de mercadorias na direcção do interior da Europa. No
total, a segunda metade do século IX constitui um grande momento da História europeia. A unidade
aparenta ser impossível, a ordem só se revela praticável a nível local, mas o ideal cultural e religioso dos
Carolíngios permanece intacto.

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VII
As últimas invasões, a eclosão feudal e o novo Império (888-1002)

1. Escandinavos, Sarracenos e Húngaros

A sedentarização dos homens do Norte


A partir dos primórdios do século, os Dinamarqueses pretendem instalar-se no Ocidente. Em 911, um
exército comandado por Rollon é de tal modo ameaçador que o rei da França Ocidental, Carlos, o Simples
prefere fazer-lhe a concessão de terras situadas de um e outro lado do Sena. Rapidamente convertidos e
instalados, os Normandos não tardam a ocupar outros locais no início do século XI. Um ducado onde o
duque é particularmente poderoso acaba assim por ser criado num curto espaço de tempo. O dinamismo da
Normandia é surpreendente. Desde 1016, vemos os Normandos venderem os seus serviços aos príncipes
lombardos da Itália do Sul, ao ponto de um deles obter o principado de Aversa. Esta seria a origem do reino
normando da Itália do Sul e da Sicilia.
Nos países célticos e anglo-saxónicos, a sua instalação foi diferente. Na Bretanha, experimentam o
fracasso e são rechaçados depois de 937. Na Inglaterra, o Danelaw onde se haviam instalado os
Dnamarqueses jamais viria a conhecer uma estabilidade comparável à da Normandia. Lentamente,
aproveitando-se da anarquia, os reis anglo-saxónicos submetem-no. No entanto, a partir de 1002, os reis
dinamarqueses apoderam-se de toda a ilha.

Sarracenos e Húngaros
No Mediterrâneo, só muito lentamente os Sarracenos são desalojados. As invasões mais perigosas do
século X foram sem dúvida as dos Húngaros. Estes cavaleiros nómadas instalaram-se no país dos Ávaros.
Desde 862, as suas primeiras investidas tinham visado sobretudo os países germânicos, a partir de 899, as
suas devastações são constantes. Pilham os mosteiros, arrasam e despovoam os campos, evitando sempre as
cidades fortificadas. Numa verdadeira empresa da «terra queimada», quando já nada resta para arrebatar,
retiram-se. Em 955, são dizimados pelo rei da Germânia. A partir daí, fixam-se no vale do Danúbio Central
e estabilizam definitivamente.

As reconstruções
As consequências destas invasões, a nível da Europa, foram importantes. Uma vez desvanecido o medo e
reparados os destroços, percebe-se que elas tinham reforçado os Estados periféricos e confirmado as
fragmentações regionais no domínio carolíngio.
Na Inglaterra, o contributo nórdico é particularmente evidente na Normandia e na Inglaterra, a nível do
direito e das técnicas náuticas. Os reis anglo-saxónicos a partir de Alfredo (871-899) encarnaram a ideia da
unidade inglesa. Ao criar uma armada, uma frota e um código de direito comum a todos os Saxões do Oeste,
o rei concretizou a unidade nacional, da mesma forma que o fazia ao traduzir para o anglo-saxão as
Escrituras. Este renascimento anglo-saxónico explica a fraca influência dos conquistadores escandinavos.
Em Espanha, o reino cristão lutou especialmente contra os Muçulmanos. Afonso III (866-911) ganha
terreno até às margens do Douro. Fortifica Burgos e cobre a região de castelos, ao ponto de esta adquirir o
nome de Castela. A Leste, em 905, Navarra edifica-se como reino e nos altos vales pirenaicos começa a
despertar Aragão. Por último, a Marca franca de Espanha vai-se separando lentamente do reino dos Francos.
Por volta do Ano Mil, os Muçulmanos teriam provavelmente efectuado incursões em Barcelona e Santiago
de Compostela, mas os príncipes cristãos eram assaz poderosos. A partir de 906, são em número avultado os
peregrinos franceses que se dirigem a Santiago de Compostela. Pelos seus laços religiosos com a Ordem
monástica de Cluny, e as suas ligações dinásticas com os nobres franceses, estes príncipes espanhóis
tornam-se permeáveis às novas correntes europeias.
Na Itália. O extremo meridional da península italiana encontra-se ainda mais dividido. O imperador do
Oriente continua a ser o dono da Calábria. Os grandes portos regressam à órbita bizantina. A influência
bizantina é predominante, em particular no domínio da arquitectura e da iluminura, graças aos grandes

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mosteiros. O mundo dos negócios floresce alimentando-o o comércio com Constantinopla. Mas é sobretudo
em Veneza que mais partido retira dos seus laços com o Império. O Adriático tornava-se assim um lago
veneziano. Veneza, traço de união entre o Ocidente e o Oriente, está apta a lançar-se no seu surto de
desenvolvimento.
Nas orlas da Europa. Deste modo, as orlas da Europa ocidental passam, pouco a pouco, da defensiva à
ofensiva. Além disso, com o aparecimento de novos Estados, elas vão-se dilatando. Sob a influência das
missões cristãs, reis convertidos organizam conjuntos políticos que escapam à influência germânica. É o
caso da Dinamarca e da Noruega.

2. Os principados territoriais

Desaparecimento do Império
Nos reinos, triunfa a eleição pelos Grandes. A verdadeira unidade política, encontramo-la, no século X, no
principado territorial, algo a que se chama «território no qual o rei só já intervém por intermédio do
príncipe». Este príncipe é um antigo administrador carolíngio; possui as suas terras pessoais e os seus
benefícios régios numa região; costuma exercer aí, em seu proveito e no das populações locais, os direitos
realengos. Aceita prestar o juramento de fidelidade ao rei, mas ignora a soberania real. Este grande
proprietário atrai a si todos ao nobres vizinhos doando-lhes terras em troca do seu juramento de
recomendação.

Nascimento dos principados


Na França, os antigos principados do século VIII reaparecem. O mais antigo, a Aquitânia, é o primeiro a
renascer. Após numerosas rebeliões e depois do desaparecimento do título de reinado em 877, irrompe em
duas parcelas. Guilherme, o Piedoso, proclama-se duque das Aquitânias em 909. Mas os seus descendentes
deixam que lhes sejam arrebatados territórios e títulos por parte do conde de Poitou. Poitou e a Aquitânia
vivem em permanente rivalidade durante todo o século X. Na Bretanha, independente, durante todo o século
iria ver-se os condes locais disputando entre si o título de duque. No Norte, um conde da Flandres, Balduíno,
aproveita as invasões escandinavas para criar o seu principado.

A castelania contra o principado


Todos estes principados territoriais são reconhecidos em França pelo rei: são de direito público, visto
deles emanar o próprio rei. Nem por isso a sua estabilidade é menos precária; vêmo-los em finais do século
X, praticamente esvaziados de qualquer conteúdo político. Se o príncipe desapossou o rei, os condes e os
castelões por sua vez, desapossaram o príncipe. O poderio pertence àquele que tiver terras e camponeses que
protege com um castelo. Os donos desses castelos são antigos guardiões, nomeados pelo visconde ou pelo
conde. Detentores do poder público, acabam por açambarcá-lo e libertar-se da tutela do poder central. Deste
modo, por volta do ano Mil, o reino tornou-se uma manta de retalhos de poderes locais sobrepondo-se com a
realidade do exercício do poder situada ao nível da aldeia e do castelo.

Principados italianos e germânicos


Na Itália e nos países germânicos, a fragmentação em principados territoriais opera-se de igual modo, mas
segundo modalidades específicas a estas regiões. A planície lombarda desmembra-se em principados laicos
ou eclesiásticos. Os bispos apoderam-se da sua urbe e dirigem-na com total independência. Cobram os
direitos régios e constróem castelos. Na Germânia, o desmembramento é menos generalizado, produzindo-
se em função dos antigos particularismos regionais e étnicos. Vai dar origem aos Stämme, unidos pela
mesma lei, agora territorial, e a mesma organização militar. Na base destes parece estar um factor militar,
em consequência da necessidade de organizar a defesa contra os Húngaros. Os chefes regionais reedificam o
título ducal. A Europa carolíngia parece estar votada ao desmembramento, numa altura em que desaparecia
também a velha dinastia.

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3. O poderio do Sacro Império

Da realeza saxónica ao Império


De todos os principados germânicos, o mais próximo ainda das suas origens bárbaras era a Saxónia. Em
918, o seu príncipe Henrique é eleito rei da Germânia pelos Grandes e realça o prestígio do reino ao repelir
os eslavos e os Hungaros. O seu filho Otão sucede-lhe em 936 e revela desde logo que tenciona restaurar a
herança do grande imperador. Por altura da sua ascensão, faz-se coroar e sagrar rei em Aix. Face aos duques
revoltosos, esmaga-os um a um e nomeia para a chefia dos ducados membros da sua família. Depois de ter
bloqueado o processo de desmembramento do reino dominando a aristocracia laica, apoia-se
sistematicamente nos bispos dos quais faz seus agentes. Estes condes-bispos asseguram a cobrança dos
direitos régios através do privilégio da imunidade, contribuem com o seu contigente militar junto do rei a
pedido deste; pela sua morte, o seu domínio episcopal torna para as mãos do rei, uma vez que,
juridicamente, não podem ter sucessor por hereditariedade. Otão retoma o programa de expansão dos
Germanos em detrimento dos Eslavos inaugurado por Carlos Magno e Luís o Piedoso. Faz o duque da
Boémia admitir a sua supremacia e obriga-o a tornar-se seu vassalo. Por fim, a sua retumbante vitória sobre
os Húngaros em 955 vale-lhe a condição de salvador do Ocidente. Doravante, ele passa a ser Otão, o
Grande, aquele que desencadeou a expansão germânica para Leste.

O Império romano otoniano


A marcha para o Império estava traçada. Aproveitando-se da anarquia italiana, em 951, Otão apodera-se
da coroa da Itália e desposa a derradeira rainha legítima do reino, Adelaide. Em 961, a pedido do papa que
tenta libertar-se dos senhores romanos, entra em Roma e faz-se coroar imperador a 2 de Fevereiro de 962.
Em pouco tempo mostrava claramente que era ele quem mandava, ao promulgar um edicto, que coloca sob
o seu controlo as eleições pontificais: doravante, nenhum papa poderá ser consagrado sem antes ter prestado
juramento ao imperador. Quando morre, em 973, é o soberano mais poderoso da Europa, mas não recriou o
Império franco de Carlos Magno. Fundou unicamente um Império romano-germânico.
Otão II (973-983) quer concluir a construção imperial consumando a conquista da Itália. Para tanto, teria
primeiro que reprimir as rebeliões de príncipes germânicos e repelir o rei da França. Quando vem a Itália,
morre pouco depois vítima de malária. Otão III (983-1002) desejava um Império que fosse uma sociedade
de reis, uma federação de reinos. Quando morre, a imagem de uma Roma eterna que fizera o seu ideal
revelava-se uma miragem.

A chegada dos Capetos ao poder


Na viragem do ano Mil nada parecia competir com a supremacia do Império Romano-Germânico. À
cabeça do reino da França Ocidental encontrava-se agora unicamente um pequeno senhor, Hugo Capeto,
filho de Hugo, o Grande, e neto de Roberto. O reinado de Eudes (888-898) fora uma catástrofe e deixara o
lugar ao herdeiro carolíngio legítimo, Carlos o Simples. Apesar da sua conquista da Lorena, este último vira
os nobres oporem-se a este acréscimo de poder, encarcerarem-no em 922, elegerem Roberto, o irmão de
Eudes. O filho de Roberto, Hugo o Grande tomado de prudência perante tais desaires, faz eleger um
carolíngio, Luís IV. Vencido no termo do seu reinado, resta-lhe deixar o filho de Luís IV, Lotário, subir ao
trono. O filho de Hugo o Grande, cognominado Capeto aguardava ansiosamente o momento em que Lotário
fechasse os olhos. Duque dos Francos, teoricamente duque da Aquitânia e da Borgonha, ele é bastante mais
poderoso do que Lotário. Após o curto reinado de Luís V, Hugo Capeto é eleito com a unanimidade dos
Grandes e sagra-se rei em 987. Hugo Capeto, por mais que tenha feito para eliminar o herdeiro carolíngio
legítimo metendo-o na prisão, não passava de um ambicioso, possuidor de algumas terras esparsas
submetidas à influência do Império. Deste modo, no início do século XI não existe verdadeiramente
equilíbrio político na Europa cristã. A renovação principiou. Os Bárbaros foram integrados em reinos
cristãos que viram os olhos para Roma.

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VIII
Lentas renovações do século X

1. Destruições e reconstruções

O despertar dos campos


Vikings e Muçulmanos tinham feito regredir, pelas suas destruições, a vida rural e a produção agrícola.
Porém, depressa se repararam os danos. Surgem alguns progressos técnicos, com um emprego mais corrente
do ferro, nomeadamente a ferradura, que se propaga a partir do início do século, e a charrua de relhas,
permitindo desterroar solos mais rijos. Desenvolve-se simultaneamente um novo processo de atrelagem com
a coelheira para os cavalos, enquanto o moinho hidráulico se torna gradualmente mais raro.
O sistema carolíngio do grande domínio tende a desaparecer. A reserva é cedida, pedaço a pedaço, a
camponeses, devido às partilhas sucessórias. Isto torna-a gradualmente mais reduzida. A exploração directa
com a ajuda de corveias começa a sofrer a concorrência do salariado. Os dependentes vêem o seu destino
reger-se, não pelo sistema agrário, mas segundo o poderio e a vontade do senhor. O novo sistema, chamado
de senhorio rural, está inteiramente virado para o proprietário, seja ele um grande possuidor de alódios
disseminados pelo território ou um grande vassalo fruindo de vários «benefícios». É ele que pode fixar os
valores dos tributos, o número de dias de corveias, quem cobra as taxas aos homens, quem recebe a renda da
locação das terras, etc. Em geral, a sua dominação recai sobre os «não-livres»; os servos, depois que
desapareceu a escravatura, constituem, em certas regiões, a grande fatia da população. Noutras dominam os
indivíduos livres. O senhor apoia-se em muitos casos nos servos domésticos, a quem confia tarefas de
administração. Finalmente, o senhor julga os seus camponeses nos tribunais que instalou nas suas terras e,
pelo seu direito de banum como pelo castelo que construiu, pode protegê-los e dominá-los. Tal é o novo
quadro de base do mundo rural: a castelania.

As cidades animam-se
Também o mundo urbano renasce lentamente. Pavia, parcialmente destruída pelos Húngaros em 924 é,
passados cinquenta anos, um centro comercial. As cidades europeias encerradas nas suas muralhas não as
teriam extravasado até à data, mas já começam a despertar da sua estagnação. Esboça-se um fenómeno de
desenvolvimento urbano, principalmente em Itália e na Flandres.

O comércio
A função comercial prossegue a despeito das interrupções motivadas pelas guerras e distúrbios. Os
corsários vikings transformam-se em mercadores. Os Anglo-Saxões refazem o caminho de Roma onde lhes
são concedidos direitos alfandegários especiais e de Pavia, onde se cruzam com mercadores de Veneza. Os
meios monetários tornam-se mais abundantes, os tesouros pilhados pelos Vikings entram de novo em
circulação sob a forma de dinheiro haché (pedaços de prata cortados a machado, ou acha, para servirem de
meios de troca).
Comércios regionais e internacionais não só se mantêm como até progridem em determinados casos,
nomeadamente no Mar do Norte e no Báltico por um lado, no Adriático por outro, onde Veneza, desde 976,
pratica o contrato de comenda (contrato concluído com fins comerciais entre um mercador sedentário que
entra com o seu capital e um mercador itinerante que se encarrega de fazer render as quantias que lhe são
confiadas). O vinho, o sal, o peixe e as peles interessam o Norte; escravos, brocados, panos e especiarias, o
Sul. Os alicerces do comércio entre a Europa do Norte e o Oriente estão, por conseguinte, já lançados. Face
à dispersão e ao isolamento das células rurais, nasce uma corrente generalizada de trocas.

2. Nascimento da feudalidade

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Entre o Reno e o Loire


A vassalidade torna-se feudalidade. A par do termo «benefício», surge, no início do século X, o termo
«feudo». A terra dada em usufruto vitalício passa a ser a base de todo o sistema de relações. O «feudo» é o
móbil do juramento de recomendação por meio do qual se é o homem de um outro homem. Subitamente, o
juramento assume o nome de «homenagem», e como cada um procura ter o maior número possível de
feudos, presta, consequentemente, várias homenagens. A vassalidade múltipla generaliza-se e embaraça as
relações entre senhores. Por fim, a hereditariedade do feudo passa, pouco a pouco, a ser a regra. Numa
tremenda desordem, arquitectam-se então hierarquias incompletas de poderes políticos e de poderios
fundiários. Na base, e muito próximo dos camponeses, os pequenos vassalos, guerreiros indóceis, podem à
justa equipar-se do seu próprio bolso e possuir um cavalo; seguem-se os vassalos do conde, médios
proprietários convocados para o seu tribunal judicial ou para a sua hoste; por último os condes, duques ou
antigos marqueses qualificando-se a si próprios de príncipes, os quais conservaram, para si os direitos régios
e procuram, consolidar uma autoridade que contestam mutuamente. Estas dinastias locais afirmam-se os
fiéis do rei, mas, na realidade, não lhe devem nada.

Noutros locais
Noutros locais, a evolução para uma sociedade feudal nem sempre foi consecutiva. Na Inglaterra
continuam a existir os nobres proprietários ligados ao rei pelo juramento de fidelidade. Em Itália,
investidura do feudo e homenagem estão radicalmente separadas. O nobre vive com mais frequência na
cidade do que nas suas terras. Na Germânia o sistema feudal não penetra. Por volta do ano Mil, as duas
sociedades, francesa e alemã são extremamente diferentes uma da outra. A organização social germânica
permanece muito hierarquizada em virtude da forte organização militar e do culto prestado às instituições
carolíngias. A França apresenta uma verdadeira situação de fluidez e de anarquia social. A passagem do
meio campesino ao meio nobre faz-se facilmente, a fronteira entre livre e não-livre é assaz vaga.

A nobreza
A nobreza europeia é oriunda de uma fusão entre aristocratas romanos, chefes de tribos germânicas,
nobres de serviço sucessivamente favorecidos pelos reis, ela evoluiu sem grande ruptura dos finais da
Antiguidade até às vésperas do ano Mil. Há, de um lado, a aristocracia de Império, próxima das famílias
imperiais e implantada muitas vezes nos condados. Do outro lado os condes, viscondes e vassi dominici.
Esta aristocracia regional constitui-se lentamente em linhagens.

3. Declínio da Igreja e reforma cluniacense

Simonia e nicolaísmo
O poderio da nobreza em França e o do rei na Germânia advém do embargo que uma e outro exercem
sobre a Igreja. O surto da feudalidade operara-se em detrimento dos clérigos. Reis e príncipes nomeiam
bispos e abades leigos, exigem destes os serviços de hoste e de assistência aos tribunais. Diante das
usurpações de bens fundiários por parte dos leigos, o pessoal da Igreja entra nos laços da feudalidade. É-lhe
necessário defender o seu domínio, mas a sua inclusão nesse mundo guerreiro, a prática dos direitos de
moedagem, o exercício do direito de banum fazem-no rapidamente esquecer o seu estatuto religioso. Da
defesa, ele passa ao engrandecimento do seu domínio, por todos os meios possíveis: doações extorquidas
através da especulação em torno do pavor do Inferno, vendas dos sacramentos, etc. Desde o servo leigo
libertado pelo seu castelão para se tornar o cura da aldeia até ao bispo que designa seu filho como sucessor
aquando da sua morte, nunca a Igreja descera tão baixo. O próprio papado cai nas mãos da aristocracia
romana.

A reforma cluniacense
Um tal estado de coisas tinha, inevitavelmente, de suscitar reacções. Foram os leigos que encontraram a
solução, desde o século IX, com Guilherme, duque da Aquitânia, fundador de Cluny (11 de Setembro de
909). Segundo o alvará de fundação, o domínio e o mosteiro de Cluny pertenciam, de plena propriedade, ao
trono de São Pedro em Roma. Isto equivalia a subtrair o mosteiro a toda e qualquer ingerência laica; Berno,

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o seu primeiro abade, obtém a livre eleição do abade pelos monges, bem como a supressão da jurisdição do
ordinário. Cluny viu os seus privilégios de isenção confirmados pelo papa João XI. Posteriormente, em 951,
o abade de Cluny recebe autorização para colocar sob a sua autoridade todos os mosteiros que viesse a
reformar. O dinamismo da centralização cluniacense parecia irresistível, cerca do ano Mil.
Com efeito, ao aplicarem a Regra beneditina, os monges de Cluny insistem essencialmente no opus Dei, a
celebração coral do ofício divino. Aqueles conferem o primado à liturgia, que querem esplêndida e atraente,
prefigurando as glórias da vida eterna. Os monges adoptam o hábito de se fazerem ordenar padres, a fim de
celebrarem diariamente a consagração da Eucaristia. Com o monge-padre, vira-se definitivamente uma
página na história da Igreja. Doravante, a concepção agostiniana e carolíngia que separava os clérigos dos
monges torna-se caduca. Uma nova milícia cristã às ordens de Roma viria a nascer, pronta a satisfazer as
necessidades de ordem e capaz de intervir no Mundo, graças à sua influência.

A caminho da «Paz de Deus»


O desaparecimento da ordem pública provocou um recrudescimento das violências, um retorno ao
paganismo. As fomes e as epidemias contribuem para alimentar o terror da morte e perturbar as
sensibilidades inquietas. Perante o triunfo do Mal, face às devastações de bandos armados de feudais
batendo-se entre si em detrimento dos aldeões, os escritores eclesiásticos estão à espreita dos
acontecimentos anunciadores do fim do Mundo.
O estado de espírito escatalógico gera, consequentemente, uma acção política. Diante do escândalo do
forte oprimindo o pobre, novas iniciativas aparecem. Um concílio reunido em Charroux, em 989, decide
lançar o movimento da «paz de Deus», excomungando, com a aprovação geral, todo o indivíduo que tenha
desapossado um camponês dos seus bens ou violentado um clérigo desarmado. Face à violência,
desapontava um desejo generalizado de paz que não tardaria a propagar-se. No entanto, lançado por bispos,
demasiado comprometidos com os poderes políticos locais, a «paz de Deus» teve resultados limitados.

4. O renascimento otoniano

Nas letras
É compreensível que uma tal atmosfera não fosse nada favorável aos lazeres intelectuais e artísticos. O
reino da França sobressai pela fraqueza das suas produções. A Espanha limita-se a recopiar regularmente,
nos seus mosteiros, o Apocalipse. A Inglaterra saxónica não reencontra o esplendor do tempo de Alfredo. A
Itália revela-nos a importância do mundo laico cultivado na Lombardia. Na realidade, é preciso ir à
Germânia para encontrar um grande movimento literário e artístico. Pode falar-se, efectivamente, de um
verdadeiro renascimento otoniano com os grandes mosteiros de Saint-Gall e de Corvey. Este renascimento é
arcaizante, na medida em que agora as epopeias germânicas são escritas em latim.

Nas artes
Do mesmo modo, a herança carolíngia é brilhantemente retomada na arquitectura. As basílicas com duplo
coro e duplo transepto, de longas paredes ritmadas por uma alternância de pilares e colunas separando a
nave central das naves laterais, constituem o tipo essencial dos grandes monumentos desta época. Nestes
edifícios geralmente não abobadados reaparece uma escultura monumental. Mas é na iluminura que a arte
otoniana atinge o apogeu. Muitas vezes encomendados pelo imperador, copiam-se e ornamentam-se
manuscritos seguindo os modelos carolíngios e bizantinos.
Também a música conheceu um progresso considerável ao longo do século. O canto a duas vozes é
largamente difundido. A polifonia desenvolve-se em primeiro lugar em França. Entretanto, o órgão torna-se
o instrumento fundamental da música religiosa. Supremacia do Império Germânico apoiado na herança
carolíngia, mas, em contrapartida, nascimento de verdadeiras inovações em França.

5. Conclusão: uma definição da feudalidade

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O século X vê desaparecer o grande domínio carolíngio, dispersarem-se os direitos régios em França,


fragmentarem-se os reinos em várias línguas, degradar-se a Igreja secular. Mas, através das invasões, das
guerras e catástrofes, triunfam a violência e a feudalidade. É o fraccionamento da autoridade em múltiplas
células autónomas. Em cada uma destas, um dono detém a título privado o poder de comandar e de punir.
Um chefe não podia obter obediência se não se mostrasse em pessoa e não manifestasse fisicamente a sua
presença. Esta presença robustece o senhorio rural. A segurança que o dono cria à sombra do castelo facilita
uma renovação das trocas. Aparentemente, o século X é um século obscuro em França, um apogeu no
Império onde a feudalidade esbarra com um rei poderoso. A cidade de Deus que se crê uma está portanto
dividida em três: uns rezam, outros combatem e outros, finalmente, trabalham. Estas três ordens que
coexistem não suportariam ser separadas; os serviços prestados por uma permitem os trabalhos das outras
duas, cada uma encarrega-se, por sua vez, de amparar o conjunto. Enquanto esta lei pôde triunfar, o mundo
fruiu a paz. Os costumes dos homens mudam como muda também a divisão da sociedade. Não é já portanto
uma questão de clérigos, monges e leigos, mas sim de clérigos, guerreiros e trabalhadores. Ela sobreviverá
até à Revolução Francesa. A alta Idade Média está completamente encerrada.

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A IDADE MÉDIA
CLÁSSICA
(séculos XI-XIII)

Livro segundo

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IX
Os homens e a terra

1. O surto do mundo rural (séculos XI-XIII)

As causa do surto rural


O surto demográfico é o resultado de uma melhoria nas condições de vida. Ele contribui fortemente para
o desenvolvimento do mundo rural. A duração média de vida aumenta, no início do século XIV, enquanto as
taxas de natalidade sobem entre 1075 e 1250. Por outro lado, o crescimento resulta de uma vitória da
natalidade sobre a mortalidade, vitória favorecida pelo melhoramento e diversificação dos alimentos. O
crescimento das cidades, a criação das cidades novas e as migrações humanas para zonas até então desertas,
são outros tantos indícios de um dinamismo demográfico generalizado, cuja amplitude é sobretudo evidente
na Inglaterra, na Flandres, na Lombardia e na Toscana, na proximidade das costas marítimas e nos terrenos
mais férteis, cerealíferos ou vitícolas.
Mudanças sociais e económicas tiveram igualmente um papal notável. A ruralização das classes
dominantes incita os camponeses no sentido de produzirem melhor para satisfazer as exigências crescentes
dos donos do solo. Ao mesmo tempo, a tendência de extinção da grande família, de tipo patriarcal, leva os
jovens casais a deixar o mansus exíguo para criarem novas unidades de exploração. O lento
desenvolvimento das trocas, desde os finais do século X, incrementa as necessidades de géneros agrícolas de
populações não produtoras e introduz nos campos o estímulo do lucro. Por outro lado, a alteração dos
hábitos alimentares impõe produções mais variadas e mais ricas.
É impossível conceber o surto rural sem um progresso das técnicas. A Idade Média aplica e generaliza
invenções antigas em muito maior grau do que cria novas. A multiplicação dos moinhos de água, o
aparecimento dos moinhos-de-vento no século XII poupam mão-de-obra, utilizável para outros trabalhos. O
emprego crescente do ferro nos utensílios agrícolas auxilia o esforço dos arroteadores. A charrua, com a sua
relha assimétrica, leva vantagem fora do domínio mediterrânico sobre o arado. As técnicas de atrelagem e os
meios para os animais de tiro são melhorados; a atrelagem em fila para os cavalos de tiro facilitam os
trabalhos do campo. O emprego generalizado do cavalo permite multiplicar os labores. A rotação trienal
alcança lentamente a Europa ocidental onde passa a ser uma prática regular em finais do século XIII; deste
modo, aumenta a área cultivada, são introduzidas novas culturas. Por último, há a considerar as novas
condições políticas que favorecem igualmente o surto rural. Senhores de principados e reis fomentam a
colonização rural em zonas pouco habitadas. O crescimento dos Estados não pode ser separado do surto
rural, que lhe assegura as bases.

Os grandes desbravamentos
Novas ordens religiosas (Cister), utilizam os Irmãos conversos e camponeses assalariados para criar
granjas, centros de criação de gado. Alguns camponeses deixam para trás regiões superpovoadas,
respondendo ao apelo de senhores e de empreiteiros de desbravamentos; estes colonos obtêm lotes de terra e
de rendimentos menos sujeitos a encargos.
Os tipos de arroteamento. Os tipos de arroteamento ou desbravamento podem resumir-se a três. O
alargamento dos terrenos antigos resulta da acção de camponeses isolados, ou da de uma comunidade aldeã
que, sob a direcção de um senhor, ataca a floresta, o baldio, os matagais. Desta época data o recuo da árvore
na França do Norte, Inglaterra e Alemanha, regiões de planície. Outras empresas colectivas saldam-se na
criação de aldeias novas nos ermos arborizados. Nas estradas que levam a Santiago de Compostela,
aparecem os pequenos povoados do Sudoeste, lugares de asilo e de desbravamento. No Norte de Espanha,
os arroteamentos prosseguem à semelhança dos séculos anteriores, em breve intensificados pela
Reconquista. Nas orlas marítimas os trabalhos de aterro, secagem e drenagem são empresas colectivas
dirigidas por abadias e senhores leigos. Finalmente, no século XIII, casas religiosas ou camponeses
pioneiros estabelecem-se em regiões desertas e criam o tipo de povoamento intercalar que caracteriza os
solos pobres mais aptos para a criação de gado do que para cultivo. Mas os desbravamentos tendem a
afrouxar. Iniciados desde 950 na Flandres ou na Normandia, atingindo o seu apogeu no século XII,
estendem-se mais tardiamente aos países aquitanos, à Lombardia, Inglaterra e às planícies germânicas onde,

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em pleno século XIV, a árvore e o brejo ainda recuam. Várias razões motivaram a interrupção dos
desbravamentos: a floresta é indispensável para assegurar um frágil equilíbrio alimentar quer aos homens
quer aos animais.
Os grandes arroteamentos modificaram, contudo, o aspecto da vida dos campos. A paisagem rural
transforma-se profundamente: novos eirados, novas aldeias, áreas de pastos surgem em detrimento do
bosque e do baldio. Proporciona aos camponeses uma alimentação melhor. A comercialização dos
excedentes agrícolas (cereais e vinho) faz com que os campos entrem numa vida de trocas.

2. O problema do senhorio

Grupo económico reunindo senhores e camponeses numa comum utilização da terra, e organismo nas
mãos de um dono que sujeita os seus súbditos à obediência, o senhorio não é uniformemente triunfante. Não
há dúvida de que o sistema vingou plenamente desde a Itália do Norte à Inglaterra e dos Pirinéus até ao leste
da Alemanha. Nas regiões mediterrânicas e nos países nórdicos, comunidades camponesas escapam ao
enquadramento senhorial. Consoante as regiões, o poder dos donos ora se reforçou, ora se aligeirou entre o
século X e o século XIII. Sobretudo, a natureza deste poder modificou-se; à exploração organizada de bens
de raiz junta-se uma autoridade nova sobre os camponeses, que se exerce em matéria de justiça, de
imposições, de arrecadação de impostos mais ou menos arbitrárias. Não há um único, mas vários tipos de
senhorios.

A organização do senhorio
Do ponto de vista fundiário, o senhorio rural é o herdeiro da «villa» carolíngia. À semelhança do domínio,
o senhorio tem dimensões variáveis. Pode coincidir com o terreno de uma aldeia, se bem que, na maior parte
dos casos, compreenda terras dispersas por várias paróquias. O mecanismo das doações, das divisões e
alienações modifica constantemente os seus contornos. Bens eclesiásticos e mesmo leigos, resistiram à
degradação, e a redução dos bens dominiais.
O regime dominial implicava uma união estreita entre a reserva, explorada directamente pelos agentes do
proprietário, e as «tenências» concedidas a camponeses adstritos a serviços. Entre as duas fracções, estala o
divórcio no senhorio. O camponês foreiro liberta-se das corveias, só já é solicitado nas épocas cruciais da
vida agrícola, ainda que os trabalhos de rotina sejam assegurados por assalariados. Não podendo recorrer
constantemente aos prebendados da sua corte ou a auxiliares assalariados, o proprietário resigna-se ao
desmembramento da reserva, distribuída por lotes a novos foreiros: arrendamentos perpétuos e contratos
temporários, sancionam o furto lento e desigual dos bens dominiais, ao cabo do qual o senhor perdeu muitas
vezes a dominação directa.
As tenures, por sua vez, também mudam de natureza. As partilhas entre os seus ocupantes fazem subsistir
meios-manses e em seguida quartas partes que rapidamente se fraccionam e perdem todo o seu significado.
Em sua substituição, nascem novos tipos de tenures decorrentes do desmembramento das reservas ou da
extensão dos terrenos: sob a forma de habitações rurais, casebres, casais, elas são concedidas contra uma
renda fixa em dinheiro ou em géneros, o «censo» ou foro, perpétuo e imprescritível, quota-parte
determinada da colheita. O senhor arrogava-se o poder de reaver a concessão por morte do foreiro. A tenure
veio a tornar-se, lentamente, perpétua, hereditária e alienável. Finalmente, a partir do século XII, a tenure
iria servir para estabelecer rendas, rendas fundiárias ou rendas constituídas (a tenure – salário), atraindo à
exploração do solo pessoas estranhas ao mundo rural, rendas essas que prejudicavam, em muitos casos, os
direitos dos senhores.

O senhorio «banal» e os seus aspectos económicos


Se perdiam por vezes o controlo directo da terra, os senhores tinham, em contrapartida, incrementado os
seus poderes sobre os homens. Através do banum (poderes de comando e de coacção, outrora pertencentes
ao rei e entretanto açambarcados pelo senhor), os donos arrogam-se o direito de ordenar, coagir e punir,
apropriam-se da autoridade sobre um conjunto de camponeses extravasando os seus próprios domínios,
foreiros de senhores fundiários menos poderosos. O banum, nascido da riqueza dos mais fortes e da fraqueza
do Estado, seria o conjunto dos poderes de comando, originariamente delegados, depois passados para o

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património daqueles que os exercem. Em consequência, os camponeses adstritos à «banalidades» ou


«direitos banais» não são de forma nenhuma locatários ou foreiros das terras do senhor «banal».
O direito de banum é, em primeiro lugar, um poder judicial. O tribunal senhorial, cujos membros são
escolhidos ao sabor da vontade do dono ou dos costumes locais, julga todos os dependentes segundo um
processo simplista, recorrendo a testemunhas, aos costumes, à prática do duelo judicial. Tais concorrências
eram inevitáveis, sabendo-se que o exercício da justiça acarretava honra e proveitos, uma componente
pecuniária (coima).
Mas o direito de banum não se limitava a isto. A protecção senhorial exigia outras contrapartidas: tributos
sobre as mercadorias ou impostos de terrádigo, direito de «pousadia» e «direituras», anúduvas, direitos
sobre as transacções, corveias de carraria ou de jeiras, a talha, ajuda excepcional, obrigações de carácter
económico em suma, as banalidades (lucros económicos retirados de monopólios decorrentes do direito de
banum), forçando todos quantos se lhes submetiam a utilizar os moinhos, fornos e prensas senhoriais contra
o pagamento de maquias. Um exército de administradores, meirinhos, cobrava todos estes tributos por conta
do proprietário, sem deixar de arrecadar a sua própria comissão.

3. A condição dos camponeses

O que é um servo?
Liber pode designar simultaneamente o homem de condição jurídica livre e aquele que é isento de
encargos. O não-livre é qualificado de servus. Entre um escravo carolíngio e um servo do século XIII, a
distância é grande.
A servidão, ainda pouco difundida no século IX, englobou progressivamente não só os descendentes dos
escravos da época carolíngia, e os descendentes de libertos e de colonos incapazes de resistir à pressão dos
proprietários, mas também possuidores de alódios cujo nível económico se vinha degradando enquanto
crescia a sua necessidade de encontrar um protector. Cerca de 1200, a massa rural é, na maioria, composto
de servos, arregimentados no quadro do senhorio. No século XIII, o progresso económico leva os donos a
conceder alforrias individuais ou colectivas, de tal modo que a servidão é doravante o destino dos mais
desprovidos.
O critério determinante é o nascimento. Georges Duby distingue três idades da dependência: os servos dos
séculos X e XI considerados como os descendentes directos dos escravos carolíngios, a massa rural do
século XII confundida sob uma mesma denominação, uma nova servidão que reaparece por volta de 1175 e
que se abate sobre os homens incapazes de se libertarem de certos encargos e limitações.

Os encargos servis
O servo, uma vez que não pode ter dois patrões, vê-se posto de parte pelas ordens religiosas. Na medida
em que não é um homem livre. Em geral, não participa na defesa nem da aldeia nem do senhorio. Não pode
deslocar-se livremente; vive à mercê do senhor que exerce contra os fugitivos em direito de «sequela», mais
ameaçador do que eficaz.
O servo também está obrigado ao pagamento de certos tributos, o chevage, uma prestação mínima,
simbolizando uma dependência pessoal; o direito de formariage através do qual os senhores abrandaram a
interdição da exogamia imposta aos servos. Estes desejavam desposar um cônjuge estranho ao senhorio?
Nesse caso deviam solicitar a permissão do senhor e indemnizá-lo se porventura deixassem o senhorio.
Regras minuciosas definiam a propriedade dos filhos nascidos de uniões entre duas pessoas que não
dependessem do mesmo senhor ou não gozassem do mesmo estatuto pessoal. Por último, os bens dos servos
não passam normalmente para os seus herdeiros que devem tornar a comprá-los ao senhor. Pode avaliar-se a
importância dos encargos que recaíam sobre os servos, para já não falar dos escárnios humilhantes de que
eram vítimas. Um quadro sombrio, sem dúvida, que muito ligeiramente suavizam as alforrias individuais ou
colectivas concedidas no século XIII.

As alforrias

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As primeiras deixam poucos traços na História. No leito de morte, o senhor podia conceder a liberdade a
uns tantos dos seus servos. As segundas, pelo contrário, deram lugar à redacção de cartas de alforria
concedidas por reis, príncipes, comunidades religiosas, cidades, inclusive, desde os meados do século XIII
na Europa Ocidental até cerca de 1350 na Polónia e na Europa Central. O progresso económico, ao criar
novas necessidades de dinheiro, leva os senhores a tirarem proveitos pecuniários das concessões de alforria.
Vendendo a liberdade, os senhores querem evitar que os servos a conquistem por si próprios fugindo para as
cidades e para as aldeias novas onde, beneficiando do estatuto de colonos, alimentariam a esperança de
escapar à servidão. Endividando-se com frequência para obterem liberdades, os servos «forros» vão
conhecer uma nova forma de dependência.

Tipos de servidão
A passagem de uma forma de servidão pessoal, marcada pela ligação hereditária a um senhor, para uma
forma de servidão concreta – sendo a terra a determinar a condição jurídica daquele que a cultiva – não é
mais do que o indício de uma diferenciação social progressiva no seio do mundo rural. Os camponeses mais
desafogados, lavradores, foreiros praticamente donos da sua tenure, sacudiram as velhas dependências e
ganharam, por alto preço, a sua liberdade; os pobres aldeões, vinculados por uma nova servidão, foram as
vítimas do progresso económico do qual tiravam proveito os senhores e vizinhos.

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X
Feudalidades e sociedades feudais

1. As instituições feudo-vassálicas: a sua implantação

Na alvorada do século XI, as instituições feudo-vassálicas estão implantadas: ritos, direitos e deveres das
partes não sofrem mais variações. Todavia, alterações de vocabulário – a substituição da palavra «feudo»
para o termo «benefício» - têm, depois daquela data, uma importância considerável. Os vínculos entre
senhores e vassalos já não comportam o mesmo sentido. A hierarquia das pessoas e das terras, as relações
jurídicas entre donatários e dependentes definem-se.

Os rituais
Emanada da recomendação, correntemente praticada durante toda a Idade Média, a vassalidade continua a
ser um contrato concluído entre dois indivíduos e apenas envolvendo duas pessoas, no decurso de uma
cerimónia na qual o acto essencial é a «homenagem». O ritual compreende uma doação de si mesmo da
parte do dependente ao senhor. O futuro vassalo apresenta-se de cabeça descoberta, sem armas e, enquanto
faz genuflexão, coloca as suas mãos nas do senhor, gesto que evoca sem dúvida a mistura dos sangues que
selava os companheirismos antigos ou a doação total de si mesmo, visto que nas mãos não há armas. Ele
torna-se, assim, o homem do senhor. Este gesto bastaria só por si para criar laços de subordinação, mas, para
que fique bem preciso que a entrega é um acto voluntário de um homem livre, acompanha-o com frequência
uma declaração de vontade que reforça o seu alcance.
O ritual da homenagem não comportava nenhum cunho cristão. Por isso os homens da Igreja, quando
descrevem a natureza das obrigações vassálicas, insistem mais no segundo acto que segue o gesto das mãos,
a fidelidade. Esta é uma fórmula por meio da qual o vassalo especifica a natureza do seu envolvimento, que
o faz entrar na amizade do seu senhor. Acompanha-a um juramento, o qual deve ser prestado sobre os
Livros Sagrados ou sobre um relicário, de modo a que a promessa do vassalo permaneça sob a protecção de
Deus e assuma um carácter sagrado, assim como a ruptura do compromisso fará do prevaricador um perjuro.
Durante o século XI, o juramento de fidelidade torna-se a parte essencial da homenagem.

Dois tipos particulares de homenagem


A tonalidade cristã dos ritos vassálicos aparece em formas particulares de homenagem, nomeadamente a
«homenagem de paz» e a «homenagem de fronteiras». A primeira, não sendo acompanhada da concessão de
um feudo, nem criando uma verdadeira subordinação pessoal, serve para apaziguar um conflito entre dois
adversários que amigos comuns ou outros senhores incitam a restaurar a concórdia e a amizade entre si. A
«homenagem de fronteiras», concluída entre dois principados, liga grandes personagens que trocam entre si
promessas de segurança recíproca. Quando se trata de personagens de tal envergadura, a homenagem é
especificada por uma carta que define as obrigações dos contratantes.
Entre senhores de menor categoria, o acto escrito não é obrigatoriamente necessário. Com efeito, a
homenagem cria uma união quase carnal entre o senhor e o «fiel»; o primeiro, acedendo em proteger o seu
vassalo, em mantê-lo e auxiliar material e militarmente, o segundo, colocando a sua pessoa e os seus bens ao
serviço do senhor. A fidelidade implica abster-se de todo e qualquer acto prejudicial à pessoa ou aos bens do
senhor. Além do mais, o serviço vassálico comporta aspectos mais positivos, designadamente a ajuda e o
conselho.

As obrigações contratuais
A ajuda. A ajuda militar é a razão de ser do contrato vassálico. Este serviço reveste-se de formas várias:
serviço de hoste para garantir a segurança do território senhorial; serviço de «cavalgada» ou «fossadeira»
compreendendo uma expedição ofensiva de curta duração, serviço de escolta, serviço de guarda ao castelo
senhorial. Por ajuda, entende-se também assistência judicial, em que o fiel aceita servir de abonador ao seu
senhor, bem como prestar juramento com este; ajuda material, no âmbito da qual o vassalo, em
circunstâncias excepcionais, é obrigado a colocar os seus bens à disposição do senhor.

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O conselho. O conselho comporta o serviço de corte e o serviço de plaid. A Idade Média conhece esse
tipo de grandes assembleias aonde acorrem os vassalos para rodear o seu senhor e realçar o seu prestígio,
por ocasião das grandes festas litúrgicas. As relações humanas viam-se ali estreitadas, a coesão da clientela
vassálica revigorada. Festividades, repastos e presentes compensavam as despesas contraídas pelo vassalo.
Noutras alturas, os fiéis deviam dar pareceres ao senhor, participar com este em conselhos de arbitragem ou
no tribunal que reuniam regularmente os príncipes, os condes, os castelãos e os grandes senhores
eclesiásticos.
O contrato vassálico criava para o senhor um determinado número de deveres. Este era obrigado a
defender e a garantir o seu fiel contra inimigos, a prestar-lhe boa justiça e serviço de fiador do seu vassalo
perante qualquer outro senhor, prestar-lhe, enfim, uma ajuda e uma protecção materiais, assegurar-lhe em
particular a manutenção dos seus subordinados. Na maioria dos casos, a remuneração do vassalo consiste na
concessão de um feudo fundiário, concretizada durante uma cerimónia que segue imediatamente a
homenagem: a investidura.

Primado do feudo
O aspecto económico das relações feudo-vassálicas passa para primeiro plano: o vassalo vive na cobiça
dos bens que o senhor eventualmente lhe conceda em contrapartida dos serviços esperados. Durante a
investidura, o senhor despoja-se de um bem seu, entregando ao vassalo um objecto simbólico, conforme a
natureza do feudo que conceder. Numa sociedade quase exclusivamente rural, o bem obtido em feudo era,
regra geral, um bem fundiário, de maior ou menor extensão consoante a qualidade do dependente.
Outras categorias de feudos havia que não tinham qualquer base fundiária: direitos de comando,
rendimentos e bens da Igreja usurpados por leigos, justiças, portagens, impostos terrádigos, dízimas, funções
de toda a ordem, e até feudo-pensões surgidos mais tardiamente e que permitem angariar, para uma
campanha, cavaleiros pobres sem terra, aos quais é consignada uma pensão a partir do tesouro senhorial.
Demasiados conflitos de interesses vinham quebrar a fidelidade do vassalo e do senhor. Este abusa do seu
poder? O vassalo pode provocar a guerra entre as duas partes se o fiel não renunciasse ao feudo. A rotura é
um acto do senhor; então, decide, com o acordo dos seus outros vassalos, tomar temporariamente o feudo ou
confiscá-lo a título definitivo. O frágil equilíbrio das obrigações recíprocas acaba por romper-se em proveito
do mais forte; é o sinal de uma subordinação da vassalidade à feudalidade, privilegiando o feudo,
transformado na razão de ser da vassalidade.

2. A evolução das instituições feudo-vassálicas (séculos XI-XIII)

As idades da feudalidade
As instituições feudo-vassálicas transformam-se e passam por idades sucessivas, de contornos imprecisos.
M. Bloch distinguia assim uma primeira idade feudal que se teria estendido das invasões do século X até
finais do século XI e no decurso da qual se teriam formado as instituições feudo-vassálicas numa atmosfera
de economia contraída; em seguida, uma segunda idade feudal viria a nascer por volta de 1100 sob a
influência da renovação económica, transformando as condições de vida da classe feudal e florescendo até
finais do século XIII.
No decurso desta evolução, as alterações põem a descoberto as fraquezas do enquadramento feudal,
incapaz de manter o frágil equilíbrio das obrigações reciprocas do senhor e do vassalo. Estas assentavam na
dedicação total do fiel a um senhor, o que parecia excluir a possibilidade de entrega a dois ou vários
senhores. Ora, desde finais do século IX, a pluralidade das homenagens é admitida. Em muitos casos,
contribuem para esta prática o atractivo de benefícios mais numerosos, a hereditariedade dos feudos e a
abundância das relações feudais. Mas a coesão das «companhias» vassálicas via-se com isso quebrada.
Imaginaram-se diversas soluções para restituir alguma eficácia às relações feudais: a reserva de fidelidade
consentida pelo vassalo em favor do primeiro senhor, a qual não impede, porém, que o vassalo não fosse
servir melhor o senhor que mais prodigamente lhe pagasse; a homenagem superior ou «homenagem lígia»
por meio da qual o vassalo promete uma fé completa a um dos seus senhores, mas aí todos os senhores
desatam a exigir o seu «homem-lígio».

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A linhagem apodera-se do feudo


No que respeita ao feudo, as mudanças são igualmente grandes. Um primeiro debate tem como objecto os
direitos respectivos do senhor e do vassalo sobre o feudo. Reconhece-se ao primeiro direitos teóricos, ao
segundo a fruição plena e inteira do bem que lhe fora concedido. Mas, na prática, a partilha era desigual,
escapando o feudo progressivamente ao controlo do donatário e passando para o património do fiel. O
direito hereditário ao feudo é imposto pela alta aristocracia desde o século X. O herdeiro é menor? Então o
dono exerce a guarda do feudo ou nomeia alguém para o administrar. A sucessão é devolvida a uma filha?
Nesse caso, o senhor designa um substituto ou cuida do casamento da herdeira. Há vários herdeiros? Nesta
eventualidade, hesita-se entre uma enfeudação colectiva, o parage (associação dos descendentes de um
mesmo pai), confiando ao filho mais velho a responsabilidade dos serviços devidos em função do feudo, ou
então o frérage, obrigando os irmãos mais novos a prestarem homenagem ao mais velho, o qual presta, por
sua vez, ao senhor.
Se em direito o carácter inalienável dos feudos era admitido, a pressão das necessidades económicas
impõe contudo que se reconhecesse, sob certas condições, a alienação do feudo (possibilidade que assistia
ao vassalo de transmitir o seu feudo a título gratuito ou oneroso). Tenências feudais serviam de penhor
temporário por ocasião de empréstimos em numerário, sobretudo na altura das partidas em cruzadas. As
doações de feudos à Igreja eram ainda mais graves, uma vez que, se os clérigos se inseriam sem grande
dificuldade na hierarquia feudal, o certo é que não podiam prestar os serviços do feudo, em particular o
dever militar, nem pagar direitos de transmissão já que a tenência eclesiástica não era transmissível por
herança.
Homenagens múltiplas, patrimonialidade do feudo têm como consequências um abrandamento e uma
codificação dos serviços vassálicos. Os costumes limitaram o número das convocações anuais às quais
deviam responder os vassalos. A ajuda militar, depois de ter dado ao Ocidente a sua principal força armada,
perde vigor; o serviço de «cavalgada» ou «fossadeira» é limitado a 40 dias. Os serviços vassálicos assim
tarifados vêm azedar as relações das partes contratantes. O sistema feudal só opunha os seus membros em
múltiplos conflitos de interesses.

Geografia da feudalidade
Nem todos os países do Ocidente conheceram a mesma evolução. Na França do Norte, onde nasceram as
instituições feudo-vassálicas, a feudalização foi mais rápida e mais completa do que noutros lugares. É
justamente ali que se opera a ascendência dos Capetos, os quais se servem do direito feudal para fundarem o
exercício do seu poder, e, exigindo a reserva da fidelidade, conseguem que culminem no rei todas as
relações feudais, bem como engrandecer o seu domínio próprio por meio do direito feudal. À medida que se
avança para as regiões mediterrânicas, a feudalização depara-se-nos mais tardia e incompleta. Na Germânia,
a força da monarquia que se apoiava na organização carolíngia do Estado e numa Igreja imperial é abalada
pela Questão das Investiduras. No século XII, a feudalização aparece triunfante; as camadas dominantes da
sociedade encontram-se submetidas ao sistema hierárquico da protecção cavaleiresca dominado por um
grupo poderoso de príncipes do Império. Na Itália do Norte e do Centro, a hereditariedade do feudo afirma-
se cedo, o direito feudal é fixado por escrito. A Inglaterra conhece primeiro uma forma primitiva de regime
vassálico, substituída depois de 1066 por uma feudalidade ao serviço da monarquia: qualquer terra pertence
ao rei por direito de conquista, logo, todo o feudo depende do rei. Em Espanha, um regime vassálico viria a
subsistir até ao século XII; os reis castelhanos têm então poder suficiente, graças à guerra, para encabeçar a
feudalidade à francesa. Na Itália do Sul e nos Estados francos da Palestina, a feudalidade é introduzida pela
conquista.
Entre todas estas feudalidades, os desfasamentos são evidentes. Todavia, senhores e vassalos de França,
Inglaterra ou Alemanha têm géneros de vida semelhantes. Constituem uma aristocracia de especialistas da
guerra, formados no quadro da cavalaria e agrupados numa classe nobilitária.

3. As classes dominantes e o seu género de vida

Nobreza e cavalaria
Para os escribas e clérigos do século X, o topo da hierarquia social era ocupado por um grupo de senhores
fundiários vivendo da exploração das suas terras e das prestações que lhes deviam os seus camponeses. A

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terminologia aplicada a esta aristocracia era incerta: senior, fidelis, nobilis. A partir do primeiro terço do
século XI, uma palavra nova impõem-se, o termo miles (cavaleiro), qualificativo com que se paramentam os
membros da classe senhorial, ao mesmo tempo que se dissipa a palavra nobilis. A tal viragem estão
associadas transformações técnicas e mentais que fazem da cavalaria a rainha das batalhas e dos cavaleiros a
elite da sociedade.
Através dos documentos dos séculos XI e XII, discerne-se a existência de uma autêntica nobreza de
sangue, composta por antigas linhagens acrescidas por contributos novos: cavaleiros, servidores dos
príncipes, compradores de feudos, camponeses ricos capazes de se baterem e viverem como cavaleiros. Esta
nobreza, porém, continua a alicerçar-se na honra de uma ascendência; é independente da cavalaria e é
anterior a esta. No Império, ainda no século XII, é o sangue materno que enobrece. Sob a influência de
hereditariedade do feudo, do exercício do direito de banum e sobretudo da exaltação da vocação guerreira, a
qualidade nobiliária é transmitida por linha masculina.

A expansão da cavalaria
A expansão da cavalaria foi rápida, pelo menos em França. O termo miles, surgido no último terço do
século X, substitui, por volta de 1060, os restantes vocábulos. Em finais do século XI, estende-se a todas as
camadas da aristocracia laica. Nas províncias germânicas, a evolução é mais lenta; devido à existência de
uma cavalaria servil, a distinção entre nobres e cavaleiros subsiste até ao século XIII. Em Espanha, há duas
cavalarias, a dos ricos hombres e a dos camponeses livres.
Uma mutação profunda a nível das mentalidades é um outro factor que se observa. A teoria das ordines
distingue aqueles que servem pela oração ou pelas armas dos que trabalham a terra: oposição clássica entre
os poderosos e os pobres. A Igreja, sob a influência das instituições de paz, propõe aos combatentes que
ponham as suas armas ao serviço da «paz de Deus», que constituíam uma milícia de Cristo. Entretanto, são
os pobres os únicos que sofrem as exacções do senhor banal; os cavaleiros estão isentos. A fronteira da
aristocracia separa os cavaleiros do povo, os explorados dos não explorados. Desde o século XII, os
diferentes níveis da aristocracia diluem-se na cavalaria, cujos membros comungam dos mesmos ritos, uma
moral, um género de vida. Bastou que, em virtude da reconstituição dos Estados, esta classe se fechasse,
desde os finais do século XI, para nascer uma nobreza de direito reagrupando todos aqueles que são da
estirpe de cavaleiros, classe dominante beneficiando de um estatuto jurídico à parte e de privilégios
transmitidos por hereditariedade.
Nobres ou cavaleiros, os aristocratas caracterizam-se por um género de vida idêntico. O seu quadro é o
castelo, assegurando uma protecção contra o invasor, fortaleza mais sólida dos séculos XI e XII controlando
estradas e vales e proporcionando, por detrás das suas muralhas de pedra, uma certa autonomia dos seus
detentores. A castelania é a célula básica da feudalidade: a extensão do direito de banum facilitado pela
possessão de um castelo é fonte de poder. O nobre alimenta-se do trabalho de outros homens. A caça, mas
antes do mais a guerra preenchem a sua actividade essencial: o combate é um remédio contra o tédio, um
maná de lucro graças às pilhagens e aos resgates. Dá ao combatente um certo grau de desprezo pela vida e
pelo sofrimento humano, apenas atenuado pela influência da Igreja que, a partir do século XI, promove o
ideal do combatente de Deus, o miles Christi, e pela literatura trovadoresca e cortês.

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XI
A renovação do Estado

1. O príncipe e a sua imagem

O império
Ao principiar o século XI, o primeiro dos príncipes ocidentais é incontestavelmente o imperador. Mas o
que seria afinal este Império? O reagrupamento de reis-vassalos em redor de um senhor revestido da
dignidade imperial? Os imperadores germânicos devem decidir-se a limitar os seus esforços aos três reinos
que constituem os seus Estados – Borgonha, Itália, Germânia. Mas também aqui se impunham escolhas.
Colocado de fora o reino da Borgonha e cedo restituído a uma vida autónoma, era evidente que a união da
Itália e da Germânia constituía o Império. Mas que elemento privilegiar? Os países germânicos, com o risco
de lhes exigir pesadas contribuições para dominar a Itália? Ou então, por fidelidade ao mito imperial, dar
preferência à Itália mas expor-se à hostilidade das comunas e do papa e, na Germânia, abandonar aos
príncipes uma parte da autoridade? O poder imperial saiu diminuído de tudo isto; jamais consegue escapar
ao sistema selectivo, ainda que no seio de certas famílias ducais o título se tivesse transmitido durante vários
decénios sem contudo poder criar uma dinastia. É-lhe impossível alicerçar o seu poderio sobre vastas
possessões territoriais e tem de ceder o passo a principados. Depois de 1250, a ideia imperial sobrevive na
consciência popular; ela cessa de contar para as realidades políticas.

As monarquias
Entretanto, vinham-se afirmando as monarquias. Existente já no início do século XI, a realeza confundia-
se, no entanto, com o poder pessoal de um príncipe. Por outro lado, príncipes territoriais haviam usurpado
direitos realengos, reduzindo os reis a uma relativa impotência. A reedificação das monarquias iria precisar
de ser favorecida pela Igreja.
Tanto em França como em Inglaterra, os clérigos ajudam a monarquia ao atribuírem ao rei uma missão
religiosa, conferindo-lhe pela sagração um prestígio inigualável. Unção, entrega das insígnias régias,
aclamação pelo povo e pelos Grandes, têm como contrapartida o juramento que presta o soberano no sentido
de defender a Igreja, de assegurar a paz e de administrar uma boa e misericordiosa justiça. O ungido de
Deus é reputado de fruir de um poder taumatúrgico que coloca a sua pessoa acima dos restantes mortais: o
rei é intocável. Servindo habilmente a propaganda real, há clérigos que vão até à exaltação da origem divina
da autoridade do rei.
Uma nova concepção do rei. O juramento da sagração expressa o seu conteúdo: o rei deve defender a
Igreja, em particular os bispados e os mosteiros régios cujos titulares nomeia. O rei assegura a paz,
administra a justiça. O exercício dos direitos reguengos fortalece-se através de uma definição nova da
autoridade pública, graças ao renascimento do direito romano; independente do seu titular, a autoridade é
superior aos príncipes; ela é inalienável e indivisível. O soberano deve dispor dos meios para impor a todos
a sua prerrogativa.

2. Os meios do príncipe

O domínio real e os seus recursos


O domínio real não se limita ao conjunto das terras administradas pelo rei ou seus representantes. Ele
resulta igualmente de uma série de direitos, proveitos de justiça, taxas de circulação, rendimentos de
natureza feudal que o rei recebe enquanto senhor fundiário e suserano. No Império, a tradição carolíngia
obriga o soberano a reenfeudar um feudo que lhe venha a caber; este não pode, portanto, reunir em redor da
coroa um conjunto de bens, devendo cada imperador contentar-se com possessões que tenham entrado no
património da sua linhagem.

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Ao cuidado de bem administrar o domínio, junta-se a preocupação de crescimento de forma a aumentar os


recursos reais. Os Capetos fazem por aumentar o domínio; compram terras, arrecadam sucessões sem
herdeiros, dotes chorudos, confiscam os bens de vassalos rebeldes, conduzem grandes operações de
conquista mais ou menos frutuosas.

Recursos retirados da função régia


À medida que se constituíam monarquias organizadas, os rendimentos do Domínio Real deixaram de ser
suficientes. Capetos e Plantagenetas esforçaram-se por obter recursos a partir do exercício do seu direito de
suserania: direitos de transmissão, heranças jacentes, substituição da ajuda ou tributo feudal por uma taxa
em dinheiro.
Os soberanos servem-se sobretudo dos seus direitos reguengos para incrementar os seus recursos: lucros
da moedagem real, cobrança de regalias sobre os bispados, produtos do selo régio, direitos alfandegários,
taxas sobre os estrangeiros, confiscações dos bens dos Judeus, imposições extraordinárias à Igreja,
empréstimos forçados junto das cidades, monopólio régio do tráfico de determinadas mercadorias. Os
soberanos não dispõem ainda de finanças regulares; todavia, no final do século XIII nascem organismos
administrativos encarregados de entesourar esses rendimentos.

3. Os servidores do príncipe

A «Administração» principesca
Nos séculos XI e XII, o príncipe é ajudado, na maioria dos casos, por «amadores», barões fiéis da sua
corte, vassalos directos e clérigos, que formam a curia regis. Os soberanos germânicos confiam as funções
da corte aos representantes mais eminentes da aristocracia principesca – duques, condes palatinos,
arcebispos -, rodeiam-se, para administrar a Germânia, dos seus vassalos directos e de pessoal doméstico de
origem servil, que elevam ao grau de cavalaria. Em Inglaterra, os soberanos normandos cercam-se de
representantes da média nobreza bem como de clérigos, algumas vezes de origem plebeia, isto constituía um
meio de estabelecer um governo centralizado sem ficar a dever nada à alta nobreza dos barões. Na França
dos primeiros Capetos, bispos e poderosos são praticamente eclipsados por pequenos vassalos que recebem
os grandes cargos da corte. No final do século XI, porém, reaparecem nas cartas régias grandes funcionários,
designadamente alguns dos condes de Champagne; alguns clérigos entram para o Conselho do Rei, ocupam
a chancelaria, tornam-se os conselheiros privilegiados do soberano. Uns e outros estão na origem daqueles
profissionais da administração, técnicos do direito, que substituem no século XIII os conselheiros feudais
das épocas anteriores.

O governo central
Não se excluem totalmente da corte do monarca nem os nobres, nem os chefes do clero. Deixam para
estes as altas funções da corte, cargos que em alguns casos se despiram entretanto de qualquer importância
política – escanção ou camareiro – ou que requerem uma competência militar – condestável -. Estes formam
em torno do soberano um conselho sem competência particular, sem composição fixa, sem sessões
regulares, mas no qual se elaboram as decisões importantes. Ligado à constituição do Parlamento, este
organismo de consulta pode tornar-se, sob a forma de um Conselho Privado reagrupando favoritos e
servidores do soberano, um verdadeiro governo.
A antiga corte feudal (curia regis), engrossada com clérigos, pequenos nobres e burgueses, cinde-se em
sessões especializadas reunindo um pessoal competente, em matéria de justiça. Junto dos Plantagenetas, o
Échiquier, formado por uma tesouraria e uma «Câmara» ou Tribunal de Contas, examina e anota as contas
dos agentes locais, os sheriffs. Em França, no final do reinado de Luís IX, separa-se do Conselho do Rei
uma comissão temporária que se reúne no «Templo», onde se encontra depositado o tesouro real, para
receber as contas dos prebostes e dos bailios (agente régio encarregado de uma missão temporária – bailiado
– de controlo, depois, por volta de 1250, da administração de uma circunscrição bailial); aquela viria a
formar, no início do século XIV, o Tribunal de Contas. Em matéria de justiça, a corte dos Plantagenetas
torna-se num tribunal ordinário; ajuda o rei a legislar e a unificar o direito através das Constituições.
Examinando as petições, a sessão judicial da Corte recebe atribuições políticas e fiscais e transforma-se em
Parlamento, no qual são admitidos, em finais do século XIII, representantes dos burgos e dos condados, ao

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lado dos barões eclesiásticos (bispos, abades, etc.) ou leigos. Em França, uma parte da corte reúne-se em
sessões temporárias a partir de 1247, a englobar conselheiros e juizes: assim nasceria o Parlamento, que se
divide em várias Câmaras. Contrariamente ao seu homólogo inglês, ainda não usufrui de um papel político.
A Itália adopta instituições muito próximas das da França dos Capetos. No Império, a Dieta, que reunia os
grandes, nunca foi mais do que um organismo de consulta, sem grande eficácia. Uma justiça régia,
representada por tribunais condais, sobreviveu até à vitória das forças de dissolução, no século XIII. Cada
principado teve o seu direito próprio.

O governo local
No plano da administração local, a França e a Inglaterra distanciam-se. Nesta última, os soberanos
normandos herdaram dos Saxões a instituição do sheriff, colocado à cabeça de um condado (shire);
controlando-o através do envio de inquiridores, confiam-lhe o poder de manutenção da ordem, da prestação
de justiça, cobrança de impostos e recrutamento de contigentes militares. Na França dos Capetos, o preboste
é antes de mais um agente dominial, a um tempo recebedor e pagador, juiz e inquiridor. Por volta de 1185,
com o fim de fiscalizar a gestão dos prebostes, Filipe Augusto encarrega familiares de uma missão de
inquérito temporária. Estes personagens, que recebem no século XIII o título de bailios, vêem ser-lhes
atribuída uma circunscrição bailial fixa respectivamente em 1254 e 1256, no interior da qual julgam em
recurso, entesouram as receitas régias, recrutam a hoste e transmitem as ordens do rei.
Apesar dos abusos, da ausência de especialização, da insuficiência de efectivos, estes servidores do
príncipe facilitaram a extensão do poder régio ao conjunto do reino, ao passo que em Inglaterra não podem
impedir que se esboce a possibilidade, para os governados, de exprimirem o seu assentimento ou as suas
reticências face à autoridade monárquica (o Parlamento).

4. O príncipe e o país

O rei e o clero
Para alicerçar de uma forma duradoira o seu poder, o príncipe deve impor-se às principais colectividades
que o país comporta. O clero ocupou desde muito cedo um lugar de eleição na administração régia e
mantém-se dentro dela durante muito tempo. Os Plantagenetas confiavam a simples clérigos cargos elevados
na corte, promovendo-os em seguida ao episcopado. Na Germânia, os imperadores encontram nos bispos
auxiliares em muitos casos mais fiéis ao seu senhor do que ao pontífice romano. Os Capetos admitem
clérigos no Conselho do Rei, na chancelaria, na guarda do tesouro; escolhem entre estes os seus mais fiéis
conselheiros. A Igreja reivindica a liberdade das eleições episcopais e a livre disposição dos seus bens,
rejeitando desta forma os direitos de regalia e de desamortização geralmente praticados pelos soberanos.
Aceitando o triunfo das ideias gregorianas, os príncipes mantêm contudo um controlo discreto sobre as
eleições episcopais, impõem décimas às igrejas, esforçam-se por reduzir as imunidades e o exercício do foro
eclesiástico.

O rei e os Grandes
Com a aristocracia, os soberanos devem saber dividir para reinar. Os barões ingleses, conseguem com
êxito, limitar a arbitrariedade real e fazer respeitar os seus costumes antigos. No Império, o soberano
começa por resistir aos poderosos mas tem em seguida que abdicar. Tanto na Germânia como em Itália, a
autoridade imperial desaparece diante da ascensão dos príncipes, dos senhores e das repúblicas urbanas. A
política real arrecada mais sucesso na França dos Capetos; sabe jogar com as divisões da nobreza, atrai os
seus representantes para a vassalidade régia e para as instituições monárquicas. Os barões têm que admitir a
conversão dos seus alódios em feudos, a extensão da moedagem e da jurisdição do Capeto, a dominação
régia sobre os seus castelos. A monarquia feudal em França absorve os principados, domestica a
aristocracia, mas sempre apoiada no direito feudal.

O rei e as cidades
Restam as cidades, força política a não descurar. No século XII, Capetos e Plantagenetas toleram o
movimento comunal, concedem cartas de alforria fazendo de certos burgos organismos autónomos. Mas as

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liberdades urbanas representam um entrave ao desenvolvimento do Estado. Frederico II, na Itália do Sul,
impõem às cidades o controlo de agentes régios e bloqueia as suas veleidades de autonomia; os Capetos
lançam mão, no século XIII, às cidades do reino, exigindo um contributo militar e financeiro das comunas.
No final do século XIII, Império e Cristandade já não conseguem impor-se. Nascem Estados, segundo
modalidades diferentes, uns caminhando para o absolutismo, outros para um controlo do poder real,
enquanto o Império se desmembra em principados, em senhorios, em comunas autónomas. A máquina
administrativa dos Estados modernos dá aos seus soberanos uma autoridade incontestada, enquanto a
compartimentação política furta aos restos do Império qualquer possibilidade deste formar, a curto prazo,
Estados coerentes.

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XII
O renascimento do comércio

1. As origens do renascimento comercial

Na época carolíngia, os especialistas do comércio eram ainda pouco numerosos. Entre o século X e o
século XI, o grupo até então restrito dos mercadores vê-se enriquecido com novos elementos: intermediários
que os senhores encarregam da venda de alguns excedentes agrícolas, descarregadores de porto e
desenraizados de todas as proveniências que se juntam a uma ou outra caravana, ou se entregam ao ofício de
marinheiros nas cidades abertas para o mar. Indícios de um ressurgimento comercial, cujas origens ainda
permanecem mal destrinçadas.

O papel do Mediterrâneo
Para alguns, o Oriente muçulmano, onde se formam grandes cidades consumidoras – Bagdade, Damasco,
Cairo -, carece de matérias-primas como a madeira, o ferro e o estanho, e principalmente de mão-de-obra;
ele vai incentivar o Ocidente a exportar escravos, minério e madeiras. Nesta perspectiva, a formação do
mundo muçulmano teria provocado o despertar comercial do Ocidente cristão. Para outros, a génese do
renascimento não depende em nada de qualquer incentivo exterior; o progresso das técnicas agrárias teria
estimulado a produção ocidental ao ponto de se verificarem excedentes nas colheitas, e os primeiros
mercadores ocidentais têm o papel de escoá-los.
A partir destes primeiros focos de renascimento, o progresso comercial alcança lentamente países inteiros.
É o caso da Itália e o do Norte do Ocidente. Em Itália, a ocupação das regiões interiores pelos Lombardos
vai obrigar as cidades costeiras ainda sob a esfera bizantina a adquirirem por mar os meios de subsistência;
por sua vez, Salerno, Bari e Veneza podem igualmente obter a bom preço os objectos exportados de
Bizâncio. Destes dois factores resulta pois a formação de uma burguesia mercantil, de origem italo-
bizantina, que ainda reúne poderes para fundar, desde o início do século X, os seus estabelecimentos
comerciais em Constantinopla. No Mar Tirreno, cidades como Pisa e Génova repelem os Sarracenos da
Córsega e da Sardenha, perseguem-nos e recolhem destas expedições punitivas um espólio que investem em
seguida no comércio. A isto, somam-se os ganhos obtidos na venda dos produtos agrícolas. O surto
demográfico, que não se faz acompanhar por um crescimento de terras disponíveis, impele os filhos
segundos das famílias nobres a abandonarem o solo. O comércio é para eles uma fronteira. Adoptam-se
tradições bizantinas e muçulmanas, em matéria de construções navais e de contratos de associação,
propiciando a reunião de capitais.
A partir das regiões costeiras, o impulso alastra às cidades do interior. Veneza, Pisa e Génova, entre 1082
e 1155, reforçam os seus privilégios em Constantinopla ou acabam por lá se estabelecer. Estas condições
favoráveis estimulam as trocas entre o Oriente e a Itália. Importando as preciosas especiarias, as sedas e o
algodão, a península torna-se no intermediário obrigatório entre o Ocidente e os mundos bizantino e
muçulmano, quando, no século XII, lhes dá a conhecer os panos da Flandres.

O papel dos mares nórdicos


O Norte da Europa conhece igualmente um surto comercial precoce. No mundo escandinavo, os locais de
troca constituem marcos nas rotas do Báltico. Para Oeste, as vias fluviais do Mosa e do Reno conhecem uma
animação que não cessa de crescer; das zonas ribeirinhas do Mosa regista-se uma movimentação com
destino a Inglaterra. Mas principalmente, os progressos do fabrico de panos dos Países Baixos incitam os
Flamengos a completar a sua produção de lã com compras feitas na Inglaterra, exportando os seus tecidos
para todas as regiões nórdicas. Gand, e sobretudo Bruges, convertem-se em grandes praças comerciais.

A vida do mercador
Em Itália como no Norte da Europa, os mercadores conhecem uma extrema mobilidade, deslocando-se
praticamente durante o ano inteiro salvo nos meses de Inverno. Mas os bufarinheiros (regatões), à mercê na
maioria das vezes dos senhores ratoneiros, dos nobres que se esquivam a saldar as suas dívidas, das cidades

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com taxas exorbitantes, sabem desde logo agrupar-se para se defenderem. As primeiras guildas (associação
de socorro mútuo entre mercadores, convertida em seguida em agrupamento profissional) ou caridades
surgem na Flandres em finais do século XI, propagando-se a toda a região renana, à Inglaterra e à Bacia
parisiense. Originariamente com carácter religioso e de beneficência, estas associações tornam-se em
agrupamentos profissionais, organizando caravanas, reagrupando capitais, instalando nas cidades
estrangeiras um cônsul encarregado de zelar pela defesa dos seus cidadãos. As dificuldades do comércio
impunham tais agrupamentos.

2. As condições técnicas do comércio

Transportes terrestres
A rede viária romana, mal conservada, é progressivamente abandonada em proveito de outros percursos,
mais sinuosos, ligando mosteiros e castelos, penetrando em novas áreas de desbravamento. Os cuidados com
a manutenção destes novos caminhos são praticamente inexistentes, a estrada medieval é sobretudo o
caminho que é preciso abrir a pulso. Transpor montanhas inóspitas, ou atravessar rios ou riachos, não é
tarefa fácil, apesar do empenho de confraternidades, de comunidades de utentes ou de cidades em instalar
pontes a custos elevadíssimos. Estas construções têm todavia como contrapartida a multiplicação das
portagens, cujo ónus pode desviar tráfegos. O custo do transporte por terra exclui à partida as chamadas
mercadorias pobres. Estas ficam reservadas para as vias fluviais. Graças ao uso de embarcações de fundo
chato, torna-se possível fazer chegar grandes carregamentos a montante de rios hoje considerados pouco
navegáveis.

Transportes marítimos
No mar, as condições são outras, com os transportes marítimos adaptando-se melhor à diversidade dos
carregamentos e permitindo canalizar as mercadorias pobres ao longo de grandes distâncias. Mas também
neste caso não escasseiam os obstáculos: por um lado, a pirataria; por outro, os riscos inerentes ao mar, que
impõem uma navegação essencialmente de cabotagem e que excluem as longas viagens de Inverno. Para
dividir estes riscos, os navios e a sua carga são repartidos em partes, criando entre os seus proprietários
associações efémeras reforçadas desde o final do século XIII por contratos de seguro marítimo; por outro
lado, as cidades marítimas italianas começam a escoltar com navios de guerra os barcos mercantes
agrupados em frota. Apesar do aperfeiçoamento das técnicas de construção naval, a capacidade das
embarcações continua a ser reduzida. No século XIII algumas invenções que vêm melhorar as técnicas de
navegação começam a ser divulgadas, nomeadamente o leme de cadastre, a bússola, os astrolábios e as
primeiras cartas marítimas ou portulanos.

As feiras
Os mercadores têm necessidade de reuniões periódicas, onde possam negociar por atacado, e isso é o que
as feiras lhes asseguram, as quais têm lugar praticamente em todas as regiões animadas pelo comércio,
desde as feiras de Inglaterra, da Flandres, da Itália, do domínio francês e sobretudo de Champagne,
liderando estas últimas o conjunto do comércio internacional do século XII ao século XIII. O seu sucesso
ficou a dever-se à acção inteligente dos condes quando concedem aos mercadores uma protecção que se
esforçam por alargar para lá dos limites do seu condado, ou instituem guardas de feiras encarregados de
zelar pela segurança dos mercadores, de exercer sobre estes uma jurisdição, de redigir em seu favor
contratos de toda a espécie, executórios no Ocidente inteiro. Os condes favorecem além disso a vinda dos
estrangeiros, construindo alojamentos onde se agrupam, sob a direcção de um cônsul, os mercadores da
mesma origem.
De 1150 até finais do século XIII, toda a Europa mercantil aflui a Champagne: os Flamengos vendem aí
tecidos de lã e panos, os Italianos as sedas, especiarias e produtos de luxo, as gentes do Midi francês
comercializam couros, os Alemães vendem peles e couros. As trocas não se regem necessariamente por
dinheiro à vista; instaura-se o hábito de regular as dívidas por meio da compensação, de transferir créditos
de feira para feira. Sob a influência dos Italianos, que dão a conhecer a todo o Ocidente o emprego das letras
de feira, dos bilhetes à ordem ou livranças, dos contratos cambiais, as feiras de Champagne perdem uma boa
parte da sua importância comercial e tornam-se, na segunda metade do século XIII, o grande mercado de
câmbios de toda a Europa. O apogeu das feiras precede de perto o seu declínio. Desde o início do século

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XIV, o seu papel financeiro vai-se desvanecendo. O desenvolvimento de uma indústria têxtil em Itália cria
dificuldades aos panos flamengos. Novas vias, distanciando-se de Champagne, ligam a Itália ao Norte da
Europa, através dos Alpes suíços, e por mar, de Génova e Veneza, a Bruges e Southampton.
Essencialmente, uma mudança das estruturas comerciais arrasta consigo a substituição progressiva do
mercador itinerante por um mercador sedentário, representado nas principais praças de comércio. As
reuniões periódicas nas feiras tornam-se doravante inúteis. As feiras de trocas que vemos sobreviver no final
da Idade Média não são mais do que encontros de especialistas, sem nada a ver com essa vasta afluência de
mercadores da Europa inteira que as quatro cidades de Champagne conheceram.

3. Problemas da moeda e do crédito

A moeda
Cerca do ano Mil, o Ocidente conhecia um sistema monetário próximo do que instituíra Carlos Magno:
uma moeda de prata, o denário; duas moedas de conta, a libra e o soldo. Os denários tinham sofrido uma
depreciação. Em função das necessidades do comércio renascente, colocam-se em circulação os metais
preciosos imobilizados nos tesouros laicos ou eclesiásticos. Graças aos excedentes do comércio italiano,
obtém-se o ouro do Senegal. Estas novas aquisições de metais preciosos são utilizadas na cunhagem de
espécies monetárias de valor superior pelo seu peso e pelo seu título aos denários pós-carolíngios: Veneza
em 1202, seguida de outras cidades italianas, emite «gros» de prata, copiados logo a seguir em todo o
Ocidente. Entretanto, depois da Catalunha ter emitido, bem como Castela, as moedas de ouro muçulmanas,
Génova e Florença emitem em 1252 moedas de ouro. O sucesso desta moedagem incita Veneza a cunhar,
desde 1284, o ducado, que rapidamente se converte no instrumento das trocas internacionais, o verdadeiro
dólar da Idade Média. A despeito destas novas cunhagens, o volume dos meios de pagamento não se
ajustava ao volume das transacções comerciais. Recorreu-se a um ritmo crescente à moeda escritural e ao
crédito.

O problema do crédito
Com a condenação da usura pela Igreja, que a confunde com os empréstimos a juros, urge procurar
soluções que satisfaçam a um tempo a consciência dos mercadores e as necessidades do comércio:
dissimulando o juro, empréstimos marítimos e contratos de troca em que os riscos corridos pelos credores
justificavam a cobrança de um juro, letras de pagamento e letras de feira anunciando a letra de câmbio cujos
primeiros exemplares remontam aos últimos anos do século XIII. Os banqueiros italianos surgem no século
XII nas principais praças comerciais da península; especialistas do sistema de troca ou câmbio manual, estes
começam a receber depósitos, a efectuar pagamentos por conta dos seus clientes, transferências e
compensações de uma praça para outra, nomeadamente entre as cidades da Itália e as feiras de Champagne.
A Banca nasceu da troca.

As formas de associação comercial


À medida que se vinham desenvolvendo as actividades comerciais, os capitais pessoais dos mercadores
cessam inevitavelmente de ser suficientes. O recurso ao crédito é facilitado por associações financeiras e
comerciais, de duração mais ou menos limitada. Nas cidades marítimas italianas, adoptam-se, em geral, os
contratos de comenda, de collegantia e de societas maris, concluídos na presença de um notário. Tais
acordos envolvem um ou vários comanditários, e um ou vários mercadores itinerantes. Na commenda, o
mercador recebe um capital para o qual não contribui com nenhuma quota sua; na collegantia e na societas
maris, o comanditário avança os dois terços do capital que vão somar-se à quota pessoal do mercador (um
terço). As perdas são suportadas pelo prestamista, os benefícios repartidos entre o candidato ao empréstimo
e o comanditário. Os contratos são, regra geral, limitados à duração de uma viagem; eles vão permitir que
pequenos negociantes possam aventurar-se aos riscos do comércio, a par de grandes comanditários, assim
como permitem que mercadores mais empreendedores reunam avultados capitais, sem qualquer quota
pessoal, e se a sorte os beneficiar, que singrem até na aristocracia dos homens de negócios.
Ainda em Itália, mas sobretudo nas cidades do interior, assiste-se ao nascimento de outras associações, as
«companhias», reagrupando em torno de um núcleo familiar vários associados, sócios capitalistas,
colocando toda a sua actividade ao serviço da sociedade, indo dirigir sucursais nas maiores praças

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comerciais do mundo mediterrânico e ocidental. Estas companhias aceitavam depósitos constituídos pelo
seu pessoal ou por terceiros aos quais é pago um juro. Faziam comércio de tudo um pouco, dirigiam a
fabricação ou os acabamentos dos têxteis, dedicavam-se a operações bancárias: troca, transferências,
liquidações de contas de praça para praça e, essencialmente, empréstimos aos papas, aos reis, aos príncipes e
às cidades. Realizando um volume de negócios largamente superior aos rendimentos habituais dos príncipes,
eles eram, a todo o momento, ameaçadas de falência, pois os empréstimos inevitáveis autorizados aos
príncipes tornavam insuficiente a cobertura dos depósitos. O menor pânico desencadeava a corrida à Banca
dos depositantes e, automaticamente, a bancarrota.
Todas estas associações temporárias ou duradoiras, colocam à disposição dos homens de negócios capitais
abundantes, particularmente em Itália. Tanto pelas suas técnicas como pela posição que ocupam no campo
das trocas, no final do século XIII os Italianos impõem-se um pouco por todo o Ocidente.

4. O grande comércio internacional no século XIII

Os anos 1250-1290 são considerados como a época do apogeu da revolução comercial da Europa
medieval. As cidades italianas conseguiram criar com êxito o mais vasto império económico que o mundo
jamais conhecera, um império que se estende da Inglaterra ao Mar Negro. Os efeitos do grande comércio e
da economia monetária fazem-se sentir por toda a Europa, isolando algumas zonas pouco animadas,
colocando face a face economias pouco desenvolvidas (Alemanha do Sul, Inglaterra, Península Ibérica com
excepção da Catalunha, e em menor grau a França meridional) e economias dominantes (Flandres e
Alemanha do Norte, Itália). Grandes sociedades, apoiando-se no poderio político de uma cidade ou de um
Estado, dominam o mundo das trocas. Dois grandes eixos comerciais somam vantagens, o Mediterrâneo e os
mares nórdicos.

No Mediterrâneo
No Mediterrâneo, a reconquista cristã e as cruzadas rechaçaram os Muçulmanos do grande comércio
marítimo, o qual passa para as mãos dos Italianos e, em menor escala, para as dos Catalães. Predominam as
especiarias no sentido este-oeste, bem como os tecidos no sentido inverso. Mas o tráfico incide de igual
modo nas matérias-primas necessárias à indústria têxtil, o algodão do Próximo Oriente, a lã do Norte de
África; na madeira e nos metais transportados pelos Italianos para o Egipto; nos couros e nas peles
exportadas da Ásia Menor e do Norte de África; nos produtos alimentares, vinhos das ilhas gregas, sal das
Baleares, açúcar de cana da Mesopotâmia e de Chipre; nos artigos de luxo são as especiarias, os tecidos de
seda, damascos, as peles vindas das terras russas pelo Mar Negro.
Géneros alimentares e matérias-primas preenchem a maior percentagem dos carregamentos, se bem que
em valor as especiarias e os tecidos de luxo lhes levem vantagem. O comércio mediterrânico ordena-se em
torno das rotas das especiarias mais ou menos controladas por Bizâncio e os países muçulmanos. Os
Italianos procuram por todos os meios ter sobre elas o seu domínio, aproveitando-se da 4ª Cruzada para criar
um Império latino dominado por Veneza. Longe, porém, de se manterem unidos, os mercadores cristãos
estão em acesa concorrência.

Nos mares nórdicos


Nos mares nórdicos, o contraste com o comércio mediterrânico é acentuado. Às sedas, especiarias ou
produtos de luxo, substituem-se os géneros alimentares e as matérias brutas. Fortemente povoados, alguns
países, como a Flandres, dependem do estrangeiro para assegurar o seu abastecimento; o norte de França
fornece-lhes cereais, a Holanda e a Escandinávia abastecem-nos de manteiga, na Saxónia o sal. A madeira
para a construção vem da Alemanha do Sul, da Escandinávia, da Polónia e da Rússia. A lã é comprada na
Inglaterra, os metais correntes na Saxónia e na Suécia. Os panos flamengos exportados para vários lugares
servem de moeda de troca. Se as rotas italianas, por volta dos anos 1300, atingem os portos da Flandres e da
Inglaterra, para lá de Bruges estende-se o império comercial germânico que cobre o Mar do Norte, o Báltico,
a Escandinávia e as terras do Leste.

A expansão germânica

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Entre estes dois conjuntos comerciais, Mediterrâneo e mares nórdicos, muito em breve se iriam tecer laços
estreitos. Laços terrestres através das gargantas alpinas e das feiras de Champagne; laços marítimos com a
instalação dos Italianos em Southampton, Londres e Bruges, bem como a criação, no início do século XIV,
de linhas marítimas regulares entre a Itália e a Flandres, e também a intensa actividade das frotas nórdicas
que descem até às costas atlânticas francesas onde carregam os navios com o sal e o vinho da Aquitânia,
consumido na Inglaterra.
Este quadro dá-nos a impressão de uma vida económica intensa. Porém, as trocas permanecem, em
volume, limitadíssimas: elas satisfazem as necessidades das classes mais elevadas das cidades que reúnem
uma percentagem mínima da população nacional. A lentidão dos transportes, as fracas tonelagens, a
insegurança permanente dos mercadores, as confiscações e desvalorizações monetárias constituem entraves
evidentes à revolução comercial.

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XIII
Cidades e sociedades urbanas

1. O surto urbano: origens e modalidades

A tese de Pirenne
As conquistas muçulmanas que fazem do Mediterrâneo um lago sarraceno põem termo ao grande
comércio entre o Ocidente e o Oriente. A interrupção das correntes comerciais provoca, a partir do século
VIII, o declínio das cidades ocidentais que haviam sobrevivido na época merovíngia. No final do século IX,
as invasões normandas acarretam uma ruptura ainda mais brutal na vida urbana; o comércio pára, as cidades
fecham-se sobre si mesmas. Apenas dois tipos de aglomerados subsistem: a cidade enquanto ponto
nevrálgico (civitas), antiga capital de circunscrição administrativa sob o Baixo Império; o burgo ou castrum,
organismo militar criado para resistir às invasões normandas. Cidades e burgos, em completo declínio no
final do século X, constituem núcleos pré-urbanos.
O renascimento das cidades no século XI está ligado única e exclusivamente ao novo surto do grande
comércio. No termo das suas viagens, mercadores estabelecem os seus entrepostos e as suas actividades nas
imediações de um núcleo pré-urbano. O aglomerado mercantil é o gérmen da cidade medieval.Estes recém-
chegados têm sobre a propriedade do solo, os direitos de justiça, a liberdade das transacções comerciais,
ideias novas. A breve trecho, entram em conflito com a organização senhorial preexistente, formam
associações juradas que estão na origem do movimento comunal.

As correcções actuais
Esta síntese sedutora suscitou variadíssimas objecções. Um corte propriamente dito, que as invasões
normandas tivessem originado, nunca se verificou verdadeiramente. O renascimento das cidades já vinha
tendo início desde o século X. Os mercadores não são esses estranhos cujas aventuras se evocava. Muitos
provêm dos círculos que gravitam em redor dos bispos, servidores encarregados da venda dos excedentes
agrícolas dos domínios eclesiásticos; outros vêm do campo vizinho, antigos camponeses que criam o gosto
pelo comércio dos géneros locais, ou artesãos que vêm fixar-se na cidade. Os mercadores do século XI não
são novos-ricos mas sim os filhos dos ricos das épocas precedentes. A cidade medieval está incrustada no
campo, e os seus habitantes têm as mais das vezes uma origem rural, alguns conservando mesmo uma
actividade agrícola. As grandes cidades do Ocidente florescem no cruzamento das grandes rotas comerciais
mas também nas terras agrícolas mais ricas. Finalmente, o surto comercial não é a única causa do
movimento comunal. Uma necessidade de paz e segurança impele os citadinos a unirem-se.
Distinguem-se pois três grandes áreas geográficas. Na Europa do Norte, na Inglaterra e países eslavos,
onde grandes proprietários fundiários dominam uma população disseminada, as cidades medievais
prolongam criações primitivas. No Oeste europeu, as tradições romanas são muitas vezes preservadas; os
aglomerados mercantis justapondo-se às cidades e aos burgos sobrelevaram, em muitos casos, o núcleo
antigo. Opostamente, na zona mediterrânica, a rede urbana antiga, extremamente densa, manteve-se. As
cidades transformaram-se em fortalezas, nos tempos conturbados; acolhem os nobres, proprietários
fundiários, os clérigos e os mercadores.

Tipos de cidades
Cinturas de muralhas gradualmente mais dilatadas reúnem antigos e novos bairros, invadem espaços ainda
não edificados, marcam as fases sucessivas do surto urbano. Vemos instaurar-se uma hierarquia: na base
figura um número avultado de pequenas cidades, contando alguns milhares de habitantes, vivendo do
mercado semanal, dos trabalhos do campo ou de algumas actividades artesanais; acima destas estão as
capitais de província e de dioceses, agregando mercadores, artesãos em maior ou menor número, clérigos, os
agentes do rei ou do príncipe. Finalmente, no topo, vemos as grandes metrópoles medievais que
conseguiram diversificar a gama da sua produção, passando a atrair mercadores, artesãos e camponeses em
busca de emprego, a viver de actividades comerciais, industriais e financeiras, a gozar em suma de uma
projecção internacional.

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2. O movimento comunal e as instituições urbanas

O que é a comuna?
A génese e a definição das comunas medievais são ainda controversas. Em geral, entende-se por comuna
uma associação jurada, que obtém a confirmação dos seus usos e costumes, o direito de escolher no seu seio
magistrados que se encarreguem de defender os seus privilégios e que exerçam em seu nome uma jurisdição
mais ou menos alargada. Mas o exame mais atento do contexto em que se formaram as comunas revela que
estas preenchem um vazio político respondendo às necessidades dos grupos sociais urbanos e que são
fundamentalmente instituições de paz inserindo o mundo das cidades no movimento de paz que se
desenvolve desde o final do século X sob a tutela dos clérigos.
No momento em que renascem as cidades no Ocidente, a autoridade pública ainda é, em muitos casos,
impotente. O poder pertence aos castelãos, aos donos dos principados que residem no campo e exercem aí
os seus direitos de justiça, de polícia, bem como a sua protecção; a sua influência detêm-se às portas da
cidade. Os bispos, por seu lado, defensores da civitas, que se arrogaram uma parte do poderio público, caem
no descrédito que merece a feudalização das funções clericais. Os jovens organismos urbanos desenvolvem-
se num certo vazio político que os atira para a autoridade dos citadinos mais empreendedores. Necessidade
de liberdade, de autonomia jurídica e administrativa, de segurança contra as pilhagens dos senhores,
preocupação sobretudo em escapar aos múltiplos enredos feudais, tais são as principais reivindicações dos
mercadores que, dentro do movimento comunal, ocupam a ribalta.
A comuna medieval responde ao contexto geral do movimento de paz. Uma paz que é um pacto
voluntário entre todos os citadinos, selado por um juramento e procurando o apoio do clero local e dos
Grandes. Esta conjuratio que coloca em pé de igualdade todos os seus membros, quer assegurar a defesa dos
citadinos, e em particular a dos mercadores, a protecção contra as violências e as exacções dos senhores ou
dos próprios citadinos; ela faz da cidade e seus arredores um oásis de paz. Este pacto vai por vezes buscar as
suas raízes a agrupamentos de bairro ou de ofício (irmandades, caridades, guildas).

Sociedades urbanas e poderes feudais


Senhores leigos e reis não manifestaram uma oposição particularmente irredutível ao movimento
comunal. Os primeiros aperceberam-se amiúde de que limitando as suas exacções, favoreciam o comércio e,
como tal, poderiam aumentar a cobrança dos terrádigos; entrando na conjuratio, eles ficavam como garantes
da paz. Esporadicamente, também os soberanos favoreceram as comunas, em troca de algumas
compensações financeiras ou militares. Por seu lado, também os clérigos levantaram por muito tempo
obstáculos ao movimento comunal, que despojava o bispo, sem contrapartida, da sua autoridade, que fazia
passar as instituições de paz para as mãos dos leigos. Daí nasceram revoltas não raro sangrentas, se bem que
noutros casos o clero tenha apoiado a comuna urbana.
A redacção de uma «carta de comuna» expressa o seu reconhecimento por parte da autoridade local. Estes
textos são, antes do mais, uma garantia contra a arbitrariedade; eles concedem aos conjurados a liberdade
pessoal, corolário da paz, limitam os impostos, requisições e corveias, fixam os deveres militares dos
citadinos supostamente obrigados a responder a qualquer convocação da milícia comunal. Instituem árbitros
encarregados de zelar pela manutenção da paz, bem como julgar e aplicar sanções, e que são, em geral, um
«maire» e jurados, escolhidos entre os citadinos.
Uma tal evolução para a autonomia urbana não foi geral. Algumas comunas, querendo ir longe demais,
acabam por romper os seus compromissos e caem de novo nas mãos do poder condal ou monárquico. Outras
cidades, mantidas sob a autoridade de um príncipe, recebem forais mas poucos ou nenhuns privilégios
administrativos ou políticos. Vilas francas e vilas-boas, levam vantagem, no século XIII, sobre as comunas,
tanto mais que estas últimas vinham perdendo o seu dinamismo. Os seus problemas financeiros foram por
vezes de tal ordem que o rei assume o seu controlo.
No quadro renascente dos Estados, a manutenção da paz já não incumbia às milícias comunais mas ao
poder real. A solidariedade citadina desagregava-se; restavam tão-somente os privilégios urbanos, agora
desviados em benefício de uma oligarquia mercantil e financeira, açambarcando o poder e suscitando contra
si a oposição da média e pequena plebe. Crises sociais e políticas vêm minando aos poucos as comunas,

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obrigadas a apelar à arbitragem real ou senhorial. A solidariedade comunal desvanece-se em face das
rivalidades económicas.

3. As sociedades urbanas

Enquanto o mundo rural evoluía lentamente e o campesinato tardava a cindir-se em classes diversas, o
mundo das cidades, em compensação, via nascerem categorias sociais diversificadas e cada vez mais
compartimentadas, entre as quais o dinheiro constituía o critério mais evidente de diferenciação.

O clero urbano
Os clérigos não deixam de conservar uma importância considerável graças ao seu número e às suas
funções. Curas e ministrantes de paróquias, cónegos da catedral, clérigos constituindo a família do bispo,
monges negros (os beneditinos) e monges brancos (os cónegos regulares e os cistercienses) estabelecidos às
portas das cidades, frades menores e pregadores fixando-se no coração das cidades, congregações de todo o
tipo, etc., o clericato urbano não pode ser alienado dos citadinos, no seio dos quais é recrutado na sua grande
maioria. As autoridades eclesiásticas monopolizam o ensino; a beneficência, a gestão das «sopas» dos
pobres, confrarias e hospitais. Na administração urbana, os clérigos prestam a sua competência junto dos
burgueses, visto serem rarissímos, no século XIII, os funcionários públicos e os oficiais de justiça de
condição laica.

Os nobres urbanos
A cidade também não rejeitou as antigas linhagens, descendentes da aristocracia urbana. Com o apoio dos
seus vassalos, algumas delas ainda conseguem dominar temporariamente as cidades, enquanto no centro da
França ou em Castela há senhores que ainda mantêm um pé dentro dos organismos municipais. São
sobretudo os filhos segundos das famílias nobres que emigram em geral para a cidade, na qual se instalam e
se dedicam aos negócios mas continuando a possuir domínios no campo.

O «patriciado urbano»
A revolução comercial dos séculos XI e XII proporciona aos mais empreendedores benefícios
consideráveis; ela oferece-lhes uma constante possibilidade de ascensão social. O patriciado reúne nobres de
segunda classe, pequenos cavaleiros. Noutros lugares, os poderosos do século XIII são os descendemtes das
gentes enriquecidas pelas trocas, pelo comércio local ou em muitos casos pelo tráfego internacional de
artigos de luxo ou de consumo corrente.
Com origens diversas, o patriciado tem características comuns. Possui o solo urbano, retira da terra e das
casas chorudos rendimentos; cria para si uma clientela de adstritos, de serviçais que ajudam cada clã
familiar a dominar um bairro da cidade onde manifesta o seu poderio erigindo torres. Dispõe dos capitais
indispensáveis para todas as formas de actividade económica: tráfico dos géneros de grande consumo;
operações de câmbio; crédito aos príncipes e aos reis; compra de terras, de casas e até de senhorios. As
disposições jurídicas reservam ao patriciado o monopólio do grande comércio e da actividade industrial.
Numa primeira fase que tem o seu término próximo dos anos 1200, o patriciado começa por partilhar a
governação das cidades com a nobreza fundiária, os funcionários do conde ou do bispo; mas conflitos de
interesses opõem de imediato os dois grupos. A burguesia dos negócios, apoiando-se nas corporações de
ofícios que domina, consegue obter o monopólio das funções públicas. Designa os titulares das
magistraturas urbanas, elabora estatutos reservando ao patriciado o exercício dos cargos públicos. O
exercício das funções públicas confunde-se com a defesa de privilégios. Os novos-ricos, o povo estão à
partida excluídos do poder.

A «plebe»
A «plebe» constitui um meio não homogéneo: simultaneamente uma classe média de comerciantes e de
artesãos possuidores de alguns bens, engloba igualmente oficiais de justiça, notários, advogados, corretores
dos grandes mercadores, operários da grande indústria, uma massa de miseráveis afluindo em busca de um

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engajamento à tarefa ou à jorna. As «bolsas» de ofícios procuram com o apoio dos poderes públicos
controlar os artesãos. Reservam para os seus membros o monopólio do exercício do ofício, a exclusividade
do mercado da cidade, regulamentam a fabricação, os horários de trabalho, os salários, protegendo sempre
os consumidores contra os defeitos de fabrico. Organizam uma estrita hierarquia dos seus membros: à
cabeça, os artesãos-mestres, proprietários das ferramentas e apetrechos e fornecedores das matérias-primas;
os oficiais, sujeitos aos mestres e sem esperanças de ascender à mestrança; finalmente, no escalão inferior,
os aprendizes, expostos ao licenciamento imediato. Nos ofícios que apenas asseguram a vida quotidiana das
cidades, os mestres gozam de uma situação medíocre, ao contrário daqueles ofícios que satisfazem as
necessidades do grande comércio internacional em que eles já estão por conta dos mercadores grossistas,
particularmente no ramo da fabricação de panos, estofos, e sedas, a única verdadeira indústria que a Idade
Média conheceu.
A base da hierarquia, essa ocupam-na os excluídos. A cidade medieval recebe constantemente os
camponeses desarreigados, servos que romperam com o senhor, pessoas que ela assimila mal e atira para os
magotes de vagabundos e pedintes, vivendo de esmolas ou de rapinas, enquanto não os expulsam os
organismos municipais. Como os leprosos, eles horrorizam e atraem a um tempo, dando aos citadinos a
oportunidade de fazerem caridade e sossegar a consciência. Quanto aos Judeus, tolerados até ao século XI,
sofrem inúmeras perseguições depois de 1100. O anti-judaísmo que acompanha a ideia de cruzada, o ódio
aos Judeus, prestamistas a juros, provocam confiscações de bens, expulsões. Os estrangeiros, também eles,
são vistos sob suspeita: gentes sem eira nem beira, que facilmente são metidos na prisão ou expulsos para as
estradas onde vão engrossar o rol dos errantes.

As crises urbanas
Entre o patriciado e a plebe assim enquadrada, declara-se inevitavelmente o divórcio no século XII. O
aumento da população urbana, uma regulamentação cada vez mais meticulosa do trabalho em proveito da
alta burguesia, uma escalada muito rápida nos preços dos víveres e rendas de casa, que a subida dos salários
não acompanha, criam uma situação explosiva. Bastou uma recessão da indústria flamenga na segunda
metade do século XIII, dificuldades financeiras em Florença, para que as sublevações inevitáveis
estoirassem.

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XIV
A Igreja e a sociedade política

1. A Igreja e a feudalidade no século XI

Em virtude do declínio do poderio público no século X, os clérigos como os leigos procuram a protecção
dos poderosos; em contrapartida, estes últimos apropriam-se do direito de dispor dos bens das igrejas e de
designar os titulares dos cargos eclesiásticos. A influência dos leigos sobre a Igreja exercia-se a todos os
níveis.

A crise da hierarquia eclesiástica


O Papado, depois de 192, caíra sob a tutela dos imperadores germânicos. Igualmente grave era a
feudalização, no século XI, dos cargos episcopais e abaciais. Os primeiros Capetos não se privam de vender
pela melhor oferta os bispados reais de que dispõem, indo ao ponto de utilizarem a força para impor os
candidatos da sua preferência. Na Inglaterra, a aristocracia local era praticamente a dona das dignidades
eclesiásticas; após a conquista de 1066, Guilherme I, reabilitando o nível moral do clero subordina a Igreja
de Inglaterra à coroa. No Império, tornara-se já um hábito corrente os soberanos designarem os bispos.
Teoricamente eleitos pelo povo, os bispos eram, na realidade, criaturas dos imperadores, os quais lhes
concedem a investidura entregando-lhes o báculo e o anel, símbolos da sua função. A maior parte das vezes,
o novo pastor presta homenagem ao soberano pelas terras do bispado. A investidura laica assinalava a
intrusão do poder temporal no domínio espiritual.
As paróquias rurais transformaram-se em verdadeiros feudos dependendo de grandes proprietários,
herdeiros dos fundadores dessas mesmas igrejas. Gera-se a todos os níveis uma confusão entre a função
eclesiástica e o benefício temporal. Isto vai originar entre os clérigos uma grave crise moral que se manifesta
de duas maneiras, a prática da simonia (compra e venda dos poderes sacramentais e dos cargos
eclesiásticos) e do nicolaísmo (desordem dos costumes). Designa-se por simonia o tráfico das coisas sacras,
e o seu desvio para fins profanos. Em consequência, os clérigos dão dinheiro para obter uma dignidade
eclesiástica e, uma vez designados, fazem-se pagar por todos os actos do seu ministério, por administrarem
os sacramentos ou por conferirem postos eclesiásticos. Até ao início do século XI, as condenações destas
práticas simoníacas não têm a mínima eficácia. A situação não era melhor em França, nem na Germânia e
num grande número de mosteiros. Certos cargos episcopais são, inclusivamente, transferidos por via
hereditária. A reforma do clero devia começar ao mais alto nível, o do Papado.

A influência da Igreja sobre a feudalidade


A multiplicação dos laços pessoais na era feudal provocava o uso constante dos juramentos; os clérigos
fazem respeitar a fé jurada, ameaçando os perjuros com os piores castigos. Orientam a acção dos reis
lembrando-lhes, através do juramento da unção, o seu dever. A Igreja coloca igualmente a cavalaria ao
serviço de um ideal religioso.
Homicídios, pilhagens, guerras privadas, violências de toda a ordem são os grandes flagelos da primeira
idade feudal. Ao propor a «Paz de Deus» como um rito eminente de penitência e purificação, a Igreja
coloca-se à cabeça, no início do século XI, do movimento de paz. Posteriormente, entre 1027 e 1041, sob o
impulso de Cluny, é organizada a «trégua de Deus», obrigando os profissionais da guerra a suspenderem as
hostilidades durante os períodos consagrados (Advento, Quaresma, época pascal).

2. A reforma gregoriana

A reforma monástica

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A reforma geral da Igreja fora precedida de uma reforma monástica, posta em marcha desde o século X.
Vimos já a que ponto a influência de Cluny fora determinante. Fora de Cluny e das suas filiais, dois focos de
reforma se destacam: a Itália e a Lorena. Na Itália, vinha-se denunciando desde o século X a investidura
laica como a fonte de todos os males. Empenham-se numa campanha de contenção da desordem dos
costumes clericais por meio de tratados. Em Milão, os Patarinos perseguem os clérigos simoníacos e
casados, erguem-se contra o alto clero aristocrático e concorrem para a recuperação moral do mundo
clerical. Na Lorena, a reforma é propagada pelas abadias beneditinas. Verifica-se a necessidade de suprimir
a investidura secular e o papel preponderante que deve desempenhar a Santa Sé na reforma. Leão IX,
designado pontífice por Henrique III, em 1049, rodeia-se de clérigos imbuídos pelas ideias reformadoras. A
partir daí, o Papado podia dirigir a regeneração da Igreja.

A reforma pontifical
Desde a sua eleição, Leão IX não pára de lançar solenes condenações contra os clérigos simoníacos. Após
a sua morte (1054), o partido reformador aproveita-se do desaparecimento de Henrique III, que deixava um
herdeiro de quatro anos de idade, para fazer eleger o cardeal Estêvão IX sem o assentimento imperial
(1059), e a seguir a este Nicolau II (1059-1061), nas mesmíssimas condições. Este último consegue que seja
regulamentada a prática assim estabelecida: o decreto de Abril de 1059 reservava a eleição pontifical
exclusivamente aos cardeais, cuja escolha seria ratificada por aclamação do clero e do povo romano. O
Papado ficava deste modo liberto da tutela imperial. O Concílio de Latrão de 1060 condena o princípio da
investidura secular, a simonia e o nicolaísmo.
Gregório VII (1073-1085) iria imprimir à reforma um ritmo mais vivo, de tal modo que se chama
habitualmente reforma gregoriana ao conjunto do movimento reformador do século XI. Gregório começou
por renovar as condenações da simonia e do nicolaísmo. A obrigação reforçada do celibato eclesiástico
caminha a par do controlo que a Igreja se esforça por impor sobre o funcionamento do matrimónio (exclusão
dos consanguíneos) e da parentela simbólica (escolha dos padrinhos). Na Alemanha, Itália do Norte, França
e no reino anglo-normando, soberanos e nobreza laica apoiam o seu clero. Estas bolsas de resistência só
endurecem o papa na sua atitude. Em 1075, novos decretos proíbem os bispos de receber o seu cargo das
mãos de um leigo; mais importante ainda, um conjunto de 27 proposições, os Dictatus papae, definem os
poderes do pontífice e justificam o seu programa; apenas o papa, em nome de Cristo, tem um poder absoluto
e universal; ele é o chefe da Igreja, está acima de todos os príncipes laicos que pode depor sempre que estes
não respeitem os direitos de Deus e da Igreja. A excomunhão e a deposição dos imperadores encontram-se
justificadas. Da investidura secular passou-se para a superioridade da autoridade espiritual sobre a
autoridade temporal: doravante, era a dominação do Mundo o que estava em jogo.
Para os príncipes, os decretos de 1075 eram um atentado à sua autoridade. Não foram publicados nem na
Inglaterra, nem na Espanha, nem no Império. Neste, não querendo perder o seu papel político, os bispos
apoiam Henrique IV quando este enceta a luta, proclamando a deposição de Gregório VII, que faz ratificar
pelos bispos alemães e lombardos. O papa replicou excomungando o imperador, destituindo-o e
desobrigando os seus súbditos dos respectivos juramentos de fidelidade. Ameaçado por revoltas na
Germânia e pelo abandono dos bispos, Henrique IV, num gesto político, submete-se a uma penitência
pública e implora o perdão do papa. Embora recusando ao imperador a restituição dos seus direitos políticos.
Gregório VII foi moralmente obrigado a absolvê-lo, o que permite a Henrique IV retomar a luta. O papa
renova as suas sentenças de excomunhão e de deposição; o imperador faz eleger um antipapa, Clemente III,
que no entanto não consegue impor fora do Império. Gregório VII morre em 1085, tendo conseguido tornar
o Papado independente e fazer aplicar, em parte, a reforma eclesiástica.

A Questão das Investiduras


A Questão das Investiduras iria prolongar-se durante perto de quarenta anos. Os sucessores de Gregório
VII retomam o programa gregoriano com menos rigidez. Urbano II (1088-1099) procura obter a conciliação
com os cleros nacionais. Depois dele, a prática da investidura secular desaparecia em França, depois na
Inglaterra. Entre os Capetos, destacam-se duas investiduras, a primeira conferida pelo metropolita ao novo
bispo eleito pelo clero e pelo povo, a segunda outorgada pelo rei tendo em vista a função temporal do
bispado. Em Inglaterra o rei exigia dos bispos um juramento de fidelidade.
No Império, a questão das investiduras permanecia inflexível. Sob a ameaça dos exércitos alemães
entrando em Itália, reatam-se as negociações: uma solução radical, preconizando a renúncia do imperador às
investiduras é rejeitada pelos bispos alemães. O papa acaba por atribuir ao imperador a investidura pelo
báculo e o anel, após uma eleição livre, mas, perante os protestos do partido reformador, faz volte-face. A

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luta reacende-se até ao momento em que Henrique V, agastado com as revoltas na Alemanha, aceita as
aberturas que lhe fazia um novo papa, Calisto II, reformador mas diplomata. Longas discussões vêm a
saldar-se no acordo conhecido sob o nome de Concordata de Worms (1122).
Este texto distinguia, na função episcopal, o aspecto espiritual do temporal. As eleições episcopais e
abaciais seriam livres mas desenrolar-se-iam na presença de um delegado do imperador; o metropolita
outorgaria a investidura eclesiástica ao novo eleito. O imperador renunciava à investidura pelo báculo e o
anel mas obtinha em troca o direito de restituir ao novo bispo os bens e as funções políticas associadas ao
seu cargo, procedendo a uma investidura pelo ceptro, seguida de um juramento de fidelidade. Este
compromisso punha termo à Questão das Investiduras. A Igreja desfeudalizara-se, o prestígio do seu chefe
crescera.

3. A luta entre o Sacerdócio e o Império

Papas e reis
«Roma é a cabeça do Mundo», proclamava em 1139 o segundo Concílio de Latrão, no decurso do qual se
exprime a ideia de que Deus confiara ao sucessor de Pedro a disposição dos reinos e dos Impérios. Na
realidade, o triunfo do Papado era menos estrondoso. Em França a reforma gregoriana é introduzida no reino
sem o concurso do rei. Em Inglaterra, Henrique II quis consolidar a autoridade real sobre o clero,
controlando a eleição dos novos prelados. No Império, Frederico Barba-Roxa anunciaria desde a sua eleição
que tencionava devolver à dignidade imperial o seu antigo esplendor; reconquista o seu clero, controlando as
eleições episcopais e abaciais, fazendo dos bispos e dos abades «funcionários» ao serviço do imperador. No
interior da Igreja determinados clérigos punham em dúvida a tradição segundo a qual os sucessores de Pedro
fruíam de um poder superior ao dos outros príncipes.

Papas e imperadores
As múltiplas peripécias importam pouco. Elas opõem Frederico I, que apoia vários antipapas, e Alexandre
III, que granjeia a aliança das cidades lombardas, inquietas com as pretensões imperiais. Impotente para
desagregar os seus adversários, o imperador deve conformar-se a abandonar o seu antipapa e a reconhecer
Alexandre III. Nem por isso cessou de controlar, na Alemanha, as eleições episcopais.

A teocracia de Inocêncio III


O desaparecimento de Henrique VI é contemporâneo da elevação ao pontificado de Inocêncio III (Janeiro
de 1198). Este é inspirado por um pensamento político conhecido pelo nome de teocracia pontificial. Este
programa distinguia a plena soberania que só o papa detém, do poderio político que os soberanos recebem
directamente de Deus. A primazia romana tem uma origem divina, na medida em que Cristo conferiu a São
Pedro e aos seus sucessores a plenitude do poder. Os Estados e os soberanos não escapam à autoridade do
Sumo Pontífice, porquanto reis e imperadores têm deveres para com Deus, do qual o papa é juiz. Logo
resulta que o poder espiritual, dizendo respeito às coisas celestes, é superior ao poder temporal, que se
prende com questões terrestres.
Com Inocêncio III inicia-se a centralização romana, marcada pelo desenvolvimento de uma importante
administração eclesiástica e pelos progressos da fiscalidade pontifical. Ele encoraja a conquista e a
cristianização das regiões do Ocidente ainda nas mãos dos Infiéis ou dos pagãos; procura estabelecer a sua
autoridade temporal sobre Roma. Serve de árbitro na competição entre os pretendentes ao Império.
Variadíssimos reinos (Inglaterra, Aragão, Portugal, Polónia) declaram-se vassalos da Santa Sé. A celebração
do IV Concílio Ecuménico de Latrão (1215) marcou a apoteose do sistema teocrático desenvolvido por
Inocêncio III.

A vitória do Papado
O triunfo do Papado era frágil. Frederico II, ao fazer-se coroar imperador em 1220 e ao reunir nas suas
mãos os ceptros siciliano e germânico, iria fazer com que a luta do Sacerdócio e do Império enveredasse por
uma nova fase, violenta e incerta. O seu programa imperial é responsável por isso: imbuíam-no pretensões a
um poder universal; imperador romano, ele dispunha de uma soberania absoluta (influência do direito

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romano); imperador de direito divino, mediador entre Deus e os homens, considerava a Igreja como incluída
no Império. No lado oposto, dois papas enérgicos, Gregório IX e Inocêncio IV, que retomam, numa forma
exacerbada, as teorias de Inocêncio III. A polémica foi violenta, as chancelarias digladiam-se. Em boa
verdade, a grande parada era a dominação da Itália, relegando-se para segundo plano as questões religiosas.
Frederico II é excomungado uma primeira vez em 1227 por haver diferido a sua partida para a Cruzada.
Após sete anos de acalmia, o conflito reacende-se e sobe de tom quando Frederico teria pretendido punir as
cidades lombardas; é excomungado uma segunda vez em 1239, ocupa os Estados da Igreja e impede que o
papa realize um concílio em Roma em 1241. Inocêncio IV, ainda mais firme, foge para Lyon onde convoca,
em 1245, um concílio que pronunciaria a excomunhão e a deposição de Frederico II. O imperador morre em
1250 sem ter podido recuperar vantagem em Itália. Deste duelo sem quartel, o Império sairia vencido. O
sucesso do Papado não se fez sem um alto custo; ao bater-se por motivos políticos, ele perdera prestígio.
Depois de 1250, o Papado enfraquece de facto.

Um endurecimento da teocracia: Bonifácio VIII


Bonifácio VIII (1294-1303) pretende repor o prestígio do Papado. O balanço das intervenções nos
diferentes reinos do Ocidente salda-se num fracasso total. Ele retoma as ideias de Inocêncio IV: o papa frui
de uma dupla autoridade, espiritual e temporal. A esta última, delega-a ele nos príncipes que a exercem em
nome da Igreja; o Sumo Pontífice garante a unidade e a santidade da Igreja, julga reis e imperadores, faz da
submissão à sua pessoa uma questão de salvação. Diante desta suprema expressão da teocracia pontifical,
Filipe o Belo faz declarar o papa cismático (maníaco) e herético e apelam à realização de um concílio geral.
A humilhação de Bonifácio VIII em Anagni (Setembro de 1303) marca a derrota da teocracia pontifical. O
Papado já não podia alimentar a pretensão de governar o Mundo.

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XV
O monaquismo e a busca da salvação

1. Cluny

A expansão de Cluny
No início do século XI, Cluny encontrava-se já solidamente estabelecida. O abade Maiolo tinha
propagado a reforma monástica a inúmeras abadias da França e da Borgonha, e começara a criar entre Cluny
e os estabelecimentos reformados laços institucionais, anunciando o nascimento de uma Ordem. Odilon e
Hugo, os seus sucessores, realizaram esse desígnio. Com eles, os costumes cluniacenses, isto é, a Regra
beneditina reformada por Cluny, são adoptados por vários mosteiros em França. Atingem outros países,
nomeadamente a Itália, os reinos cristãos de Espanha, o Império, a Inglaterra e mesmo a Terra Santa, após o
sucesso da primeira Cruzada. A rede cluniacense estende-se pois à maior parte do Ocidente. No final do
século XI, o abade de Cluny dirigia mais ou menos directamente perto de 1450 estabelecimentos, 815 dos
quais em França. A política dos abades, que nem sempre se concilia com a do Papado, é contestada; graves
dificuldades financeiras abalam a Ordem que entra no caminho do declínio.

A Ordem cluniacense
A organização rígida e monárquica da Ordem centrava-se num homem, o abade de Cluny, eleito pelos
monges da abadia-mãe, exercendo sobre todos os estabelecimentos dependentes uma autoridade sem
partilha, encarregado de zelar, à custa de incessantes deslocações, pelo respeito dos costumes cluniacenses,
arbitrar conflitos, receber o juramento de fidelidade dos priores que nomeia, estabelecer os regulamentos
que julgar convenientes, organizar em suma a vida de cerca de dez mil monges. Em dependência directa
estão os priorados, comunidades monásticas colocadas sob a direcção de um prior ou superior nomeado pelo
abade de Cluny, ao qual elas devem um censo anual.
No início do século XII, a fim de dar mais coesão à família cluniacense e um pouco mais de flexibilidade
a uma organização criticada pelo seu imperialismo, Pedro o Venerável decide reunir abades e priores num
Capítulo Geral, no decurso do qual estes poderão, sob a presidência do abade de Cluny, participar nas
decisões.
Graças à isenção que Urbano II torna extensiva, em 1097, a todos os mosteiros sobre os quais o abade de
Cluny exerce a sua jurisdição directa, a Ordem pôde escapar à influência dos bispos assim como à dos
senhores leigos, contribuir para a reabilitação do clero difundindo a reforma pontifical. A espiritualidade
cluniacense privilegia o ofício coral, os tempos de oração e recolhimento, fora dos quais a actividade do
monge é reduzida; este trabalha como copista. Se bem que cada estabelecimento esteja à cabeça de imensas
propriedades fundiárias, normalmente o monge cluniacense não se dedica a trabalhos manuais, deixando os
cuidados da terra a servos, a camponeses assalariados e por fim, no século XII, aos irmãos conversos.
Consequentemente, os vastos domínios monásticos nem sempre são devidamente explorados, e a
subsistência de um tão grande número de improdutivos, monges e criados, conduz muitas das abadias, no
século XII, a uma situação financeira difícil.

A influência de Cluny
A influência de Cluny sobre a sociedade do seu tempo foi considerável. Ligada à sociedade feudal pela
mentalidade dos seus membros que são recrutados na sua maioria na aristocracia, pelo sistema de
dependência unindo os seus diversos estabelecimentos, a congregação, ao dar o seu apoio aos movimentos
de paz, contribuiu para uma certa temperança dos costumes e barrou a violência incitando os culpados à
penitência. Cluny colaborou com o Papado para restaurar a disciplina do clero e ajudar os reformadores. O
elevado número de construções monásticas favoreceu o surto da arte românica, com edifícios como os de
Moissac e de Cluny servindo de modelo a muitos outros.
Um tal florescimento não consegue esconder o desgaste da experiência cluniacense no século XII. À força
de intervir nos assuntos da cristandade, os abades de Cluny perderam de vista o ideal monástico alicerçado
no afastamento do Mundo; por tanto querer reagrupar sob a sua autoridade todas as formas do monaquismo

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ocidental, eles levam abadias e priorados a afrouxar os seus laços com a casa-mãe, dão azo a que novas
buscas espirituais se desenvolvam fora da sua congregação.

2. O afastamento do Mundo: o renascimento do eremitismo e Cister

As experiências
A riqueza de Cluny, deveras criticada, conferia, por contraste, uma reputação de santidade àqueles que
aceitaram renunciar a tudo para viver um isolamento total: os eremitas. Vários eremitas italianos procuram
conciliar vida cenobítica e eremitismo, oferecendo uma regra aos discípulos que haviam reunido. Mais
decidido ainda a romper com o Mundo, assegurando contudo a estabilidade monástica dos seus discípulos,
S. Bruno vai estabelecer-se em 1084 no coração dos Alpes para lançar num deserto os alicerces da Grande
Cartuxa; ajudados por irmãos conversos, os monges vivem em eremitérios dos quais apenas saem para
participar nos ofícios e assistir ao capítulo reunido pelo prior que elegem.
Sem abandonar as exigências de igual rudeza, outros adoptavam a regra mais flexível de Santo Agostinho,
permitindo que comunidades canonicais se virassem para uma vida activa de pregação e ensino. Na Terra
Santa, para assegurar a protecção dos peregrinos, criam-se ordens militares religiosas, designadamente a dos
Hospitalários de São João de Jerusalém ou a dos Cavaleiros do Templo ou Templários, fundada em 1119.
Nelas se combinam o espírito cavaleiresco com o ideal penitencial da cruzada.

Cister
Uma outra fundação iria dominar, no século XII, a história do monaquismo: Cister. Em 1098, um
punhado de monges vai estabelecer-se na Borgonha, com a intenção de viver integralmente a Regra de São
Bento: ruptura total com o Mundo, pobreza, silêncio, trabalho manual, despojamento dos edifícios cultuais e
da liturgia. Em 1118 a nova fundação conhecia já um mérito excepcional, graças à acção de São Bernardo,
que ingressa na Ordem de Cister em 1112, e vai em seguida fundar Claraval, em 1115. Com São Bernardo,
Cister transforma-se numa ordem que no final do século XII agrupava já 530 casas, repartidas da Espanha à
Polónia, da Irlanda à Terra Santa. Todos estes estabelecimentos formam uma verdadeira congregação;
ligados a uma das cinco grandes abadias, conservam no entanto uma total autonomia interna que apenas é
limitada pela visita anual do abade da casa-mãe. A congregação abraça a lei da pobreza: são os próprios
monges que cultivam os seus domínios, interessando-se pelas técnicas novas de exploração; impõem entre si
a proibição da posse de igrejas privadas, bem como aproveitarem-se dos rendimentos destas.

São Bernardo
Sob a influência de São Bernardo, a espiritualidade cisterciense exige uma ruptura total com o mundo.
Uma penitência severa, exercícios espirituais variados conduzem ao conhecimento e à contemplação de
Deus. Pobreza, mortificação, castidade são meios de praticar uma religião de amor da qual São Bernardo se
arvora o apóstolo, amor por Deus e pela Virgem, objecto de uma enorme devoção. Penitência e humildade,
eis tudo e tão-somente que pode conduzir a Deus.
A sua eloquência, a sua generosidade, a sua actividade incansável associam-no a todas as questões
importantes da Igreja durante a primeira metade do século XII: defende o papa legítimo Inocêncio II contra
o seu concorrente cismático Anacleto; é o conselheiro escutado do papa Eugénio III. Nas questões políticas,
escolhem-no com árbitro. Exorta príncipes e bispos a cumprirem os seus deveres. Após a sua morte (1153),
os cistercienses, seguindo-lhe o exemplo, saem do seu retiro para participar em algumas das grandes
empresas eclesiásticas: são objecto de apelos papais para reabilitarem o nível espiritual do episcopado.
Havia em tudo isto uma contradição com as exigências da Regra cisterciense. A acção contra os heréticos,
a participação nas grandes tarefas da Igreja entravavam a contemplação e a fuga ao Mundo. A riqueza das
casas cistercienses, adquirida em virtude de uma boa gestão, punha problemas terríveis. Não conseguindo
conciliar o ideal original e as realidades do tempo, a experiência cisterciense perde o seu dinamismo desde o
final do século XII.

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3. As heresias e a sua repressão

Origem das heresias


Desde os anos 1020 que os cronistas nos assinalam pregadores professando doutrinas contrárias aos
dogmas católicos. Professam um espiritualismo exacerbado, interpretam de maneira alegórica a Revelação
evangélica, praticam uma pobreza comunitária que lhes granjeia inúmeros adeptos. Estas eclosões
esporádicas não são nada em comparação com a proliferação das heresias no século XIII. Parece dado como
certo que reais aspirações morais, oposições a um clero contaminado pelo século tenham estado na origem
destes movimentos.
Na verdade, um profundo desejo de retorno à Igreja das origens é comum a todas as heresias, qualquer
que seja o seu conteúdo religioso. A riqueza do episcopado, as ignorâncias de um baixo clero empobrecido,
o relaxamento na observância da regra, tanto entre os cluniacenses como entre os cistercienses, eis uma série
de razões para os heresiarcas criticarem a opulência da Igreja e a sua organização administrativa, que eles
opõem ao espírito evangélico, feito de pobreza e de caridade comunitária. O movimento reformador do
século XI, que suscitou tantas perturbações na Igreja e nas suas relações com os poderes estabelecidos,
fomentou igualmente a eclosão das heresias. Quanto ao conteúdo religioso, os mais radicais retiram o
essencial da sua doutrina de fontes totalmente estranhas ao Evangelho.

Os Valdenses
Entre os primeiros, o mais importante é incontestavelmente a seita dos «Pobres de Lião», criada por volta
de 1170 por Pedro Valdo, que resolve abdicar de tudo para pregar com os seus discípulos a penitência e a
pobreza. Mas os propósitos que deixa transparecer nas suas pregações expõem-no à excomunhão. Nem por
isso deixa de pregar, enfatizando a sua hostilidade à hierarquia católica. Uma parte dos Valdenses
estabelece-se no Sul de França. Uma outra fracção passa à Itália e em seguida à Europa Central, sofrendo a
perseguição da autoridade eclesiástica.

Os Cátaros
Bastante mais perigosa para a Igreja era a religião cátara. Introduzida cerca de 1150 por senhores
regressados da segunda Cruzada, esta expande-se primeiro na Alemanha e no norte da França, vindo em
seguida a implantar-se na Itália. A doutrina retoma dois princípios fundamentais e antagónicos, o Bem e o
Mal; dois mundos – o da matéria e o do espírito. A massa dos adeptos não está sujeita a qualquer obrigação
particular; a elite dos perfeitos leva, pelo contrário, uma vida extremamente austera, difundindo a doutrina e
reconciliando os pecadores nos seus derradeiros instantes por meio de uma espécie de sacramento. Esta
doutrina espalhou-se rapidamente no Midi francês; os hereges recebem o apoio dos senhores locais,
aproveitam-se da inferioridade moral do clero meridional.

A resposta da Igreja
A extensão da heresia ameaçava destruir a unidade da cristandade. Por esse motivo, Inocêncio III dirige
um apelo aos cistercienses para estes restabelecerem, através da pregação, a unidade de fé e a paz, para
investigarem em suma os heréticos. Os legados pontifícios não obtêm o mínimo êxito. Dois clérigos
espanhóis, Diego e Domingos (S. Domingos de Gusmão), apercebem-se disso e pedem para juntar-se aos
cistercienses. A partir de 1206 e durante dez anos, impõem um estilo de pregação mais humilde. Domingos,
depois da morte do companheiro, instala-se, em 1215, em Toulouse onde o núcleo de pregadores vai formar
a Ordem dos Pregadores.
Na mesma ocasião, organizava-se a Inquisição, isto é, a busca, averiguação e perseguição dos hereges. O
Concílio de Verona (1184) definia-lhe os princípios, retomados mais tarde no IV Concílio de Latrão (1215).
Os autos do processo são fixados no Concílio de Toulouse em 1229, um processo de excepção confiando ao
bispo a sentença, ao braço secular a execução do herege por meio do fogo, ou a confiscação dos seus bens.
Em 1231, perante o fracasso da inquisição episcopal, Gregório IX cria a Inquisição propriamente dita que
confia, nos anos seguintes, às ordens mendicantes.

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4. As ordens mendicantes

Os fundadores das novas ordens religiosas vão buscar aos hereges os seus métodos e o seu género de vida:
pregação itinerante, exigência radical de pobreza. Foram essas as razões do seu sucesso.

Os Dominicanos
Em 1215, o Castelhano Domingos de Caleruega, instalava os seus pregadores itinerantes em Toulouse e
pedia a Inocêncio III que confirmasse a organização da sua comunidade. No ano seguinte, Honório III
autorizava-o a criar uma ordem que seria a dos Irmãos Pregadores. Imediatamente, Domingos envia os seus
companheiros através do Mundo, incumbidos de espalhar por todo o lado o novo estilo de pregação. À
cabeça, um geral ao qual estão submetidos todos os pregadores, e um capítulo geral reunido todos os anos,
elaborando os regulamentos da Ordem e dispondo do poder judicial. Em 1221, os conventos repartem-se por
províncias, dirigidas por um prior e um capítulo provincial. À data da morte de S. Domingos (1221), a
Ordem contava já com uma vintena de conventos de pregadores e quatro de religiosas.
A regra adoptada pelos Pregadores é a dos Cónegos de Santo Agostinho. Dois traços caracterizam a nova
ordem: a fidelidade à vida apostólica, a importância da formação intelectual dos frades. Vida apostólica
implica uma exigência de pobreza tal que a Ordem não deve possuir nem rendimentos, nem propriedades,
cabendo-lhe praticar a mendicidade conventual. Apenas é admitida a posse do convento por cada
comunidade, a de livros por cada um dos frades; cada convento transforma-se em casa de estudos; cada
província dispõe de centro de estudos bíblicos e teológicos; os pregadores fixam-se finalmente nas cidades
universitárias (Bolonha, Paris, Toulouse, Oxford, Colónia), onde a qualidade do seu ensino lhes permite
rapidamente aspirar às cátedras da Faculdade.

Os Franciscanos
Nessa mesma altura, em Itália, nascia a Ordem dos Frades Menores. Francisco Bernadone rompe em 1205
com os hábitos familiares para levar uma vida de retiro, de oração e mendicidade. Em 1209, decide viver na
abnegação absoluta, seguido logo por uma série de émulos (concorrentes) determinados em imitar a vida
apostólica e constituídos numa irmandade de penitentes. Estes primeiros adeptos arrastam outros,
entregando-se à pregação sobre temas de moral, os únicos de que são autorizados a tratar pelo papa
Inocêncio III. Após uma infrutuosa missão de Francisco ao Egipto, e algumas desordens nascidas de uma
crise de autoridade, este deixa aos seus primeiros discípulos a direcção da comunidade, depois de ter
elaborado uma regra que Honório III promulgou em 1223. Francisco retira-se para a Toscana, morrendo em
1226.
Nesta data, a Ordem dos Frades Menores era dirigida por um «geral», assistido por um capitulo geral. A
nível inferior, os capítulos provinciais e depois os conventos são dirigidos por um custódio. Um cardeal
protector zelava pela estrita subordinação da Ordem à Santa Sé. No final do século XIII, com mais de 1500
casas repartidas por 34 províncias, a Ordem estende-se de Portugal à Escandinávia, da Irlanda à Tartária. A
rede dos conventos era particularmente densa em Itália; contemplavam-na os estabelecimentos das
Clarissas, ordem feminina criada por Clara de Favorino. São Francisco quisera desenvolver no seio dos seus
discípulos o sentido da pobreza, o amor mútuo, a humildade e a paciência, como o recorda o seu testamento.
No entanto, desde a morte do fundador, questiona-se o sentido da pobreza na espiritualidade dos Frades
Menores: implicaria esta abster-se de construir conventos e basílicas, de possuir livros? Alguns, a quem se
designa por espirituais, eram os zeladores de uma pobreza absoluta e denunciavam as interpretações que o
Papado dava ao testamento de São Francisco. Outros, os conventuais, aceitavam algumas conciliações com
a exigência de pobreza. O conflito, momentaneamente apaziguado, reaviva-se depois de 1274, prolongando-
se até meados do século XIV.

A influência das Ordens Mendicantes


A influência das Ordens Mendicantes foi considerável no século XIII. Pregadores e Frades Menores
supriram em parte o clero secular nas suas tarefas essenciais: a pregação e o ensino. A dado momento,
compreendem que é no coração das cidades, e não nas solidões rurais, que é preciso implantar o
monaquismo, pregar contra os hereges, assegurar a direcção espiritual das massas.
Alguns factos, porém, ensombraram o fulgor das Ordens Mendicantes. A partir de 1231-1233, estão à
frente da Inquisição. Até cerca de 1260, defrontam-se com o clero secular por causa da sua posição nas

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universidades. Apesar de tudo, as Ordens Mendicantes exercem uma profunda influência em todos os
domínios da alçada da Igreja. Elas representam uma brilhante adaptação dos clérigos às necessidades do
tempo, e da Igreja às novas estruturas sociais.

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XVI
A expansão do Ocidente

1. Conquistas e reconquistas

A expansão normanda
Por volta do ano Mil, a partir das suas bases da Islândia e da Gronelândia, os Noruegueses vão explorar o
Lavrador. O império de Knut o Grande contribui para a evangelização da Escandinávia que deste modo
entrava plenamente na Cristandade. Dinamarqueses e Suecos penetram por seu lado no coração do mundo
eslavo e alcançam, através dos rios russos, os países bizantinos e muçulmanos, como mercenários ou na
qualidade de mercadores.
No preciso momento em que a morte de Knut o Grande (1035) provoca o desmembramento do grande
Império dinamarquês, outros Escandinavos, desta vez fixados na Normandia, prosseguem a expansão. O
duque da Normandia afirma as suas pretensões à coroa de Inglaterra, organiza uma expedição através da
Mancha que esmaga os Anglo-Saxões (1066). Outros Normandos, em busca de aventura e de terras, partem
para a Itália do Sul onde os chama um Lombardo revoltado contra a autoridade bizantina. Um deles faz-se
reconhecer o dono do condado de Aversa, e em seguida atribuem-se principados, em detrimento de
Bizâncio. Robert Guiscard é reconhecido pelo papa Nicolau II duque da Púglia e da Calábria em 1059.
Consegue expulsar os Bizantinos da Itália do Sul. Os seus sucessores varrem os muçulmanos da Sicília; por
fim, Rogério II, que colocou sob a sua autoridade todas as possessões normandas, obtém em 1130 a coroa
real e prossegue a política antibizantina de Robert Guiscard. Neste reino original onde a autoridade do
príncipe, apoiando-se numa administração aperfeiçoada, é fortíssima, Palermo se converte num fulgurante
centro cultural.

A Europa Central
Na Europa Central, a cristandade experimenta idêntico progresso. O chefe húngaro Vajk, recebe do papa
Silvestre II a coroa real no ano Mil. As suas populações convertem-se e sedentarizam-se pouco a pouco. A
Polónia entra na cristandade em 996, consegue reagrupar momentaneamente a maioria dos Eslavos do
Norte, mas é incapaz, a partir do século XII, de resistir à colonização germânica levada a cabo pelas ordens
militares.

A Reconquista
Em Espanha, a conquista muçulmana deixara subsistir alguns pequenos reinos cristãos nas regiões
montanhosas do norte da península: Leão, Navarra e o condado de Barcelona, permanentemente ameaçados
pelas incursões sarracenas. A despeito da sua fraqueza, estes pequenos Estados, em nome da fé religiosa,
empreendem a obra da Reconquista, marcada amiúde por reveses e compassos de espera, mas também por
felizes sucessos. Juntando-se-lhes cavaleiros do outro lado das montanhas, e monges cluniacenses
activíssimos, Castelhanos e Navarros organizam a cruzada contra os Sarracenos. Aproveitam-se do
desmembramento do califado de Córdova em pequenos reinos ou taifas para levar por diante grandes
incursões no coração da península. Fernando I reconquista deste modo a região do baixo Douro, seguindo-
se-lhe o seu filho Afonso VI que ocupa Toledo em 1085.
A invasão dos Almorávidas parece pôr em causa tais vitórias. De 1086 para diante, os Castelhanos
perdem terreno e vêem-se reprimidos ao norte do Tejo. Apesar da chegada maciça de cavaleiros franceses,
os cristãos estão reduzidos à defensiva até inícios do século XII, altura em que recomeçavam as conquistas.
Querelas dinásticas e a desunião dos reinos cristãos não permitem a continuação dessa superioridade, tanto
mais que uma nova vaga sarracena, a dos Almoádas, retoma lentamente a Espanha.
Por outro lado, no início do século XIII, Inocêncio III confia ao arcebispo de Toledo a tarefa de organizar
uma nova cruzada. Recrutam-se cavaleiros por todo o Ocidente; um forte exército cristão, conduzido pelos
reis de Castela, Aragão e Navarra, arrasam as forças do califa almoáda. Os Muçulmanos são forçados a
recuar para o sul da península, formando o reino de Granada que subsistiria até 1492. Castela e Aragão
repartem entre si as terras conquistadas.

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A Reconquista marcou profundamente a história da Espanha. Desviou todas as energias para uma guerra
interminável; legou aos reinos cristãos importantes minorias não cristãs, judaicas ou muçulmanas,
cautelosamente protegidas, em certos casos, pelos soberanos. Fomentou as liberdades das comunidades
urbanas e o direito de opinião das diferentes classes da população, que podem exprimir-se nas assembleias
consultivas ou Cortes. A Reconquista preparou, desde os anos 1050, a via para as Cruzadas.

2. As Cruzadas: origens e caracteres

As oito grandes Cruzadas são uma das mais gritantes manifestações do impulso da Europa. Quando
Urbano II, no último dia do Concílio de Clermont (27 de Novembro de 1095), prega a cruzada, imprime a
esta um duplo carácter que manterão as expedições seguintes: a cruzada é uma operação militar que se
atribui um objectivo religioso.

As causas da cruzada
Os homens de negócios, pelo menos na altura das primeiras cruzadas, recearam uma aventura guerreira
que poderia pôr em risco solidariedades comerciais preexistentes. As suas reticências desfizeram-se em
seguida, quando viram nas cruzadas a possibilidade de alargarem o campo das suas actividades, de quebrar
os ferrolhos bizantino e muçulmano para comprarem os produtos do Oriente na sua própria origem. A
Europa teria experimentado um excesso de população; cavaleiros sem terra, camponeses desenraizados
teriam sido impelidos para o Oriente pelo gosto da aventura, o desejo de feudos e de terras. Mas não há
nenhuma ligação entre uma pressão demográfica e a partida, específica, para Jerusalém.
A verdadeira causa da cruzada é o estado mental e psicológico do Ocidente nos finais do século XI. A
cruzada resulta do facto de uma dupla tendência: a tradição das peregrinações, a ideia nova de uma guerra
por Deus ou guerra santa. Rito eminente de penitência, a peregrinação é considerada como a conclusão de
um destino religioso. A meta privilegiada é Jerusalém porque os sofrimentos suportados pelo peregrino ao
longo de uma tão longa rota permitem-lhe unir-se aos de Cristo. Por outro lado, sob a influência da
Reconquista, define-se a noção de guerra santa: lutar pela libertação do Santo Sepulcro é merecer, se se
morre em estado de graça, a palma do martírio. Ao propor aos fiéis que partam em defesa dos Cristãos do
Oriente, Urbano II precisa a própria noção de cruzada. É uma peregrinação armada, que se atribui como
objectivo o resgate dos cristãos do Oriente; é colocada sob a autoridade da Igreja, lançada por uma bula
pontifícia; os seus participantes reconhecem-se por determinados sinais exteriores e beneficiam de
privilégios espirituais e temporais (indulgências, moratórias das dívidas).

Os caracteres da cruzada
Uma turba de homens, mas também de velhos e de mulheres, segue alguns pregadores populares,
enquanto as tropas de cavaleiros se organizam mais lentamente. A cruzada popular precede a cruzada
hierárquica, tendência que se regista até ao século XIII. Apesar da diversidade da sua organização e da sua
sorte, as oito cruzadas denotam uma série de traços comuns. No seu arranque, a iniciativa cabe à Santa Sé;
alertado pelos reveses a que sucumbem os cristãos no Oriente, o papa, através de uma bula pontifical ou por
ocasião de um concílio, lança um apelo aos monarcas, aos nobres e aos cavaleiros do Ocidente. A pregação
da cruzada é espontaneamente assegurada por clérigos e eremitas, ou por pregadores mandatados pelo
Papado. Ao apelo respondem frades e pequenos, pobres e poderosos. Os dissabores da cruzada popular
levam os monarcas, e depois o Papado, a organizar as partidas. Mas os frequentíssimos desentendimentos
entre os príncipes prejudicam a coesão das tropas. O carácter internacional da cruzada não impede que no
interior de cada expedição prevaleça o espírito de nacionalidade ou de classe.
A meta da cruzada é Jerusalém, pelo menos até finais do século XII. Para a alcançarem, os soldados de
Cristo utilizam itinerários variados, ora seguindo as rotas terrestres, ora pelas vias marítimas, tornando-se
estas últimas as preferidas a partir da terceira Cruzada. Seguir pela via continental coloca problemas
terríveis de reabastecimento e segurança. Os Bizantinos nunca aceitaram a ideia de cruzada e suspeitam de
multidões sem disciplina e sem grande valor militar. Regateiam-lhes os víveres necessários. A segurança é
precária. Quer por terra ou por mar, o financiamento da expedição provoca o empobrecimento dos
expedicionários, muitas vezes obrigados a vender ou a hipotecar os seus bens, e o enriquecimento dos
intermediários, como Genoveses e Venezianos que colocam a sua frota à disposição dos cruzados. Novas

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relações internacionais são entabuladas: as cruzadas vêem o Ocidente aproximar-se dos Mongóis e
provocam o desenvolvimento no Oriente de uma importante cristandade ultramarina.

3. As Cruzadas: consequências políticas, económicas e culturais.

Do ponto de vista político, a consequência directa das cruzadas foi a criação dos Estados francos do
Oriente. Convém todavia distinguir os que resultaram da primeira Cruzada, e que foram arrancados aos
infiéis, dos Estados nascidos dos restos do Império Bizantino, por altura da terceira e quarta Cruzadas. Entre
os primeiros, o principado de Antioquia (1098); o condado de Edessa (1098); o condado de Trípolis (1102);
por último, o reino de Jerusalém (1099). Sobre os fragmentos do Império Bizantino nascem o reino de
Chipre, arrebatado em 1191 por Ricardo Coração-de-Leão, e sobretudo, na sequência do desvio para
Bizâncio da quarta Cruzada, o Império Latino de Constantinopla (1204-1261) que é completado pelas
possessões venezianas no Mar jónico e no Mar Egeu (Creta, ilhas do Arquipélago) e os principados
fundados na Grécia por chefes cruzados (reino da Tessalonica, ducado de Atenas, principado da Moreia).
Uma das criações mais originais foi o reino de Jerusalém, cujas instituições são decalcadas das da França
do século XI. À cabeça, tem um rei cujo poder, apoiado na posse de um vasto domínio e na transmissão
hereditária, permanece forte até 1174. Depois desta data, o reino de Jerusalém torna-se numa espécie de
república feudal, dirigida pelos barões reunidos em Alto Conselho e que se aproveitam das menoridades dos
reis ou do absentismo dos soberanos para disputarem enter si a direcção do reino. Uma hierarquia de
grandes oficias e de funcionários subalternos, uma organização judicial diversificada, uma defesa
assegurada pelos recrutamentos feudais, os contigentes fornecidos pelas cidades, os Sírios cristãos e os
indígenas, bem como pelas grandes ordens militares (Hospitalários, Templários), tais são os principais
traços originais de um reino onde coabitam lado a lado Francos e Muçulmanos, Italianos e Judeus, Cristãos
e Sarracenos.
A mescla da sociedade é extrema. Os barões vassalos directos do rei manifestam grandes veleidades
independentistas e proclamam os seus direitos nas Constituições. As ordens militares rivalizam entre si,
desenvolvem o seu poderio financeiro e a sua autonomia em relação ao poder régio. A Igreja, dirigida pelo
patriarca latino, possui bens alargados, e observa uma grande tolerância para com as Igrejas orientais. Entre
os burgueses e colonos, misturam-se Franceses e Alemães, Italianos e Provençais. No seio destes, os
Muçulmanos são tolerados; estão obrigados a diversas prestações, da mesma forma que os Sírios cristãos.
Completa este mosaico de raças e de credos os Judeus e os Beduínos.

As consequências económicas e culturais das cruzadas


No aspecto económico, as cruzadas deram um grande impulso às trocas entre o Oriente e o Ocidente. O
transporte dos peregrinos e dos cruzados levou as cidades marítimas italianas a aumentar a capacidade dos
seus navios de molde a assegurar o reabastecimento e a manutenção das praças francas da Síria. Tendo aí
obtido privilégios comerciais significativos, os mercadores italianos tornam-se os intermediários
obrigatórios entre o Oriente e o Ocidente, desviam a cruzada para Constantinopla e o Egipto, as chaves do
comércio oriental. Os panos franceses e flamengos seguem a rota do Oriente nos navios italianos, que por
sua vez regressam ao Ocidente com as sedas, os estofos de luxo e as especiarias, antes que se incluam nos
carregamentos os géneros alimentares (cereais, vinhos e frutos) e produtos mineiros (o alúmen). A partir das
suas praças da Síria, os Italianos aventuram-se até ao Extremo Oriente.
As cruzadas tiveram igualmente consequências culturais que não devemos descurar. Uma Igreja latina
implantou-se no Oriente e por intermédio das Ordens Mendicantes entabulou com as Igrejas orientais
contactos frutuosos. As cruzadas contribuíram para a abertura dos horizontes intelectuais do Ocidente:
descoberta de países desconhecidos, revisão de tradições livrescas herdadas da Antiguidade e que a
experiência desmente, primeiros contactos com a ciência muçulmana permitindo a redescoberta da
Antiguidade grega através das traduções árabes ou siríacas de obras antigas. O alargamento dos limites do
mundo conhecido, a multiplicação dos contactos entre o Oriente e o Ocidente são bens adquiridos em
grande parte devidos às cruzadas.

4. Na periferia da Cristandade

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A expansão germânica
No século XIII, a espada e a cruz ainda não se dissociam inteiramente. Na Europa oriental, o impulso
germânico para Leste, obra de conquista e de conversão, prossegue. Desde os anos 1150-1200, ele tinha
permitido resultados retumbantes. Os grandes vassalos do imperador assumem a sua direcção. À medida que
a conquista avança, recorre-se a colonos para ocuparem os territórios arrancados aos Eslavos.
Os Alemães fundam toda uma série de cidades no litoral do Báltico, ocupam Estetino, enquanto no
interior se desenvolvem Brandeburgo, Berlim, Frankfurt. Em 1201, com o apoio de Inocêncio III, o bispo
Alberto fundava Riga e empreendia com a ordem dos monges-soldados, os Porta-Gládio, a conquista e a
cristianização da Livónia. O grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros Teutónicos, iniciou a conquista violenta
da Prússia, concluída em 1283. Noutras áreas (planície polaca e montanhas da Boémia), graças à sua
superioridade tecnológica, a penetração alemã impôs-se pacificamente. O avanço germânico para Leste nem
sempre se operou com eficácia. No final do século XIII, a Lituânia ainda resistia à expansão germânica e à
conversão, apesar dos esforços dos Dominicanos, que se encarregaram de cristianizar os povos ainda pagãos
da Europa Oriental.

As missões
O zelo missionário das Ordens Mendicantes estende-se igualmente a outras regiões periféricas da
cristandade. Frades menores estabelecem-se em terras do islão (Marrocos e Tunísia). Em meados do século
XIII, missionários percorrem o mundo mongol. Acreditando no sucesso da empresa, o Papado reconstitui
uma hierarquia episcopal na Pérsia a fim de organizar ali uma Igreja. A desagregação do Império Mongol
depois de 1350 malogrou tais esperanças. Em África, cerca de 1260, um dominicano penetra na Etiópia
onde não tardaria a reconhecer-se o reino lendário de Prestes João. Acompanhavam ou seguiam os
missionários alguns mercadores. Homens de negócios italianos estabelecem-se no Extremo Oriente;
Genoveses tentam alcançar o ouro do Sudão e mesmo as Índias, pelas rotas do Atlântico.
A expansão da cristandade é incontestável, mas gera oposições definitivas, como a da Rússia, fechada
durante séculos à Europa; a de Bizâncio, entregue a si própria face aos Turcos; a do islão, o qual, depois de
1291, reencontra as suas posições antigas, reforçadas inclusive pela influência crescente dos Turcos.

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XVII
A vida intelectual e artística

1. A vida intelectual: das escolas monásticas às universidades

A par da escolas presbiterais administrando às crianças alguns rudimentos de gramática, de leitura e


escrita, as únicas escolas dignas deste nome eram as que se fundavam, no início do século XI, junto das
grandes instituições monásticas e de algumas catedrais.

As escolas monásticas
As escolas monásticas, célebres desde a Alta Idade Média, conservaram o seu prestígio até ao século XII.
À abadia de Cluny estavam ligadas uma escola e uma biblioteca riquíssima; as abadias de Liège e da Itália
eram ilustres centros de estudos, bem como as escolas das abadias de São Victor e de Santa Genoveva em
Paris. Mas no século XII, estas escolas monásticas entram em declínio; vocacionadas por excelência para
assegurar a formação dos monges, elas sofrem o efeito da ideia que começa a grassar de que uma formação
demasiado avançada é nociva à vocação monástica. Isoladas das cidades, administrando um ensino
tradicional, as escolas monásticas são abandonadas pelas jovens gerações urbanas inflamadas por ideias de
independência intelectual.

As escolas episcopais
Colocados sob a dependência de um mestre-escola representante do bispo, as escolas episcopais fundadas
em alguns dos grandes centros urbanos gozam de maior celebridade. A sua projecção depende da
personalidade do mestre que as anima: este abandona a sua cátedra e automaticamente a escola decai.
Progressivamente, estes centros tornam-se famosos num determinado ramo do ensino: a Gramática e a
Retórica em Orleães, a Dialética e depois a Filosofia em Paris, o Direito em Bolonha, baseado no direito
romano, a Medicina em Salerno e Montpellier. As escolas maiores asfixiam o desenvolvimento das suas
vizinhas, como é o caso de Paris, que a partir de 1150 atrai mestres e alunos estrangeiros. Estas escolas
libertam-se da tutela episcopal; em Itália, algumas passam a estar em parte sob a autoridade das comunas;
em Paris, professores e alunos com interesses materiais e espirituais idênticos formam uma associação que
está na origem da Universidade, corpo autónomo em matéria de jurisdição e de gestão, e subtraído à
autoridade régia.
O nascimento da Universidade de Paris não é pacífico; à sua formação sobrevêm lutas diversas, conflitos
entre alunos e o chanceler episcopal, intervenções pontificais, exílio voluntário de mestres e alunos em
1229. Roberto de Courçon dá à Universidade o seu primeiro estatuto em 1215, fixando as condições de
recrutamento dos docentes, a disciplina e o objectivo do ensino. Após o exílio de 1229, Gregório IX, coloca
sob a sua protecção a Universidade que passa a ter o poder de reger o seu próprio ensino e a colação dos
graus académicos, em particular as licenciaturas. Nessa mesma época, despontam outras universidades. A
escola de Bolonha (1219), Oxford (1225), Montepelier (1221), Orleães, Nápoles (1224), Toulouse,
Coimbra, Palência, Salamanca e Valladolid. Só o Império não vê crescer nenhuma universidade. Grandes ou
pequenos, todos estes centros seguem o modelo dos dois protótipos: Paris e Bolonha.

Um exemplo: a Universidade de Paris


No século XIII, a Universidade de Paris está organizada em quatro Faculdades que agrupam professores e
alunos de uma mesma disciplina. Os adolescentes frequentam primeiro a Faculdade das Artes e seguem o
ensino das «sete artes liberais» repartidas por dois ciclos tradicionais, o trivium e o quadrivium. Terminado
cada um destes ciclos, obtém-se o bacharelato em arte, e finalmente a licenciatura. Seguem-se três
faculdades especializadas, Direito, Medicina e Teologia, que conferem o título de doutor. Cada faculdade é
dirigida por um decano eleito, assumindo o cargo de reitor da Universidade o decano da Faculdade das
Artes. O ensino faz-se em claustros ou em salas alugadas para esse fim. Os estudantes da mesma origem
agrupam-se em associações de socorro mútuo, as nations, dirigidas por um «procurador». Embora não tendo
abraçado as ordens, os estudantes são clérigos e dependem de um mestre.

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Programas e métodos de ensino


O ensino decompõem-se em vários tempos: a leitura, que dá a explicação gramatical e de seguida a
literária de um texto, e só finalmente o seu conteúdo doutrinal; uma discussão que recai sobre as
dificuldades do texto ou da doutrina e se organiza num sistema de argumentação a favor ou contra, para
terminar na fixação da doutrina definitiva pelo mestre, resolvendo as contradições. Os resultados adquiridos
exprimem-se por sentenças dizendo respeito a temas de Moral e de Teologia, das quais se elaboram
manuais.
O conteúdo do ensino é profundamente modificado. No final do século X, Gerberto, na escola episcopal
de Reims, trocava a Gramática pela Retórica e a Lógica, incutia nos seus alunos o gosto pelos autores
antigos, interessava-se pelas ciências – Aritmética e Astronomia – mas estava longe de elaborar uma
filosofia realmente original. Durante o renascimento do século XII, os modelos antigos adoptados
multiplicam-se: os poetas latinos para o ensino da Gramática; Cícero, Séneca e Quintiliano para a Retórica;
Platão e as primeiras obras de Aristóteles, para a Dialética. Graça a Aberlardo, esta última disciplina é
reabilitada com fulgor. O método dialético vai permitir a Graciano, em 1140, resolver os conflitos da
tradição canónica e lançar as bases para o ensino dos Cânones ou direito canónico.
Ao longo do século XIII, a especialização do ensino acentua-se. A Faculdade das Artes anexa a Filosofia
e o conjunto das ciências. Dois grandes problemas se lhe colocam então: que lugar atribuir ao pensamento
antigo, e em particular ao aristotelismo? Que relações deve o saber profano sustentar com a ciência sagrada?
Estava-se em presença de um sistema filosófico coerente; havia que condená-lo como contrário à verdade
revelada? Adoptá-lo tal como era? Utilizá-lo? Alguns eram defensores de um neo-agostianismo influenciado
pelo pensamento de Platão; outros inclinavam-se para um aristotelismo neo-platónico intransigente. Caberia
aos representantes das ordens mendicantes a formulação da indispensável síntese, que é obra de dois
homens: Alberto Magno e Tomás de Aquino. Alberto Magno, ainda influenciado pelo agostianismo, repensa
a revelação cristã valendo-se dos conceitos da filosofia aristotélica, que ele deseja tornar acessível à
cristandade. É um homem de pensamento a quem interessam tanto as ciências da natureza como a Teologia.
O seu discípulo Tomás de Aquino, autor de numerosos comentários sobre Aristóteles e os Livros Sagrados,
é sobretudo célebre pelas suas duas «sumas» onde se afirma como apologeta e filósofo, elaborando um
sistema que concilia as exigências próprias da inteligência cristã e os contributos do pensamento antigo. A
Faculdade de Teologia não contava levar tão longe esta via: a condenação de uma parte das teses de São
Tomás e dos escritos dos averroístas, lança a suspeita sobre o aristotelismo e favorece indirectamente o
agostianismo.
A vitalidade da criação intelectual é incontestável: a sede de conhecer e de ordenar o saber caracteriza o
século XIII. É igualmente florescente a criação literária: com as canções de gesta e a literatura cortês, ela
responde aos gostos da nobreza; ao adoptar a língua vulgar e diversificando os géneros – romance em prosa,
ou narrativas em verso, a sátira, a história, os milagres representados nos adros das catedrais -, ela atinge um
público mais vasto, burguês e por vezes até popular.

2. A vida artística

Arte românica; arte gótica. Dois estilos, dois períodos que durante muito tempo se pretendeu opor. A
arquitectura românica simbolizaria a submissão de uma sociedade incivilizada a um Deus terrível; a
arquitectura gótica a espiritualidade confiante de uma sociedade mais fortalecida glorificando o Criador. A
arte românica libertou-se lentamente por si mesma de obscuras hesitações antes de dominar, durante dois
séculos, a maior parte do Ocidente; a arte gótica, em lenta gestação no século XII, floresce no século
seguinte, mesmo com a sua predecessora sobrevivendo em determinadas regiões do Sul. Em 1260-1280 o
gótico triunfa e prolonga-se até ao início do século XVI.
Arte românica. A palavra recorda as tradições romanas com as quais arquitectos e criadores dos séculos
XI e XII restabelecem-se ligações. Os artistas, clérigos ou leigos, solicitados pelos grandes abades
construtores, por bispos, reis e grandes senhores feudais colhem no Oriente e no folclore europeu a visão
desses animais estranhos que povoam a estatuária românica, vão buscar à Antiguidade o muro romano, as
colunas suportando entablamentos, os frontões triangulares, à arte paleocristã a planta basilical e os arranjos
do santuário, a Bizâncio a construção das cúpulas, à arte bárbara variadíssimos elementos iconográficos. A
arte românica radica-se no passado, do qual recolhe os gostos e por vezes as técnicas.

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As igrejas românicas
A partir dos anos de 1050, as inovações decisivas na estrutura dos edifícios e no estilo da estatuária
generalizam-se. Traços comuns são por demais evidentes. Os construtores adoptam em geral o plano
basilical. Um transepto, por vezes duplo, sublinha a planta em forma de cruz latina, enquanto a nave,
simples ou tripla, tem em alguns casos acesso por um pequeno santuário, alpendre-sineiro ou nártex. A
abóbada é a conquista decisiva: abóbadas de berço sustentadas por arcos duplos, abóbadas de arestas,
adoptadas nas naves laterais, abóbadas de cúpula, sobre trompas ou pendentes. Qualquer que ela seja, a
abóbada cria a igreja românica e explica-a: solidez dos pilares, reforço das paredes por meio de contrafortes,
estreiteza e escassez de janelas.
A decoração dos edifícios está sujeita ao programa arquitectónico. As imagens desdobram-se pelas
fachadas, imperam nos tímpanos onde se desenvolvem alguns grandes temas iconográficos: o Juízo Final, o
Pentecostes, o Apocalipse. A extrema variedade dos capitéis é surpreendente: uns estilizando a
ornamentação vegetal, os outros ilustrando passagens bíblicas ou ensinando. Frescos sobre fundos escuros
ou sobre fundos claros, lajeados de mosaicos, vitrais onde dominam os vermelhos e os azuis completam uma
decoração singularmente rica.
A diversidade das soluções arquitectónicas, a variedade dos materiais utilizados, os fins a que se
destinavam as construções permitiam distinguir escolas regionais. À aridez dos edifícios normandos
contrapõe-se a riqueza decorativa das igrejas da Borgonha. A grandeza das igrejas de peregrinação contrasta
com as proporções modestas dos santuários provençais. O prestígio da ordem cluniacense é tal que a casa
abacial de Cluny é imitada na Borgonha e até na Espanha do Norte. O equilíbrio harmonioso e o
despojamento caracterizam os edifícios cistercienses, que adoptam os processos românicos mas rejeitam os
aspectos estranhos e atormentados dos ornamentos. Em Inglaterra e em Itália, fortes tradições locais
contribuem para a variedade de uma arte que durante perto de dois séculos domina o Ocidente, atestando
uma excepcional riqueza criadora.

A arte gótica
O aparecimento da arte cisterciense, anunciava uma nova mentalidade artística. Qualificada de «gótica»
pelos clássicos em sinal de desprezo pelas obras da Idade Média, o novo estilo nasce de uma evolução
imperceptível. A abóbada de cruzaria de ogivas encontra-se desde o início do século XII na Itália do Norte e
em Inglaterra. O seu emprego, doravante generalizado, permite construir em dimensões maiores e mais
altas. As experiências sucedem-se a um ritmo regular nas regiões do norte da França e em particular no
domínio dos Capetos. O primeiro gótico francês impõe-se em toda a Europa: em Inglaterra, na Dinamarca e
até à Noruega. Com a invenção, em 1180, do arcobotante, é possível multiplicar as audácias. Dir-se-ia já não
existir limite para o desenvolvimento da igreja em altura, para a vastidão das janelas.

A escultura
A escultura desprende-se mais lentamente do domínio das tradições românicas. O desenvolvimento
caminha no sentido da simplicidade, da harmonia, ao mesmo tempo que se renovam os temas iconográficos.
À profusão de seres imaginários, a uma flora caprichosa, aos animais fervilhando, sucedem personagens
animadas mais próximas do Homem. No século XIII, a escultura invade todos os espaços livres;
composições claras e harmoniosas desenrolam toda a história santa, dos Profetas ao Apocalipse, detêm-se
sobre cenas marianas tratadas com fervor e ternura, constituem a Bíblia dos iletrados.

As artes menores
As artes menores evoluem igualmente, alguns delas com algum atraso. A nova arquitectura, toda ela um
rendilhado de pedra, cria a arte do vitral. A vastidão das janelas de vitral retira o lugar à pintura mural. A
arte do vitral e a estatuária influenciam a iluminura: saltérios e bíblias ornam-se cenas vivas onde o pintor de
livros se liberta das antigas inibições e propõe modelos de enorme pureza.
Arte da Ile-de-France por excelência, o gótico chega a outras regiões onde floresce em variantes
provinciais. A arte gótica estende-se a todo o Ocidente, não livre de sérias resistências. A acção dos
cistercienses abre a Itália à nova arte; mas se as técnicas do gótico se impõem (amplas fachadas, naves
espaçosas), já a recusa da luz, uma escultura inspirando-se na Antiguidade, o emprego de frescos e de
mosaicos conferem um estilo particular às grandes realizações da península. Em Espanha, as duas grandes

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catedrais de Burgos e de Toledo aproximam-se da influência francesa.As inovações do gótico não


concernem apenas a catedrais ou claustros. Os parapeitos de muralha das cidades, os palácios, os castelos-
fortalezas adoptam as suas técnicas; o estilo das casas vai buscar ao gótico a ogiva e elementos decorativos.
Em finais do século XIIII, e graça em grande parte aos modelos franceses, o gótico é a arte do Ocidente.

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O FIM
DA IDADE MÉDIA
(séculos XIV-XV)

Livro terceiro

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XVIII
As reviravoltas da conjuntura
Uma fase B: crise ou crises?

1. O desequilíbrio da economia rural e as fomes

A situação demográfica e as suas consequências


As terras estão sobrecarregadas; a execução das heranças e das partilhas sucessórias, a acção dos
senhores, radiantes por verem crescer o número dos seus dependentes, acarretam, a par da multiplicação das
explorações camponesas, o seu perigoso desgaste. Esta situação tem à partida duas consequências. Em
primeiro lugar, o surto demográfico abranda. Os casamentos passam a ser mais tardios, surgem práticas de
restrição à natalidade. Em segundo lugar, o camponês vê-se forçado a procurar outras fontes de rendimento:
aventura-se no trabalho artesanal, e o desenvolvimento do artesanato rural que daí resulta estende às
cidades. Os salários são irrisórios e os obstáculos à comercialização muito sérios. Os empregadores
(senhores ou fazendeiros) estão pouco dispostos a investir em terras das quais já não podem retirar o
rendimento descontado: os preços dos produtos agrícolas vinham estagnando desde o início do século XIV,
contribuindo para o desequilíbrio do mercado o baixo nível de vida de uma grande parte da população, e era
impossível aumentar as rendas cobradas a camponeses à beira da falência. O crescimento está portanto
bloqueado; ninguém pode fazer os investimentos que permitiriam quebrar o círculo vicioso, nem os
camponeses cujo nível de vida se degrada de dia para dia, nem os senhores que vêem os seus rendimentos
estagnados e se recusam do mesmo modo a mudar a sua forma de vida como a abrandar a pressão
económica que exercem sobre os camponeses. A sociedade feudal, que assegurara ao Ocidente um
crescimento económico de cerca de três séculos, encontra-se profundamente minada.

As grandes fomes
O mal ia revelar-se na desastrosa quebra demográfica. A fome era sem dúvida a sua primeira causa, esta
começa a rondar desde o início do século XIV. Em 1314, toda a Europa do Noroeste experimentou o mau
tempo. Com os anos de 1315-1316 igualmente maus, a fome assume uma amplitude catastrófica. Só com as
colheitas de 1317 as coisas retomaram um pouco a normalidade. As regiões mediterrânicas foram afectadas
mais tarde: a Catalunha em 1333, a Itália nos anos de 1340. A fome é a primeira manifestação gritante do
bloqueio da sociedade feudal. As condições do mercado acentuam o fenómeno, e as mínimas variações nas
colheitas têm efeitos consideráveis. A fome não aflige isoladamente acompanhando-a um cortejo de
pestilências, doenças epidémicas que grassam entre as populações debilitadas. É neste contexto que se situa
a intrusão da peste.

2. A peste

A difusão da epidemia
A peste subitamente, reaparece, em finais de 1347, e a Idade Média vai conhecê-la sob duas formas, a
peste bubónica (mortal em 80%) e a pulmonar (mortal em 100%). Na época, uma epidemia semeava o
pânico na Ásia Central, e os navios, transportando nos seus porões ratos contaminados, espalharam o flagelo
desde as feitorias do Mar Negro até aos portos mediterrânicos. A doença propagou-se com regularidade,
servindo-se dos itinerários comerciais: em Dezembro de 1347 estava em Marselha; em 1348 em Paris e em
Veneza; em 1349 tinha assolado Londres e Francfurt, vindo a atingir a Suécia só em 1350. É difícil conhecer
o número de mortos. As regiões da Europa não foram todas atingidas com a mesma intensidade, sabendo-se
que a Flandres, Milão, a Boémia, foram pontos poupados, ou quase. As cidades foram sem dúvida mais
atingidas do que os campos, se bem que não faltem os exemplos de paróquias rurais duramente devastadas
pela peste. Terreno propício ao contágio, os conventos são de igual modo dizimados.

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O efeito desta primeira «punção» (1347-1350) é agravado pelas reincidências da doença, que não iria dar
tréguas à Europa até ao século XVIII. Os números vinham decrescendo pouco a pouco, à medida que a
população ficava mais imunizada contra o mal. Então, a peste tende a atacar os mais jovens, ainda não
imunizados, agravando as suas consequências no plano demográfico. Com a repetição das epidemias,
regista-se uma queda da população europeia, para a qual contribuem igualmente as fomes e as guerras.

Peste e mentalidades
Os efeitos da peste sobre as mentalidades são também importantes. Dois factos particularmente chocantes
são os pogroms e o aparecimento dos autoflageladores. Os Judeus, a quem se imputa em mais de um lugar a
responsabilidade da epidemia, são acusados de terem envenenado os poços. É em Espanha que o pogrom
atinge proporções mais violentas, mas também em Estrasburgo e noutras cidades do Império há massacres
de Judeus. Levado a cabo como um movimento essencialmente popular, os governos tentam por várias
vezes proteger os Judeus, que lhes prestavam serviços financeiros apreciáveis. Este carácter de reacção
espontânea é igualmente evidente no caso dos autoflageladores. Em Itália, constituídos em associações de
penitência, estes flagelam-se em público para implorar o perdão de Deus. Já existentes no século XIII, tais
associações multiplicam-se com a peste.
No domínio artístico, a pintura florentina transforma-se depois de 1348. Uma certa aspereza do tom é
perceptível a partir do fresco do Juízo Final da igreja de Santa Croce em Florença, logo após a epidemia.
Certos temas iconográficos vão impor-se, insistem na omnipresença da Morte, com uma profusão de
esqueléticas figuras jacentes.

3. A conjuntura

A conjuntura demográfica
A conjuntura, pano de fundo sobre o qual se desenrola a vida económica e social dos campos e das
cidades, ainda é mal conhecida, uma vez que a estatística medieval é difícil em virtude da relativa escassez
das fontes e da sua dispersão no espaço. A sua interpretação é, em muitos casos, impossível. Para a
demografia, as fontes são, antes do mais, documentos fiscais, e o fogo é em geral a unidade de
recenseamento fiscal. Um fogo corresponde a um agregado familiar. Mas quem compõe esse agregado? Por
quanto multiplicar o número de fogos para obter um número de habitantes? Mas então, e viúvas, a mulheres
sozinhas ou as servas? Muitos historiadores recusaram-se a passar do número dos fogos para o dos
habitantes.

As diversidades regionais
Em Inglaterra a descida demográfica é um fenómeno de longa duração, e que o ponto extremo do declínio
não é atingido no momento mais espectacular das epidemias, mas sim no decurso do século XV. As
diversidades regionais são grandes e a acentuá-las dá-se um fenómeno novos depois de 1348-1350: a
mobilidade da população que se opera também no interior de uma mesma região, entre cidade e campo.

Preços e salários
Em relação aos preços e aos salários. Observa-se a prolongada baixa no preço dos cereais que afecta toda
a Europa. Diante de preços agrícolas em decréscimo ou em ligeira subida (vinho, carne, manteiga), ressalta
o nítido aumento dos salários e dos preços artesanais. No século XIV, os salários agrícolas, que tinham um
atraso enorme a compensar, aumentaram mais rapidamente do que os salários industriais. Mas estes últimos
continuaram a aumentar ligeiramente no século XV, ao passo que os salários agrícolas se estabilizam muito
cedo, ou começam mesmo a baixar, de tal forma que a disparidade entre salários urbanos e salários rurais,
nítida no início do século XIV, torna a acentuar-se na segunda metade do século XV. A evolução divergente
dos preços e salários tem a ver com as condições demográficas mas também com as condições monetárias. É
possível que a evolução da relação preço-salários tenha correspondido a um crescimento da produtividade.

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XIX
O destino dos Estados e a vida política

1. A nobreza e a guerra: o caso da França e da Inglaterra

A guerra, uma indústria nobiliária


Os séculos XIV e XV são a era das monarquias, mas também a dos príncipes, a da aristocracia. Os
rendimentos da aristocracia terratenente diminuíram com o correr dos anos. Para compensar tal diminuição,
os nobres e todos aqueles que viviam das rendas da terra viram-se para outras fontes de proventos, para o
banditismo, por exemplo, que nesses períodos conturbados poucos riscos acarretava.
Na Alemanha a pequena nobreza sempre recorreu sistematicamente ao banditismo: às vantagens
económicas, juntava-se uma manifestação política de independência em relação aos príncipes e às cidades.
Em França e na Inglaterra, chega-se à situação a que os historiadores ingleses chamaram «feudalidade
bastarda». Um senhor inscreve na sua retenu todo aquele que conservava na sua comitiva, pagando-lhe
anualmente uma quantia em dinheiro e proporcionando-lhe diversas vantagens. Nas grandes ocasiões, os
membros destas retenues estão ao serviço do seu patrono. Por aliança ou através de retenues, o certo é que
se criam vastas clientelas, com base no interesse. Mas para pagar as suas retenues, príncipes e grandes
senhores, atingidos pela queda da renda fundiária, têm necessidade de uma parte dos dinheiros públicos; por
isso, disputam entre si o governo e o controlo das despesas públicas. Deste modo, a feudalidade bastarda
descamba forçosamente na guerra civil. Em si mesma, a guerra é uma fonte de rendimento. Resgates,
pilhagens e rapinas são um maná de bons lucros, assim como os soldos regulares. Sobretudo, a guerra é um
pretexto de que todos os Estados necessitam para lançar o imposto, o qual reverte, principalmente, para a
classe senhorial; a função económica e social da guerra é primordial. O imposto permite compensar a queda
da renda senhorial. Por isso a guerra, agravando com as suas devastações a crise do mundo rural, criava as
condições para o seu desenvolvimento. Ela era um factor permanente de instabilidade. Pensando retirar daí
algum proveito, a aristocracia lança-se na guerra exterior. A história da França e da Inglaterra é feita de um
emaranhado de guerras, ou entre os dois países ou civis, correspondendo os períodos de paz externa a
períodos de guerra civil, pelo menos no país que saiu vencido da última justa, por vezes em ambos ao
mesmo tempo.

A aristocracia em França e na Inglaterra


Em Inglaterra, a aristocracia é dominada pelos magnates, providos de um título (duques ou condes). Entre
estes, os príncipes de sangue real desempenham o papel de líderes, com algumas poderosas famílias. Abaixo
destes estão os lordes, alguns dos quais tão ricos e poderosos quanto os magnates. A renovação destas duas
categorias é rápida, visto os títulos passarem unicamente para os herdeiros varões. A guerra e as lutas
dizimam as famílias, acentuando a mobilidade social. A gentry é uma categoria igualmente aberta: a fortuna,
o modo de vida, dominado sobretudo pelo serviço militar cumprido como homem de armas a cavalo, são
trampolins rápidos para a aristocracia. A situação não é muito diferente em França, onde se assiste a uma
amálgama tão rápida como na Inglaterra. Os príncipes de sangue real assumem também aqui o papel de
líderes. A seu lado encontram-se os grandes senhores do Midi, e os duques da Bretanha e da Lorena.
Estes nobres encontram-se ligados por casamentos, opostos por querelas de família, assistidos por
clientelas rivais. Cultivam com zelo o seu prestígio e a sua glória, o desejo de fundar dinastias. Vivendo no
meio de cortes faustosas, dispondo de uma administração copiada da do rei, não desdenham algumas
aventuras gloriosas. Para todos, a guerra é uma necessidade e também um modo de vida: nunca como então
ela fascinara tanto pelo seu aspecto cavaleiresco.

Uma guerra de profissionais


A guerra, nestas condições, apresenta um novo rosto. Aos poucos, os exércitos passam a ser unicamente
formados de profissionais a soldo, incluindo os nobres que combatem a cavalo. Estas tropas a soldo têm
nuns casos mais, noutros menos eficácia. A paz colocava invariavelmente um grave problema: com
frequência, os soldados tentam prender-se a um castelo a partir do qual saqueiam os descampados. Pouco a

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pouco, instala-se a ideia de que o exército a soldo devia ser, pelo menos em parte, permanente; Carlos VII,
pela primeira vez, consegue pôr de pé, em 1445, um exército permanente de gendarmes e archeiros.
Causa e consequência desta evolução, o custo do armamento aumenta. Graças ao seu soldo e aos
equipamentos postos à sua disposição pelo príncipe, o profissional dispõe de armaduras e de cavalos de
grande valor. Os profissionais são os únicos que podem ocupar-se do parque de artilharia, das reservas de
pólvora, dos meios logísticos. Finalmente, o papel transferido para as armas não nobres – o arco em
Inglaterra, a besta em França – obriga a recorrer a mercenários experimentados (besteiros genoveses,
archeiros galeses). A manutenção deste exército é uma das causas que mais contribuem para o
fortalecimento do Estado.

2. A França e a Inglaterra: a Guerra dos Cem Anos (1337-1455)

A Guerra dos Cem Anos é uma série de conflitos distintos que opõem, de 1337 a 1455, a França e a
Inglaterra. Na base do conflito estariam origens directas, dinásticas, feudais e económicas. Vejamos
primeiramente as dinásticas. A extinção da linha directa dos Capetos de 1328 conduziu ao trono Filipe de
Valois, porquanto as mulheres não podiam suceder à coroa da França. Admitia-se que as mulheres podiam,
pelo menos, transmitir os seus direitos. Dois candidatos estavam tão bem colocados como Filipe: Carlos, o
Mau, que era pelo lado de sua mãe Joana de Navarra, e Eduardo III, o rei de Inglaterra, que descende, por
sua mãe Isabel, de Filipe, o Belo. O elemento dinástico desempenhou, ao longo de toda a guerra, um papel
de propaganda e de justificação, conquanto só fosse evocado no último momento: ninguém contestou
realmente, em 1328, a ascensão de Filipe IV de Valois, nem sequer o próprio Eduardo III que desde 1329
lhe prestava homenagem pelo feudo de Guiena. Por várias vezes se haviam levantado contestações entre o
suserano francês e o seu vassalo inglês, sobretudo por causa dos desrespeitos franceses. As negociações
duraram seis anos: Eduardo III estava disposto a fazer concessões quanto à Guiena, desde que aquele lhe
deixasse as mãos livres na Escócia, onde impusera o pretendente pro-inglês Eduardo Baliol. Entretanto, na
Flandres, as milícias urbanas são esmagadas por Filipe VI, e os Ingleses não viam com bons olhos o
crescimento da influência francesa neste país demasiado importante para a sua economia. Em 1337, farto de
negociar, Eduardo reivindica a coroa da França.

A primeira fase: os sucessos ingleses


A Guerra dos Cem Anos pode ser dividida em quatro períodos. O primeiro, de 1337 a 1360, é, por
excelência, o dos sucessos ingleses. Por duas vezes, a táctica defensiva utilizada pelos Ingleses, cujos
besteiros abatem totalmente a cavalaria francesa desordenada, rende-lhes a vitória: vitórias sem quartel,
sobretudo a segunda, onde o rei da França, João o Bom, é feito prisioneiro.
Por outro lado, a vitória naval de Sluis em 1340 e a tomada de Calais em 1347 garantem aos Ingleses a
possibilidade de alcançarem a França sempre que quiserem. As assembleias representativas, cansadas de
pagar impostos que só acarretam derrotas, e os partidos aristocráticos lançam-se ao assalto de um poder
central que acumula desaires e fraquezas. O delfim Carlos – o rei João estava na prisão em Londres -, hábil,
começa por curvar-se às exigências da burguesia urbana. Em 1360, recusando-se obstinadamente a
combater, o delfim provoca a ira de Eduardo III, lançado numa imprudente incursão. A paz tornava-se então
possível.

A segunda fase: os sucessos franceses


Numa segunda fase inscrevem-se os sucessos franceses. Carlos V, ascendendo a rei em 1364, munira-se
dos meios indispensáveis para fazer a guerra, restaurando o poder monárquico. Contratando companhias a
soldo, confia estas a um chefe notável, Bertrand Du Guesclin, disposto a aplicar a mesma estratégia
defensiva que tão bons frutos dera em 1359-1360. O apoio da Escócia e de Castela, a neutralidade
oportuníssima de Flandres asseguravam uma sólida retaguarda ao rei de França. Este responde ao pedido de
ajuda que lhe dirige o conde de Armagnac. Ao cabo de quatro anos, Eduardo III tinha praticamente perdido
tudo (1369-1373). Uma segunda série de campanhas é menos feliz para os Franceses, mas a dominação
inglesa em França estava reduzida, e o estabelecimento de tréguas manteve os Ingleses afastados da França
durante trinta e cinco anos.

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É então a vez dos Ingleses se verem a braços com graves desordens internas: Eduardo III deixara a
aristocracia ganhar demasiada importância e, desde o final do seu reinado, as lutas entre facções debilitam a
monarquia. As coisas agravam-se ainda mais com o seu sucessor, Ricardo II, o qual, em 1388, deve
humilhar-se diante da grande nobreza. Em 1399 era destronado e levado à morte por seu primo Henrique de
Lencastre. Tornado então o rei Henrique IV, este viria a fundar a dinastia dos Lencastres. Em França
registava-se uma incapacidade para tirar partido das vitórias de Carlos V.
A rivalidade dos partidos aristocráticos resume-se a breve trecho a uma rivalidade Orleães-Borgonha que
assume uma feição violenta quando a Filipe o Audaz sucede seu filho, João Sem Medo (1404), este manda
assassinar Luís de Orleães a quem sustentava uma sólida facção na qual se destaca o conde de Armagnac.
Nessa altura, os dois partidos, o dos Borguinhões e o dos Armagnac dirigem apelos aos Ingleses.

A terceira fase: a ocupação inglesa


Em Inglaterra, subira ao trono Henrique V (1413-1422). Este invade a França e o seu pequeno exército
massacra a cavalaria francesa. Uma reconciliação geral teria podido salvar a França; mas em 1419, no
decurso de uma entrevista com o delfim Carlos, o duque de Borgonha, João Sem Medo, é assassinado. A
partir de então, o seu filho Filipe, o Bom, apoia as pretensões de Henrique V, contra o partido dos Armagnac
ligado ao rei de Inglaterra. Henrique não arrebatava a coroa a Carlos VI, mas tornava-se o herdeiro desta,
mercê do seu casamento com Catarina de França (1420). O delfim não podia aceitar tal tratado. A França
vê-se dividida em duas. É o período mais duro da guerra, sem que nenhum partido fosse suficientemente
forte para levar a melhor: a morte de Henrique V (1422) deixara a coroa a uma criança. Situa-se aqui o
episódio de Joana d’Arc que se dirige para junto do rei. Joana d’Arc encabeça o exército e marcha sobre
Orleães, que é tomada de assalto em Maio de 1429. Em Julho, Joana leva Carlos a sagra-se em Reims. Joana
d’Arc não consegue contudo tomar Paris; feita prisioneira em Maio de 1430 pelos Borguinhões, é entregue
aos Ingleses que a mandam para a fogueira acusando-a de feiticeira (1431). Este episódio faz vir a público a
força de um sentimento nacional, graças à pedra-de-toque que foi a sagração de Reims.

A quarta fase: a reconquista francesa


O evento capital iria deter-se no tratado de Arras (1435): Filipe o Bom abandonava a aliança inglesa,
dispensado pelo rei da homenagem pelos seus domínios franceses, o qual lhe deixava as cidades do Soma
que ele havia ocupado. Em breve, tudo quanto restava aos Ingleses era a Guiena e a Normandia. A Inglaterra
afundava-se nas lutas civis: em 1453 estalava a guerra das Duas Rosas na qual se defrontam os detentores da
rosa branca (Yorkistas) e os da rosa vermelha (casa da Lencastre). York é morto mas Eduardo exclui
Henrique VI. Eduardo IV consegue manter-se no trono mas o seu irmão Ricardo III é esmagado por
Henrique Tudor que estabelecia solidamente o seu poder.
Na mesma altura, os reis de França tinham enfrentado com alguma facilidade uma série de revoltas
aristocráticas, se bem que lhes fosse necessário usar das suas forças contra o duque de Borgonha: a
imprudência de Carlos o Temerário permite a Luís XI deitar a mão aos seus domínios franceses após a sua
morte (1477). Em todo este conflito, a subtileza de Luís XI foi notável; sabe dividir os príncipes, depois, a
partir de 1474, a sua diplomacia tece em redor do Borguinhês uma teia da qual este não consegue escapar: o
rei compra a neutralidade de Eduardo IV e liga-se aos Suíços. O fim da dinastia angevina e a derrocada da
família de Armagnac tinham incrementado o poderio do rei de França. Terminadas as dificuldades da
Guerra dos Cem Anos, no momento em que a economia se tornava mais próspera, a monarquia dos Valois
parecia ser o Estado mais poderoso do Ocidente.

3. Os restantes Estados da Europa

O Império
No Império o poder central nunca consegue impor-se. Na Itália o Imperador está reduzido a um papel
apagadissimo. Até 1452, é coroado em Roma. Se é verdade que a ideia de Império ainda permanece viva, o
poder concreto do Imperador é reduzido. Este dispõe de uma administração central, com chancelaria,
tesouro e tribunal de justiça, mas o pessoal da chancelaria é pouco numeroso, as remessas fiscais mínimas.
Únicas e exclusivas vantagens que o Imperador retira da sua posição: uma certa facilidade em incrementar

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os seus domínios e a esperança de fundar uma dinastia. Os Luxemburgo, e os Habsburgo, conseguiram


sucessivamente conservar na sua família o título imperial.
Os imperadores retiram o seu poderio dos seus principados territoriais. Os Luxemburgo devem a sua força
a um agregado de Estados dependentes que engloba, além do ducado do Luxemburgo e o reino da Boémia, a
Morávia e o reino da Hungria. Por sua vez, os Habsburgo começam a ter verdadeiramente um papel quando
Maximiliano restabelece o seu poder sobre os domínios familiares por muito tempo divididos (vale do Reno,
Áustria). A multiplicidade destes Estados em luta uns contra os outros agravou a insegurança; ameaçadas, as
cidades agrupam-se em ligas com o intuito de pôr termo às depradações dos nobres e dos cavaleiros
ratoneiros. Vencidas em 1388-1389, elas têm de desistir da pacificação da Germânia, e todo o século XV é
preenchido por guerras entre príncipes e cidades. A ausência do poder central é fortemente sensível no
século XV.

Os domínios borguinhões
Nestas condições, numerosos territórios desligaram-se do Império. O ascendente germânico recua.
Príncipes franceses, os duques de Borgonha incluíram nos seus Estados uma série de territórios do Império.
Por casamento, por compra, por herança ou pela violência, aqueles reagrupam os domínios dos Wittelsbach
(Holanda) e dos Luxemburgo (Luxemburgo) no oeste do Império, e impõe os seus candidatos nas sedes
episcopais de Liége, Cambrai e Utreque. Os Países Baixos, assim constituídos, são organizados em Estado
centralizado provido dos seus Tribunais de Contas, de um Tesouro, de um grande conselho ducal e, mais
tarde, de um exército permanente. A actividade dos duques não se limita aos Países Baixos. Eles procuram
tornar a ligar os seus territórios do Norte à Borgonha, adquirindo novos domínios do Império. Carlos o
Temerário sonha em reconstituir a Lotaríngia. A morte deste em 1477 põe termo ao sonho lotaríngo. A
coesão dos Países Baixos é mantida.

A Suíça
A Confederação Helvética nasce de uma liga formada em 1291 pelos três cantões florestais, rebelados
contra os seus senhores, os Habsburgo, e que reclamam passar a depender directamente do imperador.
Vitoriosos, os três cantões serão em breve seguidos por várias cidades (Lucerna, Zurique, Berna),
constituindo-se pouco a pouco a Confederação Helvética. No século XV, a Confederação regista um
crescimento imparável, graças às vitórias da sua infantaria armada de longos piques.

A Europa Central
O século XIV fortalece a influência francesa sobre a Europa Central. As consequências do declínio do
Império têm um alcance considerável. Dinastias nacionais estabelecem-se na Hungria e na Polónia e os
Alemães vêem escapar-lhes uma série de territórios; quando, depois de aceitar o baptismo, o príncipe da
Lituânia Jagelão se torna rei da Polónia, a Ordem Teutónica encontra-se perante um rival poderoso: os
Teutónicos devem resignar-se à alienação das suas bases alemãs. Resta-lhes a posse da Prússia oriental e da
Livónia, teoricamente dependentes do reino da Polónia.

A «Hansa» e a Escandinávia
O recuo germânico no Báltico é acentuado no século XV pelo declínio do poderio hanseático. Os
Hanseatas têm de tolerar, na segunda metade do século XV, novas presenças no Báltico (Ingleses e
sobretudo Holandeses protegidos pelo duque de Borgonha). Os Escandinavos, abertos à influência
hanseática rebelam-se: em 1472, os direitos cobrados à passagem do Sund são aumentados. Em 1494, o
recuo hanseático é manifesto.

O avanço turco
Os Turcos, nestas condições, puderam penetrar na Europa sem deparar com uma oposição suficiente. Aos
poucos, os Otomanos avançam, aproveitando as divisões da aristocracia grega e as fraquezas dos reinos da
Europa Central. Após a sua vitória de Kossovo (1389), os Otomanos apoderam-se dos Balcãs. Os Europeus
não sabem aproveitar a pequena trégua que lhes proporciona a invasão da Anatólia (1402). O avanço turco
ia recuperar terreno desde os finais do século XV. No mar, Génova e Veneza, incapazes de se entenderem
entre si, não puderam resistir, e o seu império marítimo aluía.

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A Itália
A Itália encontra-se igualmente dividida no início do século XIV. Nos Alpes e no Sul, encontramos
Estados feudais: o condado de Sabóia e o reino da Sicília, o reino de Nápoles e a Trinácria. Enquanto os
Estados do papa se desagregam em cidades e senhorios rivais, as grandes cidades dominam a Itália do norte
e do centro. Estas opõem-se por motivos económicos e comerciais, mas também políticos.
Oligarquia e tirania nas cidades italianas: dois tipos de regime se contrapõem nestas cidades: em
Florença, por exemplo, o popolo detém a realidade do poder e dirige a Senhoria: Este povo limita-se ao
popolo grasso, à oligarquia financeira e comercial A este tipo de governo oligárquico opõe-se o das cidades
governadas por um único homem (Milão com os Visconti, Verona com os Della Scala), que se apoia nas
camadas modestas da população. A Itália continua a sofrer as sequelas da luta entre o Papado e o Império. O
tema da Itália unificada fala ao coração de todos, mas a Itália só existe como ideia.
No século XIV desvanecem-se as duas potências que tinham outrora disputado enter si a supremacia em
Itália. O Papado sai de Roma: reinstalado em 1378 em Roma, o cisma inibe-o de desempenhar um papel de
primeiro plano. O reino de Nápoles, seu aliado, consome-se em lutas contra a Sicília. Quanto a Florença, o
crash das suas companhias bancárias e as suas dificuldades sociais obrigam-na a limitar as suas ambições.
Do lado gibelino, o imperador desaparece da cena italiana. Desde então o papel do imperador é deveras
modesto, cingindo-se a consertar as suas finanças através de vendas de títulos. Deste modo, deixava as mãos
livres aos senhores gibelinos que alargam a olhos vistos os seus domínios: os Visconti parecem ser capazes
de unificar, em torno de Milão, a Itália do Norte.
A península no século XV. No século XV, o xadrez político simplifica-se, mas os conflitos intensificam-
se. Génova, esfrangalhada pelas lutas das facções aristocráticas, apagam-se por assim dizer, na Itália,
confiando com frequência o seu destino a um estrangeiro. A grande questão da primeira metade do século
XV é preenchido pela luta que opõe Florença a Milão. Mercê das dificuldades geradas por essas guerras, os
Médici instalam-se como donos em Florença, enquanto Veneza vem crescendo lentamente. Tudo parecia
apaziguar-se. A paz de Lodi (1454) traduz a um tempo o equilíbrio entre as duas partes e a prostração dos
Italianos, atemorizados pela ameaça turca.

A Península Ibérica
Os Estados ibéricos tinham progredido: em muito tempo alargados, encontravam-se mal adaptados à sua
função no início do século XIV. Os particularismos locais e as dissenções das facções aristocráticas,
misturadas às querelas dinásticas, suscitavam a desordem. É em Castela que essas lutas se tornam mais
graves, desde as contestações que se levantam a propósito da sucessão de Afonso X, o Sábio (1276-1325).
Em Aragão, o rei tem de lutar contra a União dos nobres e das cidades. A partir dos anos de 1380, a
Península Ibérica pacifica-se. Por meio de uma série de felizes combinações matrimoniais, a dinastia de
Trastâmara instala os seus em Aragão. A história de Castela no século XV é perturbada pela luta que opõe
os partidários da Beltraneja, filha do rei Henrque IV, aos de Isabel, irmã do rei, casada com Fernando, o
herdeiro de Aragão, cujo rei João II soube preparar com obstinação a unidade espanhola. Isabel e Fernando
levam a melhor em 1475: com os «Reis Católicos», a Espanha é unificada de facto. Em 1492, com a
conquista do reino de Granada, desaparecia o último reino muçulmano da Península. Na mesma altura, os
Judeus são expulsos de Espanha. Nesse mesmo ano de 1492, um Genovês, Colombo, partia para a América.
Castela lançava-se com efeito, à semelhança de Portugal, nas explorações longínquas. Portugal, sob a
dinastia de Avis que devia a sua instalação ao apoio da pequena nobreza e dos mercadores, consagrara todos
os seus esforços à descoberta da rota das especiarias. Pelo tratado de Tordesilhas (1491), Castela e Portugal
partilhavam o Mundo entre si.
A história dos séculos XIV e XV é um espantoso catálogo de guerras e lutas intestinas. A Europa pagou
muito caro as suas divisões e querelas: o avanço turco testemunha-o. Mas o saldo não é totalmente negativo.
No final do século XV, no momento em que as condições económicas experimentam uma melhoria,
algumas potências aperfeiçoaram e reforçaram o seu organismo de Estado.

4. A vida política

A teoria

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Nos séculos XIV e XV multiplicam-se as obras teóricas sobre o governo em geral. A imagem real
exaltada é incontestavelmente medieval: majestade, justiça, beleza, bondade, são as qualidades do príncipe.
Esquema cada vez mais afastado da verdade. Nestas obras (como o Governance of England de Sir John
Fortescue) as preocupações financeiras guardam o primeiro lugar: se a maior parte dos teóricos recorda
obstinadamente a velha teoria medieval («o rei deve viver do seu», ou seja, do seu domínio), era bom que
eles admitissem a importância crescente dos rendimentos extra: impostos, directos ou indirectos. A guerra
joga aqui um papel essencial: ela justifica o lançamento do imposto. É uma das molas reais essenciais da
evolução dos Estados no final da Idade Média.

A administração local
Para o ajudar na sua tarefa, o rei dispõe de uma administração mais exercitada e numerosa. Na primeira
metade do século XIV, o número dos servidores do Estado vem crescendo lentamente. No domínio da
administração local, duas soluções bastante distintas são adoptadas em França e na Inglaterra. Aqui, a
monarquia edificou um sistema flexível e ao mesmo tempo pouco dispendioso: os xerifes, os juizes de paz
(implantados no século XIV para assegurar a manutenção da ordem pública), os escheators (que gerem o
domínio régio nos condados e se ocupam dos bens dos menores cuja guarda cabe ao rei), não auferem
qualquer salário. Nestas condições, só os membros da aristocracia fundiária ocupam tais postos: é uma
administração que não custa nada mas a sua imparcialidade é suspeita.
O rei de França adopta outros sistemas: os bailios tinham passado a ser administradores sedentários à
semelhança dos senescais. Desde o século XIII, junta-se-lhes os recebedores (para as actividades
financeiras), enquanto no século XIV passam a ser assistidos por lieutenants (tenentes que os substituem nas
suas funções judiciais nas audiências), e por um capitão-geral que se encarrega das funções militares. O
bailio (como o xerife) perdeu várias das suas atribuições. Todos estes oficiais recebem soldadas: é uma
administração onerosa, mas em compensação obedece melhor ao poder central. O modelo francês foi, em
geral, adoptado na Europa.

A administração central
A administração central deriva, em quase todos os países europeus, do velho esquema feudal, no qual o
príncipe era assistido simultaneamente pelos funcionários da sua casa e por um conselho formado pelos seus
vassalos. Os caracteres feudais são conservados em maior ou menor grau: na Alemanha, os oficiais das
casas principesca dirigem também o Estado. O «Hôtel» (Paço) em França, a household do rei em Inglaterra
ganham importância. As finanças são confiadas ao Exchequer em Inglaterra, do Banc (Tribunal) do Rei e do
Banc dos plaids comuns, e em França do Parlement (Parlamento).

As instituições representativas
A grande novidade do século XIV é a generalização na Europa das instituições representativas. Para se
habilitar à concessão doa impostos, o soberano recorre a assembleias supostamente representantes do
conjunto dos seus súbditos. Nas Cortes espanholas, do Parlamento inglês aos Estados Gerais franceses,
estabelece-se um diálogo entre o príncipe e uma parte do país. No Parlamento inglês têm assento os lords
(barões e magnates laicos, bispos, abades, priores, etc.) e os membros da gentry (a burguesia está pouco
representada). Nas assembleias de estados francesas, provinciais ou gerais, o «terceiro estado» é
praticamente composto por representantes da oligarquia urbana.

O pessoal do Estado
As consequências do desenvolvimento das instituições administrativas e políticas são de duas ordens. Em
primeiro lugar, a existência do Estado destaca-se por uma série de sinais. Desenvolvem-se as grandes
capitais (Paris, Londres, Milão). Sobretudo, multiplicam-se os funcionários e os administradores. Estes
profissionais são recrutados cada vez mais entre os juristas que receberam uma formação universitária; e
tendem, com crescente frequência, a ser laico. As suas funções diversificam-se: no século XV, aparecem os
embaixadores permanentes. Apesar dos impostos, o rei não tem os meios necessários para assegurar salários
regulares a toda a gente. Enquanto no século XV parece ter havido em França uma tendência para a eleição
dos funcionários por parte dos seus pares, no século XV instala-se a venalidade. A presença deste grupo de
administradores, de oficiais, de homens de leis que vêm juntar-se, nas cidades, aso mercadores, amplia a
sociedade política, que já não se limita à aristocracia da terra e ao alto clero.

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O reforço do Estado favoreceu a ascensão do sentimento nacional. Em França, é o facto de se viver em


conjunto, o facto de se criar uma comunidade o que constitui a essência da ideia nacional. Dentro desta
concepção, o sentimento nacional cristalizou-se em torno do poder real e uma administração centralizada só
podia contribuir para o seu desenvolvimento. Foi assim na Inglaterra, se bem que na Itália ou na Alemanha a
ideia nacional custasse muitíssimo mais a afirmar-se; esta toma uma coloração demasiado intelectual, quase
mítica, de tal forma ela está afastada de uma realidade feita de confrontos incessantes de Estados que nada
têm a ver com uma nação.

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XX
A vida económica e social do mundo rural

1. As condições difíceis

O clima e os efeitos da conjuntura


As condições naturais são desfavoráveis. Os séculos XIV e XV teriam sido um período frio e húmido.
Residiria aqui a explicação para uma série de factos: o declínio relativo na cerealicultura na Islândia e na
Noruega, o abandono da Gronelândia pelos Escandinavos. Também a cultura da vinha é abandonada na
Inglaterra, e a viticultura alemã conhece poucos anos bons.
Restam os efeitos da conjuntura. Em primeiro lugar, o baixo preço dos cereais. As cotações, altíssimas
durante a fome de 1315-1316, caem em seguida de uma forma durável. Mais grave é o problema da mão-de-
obra. Em Inglaterra, desde a primeira epidemia de peste, o rei Eduardo III lança uma ordenança impondo a
reposição dos salários nos níveis em que se cifravam antes da peste. Mas a rarefacção da mão-de-obra é tal
que os salários continuam a aumentar; o Parlamento transforma a ordenança em lei do reino, reforça as suas
disposições e confia a repressão dos infractores aos juizes de paz. Tal medida não teria grande efeito. Em
França, em Portugal e em Castela tomam-se medidas do mesmo tipo.

As aldeias «desertadas»
Endividou-se o camponês? Tentou o senhor aumentar os tributos, o rei os impostos? O camponês, depois
de 1350, não hesita em partir para onde sabe existirem terras livres e bons salários. Tudo isto explicaria o
fenómeno das aldeias «desertadas», consequência dos estragos da guerra e da pressão fiscal, mas antes do
mais dos desastres demográficos. Na Alemanha teriam sido as perdas humanas, ao diminuírem a procura
dos géneros alimentares, o que provocara o abandono das terras. Só com relutância e pesar se abandona a
aldeia propriamente dita, com a sua coroa de pomares e hortas, os seus campos trabalhados por gerações;
desiste-se, em primeiro lugar, das parcelas afastadas ou inférteis.
Outro tipo de zona marginal: as regiões pouco férteis pelas quais os agricultores só se interessavam
levados pela sede excessiva de terra no início do século XIV. O abandono das terras afectava duramente o
pobre Hurepoix. O que implica tal abandono? Um retorno aos baldios improdutivos? Isso só acontece na
sequência das devastações da guerra, e não dura muito tempo. Um reordenamento ou uma mudança de
destino dos terrenos? É efectivamente o que se produz na maior parte dos casos. Em Inglaterra, a época dos
abandonos mais intensos (a partir de 1470) é a do relançamento económico. Na Itália do Sul, na Sicília e na
Sardenha, a deserção depende da política dos grandes domínios. Ela é o efeito de uma crise económica e
política dos quadros feudais.

2. A crise dos rendimentos senhoriais e as suas consequências

A baixa dos rendimentos senhoriais


Os senhores foram as primeiras vítimas das novas condições. A quebra dos preços jogava contra estes: os
seus rendimentos decresciam ao passo que aumentavam as despesas de exploração. Na Inglaterra, os
rendimentos das famílias da grande nobreza baixam em média 10% no século XIV, e essa baixa ainda vai
acentuar-se no século XV. As devastações da região parisiense durante as guerras da primeira metade do
século XV provocam uma queda irremediável. A redução das rendas senhoriais afectou as grandes e
pequenas fortunas.

A reacção senhorial
Com o seu tribunal judicial próprio, o senhor dispõe de um instrumento de controlo sobre o mercado das
terras e da mão-de-obra. Instrumento oneroso, sem dúvida. O produto das coimas está longe de pagar todas

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as custas e os honorários necessários para o funcionamento de um tribunal. A justiça senhorial apresenta


outros inconvenientes: a sua alçada é restrita e tem em muitos casos a ocorrência da justiça régia. Não pode,
portanto, resolver os problemas que se colocam aos senhores.
Contudo, não deixou por isso de desempenhar o seu papel no esforço dos senhores para agravar a
condição campesina. Em certos países, esses esforço exerceu-se no sentido da servidão, estatuto ideal para
solucionar os problemas de mão-de-obra. Esse empenho dos donos é significativo, mas o número dos servos
diminui. Observam-se duas evoluções divergentes: nos países da Europa e Leste, se o número dos
camponeses livres aumenta durante um certo tempo, a servidão desenvolve-se; inversamente, nas regiões da
Europa ocidental onde se tentou conservar ou reconstruir a servidão ou dependência campesina em grande
escala, estes desaparecem.
Os senhores devem ter-se visto perante a realidade do decréscimo dos seus rendimentos fundiários. O
imposto que serve para financiar a guerra vai engrossar em grande parte cofres dos senhores. Os
camponeses, porém, apercebem-se depressa do fenómeno e ao seu ódio pelo imposto junta-se o ódio pelos
guerreiros profissionais, logo, pelos senhores, que acusam de fazerem a guerra exclusivamente para seu
proveito próprio. Se a guerra permitiu que os senhores pudessem manter o seu estilo de vida, por outro lado
também acentuou a tensão social, e, pelas devastações que ocasionou, contribui de forma insofismável para
o agravamento da crise.

3. O campesinato

As explorações
Entre os camponeses, as dificuldades operam uma selecção impiedosa. Um novo encargo é introduzido: o
imposto. O pequeno rendeiro não tem condições para o pagar; mínimo no início do século XIV, o imposto
pouco tarda a aumentar. O pequeno rendeiro não consegue sobreviver às devastações da guerra nem a uma
desorganização do mercado. A rarefacção das pequenas explorações e o aumento do número e da extensão
das grandes ou médias explorações campesinas, trabalhadas por uma família à qual prestam ajuda alguns
criados, são casos com que se depara em França, na Itália do Norte, na Toscana e em Inglaterra. As únicas
explorações que subsistem são as competitivas, enriquecidas com os espólios das restantes.

As revoltas campesinas
O papel dos ricos camponeses é impressionante desde a primeira grande revolta, a dos Karls na Flandres
marítima (1324-1328). Esta insurreição, antes do mais campesina, chega em seguida às cidades. A rebelião
apresenta determinados traços que vamos encontrar algures: colheitas medíocres em 1323 e uma provisão
difícil, a recusa em pagar dízimas e o imposto condal, o ódio pela nobreza e pelas autoridades, mas
sobretudo a acção daqueles camponeses que possuem uma exploração de tamanho razoável e incitam à
revolta os seus chefes. Ao lado destes, encontram-se inclusive membros da pequena nobreza. Estes
camponeses desafogados, vamos reencontrar entre os Jacques.
A Jacquerie. A Jacquerie instala-se numa região rica (a planície francesa) onde o campesinato se ressente
duramente dos efeitos da baixa conjuntural do preço dos cereais, e suporta com tanta mais dificuldade o
peso de uma fiscalidade acrescida. O ódio dos nobres e dos soldados humilhados, traidores e devoradores de
impostos, é bem o traço dominante da Jacqurie. Tudo começa por uma escaramuça entre homens de armas e
camponeses em Maio de 1358, cujo desenlace dá a vantagem a estes últimos. A revolta alarga-se às
povoações vizinhas. Imediatamente, castelos e casas-fortes são incendiados, uma cadeia de violências
cometida contra os nobres. Favorecido no início pela divisão do reino, o movimento motiva em pouco
tempo, pela sua violência e radicalismo, a união dos nobres contra ele; Carlos o Mau esmaga os «Jacques»
em Junho de 1358.
A revolta dos «Trabalhadores» em 1381. Em Inglaterra, as origens da revolta de 1381 mostram que o
imposto e a reacção senhorial são as duas sombras negras dos camponeses. A revolta irrompe
simultaneamente em dois condados, ao sul do Tamisa em Kent, onde os camponeses se recusam a pagar os
impostos, e ao norte do Tamisa em Essex, onde os camponeses se manifestam contra um senhor que
impõem um preço de resgate exorbitante a um dos seus servos. O ódio aos senhores mistura-se com o
ressentimento nacional. A elite campesina tem, uma vez mais, o seu papel: o chefe dos camponeses teria
feito parte do levantamento. Uma parte da população urbana apoia os revoltosos; sacerdotes, pobres

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pregadores juntam-se àqueles. A revolta vai mesmo mais longe: Londres é invadida, o palácio do duque de
Lencastre incendiado, o chanceler e o tesoureiro do reino massacrados. O jovem Ricardo II não tem outro
remédio senão prometer a abolição da servidão, o bloqueio dos censos, a liberdade de mercado das terras,
talvez até a liberdade do trabalho, sem contar com prováveis concessões políticas. O exército está a postos.
A repressão começa, violentíssima.
O «Tuchinato». Esta análise não se aplica automaticamente a todos os movimentos. O «Tuchinato» é
tanto urbano quanto rural: é, antes do mais, uma fuga ao imposto por parte de miseráveis a quem só resta o
recurso da resistência.

A condição campesina no final da Idade Média


As revoltas fracassaram; duramente reprimidas, serviram no entanto para refrear ou fazer recuar a reacção
senhorial. As acções contra os servos dão-se mais raramente em Inglaterra depois de 1381. A servidão não é
sequer suprimida, é esquecida. Ao longo do século XV, os senhores moderam as suas exigências. Os servos
desaparecem, mas os pobres substituem-nos na escala social.

4. Os elementos de um novo equilíbrio

A evolução da «tenure»
O desaparecimento da servidão na Europa Ocidental, as dificuldades, a rarefacção da mão-de-obra, a
existência de uma categoria de camponeses dinâmicos e empreendedores, todos estes elementos vão
fomentar o nascimento de novos sistemas de exploração do solo. Do ponto de vista jurídico, o elemento
fundamental é o recuo da «tenure» consuetudinária. Para isso há várias razões: aparecimento, no mercado,
de terras que nunca estiveram submetidas àquele regime, relutância dos camponeses onde quer que a tenure
consuetudinária fosse, com razão ou sem ela, o fundamento da servidão, abandonos e retomas de terras
gerados pelas dificuldades demográficas. Entre os novos sistemas aplicados, generaliza-se o arrendamento
de terras. Em Inglaterra têm primeiro lugar os arrendamentos parciais, e em seguida (depois de 1400) os
domínios são em geral arrendados em bloco. Na Itália a expansão do contrato de meias desenvolve-se
consideravelmente. Os arrendatários enriqueceram em muitos casos; foram com frequência os artífices da
mudança de orientação da agricultura. No entanto, na segunda metade do século XV, senhores e grandes
proprietários estão em condições de se mostrarem mais exigentes: o encarecimento das rendas é um dos
elementos responsáveis pela melhoria da situação financeira dos senhores do século XV.
A situação nova reforçou esta classe média do mundo rural onde se misturam camponeses ricos, rendeiros
e membros da pequena nobreza. A ascensão social é relativamente fácil. Onde a nobreza não é capaz de se
adaptar, substitui-a a burguesia.

A produção agrícola
As modificações atingem igualmente a natureza dos produtos cultivados. O lugar dos cereais desce
acentuadamente. Os seus baixos preços de venda torna-os menos interessantes e provocam uma quebra no
consumo. A alimentação transforma-se com a extensão das leguminosas que se regista desde o início do
século XIV, o que marca um duplo progresso: diversificação da alimentação de base e uma melhoria da
produtividade. Depois, há as culturas comerciais, com a vinha à cabeça. Entre as culturas comerciais,
importa mencionar os frutos: frutos secos, cultivados por exemplo na Espanha do Sul, e frutos secos
colhidos nas margens do Mediterrâneo. Às culturas comerciais juntam-se culturas industriais: plantas
têxteis, o linho da França; plantas tintureiras como o pastel. Estas culturas comerciais e industriais fazem-se
muito raramente em regime de monocultura; na maior parte dos casos elas são praticadas lado a lado com a
cultura alimentar.

A pecuária
Os testemunhos do surto de criação bovina e do consumo de carne são numerosos. Encontram-se em
numerosas cidades contratos entre os açougueiros e os camponeses para assegurar a engorda dos bovinos em
bons pastos, situados nas proximidades das muralhas. Sempre que é possível, faz-se a transumância dos
rebanhos durante o Verão. O consumo crescente sustenta preços elevados que tornam este tipo de pecuária

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bastante lucrativo. O equilíbrio entre pecuária e cultura regista uma melhoria: desaparecia assim um dos
factores de estrangulamento da agricultura do século XIII.
La Mesta. O desenvolvimento da criação ovina criou novos problemas: o gado ovino não coexistia
pacificamente com o cultivo. Em Espanha, a distinta assembleia de La Mesta dos pastores, fundada em
1273, agrupa os grandes criadores que aplicam a transumância nos seus rebanhos. Os ovinos atravessam a
península em duas etapas, em Setembro-Outubro (para o sul) e em Abril (para o norte). Este tipo de pecuária
está orientado para a produção de lã, exportada para a Flandres, e não para a produção de carne. Os efeitos
sobre a agricultura sedentária são nefastos: com frequência, os rebanhos destroem tudo pela rasa. Os
pastores têm o direito de queimar os bosques para obter erva. Daí os conflitos múltiplos com os camponeses
cujas culturas foram devastadas, conflitos esses que se saldam a favor dos criadores, na sua maioria grandes
proprietários eclesiásticos e os maiores senhores de Castela. Os mesmos conflitos repetem-se em redor do
Mediterrâneo. Esta conversão maciça à pecuária salvou o grande senhorio destas regiões: aqui, o grande
proprietário continua a ser rei, não tem a temer a concorrência da classe média. Em Inglaterra o caso é
diferente: o desenvolvimento da pecuária teve lugar nas reservas do manor arrendadas, ou nas maiores
explorações rurais. No final do século XV os grandes proprietários tentam expulsar os camponeses de forma
a obterem novas pastagens. Desta época datam efectivamente o começo do movimento das enclosures e o
desaparecimento de inúmeras aldeias.
Os campos da Europa, no termo do século XV, são muito diferentes do que eram no início do século XIV.
Menos povoados, estes só conservaram as suas características tradicionais – grande agricultura cerealífera,
servos – a Leste (Alemanha de Leste, Polónia). Algures, as modificações são profundas; a exploração
campesina, média ou grande, substitui a pequena exploração que fizera outrora a regra. Os cereais recuam
em benefício de culturas comerciais e industriais, e sobretudo da pecuária que, em certos países, está em
vias de fazer desaparecer totalmente as culturas. Transformações profundas remexeram toda a sociedade
rural: os grandes senhores são substituídos nas suas terras por rendeiros, feitores que se confundem com a
pequena nobreza local ou as camadas superiores do campesinato. Os servos desaparecem, ao passo que
subsiste uma força braçal cuja situação se torna precária no fim do século XV. Discernem-se já
características de uma economia capitalista, nesta agricultura mais ligada do que anteriormente ao comércio
e ao seu movimento.

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XXI
As cidades e o artesanato

1. A cidade e a sociedade urbana

A população urbana e o urbanismo


A população urbana diminui menos do que a dos campos. Continuou a haver grandes cidades: Paris,
Milão, Veneza, Florença, Nápoles. Entre as grandes cidades, mencionemos as flamengas, Bruges e
sobretudo Gand. Um segundo grupo de cidades possui uma população que oscila entre 30 e 50.000
habitantes: na Itália, Génova, Bolonha, Roma e Palermo; em Espanha, Barcelona, Córdova, Sevilha e
Granada; no Brabante, Bruxelas; Avinhão também. Em Inglaterra, Londres atingiu 40.000 habitantes,
enquanto Colónia, a maior cidade da Alemanha medieval, se ficava pelos 30.000.
O aspecto das cidades modifica-se. A fortuna das grandes famílias mercantis, a vinda para as cidades de
uma nobreza que abandona os campos, o sucesso de servidores do estado cobrem as cidades de palácios. As
igrejas também se multiplicam, em ligação com a expansão das ordens mendicantes que se opera
essencialmente no quadro urbano. Outros edifícios vêm juntar-se à cidade: os progressos do estado
determinaram a construção de instalações destinadas a abrigar as administrações; o surto das universidades
gera a multiplicação dos colégios; o afluxo dos pobres e os flagelos da doença suscitam a criação de
inúmeros hospitais.

As funções urbanas
A cidade transformou-se na proporção em que as suas próprias funções evoluíram. Destas, duas ocupam
um lugar essencial: a função de refúgio e a função económica. Por todo o lado, edificam-se sólidas
muralhas, portas fortificadas. A construção e a manutenção das fortificações acarretam consequências
importantes. As grandes cidades procuram poder contar com o concurso de notários, escrivãos profissionais,
etc. As crónicas urbanas são um género literário largamente difundido, não só em Inglaterra mas também em
Itália. Paralelamente, a cidade vê o seu papel económico acrescido. Erguem-se mercados, as bancas dos
açougueiros ganham terreno. Os mercados especializam-se: cada cidade possui vários, e tem de aumentá-
los.

Os «mesteirais»
Local de trocas, de refúgio, a cidade é também local de produção. Iremos ocupar-nos aqui da organização
social desta produção, os mesteirais ou corporações, com os seus três graus: aprendizes, artífices e mestres.
Este sistema garantia a qualidade da produção, porquanto uma longa aprendizagem e a obrigação de realizar
uma obra-prima limitavam o acesso do mestrado aos melhores; suprimia a concorrência regulamentando
estritamente preços e salários; evitava os conflitos do trabalho: todo o aprendiz estava destinado a tornar-se
artífice, e todo o artífice tinha oportunidades para vir a ser mestre. As relações entre mestre e empregados
eram relações de dependência pessoal que reforçavam a coesão e a homogeneidade do grupo dos artesãos.
Mas desde o século XIV, o sistema cessa de funcionar. O mestrado fecha-se: poucos artífices dispõem do
tempo necessário para a confecção da obra-prima, da qual se exige que seja feita de materiais caros. O novo
mestre deve oferecer um banquete: é preciso ser-se rico para suportar estas despesas importantes. A maioria
das vezes, só os filhos de mestres têm possibilidades de ser mestres. A hereditariedade das oficinas é uma
resposta normal à insegurança do período. Nestas condições, é pouco provável que o artífice ascenda ao
mestrado: de transitória, a sua situação passa a permanente. Em consequência, estes formam uma mão-de-
obra assalariada à qual se vêm juntar mestres, e aprendizes cujo tempo de aprendizagem se alongou
desmesuradamente. Esta evolução é capital: ela vai favorecer o surto de um mercado livre do trabalho em
que o salário depende da oferta e da procura, em oposição ao mercado regulamentado do século XIII, e
desenvolver, em particular entre os artífices, um espírito associativo. Os conflitos de trabalho são
numerosos: os operários formam alianças e entram em greve. Estes conflitos não têm, porém, a gravidade
que viriam a assumir no século XVI, uma vez que a conjuntura é favorável aos assalariados. O nível dos
salários está em alta ao longo de todo o nosso período.

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Mesteirais e lutas urbanas. A divisão do trabalho está cada vez mais acentuada, e os mesteirais
multiplicam-se. O mester dos ferreiros cinde-se em três ofícios: ferradores, fabricantes de foices, armeiros.
Crescem rivalidades entre mesteirais participando da mesma produção. A grande aposta era o governo da
cidade: consegui-lo equivalia a poder proteger a produção local e desembaraçar-se de concorrentes
perigosos. As cidades lutam entre si. O proteccionismo urbano resulta do endurecimento dos mesteirais:
reacção de defesa em face das dificuldades do período. Do mesmo modo, os obstáculos à aquisição do
direito de burguesia são numerosos: evita-se a todo o transe que cheguem novos elementos para fazer
concorrência aos artesãos estabelecidos. Em todos estes domínios, os interesses dos mesteirais são
contraditórios: daí a ferocidade das lutas. Acrescentemos, por último, duas outras fontes de desordens:
reacções à miséria e movimentos puramente políticos que podem não ser mais do que o reflexo da luta dos
partidos aristocráticos, ou ainda a expressão do desejo dos mesteirais e da burguesia de imporem o seu ideal
de reforma face ao governo real.

As revoltas urbanas
O mais político destes movimentos é o de Étienne Marcel em Paris (1357-1358): este grande fabricante de
tecidos parisiense arvorara-se em paladino da reforma política, face aos conselheiros do delfim. Isto valeu-
lhe o apoio dos Parisienses, hostis à aristocracia militar e aos agentes régios, hostis sobretudo aos impostos.
Comparável à acção de Étienne Marcel, poderia dizer-se que foi a de Cola di Rienzo, em Roma. Contra a
violência da grande nobreza romana, este orador soube agregar à sua volta o popolo e a classe média
(pequena nobreza, comerciantes). Os Orsini e os Colonna põem-se em fuga, são tomadas medidas contra a
nobreza. Mas os nobres não desarmam: o reabastecimento torna-se difícil, o Papado hostil. Uma nova
tentativa para retomar o poder em 1354 custou-lhe a vida.
Na Flandres, em Gand e em Bruges, as gentes das cidades, e em primeiro plano, os mesteirais, erguem-se
contra a aristocracia militar e o poder real, os dois sectores com que conta a burguesia para manter os seus
privilégios. As querelas política vêm dar aos mesteirais a sua oportunidade. Pouco a pouco, os mesteirais
afirmam a sua força. A Flandres inteira sublevava-se: movimento nacional e popular a um tempo, cujo
sucesso é consagrado pela vitória de Courtrai, em 11 de Julho de 1302, que a infantaria burguesa arrecada
contra o exército do rei de França. A vitória dos mesteirais era igualmente um facto na província de Liège.
As vantagens obtidas pelos mesteirais flamengos são, no entanto, rapidamente reduzidas pela reacção. Os
primeiros episódios da Guerra dos Cem Anos permitem que os mesteirais levantem cabeça. A vitória dos
mesteirais não vinha resolver os problemas sociais: uma violenta hostilidade dominava entre os mesteirais
médios e os mesteirais que agrupavam uma mão-de-obra pobre e pouco qualificada. A predominância dos
mesteirais médios é um fenómeno que se regista em toda a Europa do Nordeste.

A crise dos anos de 1380


A exclusividade dos mesteirais gera o aparecimento do fenómeno do salariado com todas as suas
consequências (mercado livre do trabalho, uniformização da condição operária). Assim se explica que as
lutas sociais, a despeito da sua violência esporádica, não tenham terminado no século XIV, e que, apesar de
uma acalmia durante o século XV, tenham sido reatadas com intensidade no século XVI. Quanto aos
grandes burgueses, souberam quase sempre conservar o controlo, se não das instituições municipais, pelo
menos dos processos económicos: a agitação urbana é uma das dificuldades que afectam a produção
industrial e o comércio.

2. O artesanato, a indústria, as minas, a produção

Durante os séculos XIV e XV, a tecnologia deu passos espectaculares, tributários de invenções ou a
aplicação de invenções datadas de épocas anteriores. As dificuldades do período fomentaram esse
progressos: mão-de-obra cara que importava substituir por processos mecânicos, raridade dos metais
preciosos cuja produção urgia aumentar.

O têxtil
A indústria têxtil era a grande indústria do século XIII. Os processos de tecelagem de lã têm como única
modificação a adopção de um novo tipo de debuxo do tecido que reduz o tempo de trabalho sem alterar a

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qualidade do produto. Em compensação, a fiação foi completamente subvertida com a divulgação da roda de
fiar que aparece no século XIII e que permite fiar cinco ou sei vezes mais fio do que utilizando o fuso. As
transformações da pisoagem foram espectaculares: a par da pisoagem com os pés, aparece o pisão, que se
propaga do século XIII ao século XV nomeadamente na Inglaterra. Este modificava tão profundamente o
ofício do pisoeiro que os regulamentos dos mesteirais mais conservadores interditam a sua introdução.
Estas modificações técnicas combinam-se com outros factores – moda, produção do têxtil bruto – para
alterar a geografia da indústria têxtil. A primazia das grandes cidades flamengas de lanifícios, especializadas
no tecido de qualidade, desaparece. A resistência dos mesteirais às inovações e a necessidade de ter perto
cursos de água (para o pisão) favoreceram os progressos da indústria rural. O aparecimento e
desenvolvimento da moda do vestuário macio e leve, usado com roupa interior ou forrado, teve dois tipos de
consequências: a produção de um tecido ligeiro, menos difícil, era acessível a inúmeros centros artesanais
que fazem concorrência aos Flamengos. Por outro lado, há uma procura de outros tecidos (seda para os
fatos, linho para a roupa interior, algodão) que fazem concorrência à lã. Os Flamengos cessam, inclusive, de
beneficiar das suas relações tradicionais com a Inglaterra; as exportações de lã inglesa decrescem com a
Guerra dos Cem Anos e com o surto da indústria inglesa. Consequentemente, multiplicam-se na Europa os
centros de produção de lanifícios: assinalemos, por exemplo, o desenvolvimento da Normandia no século
XIV, e sobretudo o das indústrias do Brabante (Bruxelas), de Espanha (Segóvia), da Inglaterra (Bristol) e da
Itália (Florença, Milão).

A metalurgia
Surge uma segunda grande indústria: a metalurgia. As inovações técnicas permitem dar um passo
decisivo; novos processos tornam possível refinarem-se melhor os metais. Propagam-se novas ligas, como o
latão, mas o grande processo é a introdução do alto-forno que vem juntar-se à ampliação da forja tradicional.
Exige-se muito dos metais: o bronze foi melhorado porque é dele que se fazem os sinos. O bronze é ainda
utilizado em elementos monumentais. Neste domínio, o ferro ocupa por um tempo o lugar do bronze. O
ferro serve igualmente para fabricar instrumentos de precisão, como os primeiros relógios mecânicos.

As minas
Para satisfazer a procura de minério, também as minas registam progressos. Estas conheceram um
primeiro período de expansão desde o final do século XIII até cerca de 1350, com melhoramentos técnicos
substanciais, progressos nos vigamentos das galerias, na ventilação, no esgotamento das águas, que
permitem a exploração das jazidas profundas e não apenas dos veios superficiais. Nesta época, a exploração
é obra de comunidades de mineiros supervisionadas pelos representantes do poder real e dos senhores
fundiários, arrecadando, uns e outros, uma parte dos lucros. Após um período de estabilidade relativa,
assiste-se a uma formidável expansão cerca de 1460. Desta data até 1530, a produção da Europa Central
quintuplicou no caso da prata e do cobre, e quadruplicou no caso do ferro. Estes progressos não se limitam
às minas de metais: a calamina e o salitre, os sulfatos, o mercúrio, o sal-gema, o alúmen são também
extraídos do subsolo europeu.

Outras indústrias
Entre os domínios onde os progressos são sensíveis, figura a vidraria; o consumo do vidro cresce bastante
com o alargamento do costume de guarnecer as janelas com este material. A produção estende-se da Itália
(Veneza) à Boémia, e refina-se (aparecimento dos óculos). Quanto à impressão, a sua introdução definitiva
fica a dever-se à convergência de toda uma série de inovações, sendo estas a adopção generalizada do papel,
a melhoria nas tintas, o aparecimento dos caracteres metálicos, mas sobretudo a solução do problema da
junção dos caracteres e a da imprensa descoberta pelo ourives Gutenberg.
Estas modificações acarretam formas novas de organização da produção. O exemplo das minas é
significativo: a exploração passou das mãos de comunidades de mineiros para as verdadeiras sociedades
anónimas. Os mineiros tornaram-se assalariados ao serviço de capitalistas. Outros factores vêm acelerar esta
evolução para o capitalismo: em Toulouse, o custo acrescido do material em face dos riscos a que está
sujeito leva os proprietários dos moinhos do Garona a formarem sociedades, cujas partes passam a ser em
breve negociadas como acções. Um capitalismo industrial vê a luz do dia, sobretudo no domínio da
metalurgia e das minas. É certo que este capitalismo industrial se combina as mais das vezes com o
capitalismo financeiro e comercial: mercador e banqueiro são ainda os tipos de capitalismo mais frequentes.

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XXII
Actividade comercial

1. A adaptação do comércio às condições difíceis

A insegurança
As dificuldades para a actividade comercial são enormes; uma característica comum pode resumi-las: a
insegurança – política, mas também económica. Bandoleiros e piratas, motins, guerras, são um perigo
constante para o comércio. Certas regiões, nomeadamente Champagne, que têm uma importância estratégica
nos conflitos do nosso período, devem ser abandonadas pelos mercadores. Os soberanos descobrem que a
regulamentação económica era uma arma: o preço da lã inglesa varia em função dos apetites fiscais do rei de
Inglaterra, o qual cobra uma taxa à exportação; os reis de França e de Inglaterra entregam-se a uma
verdadeira guerra monetária.
De política, a insegurança passa a económica. O mercador debate-se com um mundo inconstante: a sua
carga corre o risco de não chegar, ou então quando chega, os cursos legais podem ter caído, a moeda
mudado de valor, os compradores abandonado uma cidade assolada pela peste ou alvoraçada pela contenda
de dois mesteirais. No meio desta instabilidade generalizada, um caso há mais grave: o das mutações
monetárias. As mutações são de três variantes: há a mutatio in materia, em que o título das moedas é
alterado, a mutatio in pondere, quando o peso da moeda muda, e a mutatio in appellatione, por meio da qual
o curso legal da unidade monetária real é modificado em relação à moeda de conta. Estes tipos de mutação
podem combinar-se. As mutações são anunciadas oficialmente: proclama-se a moeda nova ou o novo curso,
e faz-se a depreciação da antiga. A causa fundamental destas mutações reside na rarefacção relativa do stock
dos metais preciosos disponíveis nos mercados europeus. A situação complica-se na medida em que se
chega, desde meados do século XIII, ao bimetalismo, e que as circulações comerciais do ouro e da prata não
variam ao mesmo ritmo. O mercador apenas pode fiar-se na sua balança de precisão, da qual nunca se
separa.

Os progressos do comércio
Os progressos visam incrementar a segurança do comércio (qualidade dos meios de transporte, seguros),
bem como adaptar a organização comercial a um mercado móvel e instável (propagação rápida das
informações, sedentarização do mercador, instalação de sucursais, rede de correspondentes). Assim, a
navegação progride: o leme axial substitui o leme lateral, tornando os navios mais manejáveis. A frota
hanseática é considerável no final do século XV. No Mediterrâneo, reinam até meados do século XIV as
galeras de Veneza e as galés de Génova. As frotas especializam-se: no século XV, para transportar os
produtos ponderosos de menor valor, como o trigo, o sal, etc., os Italianos recorrem a frotas cantábricas e
portuguesas que utilizam os robustos cascos. A par dos Hanseáticos, dos Catalães e dos Italianos aparecem
novos parceiros, os marinheiros do Atlântico, Portugueses, Galegos, Bascos, Bretões, Ingleses. Devem-se-
lhes os maiores progressos no campo da arquitectura naval com a introdução da caravela, o navio que iria
permitir as descobertas: a caravela é capaz de suportar uma superfície de pano de velas considerável.
Dispõe-se de melhores embarcações que se dirigem melhor: os Catalães desenharam os portulanos onde
os portos estão ligados entre si por eixos dispostos em estrela, correspondendo à rosa-dos-ventos – os
«rumos». O piloto procura portanto colocar o seu navio no melhor rumo, e manter a sua rota com a ajuda da
bússula. A partir de 1450, os Portugueses revezam-se aos Italianos e Catalães e iniciam o aferimento em
latitude da costa de África, primeiro passo para a navegação astronómica científica. Os riscos permanecem
grandes, apesar de tudo. Fraccionam-se as cargas e a propriedade dos navios, dividida em partes. O
mercador diversifica a sua actividade ao máximo. Mas os processos específicos de seguro propagam-se
depressa, entre os quais o seguro de prémio. O segurador obtém um prémio que representa entre 15 a 20%
do valor de uma carga mas responsabiliza-se por todos os riscos. Os prémios vão diminuindo pouco a
pouco. Os hanseáticos só recorrem a este tipo de seguro no século XVI. O desenvolvimento do seguro
favorece aliás a uniformização das leis marítimas, aparecendo, no século XV, grandes compilações
jurídicas.

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Sociedades e companhias
Os mercadores melhoraram a estrutura das firmas. A primeira etapa foi, desde o século XIII, a sua
sedentarização, com o aparecimento das sociedades que possuem sucursais. Destas sociedades, a que melhor
se conhece é a companhia florentina dos Peruzzi, em actividade desde 1275 até 1343. O capital é formado
pelo corpo, fornecido pelos sócios entre os quais dominam os membros da família Peruzzi. A companhia faz
as suas operações por intermédio de várias sucursais (Londres, Pisa, Nápoles, Avinhão, Bruges, Chipre,
etc.). Corretores experimentados executam as ordens vindas de Florença e tomam as iniciativas necessárias:
os perigos e as perdas de tempo associadas às viagens desaparecem. Mas esta estrutura era frágil de tão
rígida que era: sendo a companhia dos Peruzzi uma entidade legal única, os maus negócios de uma das
sucursais repercutiam-se por todo o conjunto. A falência chega em 1343, quando é impossível recuperar as
enormes somas emprestadas pelas sucursais de Nápoles e de Londres aos reis de Nápoles e de Inglaterra.
O grande melhoramento é a substituição da sucursal pela filial independente. Nas sociedades de filiais,
cada filial é uma sociedade independente: se em alguma destas for declarada a falência, o mal não se
propaga e a sociedade-mãe pode continuar as suas operações nas restantes filiais. Em cada filial, é o mesmo
grupo ou a mesma pessoa que vamos encontrar maioritários. Os Médicis conseguiram, no quadro da
sociedade de filiais, um complexo assinalável, compreendendo o Banco Médicis em Florença, filiais (Roma,
Veneza, Milão, Londres, Bruges, Lyon, Avinhão), e três empresas têxteis em Florença. Bem gerida pelos
seus primeiros dirigentes, a firma dos Médicis é a única a atingir, no século XV, a estatura dos grandes do
século XIV – os Peruzzi, os Bardi, os Acciaiuolo. O perigo, aqui, só podia advir da falência simultânea das
várias filiais. Os negociantes de menos envergadura deviam contentar-se com uma rede de correspondentes
no estrangeiro, constituída na base de relações pessoais.

As técnicas
Sedentarizados, os mercadores puderam melhorar a sua gestão. Em primeiro lugar, organizaram-se de
modo a dispor de informações frescas: correspondentes, corretores, directores de sucursais ou de filiais
trocando cartas de negócios que contêm as novidades importantes e que terminam em geral com a cotação
das moedas. Estas cartas são transmitidas através de um sistema de posta. Um enorme progresso no domínio
da gestão deveu-se à introdução da chamada escrituração, ou contabilidade, por partidas dobradas. Desde o
século XIII, a contabilidade progredira bastante: muitos dos mercadores tinham, por um lado, um diário, no
qual anotavam diariamente todas as suas operações, e por outro um grande livro no qual anotavam, uma
segunda vez, as operações, mas no nome dos terceiros com os quais estas foram efectuadas, e indicando se
as mesmas se saldavam em crédito ou em débito. Em breve, este grande livro viria a organizar-se: este tem
uma parte de «deve», débito, e uma parte de crédito. Em consequência, é muito fácil descobrir os erros de
contabilidade – devendo o total dos débitos e dos créditos equilibrar-se -, com a possibilidade de, em
qualquer momento, avaliar o nível dos lucros e das perdas: eis um instrumento essencial do capitalismo
financeiro.
A letra de câmbio. Abordaremos finalmente a novidade que provavelmente maior número de vantagens
apresenta, a letra de câmbio, cujo primeiro exemplar remonta a 1291. Eis uma letra dos arquivos Datini:
tendo Garzoni uma determinada quantia a pagar em Barcelona a Asopardo, recorre para isso à companhia
Datini: deposita uma determinada quantia na filial Datini de Génova, a qual ordena, por meio desta letra, à
filial Datini de Barcelona que a pague em moeda local a Asopardo. A firma Datini arrecada um benefício,
aqui mascarado pelo câmbio. De uma assentada, suprime-se qualquer transferência em numerário, resolve-
se o problema do câmbio, tão delicado num período de constantes mutações monetárias, e realiza-se uma
operação de crédito, graças ao vencimento, prazo habitual de pagamento. Sendo o numerário então
relativamente raro, as letras de câmbio, bem como os cheques, que também aparecem nesta época, criam um
verdadeiro papel-moeda.
Os mercadores com capacidade para utilizarem todas estas novas técnicas são homens instruídos e
relativamente cultos. Um número elevado de homens de negócios italianos praticou a Aritmética e a
Gramática na escola antes de entrar na aprendizagem. Em Londres, a necessidade de educação é tal nos
meios mercantis que padres e mestres de escola estão constantemente a passar por cima do monopólio do
bispo em matéria de ensino e abrem escolas.

2. Os homens, as rotas, os produtos

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Mestres nas técnicas novas, os Italianos conservaram a sua hegemonia sobre a parte mais lucrativa do
comércio europeu: a redistribuição dos produtos do Oriente. Poderíamos esquematizar deste modo a
repartição das correntes comerciais nesta Europa dos séculos XIV e XV: há os mares interiores do Norte – o
Báltico, o Mar do Norte – onde imperam os Hanseáticos, e os mares interiores do Sul, o Mediterrâneo
Oriental, onde se defrontam Genoveses e Venezianos, o Mediterrâneo Ocidental onde os Italianos têm de
contar com os Catalães. A redistribuição dos produtos orientais efectua-se nos portos ingleses, mas
sobretudo para a Flandres, Bruges e, no final do século XV, para Antuérpia, ao mesmo tempo que
prosperam as escalas ibéricas, Maiorca, Sevilha e Lisboa. No século XV, o esquema modifica-se: o avanço
turco reduz as vantagens italianas, enquanto surgem concorrentes, ora para se ocuparem directamente do
itinerário atlântico, ora para dispensar os Italianos (Espanhóis, Portugueses), ou os Hanseáticos (Ingleses).

O domínio italiano
Os italianos têm de facto o monopólio da comunicação com o Oriente. Veneza concentra os seus esforços
nos artigos de luxo (sedas, especiarias, objectos preciosos) e comercializa sobretudo com Beirute e
Alexandria. Génova, pelo contrário, organizou todo um tráfico de recolha em redor de Quios, onde se
concentram os mercadores vindos da Síria, da Turquia e do Mar Negro. Os Genoveses procuram obter de
preferência os produtos ponderosos, o alúmen do qual têm praticamente o monopólio, as madeiras preciosas,
o algodão, os vinhos orientais, a seda. Estes produtos são redistribuídos pela Itália e, na Europa do Noroeste,
à Inglaterra e à Flandres de onde os navios italianos regressam com panos, lãs e peles. Em todos estes
lugares, dominam os mercadores italianos. Vivem com frequência em grupos, formam uma colónia como
nas cidades do Oriente, onde se reúnem em torno de uma casa comum. De resto é praticamente impossível
descrever o protótipo do mercador italiano, de tal modo diferem um Genovês de um Florentino ou de um
Veneziano; poderemos, quanto muito, descrever alguns traços comuns, a cultura e a competência já
sublinhadas, a piedade. É evidente que na Itália do Norte, mercadores e banqueiros constituem a classe
dirigente a título igual ao da nobreza fundiária: os mercadores venezianos, genoveses e até florentinos
exibem títulos nobiliários e contraem matrimónio no seio das famílias da mais velha nobreza.

O domínio hanseático
Outro grande domínio comercial é o da Liga Hanseática. Formada pelas cidades das quatro regiões-
membros, a Hansa dispõe de feitorias em Novgorod, em Bergen, em Londres e em Bruges. Os seus
mercadores levam até Bruges e Londres os produtos brutos (âmbar, peles, cera, madeira, trigo, pez e
alcatrão, cinzas, ferro) e trazem da Inglaterra as lãs (desde Hull, Boston, Londres) e da Flandres os panos e
os produtos trazidos pelos Italianos. É um comércio que tem um volume enorme, superior talvez ao do
comércio mediterrânico, mas de valor bastante menor. Conhece a sua idade de oiro quando, no final do
século XIV, os hanseáticos obtêm garantias da sua livre passagem nos estreitos do Báltico, na sequência de
uma guerra contra a Dinamarca; no século XV, porém, enfrentam por mais de uma vez dificuldades,
nomeadamente rupturas com a Flandres, com a Holanda, com a Inglaterra. A organização deste comércio de
produtos pouco valiosos, protegido por um monopólio de facto, está longe de atingir a perfeição italiana: as
técnicas comerciais são pouco evoluídas, e o comércio conserva um carácter de negócio individual. Os
homens de negócios hanseáticos operam por meio de contratos numerosos e limitados, contratos concluídos
entre dois mercadores e válidos em geral para um único negócio. A contabilidade é rudimentar. Na maior
parte dos casos o mercador hanseático no estrangeiro serve-se de um corretor. Nestas condições, as viagens
são uma necessidade constante, e as empresas de dimensões modestas.

As zonas intermediárias
A Flandres e a França. O papel comercial da Flandres, e o da França principalmente, diminui. É verdade
que a Flandres beneficiava do sistema em vigor, o qual privilegiava os seus produtos. Mas os Flamengos
contentam-se com o seu papel de cambistas ou de corretores; há pouquíssimos mercadores flamengos
activos, como poucos são os navios flamengos nos portos franceses ou espanhóis. O caso é ainda mais grave
no que respeita à França: as feiras de Champagne desapareceram praticamente. Guerras e devastações fazem
o comércio contrair-se. Sem ser brilhante, o nível técnico do mercador francês não é, contudo, desonroso.
Símbolo do declínio comercial francês, a actividade das trocas é transferida para as feiras periféricas. A rota
terrestre da Itália para a Flandres não está de todo morta, mas fora deslocada para Leste, a fim de contornar
o reino.
A Alemanha do Sul. É essa uma das razões do desenvolvimento repentino da Alemanha do Sul. Os
mercadores alcançam Nuremberga, Francfurt e Colónia, ou a Europa de Leste. Os burgueses locais,

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enriquecidos pela prosperidade do têxtil e das minas, são capazes de dar conta do recado. Formam-se
grandes companhias que ampliam consideravelmente a rede das suas actividades, ainda que a sua
organização permaneça rudimentar. A constituição do Império habsburgo permite-lhes, desde o final do
século, realizarem progressos decisivos.
A Inglaterra. Na Inglaterra, a actividade comercial intensifica-se. O comércio dos artigos de luxo
continua nas mãos dos estrangeiros, hanseáticos (peles) e Italianos (produtos do Oriente). Mas os ingleses
revelam-se activos noutros domínios, nomeadamente o do sal, ou o do vinho. O grande negócio, na
Inglaterra, é o têxtil. Antes de mais, a lã em bruto. Este comércio activo faz o país inteiro florescer. A venda
de lã tem sobretudo lugar em Calais, mas também nas feiras de Brabante e da Flandres. Comércio
complicado para cujo financiamento é preciso recorrer aos Italianos. Mas antes do mais um comércio que
implica a actividade de grande número de pessoas, fazendeiros, intermediários, mercadores de lã,
marinheiros.

As descobertas
As descobertas que vêm coroar o final do século XV final são feito dos Ibéricos. A circum-navegação da
Espanha, tinham levado os Italianos, e sobretudo os Genoveses, a interessar-se pela Andaluzia (Cádiz,
Sevilha) e por Portugal. Iniciados por tais mestres, os Ibéricos encontram-se desde o início do século XIV
em todos os portos, comercializando as riquezas do seu país (lã dos ovinos merinos, vinhos de Jerez, frutos).
Dispõem de excelentes navios e pensam ir procurar as especiarias e o ouro do Sudão para o Sul. Se é ainda
um Genovês que descobre as Canárias (1312), o certo é que Portugueses, Catalães e Castelhanos frequentam
estas paragens a partir dos anos de 1340. A Madeira era provavelmente conhecida desde o final do século
XIII e parece que os Portugueses descobrem os Açores em 1341. Os Ibéricos interessam-se igualmente pelo
Magreb, através do qual lhes chegam ouro, escravos negros e especiarias. Em 1415, os Portugueses tomam
Ceuta, acontecimento que marca em simultâneo a continuação da Reconquista e o início de uma empresa
nova, a Conquista, que começa pelo reconhecimento da África, patrocinado pelo príncipe Henrique «o
Navegador». Pouco a pouco, os Portugueses vão reconhecendo a costa e vêem abrir-se-lhes o Oceano Índico
(viagens de Diogo Cão, 1486, de Bartolomeu Dias, 1488, e de Vasco da Gama até à Índia, 1497-1499). As
dificuldades não faltam: havia que contar com os Castelhanos. São os Espanhóis que, patrocinam a empresa
do Genovês Cristóvão Colombo, preparada em Portugal; Colombo descobre a América, descoberta de um
alcance imenso, mas que, pelas suas consequências, pertence ao período seguinte.
Progressos decisivos estes que se cumprem durante aqueles séculos difíceis: enquanto por um lado são
forjados os instrumentos do capitalismo (letra de câmbio, contabilidade por partes dobradas), é, por outro,
reconhecido o espaço no qual se vai exercer o imperialismo europeu (abertura do Oceano Índico, descoberta
da América). Todos em geral se apercebem da importância primordial da actividade comercial, a começar
pelos soberanos. Eduardo IV arma um navio para comerciar no Mediterrâneo, Henrique VII em Inglaterra e
Luís XI em França tomam medidas para estimular a vida económica do seu país, protegendo a produção e o
comércio. Os príncipes e os soberanos portugueses, os «Reis Católicos» em Espanha, estão uns e outros na
origem das grandes expedições de descoberta.

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XXIII
A vida religiosa

1. O Papado, o Cisma e a crise conciliar

A instalação em Avinhão
Pouco depois do atentado de Anagni, morria o papa Bonifácio VIII: abria-se uma era de incerteza. O papa
Clemente V (1305-1314), regulou o contencioso com a França. Preocupado com a reforma da Igreja,
convoca o Concílio de Viena que toma as medidas adequadas para fortalecer a unidade da Igreja e estimular
a sua actividade intelectual. Estas negociações obrigaram o papa a não se afastar de França. Os Estados
Pontifícios eram, à data, teatro de lutas violentas entre Guelfos e Gibelinos, avivadas pela invasão do
Imperador Henrique VII (1312): era arriscado residir em Roma. Clemente V instala-se em Avinhão (1309):
calma, próspera, Avinhão estava bem colocada a meio caminho entre Roma e Paris. João XXII (1316-1334),
bispo de Avinhão, fixa aqui a sede do Papado. Era o início do «Cativeiro da Babilónia». A preponderância
na Igreja passava dos Italianos para os Franceses: cinco papas franceses sucedem-se, e mais de 80% dos
cardeais foram Franceses.

A monarquia potifical
Os papas de Avinhão quiseram, acima de tudo reforçar e reformar a Igreja e proteger a sua independência.
Ao desafio das monarquias, o Papado responde organizando-se em monarquia centralizada. Tudo gira em
torno da fiscalidade: o Papado de Avinhão tem enormes necessidades. Exilado, ele deve preparar o seu
regresso; grandes legados empreendem duras campanhas para pacificar os Estados Pontifícios. Estas guerras
devoraram mais de 50% dos rendimentos. Exilado, o Papado tinha de manter o seu prestígio: daí a
construção de um esplêndido palácio e de outros edifícios, bem como abundantes distribuições de esmolas.
Quanto aos serviços da administração pontifical, absorviam cerca de 2% do orçamento.
Mais de metade destas verbas provinha de impostos sobre os benefícios. O novo beneficiário devia
satisfazer em Avinhão certos serviços, pagar pesados direitos de chancelaria. Pela sua morte, os seus
espólios iam para o papa. Uma turba de colectores ao serviço da Câmara Apostólica cobrava essas verbas.
Em 1377, quando Gregório XI volta para Roma, o Papado parecia mais forte do que em 1303. Ideias
perigosas para o Papado já estavam em franca progressão: Marsílio de Pádua, um dos conselheiros de Luís
da Baviera, propunha aos Cristãos outros recursos, que não o papa, para a reforma. O franciscano inglês
Guilherme de Occam minava o próprio princípio da monarquia pontifical. Com o Cisma, estas ideias iriam
ressurgir.

O Cisma
O regresso a Roma efectua-se no meio do entusiasmo: o seu prosseguimento foi desastroso. Com a morte
de Gregório XI, gerou-se a agitação: os Romanos não queriam um papa francês, o qual reconduziria o
papado para Avinhão; o conclave, sob a pressão da multidão, escolhe então um papa italiano, Urbano VI
(Abril de 1378). Escolha infeliz: Urbano VI cede revelou um carácter instável e despótico. Grande parte dos
cardeais, na maioria franceses, deixam Roma: elegem Clemente VII em Setembro de 1378: não podendo
dirigir-se para Roma, Clemente VII vai para Avinhão.
Era o começo do «Grande Cisma». A formação rápida de obediências homogéneas em torno de cada um
dos dois papas testemunha a existência das raízes profundas do cisma. De um lado, com Clemente VII, um
Papado francês, centrado em Avinhão, apoiado pelo rei de França e seus aliados, o rei da Escócia, o rei de
Castela e o resto da Península Ibérica. A sua arma: a assinalável administração de Avinhão em pouco tempo
reconstituída. Do outro, com Urbano VI, um Papado romano apoiado pelo rei de Inglaterra, a Flandres, a
Polónia, a Hungria, os territórios alemães do Império e os reinos escandinavos. A Itália manteve-se
perpetuamente dividida entre as duas obediências, ao sabor das combinações diplomáticas. A força do papa
romano, dá-lhe o prestigio da Cidade Eterna; mas foi preciso tempo para reconstituir uma administração
comparável à do seu rival; as suas finanças ressentiram-se inevitavelmente.

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A Idade Média no Ocidente


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Uma vez consumado o cisma, começa a procurar-se um meio de o fazer desaparecer. A cristandade estava
agora dividida em duas partes; laços de interesses se haviam tecido que faziam obstáculo a qualquer
tentativa de reunificação. Compreende-se que o cisma tenha durado mais de quarenta anos. Com as forças
equilibradas, a guerra activamente levada a cabo durante quinze anos, não levou a nada. A ideia de uma
abdicação dos dois papas lançada pela Universidade de Paris em 1394, a de uma acção diplomática pouco
êxito tiveram uma sobre a outra. De resto, as palinódias dos dois papas Bento XIII, de Avinhão, e Gregório
XII, de Roma, provocaram a indignação de grande parte da cristandade: a França retirou a sua obediência a
Bento XIII e os seus cardeais abandonaram Gregório XII. A única solução era o concílio. Reunido em Pisa
em 1409, o Concílio depôs os dois papas e designou um terceiro, Alexandre V, a quem sucedeu, em 1410,
João XXIII. A Igreja era agora tricéfala: longe de trazer uma resolução para o problema do cisma, o
Concílio de Pisa só o agravara.

O Concílio de Constança (1414-1418)


O Concílio de Constança arranca no final de 1414, mas os trabalhos só teriam início em 1415. Facto novo:
ao lado dos bispos e dos abades, encontram-se doutores que representam as Universidades e são ardentes
propagandistas da doutrina conciliar. Os Padres compreenderam imediatamente que era preciso desfazer o
trabalho do Concílio de Pisa, e que a abdicação dos três papas era imprescindível. Obtêm em primeiro lugar
a de João XXIII (Maio de 1415). Gregório XII resigna-se a abdicar em Julho de 1415; Bento XIII persiste
até à sua morte (1423), mas desde Dezembro de 1415 a sua obediência estava também praticamente
reduzida a zero. A unidade da cristandade era assim restabelecida, mas o seu autor fora, incontestavelmente,
o concílio, o qual passava a ser o único instrumento de governação da Igreja, deixando vago o trono de São
Pedro. Durante dois anos, é o concílio que preenche esse papel. Depois de ter tomado precauções no sentido
de assegurar a manutenção da instituição conciliar, o concílio decide que o conclave procederia à eleição de
um papa; a 11 de Novembro de 1417 era eleito papa Martinho V; o concílio separava-se em Abril de 1418.

A crise conciliar
Martinho V era partidário de um conciliarismo moderado, querendo ver no concílio apenas um auxiliar do
papa e não o seu superior. Neste contexto, era impossível que não viesse a registar-se uma oposição entre o
papa e o concílio. O partido pontifical é enfraquecido pela morte de Martinho V (Fevereiro de 1431),
porquanto o seu sucessor, Eugénio IV, não estava à sua altura. No final de 1431 o papa julga poder
desembaraçar-se do concílio; a 18 de Dezembro de 1431 pronunciava a sua dissolução. Assegurado porém
pelo apoio do imperador Sigismundo, o concílio não deixa por isso de ter lugar. Eugénio IV era forçado a
admitir a nulidade da sua própria decisão e a reconhecer a legitimidade do concílio. O primeiro acto
terminava com a vantagem para o concílio. O segundo é para o papa. Eugénio IV aproveita-se do desgaste
geral: argumentando com a necessidade de avançar com um concílio de união com os Gregos ortodoxos,
transfere o concílio para Ferrara (1437). Em Basileia, ficam apenas os extremistas, que suspendem Eugénio
IV e designam como novo papa Félix V. Este cisma teria unicamente uma amplitude momentânea e as suas
sequelas desvaneciam-se em 1449. O Concílio de Basileia fracassara. O Concílio de Ferrara, transferido
para Florença em Janeiro de 1439, revelara-se um sucesso para o Papado, já que permitira chegar a um
acordo com os Gregos, mas também em resultado da vontade política do papa e do imperador João
Paleólogo, desejoso de obter o apoio do Ocidente contra os Turcos. A união contribuiu bastante para a
restauração do prestigio pontifical.

A Igreja e o Estado no século IV


A monarquia pontifical triunfara do concílio. O novo esplendor de Roma é disso testemunho: palácios e
igrejas novas. A vitória do Papado sobre o conciliarismo pagara-se bem caro. O Papado teve de abandonar
uma parte do seu poder aos Estados. Os monarcas souberam habilmente jogar com a ameaça conciliar para
forçar o pontífice a concessões. Os reis apresentavam ao Santo Padre candidatos aos lugares episcopais e o
papa instituía-os, ou então os reis reservavam para si um controlo sobre a escolha pontifical. As concordatas
(acordo entre o Papa e um Estado para regulamentar, entre outras, a organização eclesiástica do Estado em
questão) nem sempre funcionaram a contento de todos. Dois países não concluíram concordatas com Roma:
a França e a Inglaterra. Esta evolução tem duas consequências importantes: antes do mais, a Igreja já não
podia retirar dos reinos a sua riqueza e a sua força. Já não era um Estado dentro dos Estados; tinha recuado
para o seu património italiano, tornando-se num Estado entre os Estados. Em seguida, a consciência da
unidade da sociedade cristã esfuma-se: o horizonte dos cristãos é delimitado pelos seus problemas nacionais.

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3. O clero e o povo cristão

Estes cristãos divididos, fechados no quadro dos Estados, ressentem-se da ausência do Papado, da sua
incapacidade para assumir o seu papel de guia espiritual. A união com os Gregos é o único êxito de que
pode vangloriar-se o Papado nos séculos XIV e XV. No restante, este falhara completamente. Face ao
avanço dos Turcos e do Islão no século XV, a cristandade não reage, e o papado reconheceu-se incapaz de
suscitar um movimento de vulto. Assim como foi totalmente incapaz de promover a reforma da Igreja, que a
todos se apresentava necessária.

A situação do clero
As epidemias dizimaram o clero. Para guarnecer de novo as fileiras, nem sempre se olhou à pureza das
vocações: dominicanos e franciscanos não hesitam em tomar a seu cargo a instrução de jovens garotos de
forma a que estes entrem, de seguida, nas ordens. A Igreja é objecto de todas as cobiças: a da nobreza para
quem ela é um meio desta se desembaraçar de filhas sem dote ou de segundos filhos que são um empecilho.
As chancelarias régias, os círculos dos grandes senhores estão povoados de cónegos que são recompensados
pela concessão de benefícios.

As tentativas de reforma
A acumulação dos benefícios eclesiásticos obriga a recrutar substitutos para ministrarem nas paróquias
rurais, na ausência do beneficiário. Um pequeno clero miserável e mal instruído prolifera deste modo,
incapaz de cumprir a sua missão. O clero regular sofreu talvez menos: era mais fácil reformá-lo do interior.
O movimento da «Estrita Observância» que se desenvolveu a partir de meados do século XIV para levar as
ordens monásticas a observarem de novo as regras em todo o lado achincalhadas foi bem sucedido. O
movimento tinha limites: entre os franciscanos, os adeptos da Estrita Observância esbarram com uma
oposição tal, que Eugénio IV constitui, em 1446, duas congregações autónomas: a dos Observantes e a dos
Conventuais, ambas sujeitas ao Geral da ordem. Os Observantes enfrentam muito egoísmo, demasiadas
posições adquiridas.
O clero não se desinteressara do povo cristão. A rede de paróquias cresce. Os clérigos passam a dispor de
manuais de teologia simplificada, bem como manuais que lhes recordam os princípios da direcção das almas
e colecções de sermões que os vão ajudar a pregar junto das suas ovelhas. A pregação era um dos meios de
acção essenciais da Igreja.

A sensibilidade religiosa
A piedade sentimental impele os homens a realizarem tarefas das quais a Igreja só pode congratular-se: a
popularidade das peregrinações – Santiago de Compostela, Roma – e das confrarias testemunham-no. Mas
ao mesmo tempo era capaz de arrastar os homens para excessos que a Igreja nem sempre reprovava: a
fiscalidade pontifical soube tirar partido da venda de indulgências. Os autoflageladores ultrapassavam com
frequência os limites impostos pela Igreja. Há pior: o gosto pelo sobrenatural. A margem não é muito
grande, entre santidade e feitiçaria.
Homens houve que compreenderam melhor o que faltava aos Cristãos do seu tempo. Sem atacar as
estruturas da Igreja, tentaram dar o exemplo de uma devoção nova, a qual se insere entre a religião
formalista da Igreja e a piedade popular, fervorosa, mas instável e sentimental, aberta à superstição e à
magia. Vivendo em comunidade, os frades oravam em língua vulgar e atribuíam grande importância à
educação. Os seus colégios foram um dos focos mais activos da expansão do humanismo na Europa do
Noroeste. Com a devotio moderna, a vida interior do fiel passava para primeiro plano, antes do
cumprimento público dos ritos impostos pela Igreja.

As heresias
Outros, porém, não usaram da prudência dos «Irmãos da vida comum» e adeptos da devotio moderna
saem mesmo da Igreja. Alguns limitam-se a retomar e desenvolver os temas correntes desde o século XII.

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Jonh Wycliffe (1320-1384). Mas chegamos entretanto a uma outra época, com Jonh Wycliffe: é aqui que
começa a pré-reforma. A heresia wiclifita apresenta um carácter decididamente moderno. Wycliffe domina
com desdém os teólogos que se lhe opõem. A enorme obra latina que produziu demonstra não só a sua
inteligência aguçada como a sua fecundidade. O seu programa radical tinha com que satisfazer a
aristocracia. Ele parte de uma conclusão de malogro: a Igreja não cumpre o seu papel. Os clérigos
administram em lugar de se ocuparem das suas ovelhas. Não se preocupam a não ser com riquezas, quando
deviam, segundo o Evangelho, viver na humildade e na pobreza. Símbolo da preversão da Igreja visível: o
Papado, instituição recente sem laços com Cristo ou com o Evangelho e os seus acólitos, os frades
(franciscanos e dominicanos).
Wycliffe propõe o quê? Em primeiro lugar é preciso desembaraçar a Igreja das suas riquezas, fonte de
perversão. Segundo, importa traduzir a Bíblia e os textos sagrados, de forma a que todos possam conhecer
os próprios fundamentos da religião cristã. Wycliffe tinha relações no meio universitário: encontra uma série
de copistas, e verdadeiras oficinas de escribas difundem uma colecção de sermões em inglês que ele
destinava ao clero paroquial e adaptam para inglês as suas grandes obras latinas. Prestígio intelectual,
programa popular, apoios altamente colocados, difusão bem assegurada, trunfos que só podiam resultar em
sucesso. No entanto, Wycliffe fracassou. Podemos avançar uma série de razões para semelhante fracasso: a
primeira é a reacção impulsiva da Igreja de Inglaterra; os arcebispos de Cantuária fazem uma depuração na
Universidade de Oxford, e os padres que saíam para pregar as ideias de Wycliffe foram atirados para as
prisões e objecto de interditos. A Igreja estava tão estreitamente ligada ao governo real que, do lado deste,
Wycliffe não pôde contar com nenhum apoio. Algumas das suas ideias teológicas chocaram por demais. A
revolta de 1381, na qual participam alguns sacerdotes, ligados provavelmente a esses poor priests que
propagavam as ideias do reformador, atemorizou as camadas dirigentes da sociedade inglesa. Morreu em
1384, mas a repressão contra os seus sequazes, foi contínua e eficaz. O temor da heresia gerou a
impossibilidade de iniciar em Inglaterra qualquer tipo de reforma.
O «hussismo». A descendência de Wycliffe, encontra-mo-la na Boémia com o movimento hussita. As
suas ideias pouco demoram a tornar-se conhecidas na Boémia, visto serem frequentes os contactos entre
universitários de Praga e de Inglaterra, ou nesta última ou em Paris. Na Universidade de Praga, mestres e
estudantes estavam repartidos em três nações alemãs e uma nação checa: o realismo do mestre de Oxford
oferecia aos Checos um meio de se distinguirem dos Alemães. A hostilidade dos Checos para com os
Alemães crescia em todo o país. Os universitários não hesitaram em retirar das ideias de Wycliffe as suas
consequências revolucionárias: tinham os meios para se fazerem ouvidos: os pregadores eram numerosos. É,
em 1412, a venda de indulgências em Praga o que vem atirar achas para a fogueira: o pregador de Belém,
João Huss, orador notável, faz o povo de Praga partilhar da sua indignação; o motim rebentou e foi
duramente reprimido. Huss era já considerado pela Igreja como um herege; em 1409 fora excomungado. No
entanto, o único ponto que ele comunga com Wycliffe era a sua doutrina eclesial: para os dois homens, a
Igreja era a comunidade dos crentes eleitos, não a hierarquia oficial à qual recusavam todo e qualquer papel
de intermediário. Numerosos eclesiásticos ortodoxos: estes fazem de Huss uma péssima reputação junto dos
Padres do Concílio de Constança. Munido de um salvo-conducto do rei dos Romanos, Sigismundo, João
Huss aceita dirigir-se a Constança, onde os Padres o haviam convocado. Esperava desenvolver ali as suas
ideias: preso, e em seguida condenado, é morto na fogueira a 6 de Julho de 1415.
As guerras hussitas. A morte de Huss vem agravar as coisas: a nobreza checa forma uma liga dirigida
simultaneamente contra o Papado e o Império. O hussismo torna-se num programa nacional. A defenestação
dos conselheiros católicos do imperador (1419) marca a ruptura com o Império; os exércitos checos, bem
comandados, foram sucessivamente vitoriosos até 1436. No entanto, não se capitalizou o suficiente com
estas vitórias porque os Checos não estavam simplesmente unidos. Ainda que as teorias radicais do
hussismo popular só subsistissem num pequeno agrupamento, a Unidade dos Irmãos, a Igreja romana fora
forçada a inclinar-se, a aceitar um movimento que, apoiado no sentimento nacional, era demasiado poderoso
para que ela conseguisse lutar contra ele.
Quer se trate de movimentos tolerados pela Igreja (observância, irmãos da vida comum) ou de tentativas
de reforma (Wycliffe, Huss), é um facto que a vida religiosa conhece, no final da Idade Média, mutações
profundas. Tornada necessária pela evolução social, e nomeadamente pelo desenvolvimento das cidades, a
mudança foi largamente encorajada e enquadrada pelas ordens mendicantes: mas também estas não escapam
à sua contestação. De um modo geral, os leigos adquirem uma autonomia e uma responsabilidade novas: e
isto terá, inevitavelmente, as suas repercussões no domínio cultural.

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XXIV
O movimento das ideias e a vida artística

1. O movimento das ideias e a Renascença

O desenvolvimento das ideias e a Renascença


O nascimento da cultura laica é perceptível no seio da Igreja. Ainda animadíssimas no século XIV, as
faculdades de Teologia estão em crise no século seguinte. O clérigo que queria vencer estudava na
Universidade o direito. No século XV, o direito faz a fortuna das universidades, invadidas pelos leigos. Se
nos séculos XIV e XV aparece um número avultado de universidades, isso deve-se muitas vezes à iniciativa
de um príncipe que quer formar os quadros da sua administração e do seu governo.
O desenvolvimento dos Estados é um outro facto que também explica a «Renascença». Os
administradores que o Estado emprega receberam muitas vezes uma formação jurídica universitária, e,
consequentemente, nasce e cresce todo um meio cultivado mas laico. A necessidade de possuir uma sólida
cultura impõe-se àqueles que exercem uma profissão (médicos, juristas, etc.) e aos que decidem fazer
carreira ao serviço do rei. Também os mercadores e os homens de negócios, pelo menos em Itália, precisam
de uma sólida bagagem de conhecimentos. Disciplinas negligenciadas até então prendem a atenção de um
público cultivado laico: as Matemáticas, a História, a Geografia, por exemplo. Desenvolve-se o
acontecimento literário: existe um público que já não se resume ao clero ou à aristocracia cortês. Escrevendo
neste quadro, para um público mais numeroso e que nem sempre tem um nível tão grande de cultura como
eles, a maioria dos autores (Dante, Bocácio, Chaucer) é bilingue, ou mesmo trilingue: escrevem em latim,
mas também nas diferentes línguas vernáculas. Desde o século XIII, desenvolveu-se uma literatura em
francês, em breve seguida pela Itália e, mais tarde, pela Alemanha, Espanha e Inglaterra. Para este público
totalmente novo, começaram-se a traduzir os textos da Antiguidade, e mesmo os textos religiosos e
científicos, até aqui unicamente acessíveis aos clérigos.

A morte da escolástica
A teologia conhece uma grave crise. Duns Escoto e Guilherme de Occam rejeitam o equilíbrio que São
Tomás tentara estabelecer entre Razão e Fé. Um como o outro, consideram que se trata de um escandaloso
estrangulamento da absoluta liberdade divina. Mas a partir daí, eles seguem caminhos opostos. Para Escoto,
o homem tem acesso ao conhecimento através das essências das ideias, que têm uma realidade que nos vem
da iluminação do nosso espírito pela graça divina, o que nos obriga a uma luta incessante para,
simultaneamente, avançar par o Bem e adquirir o conhecimento. Para Occam, somos totalmente privados da
luz divina e devemos partir daquilo que observamos pela experiência sensível, por muito enganosa que esta
seja. Ora, esta experiência só pode ser no singular, no individual: para Occam, as ideias ou as essências não
são mais do que palavras, nomes, e a sua existência é puramente linguística: ele é nominalista. Já para
Escoto, as ideias, as essências, têm uma realidade; é um realista. Ambas as filosofias insistem no problema
do conhecimento. A Lógica, e as Matemáticas e a Física conhecem um desenvolvimento prodigioso,
independentemente de os universitários, que são os seus autores, se situarem como realistas ou nominalistas.
As duas grandes universidades de Oxford e de Paris conhecem uma verdadeira idade de ouro nestes
domínios, interrompida no caso de Paris pelo Grande Cisma e a partida dos Urbanistas, no caso de Oxford
pela crise do movimento de Wycliffe. Mas no século XV a quebra do nível intelectual é evidente.

O que é a Renascença?
Neste vazio deixado pela Igreja, nasce a Renascença. O termo presta-se a confusões: para aqueles que o
empregam pela primeira vez, este designa a redescoberta da Antiguidade. Em todo o lado houve quem se
interessasse pelo mundo antigo. No entanto, não significa que são homens da Renascença! Hans Baron
precisa a data do advento e da natureza do Renascimento: tudo se passa em Florença por volta de 1400,
quando escritores e pensadores exprimem uma moral nova a qual o envolvimento activo na vida pública tem
tanto valor quanto o podiam ter as virtudes de desprendimento preconizadas pela Idade Média clássica. A
este respeito, o acontecimento essencial é a descoberta por Petrarca, em 1345 em Verona, das cartas de
Ático para Cícero. Os Florentinos Coluccio Salutati e Leonardo Bruni retiraram daí as consequências,

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fazendo de Cícero o ideal da Renascença: assim nascia em Florença o humanismo cívico, motor essencial da
Renascença. Se estes homens se debruçaram sobre a Antiguidade, foi porque esta era a única que poderia
dar-lhes a base cultural necessária à sua vida profissional. O conceito está já bem formado em Cícero. Em
breve, todas as chancelarias italianas estão povoadas de humanistas.

O humanismo
Estes homens já não se inspiram unicamente em fontes cristãs. Bebem nos Latinos, nos Gregos e nos
Judeus. O século XV é o século de Platão: dele provêm o espiritualismo idealista e a visão matemática do
Universo que caracteriza o humanismo do Renascimento; está-se longe da moral cristã. Nutridos de fontes
desde há muito esquecidas, estes homens equiparam-se de instrumentos linguísticos aperfeiçoados para
projectar sobre os textos uma luz destrutiva (demonstração da falsidade da Doação de Constantino) ou
reveladora (revalorização de Cícero e Aristóteles). Este movimento conhece uma rápida expansão. À
partida, ele tem a sua marca distintiva: o estilo latino.
Desde o reinado de Carlos V, um grupo de humanistas aparece em França em redor do Colégio de
Navarra e da chancelaria, rivalizando com os Italianos. Mas o cisma corta os contactos, e ao longo de todo o
século XV os humanistas italianos são requestados por todos os príncipes europeus e pelos homens cultos,
propagando a sua nova cultura.
A vocação de educador que foi desde sempre a dos humanistas permite-lhes tornarem-se os seus próprios
propagandistas. Ingleses e Franceses acorrem a Itália onde brilham várias escolas. O sobressalto não teria
sido tão profundo se vários elementos do humanismo italiano não tivessem encontrado correspondentes
algures na Europa. Já falámos do interesse pela Antiguidade, em França, como na Inglaterra. Existia um
vasto público a quem podia satisfazer toda uma moral que valorizava a actividade laica e o seu aspecto
heróico. O humanismo soube aproveitar a nova invenção, a impressão. Vejamos agora como existia também
um vasto mercado e uma necessidade intelectual e religiosa. Isso é perceptível na evolução do livro
manuscrito. Os humanistas não são os únicos a beneficiar da nova invenção, que facilita o desenvolvimento
da literatura vernácula. Mas eles querem assegurar rapidamente o mercado da edição dos textos clássicos
latinos. Verona, Brescia, Roma, Florença e sobretudo Veneza monopolizam este frutuoso mercado como o
dos textos jurídicos, sobrando apenas para os impressores germânicos os textos religiosos.

2. A arte do final da Idade Média

Os patronos das artes, no século XIII, são quase exclusivamente os reis, ou grandes senhores e clérigos.
Outro tanto já não se passa nos séculos XIV e XV: burgueses e ricos mercadores começam a assumir o
mesmo papel, com valores e gostos diferentes dos seus predecessores. O gótico perde o seu carácter francês,
fragmenta-se em escolas regionais, enquanto a Flandres e o Estado borgonhês de um lado, a Itália do outro,
pólos do desenvolvimento comercial, são também os centros artísticos mais brilhantes. Uma redistribuição
na hierarquia das artes tem, entretanto, lugar: a arquitectura perde uma parte do seu papel piloto; a pintura
torna-se num elemento motor da evolução artística. Outras artes, como a música, individualizam-se e saem
da sombra.

O Renascimento em Itália
A pintura. A arte mais nova é a do Renascimento italiano. A pintura foi a arte iniciadora; originalmente
simples continuação da pintura bizantina, singulariza-se, desde o início do século XIV, com os seus pintores
florentinos e sieneses. Os pintores da segunda metade do século XIV insistem sobretudo, nas suas obras, na
decoração gótica, limitando-se a diversificar as gamas das cores e a aperfeiçoar as técnicas do fresco.
A arquitectura. A pintura italiana parece ter perdido a iniciativa. O arquitecto Bunelleschi propõe uma
nova concepção do espaço: a sua cúpula não gera um espaço fechado; ela é, pelo contrário, uma abertura. A
sua tensão para o alto, as suas faixas, põem em relação estreita o espaço interior da catedral com o céu, com
o Universo. O trabalho do arquitecto consistia em conceber uma organização, ela própria racional. Estas
ideias, desenvolvidas e vinculadas à corrente humanista, exerceram uma profunda influência; não só os
estatutos da arte e os do artista (que deixa de ser um simples técnico) se transformam a partir delas, mas
ainda os artistas descobrem o problema que os confrontava: a reconstrução de um espaço que corresponda à
nova compreensão do Mundo, à dos humanistas do século XV.

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Uma nova noção do espaço. Para a historiografia clássica, a novidade é a adopção do sistema de
representação verdadeira das coisas por meio da perspectiva linear. Se os arquitectos desempenharam um
papel primordial no início de Quatrocentos, esse papel foi, na maior parte, teórico: é no atelier dos pintores
que as novas fórmulas são experimentadas, sendo apenas no final do século XV que se edificam as grandes
construções da Renascença. A descoberta fundamental de Quatrocentos foi o princípio do alinhamento em
profundidade de um espaço convencional. A arte da Renascença italiana reproduz a visão específica da
sociedade.
No resto da Europa: França, Inglaterra, Espanha. No resto da Europa, a arte gótica diversificou-se;
em França, esta toma a forma do gótico flamejante. Em Inglaterra vence o estilo Perpendicular; num e
noutro caso, a complexidade das abóbadas é notável, mas se a tensão para o alto é conservada por uma
exuberante decoração no flamejante, o gótico perpendicular joga com os ritmos das fachadas e o desenho
das nervuras. Entre os mais belos monumentos do estilo perpendicular, destacam-se numerosos colégios de
Oxford e de Cambridge. O gótico flamejante expande-se ao conjunto da Europa, mas sofre um sem-número
de transformações. Nos Países Baixos, na Alemanha e até à Itália do Norte ele é adaptado à forma que goza
do favoritismo dos arquitectos. Noutros pontos, as alterações, sob a influência das tradições locais, são mais
profundas. O gótico veneziano, por meio da decoração flamejante, vivifica os esquemas bizantinos. Em
Espanha, os artistas de Castela e Aragão fundem no exuberante estilo mudejar elementos góticos com
elementos islâmicos; em Portugal, o mosteiro da Batalha oferece o mais belo exemplar do estilo Manuelino.

A arte flamenga
A Europa do Noroeste, onde a criação artística está concentrada em torno dos príncipes e das elites
urbanas, continua do mesmo modo fiel ao gótico. O gótico tornou-se o estilo por excelência da corte de
Paris, bem como das cortes aliadas. Os Luxemburgo propagam-no à Alemanha e, a partir de Praga, a toda a
Europa Central. É nos castelos dos duques Valois da Borgonha e do duque de Berry que se prepara a eclosão
da arte flamenga. A miniatura cumpre funções de laboratório: tem nela a sua origem uma das características
flamengas, a preciosidade da cor e a riqueza das tintas; os Italianos, formados no fresco, evitaram durante
muito tempo os tons escuros ou reforçados, até que, sob a influência dos Flamengos, os Venezianos
conferem à cor um valor novo.
Mas a arte flamenga, se bem que permaneça fiel à decoração gótica e pareça mais medieval do que
renascentista, exprime do mesmo modo que a arte italiana o espírito novo da sua época. O terreno fecundo é
aqui a religiosidade tão peculiar dos Países Baixos. A originalidade flamenga reside num duplo movimento,
contraditório na aparência: um realismo figurativo estrito (as lágrimas, os estofos, a baixela são dados com
uma exactidão escrupulosa), mas combinado com um simbolismo arrebatado. O quadro integra-se na
arquitectura, de forma que a missa celebrada na capela onde ele se encontra corresponda ao sacrifício
místico que nele se representa. O preço desta estrutura dupla é a ausência de movimento, o carácter por
vezes estereotipado das formas; no entanto, a pintura flamenga, no seu mais alto nível, é uma arte inovadora,
próxima da sensibilidade individual dos cristãos dos Países Baixos.
O pintor Jan Van Eyck, morto em 1441, conservou a tradição miniaturista das cores de uma qualidade
extraordinária que lhe valeram durante muito tempo a atribuição da invenção da pintura a óleo. Ele é o
inventor do retrato burguês. Paisagem exacta, retrato preciso, perfeição da cor, espiritualidade profunda,
qualidades em suma que fazem do Retábulo do Cordeiro Místico a obra-prima da pintura flamenga (1432).

A música
No domínio musical, os músicos franceses fizeram triunfar aquilo a que se chamou a Ars Nova. A nova
música rompe com as regras tradicionais: os ritmos dispersam-se, os vocalizos acumulam-se em total
liberdade. As dificuldades da França iriam provocar uma clara decadência da actividade criadora francesa.
Através do filtro anglo-borgonhês, a música francesa reencontra a sua grandeza, graças a músicos do Norte.
Esta escola franco-flamenga individualiza-se rapidamente, equilibrando a espontaneidade da Ars Nova por
meio de um contraponto cada vez mais rigoroso. A Alemanha e Itália só no século XVI acabariam
finalmente por despertar para a arte contrapontística e polifónica.

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