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1. INTRODUÇÃO
Invertase ou β-D-fructofuranosidase (E.C. 3.2.1.26) é uma hidrolase que possui a capacidade de
hidrolisar a sacarose e produzir os açúcares invertidos, glicose e frutose. O açúcar invertido produzido
é utilizado principalmente na indústria de refrigerantes, devido ao seu alto poder adoçante (20% maior
que o da sacarose), maior poder umectante e difícil cristalização (Hanover & White, 1993; Cruz et al.,
1998; Sugunan & Sanjay, 2005). O processo industrial de hidrólise da sacarose é realizado por catálise
ácida sob alta temperatura, que provoca uma coloração escura no xarope invertido de açúcar pois, há a
produção concomitante de furfurais (tóxicos quando ingeridos). A enzima invertase pode ser uma
alternativa para a produção de xarope de açúcar invertido sem a presença de furfurais (Arruda &
Vitolo, 1999; Valerio et al., 2013).
A aplicação de enzimas em processos industriais ainda é limitada por fatores econômicos,
consequência da impossibilidade de reutilização das enzimas e baixa estabilidade em presença de
solventes e temperaturas elevadas das mesmas. As enzimas têm sido imobilizadas usando diferentes
técnicas como aprisionamento em matrizes porosas, ligações a superfícies e autoagregação, com o
objetivo de buscar maiores fatores de estabilização sob condições adversas e maiores possibilidades
de reutilização (Arruda & Vitolo, 1999; Bagal-Kestwal et al., 2011; Chandra et al., 2012; Hsieh et al.,
2000; Isik et al., 2003; Raj et al., 2011; Rebros et al., 2007; Sanjay & Suguman, 2005; Tanriseven &
Doğan, 2001; Valerio et al., 2013).
Recentemente, diversos estudos mostraram resultados promissores com a técnica de auto
agregação e entrecruzamento ou (CLEA – cross linked enzyme aggregate). Essa técnica de
imobilização enzimática consiste em precipitação e agregação das enzimas de maneira natural ou
induzida, não havendo a necessidade de suporte de imobilização (Cao, 2006). Esta metodologia é
extremamente simples e não exige grande pureza da solução enzimática, podendo ser aplicada a
enzimas com as mais diversas características, como mostra a Tabela 1. Com o aprimoramento da
técnica, muitos grupos de pesquisa propuseram com sucesso o uso de proteínas espaçadoras nos
CLEAs (que diluem a matriz dos CLEAs, evitando problemas difusionais e de inibição e facilitando o
entrecruzamento pelo aumento de grupos aminos disponíveis) e até mesmo o entrecruzamento de mais
de uma enzima em um CLEA, os chamados Combi-CLEAs (Cabana et al., 2007; Dalal et al., 2007;
Shah et al., 2006; Talekar et al., 2013; Touahar, 2014; Tukel et al., 2013; Wilson et al., 2004b).
Tabela 1 – Aplicação da imobilização por CLEA em diferentes enzimas.
Enzima (Classe) Fonte Aplicação Referência
Alfa-amilase Bacillus
Hidrólise de amido em glicose (Talekar, 2012b)
(hidrolase) amyloliquefaciens
Catalase (oxirredutase) Fígado bovino Decomposição do H2O2 (Tukel et al., 2013)
Catalase (oxirredutase) Fígado bovino Decomposição do H2O2 (Wilson et al., 2004a)
Regeneração de NADH durante o
Formato desidrogenase Candida
processo de redução de (Kim et al., 2013)
(oxirredutase) Boidinii
compostos quirais
Invertase Saccharomyces Hidrólise de sacarose em glicose
(Talekar et al., 2012a)
(hidrolase) cerevisiae e frutose
Lipase Thermomyces (Karimpil & D’Souza,
Produção de ésteres alquílicos
(hidrolase) lanuginosus 2011)
Lipase Candida
Produção de ésteres alquílicos (Cruz et al., 2012)
(hidrolase) Antarctica
Lactobacillus
LpNAL
plantarum WFCS1 Produção de ácido siálico (García-García et al., 2011)
(liase)
recombinante
Protease (Sangeetha & Abraham,
Bacillus subtilis Hidrólise de ligações peptídicas
(hidrolase) 2008)
A adição de proteína inerte contribui para o aumento de grupo aminos disponíveis para
entrecruzamento. Alguns trabalhos propuseram CLEAs usando albumina de soro bovino (BSA), ovo
de galinha ou proteína de ovo como proteína inerte (Cruz et al., 2012; Shah et al., 2006; Talekar et al.,
2013). A BSA é uma proteína de alto valor comercial. Com o objetivo de buscar opções mais baratas
foi proposto pelo grupo de pesquisa (Beltrame et al., 2015; Mafra et al., 2015a; Silva et al., 2015) o
uso da proteína de soja, que é um subproduto da extração do óleo de soja. Esta opção chega a ser 250
vezes mais barata que a BSA (Perkins, 1995).
Em trabalhos anteriores (Beltrame et al., 2015; Mafra et al., 2015a) mostrou-se que CLEAs de
invertase de S. cerevisiae coimobilizados com proteína de soja podem reter até 55% de atividade,
mantendo alta estabilidade. Contudo, ainda não foram realizados testes de uso e reuso em biorreator
para a produção de açúcar invertido, testes raramente realizados com CLEAs.
Com isso, o objetivo deste trabalho foi produzir CLEAs de invertase de S. cerevisiae usando
proteína de soja como espaçador. Com estes CLEAs, realizar testes de produção de xarope de açúcar
invertido a partir de sacarose (50 g/L), nas condições de 40°C, pH 6. E finalmente, estudar o reuso do
biocatalisador nessas condições.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Materiais
Invertase (INV, EC 3.2.1.26) de Saccharomyces cerevisiae (LNF Latino Americana®), proteína
concentrada de soja (SOY, 90% m/v, Casa dos Cereais®), solução aquosa de glutaraldeído (25% m/v,
Vetec®), terc-butanol (Vetec®) e açúcar cristal Caravelas® obtido no comércio local. Os demais
reagentes empregados foram de grau analítico.
2.2. Métodos
Medida de atividade enzimática: A atividade enzimática da invertase foi medida a 30°C
acompanhando-se açúcares redutores totais (ART), liberados na hidrólise de uma solução de sacarose
200 mM em tampão acetato de sódio 25 mM, pH 4,8. ART foi quantificado pelo método do ácido 3,5-
dinitrosalicílico – DNS (Miller, 1959). Uma unidade de atividade da invertase foi definida como a
quantidade produzida de ART (em μmol) por minuto nas condições do ensaio.
Concentração de proteína: Proteínas foram quantificadas espectrofotometricamente em 750 nm,
usando o método de FollinCiocalteau-Lowry (Lowry et al., 1951) com albumina de soro bovino como
proteína padrão.
Preparação do CLEA: A preparação de CLEA de invertase consistiu na precipitação das
proteínas contidas em 1 mL de solução enzimática (10 mg/mL) a qual continha proteína de soja (50
mg/mL), preparada em tampão fosfato de sódio 100 mM, pH 7,0, promovida pela adição de 1 mL de
agente precipitante (terc-butanol). Sequencialmente, adicionou-se um reagente de reticulação
(glutaraldeído 50 mM), mantendo a suspensão agitada por 3 h a 4°C e 200 rpm. Após este período, os
CLEAs de invertase foram lavados com tampão fosfato de sódio (100 mM, pH 7) e ressuspensos em 2
mL do mesmo tampão para medidas de atividade enzimática. O rendimento global de imobilização
(RI, %) foi calculado como a razão entre a atividade enzimática dos CLEAs de invertase e a atividade
enzimática oferecida para imobilização.
Produção de açúcar invertido: O xarope de açúcar invertido foi produzido a 40°C e pH 6,0
(tampão fosfato 25 mM), usando uma concentração inicial de sacarose de 50 g/L e volume reacional
de 0,4 L. A relação massa de biocatalisador por massa de substrato foi otimizada em trabalhos
anteriores (Mafra et al., 2015b), tendo em vista a relação 0,03% (gproteína ativa / gsacarose) o reator foi
alimentado com 2,2 mL de CLEA de invertase. Amostras eram coletadas em intervalos de 10 min
para a quantificação de ART.
Reuso dos CLEAs de invertase: A estabilidade operacional do INV-SOY-CLEA foi testado em
um reator batelada, em que 2,2 mL de CLEA era alimentado em um reator (400 mL) que continha 50
g/L de sacarose (em tampão fosfato 25 mM) à 40°C e pH 6,0. Após 4 horas de reação sob agitação de
300 rpm, o biorreator era desligado e deixava-se o biocatalisador decantar por cerca de 2 horas. Por
fim, retirava-se o sobrenadante (xarope açúcar invertido) com bomba peristáltica e realimentava-se o
reator com solução de sacarose nas mesmas condições iniciais. Assim, repetiu-se este processo por 10
vezes. Durante o ensaio, alíquotas (diluídas em solução 0,2 M de hidróxido de sódio) eram retiradas
do biorreator pra análise de sacarose, glicose e frutose.
Quantificação da concentração de sacarose, glicose e frutose: As concentrações de sacarose,
glicose e frutose foram determinadas por cromatografia líquida de troca iônica em um cromatógrafo
Waters Modelo 410, equipado com detector de índice de refração. A separação dos açúcares foi
realizada em uma coluna Sugar-Pak a 80°C, utilizando-se como fase móvel água Milli-Q a um fluxo
de 1 mL/min.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O preparo de CLEAs de invertase baseou-se em otimizações (precipitação, carga enzimática,
entrecruzamento e espaçador) previamente estudadas (Beltrame et al., 2015; Mafra et al., 2015). Em
que foi escolhido o biocatalisador que teve melhor estabilidade, recuperou mais atividade e lixiviou
menos. Tendo em vista estes aspectos, o INV-SOY-CLEA foi preparado com o precipitante terc-
butanol, 10 mg/mL de invertase (solução inicial), 50 mM de glutaraldeído e 50 mg/mL de proteína de
soja (solução inicial), que recuperou 54% da atividade inicial.
A relação enzima/substrato foi determinada através do modelo cinético da enzima invertase
livre, conforme descrito em (Mafra et al., 2015b). Com a relação 0,03% (m/m) invertase/sacarose,
conduziu-se a conversão de sacarose a glicose e frutose, à 40oC e pH 6,0 (tampão fosfato 25 mM) a
partir de 70 g/L de sacarose para a invertase imobilizada, respectivamente. As quantidades de glicose
e frutose produzidas e sacarose consumidas foram acompanhadas através de análise de HPLC.
Cerca de uma hora foi o tempo que a invertase imobilizada levou para hidrolisar a sacarose do
meio reacional (Figura 1a) e produzir glicose e frutose equimolarmente. Com isso foi possível calcular
a produtividade de 73 g.L-1.h-1 para o processo de hidrólise da sacarose utilizando o INV-SOY-CLEA
como catalisador. Tabela 1 compara os resultados de produtividade específica e estabilidade
operacional obtidos por este trabalho com outros estimados da literatura.
Percebe-se a partir da Tabela 1 que o presente trabalho apresenta produtividade específica até 40
vezes maior que outros dados publicados na literatura. Este resultado valida uma das principais
vantagens dos CLEAs; a alta atividade por volume de derivado (Talekar et al., 2013). Dado que, o
volume ocupado por um suporte, utilizado em outras técnicas de imobilização, limita a carga de
derivado por volume de meio reacional no processo. Ressalta-se que o custo de um biocatalisador é
proporcional à sua atividade volumétrica por isso, propôs-se o estudo de reuso do INV-SOY-CLEA.
Os resultados do reuso dos CLEAs de invertase em hidrólises de sacarose (70 g/L) estão
apresentados na Figura 1a,b e resumidos na Tabela 1, que mostra que foi possível reutilizar o CLEA
de invertase coimobilizado com proteína de soja por 10 vezes mantendo-se a conversão em 70%.
Possivelmente, o decréscimo na conversão pode ser consequência da deterioração natural do
biocatalisador devido ao alto tempo de processo (4 h – maior que outros apresentados na Tabela 1),
quando a conversão completa levaria apenas de 1-2 horas. Contudo, comparando os tempos totais de
processamento (tempo de processo vezes o número de reusos) o INV-SOY-CLEA mostrou resistir até
14% mais que outros biocatalisadores citados na Tabela 1, mantendo alta conversão.
Tabela 1 – Produtividade e estabilidade operacional de produção de xarope invertido de açúcar
Produtividade Sacarose Estabilidade operacional
Catalisador específicaa inicial Referência
(gproduto.h-1.gderivado-1) (g/L) Conversão Tempo de Temp.
Reuso
final (%) processo e pH
Invertase
imobilizada em 55oC e (Valerio et
64 80 69 53 30 min
nanopartículas pH 4,5 al., 2013)
de quitosana
Invertase (Bagal-
37oC e
imobilizada em 0,006 0,003 20 70 10 min Kestwal et
pH 4,5
quitosana al., 2011)
Invertase
45oC e (Raj et al.,
imobilizada em 2,3 100 9 11 70 min
pH 6 2011)
nanogels
Invertase
imobilizada em
30oC e (Rebros et
capsulas de 3,3 100 40 100 15 min
pH 4,5 al., 2007)
polivinil álcool
(LentiKats®)
Invertase (Sanjay &
30oC e
imobilizada em 2 100 30 70 30 min Suguman,
pH 5
montmorillonite 2005)
CLEAs de
invertase
40oC e Presente
coimobilizados 2600 70 10 80 4h
pH 6 trabalho
com proteína de
soja
a
A produtividade específica foi calculada sendo a razão entre a massa de produto obtida no final do processo (gproduto) e a
massa de derivado inicialmente alimentada no reator (gderivado), pelo tempo de processo (h).
100 b
100 a
80
80
Conversão (%)
60 60
Conversão (%)
40 40
20 20
Bat R1 R2 R3
R4 R5 R6 R7
0 R8 R9 R10 0
Bat R1 R2 R3 R4 R5 R6 R7 R8 R9 R10
0 1 2 3 4
Tempo (h)