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PROPRIEDADE

Universidade de Coimbra

DIRETOR
João Gabriel Silva

D I R E T O R A - A D J U N TA
Clara Almeida Santos

EDITORES
Marta Poiares e Pedro Dias da Silva

DIREÇ ÃO ARTÍSTIC A
António Barros

FOTOGRAFIA
João Armando Ribeiro

INFOGRAFIA
Sérgio Brito e Sérgio Temido
[ DIIC - Divisão de Identidade,
Imagem e Comunicação ]

PRODUÇ ÃO
Luísa Lopes

COORDENAÇ ÃO
A D M I N I S T R AT I VA
Ilídio Barbosa Pereira

EDIÇ ÃO
DIIC - Divisão de Identidade,
Imagem e Comunicação

Palácio dos Grilos • Apartado 3020


EC Universidade de Coimbra
3001-401 COIMBRA • PORTUGAL

IMPRESSÃO
Gráfica Maiadouro, S.A.

TIRAGEM
3. 2 0 0 ex.

ISSN
1645-765x • Anotado no ICS

C A PA
Fotografia © João Armando Ribeiro

www.uc.pt/rualarga
Tel. 239 859 823

PONTOS DE VENDA
Loja UC e Artefólio/ Livraria de Bolso
TAGV
EDITORIAL
Destino na Travessia - P.05 RIBALTA
João Gabriel Silva APEB/Coimbra - Associação
de Pesquisadores e Estudantes
REITORIA EM Brasileiros em Coimbra - P.36
Viviane Carrico
MOVIMENTO
Aprender não é “fazer cadeiras”... é
O IMAR - Centro do Mar e
coconstruir conhecimento(s) - P.08
Ambiente da Universidade de
Madalena Alarcão
Coimbra - P.38
João Carlos Marques
A produção de Conhecimento - P.10
Amílcar Falcão
CIÊNCIA REFLETIDA
A Economia Solidária, os investiga-
OFICINA DOS SABERES dores sociais e a crise - P.40
ATUAL Pedro Hespanha e Luciane Lucas
Semana Cultural da UC - P.15 dos Santos
Clara Almeida Santos

Programa Semana Cultural AO LARGO


da UC - P.16 ENTREVISTA
António Pinho Vargas - P.44
Fernando Calhau: Marta Poiares e Pedro Dias da Silva
o mergulho do olhar - P.22
Isabel Nogueira RETRATO DE CORPO INTEIRO
Ricardo Namora - P.52
Lusofalante - Um programa de Marta Poiares
rádio da língua portuguesa - P.24
Elizah Rodrigues CRIAÇÃO LITERÁRIA
Beija o Mar - P.60
IMPRESSÕES Nuno Camarneiro
Repercussões da Viagem
em Camões - P.26 CRÓNICA
José Carlos Seabra Pereira A internacionalização universitária
e o Brasil - P.62
Pensar fora da caixa - A importân- Fernando Seabra Santos
cia das indústrias criativas para a
economia nacional - P.30 LUGAR DOS LIVROS
João Barros
APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS
Aventura, ciência e saber no cen- [Viver / Navegar]
tenário da chegada ao Pólo Sul - P.32
Sérgio Neto Apocalíptico - P.70
Augusto Monteiro
A atividade física na dança dos anos
e das idades - P.34 Integrado - P.72
Raul A. Martins António Granado
DESTINO NA
TRAVESSIA
Há dois anos ninguém falava da troi- caráter universal que é necessário mesma sociedade que nos financia,
ka, agora temos a vida determinada para que uma atividade económica para que continue a fazê-lo. Impor-
por essa entidade, obscura mas tão adquira relevância fora das nossas ta mostrar a fecundidade da nossa
real, que nos esvazia os orçamentos. fronteiras. intervenção em todos os momentos.
Sem deixar de reconhecer que sem
ela os nossos bolsos estariam vazios, É também de realçar que mesmo A Semana Cultural da UC, este ano
temos de lutar com toda a nossa nos setores mais tradicionais, como alargada a um período mais lato
energia para que não seja a cura a o têxtil, o calçado ou os moldes, as para que os eventos que a compõem
deixar-nos paraplégicos. É hora de empresas que continuam saudáveis não se sobreponham tanto, permi-
vincar bem o papel das universida- são as que conseguem incorporar tindo assim a fruição de cada um
des e da investigação no desenvol- conhecimento avançado no desenho deles por públicos mais alargados,
vimento do país, para que não se ou nos materiais, no processo de é um momento muito especial para
tornem elas próprias em mais danos fabrico ou na distribuição. O velho que afirmemos convictamente a nos-
colaterais da crise que se instalou. modelo dos empresários de baixa sa relevância.
qualificação e da mão de obra barata
Não é conversa vazia dizer que é nas soçobrou aos ventos da globalização. Que os múltiplos saberes universi-
universidades que está a chave da re- tários se saibam agora, mais do que
cuperação de Portugal. Há poucos Sempre foi o conhecimento avan- nunca, evidenciar, tanto na profun-
setores com tanta atividade de cria- çado que justificou a existência das didade da reflexão empreendida
ção de empresas capazes de compe- universidades: nem de outra forma como na incessante procura que
tir fora das nossas fronteiras como as se compreende que a Universidade lhes subjaz. Só dando-nos a conhe-
universidades. É até curioso verificar de Coimbra (UC) funcione há mais cer podemos ajudar a superar este
como os politécnicos, por muitos ti- de sete séculos. Só que, ao contrário presente (esta)fado e a descortinar
dos como transmissores de um sa- dos tempos antigos, ela não é hoje enfim algum destino para esta tão
ber mais prático, pouco contribuem uma instituição de nicho mas antes atribulada travessia.
para esta génese empresarial. Talvez uma fonte de saberes relevantes para
porque de facto só o conhecimento toda a sociedade. Temos de saber de- João Gabriel Silva
com grande profundidade tem o monstrar este facto elementar a essa Reitor
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RL #34 | REITORIA EM MOVIMENTO
APRENDER NÃO É
entre diferentes quantidades e qua-
lidades de informação, ao mesmo

FAZER CADEIRAS
tempo que confronta o aprendiz

...
com a imprecisão e a incerteza asso-
ciadas à produção e gestão da infor-
mação. Mas também é por isso que
o homem se distingue da máquina
e consegue resolver problemas que

É COCONSTRUIR
não podem ser equacionados como
simples avarias. Problemas que po-
dem exigir respostas e soluções

CONHECIMENTO(S)
qualitativamente diferentes das an-
teriormente conhecidas. Mas, para
isso, não pode aprender-se apenas
a solução; tem que dominar-se o
MADALENA ALARCÃO* processo que permite construi-la ou
descobri-la.
Arriscado porque nos confronta com
o desconhecido e com a incerteza.
Aprender o que já se sabe não moti-
Como docente, e como vice-reitora, nos elevada. Mesmo que a conclusão va ninguém, uma vez que implica re-
atormenta-me a ideia de que muitos do curso obrigue à obtenção de um petição. E se a rotina traz segurança
estudantes, em diferentes graus de número pré-fixado de ECTS, o sa- também se acompanha de enfado.
ensino, encarem a aprendizagem ber não pode arrumar-se com a con- No processo de aprendizagem tem
como um resultado, mais do que como clusão dos semestres ou dos anos. que haver novidade, ainda que apoia-
um processo, valorizando a tarefa de A aprendizagem é um processo de da no que já se conhece. Quando o
fazer mais uma cadeira em detrimento permanente construção entre o que medo de arriscar é grande, seja por-
RE I T O R I A E M M O V I M E N T O

do prazer de criar mais conhecimento. já sabemos e o que estamos dispostos que a pessoa adere mal à incerteza,
O importante parece ser a avaliação, a saber, entre o que temos e o que seja porque está mais centrada no
mais valorizada pela nota que se ob- queremos descobrir. Por essa razão, passado do que no futuro, seja, ainda,
tém do que pelo processo de infor- empobrecemo-nos sempre que olha- porque acumulou vários insucessos
mação que pode gerar-se acerca do mos para a aprendizagem como uma sempre que enfrentou novos contex-
que se conhece, de como se conhece, de tarefa de encher e fechar gavetas. tos de aprendizagem, a defesa mais
quais os novos desafios e etapas de cons- Enquanto construção, a aprendiza- simples é a não-aprendizagem ou a
trução de saber(es). gem é um processo aberto, criativo repetição do que já está feito por ou-
Fazer uma licenciatura, um mestrado e pessoal. Um processo complexo, tros. Mas mesmo quando não traduz
ou um doutoramento não pode ser arriscado e duro, mas que se dese- uma atitude primária de preguiça
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RL #34

encarado como uma atividade de ja apaixonante para quem ensina e ou de intenção de enganar o outro,
coletar conhecimento, reproduzin- para quem aprende. a cópia e o plágio constituem formas
do-o, num simples processo de apro- Complexo, não tanto por ser compli- terríveis de autoengano e de desones-
priação adesiva que termina com cado ou difícil, mas porque apela a tidade académica que têm que ser
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uma avaliação positiva, mais ou me- um elevado número de interações combatidas desde muito cedo.
Duro porque toda a aprendizagem mentas. É clássica a história do dono o fenómeno seja novo mas porque
exige trabalho, esforço, persistência, de uma fábrica que está desesperado se massificou. Há muitas explica-
confronto, perda. Há vários momen- porque a linha de produção está pa- ções que podem ajudar a perceber
tos em que, no processo de aprendi- rada e ninguém consegue retomá-la. a sua densificação. Nenhuma que
zagem, o prazer tem que dar lugar à Chama então um expert que observa possa autorizá-lo e, muito menos,
obrigação e em que existe confronto detalhadamente, faz um conjunto de legitimá-lo.
com o insucesso. Será o prazer pro- perguntas, volta a olhar e, passado O que me deixa inquieta é que, mesmo
porcionado pelo conhecimento, e o alguns minutos, pega numa chave quando conscientemente reprova-
poder que lhe está associado, que de fendas e aperta um parafuso. A li- do, ele é utilizado com naturalida-
cria e alimenta a apetência pelo sa- nha de produção retoma e tudo volta de e sem crítica, nomeadamente a
ber. E que faz do estudante e do pro- à normalidade. Quando vai pagar o apresentação de um mesmo traba-
fessor elementos fundamentais da serviço, o dono da fábrica fica ad- lho em diferentes cadeiras ou a sua
(re)criação de conhecimento. mirado por ser tão caro apertar um assinatura por colegas que não par-
Falar do ensino como uma paixão é parafuso. Ao que o técnico lhe expli- ticiparam na sua elaboração.
já um lugar comum. Mas nem sem- ca que apertar o parafuso é barato A denúncia não é equacionada em
pre é tão consciente e partilhada a (10 euros); saber que parafuso aper- nome da cumplicidade entre pares.
ideia de que a aprendizagem exige, tar é que custa novecentos e noventa Deixa-me preocupada que as estra-
ao aprendiz, envolvimento, entusias- euros. De tão contada e recontada, tégias consideradas como mais ini-
mo, excitação, afeto... e saber. Um esta história tem várias versões. Mas bidoras da fraude académica sejam
saber que tem que ser apropriado, tem uma sabedoria infinda: conhe- o agravamento das penas e a dimi-
passado pelo crivo da reflexão pes- cer é, fundamentalmente, saber nuição da complexidade das provas
soal, para que possa ser verdadeira- pensar; não é saber apenas a solu- (cf. Almeida, Filipe, Gama, Paulo, &
mente integrado ou rejeitado, mas ção. Mas pensar implica observar, Peixoto, Paulo (2010). “La ética de
nunca meramente colado. Na apren- estabelecer ligações, colocar hipó- los alumnos de la enseñanza supe-
dizagem, como no processo de cons- teses, experimentar, discutir, voltar rior: Un estudio exploratorio sobre
trução pessoal, colar é uma estratégia a observar, retomar aprendizagens el fraude académico en Portugal”.
desinteressante e muito pobre, que anteriores e perceber se são ou não Oficina do CES, 348).
deixa a pessoa perdida quando fal- importantes no novo contexto... im-
ta a referência. Quando não existe plica fazer um caminho pessoal. É verdade que a existência de regras
integração do conhecimento fica-se Aprender é um processo dinâmico, externas precede e enquadra a sua
sempre dependente da fonte. Esta orientado para o futuro, que se faz interiorização. Mas não a substitui.
aprendizagem não dá poder, porque na interação, e que exige uma gra- Brevemente estarão em discussão
não transforma. Não dá prazer por- dual definição de visão que cada um pública a carta de princípios do
que não envolve. Apenas ilude. tem do mundo em que quer viver e da estudante da UC e o regulamento
Esta aprendizagem é ainda perigo- missão ou identidade que quer assumir. disciplinar. Mas é necessário que
sa porque, tornando-se recorrente, Só assim descobre que capacidades todos, estudantes e docentes, as-
permite ao aprendiz ficar com uma tem e que competências possui ou sumam que o trabalho pessoal e o
caixa de ferramentas que não sabe ver- pode vir a desenvolver. caminho da excelência são não só
dadeiramente usar, seja porque não A cópia e o plágio são hoje uma formas únicas como a única forma
consegue interpretar o livro de instru- preocupação crescente em todos os de verdadeiro sucesso.
ções, seja porque não imagina poder níveis de ensino e nas universida-
haver outras formas de usar tais ferra- des de forma notória. Não porque * Vice-reitora da Universidade de Coimbra
A PRODUÇÃO DE
CO N H ECI M EN TO
AMÍLCAR FALCÃO*

A produção de conhecimento repre- A produção de conhecimento, inde- são ingredientes que fragilizam a
senta uma das missões mais nobres pendentemente das áreas do saber, qualidade do que se faz.
que uma Universidade pode desem- não se pode refugiar na opinião que A produção de conhecimento de-
penhar. Sempre assim foi e nada in- cada um tem sobre aquilo que faz. pende muito de cada um de nós, mas
dicia que venha a mudar. Se mudar, A avaliação entre pares é hoje incon- não depende só de nós. Nesse senti-
já não estaremos a falar de Univer- tornável. A qualidade do que se faz do, a busca pela integração de diver-
sidade. depende do valor que terceiros atri- sas áreas do saber num mesmo projeto
A produção de conhecimento ex- buem ao que foi feito. À semelhança, pode ser uma opção interessante.
prime-se de diversas formas. É, por por exemplo, da “autoridade”, esta- No entanto, em muitas circunstân-
isso, errado fazerem-se comparações mos a falar de algo que não se tem cias, a focagem no problema não
e avaliações absolutas entre diferen- porque se quer, mas sim porque os necessita (nem aconselha) a solução
tes áreas do saber. A relativização é, outros nos concedem que tenhamos. mágica da interdisciplinaridade. Sig-
neste contexto, determinante para A produção de conhecimento, para nifica isto que, para a investigação
que possamos aferir o que de bom e ter impacto, tem de ser divulgada. de qualidade, não há uma solução
o que de menos bom se vai fazendo. E é bom não esquecer que, ao con- única. Aliás, mais do que equipas
A produção de conhecimento, embo- trário do que acontecia há algumas multidisciplinares, aquilo que mui-
ra seja multifacetada na sua génese décadas, a disseminação da infor- tas vezes é imprescindível é que se
e multipotente relativamente ao seu mação está hoje ao alcance de uma conjuguem competências diferencia-
RE I T O R I A E M M O V I M E N T O

potencial impacto na sociedade, po- tecla. Portanto, divulgar aquilo que das (venham elas de onde vierem).
derá sempre ser considerada como se faz é uma necessidade. A divulga- A produção de conhecimento preci-
“muita” ou “pouca” e como “boa” ção do conhecimento cumpre várias sa de recursos. Os recursos humanos
ou “má”. Claro que falamos de ex- funções: (1) é imprescindível ao cres- são sempre o fator limitante. A com-
tremos e que, na maioria dos casos, cimento do saber; (2) é um fator de ponente financeira é igualmente
um qualquer contributo se situa no atratividade; (3) é um sinal de mo- um fator limitante, mas não tão li-
intervalo por eles delimitado. dernidade; (4) é uma forma de afir- mitante. Nem sempre a investigação
A produção de conhecimento pode- mação. depende de avultados investimentos.
rá, no limite, ser “muita e boa” ou A produção de conhecimento de- E quando a investigação depende de
“pouca e má”. É com este enquadra- pende muito de cada um de nós. Um avultados investimentos, então te-
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RL #34

mento que as universidades têm de bom desafio, uma boa planificação, mos de acreditar que se a ideia for
trabalhar e, presumindo que todas uma boa equipa, são ingredientes boa, o dinheiro aparece. E aparece
almejam ser bem referenciadas, en- que potenciam a qualidade do que porque bons recursos humanos e
tão a opção da qualidade não deixa se faz. Desafios pouco exigentes, boas ideias são capazes de atrair fi-
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dúvidas sobre o caminho a seguir. pouco originais e mal preparados, nanciamento competitivo. E se os
pode ir beber aos livros, mas é atra-
vés da investigação de qualidade que
uma qualquer universidade se conse-
gue diferenciar pela positiva. A pro-
va provada disso mesmo é o processo
de acreditação em curso que, inequi-
vocamente, vai premiar as universi-
dades que apostem na qualidade em
detrimento das restantes. No mode-
lo atual, não se criam cursos porque
se quer, mas sim porque se pode.
E se isso é válido para todos os ciclos
de estudos, é-o, em particular, para
os cursos de doutoramento.
A produção de conhecimento, pelas
suas implicações a todos os níveis,
deve ser entendida como o expoente
máximo das universidades contem-
recursos humanos e as ideias são sem uma estratégia comum, onde porâneas. Dirão uns que não con-
boas, então também é possível pro- haja lugar para todos mas onde to- cordam. Outros dirão que é mesmo
mover parcerias que viabilizem os dos saibam qual é o seu lugar. assim. Novamente, a capacidade de
projetos. Certo é que o dinheiro não A produção de conhecimento pode encontrar equilíbrios que nos per-
resolve a falta de boas ideias ou a in- e deve ser transferida para o exte- mitam viver na nossa zona de con-
suficiente preparação dos recursos rior. A transferência de conheci- forto é essencial. Seguramente que
humanos. mento é uma missão nobre que tem todos, e cada um de nós, terá as suas
A produção de conhecimento, espe- de ser acarinhada e não estigmatiza- razões para estar mais ou menos de
cialmente em tempos de crise, deve da. Mas só se consegue transferir o acordo com a forma como o sistema
ser criteriosamente programada e que tiver valor e qualidade para ser universitário atualmente se organiza
organizada. Não se podendo (nem transferível. E só se consegue trans- e é avaliado. É bom que assim seja,
devendo) coartar a inspiração dos ferir quando existe essa vontade. porque da divergência de opiniões
investigadores, é fundamental que A passividade é inimiga da transfe- surgem linhas estratégicas reforça-
se perceba que não há espaço para rência de conhecimento. A ausência das. A inclusão é um sinal de inteli-
investigar “apenas porque sim”. de estímulos conduz à passividade. gência. A exclusão resulta sempre de
A concorrência é feroz, a massa crí- A universidade tem, por isso, de uma falta de orientação.
tica é fundamental e a resolução de saber encontrar ferramentas que A produção de conhecimento na
problemas reais deve estar sempre combatam a passividade, que sejam Universidade de Coimbra tem de sa-
presente no nosso espírito. A uni- estimulantes e que promovam a ber crescer. Não o conseguirá evitan-
versidade deve ser capaz de acolher transferência da sua produção cien- do as “dores do crescimento”. Ouvir
todo o tipo de investigação de qua- tífica. e ser ouvido é fundamental. Respei-
lidade. A universidade não se pode A produção de conhecimento é a tar a diversidade é crucial. Olhar
transformar apenas numa entidade base de uma oferta pedagógica de para o horizonte privilegiando a
que resolve os problemas emergen- qualidade. A formação avançada só qualidade é o nosso propósito.
tes da sociedade civil; mas a univer- é possível se houver investigação de
sidade também não pode evoluir excelência. A formação avançada * Vice-reitor da Universidade de Coimbra
RL #34 |
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OFICINA DOS SABERES ATUAL
N AV EG A R É PR ECISO.

14 RL #34 | OF I C I N A D O S S A B E R E S A T U A L
VIVER, NÃO É PRECISO |?|
CLARA ALMEIDA SANTOS*

Um título que se presta a tantas lei- Fernando Pessoa intitulava um dos


turas e a múltiplos desdobramentos. seus poemas “Navegar é preciso”,
É assim, feita de diversidades e de defendendo que a obra transcende
provocações, a XIV Semana Cultural o autor. Se procurarmos, porém, a
da Universidade de Coimbra (UC). origem da expressão, teremos de na-
A provocação primeira será a própria -vegar até ao séc. I a.C. quando, de
duração da Semana Cultural que se acordo com os registos do Plutarco,
estende a quatro meses de progra- o general romano Pompeu teria usa-
mação. Com a particularidade de co- do o mote para incentivar marinhei-
meçar, como sempre, a 1 de março, ros receosos a lançar-se à aventura.
data em que se celebram os 722 anos
da UC. Mas 1 de março é também, Levando a provocação à contempo-
de alguma maneira, dia de D. Dinis, raneidade, encontramos a polisse-
fundador da Universidade. Por isso, mia no sentido do “navegar”, que
faz todo o sentido que a “Semana” transforma os argonautas clássicos
termine a 4 de julho, dia da Rainha em cibernautas contemporâneos.
Santa Isabel, mulher de D. Dinis. E valerá a pena a interrogação: Na-
E também padroeira de Coimbra. vegar é preciso. Viver, não é preciso?
A Semana Cultural começa no dia
da Universidade e termina no dia da A responder ao(s) repto(s) do tema,
cidade, mostrando bem que o casa- mais de 80 eventos dão corpo à XIV
mento, longo de mais de sete sécu- Semana Cultural da UC. A mostrar
los, se traduz ainda em celebração. uma vivacidade de quem persiste
apesar das tormentas, na certeza de
Mas na UC celebramos também o que só merece a boa esperança quem
Ano de Portugal no Brasil e do Brasil não desistir de navegar.
em Portugal, ainda antes das cele-
brações oficiais, que se iniciam mais A programação pode ser conhecida
tarde no ano. O mote que nos guia e consultada, além dos destaques fei-
é célebre na voz de Caetano Veloso tos nesta Rua Larga, em www.uc.pt/se-
que, n’“Os argonautas”, repete no manacultural e em www.agenda7.uc.pt.
refrão “Navegar é preciso, viver não
é preciso”. Aqui adquirindo o termo
“preciso” um duplo sentido de “ne- * Vice-reitora da Universidade
cessidade” e de “precisão”. Mas já de Coimbra
PROGRAMA
M A R Ç O de poemas de autores do Brasil, que propiciem intercâmbio, troca Dia 3 | sáb
Portugal, Moçambique, Angola e e descoberta através da língua e
Dia 1 | qui Guiné-Bissau, somadas a texturas da arte.” 10h-21h | Auditório da Casa da
criadas para esta composição Tema: “Existe um humor Lusofa- Cultura
9h15 | Auditório da Reitoria UC sonora, busca despertar os nossos lante? Banda Desenhada, um jeito Fórum Internacional do
Sessão solene comemorativa dos ouvidos para a diversidade e a bem-humorado de nos reconhecer- Despor-to, transferência de
722 anos da Universidade de semelhança dos Lusofalantes, mos uns nos outros.” saberes em Ciências do Desporto /
Coimbra. e encontrar o outro através da Org.: Reitoria da UC, TAGV. Science&Swimming.
Intervenção do Magnífico Reitor. língua. 10h15 - “Alterações em
Homenagens aos Professores, Org.: Reitoria da UC, Estudos 18h-21h | Auditório da Casa da marcadores de fadiga ao longo da
Aposentados e Jubilados, Investi- Artísticos - FLUC, TAGV. Cultura época de treino em nadadores”,
gadores e Funcionários Aposen- Fórum Internacional do Despor- Luís Rama (UC);
tados. Apresentação do n.º 9 da 18h | Associação Académica de to, transferência de saberes 11h30 - “Modelo da velocidade
Revista Via Latina pela Secção Coimbra em Ciências do Desporto / crítica e a avaliação do desem-
de Jornalismo da AAC. Entrega “Uma viagem. Uma Linha...” Science&Swimming. penho aeróbio e anaeróbio do
do Prémio da Universidade de Exposição fotográfica sobre a 18h - Apresentação do relatório nadador”, Francisco Alves (UC);
Coimbra e conferência de António linha de atendimento telefónico técnico e científico da cooperação 12h15 - “Investigação, saber e
Pinho Vargas. SOS-Estudante, dando a conhecer com a Federação de Andebol de prática: confluências e
Org.: Reitoria da UC. a sua “navegação” desde a sua Portugal. Protocolo divergências”, João Paulo Vilas
criação (1997), através de ima- FCDEF-UC / Federação de Boas (Univ. Porto);
12h | Capela S. Miguel (UC) gens, testemunhos, de histórias, de Andebol de Portugal; 14h30 - “Cinética metabólica em
Missa Solene, com a participação sucessos. 19h - “Relationship between protocolos de nado progressivos e
do Coro da Capela. Até 9 de março. endurance field tests and match retangulares”, Ricardo
Org.: Reitoria UC. Org.: Linha SOS-Estudante. performance in young soccer Fernandes (Univ. Porto);
players”, Carlo Castagna, 15h15 - “Aplicação da
14h-19h | Museu da Ciência 21h30 | TAGV - Sala Principal (Universidade TorVergata - Itália). Dinâmica Computacional de
(Cafetaria) “Lusofalantes”. Concerto de aber- Org.: Faculdade de Ciências do Fluidos na Natação”, António
Emissões de exterior pela Rádio tura da XIV Semana Cultural da Desporto e Educação Física da Silva (Univ. Trás-os-Montes e
Universidade de Coimbra. Dias 1 UC. Esta apresentação musical UC (FCDEF-UC). Alto Douro);
e 2 de março. reunirá artistas do Brasil, 16h30 - “A avaliação da perfor-
Org.: RUC. Moçambique e Portugal: o 18h | Centro Cultural Dom Dinis mance em natação pura despor-
essencial será a troca e forta- “LUSOSSINCRASIAS” tiva”, Daniel Marinho (Univ. da
15h | Biblioteca Joanina (Piso lecimento dos laços deste tripé Mostra de cartoons relacionados Beira Interior).
Intermédio) do qual todos somos essência e com o mundo lusófono, de Luís Org.: FCDEF - UC.
“A Universidade de Coimbra e o mistura. Serão apresentadas Afonso.
Brasil”. Inauguração da exposição composições próprias e do Das 14h às 24h, de segunda a 15h | Casa das Caldeiras
iconobibliográfica e lançamento repertório da música brasileira sexta, até 30 de março. Roda de Conversa - Lusofalantes
do catálogo. A exposição procura entremeadas por vídeos e trilhas Org.: Reitoria da UC, TAGV. Com André Magalhães,
OF I C I N A D O S S A B E R E S A T U A L

realçar a importância da Univer- sonoras que formam um ambiente Apoio: CCDD. Betão Aguiar, Vanessa Louise e
sidade de Coimbra na história de encontro com os diferentes Costa Neto.
e cultura do Brasil, bem como sotaques e a riqueza cultural da 21h30 | TAGV - Sala Principal Tema: “Raízes musicais e
o impacto deste país na própria língua portuguesa. Com Abanda, Coimbra Solidária 2012 - Património Cultural”.
Universidade, através dos muitos Ana Sewi, André Magalhães, Gala de Beneficência com as Tema: “O tripé das
reitores, professores e alunos Betão Aguiar, Costa Neto, JP participações de André Sardet, misturas e influências a
que nela deixaram marca da sua Simões, Elizah Rodrigues, Paulo JP Simões, Os Pinto Ferreira e partir da música
presença. 9h-3h; 14h-17h (até 25 Brandão e Marcelo Brissac. Antigos Orfeonistas, com apresen- moçambicana”.
de março) e 9h-19h (após 25 de Org.: Reitoria da UC, TAGV. tação de Sansão Coelho. Org.: TAGV, Reitoria da UC.
março até 31 de março). A totalidade da receita apurada
Org.: Biblioteca Geral UC / reverterá para a ADAV [As- 18h | Museu da Ciência (Colégio
Arquivo UC. Dia 2 | sex sociação de Defesa e Apoio da de Jesus)
Vida], a ANAI [Associação de Exposição: “Nos Passos de
17h | Oficina TAGV Inauguração 15h | Casa das Caldeiras Apoio ao Idoso], a LAHUC Darwin” - uma viagem através de
|

Lusofalantes - Instalação sonora. Roda de Conversa - Lusofalantes [Liga dos Amigos dos Hospitais objetos e imagens do percurso de
RL #34

A Escultura Sonora é um espaço Com Elizah Rodrigues, Paulo da Universidade de Coimbra] e a Darwin à volta do mundo, pela
onde os diversos Lusofalares Brandão, Marcelo Brissac e Luís LPCC [Liga Portuguesa Contra objetiva do viajante moderno,
desvendam um ambiente sonoro Afonso. o Cancro] – Núcleo Regional do Gonçalo Cadilhe. De 10h às 18h,
revelador através de suas sutilezas Tema: “Lusofalante, como nos Centro. de terça a domingo, até 31 de
e significados. reconhecermos e recriarmos os Org.: TAGV, Fundação Cultural maio.
16

O espaço preenchido por leituras laços através de ações coletivas da Universidade de Coimbra. Org.: Museu da Ciência UC.
XIV SEMANA CULTURAL DA UC
21h30 | Centro Norton de Matos de Fábio Lopes e do concurso de UI&D-CECH); (Moderação), João Lemos Pinto,
Grupo Folclórico da Casa do Pes- fotografias. Atuação musical. “A viagem do texto”, Mário Montenegro, Paulo Borges.
soal apresenta danças, cantigas 14h30 - “Por Onde Navegam?” P. Farmhouse (Univ. Lisboa, Org.: Estudos Artísticos - FLUC,
e trajes tradicionais de Coimbra Conferência sobre os estados UI&D-CECH); TAGV.
e arredores do séc. XVIII, XIX e neurológicos / de consciência 15h50 - “Viagem e religião no
início do séc. XX, juntamente com alterados e experiências de quase- Renascimento: A peregrinação 18h | C. C. DolceVita (Praça
o Grupo de Pauliteiros de Miranda -morte: com Manuel Domingos, de Santa Isabel no texto de Pedro Central)
do Douro e o Grupo de Guitarras Luís Vasconcelos, Jorge Pimentel. Perpinhão”, Helena Costa (UI&D- “Navegar é preciso... pela cadeia
de Coimbra. Org.: Faculdade de Psicologia e -CECH); de sobrevivência”. Palestra e
Org.: GFCPUC. Ciências da Educação (FPCE-UC). “A retórica da viagem”, Belmiro Formação de suporte básico de
Pereira (Univ. Porto, UI&D- vida com Manuel Santos Rosa
-CECH); (FMUC); Paulo Martins (FMUC
Dia 5 | seg 16h-18h | FLUC (Anf.II) “O mito henriquino de ressonân- e CHUC) e Sofia Madeira
Roda de Conversa – Lusofalantes cias marítimas: os Lusíadas e (INEM). Inscrições limitadas a
9h45-20h | Inst. Justiça e Paz Aula aberta com Alemberg a Peregrinação”, Luisa Castro 50 participantes (link para registo
Colóquio: “Viagens à volta Quindins, Rosiane Limaverde, Soares (Univ. Trás-os-Montes); disponível em http://www.uc.pt/
do Mundo, Viagens à volta do Aécio Diniz, Hélio Filho e Fabi- “Repercussões de viagem no fmuc).
homem”. ana Barbosa. discurso poético de Camões”, J. C. Org.: Faculdade de Medicina da
10h - “Viajar no Mundo Antigo”, Tema: “Desenvolvimento social Seabra Pereira (UC, UI&D- UC (FMUC), INEM, Dolce Vita.
José Ramos (Univ. Lisboa); comunitário através da formação -CIEC);
10h30 - “Circuitos comerciais no de gestores culturais”. 17h45 - “Cultura e mobilidade
Período Minóico”, Rui Morais Org.: Estudos Artísticos - FLUC, no Renascimento”, Margarida Dia 7 | qua
(Univ. Minho, UI&D-CECH); TAGV. Miranda (UC, UI&D-CECH);
“A viagem interior da personagem “Exílio: da viagem sem viagem à 9h30-16h30 | Estádio Universi-
esquiliana”, Frederico Lourenço viagem sem retorno”, Carlos tário
(UC,UI&D-CECH/CIEC); Dia 6 | ter Ascenso André (UC, UI&D- À Descoberta de Outros Mares I:
“A Ágora de Atenas: um centro de CECH); “Viagens aos confins do VI Encontro Desportivo para
convergências”, Maria de Fátima 9h30-20h | Inst. Justiça e Paz mundo, viagem em torno de nós”, Pessoas com Deficiência Intelec-
Silva (UC, UI&D-CECH); Colóquio: “Viagens à volta N. Castro Soares (UC, UI&D- tual. Realização de jogos lúdicos
12h15 - “Herodoto: cultura y do Mundo, Viagens à volta do -CECH); e desportivos, direcionados para
viaje”, Ana MaríaTobía (Univ. homem”. “Notas sobre o imaginário pessoas com deficiência intelec-
LaPLata); 9h30 - “Viagem e curiosidade da viagem na poesia contem- tual.
“Viagem e Religião na Hélade”, científica: o exemplo de Plínio”, porânea”, T. Carvalho (UI&D- Org.: FCDEF-UC.
Emílio Suarez de la Torre (Univ. F. Oliveira (UC, UI&D-CECH); -CECH);
Pompeo Fabra); “O imaginário da viagem: entre 19h - “Viagens ao passado como 10h-13h | Casa da Escrita
“O Mundo helenístico e o imagi- épica e novela”, C. Teixeira (Univ. utopia”, M. C. Fialho (UC). Dia da China - “A Lusofonia e a
nário da viagem”, F. Brasete Évora, UI&D-CECH); Org.: CECH-UC. China: Navegar o Passado, Viver
(Univ. Aveiro); “O imaginário da viagem: a fábula o Presente e Precisar o Futuro”
“Los périplos en el mundo de Esopo”, A. Alexandra de Sousa 15h30-17h | FPCE-UC 10h - “Portugal e a China: de
helenístico”, J. Alvar (Univ. (Univ. Lisboa, UI&D-CEC); Workshop de Arte-Terapia. ontem e de hoje. Os precursores
Carlos III); 11h - “Viajar por terra e por mar”, Conhecer outras formas de da globalização”
“Migrações no Mundo Antigo - o Vasco Mantas (UC, UI&D-CECH); terapia, nomeadamente, através da Padre Artur Wardega, S.J.
trilho dos Judeus”, N. Simões “A rota das moedas”, J. Ruivo pintura. Com Andreia Carvalho e (Instituto Ricci de Macau),
Rodrigues (Univ. Lisboa); (Museu Monográfico de Natacha Mascarenhas. Carlota Miranda Urbano (FLUC);
16h45 - “De Roma à Grécia – Conímbriga, UI&D-CECH); Org.: Sociedade Portuguesa de 11h - “As relações Luso-Chinesas
cultura e educação”, António “Estâncias e hospedarias no Arte-Terapia, FPCE-UC. e o papel de Macau como ponte
Alvar (Univ. Carlos III); mundo romano”, C. Pimentel para o reforço da lusofonia.”
“Mobilidades no feminino”, (Univ. Lisboa, UI&D-CEC); 18h | Casa das Caldeiras José Luís de Sales Marques
Aurora López (Univ. Granada); “Lospeligros de viajar en el Paisagens Neurológicas (Instituto de Estudos Europeus de
17h45 - Apresentação do livro mundo grecorromano”, A. Alvar (Performance & Debate) Macau); Carmen Amado Mendes
“Paulo de Tarso: Judeu, Grego e Nuño (Univ. Rey Ruan Carlos, [Arte, Ciência e Natureza - para (FEUC);
Romano, Clássica Digitalia”, por Madrid); onde vamos?] 12h - “Mares do Ocidente - Sol do
Carlota Miranda (UC, UI&D- 14h - “Mobilities in Middle Age”, Apresentação de [PAISAGENS Oriente”
CECH). Gabriele Averkorn (Univ. Siegen); NEUROLÓGICAS] com o dis- Roger Greatrex (European Union-
Org.: Centro de Estudos Clássicos e “De Roma à Gália: o De Reditu positivo interativo_1 China Higher Education Coopera-
Humanísticos da UC (CECH-UC) de Rutílio Namaciano”, P. Barata [CARNES RADIOATIVAS, SO- tion Programme, Univ. Lund);
Dias (UC, UI&D-CECH); NHOS, POÉTICAS, E FRAG- José Carlos Matias (Teledifusão
10h-16h30 | FPCE-UC “Viagem e religião no mundo MENTOS NEURO] Isabel Maria de Macau).
10h - Exposição de fotografias medieval”, A. M. Rebelo (UC, Dos. Debate: João Maria André Org.: CECH-UC, Faculdade de
Economia da UC (FEUC), 18h | TAGV - Café-Teatro central highlands”, John Holm; de fusão entre o jazz, a pop e os
Centro de Estudos Sociais (CES). Oficina de Poesia. Sessão de “Tradução de literatura alemã em blues com a participação de Júlio
lançamento do n.º 16 da Revista Portugal depois de 1945. Da nave- Resende e um convidado especial:
15h-18h | Casa da Escrita da Palavra e da Imagem. Tema: gação, dos ventos e das marés, dos António Zambujo. Concerto do
Dia da China - “A Lusofonia e a Os Espaços da Justiça. escolhos”, Maria António Hörster; 26.º aniversário da RUC.
China: Navegar o Passado, Viver Org.: Projeto “Oficina de “Palavras migrantes: viajando Org.: RUC.
o Presente e Precisar o Futuro” Poesia”(CES), DLLC-FLUC. com a língua francesa no tempo
Atividades culturais em coorde- e no espaço”, Isabelle Marques Dia 9 | sex
nação com o Instituto Confúcio 21h30 | Casa das Caldeiras e Joana Vieira Santos; “Viagens
da Univ. do Minho: Workshop Dia da China - “A Lusofonia e a entre línguas e cidades”, Clelia 21h30 | TAGV – Sala principal
de Escrita Chinesa, Workshop de China: Navegar o Passado, Viver Bettini; Sean Riley and the Slowriders.
Papel Recortado, Ritual do Chá o Presente e Precisar o Futuro” 11h - “A Literatura de Viagens Concerto de aniversário da banda
Oolong, Momento de Dança e Cinema: “The Queen of Inglesa: Teorias, Práticas e Prati- originária de Coimbra com
Música Clássica Chinesa. Cooking”, Han Wanfeng. cantes”, Jacinta Maria Matos; sonoridades próximas da música
Org.: FEUC, CES, CECH. A história de uma rapariga do “Viagem, paródia e utopia: de tradição americana, tais como
campo cujo sonho, após um viajantes de LeClézio e António folk, rock e blues.
14h30-16h15 | FLUC (Anf. IV) romance fracassado, é tornar-se Vieira”, Maria João Simões; Org.: TAGV.
Colóquio: “Linguaviagem”. chefe de cozinha. O filme mostra “Viajantes portugueses em Itália
“Viagens certas para vidas incer- a técnica e estilos únicos de pre- na primeira metade do século
tas”, Ana Maria Machado (CLP); paração de comida chinesa. O seu XX”, Manuel Ferro; Dia 10 | sáb
“Mito e realidade em As Naus de objetivo final é ganhar o concurso 14h30 - “Navegar na (re)escrita:
António Lobo Antunes”, Cristina “Master of the Kitchen” e ser leitura de Uma Viagem à Índia 16h | Casa da Cultura
Mello (CLP); agraciada com o título de “Rainha de Gonçalo M. Tavares”, Cristina “Navegando à Bolina pela vida e
“Da História e da Literatura. da Cozinha”. Robalo Cordeiro; obra de Mário Dionísio”
Recriações da primeira viagem Org.: CES, CECH-UC, FEUC, “Au seulsouci de voyager: entre Mário Dionísio contado por Mário
de circum-navegação: Stefan TAGV. o ‘salut’ a Vasco da Gama e a Dionísio - Leitura de textos auto-
Zweig, Eugen Oberhummer, mallarmeana circum-navegação biográficos de Mário Dionísio.
Adolfo Simões Müller e Gonçalo 21h30 | Casa das Artes da no coração da escrita”, Maria de Canções pelo Coro da Achada
Cadilhe”, Maria de Fátima Gil Fundação Bissaya Barreto Jesus Cabral; - Canções com versos de Mário
(CIEG). Ciclo de Cinema “CENAS do “Da viagem interplanetária à Dionísio e muitos outros.
Org.: Dpt. de Línguas, Literaturas CES III: uma boa dose de lirismo viagem da (re)escrita: Cyrano de Org.: Centro de Documentação
e culturas (DLLC), Centro de e sífilis”. O título do evento Bergerac (séculos XVII a XX)”, 25 de Abril, Casa da Achada.
Literatura Portuguesa (CLP), Cen- remete para um trecho da Marta Teixeira Anacleto;
tro de Investigação em Estudos música “Fado Tropical”, de Chico 16h30 - “Man YaGotta Go’: 18h | Círculo de Artes Plásticas
Germanísticos (CIEG) - FLUC Buarque e Ruy Guerra, onde Follow the Trail, Vamoose, Hit the (Sede)
os autores homenageiam o 25 Road, Take a Powder, Split, Haul “O Rio Voador” é uma exposição
14h30-16h30 | FPCE-UC de Abril e tratam das conexões Ass… Movement in American dos artistas Francisco Queirós,
“Que embarcações seremos no desconexas entre os dois países Popular Song”, Stephen Wilson; Gonçalo Pena, Inês Botelho,
mesmo oceano?” Conferência unindo elementos culturais, geo- “Bookspace as Cyberspace: Miguel Palma, Pedro Cabral
sobre transtorno dissociativo gráficos e históricos de forma Mapping the Territory in Only Santo, Pedro Cabrita Reis, Pedro
de personalidade, alteregos e inusitada. Revolutions”, Manuel Portela; Tudela, Pedro Valdez Cardoso
heterónimos. Eduardo Sá, Pio de A proposta deste ciclo é apro- “Regressos? O Ulisses de e Rodrigo Oliveira. Partindo da
Abreu, Helena Espírito Santo. fundar o diálogo entre Portugal Christoph Ransmayr”, António ideia de RIO, as obras de arte
Org.: FPCE-UC. e Brasil no sentido de fazer uma Sousa Ribeiro. explorarão o seu “mais”, numa
reflexão sobre o património Org.: DLLC-FLUC. relação exponencial com o con-
16h | Casa da Escrita cultural e histórico de ambos os ceito de “rio” .
“Fontes para a história da China” países através da sua produção 15h-21h | FPCE-UC Paralelamente à exposição de
Inauguração da exposição com cinematográfica. 15h - Workshop Oficina de Escrita arte contemporânea no espaço do
manuscritos e impressos dos Filme: “O Manuscrito Perdido” Criativa. A atividade pretende Círculo-Sede (R. Castro Matoso,
fundos da Biblioteca Geral da UC. (2010), José Barahona. incitar a liberdade e autodeter- 18, junto às Escadas Monumen-
Das 9h30 às 12h30 e das 14h às Comentador: Osvaldo Silvestre. minação literárias, assim como, tais), no Museu da Água estará
18h, de segunda a sexta, até 27 Org.: CES, Fila K Cineclube. permitir ao sujeito recriar-se em patente uma exposição/instalação
de abril. novas formas de existência. de alunos de Arquitetura e de
Org.: CES, FEUC, BGUC, 21h30 | FPCE-UC Org.: FPCE-UC Design e Multimédia da Universi-
CECH-UC. “Mar Português”, Leituras encena- 17h - Workshop Intercultural. dade de Coimbra. CAPC - das 14h
das de poemas de Luís de Camões Atividades diversas (dança, lín- às 18h, de terça a sábado, até 7 de
17h | Biblioteca Geral (Sala S. e Fernando Pessoa. gua, gastronomia) que pretendem abril. Museu da Água - das 10h às
Pedro) Org.: ReCriar Caminhos facultar o contato com outras 13h e das 14h às 18h, de terça a
“Impressões da China: livros e ima- InterDitos, FPCE-UC. culturas e povos. domingo, até 12 de abril.
gens xilográficas”. Inauguração da Org.: Associação Estudantil Org.: CAPC, CES, Dep.
exposição pelo Senhor Embaixa- Caboverdiana, Associações Aca- Arquitetura / FCTUC e Museu da
dor da R.P. China e doação de Dia 8 | qui démicas Timorenses em Coimbra, Água.
gravuras chinesas contemporâneas FPCE-UC.
pela Novel EnergyLtd. à UC. Das 9h-18h15 | FLUC (Anf. IV) 21h30 | TAGV Café-Teatro
10h às 12h e das 15h às 17h, de Colóquio: “Linguaviagem”. 21h30 | TAGV Revista Via Latina
segunda a sexta, até 27 de abril. 9h - “Linguistics meets real life: “Heart Mouth Dialogues”. Elizah Apresentação do n.º9 da Revista
Org.: CES, BGUC, FEUC, CECH. Fieldwork in Papua New Guinea’s Rodrigues realiza uma experiência Via Latina, com a participação de
João Paulo Peixoto, Porfírio Silva 18h | FLUC (Anf. IV) Dia 21 | qua e sífilis”.
e Pedro Medeiros. “Babel: Três filmes, muitas Filme: “Dzi Croquetes”(2010),
Org.: Secção de Jornalismo da AAC. línguas” 21h30 | Casa das Artes da Raphael Alvarez e Tatiana Issa.
18h – Exibição do filme Fundação Bissaya Barreto Comentadora: Ana Cristina
“Nuovomondo”(Itália-França, Ciclo de Cinema “CENAS do Santos.
Dia 12 | seg 2006), Emanuele Crialese, apre- CES III: uma boa dose de lirismo Org.: CES, Fila K Cineclube.
sentado por Clelia Bettini; e sífilis”.
18h | Casa das Caldeiras 20h15 – Comentário do filme por Filme: “Luz Teimosa” (2010), 21h30 | Museu da Ciência
Paisagens Neurológicas Delfim Sardo, com a participação Luís Alves de Matos. (Anf. de Zoologia)
(Performance & Debate) de Cláudia Ascher e Fátima Comentadora: Tânia Seabra. Mostra de Cinema Naturalista.
[Arte e Tecnologia - Novos Gayosos. Org.: CES, Fila K Cineclube. Inclui uma seleção de filmes que
Média] Org.: DLLC-FLUC. exploram o potencial científico,
Apresentação do dispositivo inte- económico e político das expe-
rativo_2 [RE-ATOR NUCLEAR] Dia 24 | sáb dições realizadas ao território
Debate: Isabel Maria Dos (Mode- 21h30 | Casa das Artes da africano e brasileiro, durante a
ração), Rosa Oliveira, Manuel Fundação Bissaya Barreto 18h30 | Colégio das Artes primeira metade do século XX.
Portela, Isabel Azevedo. Ciclo de Cinema “CENAS do “O Mapa do Mar”, Fernando Filme: “No País das
Org.: Estudos Artísticos - FLUC, CES III: uma boa dose de lirismo Calhau. Exposição da obra de Fer- Amazonas”(1922), Silvino Santos;
TAGV. e sífilis”. nando Calhau, artista fundamental Apresentação: José Augusto
Filme: “Palavra e Utopia”(2000), da arte portuguesa contemporânea. Pádua (UFRJ).
Manoel de Oliveira. As obras estarão divididas Inclui visita guiada à exposição
Dia 13 | ter Comentador: Anselmo Borges. em três núcleos em outros “Da cartografia do poder aos
Org.: CES, Fila K Cineclube. tantos espaços da cidade. 16h30 itinerários do saber”.
18h | TAGV – Café-Teatro - Círculo de Artes Plásticas de De 28 de março a 31 de maio.
Encontros Musicais I – “Uma Coimbra (pólo Sereia): Obras de Org.: Faculdade de Ciências e
viagem cultural em duas escalas” Dia 15 | qui desenho. Tecnologia (FCTUC).
Sessão de abertura – Atuação do 18h30 - Colégio das Artes: Obras
Coro Misto da Universidade 18h | FLUC (Anf. IV) em pintura a acrílico sobre tela e
de Coimbra; “Babel: Três filmes, muitas ferro. Dia 30 | sex
Conferência: “História e Sociolo- línguas” 21h30 - Centro de Artes Visuais:
gia da Música em alguns compas- 18h – Exibição do filme Obras em suporte fotográfico e 18h | Auditório da Faculdade de
sos”, por Flávio Pinho. Atuação “Histórias Mínimas” videográfico. Direito da UC
do grupo Cornalusa. (Argentina, 2002), CAV e CAPC - das 14h às 18h, de V Encontro Nacional de
Org.: Coro Misto da Universidade Carlos Sorín, apresentado por terça a sábado; CAV - das 14h às Estudantes de Bioquímica 2012.
de Coimbra. Fátima Gayoso; 19h, de terça a domingo. Até 17 De 30 de março a 02 de abril.
20h15 – Comentário do filme por de junho. Org.: NEBIOQ/AAC, FCTUC.
18h | FLUC (Anf. IV) Clelia Bettini e Claudia Ascher. Org.: Colégio das Artes / CAPC
“Babel: Três filmes, muitas Org.: DLLC-FLUC. / CAV. 18h | Casa das Caldeiras
línguas”. Projeto que propõe Paisagens Neurológicas
levar a cabo uma reflexão sobre a 18h | TAGV – Café-Teatro 21h | TAGV - Sala Principal (Performance & Debate)
importância do estudo das línguas, Encontros musicais II - II Panaceia - Festival de Tunas [Linguagens na Performance]
hoje, a partir do visionamento de “Uma Viagem cultural Femininas. Organizado pela Tuna Apresentação de dispositivo_4/
três filmes contemporâneos: um em duas escalas”. Feminina de Medicina da UC, performance interativa [SEM
alemão, um italo-francês e outro Conferência “Fazer conta com a participação de quatro BILHETE DE VOLTA] Isabel
argentino. música hoje em dia”, tunas femininas dos quatro cantos Maria Dos.
18h – Exibição do filme “Das por Ruben Monteiro. do país, prezando pela qualidade Debate: Manuel Portela (Mode-
Liedinmir” (Alemanha, 2010), Momento musical. musical e pelo espírito académico. ração), António Olaio, Jorge
Florian Cossen, apresentado por Org.: Coro Misto UC. Org.: TFMUC. Ribeiro, Fernando Matos Oliveira.
Claudia Ascher; Org.: Estudos Artísticos - FLUC,
20h15 – Comentário do filme por TAGV.
Clelia Bettini e Fátima Gayoso. Dia 19 | seg Dia 26 | seg
Org.: DLLC-FLUC. 21h30 | TAGV – Sala Principal
18h | Casa das Caldeiras 14h-20h | TAGV Dead Combo. Neste concerto de
Paisagens Neurológicas Capitanias Dramatúrgicas - lançamento do novo disco “Lisboa
Dia 14 | qua (Performance & Debate) Escrever a Viagem – Workshops Mulata”, a dupla Tó Trips e Pedro
[Cenografias na com dramaturgos brasileiros e Gonçalves apresenta a sua visão
9h-17h | Estádio Universitário Contemporaneidade] portugueses. De segunda a sábado, sobre a multiculturalidade de
“Tradition and New Apresentação do dispositivo das 14h às 20h. Até 31 de março. Lisboa com ritmos africanos.
Developments in Sport”. Curso inte-rativo_3 [RESÍDUOS DE Org.: TAGV, Reitoria da UC. Org.: Reitoria da UC, TAGV.
intensivo para aprofundar AMOR E DA ESPÉCIE
as linhas de pesquisa na área do HUMANA] Isabel Maria Dos.
Desporto, os seus objetos de es- Debate: Fernando Matos Dia 28 | qua Dia 31 | sáb
tudo e metodologias. Desenvolvi- Oliveira (Moderação),
mento de workshops e apresen- João Mendes Ribeiro, 21h30 | Casa das Artes da 21h30 | Museu da Ciência
tação de trabalhos dos estudantes. Filipa Malva. Fundação Bissaya Barreto (Anf. de Zoologia)
De 14 a 18 de março. Org.: Estudos Artísticos - FLUC, Ciclo de Cinema “ CENAS do Mostra de Cinema Naturalista,
Org.: FCDEF-UC. TAGV. CES III: uma boa dose de lirismo Filme: ”Voyage en Angola”(1929),
Marcel Borle; “Missão Académica Dia 18 | qua Arménio Bernardo, Fernando Dia 27 | sex
a Angola”(1929), Maximino Curado Matos, Luísa Ferreira e
Correia. 18h | Casa da Escrita Monteiro Gil. 10h | Dpt. Ciências da Vida
Apresentação: Joana Pimentel Poetas em Residência – leituras de Org.: Centro de Estudos Ibéricos (Bioquímica)
(Cinemateca Portuguesa) e Paula poemas pela Poeta em Residência (CEI), Reitoria da UC, TAGV. “CSI-Coimbra por um dia”
Meneses (CES-FEUC). de 2012 da FLUC, a irlandesa O projeto terá como objetivo
As restantes sessões decorrerão, Célia de Fréine. 21h30 | TAGV - Sala Principal transpor para a realidade o que
em data a anunciar, entre Org.: Programa “Poetas em “Maior”, espetáculo com direção é “transmitido em televisão”, de
os meses de abril e maio, no Residência”, DLLC-FLUC e Casa e coreografia de Clara Andermatt, modo a dar a conhecer a vertente
Anfiteatro de Zoologia da Escrita. música de Vítor Rua, pela de investigação a nível forense e
do Museu de Ciência e Jardim Companhia Maior. criminal que poderá ser proporcio-
Botânico da Universidade de Composta por artistas maiores de nada pelo Curso de Bioquímica e
Coimbra. De 28 de março a 31 Dia 23 | seg 60 anos, a Companhia Maior áreas similares.
de maio. convidou para a sua Org.: NEBIOQ / AAC, FCTUC.
Org.: FCTUC. 9h | Dpt. Ciências da Vida segunda criação a coreógrafa
(Espaço Vítor Madeira) Clara Andermatt. Neste espetáculo
Concurso de Posters Científicos - pretende-se retirar a tónica da Dia 28 | sáb
A B R I L Exposição até 27/04. idade dos intérpretes afastando-
Org.: NEBIOQ / AAC, FCTUC. -se da evidência sem, no entanto, 16h - 17h30 | Museu da Ciência
Dia 10 | ter desperdiçar as características que (Lab. Chimico)
são indissociáveis das biografias “Brevemente 2012”: Sessão de
18h | Centro Cultural Dom Dinis Dia 25 | qua destes indivíduos: a experiência, a entrega de prémios e exibição dos
“Memória Resgatada - sabedoria, a vulnerabilidade, o re- trabalhos vencedores do concurso de
Chile 1970/1973” Exposição de 14h30-18h30 | Dpt. Ciências da speito, a realidade de quem nasceu design e multimédia organizado pela
fotografias de Armindo Vida (Sala 3) na primeira metade do século XX. tvAAC em parceria com o Centro de
Cardoso e da pré-montagem de “BioqQuiz”. O projeto “Concurso Org.: Reitoria da UC, TAGV. Estudos Cinematográficos.
filme de Helena Monteiro. de Cultura Geral de Bioquímica” Org.: tvAAC e CEC/AAC.
Das 14h às 24h, de segunda a tem como objetivo lançar o desa-
sexta, até 12 de maio. fio e impelir os nossos estudantes
Org.: CCDD. a testarem os seus conhecimentos
neste mundo pois, não basta estar
18h | Colégio das Artes (piso 1) na área, é importante conhecê-la.
Lançamento Revista Joelho n.º 3, Inscrições até 16 de abril. Regras
sob o tema: “Viagem-Memória: e regulamentos disponíveis em
aprendizagens de Arquitetura”, www.nebioquc.org (na área de
coordenação de notícias e atividades), a partir de
Alexandre Alves Costa e 12 de março.
© Bruno Simão

Domingos Tavares e abertura da Org.: NEBIOQ / AAC, FCTUC.


exposição “Viagem:
à memória de Fernando
Távora”. Das 9h às 17h30, de Dia 26 | qui
segunda a sexta,
até 10 de maio. 10h-18h | Casa das Caldeiras
Org.: Departamento de “Eduardo Lourenço: um (e) terno
Arquitetura/FCTUC . olhar”. O evento proposto conjuga
três vertentes complementares
desenvolvidas em torno de
Dia 12 | qui Eduardo Lourenço e das paisa-
gens matriciais polarizadas pela
21h30 | TAGV – Sala Principal Guarda: um colóquio, um docu-
“Se uma janela se abrisse”, texto e mentário e uma exposição.
encenação de Tiago Rodrigues. 10h - Colóquio: “Eduardo
Um telejornal é “dobrado” ao Lourenço: as paisagens matri-
vivo por atores e um DJ, neste ciais e os tempos de Coimbra”.
espetáculo que substitui o discurso Intervenções: Eduardo Lourenço,
público pelo íntimo e descobre Maria Helena da Rocha Pereira,
formas alternativas de falar de António Pedro Pita, João Tiago
um dia que passou. A partir daí, Pedroso de Lima, José Gil,
nasce um outro “jornalismo”, à Fernando Rodríguez de la Flor;
escala humana de um palco, onde 15h - Apresentação do documen-
um olhar entre dois atores pode tário “Regresso Sem fim”
ter a mesma importância que o (Anabela Saint-Maurice / CEI -
fenómeno do aquecimento global. -RTP2) seguido de debate;
“Se uma janela se abrisse” é o 16h45 - Abertura da exposição
telejornal das notícias que nunca “Um (e)terno olhar: Eduardo
chegam ao telejornal. Lourenço, Vergílio Ferreira e
Org.: Reitoria da UC, TAGV. a Guarda”, com fotografias de
Dia 30 | seg M A I O Dia 16 | qua Dia 26 | ter

21h30, 24h | TAGV - Subpalco Dia 01 | ter 21h30 | TAGV - Sala Principal 21h30 | TAGV - Sala Principal
“Escorbuto”, estreia absoluta. “Cinemusicorium” - Onde o som “Pequena História Trágico-
Texto de Pedro Monteiro, Rodrigo 24h | TAGV - Subpalco apresenta a imagem e a -Marítima”, texto e encenação de
Monteiro e Augusto Monteiro. “Escorbuto”. Texto de Pedro música nos traz cinema”. Jorge Louraço Figueira, design
Encenação de Ricardo Trindade. Monteiro, Rodrigo Monteiro e Concerto com Orquestra Clássica de Filipa Malva.
“Escorbuto” põe em cena uma Augusto Monteiro. Encenação do Centro, sob a regência do O espetáculo teatral criado
tripulação duma nau quinhentista, de Ricardo Trindade. De 01 a 03 Maestro Artur Pinho a partir de relatos e
onde se expõem, de forma de maio às 24h, dia 05 às 16h e Maria e apresentação de testemunhos de várias pessoas,
impiedosa, realidades tão incómo- 21h30. Vasco Otero, transmitido em de fragmentos biográficos e
das como a homossexualidade, o Org.: Arte à Parte, TEUC, direto pela RUC. históricos, de memórias pessoais e
pequeno favorecimento nefasto, Reitoria da UC, TAGV. Org.: OCC, RUC, TAGV, Reitoria da memória coletiva, é uma
o evangelismo moralizador, as da UC, TAGV. Patrocínio: Critical alegoria das relações culturais
profundas clivagens sociais, etc.; Software. entre os povos de Portugal e do
realidades maquilhadas - no pro- Dia 05 | sáb Brasil. Dias 26 e 27 de junho,
verbial exercício de reescrita da 21h30.Org.: Estudos
história - pela pena “cosmética” 19h | Museu Nacional Machado Dia 17 | qui Artísticos - FLUC, Reitoria da
do escrivão de bordo, que glorifica de Castro “Open Field String Trio UC, TAGV.
cenas menos nobres para melhor as + Burton Greene. Espetáculo com 21h30 | TAGV - Sala Principal
“vender” à posteridade. a participação do trio de cordas “Navegar”. Concerto com Orfeon
Peça trashico-marítima, Open Field String Trio, com o Académico de Coimbra e Tuna J U L H O
“Escorbuto” é o relato encenado pianista Burton Greene Académica de Coimbra. No
de uma gesta torpe banhada pelo Org.: Double Bill, Jazz ao Centro, repertório peças musicais Dia 3 | seg
áureo brilho das ilusões. A história Reitoria da UC, TAGV. harmonizadas para coro misto e
de um povo mais emigrante do que orquestra, temas que ilustram a 21h30 | Pátio das Escolas
descobridor (e lá está, para o provar, 21h30 | Conservatório de Música relação entre Portugal e Brasil. Concerto Ivans Lins, Carlos
o tripulante que é emigrante em de Coimbra Concerto do Quarteto Org.: OAC, TAUC. do Carmo e Coro dos Antigos
França), mas capaz do grão de lou- Chileno “Schwenke y Nilo”. Um Orfeonistas.
cura que vence a inércia. Um povo dos principais representantes do es- Org.: Coro Antigos
que se fez grande para fugir à própria tilo Canto Nuovo, desenvolvido no Dia 18 | sex Orfeonistas, Reitoria da UC e
pequenez. Apresentações de 1 a 3 de Chilen na década de 1980, inspira- Câmara Municipal de
maio às 24h, dia 05 às 16h e 21h30. dos na tradição da Canção Social e 21h30 | TAGV - Sala Principal Coimbra (CMC).
Org.: Arte à Parte, TEUC, TAGV, pelas belezas naturais Chilenas. Teresa Salgueiro, concerto de Patrocínio: Turismo de Coimbra
Reitoria da UC. Org.: CCDD. lançamento do novo álbum de
originais, “A Espera”. Dia 4 | ter
Org.: Reitoria da UC, TAGV.
21h30 | Mosteiro de Stª Clara a
Nova (antigo Quartel)
Dia 30 | qua Orquestra Clássica do Centro.
Concerto com participação do
14h | Estádio Universitário regente Luís Gonçalo Petri e a
Torneio de Boccia Sénior. solista Taís Bandeira.
Realização de jogos No programa, obras de João de
de boccia, direcionados Sousa Carvalho, Joly Braga
para maiores Santos e Heitor Villa-Lobos.
de 60 anos. Org.: OCC, Reitoria da UC.
Org.: FCDEF-UC Patrocínio: Embaixada do Brasil
em Portugal

J U N H O
21h30 | TAGV - Sala Principal
Dia 2 | sáb “Nano T”, encenação de
Alexandre Lemos. Nano T.
21h30 | Mosteiro de é um projeto de teatro à nano
Sta. Clara a Nova escala com recurso aos objetos de
Niraj Singh + José Valente observação e manipulação a esta
and Experiences Of Today. escala já disponíveis na
Uma viagem artística que investigação científica em
atravessa inúmeras articulação com técnicas
barreiras sociais e associadas ao teatro de objetos.
estéticas, que reforça uma A pesquisa narrativa será centrada
ligação cultural profunda entre na perceção atual da opinião
dois países ligados pela pública sobre a nanotecnologia.
história (Portugal e Índia). Dias 4, 5 e 6 de julho às 21h30.
Org.: Arte à Parte, Org.: Marionet, Reitoria da UC,
Reitoria da UC, TAGV. TAGV.
FERNANDO CALHAU
ISABEL NOGUEIRA*

Fernando Calhau (1948-2002) inte- existência da obra de arte. Num ficativo de diversas manifestações
-gra uma geração de artistas portu- primeiro momento, a arte assumiu artísticas que incorporam vídeo,
gueses que viveu uma consciência a sua propriedade objetual, ou seja, performance, instalação, etc., – toma
dos pressupostos da designada a substituição da representação do corpo – passe-se a ironia – entre
neovanguarda internacional, tam- objeto pela apresentação da pró- meados dos anos sessenta e iní-
bém conhecida por vanguarda tar- pria realidade objetual – pensemos cios da década seguinte, e merece
dia, que surge como resultado de no nouveau réalisme e na Pop art –, destaque neste contexto, uma vez
um processo de esgotamento ou seguindo-se da supressão do ob- que refletiu especificamente sobre
de desintegração das vanguardas jeto. Por outras palavras, da arte a ideia e a natureza da arte, con-
históricas de início do século XX , enquanto ideia, particularmente gregando em si a arte, a teoria e a
que acabaram com o conceito de espelhada no movimento concep- crítica, sob diversas formas e mani-
obra de arte orgânica, isto é, como tual. O termo “arte conceptual” festações, resultantes do culminar
unidade, como tradicional relação foi primeiramente empregue, em da estética processual, na procura
entre a parte e o todo. 1967, pelo artista minimalista Sol do autoconhecimento, conferindo
Os anos 60 e 70 do último século LeWitt. A arte conceptual como primado ao processo mental.
refletem uma impressionante rutu- movimento – distinta do concep- O trabalho de Calhau insere-se não
ra com a própria possibilidade de tualismo enquanto adjetivo quali- propriamente numa arte concetual

22 RL #34 | OF I C I N A D O S S A B E R E S A T U A L
O MERGULHO DO OLHAR

purista, mas num conceptualismo A janela imaginária que nos pro- uma profunda consciência e pre-
Quatro fotografias a cores e tinta da china s/ papel fotográ-
fico (8,5 x 12cm cada). Coleção Fundação Serralves, Porto.

mais vasto. Sobretudo numa visão põe uma outra dimensão, toda ela sença do ‘eu’ objetual e, portanto,
S/ Título, #99 (Materialização dum quadrado imaginário),

do mundo. E não num sentido ba- livre, orgânica e poética. A visão é enquanto motivo fotográfico ou fíl-
nal, uma vez que toda a obra acaba primeiramente atiçada pela imagi- mico, capaz de extrapolar os limi-
por ser uma visão do mundo. Mas nação e pelo próprio desejo de ver. tes concetuais pré-determinados,
numa visão da vida. Do respirar, E é neste momento de convidar a constituindo uma síntese dialética
do espaço e do vazio. De tempo e ver que o trabalho do artista entra entre sujeito e objeto. O que talvez
contratempo. Muitas vezes verbali- num campo expandido, pleno de possamos chamar de natureza viva
zando em imagem os elementos da possibilidades e de emoções. Tra- ou a transformação do objeto em
Natureza, como o mar e o firmamen- ta-se da proposta ou do convite a sujeito. Ou ainda o sujeito do olhar
to, inclusivamente nos filmes super8, entrar por um universo fora. A dei- que se revê no objeto. E é nesta re-
Fernando Calhau, 1974.

realizados nos anos 1970. xar-se levar. Ao mergulho do olhar lação que tudo verdadeiramente
através do espaço imaginário. acontece.
A imagética de Fernando Calhau A viagem é cosa mentale e a imagem
reporta-se também à janela alber- assume a possibilidade de corpo * Investigadora do Centro de Estudos Interdisci-
tiana, aberta sobre a História, e em si, pleno de referências e de fa- plinares do Século XX da Universidade de Coim-
consequentemente sobre o mundo. culdades operativas, ao incorporar bra – CEIS20
UM PROGRAMA
DE RÁDIO DA bemos nada do continente africa-
no? Por que nosso conhecimento de

LÍNGUA PORTUGUESA
Portugal acaba no bacalhau, no fado
e nos poetas renomados? Quem são
os novos autores portugueses, mo-
çambicanos, angolanos, guinenses,
timorenses, macauenses, caboverdia-
nos, santomenses? Se temos a língua
ELIZAH RODRIGUES*

LUSOFALANTE
como um facilitador, por que não os
conhecemos?
Cheguei à conclusão que somos pou-
co curiosos uns pelos outros, pela
vida, pelo novo, pelo desconhecido.
Nos agarramos ao que conhecemos
como filhotes de gambás ao pêlo da
mãe. Temos medo de cair de nossas
certezas.
Na minha recente visita à Coimbra
fiquei impressionada com a quanti-
dade de livros e CDs brasileiros que

OF I C I N A D O S S A B E R E S A T U A L
“Toda a vez que eu dou um passo, o minhas e eu não sabia. Brotavam da havia nas prateleiras dos amigos.
mundo sai do lugar”, este verso do minha bisavó escrava trocada por Senti-me envergonhada e meu de-
compositor brasileiro Siba, traduz um jegue por meu bisavô português, sejo foi encher a mala de autores e
muito o espírito do Lusofalante. na Bahia. Assim começa a minha his- compositores portugueses que não
Devo começar por minha infância tória e a da maioria dos brasileiros. conhecia. Pelo carinho e presentes
em Moçambique, pelos pregões can- Misturas de partes de raízes que nem destes amigos, vim carregada de no-
tados pelas mamanas com pesados bem sabemos. vidades.
cestos na cabeça, anunciando o que Quando retornei ao Brasil para meu Também nessa visita ganhei palavras
traziam para vender. Os trabalha- espanto descobri que a verdade tem novas, como marinar. Adorei esta pa-
dores em frente de casa socando a cinco lados e ainda há controvérsias. lavra e passei a usá-la. Traz o sentido
estrada. Um puxava o canto e os de- Tiradentes, por exemplo, que lá era de deixar pegar o sabor, o tempêro
mais respondiam em vozes deixan- um traidor, aqui era herói com direi- até estar no ponto de virar uma bela
|RL #34

do-me extasiada a ouvi-los sentada to à estátua, nome nas praças e ruas. refeição.
no meio fio. Comecei a entender que “o mundo Quando adquiro uma palavra do ou-
Eu estava do outro lado do mun- sai do lugar” porque movo o meu tro, é um pouco do outro que come-
do, bebendo de uma história, de olhar através do olhar do outro. ça a fazer parte de mim.
24

uma música e de palavras que eram E veio a pergunta, por que não sa- Quando chego à Moçambique, da
mesma forma, encho minha mala de Em Changana, uma das línguas de letra de amor da compositora Suely
CDs, peças de arte, livros, de artistas Moçambique, na palavra “mafacite- Mesquita.
que aqui não conhecemos. la”, que significa óculos, temos face, Eduardo Galeano fala de um novo
Malangatana Ngwenya, artista mo- do português. planeta que está sendo gestado por
çambicano, tem apenas um trabalho A língua é tão viva que hoje convoca- este já velho e combalido. Essa idéia
no Brasil e nunca expôs aqui. Fale- mos para um “tuitaço”, “skypeamos” me agrada, um movimento quase si-
ceu em janeiro de 2011 e disse para o com os amigos e “deletamos” o que lencioso, cidadão, coletivo, que busca
Lusofalante: “ levar minha obra é não interessa. a mudança, que virá como fruto do
como levar pitéus esquecidos pela Se pensarmos que nossa audição é que não soubemos fazer até aqui.
distância geográfica. E no Brasil, autoral e única, que em cada pessoa Que não nos falte curiosidade, nun-
mesmo pessoas que nunca estiveram há um universo de significações no ca! E que joguemos as certezas na
em África, ao tocarem e olharem, re- modo como ouve, as possibilidades pasta da lixeira e pensemos no que
vivam o ontem deixado cá”. da língua ficam infinitas. diz Koellreutter, maestro: «tenham
No Brasil da mesma forma sabemos Em uma oficina, mostrei uma peça uma placa com um “por que?”, em
pouco uns dos outros. Em um Semi- de áudio e pedi para que dissessem o cima da cama, para lembrarem-se de
nário de Contadores de Histórias no que tinham ouvido. Um disse “é uma perguntar “por que?” logo ao acor-
Rio de Janeiro perguntei aos partici- chuva”, outro “são passos na pedra” dar».
pantes dos vários estados brasileiros e outro “é uma bicicleta passando”. Destes antigos “por ques?” e do en-
como chamavam pão. Listaram mais E era o mesmo som. contro com amigos especiais nasceu
de 20 nomes para o mesmo pãozi- É fascinante pensar nos 250 milhões o Lusofalante.
nho. de pessoas falando a mesma língua
Dizia Chico Buarque “em cada riban- diversa e autoral com as quais eu * Diretora, roteirista e produtora do programa de
ceira uma nação”. Assim somos aqui. poderia estar conversando neste rádio Lusofalante
Milhares de nuances, sonoridades, momento. Me faltará vida para ver
variedades da mesma língua. tudo, para vestir minhas orelhas de Lusofalante é um programa de rádio que reúne
Tínhamos 1200 nações indígenas, elefante e comer o mundo com os ou- entrevistas com artistas, lingüistas, escritores, po-
das quais restam 180, significam vidos, para despregar meus pés e ver etas dos diversos países de língua portuguesa e é
1200 povos com culturas, línguas, o mundo sair do lugar. sublinhado pelas músicas destes lugares (progra-
misturadas ao que somos hoje. Até O diferente, o outro, na verdade está malusofalante.blogspot.com). O objetivo é criar pon-
o decreto de Marquês de Pombal em bem ao lado. tes através da língua e da arte. Está disponível em
1759, tornando obrigatório o uso da www.arpub.org.br e pode ser utilizado como ma-
Língua Portuguesa, os portugueses Um músico pegou um táxi em Salvador e terial didático, para uso educacional e cultural.
que aqui viviam falavam tupinambá. perguntou ao motorista se conhecia Participa na XIV Semana Cultural da UC junta-
Sendo a língua um ser vivo, orgânico, determinado endereço. Ele respon- mente com a Fundação Casa Grande e amigos do
reciclável que se inter-relaciona des- deu-lhe: “um talvez definitivo eu não Brasil, Moçambique e Portugal, com conversas,
de sempre, gosto de pensar na Geo- posso lhe dar, mas um quem sabe, montagem de uma Escultura Sonora e recolha de
grafia estendida da Língua. com certeza”. É lindo e virou verso de material para futuros programas.
R EPERCUSSÕ E S DA
V I AG EM EM C A M Õ E S
JOSÉ CARLOS SEABRA PEREIRA*

1. A leitura dos efeitos da viagem – d’ Os Lusíadas, em que o tempo da homem português da diáspora im-
cuja multidimensionalidade (física narração vai de par com o tempo da perial, com a vida ”pelo mundo em
e interior, de ação e de pensamento, ação e reina a estilística da evidên- pedaços repartida”, e do síngulo in-
de catábase e de anábase, histórica cia (iconicidade, deíticos, aspeto ver- quieto e irrequieto, “peregrino, vago
e mítica, empírica e simbólica) foi bal de imperativo e indicativo…), a e errante”.
reexplanada com erudita energia viagem expõe os seus protagonistas Na épica, o “saber só de experiência
interpretativa por Helena Langrouva nacionais ao desconhecido, à dife- feito” da viagem pode parecer sus-
- pode inscrever-se num quadro mati- rença, à incerteza, e desenrola-se tentar certa ufania epistemológica
zado de tradição e renovação crítica. segundo a modalidade do possível e (epocalmente cristalizada em torno
Por um lado, desde a predestinada do contingente, de ambos os modos do ver: “vi, claramente visto”, “os ca-
situação geográfica até ao valor pro- intensificando no anthropos a auto- sos vi”, etc.), mas não garante dura-
videncial atribuído aos fastos da sua consciência da condição de «bicho doura euforia existencial e mundivi-
historicidade (VII, 3, 5-7), Portugal da terra tão pequeno». dente. Na lírica, a deslocação como
surge como Nação eleita, para agir A tal ponto assim é que estudos re- “apartamento” e outros movimentos
em prol de uma superior realização centes relacionam a redação alonga- circunstanciais convergem com múl-
civilizacional dos valores cristãos da d’Os Lusíadas entre 1555 e 1570 tiplas experiências que conduzem à
(II, 46, VII, 84-86); e Os Lusíadas – tempos de viagem para o próprio iminente adesão a uma conceção de-
enaltecem a uirtus superlativa do autor – com uma evolução de Camões sastrosa do amor no quadro de uma
“peito ilustre lusitano” para esse mo- em relação às consequências do regi- visão negativa da vida. Numa rever-
vimento progressivo e ascensional me imperial e em relação à poética são irónica das ilações da soberania
nos planos do conhecimento, da mo- estruturante do seu discurso. Nessa do ver/saber, o sujeito do discurso po-
ral e da beleza, formulando as con- ótica, sob o efeito da viagem Camões ético assevera, em função do curso
sequentes exigências e valorações de parece passar de uma atitude de eu- da sua vida: “vi mágoas, vi misérias,
OF I C I N A D O S S A B E R E S I M P R E S S Õ E S

justiça e piedade, de cultura e hero- foria para outra avaliação mais som- vi desterros” e “Na vida desamor so-
ísmo, de arte e amor. bria: não renega o louvor da Pátria, mente vi”. Graves inferências daqui
Por outro lado, Os Lusíadas estrutu- nem repudia o princípio de que o decorrem, naturalmente. Mas, tal
ram-se como obra tensa, com dois Cristianismo é o destino do mundo, como também descobrirá para o
eixos – história de uma fundação e mas quebra o pathos da ideologia sujeito coletivo da grei lusíada em
história de uma viagem – que obe- triunfante e põe sob caução o mes- que se integra, vai ainda mais fundo
decem a lógicas ao mesmo tempo sianismo lusíada; e parece alterar o a desconstrução da perspetiva oti-
complementares e contrastadas. Em plano inicial do poema, porventura mista com que se lançara na viagem
sentido mais óbvio, mas talvez não com passagem (VII, 78-87) de uma da existência: atinge radicalmente
mais verdadeiro, a fundação vem de estética de representação da gesta a confiança nos dotes e aquisições
trás (no curso do que se foi apodan- histórica de Portugal para uma esté- gnoseológicas – “Conheci-me não
do de “crónica rimada”) e destina- tica platónica de projeção do para- ter conhecimento” – e motiva um
-se a consumar-se como “novo rei- digma ideal, em acutilante contraste perentório juízo negativo sobre o de-
no” no termo da história da viagem. com a realidade empírica. curso da existência pessoal e sobre
|RL #34

Mas, afinal, a viagem não coincide o seu entendimento projetivo ou/e


com o pressuposto modelo da fun- 2. Como recapitulou magistralmen- retrojetivo: “Errei todo o discurso de
dação de uma identidade exemplar te Aníbal Pinto de Castro, toda a meus anos”.
e da necessidade de um destino co- obra de Camões, na épica como na A crise epistemológica agudiza-se
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letivo. Com efeito, no presente vivo lírica, é discurso de homo uiator – do por via do confronto insofismável
com os “casos”, que a viagem poten- do canto, na aprendizagem da livre “contradicção da proposição épica”
cia. No discurso inquiridor e pro- humanidade para além do medo, no por figuras, com valor arquetípico
blematizante da épica e da lírica de inconformismo do conhecimento (e provável presença subliminar de
Camões, mais do que acidental o perante a desrazão do mundo. Garcia da Orta), de Velho Sábio,
“caso” é perigosamente aleatório; Não foi apenas essa, porém, a altera- de aspeto venerando mas descon-
mais do que marcante, o “caso” ção de leitura que a viagem veio sus- tente e admoestador. Nesse âmbito,
camoniano é acontecimento heideg- citar em relação a Os Lusíadas. Antes Baco avulta na atualização, já em
geriano após o qual a realidade (ou foram surgindo leituras pós-impe- tempos alvitrada por Jorge de Sena,
a relação do sujeito com ela) se tor- riais que vão sobredimensionar as do arquétipo de divindade proscri-
na irreversivelmente outra; mais do reservas que mesmo em estudos ta mas irredutível e de humanidade
que estranho, o “caso” camoniano é tradicionais se levantavam à mode- epocalmente submetida mas incon-
perturbadoramente “duvidoso”, na lar heroicidade patriótica tão lison- formada.
medida em que fica a pairar a mais jeiramente reconhecida aos portu- Parece-me, todavia, que tanto o esfor-
inquietante dúvida sobre a sua natu- gueses. Se já para Bowra o “sense of ço recorrente para colocar o discurso
reza, sobre a sua causa ou razão de justice” dos protagonistas portugue- da viagem sob uma intencionalidade
ser, enfim sobre o sentido que lhe ses em várias conjunturas históricas autoral (camoniana) de perspetiva
deva ser atribuído ou o sem-sentido “verges on cruelty”, as referidas no- crítica, quanto as vozes outras que
que dele decorrerá. Daí que o “caso” vas interpretações d’Os Lusíadas des- na viagem alcançam a primazia ideal
seja fator formidável da vertigem de locam-nos para outro plano de con- do Amor e da Justiça, a prevalência
absurdo que irrompe na deriva dis- tundente requisitório. Porventura do saber sobre o poder, a supremacia
cursiva de Camões, a dada altura sob demasiado dirigidas por um “com- dos valores e da liberdade sobre as
o signo da suspeita de que na vida mitment to the political analysis of convenções e sobre a ordem vigente
humana e no mundo reina o “desva- that problem which effectively goes (tão estamentária quanto preconcei-
rio” e não o pressuposto “regimento” on in the poem” (Hélio Alves, “Post- tuosa), podem ser lidos, com maior
(do sentido e do divino). -Imperial Bacchus: The Politics of coerência de aferição pela herme-
literary criticism in Camões studies nêutica textual, sem rutura com o ar-
3. Compreende-se, pois, que tenham 1940-2001”, in Post-Imperial Camões, gumento proposicional d’Os Lusíadas
surgido leituras de uma dimensão Dartmouth, 2003), essas leituras de (como mostram V. M. Aguiar e Silva
iniciática, diversa das viagens ritu- um “veneno encoberto” ou “engano e Thomas Earle).
ais do orfismo, na viagem lusíada ou fabricado” como programa sublimi- É certo que os portugueses viveram
na viagem camoniana. À margem de nar do poema não podem deixar de a viagem em grande parte como a an-
leituras com pressupostos sistemica- intervir na reponderação das reper- tevira o “velho honrado” do Restelo
mente esotéricos ou de sondagens cussões da viagem no discurso camo- (e outros Velhos “sábios” e “veneran-
dos detetáveis veios gnósticos, res- niano e do estatuto que nele cabe dos”), isto é, como experiência de
salta a perspetiva hermenêutica com àquilo e àqueles que não tinham lu- separação e de perda; e, em grande
instrução arquetípica desenvolvida gar no ecumenismo legitimador da parte, sobrepuseram à viagem aquilo
por Helder Macedo, sobre a viagem expansão imperial portuguesa (do que Baco induz ao Xeque de Moçam-
para o desconhecido. No plano cí- Poder ocidental e da religião católi- bique como ponto de vista dos povos
vico, depara-se-nos a viagem cole- ca) e também às classes sociais que “descobertos” e queridos como “su-
tiva que, guiada por Vénus/Amor, em Portugal (e na civilização cristã balternos”: a Conquista, isto é, pre-
equivale a processo de elevação da da Europa) eram desfavorecidas, des- dação, engano, destruição, roubo,
experiência em conhecimento, de prestigiadas, marginalizadas ou si- domínio da servidão… (I, 78-79).
regeneração do “apetite em razão” e lenciadas. Em todo o caso, um dos aspetos mais
da “cobiça e prepotência em justiça Nessa senda, Luiza Nóbrega vem de- positivos do inesperado da viagem
e aliança”; mas assim vale também senvolvendo uma análise inferencial – a diversa humanidade que ganha
como alargamento da identidade de implicações contextuais e inter- vida n’Os Lusíadas – vê corresponder-
comunitária a um sentido superior textuais (parcialmente mitocríticas) -lhe a proliferação dos pontos de
da História e a uma conceção outra com forte coeficiente de dissidência vista, principais e secundários, nas
de Humanidade. No plano autoral e ideológica (individual e de fação) diversas falas em nome próprio ou
discursivo, essa viagem propicia a ini- perante o que seria a superestrutura citadas diretamente, “com o mesmo
ciação do próprio Camões à imorta- político-religiosa do Império. Daí, a direito à palavra, sem censura polí-
lidade na responsabilidade bárdica aposta numa isotopia camoniana da tica”, como brilhantemente dilucida
Fernando Gil no seu ensaio sobre O bítrio e por boa parte das vicissitudes
efeito Lusíadas. existenciais, não envolve cedência a
Esses rasgos confluem congruente- uma poética da evasão ou da aliena-
mente no humanismo cívico (neo- ção, nem a uma ética da rendição ou
-ciceroniano e cristão) que impre- da acomodação. N’Os Lusíadas como
gna a obra poética de Camões, como nas Rimas, o Camões que diz (pensa
aprendemos em Luís de Sousa Rebelo e vive) virtude como verdade operati-
e outros camonistas. Aliás, creio que va e eficiente (veja-se, por exemplo,
não podia ser de outro modo, na me- a elegia V, “Se quando contempla-
dida em que a polifonia discursiva de mos as secretas”) acompanharia o
Camões, enquanto poeta maneirista Maquiavel dos Comentários a Tito
dessa assimilação cristã do humanis- Lívio neste ponto fulcral: a virtù é
mo cívico, antecipa a advertência de meio de resistir à submissão cega aos
Simone Weil: “A força [e a pretensão efeitos da Fortuna. Enquanto na se-
de Verdade totalizante] petrifica[m] mântica da sua poesia prevalece pes-
as almas, mesmo quando se tem ra- simista visão do mundo e da vida,
zão…”. submetidos ao absurdo “desvario”
determinado por um Destino malé-
4. Como Tétis ensina ao Gama no volo e consentido por um Deus abs-
ápice do episódio da Ilha namorada, conditus et otiosus, resta ainda - peran-
a viagem é o modo de atingir o co- te o bloqueio do “livre alvedrio” e o
nhecimento superior – não apenas descrédito da Providência divina - a
nem sobretudo o conhecimento exó- resistência da consciência lúcida e a
geno do universo físico-natural (o da proto-nietzscheana liberdade na neces-
“máquina do Mundo” e outro), mas sidade; e, ao passo que n’Os Lusíadas a
antes do mais o conhecimento endó- conversão através da viagem interior
geno “pera que vejas por onde vás e da grei e do Poeta projeta o desejo
o que desejas” como homem. Tudo de festa e de luz, de razão e de paz,
isso conota outra modalização da para o horizonte da mudança visio-
antropologia literária que ao mesmo nária no episódio da Ilha dos Amo-
tempo sustenta e decorre do devir res, nas Rimas aquela mundividência
diegético e discursivo d’Os Lusíadas. negativa é agonicamente enfrentada
De facto, na viagem da grei (e retro- e dialecticamente superada, pela ra-
activamente também na fundação), zão iluminada pela Graça e pela von-
tanto é posta à prova o ethos da (auto) tade ascética confortada pela oração;
superação quanto é posto em causa o e, então, a antropologia do limite
ethos do titanismo. O mesmo se diga ganha as fronteiras do augustiniano
para a viagem (iniciática) do Poeta. “entendimento superior” e da livre,
Nessa epopeia e na lírica das Rimas, embora condicionada, responsabi-
ao mesmo tempo que viaja pelas pro- lização pessoal no agone christiano
fundezas da sua natureza humana, contra as forças adversas da Natu-
pelas suas ricas potencialidades e pe- reza amoral e contra as múltiplas e
los seus incontornáveis perigos (que insidiosas formas de desconcerto do
a voz de Baco também traz à poesia mundo.
de Camões), o Poeta avança sofrida-
mente na aceitação do seu destino * Professor da Faculdade de Letras
mortal e também no reconhecimen- da Universidade de Coimbra
to de uma antropologia do limite. Curador da Casa da Escrita (Coimbra)
Porém, essa gradativa conversão a
uma antropologia do limite, que vai
de par com a assumpção da respon-
sabilidade pelo exercício do livre-ar-
PENSAR
FORA DA
CAIXA
A IMPORTÂNCIA
DAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS PARA
A ECONOMIA NACIONAL

30 RL #34 | OF I C I N A D O S S A B E R E S I M P R E S S Õ E S
comunicação e tecnologia, as duas Os curadores tornaram-se hoje
linhas do tecido com que se unem personalidades centrais da cultu-
as diferentes gerações. Cada peça, ra, ao lado da comunidade criati-
cada acontecimento, cada marca, va. Um conceito cada vez mais lato
cada espetáculo, tem mais do que que inclui muitas das pessoas em
um interface com o público e pas- quem confiamos para nos mostra-
sou a viver muito para lá do seu rem aquilo que de mais interessan-
ambiente, seja ele temporal ou es- te está a acontecer. Programadores
pacial. de espaços, chefs que reinventaram
Por isso, navegar adquiriu todo um a gastronomia, radialistas, diretores
outro sentido, a nossa própria na- de projetos editoriais: a curadoria
vegação pessoal entre ilhas, portos. serve de apoio a essa navegação
Fazemo-lo nos festivais, onde di- real. Promovem encontros, ofere-
versos palcos competem pela nossa cem-nos uma visão crítica, sele-
atenção ao mesmo tempo. Numa cionam, fazem-nos descobrir por-
rua em que metade das portas são menores, correntes dentro de um
lojas e a outra são galerias. cenário alargado. São produtores
Muitas vezes, antes do artista, há de uma experiência. As peças que,
Já não faz sentido a utilização do um conceito-contentor, uma ideia por vezes, na engrenagem dos dias,
JOÃO BARROS*

termo “navegar” quando se está a mobilizante que nos chama a aten- nos passam despercebidas.
falar da internet. Não porque Pessoa ção. Deparamo-nos com isto quando Uma das nossas funções é expli-
se chateie muito com isso, mas por- temos que, enquanto organizado- car este conceito a quem interage
que há já muito tempo que deixou res de um evento, responder ao de- connosco, providenciar o contexto,
de existir um botãozinho on / off safio de inventar novas formas de porque este é o tema da nossa pró-
que nos separasse da rede, e já nem incluir mais conteúdos ou explorar xima edição que acontece em abril.
precisamos de estar assim tão guar- um formato que já está estabeleci- Uma conferência, uma exposição,
necidos para a utilizar. do e cruzá-lo com outros. Estamos, um festival com novos projetos mu-
Agora que as novas plataformas se no fundo, a questionar o nosso pa- sicais e um acompanhamento em
transformaram no acesso contínuo pel. diversos meios que potencia tudo
ao mundo, deixámos de utilizar a o que criarmos durante o fim de
internet com um propósito defini- A Experimenta Design, a Trienal semana.
do. Tornámo-nos abertos a distra- de Arquitetura, o Próximo Futu-
ções, dispostos a seguir trilhos que, ro, o Estaleiro: muitos dos proje- Coimbra é cidade anfitriã, pelo
a cada passo, têm centenas de pos- tos culturais mais interessantes da eixo de parceiros institucionais e
sibilidades diferentes. Passámos a atualidade são agregadores, tra- pelo convite que fazemos à comuni-
organizar e selecionar os nossos zem referências de outros, servem dade, mas também pela partilha de
próprios conteúdos, a levá-los con- para criar públicos, dos que estão redes de contactos e pela importa-
nosco. E muito por causa dessa por- a aprender a navegar até aos que ção de know-how, serviços e ideias.
tabilidade, é assim que passámos a estão simplesmente a tentar nave- Fazê-lo agora porque é urgente jun-
encarar a nossa experiência na vida gar por entre a crise. Muito para tar curadores, criadores, decisores,
real, é assim que nos conectamos lá de um simples serviço educativo, investidores e públicos. Mas fazê-lo
com a cultura, o entretenimento esse esforço começa na estratégia de forma informal, promover con-
ou o jornalismo. de promoção. E é possível perceber versas laterais, abri-lo à construção
É boa altura para explicar porque também que, nos últimos tempos, e interpretação pública.
é que este texto está a aparecer o que tem unido estas marcas é a Aviso à navegação: em ano de crise
por aqui: desde 2010 que estamos vontade de desenhar programas a do capital e de capital em crise, há
a produzir em Coimbra um projeto médio-prazo, narrativas contínuas uma janela de oportunidade para
chamado Pensar Fora da Caixa, uma que nos fazem, enquanto audiên- pensar cultura para uma nova ge-
conversação sobre criatividade e cia, querer sempre atracar nestes ração.
indústrias culturais. E discutir es- portos.
tes assuntos na atualidade também E continuam a existir figuras-guia. * Diretor criativo da PR360/curadoria e produ-
significa obrigatoriamente abordar Referências. Faróis. ção do Pensar Fora da Caixa
AVENTURA, CIÊNCIA E SABER NO CENTENÁRIO DA CHEGADA AO POLO SUL

JORNADA NO GELO
SÉRGIO NETO*

Usualmente conhecida pela exube- tas ao hinterland africano, estes ho- Assim, gerou-se o sentimento de
rante fauna que habita o litoral, pelo mens procuraram conjugar aventura uma verdadeira corrida a dois, que
“buraco” da camada de ozono e por e ciência, dimensões que possuem o emocionou vivamente a opinião
algum turismo que busca contempla- denominador comum da curiosida- pública. Sobretudo, porque, a prin-
ções paisagísticas de rara beleza, a de. Mas, sendo filha do seu tempo, cípio, Amundsen planeara dirigir-
Antártida é, nas palavras de um histo- a exploração polar também comun- -se ao Pólo Norte, tendo desistido
riador das explorações polares: “um gou de outros vetores que nortearam quando soube que fora precedido
dos poucos lugares na Terra onde o as viagens ao interior africano, ou por outro explorador: restava o Sul.
poder da Natureza é sentido com tan- seja, o nacionalismo e o imperialis- Temendo que os seus patrocinadores
ta dureza. Longe da costa não existe mo. Com efeito, o orgulho nacional o abandonassem, logo que suspeitas-
vida. É um ambiente clínico, sem do- associado ao ato descobridor inspi- sem da mudança de planos, rumou
enças, animais selvagens ou presença rou o desbravamento, conquista e em segredo à Antártida. Scott tomou
humana, onde a sobrevivência depen- ocupação de novos lugares. De resto, então conhecimento de que não cor-
de da inteligência. Em certos aspetos ao longo de quase todo o século XIX, ria sozinho.
a Antártida pode parecer amistosa o surgimento de Sociedades de Ge- Enquanto esperavam pelo verão aus-
ou, pelo menos, benigna. A neve é, ografia, organizadoras e mecenas tral em abrigos situados na costa,
acima de tudo, uma grande aliada. destas demandas territoriais, acabou ambas as expedições procederam aos
Oferece abrigo, bebida, é um mate- por responder às inquietações ex- preparativos, enterrando alimentos e
rial de construção e funciona como pansionistas europeias. combustível em depósitos ao longo de
uma autoestrada. Trata-se, porém, de Após duas tentativas britânicas go- parte do percurso a fazer em direção
uma perigosa ilusão. A Antártida é radas para atingir o Pólo Sul, duas ao pólo. Estes depósitos permitiriam
um ambiente hostil, onde nada deve novas expedições abalançaram-se reduzir o peso dos trenós, cuja tração
ser tomado por garantido”. ao feito em 1910/12: uma inglesa, foi pensada de maneira diferente pe-
Embora alguns contornos vagos fi- liderada por Robert Falcon Scott las duas expedições.
gurassem nos mapas setecentistas, (1868--1912), composta por oficiais e Os ingleses recorreram a meios tecno-
apenas nos finais do século XIX e marinheiros da Royal Navy, vetera- lógicos modernos, empregando veícu-
inícios do século XX se começaram a nos das tentativas anteriores e diver- los motorizados adaptados à neve, mas
desvendar os segredos do enigmático sos cientistas: zoólogos, geólogos e também póneis e cães. Porém, quan-
continente austral. Grande parte da meteorologistas, os quais dinamiza- do as máquinas falharam e os póneis
OFICINA DOS
SABERES IMPRESSÕES

costa permanecia desconhecida, o vam palestras in loco, no que ficou co- morreram, os homens atrelaram-se
interior um mistério. Diversas expe- nhecido por “Universitas Antarctica”; aos trenós. Por seu lado, os noruegue-
dições sucederam-se – cerca de uma a outra, norueguesa, chefiada por ses confiaram exclusivamente na força
dezena na primeira década do século Roald Amundsen (1872-1928), que canina, empregando animais oriundos
passado – começando a cartografar integrava experientes viajantes po- da Gronelândia acostumados àquelas
|

o novo espaço. Ao mesmo tempo, no lares e até um campeão de esqui. condições climatéricas.
RL #34

outro extremo do globo, a exploração Enquanto a primeira pretendia pro- Ainda que tivessem apostado na tec-
prosseguia a um ritmo não menos fe- ceder a uma série de investigações e nologia centenária e tradicional dos
bril rumo ao pólo geográfico. chegar ao pólo, a segunda tinha o Inuit (esquimós), patente na roupa e
32

Na peugada das viagens oitocentis- pólo como quase único objetivo. no meio de transporte usados, os no-
ruegueses não ignoraram os mais re- mas antes da corrida espacial dos va para a catástrofe da Primeira Guer-
centes contributos de algum discurso anos 50 e 60 do século passado, o ra Mundial, o Tratado da Antártida
científico da época. Não defendia en- empreendimento antártico repre- (1959) tem consagrado a cooperação
tão o antropólogo Franz Boas (1858- sentou o princípio do fim de uma internacional no que à ciência respei-
1942), pioneiro na crítica ao conceito era, na qual heroísmo e ciência om- ta, definindo um território comum de
de raça, que nem sempre uma socieda- breavam, e os homens tendiam a entendimento entre os diversos países.
de tecnologicamente avançada se en- colorir a aventura com propósitos
contra melhor adaptada ao seu meio científicos. Curiosamente, se a explo- * Doutorando da Faculdade de Letras da Univer-
ambiente do que uma outra possuido- ração do sexto continente muito sidade de Coimbra / colaborador do Centro de
ra de menos recursos? Pois a técnica deveu ao orgulho nacional, numa al- Estudos Interdisciplinares do Século XX da Uni-
dos Inuit – hábeis condutores de cães tura em que rapidamente se caminha- versidade de Coimbra – CEIS20
no Ártico – aplicada num ambiente
similar, parecia confirmar a intuição
de Boas.
Deste modo, a 14 de dezembro de 1911,
no coração do mais remoto dos conti-
nentes, naquele lugar onde os meridia-
nos convergem e entronca o eixo ima-
ginário da Terra, Amundsen hasteava
a bandeira do seu país, tornando-se o
primeiro ser humano a atingir aquelas
paragens. Acompanhavam-no quatro
compatriotas e os 16 cães sobreviven-
tes de uma campanha de mais de 1300
quilómetros através do gelo. Igual dis-
tância faltava agora percorrer na via-
gem de retorno ao litoral.
Se Amundsen logrou voltar em se-
gurança, o mesmo não sucedeu com
Scott. Vencido e desiludido, tendo
chegado ao pólo mais de um mês após
os noruegueses, enfrentou com os
quatro companheiros de jornada con-
dições meteorológicas cada vez mais
adversas. Estas ditaram a morte de
todos os membros do grupo, devido à
fome, ao frio e à exaustão, nos finais
de março de 1912, a escassos 18 quiló-
metros de um importante depósito de
provisões. Por outro lado, os seus or-
ganismos tinham sido sujeitos durante
longos meses a uma dieta pobre em
alimentos frescos, naturalmente debi-
litante, numa época em que a Vitami-
na C ainda não tinha sido descoberta.
Mas nem o combate desesperado pela
vida impediu a recolha de algumas
amostras geológicas durante a viagem
de regresso. Ciência e aventura luta-
vam até ao fim contra a fatalidade.
Em última análise, depois das gran-
des conquistas coloniais do século XIX,
ENVELHECER
COM SUCESSO
A ATIVIDADE FÍSICA NA DANÇA
DOS ANOS E DAS IDADES

Ser fisicamente ativo tem sido asso-

RAUL A. MARTINS*
ciado desde tempos imemoriais com
melhores níveis de saúde, melhor
funcionalidade e mesmo maior lon-
gevidade, não só pela comunidade
médica, mas também por filósofos,
educadores e intérpretes de outras
áreas científicas. No entanto, foi ape-
nas na segunda metade do século
passado que surgiram estudos com
características verdadeiramente epi-
demiológicas a afirmarem em defini-
tivo o contributo da atividade física
para a existência de níveis de saúde
positiva. O modelo paradigmático
de relações complexas e biunívocas
entre a atividade física, a saúde e a
condição física, que sustenta todo o
vasto corpo de conhecimento cientí-
fico que tem sido produzido nos úl-
34 RL #34 | OF I C I N A D O S S A B E R E S I M P R E S S Õ E S timos anos, foi apenas publicado no
consensus de 1994. Está, portanto, a menos pronunciada, integram o cento) e EUA (17,4 por cento). Não
falar-se de um tema antigo que tem conceito de qualidade de vida nas sendo este cenário desanimador,
sido alvo de um recente impulso con- pessoas idosas. Importa aqui realçar quando se analisam especificamen-
finado às últimas décadas. as consequências positivas de um es- te as despesas com produtos farma-
Envelhecer com sucesso é um conceito tilo de vida ativo sobre a maioria dos cêuticos e outros produtos/serviços
de difícil definição atendendo à sua fatores atrás elencados, o que confe- médicos não duráveis, verifica-se
natureza multifacetada, derivada de re uma centralidade ímpar à ativida- que Portugal afeta 21 por cento
um conjunto de determinantes bio- de física na melhoria da qualidade do valor acima referido, o que lhe
lógicas, mas também psicológicas e de vida e compressão da morbilida- confere lugar cimeiro entre os pa-
sociológicas. Contudo, permanecer de das pessoas idosas. íses mencionados. Também neste
saudável e autónomo poderá ser o fa- Em Portugal, a prevalência de pes- domínio a atividade física desem-
tor isolado mais determinante para soas com 65+ anos tem vindo a au- penha papel relevante, existindo
um processo de envelhecimento mentar: 13,6 por cento (1990); 16,4 já um corpo robusto de evidência
bem sucedido. Embora consideran- por cento (2000); 18,2por cento científica internacional que aponta
do a dificuldade na caracterização (2010). A faixa das pessoas com 75+ claramente para um aumento ten-
de pessoa idosa - que tem contribuído anos tem igualmente vindo a subir, dencialmente exponencial com gas-
para o surgimento de designações mas a um ritmo superior: 5,4 por tos na saúde, e em particular com o
várias, mais ou menos metafóricas cento (1990); 6,8 por cento (2000); consumo de medicamentos, à medi-
- e de envelhecimento, assim como as 8,6 por cento (2010). Ou seja, en- da que a idade avança, mas de for-
assimetrias existentes nesse mesmo quanto a totalidade de pessoas com ma muito mais pronunciada entre
processo em diferentes territórios mais de 65 anos cresceu 17 por cen- as pessoas idosas inativas.
do globo, ou mesmo entre homens to na década 1990-2000, e apenas A Faculdade de Ciências do Des-
e mulheres, creio que o foco da in- 10 por cento na década 2000-2010, a porto e Educação Física da Uni-
vestigação tem vindo a ser dirigido, e prevalência das pessoas com mais de versidade de Coimbra, consciente
bem, para o papel da atividade física 75 anos aumentou 21 por cento em do seu papel problematizador, tem
na compressão da morbilidade nos cada uma das décadas. O que signi- vindo a fazer um esforço signifi-
últimos anos de vida. Isto é, depois fica que o número de pessoas mais cativo para se afirmar na linha da
de conquistados valores considerá- idosas aumentou na última década frente da investigação sobre efei-
veis de esperança de vida à nascença, a uma taxa que é mais do dobro da tos da atividade física na melhoria
e recordo que em Portugal se situa variação total de idosos. Estes nú- de várias constelações de fatores
nos 79,2 anos (INE, 2010), o pêndulo meros representam, sem dúvida, que concorrem para a qualidade
muda progressivamente da dimen- conquistas sociais importantes. Mas de vida de pessoas idosas. Impor-
são quantitativa para a dimensão colocam, igualmente, um conjunto tando, a esse propósito, destacar
qualitativa do envelhecimento. de desafios, particularmente numa as preocupações com a prevenção
Qualidade de vida significa satisfa- sociedade com as especificidades primordial, primária e mesmo se-
ção com a vida, compreendendo a económicas e sociais conhecidas. cundária das doenças cardiovascu-
funcionalidade efetiva mas também Os custos com os cuidados de saúde lares, com a imunologia ou com os
a perceção de funcionalidade. É, as- são tema com lugar cativo nas dis- custos associados ao consumo de
sim, um conceito pessoal, subjetivo, cussões da área. Os mais recentes medicamentos, de que têm resul-
cujas determinantes são também dados da OCDE indicam que Portugal tado várias publicações em revistas
elas do foro particular. No entanto, gasta 10,1 por cento do PIB nas des- com fator de impacto. Claro que
pese embora esta complexidade, pesas totais de saúde, colocando o há ainda algumas barreiras socio-
que implica alguma falta de rigor na país numa zona intermédia entre os culturais à afirmação da atividade
definição, há fatores como a função mais desenvolvidos economicamen- física no estilo de vida das pessoas
física, o estado de saúde, a energia e te. Senão, vejamos alguns exem- idosas. Mas já não há hoje quem se
vitalidade, a função sexual, a função plos: Suécia (10 por cento), Reino atreva a negar a sua importância, o
emocional, a sensação de bem-estar, Unido (9,8 por cento), Noruega (9,6 que nos reforça o entusiasmo.
a função cognitiva, a função social, por cento), Espanha (9,5 por cento),
a atividade recreativa ou o estatuto Canadá (11,4 por cento), Alemanha * Professor da Faculdade de Ciências do Despor-
económico que, de forma mais ou (11,6 por cento), França (11,8 por to e Educação Física da Universidade de Coimbra
A SSOCI AÇ ÃO D E
PE SQU ISA DO R E S E
UM “PORTO SEGURO” PARA OS E S T U DA N T E S
ESTUDANTES B R A SI L EI ROS
EM CO I M B R A
BRASILEIROS QUE
APORTAM A COIMBRA

RL #34 |
36
OF I C I N A D O S S A B E R E S R I B A L T A
A PEB | CO I M B R A
“Navegar é preciso, Viver…” missão, ser um “Porto Seguro”. dades desportivas (Futebol, Volei-
VIVIANE SILVA CARRICO RODRIGUES*

Ao debruçar sobre as várias inter- Contudo, a Associação tem passado bol), a primeira, realizada todos os
pretações, questões e indagações por constantes mudanças, devido a sábados no Campo de Santa Cruz,
que advêm desta pequena frase, grande mobilidade de seus associa- recebendo a presença de estudantes
apenas, ou só apenas vem a mente dos e dirigentes, embora nunca per- não só brasileiros, mas também de
uma outra simples palavra que é dendo o foco de ser uma associação outras nacionalidades, promovendo
transição. responsável pela integração destes na prática uma efetiva integração.
Só os que já vivenciaram a experi- estudantes a variados níveis. Temos que destacar com muita ên-
ência de migrar, conseguirão ter Entretanto, apesar dos esforços fase a atividade intercultural mais
a sensibilidade de perceber todas através da criação de novas par- conhecida da APEB, que se realiza
as mais variadas sensações e senti- cerias (por exemplo, com SDDH/ no Centro Cultural Dom Dinis to-
mentos que trás um momento de AAC - Secção de Defesa dos Direitos das as sextas feiras, com a Banda
transição, sendo principalmente Humanos da Associação Académica Forrócatu/Sambajah, formada en-
os de dúvida, medo, saudade, ex- de Coimbra, Projeto Saudar-Graal tre associados da APEB.
pectativa, esperança, felicidade, e é Coimbra, Associação Mais Brasil Por tudo isto, a Cidade de Coimbra
justamente aqui, neste turbilhão de no Porto, entre outras) e após algu- e a UC ganham com o trabalho que,
sentimentos, que o “viver” do verso mas conversações e reuniões com a apesar de todas as barreiras, a APEB
(“navegar é preciso, viver…”) ganha Reitoria da UC, Faculdade de Direito ao longo destes anos vem desenvol-
realmente significado. da UC e Embaixada do Brasil, uma vendo. Lembrando que para toda e
A cidade de Coimbra e sua famosa das grandes batalhas é ainda a fal- qualquer informação sobre estas e
Universidade são multiculturais. No ta de sede-física, que impossibilita outras atividades, a APEB recomen-
primeiro Semestre do ano letivo de a dignificação de um melhor apoio da a navegação pelo sítio http://
2011/2012 a Universidade de Coimbra aos estudantes brasileiros. Estima- apebcoimbra.webs.com/, bem como
(UC) acolheu alunos estrangeiros -se que 10 por cento dos alunos da o envio de dúvidas, pedidos, suges-
provenientes de 42 países diferen- UC, sejam oriundos do Brasil, por tões e ideias para o apebcoimbra@
tes e foi considerada, em 2011, a isso, a falta de sede, bem como ou- gmail.com, estando também no
melhor universidade portuguesa no tras questões como a burocratiza- Facebook.
“QS Top World University Rankings”, ção e o tempo irrazoável do deferi-
tendo como peso valorativo nesta mento dos vistos de estudos, entre O lema ao chegar neste porto que
classificação o número de estudan- outros, trás todos os anos imensas é a APEB, é muito simples: embar-
tes internacionais. dificuldades de se proporcionar que connosco nesta viagem de in-
uma efetiva integração destes estu- tegração intercultural, respeitando
A APEB-Coimbra dantes. as diferenças e usufruindo o que
A Associação de Pesquisadores e Apesar de muitas barreiras, tem-se Portugal, e especialmente Coimbra
Estudantes Brasileiros em Coimbra conseguido com a atual Direção através da UC, têm de melhor.
(APEB-Coimbra) nasceu em 2004, realizar atividades como conferên-
com um espírito de entreajuda e a cias e sessões de esclarecimentos ao * Presidente da APEB-Coimbra,
constatação de uma necessidade de longo do ano, sempre tendo como Jurista e Mestranda pela
melhor acolher os muitos estudan- tema as necessidades vivenciadas Faculdade de Direito da
tes brasileiros, tendo sempre como pelos estudantes brasileiros; ativi- Universidade de Coimbra
C E N T RO DO M A R
E A M B I E N T E DA
U N I V E R S I DA D E D E
CO I M B R A
JOÃO CARLOS MARQUES*
PRESENTE E FUTURO

IMAR
O IMAR – CMA (Centro do Mar e Am- costeiras, rios e sistemas agroflores- europeu, refletida na participação

OF I C I N A D O S S A B E R E S R I B A L T A
biente da Universidade de Coimbra) tais associados a estes ecossistemas. em muitos projetos de investigação
constitui uma Unidade de I&D (in- Têm também sido investigados os financiados pela União Europeia, e a
vestigação e desenvolvimento) multi- processos hidrológicos a nível de colaboração regular, de caráter aca-
polar – cuja formação recua a 1991 bacias hidrográficas, assim como os démico, com instituições do outro
– com núcleos estabelecidos na Uni- riscos associados à erosão costeira, lado do Atlântico, nos Estado Unidos
versidade de Coimbra, sua sede, na nomeadamente na sua relação com da América e Canadá.
Universidade Nova de Lisboa e na as alterações climáticas. Em ambos Sobretudo nos últimos cinco anos, é
Universidade de Évora, congregan- os casos associa-se a monitorização de salientar ainda o incremento da
do ainda investigadores do Instituto de longo prazo à modelação na cons- colaboração com países da América Lati-
Politécnico de Coimbra, Escola Su- trução de cenários de desenvolvi- na, nomeadamente com o Brasil, envol-
perior de Ciências e Tecnologias do mento. vendo a formação a nível doutoral
Mar do Instituto Politécnico de Leiria, Em colaboração estreita com inves- de estudantes brasileiros no IMAR-

|RL #34
Universidade Aberta (Lisboa) e Uni- tigadores da área da economia, tem -CMA e a realização regular de cur-
versidade do Algarve. vindo a ser desenvolvida, nomeada- sos intensivos, na área da avaliação
O objetivo central do IMAR-CMA é mente nos últimos cinco anos, in- e gestão de qualidade ambiental
o desenvolvimento de investigação vestigação na área dos serviços dos oferecidos, com colaboração de in-

38
fundamental e aplicada no domínio ecossistemas, integrando as perspeti- vestigadores do IMAR, em universi-
das Ciências do Mar e do Ambiente, vas ecológica e económica na gestão dades brasileiras (por exemplo, São
tendo como alvo primordial, mas destes. Paulo, Minas Gerais e Paraíba), as-
não exclusivo, a abordagem integra- O IMAR-CMA tem sabido promover sim como no México e Costa Rica.
da dos ecossistemas costeiros e ba- e manter um favorável contexto de Finalmente, nos últimos três anos, o
cias hidrográficas. investigação, no qual produção de co- IMAR-CMA acarinhou a formação
Procura-se, a um tempo, atingir pa- nhecimento e formação académica de um grupo de investigação em
drões de excelência internacionais e – Mestrado, Doutoramento e Pós- Biologia Polar, em colaboração es-
proporcionar respostas científicas e -Doutoramento – se desenvolvem pa- treita com o British Antarctic Survey,
técnicas a solicitações de entidades ralelamente a uma atividade regular o qual é já talvez o mais ativo a nível
públicas e privadas nas áreas de a) de transferência de resultados para a nacional, tendo merecido diversas
avaliação e gestão de qualidade am- sociedade. É exemplo desta o papel distinções a nível internacional.
biental, b) uso otimizado dos recur- determinante desempenhado por Por tudo isto, o IMAR-CMA tem
sos aquáticos e c) desenvolvimento grupos de investigação do IMAR- confiança no seu futuro como Uni-
de estratégias de conservação e pro- -CMA no quadro da implementação dade de I&D, apesar do contexto
teção de recursos biológicos. da Diretiva Quadro da Água a nível sombrio e de grande incerteza que
Neste contexto, os seus grupos de in- nacional e o seu já evidente envolvi- Portugal presentemente atravessa.
vestigação têm vindo a debruçar-se mento na implementação da Direti-
sobre a compreensão dos processos va Estratégia Marinha Europeia. * Professor da Faculdade de Ciências e Tecno-
subjacentes às caraterísticas e con- Tal tem permitido a internaciona- logia da Universidade de Coimbra/ Coorde-
dição ecológica de estuários, lagoas lização das atividades no contexto nador Científico do IMAR
A ECONOMIA SOLIDÁRIA,
OS INVESTIGADORES SOCIAIS E A CRISE
PEDRO HESPANHA* E LUCIANE LUCAS DOS SANTOS**

Economia Solidária é uma designa- pensamento crítico do modelo eco- trabalhadora, no século XIX – foi-se
ção recente e ainda pouco usada em nómico dominante e na avaliação institucionalizando, ou seja assumin-
Portugal. Numa aceção muito gené- positiva das inúmeras iniciativas que do um papel reconhecido e apoia-
rica, ela engloba uma diversidade de visam democratizar a economia e do pelo Estado, à medida que este
atividades económicas, formas de desenvolver alternativas socioeconó- foi assumindo crescentes funções
produzir, trocar e consumir, basea- micas mais justas, mais democráticas providenciais. Da Economia Social
das em relações de cooperação e em e mais sustentáveis, através do traba- fazem parte, hoje, as cooperativas,
princípios de gestão democrática, lho cooperativo e solidário. as mutualidades e as associações,
distinguindo-se assim da economia A solidariedade que dá corpo a estas embora parte da dimensão política
de mercado que predomina larga- iniciativas é uma solidariedade entre destas iniciativas se tenha perdido.
mente nas sociedades contemporâ- iguais, entre pessoas e grupos que As iniciativas mais espontâneas, ino-
neas, baseada em relações de compe- partilham os mesmos problemas e vadoras e democráticas, mais difíceis
tição e em princípios de valorização aspirações e não se confunde, por- de enquadrar institucionalmente,
do capital. tanto, com a solidariedade, de base foram ficando de fora e a Economia
Muitas dessas formas têm raízes for- religiosa ou laica, fundada nos valo- Solidária tornou-se assim a designa-
tes no passado, como é, a título de res da caridade, do altruísmo ou da ção comum destas formas emergen-
exemplo, o caso do trabalho comu- filantropia. A ética empresarial, a tes ou das formas tradicionais não
nitário ou da entreajuda camponesa, responsabilidade social das empre- enquadráveis.
das iniciativas populares solidárias, sas, o empreendedorismo social e o Não sendo um fenómeno recente, a
do mutualismo rural ou operário, voluntariado social são as expressões Economia Solidária é hoje uma rea-
das cooperativas nas suas diferentes mais comuns deste outro tipo de so- lidade fulgurante em todo o mundo
modalidades ou da produção auto- lidariedade, assimétrica e paternalis- vivida por milhões de pessoas e tor-

OFICINA DOS SABERES


gestionária. Outras são mais recentes ta. Coexistindo muitas vezes e tendo nada objeto de estudo nos currículos
e surgem, mais ou menos espontane- ambas um papel relevante a desem- académicos e matéria de extensão

CIÊNCIA REFLETIDA
amente, de situações críticas para a penhar, a sua génese, filosofia e tra- universitária. O seu crescimento ex-
existência das camadas mais vulne- jetória são bem distintas e em certa ponencial em muitos países mostra a
ráveis da população em que é neces- medida concorrentes. inventividade da sociedade civil para
sário encontrar as respostas que o Existe também uma diferença, neste promover mecanismos de justiça
mercado não dá juntando esforços e caso menos clara, entre a Economia económica quando os instrumentos
trabalhando em conjunto como no Solidária e aquilo que se tem desig- políticos e económicos formais não
caso dos clubes de troca, das moedas nado de Economia Social, ou seja o fazem. Embora com características
|

sociais ou do comércio justo, entre organizações destinadas a prestar muito próprias nos países em que se
RL #34

uma infinidade de empreendimen- serviços aos seus membros ou à co- estabelecem, os empreendimentos
tos possíveis. Outras, enfim, são so- munidade, com autonomia de gestão solidários têm pontos comuns que
luções alternativas à economia capi- e controlo democrático, em que o lu- os distinguem de outras iniciativas
talista pensadas e inventadas no seio cro é um objetivo secundário. Tendo e lhes conferem uma importante
40

de organizações e movimentos sociais uma origem comum, a Economia dimensão política: a autogestão, a
contra-hegemónicos, inspiradas num Social – que surge da luta da classe criação de rendimento e trabalho, a
repartição equitativa dos resultados Sociais, Trabalho e Desigualdades paradigma atual, de responder à cri-
e a perspetiva não-capitalista. (POSTRADE), o ECOSOL/CES inte- se que se agudiza. Neste sentido, o
O interesse cada vez maior pela ressa-se pelos aspetos epistemoló- trabalho associado como opção para
Economia Solidária, bem como sua gicos, teóricos e metodológicos da a reprodução material da vida não
expansão no contexto de uma glo- Economia Solidária enquanto obje- só recupera a conceção de trabalho
balização contra-hegemónica nas to de investigação. Na sua aborda- como direito (em lugar de mero bem
mais diversas partes do globo, am- gem do tema, não só procura dia- de mercado), como ainda confronta,
pliam uma série de interrogações, logar com saberes que conformam de forma criativa, os despedimentos
seja quanto ao lugar do Estado no fo- e fortalecem a Economia Solidária e falências cada vez mais comuns,
mento destas iniciativas, seja quanto enquanto campo epistemológico, derivados de uma opção continuada
às relações entre elas e mercado, ou como também analisa a margem de pela valorização do capital.
ainda quanto aos desafios da orga- autonomia das formas económicas Sem dúvida que outros modos de
nização da produção e do consumo não-capitalistas que caracterizam pensar a economia se mostram ne-
segundo princípios não-capitalistas. os empreendimentos solidários. De- cessários e urgentes à medida que
O grande arsenal de questões que a bruça-se, ainda, sobre as alternativas a crise se instala e as instituições
originalidade dessas iniciativas sus- metodológicas que permitem a com- económicas (incluindo o dinheiro
cita explica o aparecimento, no âm- preensão do fenómeno da Economia como instituição monetária) per-
bito das Ciências Sociais e, particu- Solidária em diferentes escalas e dem a confiança dos cidadãos. É nes-
larmente em contexto universitário, contextos políticos. Temática cons- te contexto que uma infinidade de
de investigações, grupos de estudo, tante nos debates do ECOSOL/CES, alternativas recuperam e reforçam
colóquios, projetos de extensão e a questão metodológica tem mobili- o sentido do coletivo que a socie-
outras atividades académicas sobre zado o grupo, que pretende iniciar dade foi perdendo, conferindo-lhe
o tema, muitas vezes envolvendo os dentro em breve um mapeamento força política e valorizando recursos
próprios ativistas e movimentos so- nacional da Economia Solidária, em que a racionalidade dominante fez
ciais. parceria com outros centros de in- por estancar. Dos circuitos de tro-
Neste sentido, foi criado no Centro vestigação portugueses. ca com moedas sociais ao trabalho
de Estudos Sociais da Universidade Convém reconhecer que, para além associado, as iniciativas solidárias
de Coimbra – Laboratório Associa- do interesse académico que a Eco- despertam hoje o interesse tanto das
do, em 2008, por iniciativa de estu- nomia Solidária possa suscitar, o universidades quanto das forças po-
dantes de pós-graduação e investi- seu maior contributo parece ser líticas que acreditam que uma outra
gadores, um Grupo de Estudos de o de comprovar a possibilidade de economia seja possível.
Economia Solidária - o ECOSOL/ modos concretos e alternativos de
CES - para debater questões relati- produção, comercialização, crédito
vas aos múltiplos aspetos e temáticas e consumo. Da mesma maneira, ela * Professor da Faculdade de Economia da Uni-
do campo da Economia Solidária, permite interpelar o próprio con- versidade de Coimbra / coordenador do Grupo
procurando enriquecer e renovar a ceito de trabalho, transformado em ECOSOL/CES
teoria que sobre ela se produz. Par- mero fator de produção na socie- ** Investigadora de pós-doutoramento e mem-
te integrante do Núcleo de Políticas dade contemporânea e incapaz, no bro do Grupo ECOSOL/CES
42
RL #34
AO LARGO
44 RL #34 | AO LARGO
ENTREVISTA

Músico, compositor,
intérprete e ensaísta,
António Pinho Vargas venceu
a 9.ª edição do Prémio Universidade
de Coimbra (UC), por ter, nas pala-
vras do reitor João Gabriel Silva,
“o perfil de alguém que o merece”.
Além de uma profícua e reconhecida
carreira ligada à música, com
experiências diversificadas desde o
jazz à música erudita
contemporânea, tem-se
dedicado ainda à investigação,
sendo professor na Escola
Superior de Música de Lisboa e in-
vestigador do Centro de
Estudos Sociais (CES) da UC.
Nesse contexto, publicou
recentemente o livro
“Música e Poder:
Para uma Sociologia da Ausência da
Música no Contexto Europeu”, em
que se resume a sua dissertação de
doutoramento. Licenciado em His-
tória e diplomado em composição,
compôs óperas, música para teatro
e filmes, gravou álbuns e publicou
© Miguel Manso, Público

livros. Criador de melodias e de


reflexões sobre elas, António Pinho
Vargas não se perde em
saudosismos ou lamentos nacionais:
antes rema contra eles, de humil-
dade na partitura dos dias e debate
social na voz da investigação.
ANTÓNIO para todos os efeitos, eu, sendo uma espécie de outsider,
no CES, senti pouco isso. As sessões de trabalho com o

PINHO VARGAS professor Boaventura eram inesquecíveis, porque era a


inteligência viva à minha frente, e em movimento, em
PRÉMIO UNIVERSIDADE DE COIMBRA ação. Eu saía de lá com os meus neurónios aos saltos. Às
vezes parava naquele café da Praça da República, para
escrever umas coisas, para além de gravar as conversas.
Em segundo lugar, e apesar de estar pronta já em 2009,
entreguei a minha tese quase no fim de 2010. Pelo meio,
eu, que tinha decidido regressar com meio horário à
Escola Superior de Música de Lisboa, onde sempre fui
professor, fui convidado pela Faculdade de Letras da UC
e dei aulas durante um ano, ao curso de Estudos Artís-
ticos. Dei aulas a 40 pessoas num semestre e, depois, a

“ESTE É mais seis ou sete, num Mestrado, no segundo semestre.


Aquilo cansava-me muito, porque eram quatro horas de
aulas entre duas viagens, e uma pessoa com a minha ida-

UM PRÉMIO
de também tem de começar a pensar de que forma pode
ser útil daqui até à reforma, como professor, não é? Dei
as minhas aulas de forma intensa, como me é próprio, e

PARA TUDO.
cerca de 20 alunos comoveram-me imenso no dia da de-
fesa da tese, porque decidiram faltar às aulas, combinar
entre si, vestir os seus fatos de estudante e assistir a esse

PARA UMA
momento. No fim, estenderam-me as capas e, parecendo
que não, não estou habituado a isso com os meus antigos
alunos. Não estou habituado a ser tratado desta maneira.

VIDA”
Aí sim, fiquei muito comovido com uma atitude vinda de
pessoas que foram minhas alunas durante seis meses e
que me mandaram e-mails a agradecer as aulas, sendo
que estas até eram, por vezes, não muito simpáticas para
eles. O facto é que marcou-os, de alguma forma. Alguns,
ainda hoje, enviam-me mensagens a dizer que têm sau-
Na nota que colocou no seu perfil do Facebook, após a dades das minhas aulas. É impressionante. A minha liga-
divulgação da atribuição do Prémio UC, escreveu tra- ção à UC tem a ver com esses dois aspetos: por um lado,
tar-se de uma distinção que muito o honra e comove, pelo professor Boaventura, pelo CES e por aquela forma
por “todas as razões afetivas, racionais e irracionais, simbólica de agradecimento dos meus alunos, a quem
por cima das quais paira a forte ligação à Universidade aproveito para mandar um abraço, por esta via.
de Coimbra”. Que ligação é esta?
Não é uma ligação muito antiga, mas é forte na mesma. Afirmou, ainda, que este Prémio reduzia a sua “peque-
Não se baseia na antiguidade; baseia-se, em primeiro na, ínfima possibilidade de, simplesmente, agradecer”.
lugar, na minha relação com o CES e com o seu dire- Ficou surpreendido quando soube que era o vencedor?
tor, que foi o meu orientador, o professor Boaventura de Muito surpreendido. Não estava, absolutamente, nada à
Sousa Santos, com quem tive o enorme prazer de traba- espera. Em 2008, quando estreou a minha ópera Outro
lhar muitos anos na minha tese de doutoramento. Fim, e no mesmo ano em que foi editado o meu disco
O CES é um centro muito grande, muito prestigiado, Solo, tinha feito uma aposta com o Miguel Lobo Antunes.
com muita gente, onde fui muito bem acolhido, desde Disse-lhe: “Nunca ganharei um prémio em Portugal.
o início. Depois, a partir de um certo momento, percebi Nem em Portugal, nem lado nenhum. Aposto contigo.”
que a ligação ao CES também tinha um aspeto psicológi- E mandei-lhe, há uns dias, um e-mail a combinar um al-
co importante: o mundo musical é um mundo pequeno, moço, porque perdi a aposta (risos).
cheio de tensões internas – todos os campos culturais e
científicos têm tensões internas, como [Pierre] Bourdieu Mas 2011 parece ter sido o seu ano… Para além deste
nos ensinou. São lugares de combates, disputas, etc. Mas prémio, a Câmara da Amadora atribuiu-lhe o Prémio
José Afonso pelo disco Solos II. música do passado (estou a falar da música dita clássica)
Perdi a aposta, duplamente. E esse prémio tem um certo que ocupa 90 por cento dos programas das instituições
valor simbólico - um prémio que se chama José Afonso culturais – Mozart, Mahler, os suspeitos do costume. En-
tem de ser uma coisa bonita. Fiquei muito contente com tão, nessa atividade, aumenta a sensação de isolamento,
esse, também. Mas esse é um prémio para um disco, este porque sobre essa área paira aquela suspensão de her-
é um prémio para tudo. Para uma vida. mética, incompreensível, absurda, por parte do público
comum, que prefere ouvir música do século XVIII ou XIX,
Embora também já lhe tenha sido atribuída a comenda ou prefere ouvir música pop e rock. Um tipo fica ali en-
da Ordem do Infante D. Henrique (1995), sente que, talado entre dois monstros – um global e o outro que se
finalmente, dão valor à globalidade do seu trabalho? constitui como uma espécie de dispositivo de animação,
Não posso deixar de sentir isso, neste momento. Depois que torna a vida do criador atual muito difícil. Faço par-
de ter editado os dois discos – Solo e Solo II –, uma revi- te de uma tribo, essa tribo é pequena e está subdividida
sitação da minha música dos anos 1970/80 até meados em numerosas tribos que combatem ferozmente entre
de 1990, pude ver, de 2008 em diante, que havia muita si. Costumo citar uma frase de Pedro Memelsdorff que,
gente, muito mais do que aquilo que poderia imaginar, numa entrevista, em resposta à pergunta “como é que
que gostou dos meus concertos. De facto, esgotaram as vê a música contemporânea?” afirmou que a via como
salas ou, quando não esgotava, estava sempre muitíssima uma espécie de arquipélago enlouquecido, no qual
gente. A reação foi sempre inesquecível, ouvi coisas ines- 600 correntes lutam pela primazia. É uma frase icónica e
quecíveis. E isso quer dizer que aquele meu trabalho de absolutamente certeira. É o que sinto.
há 20 anos atrás tinha deixado marcas superiores àquilo
que pensava. Digo isto na mesma altura em que tinha O seu livro Música e Poder: Para uma Sociologia da Au-
uma certa tristeza por nenhum dos meus discos dos sência da Música no Contexto Europeu (2011), em que se
anos 1980, gravados para a EMI, estarem no mercado. resume a sua dissertação de doutoramento, é bastan-
Os meus discos desaparecem. Tal como acontece, hoje te polémico, no sentido em que critica a vida musical
em dia, com os livros. São coisas diferentes e com um portuguesa, nomeadamente o universo da nova música
público muito específico potencialmente interessado, erudita. Acha que “os portugueses” são os principais
por isso há aqui um problema. A lógica comercial, hoje, responsáveis pela produção da inexistência dos “portu-
faz com que tudo seja mais rápido, o que faz com que as gueses” no contexto europeu?
livrarias estejam cheias de sucessos que são rapidamen- Acho. Têm forte responsabilidade nisso, considerando
te substituídos por outros, enquanto qualquer clássico é que o tal dispositivo de poder dos países centrais, na re-
dificílimo de encontrar. Mesmo a minha tese de douto- lação importação-exportação é amplamente dominador.
ramento, de 2011, de vez em quando procura-se e não Portanto, as instituições culturais portuguesas, tal como
está lá. Nos últimos 20 anos, o centro da minha ativida- as da maior parte dos países do mundo, fazem esse tipo
de não tem sido aquele. Estive sete anos sem tocar, com de programação com o reportório que, atualmente, se
concertos muito espaçados. Em 2002, foi o último antes diz, na área das Ciências Sociais e da Musicologia Críti-
desse hiato, e considero-o uma repetição do do Porto ca, o reportório canónico – lato sensu, de 1900 para trás
2001, com a Maria João, o Rui Júnior e o José Nogueira. (e não muito, indo até século XVIII). Para a minha tese,
Nessa altura, decidi parar. Não tinha tempo, tinha mui- não andei a ver o número de vezes que as peças foram
tas encomendas para fazer, dava aulas, queria compor e, tocadas, porque isso seria um trabalho insano e, prova-
por isso, não fazia sentido continuar a tocar. Não pen- velmente, pouco útil. As coisas medem-se pelo seu valor
sei é que o intervalo fosse de sete anos. A última parte simbólico e aí mede-se pela presença nas Histórias da
da minha vida tem sido para compor a chamada música música que são publicadas fora de Portugal, pela forma
contemporânea. Ora, se já quando eu comecei o jazz era como os compositores portugueses se manifestam face a
uma coisa minoritária, só tocada em certos sítios e que esse problema e, também, através dos discursos dos mu-
um certo sucesso que tive nessa altura, em 1985-87, me sicólogos que escrevem sobre música portuguesa, quer
permitiu fazer concertos para além do âmbito restrito do na sua parte lamentosa quando assumem essa posição,
jazz, a música contemporânea tem o mesmo problema. quer na parte em que lamentam o lugar subalterne da
Uma tribo. Defendo – enfim, não defendo -, na minha música portuguesa. Na verdade, o seu lugar está determi-
tese, que o mundo musical está dividido em múltiplas nado pelos valores do cânone. Limitei-me a analisar todo
tribos que se ignoram razoavelmente. Só a designação um conjunto de discursos e dado objetivo das programa-
“música contemporânea” tem uma carga negativa - tra- ções das instituições. Havia, aqui, várias dialéticas: a lo-
duz a separação entre a música que se compõe hoje e a cal-global e a centro-periferia. Quando comecei a fazer
a tese, a questão do centro e da periferia existia nas ciên- “Como vamos ter pouco dinheiro, vamos ter de recorrer
cias sociais; não existia, como existe agora, no telejornal, mais à produção nacional”, como se este fosse o último
por causa do ataque económico às periferias europeias. recurso, mais barato, mais pobre, não tão cosmopolita.
Começou, justamente, quando estava a acabar a tese. Limitei-me a aplicar àquilo que ele disse, o aparelho de
Portanto, de repente, algum vocabulário que parecia um análise que explica como os responsáveis portugueses
pouco fora das preocupações comuns das pessoas, pas- encaram o papel da produção musical face ao todo, na
sou a ser discurso corrente em Portugal. Nesse sentido, sua visão do mundo.
há aqui uma coincidência curiosa. Mas, na verdade, quer
esteja no discurso, quer não esteja, o problema existe. Trabalhou, no passado, como assessor de instituições:
E no campo cultural, o problema existe com total evi- na Fundação de Serralves, entre 1994 e 2000, e no Cen-
dência. Ao mesmo tempo, havia uma espécie de ceguei- tro Cultural de Belém (CCB), entre 1996 e 1998. Isso
ra, criada pela ideia universalista que domina o campo fê-lo perceber melhor a engrenagem interna das coisas?
musical e o campo cultural em geral, que é uma ideia Foi marcante, pois permitiu olhar do lado de fora, do ar-
partilhada pela maior parte dos agentes, nomeadamente tista, mas sobretudo do lado de dentro, de como se pensa
compositores. Não estou só a falar dos responsáveis cul- dentro das instituições. Percebi, de facto, que às vezes
turais; nós próprios, como professores, temos tendência basta uma pessoa, num determinado lugar, para mudar
a cometer esse tipo de erros, e por isso, há uma zona em a orientação de uma instituição. Fazê-la considerar coi-
que me incluo, numa perspetiva autorreflexiva, entre os sas que não eram consideráveis, tornar plausíveis ideias
produtores da ausência, face às minhas funções de pro- que, antes, pareciam completamente loucas. Tudo isto
fessor. É evidente que, depois de ter feito a tese, ganhou ao mesmo tempo que há uma enorme angústia pela falta
uma evidência uma determinada questão que já, pelo de financiamento, questão típica que envolve a cultura
contrário, combate a ausência e a subalternidade. em Portugal. Esse caso das declarações de Vasco Graça
Moura só tem relevância na medida em que é uma de-
Recentemente, ilustrou essa tese da ausência portugue- monstração a posteriori daquilo que digo na tese: é que,
sa provocada por ela própria, com uma afirmação de na verdade, a maior parte dos programadores culturais
Vasco Graça Moura em entrevista ao jornal Público: rege-se por critérios universalistas e considera aquilo
“Numa linha muito genérica, posso prever que seja ne- que, no âmbito dessa colaboração, me foi perguntado:
cessário recorrer mais à produção nacional. Mas não “Quem é que você vai trazer cá?”. A pergunta não foi
me queria comprometer quanto a isso. Se as coisas se “o que é que vai fazer com o que há?”. Aliás, eu não trou-
tornarem muito difíceis, essa pode ser a conclusão ne- xe cá ninguém, mas a pergunta em si ilustra aquilo que
cessária.” estou a dizer. A análise do discurso é rica, porque vê no
Essa ideia – a de “se houver dinheiro no orçamento, con- dito aquilo que não foi dito. É o dispositivo que melhor
tinuaremos a importar produções mais caras ‘lá fora’ - nos permite penetrar os valores interiorizados e por isso
sempre se fez, como sempre se faz em menor ou maior semi-invisíveis.
proporção. Isso é uma visão provinciana – de um lado,
é uma espécie de um extremo provincianismo filosófico É notório, então, que “as instituições culturais portu-
que procura elevar Portugal à categoria, a que o profes- guesas se preocupam mais em fazer boa figura perante
sor Boaventura costuma chamar, “historiografia mítica” o europeu do centro do que com a ideia de que este é
ou “psicanálise mítica” do destino português: Portugal um veículo da nossa cultura”…
como país dotado de um destino, como se os outros não “Lá fora” fazem boa figura, porque pagam caro. “Lá
tivessem o seu próprio destino. Do outro lado, há uma fora” ninguém sabe o que se passa em Portugal. Mesmo
subserviência, que é muito mais difícil de detetar, por- relativamente à economia, existe agora, porque está qua-
que está interiorizada. E essa parte foi não só analisa- se a ir abaixo. Só se fala nessa circunstância. Mas mesmo
da pelo professor Boaventura, mas em muitos livros do quando uma peça de um compositor de um país central
Eduardo Lourenço, nomeadamente aquele que eu subli- é tocada em Portugal, isso só é notícia se vier um críti-
nharia: Nós e a Europa ou as duas razões. Só o título ilustra co francês, alemão ou inglês, cá, que depois escreve no
essa ideia: nós e a Europa, como duas coisas separadas. Le Monde de la Musique. Não é preciso a [Angela]
O discurso de Vasco Graça Moura mostra um lado que Merkel e o [Nicholas] Sarkozy para fazer com que o eixo
parece bom senso – parece; nesta história da sociologia, franco-alemão funcione, há décadas, como eixo central
o que parece, no fim, deixa de parecer. Passa a ser um no qual assenta a vida cultural europeia, especialmente
sintoma de qualquer coisa. E, portanto, não me admira no campo musical e no campo da música contemporâ-
aquilo que ele disse e que parece elementar bom senso: nea. O sucesso “lá fora”, imaginado pelo programador
cultural, não existe. Não há sucesso nenhum. Posso re- curso tem de ser substituído. Cada um de nós tem de as-
correr ao conceito da não-inscrição, do José Gil: “Em sumir responsabilidades. Essa frase, que recortei de um
Portugal, nada se inscreve”. Posso estar errado nalguns Jornal de Letras, serve para me lembrar de uma espécie
setores, mas se nada se inscreve aqui, como é que se há de lema para não me esquecer da maneira como os por-
de inscrever noutro sítio qualquer? E a ideia de sucesso tugueses se veem a si próprios. Portugal é uma sociedade
“lá fora” é uma ficção. Chego à Universidade de Durham, como as outras. Têm coisas boas e coisas más. Tem mui-
entro nos motores de busca dessa universidade, escrevo tas pessoas admiráveis e muitas pessoas não admiráveis.
“Portugal” ou “Portuguese music” e aparecem-me dois ou Agora, tudo isto de que temos estado a falar é vivido por
três artigos, alguns sobre fado, alguns sobre a ligação do nós com uma dor particular que também tem a ver com
fascismo ao fado, alguns sobre música antiga portugue- a nossa história e com a forma como é contada a nossa
sa, porque uma inglesa gravou não sei o quê… Parcial- história.
mente para minha surpresa, aquilo mostrou que a coi-
sa ainda era pior do que pensava. Em Portugal, temos O país vive uma óbvia profunda crise económica e fi-
ideia de que o Fernando Lopes-Graça é um compositor nanceira, o que tem provocado alterações profundas no
importante da história da música portuguesa do século quotidiano dos portugueses. Como é que encara os cor-
XX . Julga que em Inglaterra alguém conhece o Lopes- tes profundos que estão a afetar os campos científico e
-Graça? Alguém ouviu, alguma vez, alguma peça do cultural e a perda de peso de um setor tão importante
Lopes-Graça? É que nem sabem da existência dele. Um como o da cultura, efetivado no desaparecimento do
musicólogo inglês a quem expliquei o que estava a fa- ministério que a tutelava?
zer, na tese, ficou estupefacto com a existência de Lopes- Isso representa várias coisas negativas. Trabalhei no
-Graça. A reação foi: “Quem havia de dizer que Portugal CCB, na altura em que o Ministro da Cultura era o
tem um Béla Bartók!”. Para eles, Portugal não tem nada. Manuel Maria Carrilho. De ano para ano, havia um cor-
Outros países periféricos têm problemas, mas julgo que te no financiamento. Não ter nunca atingido o famoso
Portugal é o país periférico da Europa que tem mais pro- um por cento do orçamento de estado, revela muito so-
blemas, que foi mais aceite como natural que não existe. bre a atividade cultural, em geral… Em Portugal, quan-
Por isso é que nas duas Histórias da Música principais do se fala de cultura, fala-se de dinheiro. Há aqui uma
que nós adotamos aqui, o único português que aparece é ligação intrínseca. Portugal - por exemplo, no campo da
o rei D. João V, que não é compositor, como se sabe. Vem música - vivia com uma única instituição forte no ativo,
lá porque, num dado momento, contratou [Domenico] que era a Fundação Gulbenkian. Isso dava-lhe um esta-
Scarlatti, compositor canónico do século XVIII, para vir tuto hegemónico, naturalmente. A partir dos anos 1990,
dar aulas à sua filha. É num percurso biográfico de um a coisa mudou bastante, porque foi criada uma série de
compositor canónico importante que aparece Portugal instituições culturais: CCB, Culturgest, Casa da Música,
na História da Música. Porque num dado momento, ele etc. Estas infraestruturas tiveram uma grande importân-
passou por Lisboa. Caso contrário, Lisboa não passava cia nesta área, porque passaram a permitir a existência
pela História da Música Ocidental, de Richard Taruskin de lugares para muitos artistas apresentarem o seu tra-
ou de Donald Grout. Esta realidade é dura de enfren- balho. Tiveram, no campo musical em particular, uma
tar: se consultarmos esses livros, passa-se a assumir que importância especial porque retiraram à Gulbenkian a
Portugal não existe. sua posição hegemónica. Com parceiros no terreno, au-
mentou a diversidade, que é sempre desejada. Este go-
Durante 30 anos, teve colada na parede da sua cozinha, verno sendo um governo ultra ou neo-liberal ou o que se
a frase de Almada Negreiros: “Coragem, portugueses, queira, associado a uma visão económica do mundo que
só vos faltam as qualidades.” Que verdade vê nela? é comandada pelo capital especulativo financeiro, não
(risos) Ainda hoje me faz rir. E é uma frase que expres- tem nas suas prioridades a atividade cultural. E quando
sa uma boa parte daquilo que está na tal zona interiori- tem, é porque dá dinheiro. A posição deles é muito sim-
zada na maneira negativa como nós nos olhamos a nós ples: o estado deve retirar o máximo das coisas. Ao reti-
próprios. Para além de ser extraordinariamente cómica, rar, deve deixar o mercado fazer as suas escolhas. Ora, o
faz um apelo à coragem, mas como quem diz: “Vocês, mercado regula-se pelo lucro dos produtos. E por isso, a
aí, os portugueses!”… Ele devia dizer “nós”, também é existência única de um mercado comum, regulador da
português. Aliás, esse é um artifício que os portugueses atividade cultural seria pavorosa para a atividade cultu-
usam, falam dos portugueses como se cada um deles fos- ral no mundo inteiro. Há uma coisa chamada indústria
se outra coisa. Arranjam uma espécie de absolvição de si cultural que tem como centro, neste momento, e ainda,
próprios, dizendo que isto é um “país horrível”. Este dis- os EUA, e que produz uma série de coisas: filmes, séries,
jogos de computador e música pop, rock anglo-america- rem dinheiro e a cultura é um incómodo. Sobretudo, a
na, que tem uma denominação global. Esta denomina- cultura das artes minoritárias. Que crime gastar dinhei-
ção quando é negociada politicamente, como foi no caso ro com a cultura! Nós, os artistas, somos um conjunto de
das negociações GATT (General Agreement on Tariffs and criminosos aos olhos desta posição política e económica.
Trade), resulta mal: os americanos acusaram os alemães Nada a fazer. A realidade das medidas é, na realidade, en-
e os franceses, que estavam a defender o direito à sua fraquecer progressivamente a atividade cultural. E naque-
especificidade cultural, de serem provincianos, pessoas las que mantêm os seus orçamentos com alguma solidez,
fechadas. O argumento cosmopolita veio a favor daquilo como é o caso do CCB, mesmo assim, quando há proble-
que é uma denominação imperial de uma certa visão do ma, aparece o português como salvador da programação.
mundo. Eles querem manter a possibilidade de exportar Ter uma grande temporada internacional é o leitmotiv de
para o mundo todo, que têm, e ao mesmo tempo impor todo o programador. Há uma quase exclusividade, uma
barreiras à importação. Quando os outros querem fazer proporção de 90 para 10 por cento. Isto não pode ser. Difi-
o mesmo, chamam-lhes provincianos, que é o maior ata- culta a vida dos artistas locais, impede-os de crescer - por-
que que se pode fazer a um responsável cultural portu- que só se cresce no palco. É cortar as pernas dos artistas,
guês. Por isso, ele compra, compra e compra, em enorme antes de eles terem começado a atingir um determinado
autocontentamento. plano. Vejo isto como uma catástrofe.

É um autocontentamento falacioso? Qual seria, então, a solução?


Sim, como estamos a ver. Compra aquilo que lhe é dado Caberia às esquerdas, que têm outra perspetiva do papel
a comprar. Não escolhe, sequer. A principal função do do estado como garante de diversidade cultural, repensar
responsável cultural é estar a par das revistas das várias as suas práticas. Não tomar como garantido que tudo o
áreas culturais e saber o que é que deve trazer cá. E, pelo que fizeram no passado está bem feito, principalmente,
contrário, ele devia estar atento era ao que se passa cá den- acompanhar os subsídios que são atribuídos… Tem de ser
tro e imaginar que a sua ação iria passar a ser dirigida encontrado um equilíbrio no perigoso aparecimento do
no sentido da troca cultural e não na compra sistemática. estado como polícia que vai interferir na programação
Isto é fácil de dizer, mas muito difícil de realizar. As insti- cultural de determinadas instituições, porque ninguém
tuições portuguesas são totalmente inaptas em relação a tem o exclusivo ou a ideia única sobre aquilo que deve
essa troca cultural, não conseguem negociar: compram, ser apresentado. Tem de haver diversidade, sobretudo.
mas não vendem nada de jeito. Nunca. Este diálogo não Os diretores de algumas instituições não se deveriam per-
existe. Uma pessoa que dirige uma instituição cultural em petuar nos cargos. Quando uma pessoa está muitos anos
Portugal não tem nas suas funções a exportação. As me- numa determinada função, tem uma série de convicções
didas que se tomam nesta direção são sempre ineficazes, e é da natureza das coisas que se mantenha firme nessas
não chegam a passar da linha do governo, não se tradu- mesmas. A solução é haver circulação de pessoas na di-
zem em nenhuma ação e quando se tenta fazer isso, ela reção das instituições. Devia haver pequenas coisas asse-
é apropriada por um pequeno grupo que a usa em seu guradas, independentemente de quem exercesse o cargo.
favor. Vejo com muita dificuldade o papel do ministro da Isso, sendo uma espécie de consenso interpartidário, é
cultura como “grande educador da classe operária” (ri- algo impossível em Portugal. Por isso, basta que um presi-
sos). Neste momento, já nem existe a classe operária, há dente da câmara não aprecie algo, para aquilo desapare-
um neo-proletariado, dizem, que é constituído pela maior cer daquela cidade. Se ele gosta, é aquilo que se faz. Não
parte das populações do mundo, tirando os super-ricos devia haver tanta dependência e tanta assunção de poder
que controlam o capital global especulativo. A nova ge- por parte das pessoas que num dado momento estão nos
ração de políticos, de neo-liberais, por mais evidente que cargos. Deviam encarar como um serviço a prestar a uma
seja que o que faz dá mau resultado, não ouve. O neo-libe- comunidade e não como um meio de poder de decisão.
ral é tão surdo como o antigo comunista – antigo ou novo. É um erro crasso.
Só quando levar com uma grande chapada da realidade
em cima, é que eventualmente vai mudar. Aquilo nem Por falar em erros, o seu nome apareceu, por lapso,
sequer é uma teoria económica sustentável, é uma cren- numa polémica petição da Sociedade Portuguesa de Au-
ça próxima do religioso. Para essa geração de políticos, tores (SPA) - por quem é, aliás, representado - que reivin-
a cultura ou é um elemento decorativo de determinada dica uma “rápida revisão” da Lei da Cópia Privada “que
cerimónia ou qualquer coisa da qual eles não têm conhe- contemple remunerações sobre os suportes, aparelhos e
cimento. São profundamente incultos, na maior parte dos dispositivos de armazenamento digitais”.
casos. Não lhes interessa, são homens de negócios. Que- Fui envolvido nisso, estupidamente. Escrevi logo uma
carta a dizer que julgava ser um erro terem usado uma
coisa de janeiro, assinada há um ano, sobre o direito de
autor (que é um princípio que defendo), mas de forma
descontextualizada, como se fosse subscritor de algo
bem diferente. É evidente que metade dos nomes que
lá figuram, nem sequer sabem que lá estão, porque se o
critério foi esse, usar os mesmos nomes para um projeto-
-lei que a maior parte das pessoas desconhece – como é o
meu caso –, foi incorreto por parte da SPA. No meu caso,
reconheceram o erro e retiraram o meu nome. Quando
vi, achei um disparate. No entanto, do outro lado, está
também gente muito atenta, que provavelmente repre-
senta interesses razoavelmente obscuros. Comecei a
perceber que o lobby poderoso que está a atacar a SPA
e o projeto-lei do PS se movimenta com enorme capa-
cidade. Numa manhã, recebi telefonemas de inúmeros
órgãos de comunicação social. Não é normal que este
erro tenha desencadeado tamanha curiosidade… Há
aqui um combate subterrâneo à SPA. Não quero tomar
posição em relação ao projeto-lei, porque não o conhe-
ço. Aqui, quer a SPA, quer a outra entidade obscura têm
interesses que desconheço. Seguramente, são interesses
económicos. Basta ver o exemplo da Megaupload que,
sob a sua prática aparentemente libertária dos conteú-
dos, estava a meter dinheiro ao bolso. Quando há uma
reação com esta violência, é de estranhar. Disponibili-
zei a informação relativa ao Prémio da UC e ninguém
me telefonou (risos); qualquer coisa que mexa com a
possibilidade de ataque à SPA, já move mundos e fun-
dos. Aí, percebi: something’s going on. E, por isso, meus
amigos, comigo não contam. Tenho muitas críticas a fa-
zer à SPA, de outra ordem, e nalguns casos fi-lo publica-
mente. É uma sociedade de autores cheia de problemas,
como todas as outras no mundo.

Afirmou, certa vez, que “os músicos não têm profissão,


têm uma vida.” Que vida é esta, a do músico António
Pinho Vargas?
Diria que nem todos serão assim, para começar. Alguns
encaram como uma profissão. Quando digo isso, que-
ro dizer que ocupa todo o espaço principal do ser no
mundo. Em termos prosaicos, para mim não há sába-
dos, nem domingos, nem feriados, nem nada. A minha
vida é a música: é compor, estudar piano, e é assim há
muitos anos. À ideia de profissão está associada uma
espécie de trabalho chato, para usar o velho conceito
marxista de alienação: uma pessoa trabalha para rece-
ber o seu salário e poder viver, mas não se revê no seu
trabalho de uma forma criativa, como qualquer coisa
na qual se sente bem a 100 por cento. Na música, uma
atitude destas não tem sentido. Por isso, é que digo isso:
é uma vida, é tudo.
52
RL #34 | AO LARGO
RETRATO DE CORPO INTEIRO
RICARDO NAMORA

ENTRE O HUMILDE E O
GRANDE
MARTA POIARES
(como se sabe, um dia as paixões serão memória, está uma biografia de uma estória. Apesar de nunca ter
pedidas no banco, como empréstimos a Louis Pasteur, mas é a colecção de sido obrigado a seguir nenhum ca-
termo certo e com juros elevadíssimos, o policiais de bolso da editora Olho minho específico – “os meus pais,
que irá de certeza dissuadir muito boa de Lince, descansada na estante de muito sabiamente, sempre deixa-
gente de se meter em trabalhos) * casa da bisavó, que ocupa a melhor ram caminho aberto às minhas
recordação: “Adorava aquilo. Devo escolhas, de forma livre e despre-
O nome de Ricardo Namora pode, tê-la lido integralmente”. Com a ocupada” -, aos 13 anos, conta, fi-
ainda, não se encontrar na História ânsia de ler, veio a vontade de es- cou com o destino praticamente
de letra maiúscula, mas a estória crever: “Parece um pouco lugar-co- traçado: “Os testes psicotécnicos
dele inscreve-se todos os dias num mum e um pouco auto-promoção que fiz, na altura, desaguaram nas
futuro para contar. Nos olhos de dizer que sempre tive aquela ur- Humanidades, de uma forma tão
quem divide o coração entre fute- gência em escrever, mas é verdade. inegável, que era impossível fugir”.
bol e literatura, lê-se o entusiasmo Sempre escrevi”. Para Ricardo, era Apesar de não ter figurado nos ca-
ingénuo de quem experimenta um apenas substância da sua auto-edu- minhos que a psicologia escreveu,
pouco de tudo e se dedica, por in- cação, um modo natural de expres- o futebol ocupava, também, o lado
teiro, ao que faz. são própria. esquerdo de Ricardo. Afinal, toda
Nasceu em Coimbra e por aqui se Natural era também o futuro. Nun- a sua família se movia nesse cam-
manteve, desde sempre. A litera- ca perdeu tempo a pensar nele, po: “Habituei-me, de miúdo, a ir ao
tura desde cedo o acompanhou, limitou-se a ir escrevendo cada pa- futebol. O meu pai foi jogador, os
num âmbito familiar. Na primeira rágrafo, como quem conta (mais) meus tios foram jogadores e treina-
dores (da Académica e de outros sí- era uma vida vazia, pouco activa so- do que é exercer advocacia. Gosto
tios), de modo que era muito difícil cialmente. E, depois, também não de argumentos e de justificações,
passar ao lado”. dei o salto de qualidade que me mas os que são usados pelos profis-
Médio no campo de futebol, prima permitisse arriscar naquela profis- sionais do direito são, muitas vezes,
pela excelência no campo da vida. são. O meu pai, aos 24 anos, teve vazios”. Mudou-se, de livros e as-
Talvez por isso mesmo, não tenha uma lesão grave e nunca mais pode pirações, para o curso de Línguas
apressado ambições ou dado passos jogar. Tinha desistido de tudo res- e Literaturas Modernas (Inglês-
em falso, em momentos cruciais de to, em favor daquela carreira, logo, -Francês), da Faculdade de Letras
decisão. Em 1992, entrou na Facul- teve de começar do zero. Não que- da UC (FLUC). “ No fundo, tinha
dade de Direito da Universidade ria isso para mim. Decidi deixar sido aquilo que sempre tinha dese-
de Coimbra (UC), e em 1993, co- o futebol profissional e continuei jado. Na altura, não tomei essa de-
meçou a ser jogador profissional de a jogar apenas em clubes semi- cisão, mas tomei-a mais tarde e foi
futebol, integrando a equipa de se- -profissionais. Passei por vários: muito acertada. Ambas, aliás: dei-
niores da Académica. Nenhum des- Mealhada, Mirandense, Sourense, xar o futebol profissional e mudar
tes caminhos se revelou certeiro e, Pampilhosa, etc. Treinava apenas de curso”.
num misto de prudência e astúcia, ao fim da tarde, quatro vezes por Nos primeiros tempos, andou um
Ricardo Namora decidiu mudar de semana, e ia às aulas”. A mudança pouco perdido, mas cedo percebeu,
vida: “Primeiro, decidi que a vida estendeu-se mesmo à área académi- pelas notas mais elevadas, que Cul-
de futebolista profissional não era ca e Ricardo decidiu mudar de cur- tura e Literatura eram as suas áreas
uma vida que queria. Na altura, so: “Tinha uma ideia romantizada de interesse. O 3.º ano do curso viria
mesmo a mudar-lhe o rumo,
quando se cruzou com a disci-
plina de Teoria de Literatura:
“Foi amor à primeira vista. Tive
um ano completamente reali-
zado por ter descoberto uma
coisa de que gostava realmen-
te”. De coração à flor da pele,
Ricardo não deixou a paixão a
meio e prosseguiu nesse senti-
do: “Quando cheguei ao final
do curso, desejei fazer mais al-
guma coisa naquela área espe-
cífica. Foi-me aconselhado um
programa que há na Universi-
dade de Lisboa, de Teoria da
Literatura, e acabei por ir, em
2001”. Insatisfeito crónico, e de-
pois de obter o grau de mestre,
em 2004, procurou continuar:
“Aprendi tanto nesses três anos
em que lá estive, que acabei
por seguir para doutoramento
no mesmo programa”. A meio
do processo, em plena fase de
trabalho solitário no momento
de elaboração da tese final, e
dado que, em rigor, nunca ti-
nha saído de Coimbra – por ser
o futebol a sua fonte de rendi-
mento -, Ricardo decidiu tirar
outro mestrado na FLUC, em
2008, desta feita em Literatura
Portuguesa.
Com a idade da revolução de
Abril, Ricardo Namora não
se considera revolucionário.
Apesar disso, e depois de ter-
minada uma fase de estudos,
publicou a sua tese de mestra-
do em Literatura Portuguesa,
em forma de livro, sob o am-
bicioso nome de “40 anos de
Teoria da Literatura em Portu-
gal”, um título que, por si só,
agita as águas da área. Apesar
de nunca ter sido feito nada do
género, o autor não o conside-
ra um livro histórico: “É mais
um apanhado geral, foca mais
argumentos do que História”.
Proposta pelo Centro de Lite-
ratura Portuguesa (CLP), onde trabalha hoje em dia, como investigador, a publicação do livro, em Maio de
2011, deu a oportunidade a Ricardo de estar lado a lado de Vítor Aguiar e Silva, autor da “bíblia” da Teoria da
Literatura, algo que não se perde nos confins da lembrança: “Quando conheces uma pessoa e ela tem tanto peso
institucional, pedagógico e teórico como ele tem, ficas preso às suas palavras. Inspira-me muito. Tem uma sofre-
guidão de saber e, ao mesmo tempo, uma capacidade extraordinária de actualizar os seus próprios argumentos,
sem perder coerência. Gostava de ter tido o privilégio de o ter conhecido mais cedo”.
Depois de um percurso de excelência, nos estudos, veio o inevitável vazio. Ricardo decidiu, então, apresentar
um projecto pós-doutoramento na FLUC, orientado por Irene Ramalho e Osvaldo Silvestre, e que assenta no
“diálogo/confronto de dois movimentos antagónicos da teoria da interpretação”, projecto que, tendo sido aceite
pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, irá ocupar os próximos três anos.
Criador e intérprete de novos mundos, Ricardo Namora também traduz realidades de outrem. Depois de ter
traduzido “Sherlock Holmes, histórias apócrifas” (O. Henry; Bret Harte; John Kendrick Bangs), no bolso, está
uma tradução bilingue das cartas de Napoleão a Maria Luísa da Áustria: “Napoleão sempre me fascinou. Num
mundo feito de regras, haver uma pessoa que parece que vem do nada e que muda a história por completo…
É uma ambição tão desmedida, tão assombrosa, que é admirável”.
Desmedida é também a vontade de Ricardo, que se vai escrevendo, por inúmeras linhas, em diversas frentes. Em
Outubro de 2011, lança o seu primeiro “romance-não-romance”, “Lexicon”, pela Lápis de Memórias. E memória
parece ser mesmo a palavra certa para falar deste projecto que, pronto desde 2002, passou por processos de
reescrita durante dois/três anos. “Narrativa puzzle para ler em voz alta”, assim descrito, “Lexicon” é o projecto
“egoísta” do autor: “Por norma, acabas por encontrar um espaço de negociação entre aquilo que queres fazer e
aquilo que achas que deves fazer, com vista a um destinatário. Isso não acontecia comigo. Nunca tive a intenção
de o publicar. Era um livro para o eu-leitor”.
No futuro da escrita, está agora um projecto que aliaria o melhor dos seus dois mundos: “Uma colecção de his-
tória jornalística sobre a Académica, com uma imagética bem definida, que reflicta o período pós-25 de Abril.
Foi um período que marcou, para sempre, a história da Académica e de Coimbra e do qual pouco se fala”.
Para já, continua como investigador do CLP e professor convidado pelo Departamento de Línguas, Literaturas
e Culturas, da FLUC, para dar a disciplina de Introdução aos Estudos Culturais, aos alunos do primeiro ano.
Estar do outro lado do espelho é importante para Ricardo Namora, que diz querer desempenhar a tarefa como
os bons professores com quem pôde – e vai podendo - aprender o ofício.
Não só do outro lado do meio académico está Ricardo. Também no futebol, passou para fora do campo. Ainda
que não seja novidade, desta feita, tem um sabor especial: desde o ano passado que é o treinador da secção de
futebol da Associação Académica de Coimbra, clube formado exclusivamente por estudantes universitários.
“Joguei futebol durante 23 anos e joguei a vários níveis, o que me permite ensinar. Não sou uma pessoa extra-
ordinária, mas quero alertá-los para algumas coisas. Guiá-los”. No campo ou fora dele, Ricardo Namora não
desiste de ir para além dos diários Cabos Bojadores: “Gosto de arriscar, trabalhar, aperfeiçoar todos os dias -
como em tudo na minha vida”.

* In “Lexicon”, Ricardo Namora


N U N O
C A M A R N E I R O

60 RL #34 | AO LARGO
CRIAÇÃO LITERÁRIA
BEIJAR O MAR

Um pai atravessa o oceano e morre longe da gente. Um me na cama do velho, alguma coisa haveria de entender.
pai a menos. O sono veio embrulhado de águas, um vaivém de ideias e
“Arredem-me o mar que quero voltar para casa”. Foram corpo, a cama feita barco, ou náufrago, ou homem bêbe-
as palavras que lhe ouviram, depois morreu. do. De manhã cedo a luz pelo telhado falido e o calor a
Nunca chegámos a saber o que o fez partir. Uma carta empurrar-me para fora.
deixada na mesinha de cabeceira, uma mãe em lágrimas Molhei os pés e lavei a cara de sal, quieto num espanto
e nós meninos pendurados da saia em perguntas de jan- de dia, à beira de qualquer coisa que me escapava. Pensei
tar. em peixes arrimados ao cimo de ondas, olhando a terra e
Tínhamos poucos anos e aprendemos a calar. Minha mãe pensando na vida.
fez-se homem e trabalhou mais e deu-nos de comer e Aproximou-se um homem sujo a rir com poucos dentes.
nunca mais cantou. “Menino, você é a cara do português!” E ria, e veio para
Não chegaram outras cartas, só aquela tão tardia. O pai mim.
que eu não tinha estava morto num lugar. Perguntei-lhe se o conhecia, se me podia ajudar a com-
Escolhi um verão e fui atrás dele. Disseram-me onde jazia, preender, a mulher, quem era essa mulher?
terra chã de cruz em cima, aquilo um pai. E o homem riu muito mais, e deu passos de dança até cair
Era uma pequena cidade costeira, a casa abandonada na areia e eu sentar-me a seu lado.
junto à praia, miserável, sem tratos de mulher. Garrafas “Seu pai era homem sem mulher, rapaz, era doido so-
vazias, roupas esburacadas, um colchão imundo e os bi- zinho mesmo. Bilhete? Que bilhete? Isso era coisa da mão
chos a tomar conta. dele. Todo o dia o português vinha para a praia, assim
Abri as gavetas e espreitei o armário, alguns documentos, que nem você, e se adentrava no mar como fosse coisa
cartas do banco, uma fotografia de família (de quando feminina. Depois, quando a água chegava na boca dele,
ainda sabíamos sorrir) e um maço de bilhetes. A letra ele fechava os olhos e beijava o mar, doido daquilo, pare-
desenhada em muitos redondos, excessiva, corações in- cia até sexual!”.
fantis a servir de assinatura. Encontros marcados, outros Fiz-lhe mais algumas perguntas, mas o homem não disse
adiados, “hoje, no lugar que é nosso”, “beijinhos para o mais nada. Imitava os beijos do meu pai e ria e cantava até
meu benzinho”, enjoos desses, coisas de menina ou puta se levantar e desaparecer longe na areia.
de qualquer idade. Demorei-me ali a imaginar a loucura que haveria de
Saí dali e andei às voltas, imaginando-me trinta anos mais herdar. Uma doença de águas e um amor tão despropor-
velho, tolo de palmeiras e de uma mulher vulgar. Que cionado. O meu pai era louco, mas talvez não fosse parvo.
pai parvo deixaria a minha mãe por uma galdéria de O mar tão perto, o vento quente, o contrário de nós. Não
corações? era coisa de ser normal, mas podia um homem perder-se
Dirigi-me ao centro da cidade, bebi algumas cervejas e daquilo.
perguntei. O falecido português, que vida a dele? Foram- Levei o resto das coisas para a casa da praia e fiquei à
-me dizendo pouco, que andava por ali, à pesca e aos co- procura de uma história para contar. Algumas semanas,
pos, um resto de homem que nem se entendia. alguns meses, até me esquecer.
Passei pelo hotel a buscar lençóis e fui para a praia deitar- Afinal aquilo não era coisa de contar.
A I N T ER N ACI O N A L I Z AÇ ÃO
U N I V ERSI TÁ R I A E O B R A SI L

Não foi um acaso que colocou dos povos diferentes, para “viver
Portugal e Brasil lá onde estão no dos projetos vastos e dos horizon-
mapa do mundo. Assim como “o tes distantes”. Estas características,
Egito é um dom do Nilo” na conhe- que lhe permitiram ser o primeiro
cida síntese de Heródoto, também protagonista da primeira globaliza-
se poderia dizer que o Brasil, tal ção, não lhe serviram de muito no
como aconteceu, é um dom dos alí- momento de se arrumar na casa eu-
seos que o colocaram a meio do ca- ropeia, tornada demasiado peque-
minho marítimo mais curto, com a na para quem está habituado aos
tecnologia da época, entre a Europa grandes espaços. Faltou-lhe, para
e o Oriente. Portugal e Brasil aconte- utilizar as sábias expressões de
ceram como tinham que acontecer, Sérgio Buarque, saber dar valor ao
nos territórios que já lá estavam “esforço lento, pouco compensador
há milhões de anos à espera que e persistente” e “tirar o máximo
alguém cumprisse o seu destino proveito do insignificante”. Reco-
e fizesse deles o arco primeiro de nhecer que “a parte pode ser maior
uma ponte transatlântica de liga- que o todo” não é, definitivamen-
ção entre a Europa e a América do te, um dos seus maiores atributos.
Sul, construída sobre fundações E diluiu-se no todo europeu, sem
geográficas tão profundas que os sequer ser capaz de o adocicar com
ventos da história nunca poderiam a sua essência.
abalar. E foi preciso deixar passar o tempo
Não que não tivessem tentado. Para para que Portugal percebesse que
apenas referir os mais recentes, os dois destinos não são incompa-
quando Portugal finalmente termi- tíveis. Teve que viver a fase do bom
AO LARGO CRÓNICA

nou o seu ciclo colonial e se virou aluno, teve que aceder aos fundos
para a nova aventura da integração de coesão, de os utilizar umas vezes
europeia, rápido como quem tem bem e outras nem tanto, teve que
receio de perder a boa onda e vir- assumir duas presidências indiscu-
tuoso na arte meio esquizofrénica tivelmente bem sucedidas, teve que
de oscilar entre extremos, jogou mostrar ser capaz de fazer crescer
62

fora e fingiu esquecer o património o seu PIB real, entre 1995 e 2010, a
da sua própria identidade, forjada um ritmo superior ao da Alemanha
|
RL #34

em séculos de atrevida curiosidade ou da França, teve que fazer eleger


pelo desconhecido, numa vontade o seu Presidente da Comissão Eu-
muito própria de espreitar atrás de ropeia e o seu Vice-Presidente do
todos os bojadores, numa reconhe- Banco Central Europeu, teve que
cida apetência para se aproximar participar na criação do Euro e
acreditar que aguentaria conviver apontam para 47 milhões de brasi- escapar da “armadilha da renda
FERNANDO SEABRA SANTOS *

com uma moeda forte, teve que co- leiros) na classe média baixa, por média”. Com efeito, apesar dos
nhecer os primeiros desgostos e os efeito das políticas sociais levadas a avanços proporcionados pelas polí-
primeiros dissabores no interior da cabo sobretudo desde 2003, com o ticas sociais ativas dos últimos go-
família europeia para se dar conta governo Lula. vernos, os resultados são bem mais
que o seu peso relativo dentro da O sucesso de uma política de equi- dececionantes se nos reportarmos
Europa dependia em larga medida líbrio, que permitiu favorecer lar- a índices de padrão de vida indivi-
do que já era antes de entrar. No ir gamente os interesses do capital dual (63.º na lista de PIB per capita),
e vir da onda e com o pessimismo financeiro nacional e internacio- de bem-estar económico e social
de sempre, é nessa fase que se en- nal, por um lado, e por outro criar (84.º na lista do Índice de Desen-
contra neste momento. ou alargar uma série de programas volvimento Humano), ou de distri-
A evolução recente do Brasil é igual- direcionados aos segmentos mais buição da riqueza (139º na lista do
mente impressionante. Quinto mai- pobres da população brasileira pro- Índice de Gini). O acesso recente
or país do mundo em extensão, jetou o Brasil na cena política inter- dos brasileiros a um plano de rela-
herança da colónia, fez dela a sexta nacional. O fantasma de De Gaulle, tivo bem-estar interno e de consi-
maior economia do planeta depois de quando afirmava que “o Brasil é deração internacional sem prece-
ter ultrapassado, em 2009, o Canadá um País de futuro, e sempre será!”, dentes na sua história só terá maior
e a Espanha, em 2010 a Itália e, em parece estar, definitivamente, exor- significado quando puder ser me-
2011, o Reino Unido. Quando, em cizado. O momento histórico foi dido pelo lugar que o País ocupa
2003, o acrónimo BRIC foi inven- bem aproveitado pelo sentido de no ranking dos índices de padrão
tado para designar um conjunto oportunidade e pelo carisma pes- de vida, em associação com uma
de Países emergentes (Brasil, Rús- soal do ex-Presidente Lula, através distribuição da riqueza efetuada
sia, Índia e China), previa-se que a de conhecidas e mediatizadas in- com menos iniquidade. O aumento
economia brasileira ultrapassasse tervenções nos encontros de líderes de autoestima proporcionado pelo
a italiana por volta de 2025 e as mundiais (“this is our man”, assim bom momento que o país atravessa,
economias britânica e francesa a o bajulou o homem mais poderoso justa recompensa por tantos anos
partir de 2035. Todas estas previ- do mundo), mas parece radicar em de laboriosa e mal remunerada ex-
sões de crescimento se revelaram razões menos conjunturais e ter pectativa deve, pois, ser consumido
conservadoras. A França deverá ser resistido bem à transferência de com moderação, para não se trans-
alcançada em 2014 e a Alemanha poderes no Brasil. Provam-no, pelo formar em excesso de arrogância,
antes do final da segunda década. fato em si mesmo e pelo conteúdo, que não fica bem ao país das fa-
Esta evolução reflete sobretudo o o discurso de Abertura da 66.ª As- velas e só atrapalha no momento
efeito conjugado de dois fatores: sembleia Geral das Nações Unidas, de dançar o samba. A exagerada
a avidez da economia chinesa por pela primeira vez na história profe- confiança nas suas atuais possibi-
matérias-primas, de que o Brasil rido por uma mulher, a Presidente lidades pode, igualmente, inibir a
dispõe com abundância e a entra- Dilma Rousseff, em setembro de vontade política de avançar com
da de grandes segmentos da popu- 2011. as reformas necessárias em setores
lação brasileira pobre (os estudos Mas o Brasil ainda não conseguiu que constituem os maiores entraves
ao seu desenvolvimento, tais como grandes) fragilidades da economia espaços é considerada parceira e
as infraestruturas e a educação, e brasileira. De passagem, reconheça- a existência do MERCOSUL e da
que não devem deixar de ser equa- mos que o exemplo da integração CPLP são, simplesmente, ignora-
cionadas. europeia não entusiasma ninguém, das.
No auge da sua afirmação no mun- neste momento.
do e acreditando-se em trajetória Mas, quaisquer que sejam, no futu-
monótona ascendente por muitos Da resolução desta alternativa, en- ro, a forma e a composição das vá-
mais anos, o coração do Brasil e tre julgar-se com dimensão e mo- rias regiões económicas, a impor-
a consequente definição das suas mento para tentar a fuga sozinho tância e a valorização de cada País
estratégicas de desenvolvimento ba- ou procurar apoios em outros par- dentro da região a que pertence
lança, neste momento, com evi- ceiros para descolar do pelotão em dependerá sempre, em larga medi-
dentes consequências em nível da fuga coletiva dependerá, em larga da, da inf luência que consiga ter
orientação das políticas para o medida, o futuro de estruturas in- fora dela ou, dito de outra forma,
ensino superior, entre a assunção tegradoras como o MERCOSUL, a dos laços que, por seu intermédio,
da sua posição internacional in- CPLP ou a União de Nações Sul- seja possível estabelecer entre as
dividual de potência emergente, -Americanas (UNASUL). várias regiões. Nesta perspetiva,
privilegiando um modelo de inter- cabe uma referência especial ao
nacionalização semelhante ao dos No que diz respeito à política papel que países como os nossos,
Estados Unidos, da China e do Japão universitária, esta indecisão en- e as respetivas universidades, po-
ou a adoção de uma estratégia de tre duas vias de desenvolvimento dem desempenhar como pilares
equipa, favorecendo a criação de manifesta-se, por uma lado, com de uma ponte transatlântica en-
espaços integrados de conhecimen- a criação da UNILA, a Universida- tre a América Latina e a Europa,
to mais alargados, optando por ser de Federal da Integração Latino na concretização de uma política
na América Latina, por um lado e Americana, em janeiro de 2010, integrada de aproximação ibero-
no mundo lusófono, por outro, o considerada como uma verdadei- -americana, identificada como um
que a Alemanha é (ou deveria ser) ra Universidade do Mercosul e da dos objetivos centrais de várias
na Europa: entre privilegiar a sua UNILAB, a Universidade Federal Cimeiras ibero-americanas de Che-
posição de membro dos BRICS ou de Integração Internacional da fes de Estado e de Governo, que
de membro do Mercado Comum Lusofonia Afro-Brasileira, em de- até já lhe deram um nome: Espaço
do Sul (MERCOSUL) e da Comu- zembro de 2010, e por outro, com Ibero-Americano do Conhecimen-
nidade dos Países de Língua Por- as opções tomadas pelo Programa to.
tuguesa (CPLP). A evolução dos Ciência sem Fronteiras, em julho de
últimos meses parece evidenciar a 2011, oportunidade única e irre- Temos, portanto, de um lado um
preferência do Brasil pela primei- petível para cimentar um Espaço país deprimido e do outro um país
ra destas opções que, no entanto, Integrado do Conhecimento na eufórico. Mas um olhar mais aten-
pode ter que vir a ser reequaciona- América Latina ou no mundo lu- to mostra uma realidade que não
da se a atual crise do sistema vier a sófono, em que virtualmente ne- se compagina com uma diferen-
por a nu as (apesar de tudo ainda nhuma universidade destes dois ça tão diametralmente oposta de
estados de alma. Com efeito, entre cedo para garantir que estes ciclos mar estas duas dificuldades numa
1995 e 2008, intervalo escolhido terão chegado ao fim. oportunidade para a diplomacia
para não incluir a década negra da universitária, que pode dar uma
superinf lação no Brasil, o Produto É necessário saber tirar partido de forte contribuição para a resolu-
Interno Bruto (PIB) nominal bra- mais esta complementaridade. Do ção do problema.
sileiro e o português, expressos em extenso leque de iniciativas que
dólares correntes, aumentaram respondem a esta especificação Mas independentemente da fase
aproximadamente o mesmo valor e vão ao encontro desta linha de em que estivermos das oscilações
(116,4 por cento para o português preocupações, poderei referir a económicas e/ou psicológicas en-
e 114,9 por cento para o brasilei- necessidade de criar mecanismos tre os dois Países, o Brasil assumiu
ro). Mas retirando o efeito da in- de colaboração entre incubado- definitivamente o estatuto de eco-
f lação, portanto em termos de PIB ras universitárias de empresas dos nomia latinoamericana dominan-
real em moeda corrente america- dois Países. Algumas das empresas te, num espaço que é hoje a casa
na, a situação é muito mais dese- spin-off criadas nas incubadoras de mais de 600 milhões de pesso-
quilibrada com vantagem para o universitárias brasileiras podem as, quase nove por cento do total
lado português, com um aumento ter interesse em expandir as suas da população do planeta. Cabe-
de 46,8 por cento contra uma di- atividades para Portugal, e logo -nos a nós, portugueses, acreditar
minuição de 26,5 por cento para o para a Europa, e o inverso aconte- nas qualidades que os outros nos
Brasil. No período 2008/2010, esta ce, sem dúvida, com spin-off’s uni- reconhecem e tentar tirar partido
posição inverteu-se. Enquanto o versitárias portuguesas. O acordo delas fazendo a síntese presente
PIB real do Brasil em dólares cor- entre Universidades dos dois pa- entre os nossos dois passados, no
rentes subiu 11,4 por cento, o de íses será mais uma boa forma de caso vertente, atravessando uma
Portugal diminuiu 10,7 por cento. fazer funcionar a ponte. vez mais e fazendo outros atraves-
sar a ponte entre a Europa e o Brasil,
O percurso dos dois Países tem Nos anos 1980, um número signifi- mostrando aos europeus o cami-
inúmeros episódios de oscilação cativo de odontologistas brasileiros nho do Brasil e aos brasileiros o
desfasada de prosperidade e de procurou instalar-se em Portugal, caminho da Europa. A consciente
humor, parecendo até que uma com as dificuldades que são co- assunção por parte das Universida-
qualquer lei da História, ainda nhecidas. Foram os anos em que a des portuguesas e brasileiras desta
não postulada, proíbe os portu- balança estava inclinada no senti- realidade pode desempenhar no
gueses e os brasileiros de partilha- do da Europa. Na atualidade é a processo um papel de grande cen-
rem momentos de comum alegria economia brasileira que necessita tralidade.
ou de comum tristeza. E, embora a de técnicos qualificados e profes-
trajetória do Brasil seja agora me- sores, que existem em excesso em
nos frágil do que era em passados Portugal. Sem entrar em polémi- * Professor da Faculdade de Ciências
recentes e não se perspetivem fa- ca sobre as recentes declarações e Tecnologia da Universidade de Coimbra
cilidades para a economia portu- do primeiro-ministro português a Professor Visitante da Universidade
guesa nos próximos anos, ainda é este propósito, podemos transfor- de Brasília
66
RL #34 | AO LARGO

LUGAR DOS LIVROS

Título: Reescrever o Pós-Moderno Título: Direitos Fundamentais Título: Acordo Ortográfico 2011
Autor: Jorge Figueira da Arena Global O que mudou no
Edição: Dafne Autora: Suzana Tavares da Silva português europeu
Coleção Equações de Arquitectura. Edição: Imprensa da Universidade Autoras: Isabel Poço Lopes, Ana
Porto 2011 de Coimbra Teresa Peixinho
Série Ensino. Coimbra 2011 Edição: Imprensa da Universidade
Título: Margem de Certa Maneira. de Coimbra. Coimbra 2011
O maoismo em Portugal - 1964-1974 Título: Música Portuguesa – panorama,
Autor: Miguel Cardina interpretação, esperanças. Título: Da Bolsa e suas operações
Edição: Tinta-da-China. Lisboa 2011 Autor: José Eduardo Martins. Autor: Ruy Ennes Ulrich. 2.ª edição
Edição: Imprensa da Universidade revista e anotada por Maria Eugénia
Título: Academic Writing in Portugal. I. de Coimbra Mata, David Justino e José Carlos
Discourses in Conflict Série Documentos. Coimbra 2011 Rodrigues da Costa
Autora: Karen Bennett Edição: Imprensa da Universidade
Edição: Imprensa da Universidade de Título: A Individuação da Sociedade de Coimbra
Coimbra Moderna Série Documentos. Coimbra 2011
Série Investigação. Coimbra 2011 Autor: Edmundo Balsemão Pires.
Edição: Imprensa da Universidade Título: Orações de Sapiência
Título: A popularização de Coimbra 1548-1555
da cultura republicana Série Ensino. Coimbra 2011 Prefácio e Organização: Sebastião
(1881-1919) Tavares de Pinho
Autora: Lia Ribeiro Título: Cálculo Edição: Imprensa da Universidade
Edição: Imprensa da Universidade de Autor: Carl Djerassi. Tradução de Coimbra
Coimbra de Mário Montenegro Coleção Portugaliae Monumenta
Coleção República. Coimbra 2011 Edição: Imprensa da Universidade Neolatina. Coimbra 2011
de Coimbra
Título: 1910-2010: Comunicação e Coleção Dramaturgo. Coimbra 2011 Título: A vida nas escolas – casos
Educação Republicanas. para a formação de professores
Coordenação: Clara Almeida Santos e Título: Norma e Transgressão II Autoras: Teresa Pessoa e Ana
Ana Teresa Peixinho Coordenação: Carmen Soares, Rodríguez Marcos
Edição: Imprensa da Universidade de Maria do Céu Fialho, María Alvarez Edição: Imprensa da Universidade
Coimbra Morán, Rosa María Iglesias Montiel de Coimbra
Série Documentos. Coimbra 2011 Edição: Imprensa da Universidade Série Investigação. Coimbra 2011
de Coimbra
Título: África Nossa. Série Documentos. Coimbra 2011 Título: Darwin, Evolution, evolutionisms
O Império Colonial na ficção Coordenação: Ana Leonor Pereira,
cinematográfica portuguesa, Título: Trunfos de uma geografia João Rui Pita, Pedro Ricardo Fonseca
1945-1974 activa: desenvolvimento local, ambiente, Edição: Imprensa da Universidade
Autor: Jorge Seabra ordenamento e tecnologia de Coimbra
Edição: Imprensa da Universidade de Coordenação: Norberto Santos, Colaboração CEIS20
Coimbra Lúcio Cunha Coleção Ciências e Culturas.
Coleção Olhares. Coimbra 2011 Edição: Imprensa da Universidade Coimbra 2011
de Coimbra
Título: República, Republicanismo e Série Documentos. Coimbra 2011 Título: Três Peças Mitocríticas.
Republicanos. Brasil, Portugal, Itália O Eunuco de Inês de Castro.
Coordenação: Armando Malheiro da Título: TerraVita Sadia Juvenil Teatro no País dos Mortos.
Silva, Maria Luiza Tucci Carneiro, Autora: Maria José Moreno Vol. III
Stefano Salmi Edição: Imprensa da Universidade Autor: Armando Nascimento Rosa
Edição: Imprensa da Universidade de de Coimbra Edição: Imprensa da Universidade
Coimbra Coleção Descobrir as Ciências. de Coimbra
Série Documentos. Coimbra 2011 Coimbra 2011 Coleção Dramaturgo. Coimbra 2011

Título: Crónicas de História, Título: TerraVita Sadia infantil Título: O Fascismo


Cultura e Cidadania Autora: Maria Helena Henriques Catedrático de Salazar
Autor: João Gouveia Monteiro Edição: Imprensa da Universidade Autor: Jorge Pais de Sousa
Edição: Imprensa da Universidade de Coimbra Edição: Imprensa da Universidade
de Coimbra Coleção Descobrir as Ciências. de Coimbra
Série Documentos. Coimbra 2011 Coimbra 2011 Série Investigação. Coimbra 2011
S
E
O lugar da criação artística, do
espaço público revisitado, da

R
estética urbana.
O espaço certo para sabo-
rear os grandes tesouros do

A
património construído e
intangível da instituição que

H
estamos a construir desde
1290. Uma coleção em que
mãos experientes e sensibili-

L
dades apuradas nos recordam
O que … “não basta olhar, é
preciso ver”!
Destinada a um público
generalista, esta obra baseia-
se na tese de doutoramento
apresentada pelo autor à
ÁFRICA Universidade de Coimbra.
O IMPÉRIO COLONIAL
NA FICÇÃO

NOSSA
CINEMATOGRÁFICA
PORTUGUESA
1945-1974
Nela é efetuada uma análise
da forma como a ficção
cinematográfica produzida
durante o Estado Novo
retratava o império colonial,
entre o final da Segunda
JORGE Guerra Mundial e a queda
SEABRA
do regime. A investigação,
apoiada numa
seleção de 11 obras, divide-
se em três grandes temáti-
cas: a conquista, a coloni-
zação e o regresso.
A expressão “uma África,
dois impérios” resume esta
obra, apontando para uma
visão simultaneamente
luminosa e sombria dos
territórios ultramarinos.
APOCALÍPTICOS
E INTEGRADOS

Se em 1964 era apenas título de um livro publicado


por Umberto Eco, desde então tornou-se uma expressão de
uso corrente, uma espécie de oposição quase proverbial.
Originalmente, o escritor propunha a divisão das reações
perante a cultura de massas e as indústrias culturais nas
duas categorias referidas: de um lado, os primeiros, que
consideravam que a massificação da produção e consumo
constituíam a perda da essência da criação artística; do
outro, os que acreditavam estar-se
perante enormes avanços civilizacionais, de uma efetiva e
criadora democratização da cultura.

“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa”


e Fernando Pessoa eternizou-a: “Navegar é preciso”.
A XIV Semana Cultural da Universidade de
Coimbra abrigar-se-á na pluralidade deste mote e a edição
número 34 da Rua Larga junta-se à viagem.
Da necessidade de desaguar em novas paragens, do rigor
dos passos no caminho percorrido,
à vida no direito e no avesso do cibermundo, as
possibilidades são infinitas. Oponhamos, então,
Navegar e Viver: Navegar é preciso.
E Viver, não é preciso | ? |
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RL #34 | AO LARGO
APOCALÍPTICOS
E INTEGRADOS
V I V E R É P R E C I S O … **

Há pouco tempo, o “apocalíptico” seria o outro – o que vai proclamar que “navegar é preciso…” Eu seria o integrado.
Agora, o apocalíptico sou eu. A prova provada de que o mundo está mudado. Aqui ficam, apenas, fugazes considerações.
Um simples pensatempo, fruto da ditadura do pequeno número de caracteres.

Nos meados do século XX chega o primeiro computador electrónico e com ele vêm grandes revoluções tecnológicas…
Altera-se “a forma como concebemos, pensamos e actuamos sobre o mundo a que chamamos real, por oposição ao
ciberespaço”. Meios, recursos e instrumentos de informação e de comunicação - responsáveis por manifestas alterações
das relações interpessoais - têm não só a pretensão de apresentar a realidade, mas ainda de a substituir (e de a ela se
substituir).

Os computadores e toda a parafernália electrónica – vendedores de rua, no Paquistão, usam máquinas de calcular –
preenchem a vida humana e aparecem em todo o lado (mesmo onde o Dr. Mário Soares não esteve). Estão em toda a
parte: como Deus, como a Coca-Cola. (Será que há conexões entre estes fenómenos de ubiquidade?) Tecnologias, que
não param de avançar, dominadas com as pontas dos dedos. Eis o maravilhamento e o milagre ao alcance de simples
cliques! A navegação, sem fronteiras e sem limites. Mundos insuspeitados, infinitos. A possibilidade de conhecer e de
descobrir o impensável. Mas perigos e riscos… Excessos de quem vive na Internet. (Aí o seu mundo “real”). E os que se
perdem, porque navegam desbussolados e ficam agarrados a conteúdos que aprisionam. Territórios onde correm o logro
e as mais desvairadas negociatas; onde se acoitam criminosos e medram crimes.

“Navegar é preciso…” foi o lema dos argonautas que navegaram à procura do velo de ouro. Tiveram o destino que escol-
heram. Há que desconfiar desta rapaziada, de todos os tempos, que apenas precisa de navegar. Acima de tudo – esse é o
meu lema - é preciso viver. E, depois, quando se vive, talvez seja necessário navegar. Por mil e uma razões: satisfazer a curio-
sidade e o desejo de aventura, ter e ser mais, procurar o
incerto e o longe, desvendar mistérios, perseguir sonhos e
utopias; desafiar deuses e demónios, interiores e exteriores
(de todo este húmus se alimenta Moby Dick).

Os portugueses, da grande epopeia das Descobertas, navega-


ram muito. Apagaram distâncias, chegaram aos antípodas. Mui-
tos navegaram sem querer. Foram obrigados: porque arrebanha-
dos, ou porque as vidas miseráveis que viviam, os levaram a fugir da
miséria. Que ânsias, que mistérios e, sobretudo, que necessidades, os
empurraram para tanto ousar, para tão grandes aventuras e tão trági-
cas desventuras?

A globalização e o capitalismo dito “financeiro” (há quem ache que pode


ser moral e ético, mas teima em ser selvagem) são também fruto destas
tecnologias e de todas as incontáveis navegações que elas proporcionam.
(Manuel Castells não fala em “capitalismo informacional”?) E há homens
- que navegaram (e navegam) em águas turvas – responsáveis por falcatruas
globais e por criminosos descaminhos que muito contribuíram (e contribuem)
para a tragédia que vivemos…

O cinema – proclamou-se – “vai matar a leitura”; outra vez o pânico: “Agora, com a
TV é que as crianças vão deixar de ler”; depois, novamente: “Nada a fazer, passam o
dia a jogar computador…” Inquéritos realizados permitem relativizar o signifi-
AUGUSTO JOSÉ MONTEIRO*

cado da concorrência à leitura por parte de outras práticas culturais, entre elas
o “televisionamento” e a Internet. Os audiovisuais e os media não vão substituir
a escrita; o que acontece é que o enriquecimento e a estimulação recíprocos
têm um longo caminho a percorrer. É até de supor que leitura e “televisiona-
mento” se potenciem. Muito do que se lê – vejam-se os escaparates dos qui-
osques -, lê-se por causa da TV (e em torno da TV). Não se pode confundir
resistência ao livro com resistência à leitura em geral. O problema é que não
se lê o que muitos professores e homens cultos queriam que se lesse. Questão
a exigir estratégias que levem a escola a promover eficazmente a leitura e a
escrita como práticas nucleares.

A eficaz articulação, entre técnicas audiovisuais de comunicação de massas e


técnicas informáticas, veio aumentar as insuspeitadas possibilidades de todas
essas tecnologias. A escola não pode deixar de usar, criteriosamente, esses mei-
os e de assumir responsabilidades na “alfabetização” dos alunos (que vivem
numa iconosfera) para as “tecnologias de informação e comunicação”. Não se
esqueça, contudo, que estes saberes aproveitam muito melhor a quem domina
a língua. Os “Magalhães” de pouco servirão a alunos que têm reduzidas capaci-
dades linguísticas…

A “cientificação” da técnica e a “tecnicização” da ciência parecem imparáveis.


O que falta mesmo é um novo paradigma: o que se podia fazer e onde se po-
dia chegar, se todos estas conquistas fossem postas ao serviço do homem e da
humanidade?
Agora, vão navegar, “googlar”, “twittar”, “postar”, actualizar o blogue, tratar dos
amigos do “facebook”, ver o “e-mail”; encomendar a última novidade cientí-
fica pela Amazon… Entretanto, eu vou viver. É preciso. Vou conviver com um
grupo de amigos e saborear uns mimos gastronómicos: salpicão assado e bute-
lo cozido com cascas (pratos da “vieille cuisinne”).

Muitos de nós começámos a fazer-nos com má literatura, mas também com


narrativas orais de grandes contadoras e contadores... E, ainda, fomos feitos
nos bons manjares. (Os nossos bons sentimentos tinham - e ainda têm - que ver
com tais consolos). É natural que estranhemos, embora tenhamos aderido, as
navegações no ciberespaço. E quando, durante o convívio, falar do que escrevi,
amigo, pouco dado a filosofices, vai dizer: “Deixa-te de considerações pelin-
tras; Alberto Caeiro é que sabia quando lembrava que ‘pensar é estar doente
dos olhos…’”. Depois do repasto, vou ler umas páginas. Como leitor obsessivo,
continuo apaixonado pelo corpo… da letra, em suporte papel.

* Professor aposentado da Faculdade de Letras Universidade de Coimbra


colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade
de Coimbra – CEIS20
** Este artigo não foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico.
N AV EG A R É P R EC I SO

Navegar é preciso. A frase do general romano Pompeu nunca foi tão válida como nestes
ANTÓNIO GRANADO*

tempos que correm velozes, muito mais velozes do que poderíamos imaginar há apenas
cinco ou 10 anos. É preciso navegar, explorar a rede, misturar conhecimentos, procurar
respostas, comunicar saberes. A Internet é hoje um espaço de partilha universal, essencial
para o avanço da ciência, da cultura, das artes, da humanidade como um todo.
Poder ler enciclopédias inteiras, visitar lugares inacessíveis, assistir a conferências em tem-
po real que decorrem no outro lado do mundo. Que oportunidade imensa para as gera-
ções que nasceram neste tempo e podem desfrutar da Biblioteca de Babel, imaginada por
Borges. Aquela biblioteca das galerias hexagonais, onde cabem todos os livros do mundo e
onde os homens podem procurar o conhecimento de uma forma nunca antes imaginável.
A Internet une hoje milhões de pessoas em todo o mundo e é um lugar onde se cruzam as
mais diferentes perspetivas sobre os mais diversos temas. Mesmo em lugares remotos de
África, a Internet e as conexões que ela permitiu ajudam a salvar vidas todos os dias, a jun-
tar pessoas que trabalham voluntariamente a favor da paz, a unir quem quer lutar contra
a seca, a malnutrição, as doenças infeciosas ou a degradação ambiental.
Não me venham falar dos perigos da Internet, do isolamento dos cibernautas, da obsessão
do imediato. A Web, tal como foi concebida por Tim Berners-Lee, não pressupõe uma enti-
dade que pensa à velocidade da luz, incapaz de refletir sobre si mesma. A Web é um espaço
de liberdade, que avança e recua ao sabor das pessoas que tem dentro, mas que permite
que cada um a usufrua no seu tempo, não necessariamente instantâneo.
Navegar na Internet não é só perder-se num espaço caótico, onde o mau e o bom se mis-
turam sem quaisquer filtros, sem fronteiras e sem moral, como defendem muitos dos seus
detratores. Navegar na Internet é ganhar-se, ganhar o mundo todo num ecrã. Percorrer
caminhos inexplorados, acrescentar saber ao nosso saber, contactar com realidades distin-
tas e aprender a conviver com elas todos os dias.
A literacia dos media, e em especial da Internet, é hoje uma das mais importantes disci-
plinas que as escolas não podem continuar a ignorar. É necessário ensinar os mais novos
sobre as vantagens deste espaço imenso e sobre as melhores formas de o utilizar. Explicar-
-lhes que a privacidade e a sua proteção são essenciais, que a liberdade de expressão é um
dos mais elementares direitos do Homem, que roubar na Internet é tão grave como roubar
fora dela.
É claro que a Internet não é, ainda, um espaço ao alcance dos mais pobres e, nessa me-
dida, podemos dizer que não é totalmente democrática. Mas essa realidade não nos deve
confundir ou impedir de lutar para mudar o estado das coisas. O acesso ao conhecimento
deve ser uma prioridade em todas as regiões do planeta e em todas as comunidades, pois
só com cidadãos mais informados podemos aspirar a ter uma sociedade mais justa e soli-
dária.
Fernando Pessoa, que repete a frase de Pompeu num dos seus muitos poemas, acrescenta-
-lhe uma outra interpretação fundamental: “Viver não é necessário; o que é necessário é
criar.” Desenvolvamos pois, todos juntos, uma Internet sem barreiras inúteis à partilha
de informação, capaz de unir os saberes para os fazer progredir, verdadeiramente livre e
universal. Nessa Internet, será então possível criar um mundo novo em todos os sentidos.
Ou criar simplesmente, como preconiza Pessoa.

* Professor universitário, jornalista e editor de multimédia da RTP.


Milhares de estudantes formados pela Universidade
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