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A ENTREVISTA DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

JosÉ CAVALIERE FIGUEIREDO

o presente trabalho tem como objetivo transmitir algo de nossa


experiência de orientador profissional, no que se refere à entrevista de
Orientação Profissional.
Podemos caracterizar êsse recurso de estudo como "entrevista-diag-
nóstico", na qual tentamos levantar um quadro, o mais fiel e exato, das
'.características do orientando: condições sociais, físicas e psicológicas.
Nossa atitude é neutra, de ação bàsicamente objetiva e descritiva. Pro-
curamos fazer sentir ao orientando que não somos juízes, não julgamos
nada, aceitando qualquer informação com a máxima naturalidade. Nosso
interêsse é registrar a maior quantidade possível de dados a seu respeito.
No início da entrevista, motivamos o orientando a colaborar e a se
expressar com espontaneidade. Chamamos-lhe a atenção de que, se nOli
fornecer informações falsas, a orientação será falsa e, se, propositada-
mente, nos omitir algum dado, a orientação será falha. Procuramos mos-
trar-lhe que o orientador não é mágico, que nada adivinha, que, para for-
mular a indicação profissional, equaciona os dados obtidos nos resultados
dos testes com os fornecidos pelo orientando.
:B:ste tipo de entrevista, de Orientação profissional, é mais produ-
cente quando feita após um primeiro contacto e o preenchimento do ques-
tionário de orientação profissional, pelo fato do orientador já ter criado,
com êsses dois contatos, uma idéia geral a respeito do orientando e de
seu problema profissional. A nossa experiência tem demonstrado que a
consulta ao questionário, durante a entrevista, enriquece-a, propiciando um
melhor relacionamento.
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Para êste tipo de entrevista, adotamos forma mais diretiva, para que
haja melhor ordenação na coleta de dados. Entretanto, o orientador, con-
forme a necessidade do caso, poderá dar um cunho não-diretivo à mesma,
de acôrdo com a situação vivida.
O roteiro por nós adotado é o seguinte:

1- INTERESSES PROFISSIONAIS:
Faz-se o levantamento total de tôdas as profissões cogitadas pelo
orientando, de preferência em ordem cronológica de aparecimento, eviden-
ciando-se pormenorizadamente as razões que motivaram essas escolhas e
os conhecimentos que o orientando tenha a respeito dos campos profissio-
nais cogitados. A fim de ficar bem claro o tipo de atividade profissional
que o orientando gostaria de exercer, procuramos induzi-lo a uma defini-
ção, perguntando: "Que tipo de atividade profissional você gostaria de
fazer, sem precisar dar um nome de profissão a esta atividade ou ativi-
dades?"

2- INTERtSSES GERAIS:
Dando seqüência aos aspectos profissionais, passamos a investigar
os interêsses do orientando, onde nos limitamos a pesquisar suas habilida-
des, gostos e preferências. Realçamos o assunto, dizendo: "Tudo que você
faz, fêz, ou gostaria de fazer nos interessa. Mesmo que seja uma atividade
que você considere sem importância". Comenta-se, a propósito, passatem-
pos. diversões, esportes etc.

3 - VIDA ESCOLAR:
tste tópico é de máxima importância para a Orientação profissional.
Nêle procuramos sentir a atitude que o orientando manifeste para com
os estudos, seu ajustamento ao colégio, colegas e professôres, as matérias
por que tem preferência, aquelas em que encontra dificuldades e quais
são elas. Se tem sido reprovado, ou ficado em segunda época e qual tem
sido o seu aproveitamento. Achamos conveniente, nessa oportunidade, le-
vantar o conceito que o orientando tenha a respeito de sua própria inteli-
gência, como êle, intelectualmente se situa no seu grupo, se tem alguma
dificuldade intelectual. Finalmente, perguntamos se, de fato, o orientando
tem vontade de continuar seu~ f!§tudos, ou se pretende abandoná-los, para
-.
se dedica~ ~ 1f~~ ocupação:
-
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4- VIDA SOCIAL:

Aproveitando o relacionamento acêrca da vida escolar, segue-se a


pesquisa da vida social. Se o orientando é sociável, se participa de turma,
ou turmas, se é querido, procurado pelos colegas, se apresenta caracte-
rísticas de liderança etc. . .. Pode-se aproveitar êste aspecto para uma
sondagem na vida afetivo-emocional: relacionamento com o sexo oposto
(se tem namorada, se pretende casar, se gostaria de ter filhos, se sente
falta de uma namorada e- outros aspectos afetivos). Convirá deixar bem
claro se o orientando gosta, ou não, do convívio social, se tem algum
problema de ajustamento ou conflito nessa esfera.

5- VIDA FAMILIAR:

Como seqüência normal da vida social, passamos para a vida fami-


liar. Neste aspecto nos interessa a constituição da família, o conhecimento
de cada membro de per si, suas opiniões e relações para com o orientando.
Necessário se faz levantar se existem, ou não, pressões ou sugestões pro-
fissionais por parte dos familiares. Além do exame de cada membro da
família e do levantamento das relações familiares, indagamos da existência
de antecedentes patológicos hereditários.

6 - ANAMNESE DO ORIENTANDO:

De início, focalizamos a parte referente ao desenvolvimento físico


e às condições de saúde. O que o orientando sabe a respeito de sua ge~­
tação e parto, doenças que teve, funcionamento do seu organismo, opera-
~ões, acidentes, vícios, "tics", alimentação, sono. tsses pontos devem ser
esclarecidos.
Ê interessante sendar a aceitação que o orientando tenha de seu
físico, e, principalmente, de seu rosto.

7- AUTOCONCEITO:

Neste item abordamos o conceito que o orientando tenha de si mes-


mo, como julga que é seu temperamento, seu caráter. Pergunta-se se
sente algum problema íntimo, se é ou se se considera feliz, se está vi-
vendo alguma situação de conflito. Quais as suas qualidades morais, seus
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defeitos etc.. .. Se encontra alguma particularidade especial em sua per-


sonalidade (alucinações, fobias, "ataques" etc.). Se é honesto e se já
cometeu algum ato ilícito (furto, atentado ao pudor etc.) .

8 - VIDA RELIGIOSA:

Se o orientando tem religião, se a aceita, ou se tem algum problema


a tal respeito; se é praticante ou não.

9 - VIDA SEXUAL:

Faz-se ligeira sondagem sôbre a vida sexual, visando a averiguar


se o orientando está tendo desenvolvimento normal. Pergunta-se se teve
orientação, se já teve, ou não, relações, se tem problemas, ou alguma dú-
vida. Deixamos claro que êste assunto poderá ser também debatido em
outra entrevista, inclusive no aconselhamento, caso o orientando deseje
esclarecer algum ponto.

10 - VIDA ECONÔMICA:

Levanta-se o nível sócio-econômico da família. No caso do orien-


tando trabalhar, se está satisfeito com a atividade e a remuneração. Caso
contrário, se vive às expensas da família, se recebe uma quantia fixa, ou
segundo suas necessidades. Procuramos averiguar como o jovem utiliza
seu dinheiro, se é estróina ou usurário, ou se sabe viver econômicamente,
segundo as possibilidades.

11 - PROSPECÇõES:

Finalizando a entrevista, procuramos sentir as aspirações do orien-


tando, suas expectativas e desejos. Perguntamos como gostaria que fôsse
o seu futuro, o que espera obter, e o que lhe bastaria, em todos os planos
da existência.
Antes de darmos a entrevista por terminada, voltamos a explicar a
necessidade de conhecer suas características mais íntimas, a fim de melhor
podermos orientá-lo. Temos por hábito dizer que é possível que algum
dado de importância nos tenha escapado nas perguntas e, também, que
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poderia ter havido algum esquecimento da parte do orientando. Sugeri-


mos que faça um retrospecto da entrevista e que verifique se tem havido
falha na mesma. Caso positivo, poderá voltar e esclarecer algum ponto
obscuro, ou acrescentar alguma coisa nova.

Durante a entrevista, enquanto não estiver o desenvolvimento do


roteiro fixado pelo entrevistador, sugerimos que êle tenha à vista um
quadro sinóptico, a fim de não esquecer-se do essencial. Chamamos a
atenção que a seqüência não deve ser rígida, e sim, a mais oportuna, de
acôrdo com as associações de assuntos que se fizerem. Entretanto, em
casos de entrevistas com orientandos confusos, muitos ansiosos, ou simu-
ladores, o orientador poderá tornar um pouco mais rígida a atitude dire-
tiva, a fim de não ser tumultuada a entrevista (*)

Sinopse do roteiro:

1- Interêsses profissionais;

2- Interêsses gerais;

3- Vida escolar;

4 - Vida social;

5- Vida familiar;

6- Anamnese do orientando;

7- Autoconceito;

8- Vida religiosa;

9- Vida sexual;

10 - Vida econômica;

11 - Prospecções.

(*) O presente trabalho foi baseado nas súmulas sôbre a entrevista do


Curso. de Orientação Educacional e Pré-Profissional (1954), do I.S.O.P., de autoria
da pSIcóloga MARIANA ALVIM, e no livro Técnicas do Aconselhamento Psicológico
da psicóloga RUTH SCHEEFFER. '
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UM EXEMPLO
Entrevista de um orientando de 18 anos, do 2.° ano colegial cien-
tífico:
1- Interêsses profissionais:
"A primeira idéia foi a carreira militar - desiludi-me um pouco.
Pensei na Advocacia, porém, não gostei do Latim. No ginásio, pensei na
Diplomacia, porém, desisti. No colegial, gostei de Física e Matemática e
pensei na Engenharia" (sic). Não sente atração pela Medicina. Acha
que tem facilidade para Matemática e Ciências aplicadas. Na Química
não se adaptou bem. "Não consigo decorar" (sic). Gostaria de viajar
"como passatempo e não como profissão" (sic). Já pensou na Arquite-
tura? "Não sei..!'

2 - Interêsses gerais:

Acha que tem jeito para desenho e pintura. Tem feito cópias de
fotografias. As vêzes, desenha paisagens do natural. Tem certa habilidade
e "paciência" (sic). Tem habilidade manual, "em casa conserto tudo .....
(sic). Fêz aeromodelismo. "Já planejei muito, porém, não coloquei em
prática. Gosto muito de automóveis de corrida. Já planejei suspensão
para automóveis, porém, não coloco em prática. Gosto de mecânica. Gosto
de trabalhar em madeira; às vêzes, arrisco uma escultura, mas não sai boa
coisa ..... (sic). Gosta de criar coisas. Gostaria de criar um nôvo estilo
de pintura . Já tem tentado. Acha-se mais técnico do que artista. Gosta
de literatura e gosta de redigir. Geralmente escreve sôbre os mais varia-
dos temas. "Gosto de criar alguma coisa ... " (sic). Coleciona o que es-
creve. Não quer escrever como obrigação, e sim, como "descanso, pra-
zer ... " (sic). Gosta de decoração, porém não põe em prática, em casa,
porque a mãe acha que o orientando não tem bom gôsto. Acha. que tem
bom gôsto. "Gosto muito de pensar - em problema religioso, na origem
da vida" (sic).
Esportes - Não é desportista, porém, faz o que lhe agrada, "não
levo um treinamento intensivo ... " (sic). Pratica volibol, futebol (no
colégio) e hipismo.
Divertimentos - Praia. "Gosto muito de conversar sôbre os ou-
tros ... " (sic). Gosta de discutir religião. Vai a cinema - "filmes nouvelle
vague" (sic). Gosta de ler, porém, o faz pouco. Gosta de política, porém
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só para discutir "sou lacerdista ferrenho e janista decepcionado ... " (sic).
A namorada é opositária política.

3- Vida escoZar:
Atualmente gosta de estudar, "principalmente matérias de raciocí-
nio" (sic). Sempre passou raspando, não liga para nota. De que mais
gostou foi Física, Matemática e Descritiva. Comportamento regular, "re-
volto-me contra o regime ... " (sic). Quer acabar o curso no Colégio Mi.,--
litar. Atualmente, estuda regularmente. Está num curso de vestibular
para Engenharia, à noite.

4- Vida sociaZ:
Não se acha muito sociável, "sou meio fechado, não agrado muito
aos outros" (sic). Sua turma é mais ou menos da mesma idade. Tem
um amigo íntimo: "é mais no sentido de ajudá-lo; êle tem mais proble-
mas do que eu ... " (sic). Já foi líder na turma, "minha casa é centro de
reunião do pessoaL.. Eu gosto de ser o centro ... " (sic). Gostaria de
ter, na vida, um cargo de direção - pretende ter uma indústria de ma-
teriais eletrônicos. Namora uma môça há quase dois anos. "Ela mudou-
se para São Paulo e só nos vemos nas férias ... " (sic). Os dois se gostam
muito, "é uma garôta formidável, se bem que não seja muito bonita.
Creio que ela tem muito do que eu tenho ... " (sic). Acha que não se
casará com ela. Pensa em casar-se "depois de formado, econômicamente
bem e socialmente definido. Depois de 30 anos ... " (sic). Confessa que
vê na môça "mais uma amiga do que uma namorada ... " (sic). Tem
düiculdades de estabelecer contatos em ambiente desconhecido. Acha-se
acanhado e tímido.

5- Vida familiar:
Mãe e quatro filhos. É o primogênito. Pai: brasileiro, faleceu aos
41 anos, câncer do estômago. O orientando estava com 5 anos. Tem lem-
brança do pai. "Achava-o um sujeito espetacular, meio duro, porém, sem-
pre com razão. Não cometia injustiça. Eu o creio bem parecido comigo:
tímido e honesto" (sic). Diz ter tido segurança, quando êle estava perto.
"Era como eu gostaria de ser ... " (sic). Confessa que sente falta do pai.
Acha que a morte do pai o amadureceu. "Nesses anos todos eu tenho
resolvido tudo sozinho ... Isto também me fechou um bocado ... " (sic).
O pai era oficial do Exército. Mãe: brasileira, 40 anos. Saúde, problema
de espinha. O orientando opõe-se a um nôvo casamento da mãe. "Não
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sei por que ... " (sic). A mãe trabalha como orientadora de um hospital.
"É muito calma, bondosa, porém, às vêzes, não me compreende bem"
(sic). O orientando não sabe entrar em contato com a mãe. Os dois
brigam, porque o orientando é meio desligado da família. Diz que não con-
segue se abrir com ninguém. "Se houver preferência é por mim ... " (sic).
Relação com os irmãos - "Perfeitamente bem, principalmente com
o menor ... " Não tem intimidade com os irmãos. "tles também são fe-
chados ... " (sic). Confessa que eram estranhos. O orientando passa a
maior parte do seu tempo fora do lar. Os irmãos são estudiosos, "menos
o menor" (sic). .
Ambiente do lar - "Não poderia ser melhor ... " Apenas a avó ma-
terna briga um pouco com a mãe do orientando. A mãe procura ser
compreensiva.

6- A namnese do orientando:

Tudo normal. "Nasci enrolado" (sic). Saúde boa. Já foi onico-


fagista. Fuma há mais ou menos 3 anos, 20 cigarros por dia. Agita muito
as pernas. Tem taquicardia. Está satisfeito com seu físico. "Gostaria
de chegar a 1,80 m" (sic).

7- Autoconceito:

"Não consigo me abrir, falar sôbre meus problemas. Atualmente


não tenho. Já tive ... fui ameaçado de ser expulso do colégio por mau
comportamento .. " (sic). Acha-se dissimulador: "Procuro me modificar, ge-
ralmente para não magoar ... não sou sincero nas minhas opiniões a respeito
dos outros ... " (sic). Acha-se inteligente: "Sempre tive facilidade para
aprender. .. Nunca estudei. .. " (sic). É distraído e esquecido. Tem ini-
ciado diversas coisas e depois as abandona. É muito ciumento "de tudo
que eu gosto ... de uma garôta, de um amigo ... " (sic). Acha-se feliz.
"Já tive complexo de não ter pai; no primário, eu inventava um pai.
Quando eu entrei no colégio eu sentia muito - categoria O, gratuito
vinha no boletim e eu me revoltava" (sic). Deseja ser rico.

8- Vida religiosa:

A família é católica. O orientando abandonou a religião e perdeu


a fé. "Creio que exista algo superior, porém, não aceito o catolicismo ...
Gostaria de estudar as principais crenças e saber a que mais me atrai
para ter fé mesmo ... " (sic).
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9 - Vida $exual:

Teve orientação de um médico. "Foi êle que tratou de meu pai".


Puberdade, mais ou menos aos 13 anos. Masturbação durante a puber-
dade. Primeira relação com 15 anos - prostituta. Não tem tido relações
regulares, mas anda com empregadas e garôtas que "não são família"
(sic). Nega relação H. S. "Tenho nojo disso ... " (sic). Acha que não
tem problemas.

10 - Vida econômica:

Situação econômica normal, "apesar de julgar minha mesada muito


curta ... " Ganha Cr$ 2.500 por mês. Gasta quase tudo em cigarros.

11 - Prospecções:

"Queria ter uma posição socialmente destacada, estar bem finan-


ceiramente, chefiando uma indústria de importância ... Ter uma boa fa-
mília, mais tarde... Não sei se gostaria de ter filhos... É uma respon-
sabilidade grande... Não sei se seria capaz ... " (sic).

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