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Samara Fernandes
Missão
“Promover a educação de qualidade nas
diferentes áreas do conhecimento, forman-
do profissionais cidadãos que contribuam
para o desenvolvimento de uma sociedade
justa e solidária”
DIREÇÃO UNICESUMAR
palavra do reitor
Reitor
Wilson de Matos Silva
Pró-Reitor de EaD
Willian V. K. de Matos Silva
boas-vindas
Diretora Pedagógica
Kátia Solange Coelho
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está conceitos teóricos em situação de realidade, de ma-
iniciando um processo de transformação, pois quando neira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou estes materiais têm como principal objetivo “provocar
profissional, nos transformamos e, consequente- uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
mente, transformamos também a sociedade na forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? em busca dos conhecimentos necessários para a sua
Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças formação pessoal e profissional.
capazes de alcançar um nível de desenvolvimento Portanto, nossa distância nesse processo de
compatível com os desafios que surgem no mundo crescimento e construção do conhecimento deve
contemporâneo. ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos
O Centro Universitário Cesumar mediante o pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar
Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA
durante todo este processo, pois conforme Freire – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos
(1996): “Os homens se educam juntos, na transfor- fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e partici-
mação do mundo”. pe das discussões. Além disso, lembre-se que existe
Os materiais produzidos oferecem linguagem uma equipe de professores e tutores que se encontra
dialógica e encontram-se integrados à proposta pe- disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em
dagógica, contribuindo no processo educacional, seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe
complementando sua formação profissional, desen- trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória
volvendo competências e habilidades, e aplicando acadêmica.
Cozinha Clássica
Apresentação do Livro
Professora Especialista
Samara Fernandes
Querido(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à disciplina de Cozinha Clássica.
Sou a professora Samara Fernandes e devo contar a vocês um pouquinho
de minha trajetória. Sou publicitária, por formação, atuação e paixão por
artes – gráficas, até então, porém, atualmente, não praticante. Essa minha
graduação foi concretizada no Centro Universitário de Maringá (UniCesumar),
no ano de 2010. Ainda na sequência e na mesma instituição, especializei-me
em Styling e Varejo de Moda – conclusão em 2013 – e, somente no meio desse
caminho, percebi que as cores e texturas dos alimentos, a harmonia entre as
inúmeras possíveis combinações eram a arte que eu realmente procurava. Aí,
então, apaixonei-me pela gastronomia e, em 2014, finalizei mais essa gradu-
ação, também no Centro Universitário de Maringá. Devo confessar que as
memórias confortáveis de uma infância cheia de aromas dos fabulosos bolos
de uma avó presente se fizeram cruciais na decisão a favor de uma carreira
como gastrônoma.
Desde o primeiro grau, fomos acostumados a estudar aquilo que é atuali-
dade, mas sempre retomando de um ponto de partida. Por exemplo, quando
você teve contato com a história do Brasil, seus professores te levaram às
embarcações portuguesas e a Pedro Álvares Cabral? Com certeza, sim, e ele
o fez para que você pudesse entender a situação atual do nosso país, como
é que chegamos à economia e política atual, quais as necessidades nos trou-
xeram a isso.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 7
Pois bem, na gastronomia não será diferente. Eu sei que você deve estar ansioso
para ter contato com elementos contemporâneos da culinária, mas, primeiro,
vamos formar uma base sólida de informações – que juntas transformaremos
em conhecimento –, de modo que você entenda como se deu o surgimento
de uma cultura precursora na arte gastronômica, que fez evoluir e organizar
métodos de cocção e brigada de cozinha.
Neste livro, você terá contato com a evolução da cozinha clássica e enten-
derá por que a França teve e tem um papel tão importante para essa reputação
gastronômica. Além disso, faremos novas amizades com alguns dos chefs
mais renomados da história, pois bisbilhotaremos suas vidas para entender
qual a contribuição de cada um para a culinária clássica.
Não podemos nos esquecer das especialidades regionais. Assim como em
nosso país a cultura alimentar é diferente de uma região para outra, temos essas
características por todo o mundo, o que inclui França e Itália – os países céle-
bres no marco da gastronomia clássica – e, por isso, faremos uma viagem por
inúmeros territórios, desbravando ingredientes que marcam seus costumes.
E se vamos conhecer os produtos, por que não os pratos provenientes? Sim,
também serão apresentados a você os pratos mais marcantes da gastronomia
clássica francesa e italiana.
Agora, o que acha de não perdermos tempo e irmos direto para a primeira
unidade do nosso livro? Aguardo você lá e desejo desde já uma caminhada
brilhante de estudos por essas estradas europeias.
SUMÁRIO
UNIDADE 1
Evolução da
Cozinha Clássica
15 OClássica
Nascimento da Gastronomia
Francesa
Especialidades
Clássicas Regionais
51 Outras Culturas e a Regionalização
de Ingredientes
61 Características Gastronômicas
Regionais Italianas
73 Características Gastronômicas
Regionais Francesas
Especialidades
Clássicas Regionais
91 Os Pratos Célebres
105 Queijos
113 Vinhos
Legendas de
Ícones
Dica do Chef: dicas rápidas para complementar um conceito, detalhar procedimentos e proporcionar
sugestões. Habilidades: elo entre as disciplinas do curso. Mão na massa: indicação de atividade
prática. Fatos e Dados: complementação do conteúdo com informações relevantes ou acontecimentos.
Minicaso: aplicação prática do conteúdo. Reflita: informações relevantes que proporcionam a reflexão de
determinado conteúdo. . Recapitulando: síntese de determinado conteúdo, abordando principais conceitos.
Saiba mais: Informações adicionais ao conteúdo.
Evolução da
Cozinha Clássica
SAMARA FERNANDES
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Objetivos de Aprendizagem
• Compreender a evolução da cozinha no contexto histórico.
• Identificar a importância da gastronomia francesa no mundo.
• Entender a influência da Itália na gastronomia clássica.
• Conceituar os movimentos haute cuisine e nouvelle cuisine.
• Conhecer o perfil dos chefs renomados na gastronomia francesa.
13
Introdução
Caro(a) aluno(a),
Nesta primeira unidade, nosso assunto central será a evolução da cozinha clássica, de
forma que buscaremos sua origem principalmente na França, de onde a cultura gastronômica
se disseminou para o mundo – claro que influenciada por outros povos, os quais também serão
abordados, destacando a importância da Itália. Você verá que os franceses pensavam e respira-
vam comida e assim entenderá como obtiveram tamanho reconhecimento.
No primeiro capítulo, será apresentado o contexto histórico desde a Idade Média, os cos-
tumes alimentares que induziram à evolução e ao reconhecimento de uma gastronomia em si,
os alimentos preferidos de cada época – a base alimentar de povos distintos –, como houve a
miscigenação de culturas culinárias, preferências de palato, como as refeições se tornaram mais
sofisticadas, o surgimento do restaurante e, também, o reconhecimento de figuras futuramente
reconhecidas como mestres da arte culinária: os chefs.
Em seguida, no segundo capítulo, trataremos de dois movimentos gastronômicos inseridos
na culinária clássica: a haute cuisine e a nouvelle cuisine. Na verdade, percorreremos todo o
processo de transição, quais características diferem uma tendência da outra, a época e costumes
nos quais estão inseridas e quem foram seus precursores.
E, para fechar com grandeza, no último capítulo desta unidade, você conhecerá um pouco
dos feitos mais marcantes de grandes chefs franceses da história – tanto os chefs clássicos, como
os chefs atuais (a partir do século XX).
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 15
O Nascimento da
Gastronomia
Clássica Francesa
N
o entorno da gastronomia france- vêm sendo utilizados desde a Idade Média
sa, não está apenas a comida em si (COELHO, 2008).
ou a qualidade de um ingrediente, Os romanos, precedentes a isso, tomaram a
Steinberger (2010) diria que a ma- Gália em 58 a.C. e durante dois séculos perma-
neira como pensavam e falavam sobre a comida neceram em paz. No decorrer desse período,
é que tornava os franceses distintos do resto invasores e invadidos mantiveram permutas
da humanidade. O que tomamos por gastrono- culinárias frequentes e, assim, o Império re-
mia típica francesa é aquela que tomou força sultante da cozinha galo-romana pôde provar
após a Revolução de 1789, pois muitos dos da charcuterie gaulesa, frios derivados do porco
ingredientes que fazem parte dessa culinária e sua fêmea, ostras, pães feitos da levedura da
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 17
Os gostos e hábitos ainda sofrerão altera- era de grande influência, porém, somada à preo-
ções, mas pode-se dizer que, no final da Idade cupação dietética, gerou aumento no consumo de
Média, já havia uma “gastronomia”, ainda que legumes e diminuiu o de carnes. Também nesse
sem a utilização do termo. Em 1486, o primeiro período há disseminação do chocolate, do café e
livro de culinária é impresso na França, Viandier, do chá, primeiro consumidos apenas pela corte
um best seller da cozinha francesa, segundo de Luiz XIV e, posteriormente, acessível a todos,
Laurioux (1998). O autor afirma que a leitura assegura Donel (1999). Agora, caro(a) aluno(a),
desse tipo de manuscrito era uma combinação estamos no século XVII, em que há uma evolução
textual de heranças, pois até mesmo o nome de forte na cozinha da nobreza, que deixa de lado
cada prato carregava em seu título a história por os sabores fortes da era medieval e tomam grado
trás do ingrediente, a origem, a identificação pelos sabores mais sutis e delicados.
daquele preparo – método que ainda vem sendo
bastante utilizado para nomear receitas.
Passada a Idade Média, temos o início da
Renascença, trazida à França pela Itália, no
século XVI, quando Catarina de Médici, ita-
liana, casa-se com o rei Henrique II, francês, “A palavra ‘gastronomia’ aparece pela pri-
e, ao se mudar, leva consigo chefs florentinos meira vez em 1800, como título de um
para não sentir saudade da comida de sua terra poema de Joseph de Berchoux e entraria no
dicionário da Academia Francesa em 1835.
(STEINBERGER, 2010). É nesse período que Diferentemente da literatura culinária, que
o doce se torna sabor proveniente na França tradicionalmente se destina àqueles que,
e, com isso, nasce a pâtisserie e confiserie, com na cozinha, preparavam os alimentos, a
literatura gastronômica iria se dirigir, so-
seus bombons, licores, geleias, macarrons, pâte à
bretudo, àqueles que se encontram à mesa.
choux e os sorbets. Além disso, ela também levou O novo termo viria designar a ciência e a
em sua bagagem toalhas rendadas, porcelanas, arte de comer bem, recobrindo uma ampla
gama de aspectos: da comida, composição
copos e pratarias, além do primeiro garfo, que
dos pratos, sua sequência e harmonização
só foi utilizado com frequência a partir século com as bebidas às artes de mesa, como
XVIII (você vai aprender mais sobre esse assun- o modo de servir e dispor as porcelanas,
cálices, talheres e guardanapos”.
to na matéria de Etiqueta e Serviço de Sala),
influenciando fortemente os costumes e bons Fonte: Coelho (2008, p. 2016)
N
o século XX, em Paris, a diversi-
dade de restaurantes é imensa e
a industrialização fez transfor-
mar os hábitos alimentares, é o
que revela Donel (1999). O classicismo da
cozinha francesa foi substituído por pratos
de rápido preparo, sem preocupações com
a sazonalidade dos ingredientes utilizados
– as fronteiras se tornaram invisíveis à fa-
cilidade dos transportes e da comunicação.
Ao final desse século, um novo movimento
surge na França para dar relevo às proprie-
dades naturais do alimento: a nouvelle cuisi-
ne. Assim, a soberania francesa permanece,
mas outras culturas também são inseridas
no mercado gastronômico e ganham espaço
entre o gosto mundial.
Da Haute Cuisine
à Nouvelle Cuisine
(STEINBERGER, 2010).
Quatro décadas depois da morte de Carême, Tome nota, caro(a) aluno(a), da perspectiva de
outra figura inovadora toma conta dos holofo- Escoffier no início do século XX. Ele não tira
tes gastronômicos: Georges Auguste Escoffier. a importância da nutrição, mas já considera
Este não revolucionaria apenas a haute cuisine, que os pratos da haute cuisine, a clássica fran-
mas também o setor hoteleiro, aplicando a ideia cesa, estivessem ultrapassados, com tamanho
de serialização da alta cozinha francesa para exagerado, e que isso precisava ser revisto,
possibilitar sua inserção em quesito nacional. diminuindo o volume da refeição, reduzindo
a extensão do menu. Já que as pessoas es-
Uma mudança progressiva se imporá,
tavam cada vez mais sem tempo, então que
inexoravelmente, no regime alimentar
humano. Admitindo que a mesma quan- as refeições pudessem ser igualmente rápi-
tidade de nutrientes seja necessária [...] das – ou mais rápidas que o que era comum
ela será procurada livre e desembara-
até então. Isso, é claro, sem deixar de lado
çada de uma grande parte de matérias
inertes e inúteis. Portanto, temos que os traços da gastronomia elevada em seus
considerar uma diminuição do volume tantos aspectos. Outro tópico importante que
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 29
Fonte: O autor
Cozinha Clássica
O
trabalho foi árduo. Escoffier, enquanto
chef no Hotel National em Lucerna,
encontrou no jovem hoteleiro César
Ritz um parceiro, ambos desejando
A comida é importante não apenas
ser donos de seu próprio negócio. Apesar de
para seu produtor, mas também para o
chef francês e da exaltação da gastronomia fran- consumidor que paga caro, mas quer
cesa, foi em Londres onde Escoffier passou a garantias do que está comprando e con-
sumindo. Por conta disso, exige que o
maior parte de sua vida. De modo geral, para
governo mostre quais produtores seguem
conquistar a clientela da alta sociedade, Ritz as normas de higiene sanitária, o que
tomou consciência de que precisaria de uma levou à criação do Instituto Nacional das
cozinha de qualidade e disso Escoffier entendia Appelation d’Origine (INAO), em 1935, por
pressão dos vinicultores e cuja finalidade
e teve liberdade para fazer suas alterações nos
é distribuir denominações de garantia. A
padrões até então utilizados e deixados por seu mais comum delas é a que conhecemos
antecessor Carême (JAMES, 2008). por DOC: denominação de origem con-
trolada, do original Appelation d’origine
Para realmente sistematizar e agilizar as
controlée.
funções na cozinha, Escoffier modificou a forma “Designa um produto típico de um terroir
como as brigadas trabalhavam até então, fazen- (uma região bem específica, com solo,
do-as trabalhar em série, comparando ao funcio- clima e técnica de fabricação de parti-
culares). Inicialmente, era uma denomi-
namento das linhas de montagem industriais.
nação criada para controlar a produção
A seguir, Steinberger (2010, p.28) explica que: vinícola [...]; em 1990, estendeu-se para
laticínios e produtos agrícolas. Na lista
Até então as praças da cozinha funciona-
de 1997 dos produtos que se beneficia-
vam essencialmente como feudos autô-
ram da AOC, figuram mais de 400 vinhos
nomos; cada uma delas era responsável
e destilados, 32 queijos, 5 de mantei-
por certos pratos e havia em geral pouca
gas e cremes e 12 de outros produtos
interação. [...] esse arranjo era comple-
agrícolas”.
tamente impróprio para a culinária de
grande volume e velocidade requerida
Fonte: Donel (1999, p. 92)
pelas cozinhas de hotel. Escoffier conser-
vou as praças, mas em vez de atribuir-lhe
preparações específicas, dividiu-as por
funções.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 31
Em meio a esses grandes chefs, outras figuras re- Essa nova revolução pretendia encontrar uma
nomadas fizeram história na haute cuisine, alguns resposta aos desejos de Carême e Escoffier,
dos quais você conhecerá no próximo tópico desta buscando a simplicidade na cozinha. Esse
unidade. O que devemos salientar aqui é que, movimento acabou ficando conhecido como
depois do grande marco deixado por Auguste nouvelle cuisine graças aos críticos Henri Gault e
Escoffier, já na década de 60 do nosso século, Christian Millau, que levaram o termo à mídia
surge a tendência gastronômica conhecida por e, consequentemente, elevaram chefs e movi-
nouvelle cuisine, cujo princípio – não diferente do mento ao estrelato. Os ingredientes passaram
que sempre instiga aos grandes a irem em busca a ser mais respeitados: os legumes consumidos
de melhorias – é a busca por pratos mais leves e de forma mais natural, mais crocantes, com
menos gordurosos, para agradar um público que cores mais vivas; molhos ficaram mais leves
agora passara a enfrentar grandes problemas com e o suco do cozimento das carnes passaram a
colesterol e doenças cardíacas (DONEL, 1999). ser aproveitados para essa finalidade; novos
Depois de anos em silêncio, alguns jovens sabores com utilização de métodos de cocção
chefs – Raimond Oliver, Gaston Lenôtre, Roger mais variados; e menos creme e açúcar nas
Vergé, Alain Chapel, Alain Senderens, irmãos sobremesas (DONEL, 1999).
A
Troigrois – fundaram “um movimento chamado lguns chefs mais tradicionais,
grande cuisine française, que pretendia desenvolver como Paul Bocuse, acabaram
a cozinha aos cozinheiros” (DONEL, 1999, p.80). por se desvincular do movimen-
to, aceitando que o sabor não era
mais como o da cozinha clássica francesa e a
conta permanecia elevada (DONEL, 1999).
Afinal, os pratos ficaram mais coloridos,
menos gordurosos, mais atraentes visualmen-
te, mas muito vazios. Essa é uma discussão
que ainda vem sendo recorrente e não apenas
na França, mas que também já sofreu modi-
ficações. A nouvelle cuisine, vale a ressalva, foi
importantíssima para aniquilar a cozinha em
que os sabores fortes e exagerados confun-
diam o palato e para salientar a arte estética
da montagem dos pratos.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 33
Guia Michelin:
“O sistema de estrelas para classificação dos restaurantes foi desenvolvido em
1926. Para um cozinheiro, a atribuição de duas ou três estrelas é a confirmação
de sua capacidade, trazendo fama, honra e clientes” (DOMINÈ, 2001, p.40).
Gault-Millau:
“Primeiro veio a revista com o mesmo nome, criada em 1969 pelos críti-
cos Henri Gault e Christian Millau, gastrônomos um tanto vanguardistas,
padrinhos da poderosa corrente que batizaram de nouvelle cuisine. O guia
nasceu em 1972 para estimular essa tendência mais moderna da culinária,
sem dissimular a vontade de acabar com o monopólio da apreciação do
Michelin. Sua fórmula é diferente: o foco são hotéis e restaurantes, sem
menção aos pontos turísticos, os comentários são longos e detalhados [...]”
(DONEL, 1999, p.166-167).
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 35
Grandes
Chefs
Os clássicos
1
Do latim: sobre culinária. Livre tradução.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 37
2
Fisiologia do gosto (paladar). Livre tradução.
Cozinha Clássica
austríaca e até para o barão de Rotschild, ficando atribuiu à Escoffier o título de Imperador dos
também reconhecido como o cozinheiro dos reis. Cozinheiros. Em Londres, teve contato com
Como já citado, deixou uma obra gastronômica César Ritz, passando pelas cozinhas do hotel
dividida em cinco volumes, L’Art de la cuisine Savoy e, depois, o Carlton, onde criou um gelado
française au dix-neuvième siècle, relacionado to- de baunilha com pêssegos escalfados e creme de
talmente à exaltação da gastronomia francesa. framboesas, sua sobremesa mais famosa. Antes
de sua morte, Escoffier escreveu vários livros
Auguste Escoffier direcionados à gastronomia e, atualmente, sua
Escoffier (1846-1935) foi um forte representan- casa é um museu de culinária.
te da gastronomia francesa. Ele que reorganizou
as brigadas de cozinha e sistematizou as praças, As irmãs Tatin
para funcionarem em suas especialidades, como Conta a história que a célebre Tarte Tatin foi
temos até os dias atuais. Apesar de ter tamanho criação da desajeitada irmã Tatin, que derrubou
reconhecimento na França, foi na Inglaterra que a torta caramelizada de maçãs e terminou de co-
passou a maior parte de sua vida e carreira. O zinhá-la de ponta cabeça. Essas irmãs cuidavam
chef começou cedo, aos 13 anos, passou por de um hotel ao sul de Paris e, aparentemente, a
muitas cozinhas europeias e cozinhou até para receita da torta já era antiga, mas elas ficaram
o imperador alemão Guilherme II, que, então, célebres por conta dessa história.
Os chefs atuais
Joël Robuchon
Com grandes títulos e prêmios, o autodidata
Joël Robuchon foi considerado o melhor cozi-
nheiro do século em 90. Ele não demorou a con- Figura 8. Chef Alain Ducasse
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alain_Ducasse.
quistar notoriedade em Paris com o Le Jamim e, jpg?uselang=pt-br
Paul Bocuse
Bocuse é pioneiro da nouvelle cuisine e reconheci-
do internacionalmente. Em sua família, já havia
cozinheiros, porém nenhum tão deslumbrante.
Depois de anos de estudo e de passar por cozi- No dia 03 de fevereiro de 2015, o Guia
Michelin liberou a lista atualizada de
nhas diferentes, o chef retorna a sua cidade natal
classificações dos restaurantes franceses
para recomprar um restaurante que outrora fora estrelados:
de sua família. Em menos de cinco anos depois
Dois novos três estrelas:
de ganhar sua primeira estrela no Michelan,
• Paris’s Pavillon Ledoyen (Paris), dirigido
Bocuse já ganhava a terceira. Ele desmitificou a pelo chef Yannick Alléno.
ideia de que o cozinheiro devia ficar apenas na • La Bouitte (Saint Martin de Belleville).
cozinha, verificando a satisfação de seus clientes
Novos duas estrelas:
no salão também, atitude tal que outros chefs
• Alain Ducasse no Plaza Athénée (Paris).
adotaram e acabou por ser conhecida como • L’Atelier d’Edmond (Val-d’Isère).
uma das mudanças da nouvelle cuisine. Além • Auberge du Cheval Blanc (Alsace).
dos inúmeros restaurantes, Bocuse criou uma • Casadelmar (Porto-Vecchio).
• La Grand’Vigne (Bordeaux).
escola de culinária que recebe alunos do mundo
• Le Neuvième Art (Lyon).
todo. Alguns hábitos corriqueiros atualmente
• La Table du Lancaster (Paris).
foram criação de Bocuse, como a utilização do
Alguns novos uma estrela em Paris:
carrinho de sobremesas.
• David Toutain, Les Climats.
• Garance.
• Helen.
• Penati al Baretto.
• La Table d’Eugène.
A
considerações finais
o final desta unidade, conseguimos por serem de outras origens, mas que, graças aos
entender como aconteceu a evolu- caminhos marítimos, novas culturas foram des-
ção da gastronomia desde a Idade cobertas e os europeus puderam agregar novos
Média, quando a alimentação era paladares a sua cozinha cotidiana e, utilizando
baseada nos cultivos e pastoris rodeados por de combinações e valorizando suas produções,
florestas e cursos de água – época em que o começam a apresentar já no período medieval
pão se tornou base alimentar, já que os cereais uma gastronomia.
eram grande parte da agricultura. Também, ve- Vimos que a Itália teve grande importância
rificamos o uso corriqueiro de especiarias desde para o desenvolvimento francês. Foram os ita-
a Antiguidade e as diferenças nos paladares de lianos, ou melhor, a italiana Catarina de Médici
povos distintos, enquanto a França preferia o quem levou cozinheiros para a França junto
picante, a Itália preferia o agridoce, por exem- de sua “bagagem”, além de suas comidas favo-
plo, resultando em intercâmbio de gostos. E, ritas que, depois, os franceses se apoderaram
principalmente, pôde compreender como a e reformularam, usando como base para sua
França teve acesso a inúmeros ingredientes que própria construção. Sem esquecer que os bons
antes não eram consumidos em seu território, modos foram inseridos em uma cultura antes
mais desordenada e de glutonaria.
Entendemos as características da haute
cuisine, uma cozinha mais apoderada de sabo-
res fortes e preparações mais pesadas, e acom-
panhamos o desenvolvimento para a nouvelle
cuisine, já mais preocupada com as questões
nutricionais dos alimentos.
Ao final, você ainda teve contato com alguns
dos mais renomados chefs de cozinha, como os
clássicos Carême e Escoffier, e os mais contem-
porâneos, como Ducasse e Bocuse.
Todo esse contexto é a bagagem necessá-
ria para você entender a gastronomia clássica.
Agora, vamos seguir para itens mais específicos
da gastronomia, como ingredientes regionais e
as preparações clássicas.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 43
atividades de estudo
1. A Revolução Francesa (1789-1799) é tida como um marco para a gastronomia
considerada clássica. Quais aspectos mudaram com relação à gastronomia, ou
seja, como era a alimentação medieval e quais as novas preocupações para com
o alimento após o advento da revolução?
2. A haute cuisine é tida como uma culinária de molhos pesados, com ingredientes
e técnicas que exaltam a importância da cozinha francesa. Em meados dos anos
60, surge um novo movimento: a nouvelle cuisine, que procura mudar esses
conceitos. O que difere a haute cuisine da nouvelle cuisine? Quais chefs tiveram
ligação com esse movimento?
material complementar
leitura complementar
O Traiteur
Estamos no ano de 1889, e em França co- jovens, 2000kg de salmão e 1500kg de batata.
memora-se o centenário da Revolução. Em E os clientes plenamente satisfeitos fumam
Paris tem lugar a exposição mundial, em cuja 30.000 cigarros no fim das refeições. A Potel
abertura é inaugurada a Torre Eiffel. O presi- & Chabot trabalha ainda hoje para o governo
dente Sadi Carnot organiza um lauto jantar francês mas também a nível internacional com
na Câmara Municipal. O menu desta noite, filiais nos Estados Unidos e na Rússia.
memorável, começa com creme de caranguejos Já antes da revolução, quando os restaurantes
do rio à Saint-Germain e empada Pantagruel. ainda não existiam, as pessoas dirigiam-se ao
Seguem-se tortilhas Conti, Salmão com molho traiteur quando se tratava de preparar um copo
à indiana, rodovalho com molho à moda da d´água ou um jantar de festa. O primeiro traiteur
Normandia, javalis jovens cortados aos quartos no sentido moderno da expressão, não era um
a moda de Moscovo, frangos perigord, lava- cozinheiro, mas sim um jardineiro. Antes da data
gante à La Bordelaise, assado frio de pardais e fatal de 1789, Germain Chevet fornecia rosas
granité de Grande Champagne. O prato seguin- à Rainha e à Corte. Obrigado pelo tribunal da
te oferece sorbet de Roederer, pavão trufado e Revolução a arrancar as roseiras e a substituí-las
pavê de aves. Por fim o programa apresenta por batatas <para alimentar o povo>, Chevet e a
salada russa, espargos com molho mousselin, sua mulher decidiram fazer das batatas pequenos
cassata Eiffel e gelado do Centenário. E quem pastéis, para as valorizar. Abriram um negócio no
depois ainda consegue pode-se com barqui- Palais-Royal onde passado pouco tempo, podiam
lhos, massa folhada e bolos napolitanos. encontrar-se muitos nomes sonantes. Entre eles
Este jantar foi organizado pela Potel contava-se o primeiro crítico gastronômico.
& Chabot, uma empresa de traiteurs, que Grimod de La Reynière, que no seu almanaque
em 1900 organizou também o banquete do de 1812 referia: <<Este estabelecimento continua
presidente da Câmara Municipal, no Jardim a oferecer tudo o que pode estimular o apetite
das Tulheiras, o maior jamais realizado em de um verdadeiro “bom garfo”, sobretudo caça,
França. A Potel & Chabot cozinha pra 22.000 peixe, crustáceos e legumes temporãos. A paleta
clientes. Por isso conta com 6.000 ajudantes. inclui ainda empadas ou enchidos de Troyte ou de
Precisa de 95.000 copos, 66.000 talheres, Reim, que se encontram aqui sempre da melhor
250.000 pratos e 5 km de toalhas. Entre qualidade, bem como uma série de outros pro-
outros produtos, confecciona 1800 patos dutos não menos apetitosos.>>
Cozinha Clássica
leitura complementar
A ideia de <oferecer> doses de comida previa- jantar íntimo para dois como um perfeito ban-
mente preparada não é nova. Há mais de 500 quete de luxo para vários milhares de pessoas.
anos que existem em França especialistas que Cabe-lhes não só a preparação do menu, como
fazem assados ou cozinham carne, os rôtisseurs também a responsabilidades pelos apetrechos
e os chair-cuitiers. A estes juntou-se ainda a e pela decoração. São eles que colocam os jogos
corporação dos pâtissiers, que enrolavam em de mesa, a louça, os copos, os talheres, as deco-
massa tudo o que fosse comestível. E ainda hoje, rações de flores e a iluminação. Pois a tarefa do
em Paris, e noutras cidades da França, recor- traiteur não é apenas a de alimentar os convivas,
re-se com frequência ao serviço dos traiteurs, mas muito mais a fazê-los sonhar. Por isso, os
quando não há tempo ou vontade de cozinhar, bufetes são um verdadeiro prazer para os olhos
ou mesmo quando pretende-se <mimar> a fa- e para o paladar, o que exige a Mão de espe-
mília ou eventuais convidados. Muitas vezes se cialistas. Para tal, são necessários não apenas
encontra nas charcutarias uma oferta de traiteur, talhantes e pasteleiros, sauciers e rôtisseurs, mas
que organiza um menu completo, desde acepipes, também cozinheiros que demonstrem talento
bors-d´ceuvres, passando por refeições prontas de como decoradores e estilistas, floristas e esculto-
peixe e de carne, até caranguejos e sobremesas, res (em gelo e manteiga). Assim, o traiteur pode
incluindo as bebidas. adaptar sua decoração tematicamente de acordo
Paralelamente a esta prestação de serviços culi- com evento, e apresentá-la grandiosa, surpreen-
nários diários, que precisamente devido à cor- dente, grotesca, exótica, ou clássica. O sucesso
reria dos tempos actuais é mais procurada do do banquete, ou até mesmo da festa, está nas
que nunca, os traiteurs mantiveram-se fiéis à sua suas mãos, ao passo que continua a fornecer os
tarefa histórica de fazer o acompanhamento em grandes eventos luculianamente. Actualmente,
ocasiões especiais, ainda que sua clientela tenha o traiteur é ambas as coisas: por um lado o rei
mudado com o tempo. Na segunda metade do das refeições improvisadas, que se comem em
século XIX, marcada pelo êxito da revolução in- casa e que qualquer um pode pagar, por outro,
dustrial, a alta burguesia substitui a aristocracia. o fornecedor de um serviço de festas altamente
Continua a comer-se pantagruelicamente como especializado.
dantes, mas os traiteurs tiveram de tornar-se
mais flexíveis, na medida em que tinham de Fonte: texto extraído na íntegra de Dominé (2001,
ser capazes de preparar tanto um sofisticado p.37).
Especialidades
Clássicas Regionais
SAMARA FERNANDES
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Objetivos de Aprendizagem
• Compreender a influência de outras culturas na cozinha clássica.
• Assimilar como os produtos regionais adquiriram importância.
• Entender as características gastronômicas das regiões italianas.
• Explorar os aspectos gastronômicos das regiões francesas.
49
Introdução
Querido(a) aluno(a),
Nesta unidade, nosso foco de estudo será as especialidades regionais. Mas de que regiões
você está falando, professora? – é o que você deve estar se perguntando. Estou me referindo às
regiões que dividem a França e a Itália, pois são os países que constituem a base mais forte da
gastronomia clássica e por isso as estudaremos com mais apreço.
No primeiro tópico, conversaremos um pouco sobre alguns povos que exerceram influência
sobre a gastronomia francesa, seja inserindo algum costume ou ingrediente à culinária. Dessa
forma, será possível entender a razão de termos ingredientes com característica alimentar de
uma região e não de outra, dentro do mesmo país.
Ademais, os próximos tópicos constituirão realmente a divisão de regiões, os costumes de
cada uma delas, bem como os ingredientes mais utilizados e consumidos na gastronomia – tanto
da Itália quanto da França.
O que comem os italianos e os franceses? Vamos descobrir?
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 51
Outras Culturas
e a Regionalização
de Ingredientes
Datamos de 1500 a.C. a 500 a.C., em média, panelas suspensas com ganchos” (INSTITUTO
quando os gauleses celtas invadiram as terras AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011, p.132).
que hoje conhecemos por França e ali instalaram Passado mais tempo, já em 718 d.C. os
métodos de plantação, técnicas agrícolas eficien- mouros é que invadiram a França, passando
tes, dividindo o território em pequenas regiões, pela Espanha, e trouxeram a cultura da criação
as províncias ainda conhecidas atualmente. Em de cabras, bem como uma série de novos ingre-
56 a.C. foi a vez dos romanos, que se instalaram dientes e até introduziram novos métodos de
no local e começaram a produzir uma vasta va- cocção no local, métodos esses que, a partir de
riedade de queijos (os queijos na França ficaram então, fizeram parte da cultura do país e ainda
tão famosos que teremos um tópico exclusivo fazem, afinal, até então os métodos de assar e
para eles na próxima unidade), também tinham ferver eram ainda rudimentares. O Instituto
hábito de pescar e caçar, o que se popularizou Americano de Culinária (2011, p.132) segue
por todas as regiões: “nas lareiras, as carnes mostrando como os árabes influenciaram a gas-
eram assadas no espeto ou fervidas em grandes tronomia francesa:
Na Idade Média, eram comuns especiarias como pimenta do reino, cominho, anis,
gengibre, galanga, canela e alcaravia, consequência de o comércio de especiarias fazer
paradas nos muitos portos franceses. As influências árabes eram evidentes no uso de
amêndoas e arroz como espessante, resultado das viagens dos cavaleiros franceses
ao Oriente Médio.
Depois do casamento de Catarina de Médici, ita- era maior e melhor, ou seja, tanto a quantidade
liana, com o rei Henrique II, como já citado com quanto a qualidade dos vegetais aumentavam.
mais detalhes na Unidade I, a gastronomia apre- Por consequência, passam a utilizar menos es-
sentou mudanças mais drásticas, mais modernas peciarias nos pratos, pois a função do excesso
para a época, tornando-a também mais luxuosa, dos condimentos nas preparações era, inicial-
já se falava de uma haute cuisine. Foi por conta mente, mascarar o sabor dos ingredientes crus,
dessa união que a França teve um salto grande na bem como alguns eram reconhecidos por funções
culinária, até ficar tão conhecida e abastada como farmacêuticas ou dietéticas, e, apresentando mais
é. Nesse período, por volta dos séculos XVI e XVII, qualidade, é possível estimar o sabor natural de
junto dessa culinária mais moderna, descobriram cada elemento (FLANDRIN, 1998; INSTITUTO
que, fazendo rotação nas lavouras, o rendimento AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 53
Figura 10. Especiarias: canela, cardamomo, cúrcuma, anis, cominho, pimenta-do-reino, açafrão, entre outras.
na Idade Média apontam que já havia certa e ficavam sem emprego. Enquanto isso, os bur-
tendência a respeito das cozinhas regionais. gueses glorificavam a haute cuisine (INSTITUTO
Csergo (1998) apresenta como exemplo dessa AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011)
perspectiva a torta de brie, nome no qual pode-
Versão culinária dessa nova formulação
mos notar a citação do local onde é produzido o das diversidades culturais que marca a
queijo que dá a características principal à torta. década revolucionária, as cozinhas e as
Além desse, a autora explica que nos séculos especialidades alimentares da “terra” ou
das “províncias” – que, por comodidade,
XVII e XVIII são encontrados vários livros di-
designaremos por “regionais”, embora
vulgando a região de produção dos pratos, a la ainda não existam as regiões oficiais –
provençale, a la bourguignonne, a la flamande etc. encontraram, desde então, sua inscrição
E, antes mesmo disso, consta que já no século nessa redefinição da complementarida-
de das diversidades que fundamenta a
XVI inúmeras produções – dentre elas queijos,
nação histórica, essa coletividade de
manteiga, óleos, vinagres – eram vendidas com homens unidos por uma continuida-
a reputação de seu local de produção. de, um passado e um futuro (CSERGO,
1998. p.806).
Apesar dessa grande evolução, com o ad-
vento da Revolução Francesa (1789-1799), que
gerou crise econômica por conta dos elevados A queda da Bastilha acaba elucidando a impor-
preços dos gêneros alimentícios e queda na pro- tância que as particularidades de cada região
dução de cereais, os agricultores, que eram a têm, não apenas no contexto privado social,
parte maior da sociedade francesa, empobreciam mas sim em âmbito geral, que esses ingredien-
tes são parte de uma nação, que as particula-
ridades são a representação daquela cultura
local, que essas províncias apresentam uma
riquíssima diversidade, tornando aquela gas-
tronomia um elemento notável. A partir daí,
as características geográficas tornam-se mania
Como é essa visão hoje? Consideramos
sabor, dietética ou a combinação? aos parisienses e todos aqueles aspectos que
Queremos enganar o gosto dos alimen- diferenciam um local do outro – não apenas
tos? Reflita! no quesito gastronômico, como também na
Fonte: O autor. arquitetura e na flora, por exemplo – começam
a surgir na literatura para definir as especiali-
dades regionais (CSERGO, 1998).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 55
Em meio a isso, pouco antes do marco da modo que apresentavam uma mistura entre as
Revolução, deu-se o surgimento do restaurante culturas da cozinha burguesa, de maior requinte,
(lembra do caso Boulanger, em 1765? Você pode e a da cozinha camponesa, mais simples e rústica.
retomar essas informações no tópico “O nasci- Csergo (1998) afirma que, próximo ao século XIX,
mento da gastronomia clássica”, na Unidade I) os primeiros livros de receitas “regionais” são
e, posteriormente, a divisão de serviços de ali- publicados na França, sendo eles escritos tanto
mentação mudou sua concepção. Passado o perí- por cozinheiros profissionais quanto por donas
odo de maior agitação, o governo revolucionário de casa. Podemos citar a cozinha de Genebra, de
aboliu as confrarias – fornecedores de refeições Mulhouse e da Alsácia como exemplos de regiões
especializados em preparos específicos estabele- que tiveram suas receitas coletadas e se tornaram
cidos pelo rei –, o que fez aumentar o número de livros. O gênero literário se alastra e até mesmo
restaurantes e passou a refletir a criatividade dos ícones internacionais são citados – os burgueses
chefs ali presentes (GISSLEN, 2012). começaram acrescentar pratos de outras nações,
afirmando que, de tão bons, poderiam ser encon-
Outra invenção importante que mudou
a organização das cozinhas no século trados em sua própria terra. A autora explica que,
XVIII foi o fogão, potager em francês, que ao final do século, a evolução dessas obras chegou
proporcionou aos cozinheiros uma fonte ao mais próximo do que temos hoje, livros culi-
de aquecimento mais prática e controlá-
vel que o fogo aberto. Logo as cozinhas
nários com as principais receitas da região, além
comerciais se dividiram em três setores: da listagem de ingredientes, produtos e histórias
a rotisseria, sob comando do cozinhei- locais, apresentando até mesmo os modos de se
ro de assados e grelhados ou rôtissieur;
comer à mesa, quando se tratavam de aspectos
o forno, sob comando do cozinheiro
confeiteiro ou pâtissier; e o fogão, sob distintivos.
o comando do cozinheiro ou cuisinier.
Essas obras apresentam componentes
O cozinheiro de assados e grelhados e o
idênticos: publicadas por editores locais,
confeiteiro reportavam ao cuisinier, que
destinadas a uma difusão local, elas or-
também era conhecido como chef de
ganizam-se em torno do tema do solo
cuisine, que significa “chefe de cozinha”
regional, submetido a uma divisão não
(GISSLEN, 2012, p.4).
administrativa, mas histórica [...] Em
todos os casos o autor é um representan-
Ainda que fortemente baseado na cozinha corte te da terra, notável ou erudito, depositá-
rio da “alma das gerações” que recolhe e
– marcada pela forte presença de Tayllerand e
transmite uma herança através da qual
Carême –, as primeiras escritas a respeito de uma se expressa a pertença e a identidade do
culinária regional começam a tomar forma, de grupo (CSERGO, 1998, p.812).
Cozinha Clássica
Afinal, apesar de termos o foie gras, como coloca (2000, p. 24) resume essa ordem em uma tabela
o Instituto Americano de Culinária (2011), comparativa:
como um item primordial da haute cuisine, não
Ordem dos serviços Ordem dos
é ele o alimento consumido em casa diariamente
(tradicional) serviços (atual)
pelo francês. As especialidades regionais sempre
1. Hors d’oeuvre frio
acabam se sobressaindo. (Entrada fria)
2. Sopa 1. Entrada
5. Prato principal
Antes de darmos início ao reconhecimento re-
6. Entrée
gional da Itália e da França, precisamos estar 3. Prato principal
cientes de que para italianos e franceses a se- 7. Sorbet
sem interferência do prato anterior; os assados, local ou o quanto ela poderia gastar com aquela
que eram grandes peças inteiras, passaram a ser refeição (COELHO, 2008).
utilizados em serviços buffet; e os entremets, Os cardápios (menus ou formules) mais em
artigo de pastelaria que foi agregado aos doces e conta oferecem, em geral, uma entrada,
passou a fazer parte, de modo geral, da sobremesa. um prato principal, um prato de queijos
ou uma sobremesa, além de uma pequena
Na Itália, não se considera jamais apenas um
jarra de vinho. Para cada prato, há sempre
prato como principal. É comum servir, inicial- algumas opções, de forma que cada cliente
mente, uma massa ou um risoto, nunca acompa- possa montar a sua própria sequência. As
propostas de menu mais caras já oferecem
nhado de carne, pois este é um prato a parte que
um maior número de pratos, como um
virá depois. O segundo prato, seja composto por consommé ou um caldo leve, duas entra-
ave, carne bovina, etc., é sempre rico em legumes, das (uma fria e outra quente), além do
prato principal, queijos, sobremesa, café
podendo ser servido um ou dois no mesmo prato
e licor. Pão não precisa ser pedido, pois
ou até mesmo tomando maiores proporções e será sempre servido ao longo de toda a
sendo os elementos principais – esses pratos à refeição, e uma jarra de água de torneira
base de legumes são chamados de contorno. Em pode sempre ser solicitada sem qualquer
custo, pois, por lei, servir água é obrigató-
seguida ao contorno, apresenta-se um prato de rio onde quer que se sirvam refeições ao
salada, de extrema importância pela sazonalidade público (COELHO, 2008, p.224).
e leveza, de modo a refrescar o paladar e prever
a obra final da refeição. Se a refeição é em casa, O parágrafo apresentado deixa claro os costu-
normalmente, servem-se frutas como sobremesa mes não só dos franceses como dos italianos
– no máximo marinadas –, deixando doces assa- com relação ao serviço de sequência de pratos.
dos ou mais elaborados para ocasiões especiais Fica evidente que a evolução se ajusta ao bolso
ou restaurantes. Claro que as refeições mais com- do cliente e à rotina do cotidiano, de modo que
pletas são feitas fora de casa, em restaurantes, cada um pode escolher o que se adequa ao mo-
mas os italianos prezam pela alimentação plena mento. Ainda assim, o número extenso demais
– quando dispõem de tempo (HAZAN, 1997). de pratos servidos já caiu em desuso mesmo
Atualmente, restaurantes na França costu- nos banquetes mais sofisticados. E, se há uma
mam expor seus cardápios na parte externa do regra a ser seguida com relação à distribuição
estabelecimento já com a indicação de preços, dos pratos, é de sugerir os pratos mais leves
para que as pessoas tenham acesso aos pratos primeiro, depois os mais pesados e, por último, o
ofertados pela casa e não entrem no estabeleci- doce, de modo que haja harmonia na sequência
mento sem ideia prévia do que é servido naquele e que um sabor não mascare o outro.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 59
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 61
Características
Gastronômicas
Regionais Italianas
C
omo é possível verificar no mapa, a italiano é construído a partir de uma base. Essa
Itália é uma península em forma de base é utilizada para aprimorar o ingrediente
bota que apresenta território tanto principal, seja um risoto, uma sopa ou qual-
no Mar Mediterrâneo quanto no Mar quer outro prato. Essa base pode ser uma das
Adriático, além de se unir à Europa pelos Alpes. três técnicas básicas que Hazan (1997) explica:
Sendo assim, já temos a ideia de que os produtos battuto, soffritto e insaporire.
encontrados em área banhada por mar é diferen- O battuto vem de “bater”, sendo que a
te de áreas não banhadas. As montanhas também técnica é basicamente a de misturar ingre-
interferem nas mudanças climáticas, enquanto dientes e batê-los com uma boa faca até
próximo aos Alpes o inverno apresenta-se rigo- estarem esmiuçados em uma tábua. A mis-
roso, o território banhado pelo Mediterrâneo tura clássica costuma levar toucinho, salsa e
apresenta clima mais ameno (HAZAN, 1997). cebola. De acordo com a variação do prato,
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 63
acrescentam salsão, alho ou cenoura e, atual- O insaporire é o ponto que procede ao soffrit-
mente, utilizam mais o azeite em substituição to e significa “conferir sabor”. Ou seja, quando o
ao toucinho. soffritto chegou à coloração ideal, deve-se acres-
O soffritto nada mais é que o battuto depois centar os legumes ou ingredientes principais
de suado em frigideira até que a cebola esteja com o fogo alto e saltear, para que o sabor seja
dourada (e o alho, quando utilizado). Muitas espalhado por todos os elementos.
vezes, todos os ingredientes são salteados Agora sim! Neste tópico, vamos conhecer
juntos, porém, é indicado separar cebola e alho, algumas regiões italianas, caracterizá-las para
sendo que a cebola deve ir à frigideira primeiro entender o que o solo permite colher, quais pro-
e depois de transparente o alho. Ao ponto que dutos são mais comuns e mais consumidos em
o alho esteja dourado, adiciona-se o restante cada uma dessas delimitações e como é a cultura
do battuto. gastronômica desse povo. As informações que
seguem a respeito de cada região são embasadas
em duas principais fontes de pesquisa que foram
cruzadas: Piras (2008) e Instituto Americano de
Culinária (2011).
queijo; a polenta; o pão de centeio; e imensa comuns dessa região são a bagna coada, legume
variedade em charcutaria. Também consomem piemontês com molho espesso de anchovas,
muita carne de vaca e de porco, sendo os méto- risoto a la piemontese, queijo gorgonzola e o
dos de cocção mais comuns os cozidos, assados castelmagno.
e estufados, seja com nata ou manteiga. Note A Lombardia deixa o macarrão em segun-
que esses ingredientes combinados resultam em do plano e assume a preferência pelo risoto.
alimentos ricos em calorias, o que é proposital Habitualmente, consomem queijo após as re-
devido às necessidades nutricionais diferencia- feições – a exemplo do robiola ou grana padano
das e ao clima montanhoso, mais frio. – e trocam óleos vegetais por manteiga. Pratos
bem comuns da região são o risoto com osso-
buco, ravióli recheado com abóbora (regado com
manteiga derretida), peru ou galinha recheados
e a casoeula, além desses, as carnes e caças cos-
tumam ser acompanhadas por uma dourada
polenta.
A gastronomia da Emilia-Romana é extre-
mamente marcada pelos famosos presuntos
e mortadelas frescas, parmesão condimenta-
do e macarrão caseiro. Esse macarrão caseiro
é habitualmente servido com molhos, pratos
de carne, caças, artigos de pastelaria doces ou
Figura 12. Pão de centeio: tradicional no Valle d’Aosta
salgados, sobremesas, vinhos e o vinagre bal-
sâmico (tradicional da região e feito por alguns
Piemonte apresenta uma gastronomia focada poucos produtores). São conhecidos também
em sabor e aromas de boa qualidade, sendo o por pratos de carne estufada, por erbazzone e pé
Outono o ápice da culinária, pois é nessa época de porco recheado. Outros produtos disponíveis
do ano que procuram mais pelas trufas, outros na Emilia-Romana são o lambrusco, a piadina
cogumelos, nozes e avelãs. Além desses, o alho, e um pão tradicional – fino e chato, cozido em
a caça, legumes frescos, queijo e o arroz são forno a lenha.
alimentos primordiais dessa região, bem como A região de Trentino credita a seu favor o
o vinho, famosos por apresentarem caracterís- preparo de peixes de água doce, gnocchi com
ticas de superioridade. Algumas especialidades ricota e frango recheado à moda Trentino.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 65
Fortemente influenciados por eslavos, austrí- Por influência austríaca, húngara e eslovena,
acos e húngaros, os trentinos têm hábito de consomem salsichas de Viena, muita carne
consumir o gulasch e o strudel. Além desses, de porco, gulasch, coelho da Boémia, pudins,
a batata, a couve, os canederli (parecido com cremes e strudel.
uma almôndega de pão), a massa, o tomate e o
azeite são comuns nas refeições.
A cozinha de Vêneto é baseada na prepa-
ração de risotos, seja com frutos do mar ou
peixes, abóbora, espargos, chicória ou cozinhas Região Central
de rã. Consomem muito as leguminosas – como
feijão – com azeite, também arroz com ervilhas A região Central da Itália apresenta semelhan-
novas e tenras, bacalhau, anchovas, soppressata ças com a região sul por ser próxima ao Mar
e salame de alho. Ainda são produtores de uma Mediterrâneo. É composta por Ligúria, Toscana,
variedade rica de legumes. Úmbria, Marcas, Lácio, Abruzos e Molise.
A gastronomia da Ligúria é extremamente
regional, pois eles dão preferência aos produtos
que se encontram em sua redondeza, os peixes
de seu mar e cultivos de suas terras. Isso vale
para as ervas aromáticas muito consumidas,
aos legumes frescos, peixes e frutos do mar e,
até mesmo, aos ovos. Tortas apimentadas são
características da Ligúria, como a torta pasquali-
na e a torta marinara, além dessas, eles chamam
sua pizza própria de pizza all’Andrea (semelhante
à focaccia, coberta com cebolas e anchovas).
Consomem também cogumelos, queijo fresco
Figura 13. Soppressata
(ricota) e azeite.
A área mais rural da Toscana é mais espe-
Friul e Veneza Julia são conhecidas pela boa cializada em carnes e caças assadas no espeto ou
cozinha e por bons vinhos (entre os melhores grelhadas. Já na área mais urbana, pratos como a
produtores italianos). Também produzem pre- bisteca ala fiorentina ou spiedino toscano são mais
suntos famosos, toucinho e queijo Montasio. aceitos – carnes assadas em espeto também,
Cozinha Clássica
porém mais sofisticadas, com azeite e alecrim. se perca a ênfase que deve ter o recheio.
Nessa região, predomina o consumo de legu- Em Lácio – e Roma – desde as tabernas o
minosas, pão, queijos, legumes e frutas secas. consumo de alguns produtos é comum, como
Eles próprios afirmam, também, que foram os as massas, brócolos, feijão, rábano, queijo de
criadores do tão famoso gelado italiano. ovelha, bem como os pratos bavette ala carretiere,
A culinária oferecida na Úmbria tem grande spaghetti ala puttanesca e spaghetti ala carbona-
influência religiosa e finda por ser mais natu- ra. O consumo de cappuccino é extremamente
ral, mais singela. Os métodos de cocção mais comum entre os romanos que costumam fre-
utilizados são cozidos e assados, normalmente quentar cafés logo pela manhã.
com tempero de azeite puro e ervas (suaves). Abruzos e Molise têm em sua cozinha o traço
Utilizam ingredientes sazonais, ou seja, mais
legumes na primavera, mais caça e trufas negras
no outono e inverno. Por ter como grande ri-
queza as trufas negras, utilizam-na em alguns
preparos clássicos da região: mistura com outros
ingredientes (como anchovas e alho) para pre-
parar guisados que são servidos com massas,
elaboram omeletes e, também, colocam na torta
di pasqua.
Marcas, ou Marche, é uma região dividi-
da com relação ao tipo de consumo alimentar.
Enquanto na área costeira consomem-se mais
peixes e frutos do mar (sejam grelhados ou em
sopas), nas colinas a preferência é para a carne
do javali e do porco – de cujos pernis tornam-se
belíssimos presuntos. Leitão, frango e peixes
são normalmente recheados com azeitonas sem
caroço. Os habitantes da região se autointitulam
criadores do leitão assado inteiro rodando no
espeto. O tagliatelle recheado com ragu é comu-
mente preparado em Marcas, servido apenas
com um molho de modo simples, para que não Figura 14. Spaghetti alla carbonara
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 67
Região Sul
A região Sul da Itália é a menos desenvolvida mais reconhecidos da região são: omeletes, sopas
do país, em contrapartida, é onde os aspectos de peixe, assados mal passados, pratos variados
de união familiar são mais predominantes. É feitos com legumes, massas e pizza. A salada
composta pela Campânia, Basilicata, Apúlia, caprese é uma criação clássica dessa região.
Calábria, Sicília e Sardenha.
Nápoles, na região de Campânia, apresenta
uma cozinha simples por conta da correria coti-
diana. Produtos como tomate, pimentos, cebo-
linhas, batatas, alcachofras, funcho, limões ou
laranjas crescem vistosos nessa terra, por conta
do solo fértil aos arredores do vulcão Vesúvio. Por
ser uma região banhada, consomem-se muitos
peixes e frutos do mar. Porém, além do grande
consumo de carne – principalmente para o ragu
das massas – o leite de búfala é utilizado para
fabricar a Mozzarella da Campânia. Os pratos Figura 16. Insalata caprese
Cozinha Clássica
A
culinária de Basilicata é famosa a produção e utilização da berinjela que é re-
pela salsicharia. Quando os porcos almente fonte de lucro dos habitantes desse
são abatidos – muitas vezes, a território.
engorda e matança desses ani- Sicília é a região de grande apreço por da-
mais são feitas de forma doméstica –, logo mascos, açúcar, citrinos, melões doces, arroz,
são transformados em lucanica, pezzenta ou açafrão, passas, noz moscada, cravinho, pimenta
cotechinata (salsichas artesanais). Parte dessa e canela. Além desses, posterior a influências
carne também é feita no espeto e, além dessas, estrangeiras, passaram a utilizar cacau, milho,
gostam bastante da carne de carneiro e de bor- peru e tomate. Partindo de grande criatividade,
rego. Igualmente à Campânia, são grandes con- os chefs locais são favoráveis a uma culinária
sumidores de piri-piri e, além disso, dão grande colorida, doce, saborosa, aromática, exótica e
valor às massas e ao queijo provolone. simples.
A Apúlia nos oferece uma cozinha rústica, Por fim, a região da Sardenha, pouco
em que se coloca muito alho e cebola em inúme- acessível a visitantes por ser uma ilha, tem
ras preparações. É a região que produz a maior na gastronomia, por ironia ao acesso fácil à
parte do trigo duro utilizado para fabricar as água do mar, maior consumo de animais de
massas italianas. Cultivam tomate, courgetes, pastoreio, como leitão e javali. Esses costu-
brócolos, pimentos, batata, espinafres, berin- mam ser feitos assado, no espeto ou cozidos
jelas, couve de Bruxelas, funcho, chicória, grão- de forma rústica com legumes selvagens e
-de-bico, lentilhas, feijão e favas. Além desses, feijão. Também consomem pão seco e acha-
o azeite é essencial à mesa nessa região. tado, mirto e hortelã, posicionando-os como
O povo árabe levou à Calábria tangerinas, cozinha antiga.
limões, passas, alcachofras e berinjelas, produ- Verifique na tabela os ingredientes que
tos até hoje produzidos e consumidos na região, fazem parte da dieta principal em cada região
caracterizando a gastronomia local. Vale reforçar italiana:
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 69
REGIÕES DA ITÁLIA
Região Cidade Principal Características da Culinária
Norte da Itália
Valle d' Aosta Aosta Manteiga, queijo de leite vaca, creme
de leite, nhonque, presunto cru, carnes
fervidas, peixes de água doce
Piemonte Turim Manteiga, nhonque, macarrão (ravióli, fettuccini),
cogumelos porcini, trufas brancas, peixes de
água doce, carne de porco, de boi, vitela; ferver
Lombardia Milão Manteiga, queijo de leite de vaca, creme de leite,
maçãs, peras, radicchio, açafrão, arroz, risotos,
milho, polenta, carne, vitela; ferver, brasear
Emília-Romanha Banha de porco de Bolonha, manteiga,
maçãs, peras, cerejas, tomates, aspargos,
beterrabas, trigo, macarrão fresco (lasanha,
tagliatelle, tortellini, agnolotti), milho, vinagre
balsâmico, parmigiano-reggiano, porco
processado (prosciutto, mortadella, coppa)
Trentino-Alto Ádige Trento Manteiga, repolho, batatas, arroz, polenta,
nhonque, strudel, peixes de água doce,
bacalhau salgado, prosciutto (San Daniele)
Vêneto Veneza Manteiga, azeite de oliva, maçãs, peras,
beterrabas, cebolas, ervilhas, radicchio,
arroz, polenta, macarrão (bigoli), bacalhau
salgado, enguia, scampi, fígado, peru
Friul-Veneza Júlia Trieste Manteiga, alcaravia, milho, batatas,
polenta, raiz-forte, páprica, feijão,
peixes e frutos do mar, veado
Itália Central
Ligúria Gênova Azeita de oliva, frutas cítricas, vegetais, ervas
aromáticas, pesto, vinho, macarrão fresco e
seco (ravióli), farinata, feijão, peixes e frutos
do mar, ensopados e sopas de peixe, coelho
Toscana Florença Azeite de oliva, queijo de ovelha, melão, tomates,
cavolo nero, espinafre, castanhas, nozes, trigo,
macarrão fresco (pappardelle), pão sem sal, feijão
branco, vinho, peixes de água doce, frutos do
mar, carne de boi, caça, aves; grelhar e assar
Úmbria Perugia Azeite de oliva, queijo de ovelha, trufas
negras, cogumelos porcini, macarrão
seco, pão sem sal, lentilhas, castanhas,
peixes de água doce, porco, carne de boi,
carneiro, carne curada; assar no espeto
Cozinha Clássica
Características
Gastronômicas
Regionais Francesas
Região Noroeste
País de Loire e o Centro são também conheci- espumantes, associados ao luxo. Para além
dos como jardim francês, por conta da grande disso, em Ardenne, encontra-se grande número
produção de cerejas, que originam o Guignolet de caças e de presuntos, sem deixar de citar a
(licor), de peras Belle-Angevine (frequentemente preferência pelo porco (tanto para charcutaria
cozidas no vinho tinto), de morangos, melões e quanto para consumo da carne fresca). Também
outras frutas. Também cultivam champignons, cultivam cevada, trigo e centeio. Alguns pratos
consomem inúmeras espécies de peixes, criam tradicionais de Ardenne são: tournedos de che-
aves (nobre galinha Géline), borregos, vitelos, vreuil au jambon de sanglier gratine à l’oignon e
vaca charolesa e ainda produzem um dos me- rouelles de jarret de marcassin braisées au cassis.
lhores queijos de cabra da França. Île de France, cuja capital é Paris, tem uma
cultura gastronômica rica, com padarias tra-
dicionais (em que se oferecem as famosas ba-
guettes), queijarias e charcutarias de luxo (com
Região Nordeste exposição de trufas, foie gras e caviar). Apesar de
muitas afirmações delatarem que não há uma
A região Nordeste da França é fortemente in- culinária própria – por conta da variedade gas-
fluenciada pelo sul alemão, apresenta solo fértil tronômica – pratos com entrecôte bercy, hachis
e é banhada pelo rio Reno. É composta por Nord- parmentier e navarin d’agneau são característicos
Pas-de-Calais, Picardia, Champagne-Ardenne, dessa região.
Île de France, Alsácia, Lorena e Franco-Condado.
A região Nord-Pas-de-Calais e a Picardia
apresentam características gastronômicas seme-
lhantes, isso se dá devido ao fato de dividirem
uma fronteira territorial. Essas regiões apresen-
tam uma produção agrícola forte e específica,
encontrando-se trigo, beterrabas sacarinas,
chicórias, endívias e batatas. Os animais mais
consumidos são o porco e uma variedade con-
siderável de peixes.
A região de Champagne-Ardenne é
mundialmente famosa por conta dos vinhos,
os champanhes – vinhos com bolinhas, Figura 19. Hachis Parmentier
Cozinha Clássica
Região Sudeste
Região Sudoeste
REGIÕES DA FRANÇA
Região Cidade Principal Características da Culinária
Noroeste da França
Bretanha Brest Maçãs, morangos, vagens, couves-flores, batatas,
alcachofras, cidra, crepe, peixe e frutos do mar
(ostras Bélon, lagosta, mexilhões, arraia, cavala,
linguado), peixe salgado, carneiro, pato, peru
Baixa e Cherbourg, Rouen Leite de vaca (queijo Camembert), creme de leite,
Alta-Normandia manteiga, mel, maçãs, cidra, Calvados, peixes
e frutos do mar (linguado, arenque, bacalhau,
mariscos, ostras, camarões, caranguejo Dungeness),
carne de boi (bucho), porco, carneiro, pato, frango
País do Loire Nantes Carne de boi, porco, pato, peixes e frutos do mar
Centro Orléans Queijo de cabra, ameixas, melões, peras, abóboras,
aspargos, cogumelos, alface-de-cordeiro,
endívia, escarola, azedinha, trigo, cevada, milho,
nozes, vinagres, caça (coelho, faisão, javali),
cordeiro, miúdos, frango, pato, peixes fluviais
(truta, carpa, congro, sável americano)
Nordeste da França
Nord-Pas-de-Calais Lillle Endívias, beterrabas, batatas,
trigos, cevada, peixe, porco
Picardia Beterrabas, batatas, trigos, cevadas, peixe, porco
Champagne-Ardenne Reims, Epernay, Beterrabas, batatas, champagne, trigo, centeio,
Charleville-Mézières, cevada, cerveja, caracóis, peixe e frutos do mar,
Châlons-sur-Marne, carneiro, porco (charcutaria), linguiças, caça (javali)
Chaumont, Troyes
Île de France Paris Batatas, Esplêndida culinária; não muito regional
Alsácia Estrasburgo Gordura de porco, gordura de ganso, ameixas,
maçãs, cerejas, uvas, aspargos, repolhos
(sauerkraut), batatas, cogumelos selvagens,
grãos, macarrão de ovos, spãtzle, ganso (foie
gras), porco, caça, peixes de água doce
Lorraine Nancy Manteiga, queijo de leite de vaca, ameixas,
maçãs, cerejas, uvas, repolho (sauerkraut),
batatas, cogumelos selvagens, grãos,
macarrão de ovos, spätzle, frango, ganso (foie
gras), porco, caça, peixes de água doce
Franco-Condado Besançon Queijo de leite de vaca (fondue), peixes de água
doce (truta), pernas de rã, charcutaria, frango
Sudeste da França
Borgonha Dijon Groselha, cogumelos, carne de boi, porco,
aves, caça, caracóis, mostarda
Cozinha Clássica
considerações finais
Ao final desta unidade, você já é capaz de identificar alguns dos povos que deixaram sua
marca na construção do território que hoje conhecemos por França. Você já sabe que,
em outros tempos, os gauleses instalaram métodos de cultivo nessas terras, os romanos
incentivaram a produção de queijos, os mouros criaram cabras e ensinaram novos méto-
dos de cocção e os árabes enriqueceram a cultura com especiarias. Conseguimos notar,
também, a importância da Itália para a construção da gastronomia clássica, pois foi com
a chegada de cozinheiros italianos que os franceses deram um grande salto culinário.
Com relação aos ingredientes, dizemos que eles se fazem importantes nas regiões e
foi apresentado a você cada local desses e suas especificidades. Porém, vale relembrá-lo(a)
de que isso foi possível graças ao enfoque na preocupação com as plantações, que resul-
taram em alimentos de melhor qualidade – além do rendimento maior. Isso favoreceu
as características próprias do vegetal, inicialmente, que passou a ter o sabor mais apre-
ciado. Dessa forma, o uso de condimentos diminuiu e, então, passaram a valorizar mais
cada um dos ingredientes. E, como você pôde conferir nesta unidade, isso se deu por
toda parte na Itália e na França, resultando na diversidade de um local para outro e em
territórios, engrandecendo o que é de sua terra.
Mas não acabamos por aqui. Na próxima unidade, você conhecerá os métodos de
aplicação desses ingredientes, que originam inúmeros pratos extremamente reconhecidos
– atualmente, inclusive – na cozinha clássica, além dos tópicos nos quais conversamos
sobre queijos e vinhos, alimentos aclamados na França.
Cozinha Clássica
atividades de estudo
material complementar
A chitarra é um utensílio rústico utilizado para dar formato às massas frescas. No
vídeo a seguir, você pode acompanhar o processo completo de fabricação de uma
massa fresca, a utilização da chitarra até a finalização da massa com o molho.
A FESTA DE BABETTE
Ano: 1989
Sinopse: Dinamarca, século XIX. Filippa (Bodil Kjer) e Martine (Birgitte
Federspiel) são filhas de um rigoroso pastor luterano. Após a morte do
religioso, surge no vilarejo Babette (Stéphane Audran) uma parisiense
que se oferece para ser a cozinheira e faxineira da família. Muitos anos
depois, ainda trabalhando na casa, ela recebe a notícia de que ganhou
um grande prêmio na loteria e se oferece para preparar um jantar francês
em comemoração ao centésimo aniversário do pastor. Os paroquianos,
a princípio, temerosos, acabam rendendo-se ao banquete de Babette.
Cozinha Clássica
A Feira
leitura complementar
leitura complementar
um bairro popular e pitoresco da cidade. Émile Zola o chamava “a barriga da
humanidade” e falava em seus escritos da “ avalanche matinal de comida em
pleno coração de Paris”. No início dos anos 70, o problema de tráfego no inte-
rior do bairro, o Marais, tornou-se insuportável e o halles foi transferido para
Rungis, no sul de Paris, dando lugar a um complexo comercial que provocou
desde o início a ira da maior parte dos arquitetos, inconformados com a des-
truição das célebres armações de ferro introduzidas por Baltard na reforma do
secular mercado. Rungis é hoje o maior mercado de atacado do mundo, com
mais de 2,5 milhões de toneladas de produtos comercializadas anualmente.
A feira francesa ao ar livre acontece duas vezes por semana na praça central
(ou de terça a sábado em alguns bairros da capital), geralmente situada na parte
antiga das cidades, não muito longe da igreja – ou no halles local, se existente.
Ao contrário da brasileira, ela não é sinônimo de produtos mais baratos; perdeu
a sua vocação popular inicial e tornou-se vitrine da qualidade dos produtores
tradicionais, ponto alto das especialidades regionais (mel, geleias, queijos), exó-
ticas (antilhanos, polinésios, orientais, africanos) ou nobres (foie gras, faisões,
salmões e lagostas). Nesse caso, se você tem um problema orçamentário, corra
já para o supermercado mais próximo!
O marche é o ponto de partida da imaginação dos apaixonados por culinária.
O cuidado com a apresentação das iguarias e a higiene, de tal modo que o olhar
guloso do cliente não resista à tentação, é outra determinante. E, claro, o clima
frio espanta naturalmente as moscas já praticamente inexistentes nestas latitu-
des. Os feirantes se esmeram em transformar seus étals (bancas) em quadros
coloridos. Os peixes são dispostos decorativamente sobre uma camada de gelo
picado, as carnes, aves e queijos mantidos em vitrines refrigeradas, as frutas e
legumes alinhados numa rica geometria de formas e cores... a ideia de ordem,
limpeza e abundância impera!
A feira tem também importância social: é ali que se encontram as pessoas
que trabalham durante a semana, batem papo, se convidam. Além de produtos
frescos de costumes, elas vão comprar o frango assado, a pizza quentinha, os
Cozinha Clássica
leitura complementar
• Os pratos célebres
• Queijos
• Vinhos
Objetivos de Aprendizagem
• Conhecer os pratos que se tornaram clássicos, célebres para a
gastronomia mundial.
• Explorar a variedade de queijos consumidos e fabricados na França.
• Investigar os vinhos produzidos na França.
• Notar a importância que o queijo e o vinho têm para a gastronomia
clássica.
89
Introdução
Prezado(a) aluno(a),
Chegamos à unidade final. Agora que você já absorveu tantas informações a respeito da
gastronomia clássica, o contexto histórico, os alimentos mais consumidos em cada região, está
na hora de te apresentar os pratos que marcaram época, que utilizam os ingredientes estudados
anteriormente para construir a base da gastronomia clássica, tanto francesa quanto italiana.
Sendo assim, em um primeiro momento nesta unidade, você terá contato com esses pratos
célebres. Você sabia que o Coq au Vin é da região de Borgonha? E que o ratatouille é de Provença?
Pois você saberá muito mais que isso até o final desta unidade.
Em sequência, exploraremos o universo dos queijos franceses e você ficará pasmado com o
número que eles produzem, tamanho é seu amor por esse alimento. Se você conhece o queijo
brie e acreditava ser esse o favoritinho dos franceses, pois você acertou. Mas saiba que é apenas
um dentro da excêntrica variedade produzida nas várias regiões.
Já no último tópico desta unidade, você entenderá mais sobre vinhos, como se deu início
à produção desse líquido tão apreciado, as características dos hábitos de consumo, o desenvol-
vimento da produção e as inserções históricas que atrapalharam o processo, e verificará que há
produção vinícola por toda a França.
Mas já devo pedir que você tenha muita atenção nesta unidade para entender que queijos
e vinhos são mais que alimentos para os franceses, são elevados e louvados, transcendendo os
hábitos alimentares. Aguardo você para mais essa viagem na gastronomia clássica!
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 91
Os Pratos
Célebres
Salada Niçoise
o que, além de incorporar sabor imponente, líquido. O líquido vai para a panela enquanto
acrescenta cor ao prato. Depois de recheado, esse cada pedaço de carne é seco para ser selado.
peito de frango é empanado, para que depois de Os legumes são também salteados e, ao final
sua fritura – seja em muito ou pouco óleo – o re- desse processo, todas as partes voltam a se
sultado seja uma casquinha crocante e apetitosa. encontrar. Ademais, é no forno que o famoso
prato é finalizado, depois de mais ou menos
uma hora e meia de cocção. Esse pode ser um
Pato com laranja pouquinho mais trabalhoso, porém o sabor é
estupendo.
Sabemos que a fama da carne de pato não é das
melhores, muitos murmúrios afirmam ser dura,
seca, porém, é tudo questão de adequar a cocção
e a combinação certa de ingredientes. A utiliza-
ção da laranja, um fruto cítrico, desempenha a
função de facilitar a cocção, além de combinar
um sabor que, ao mesmo tempo, é ácido e doce
ao preparo. O tempo total de cocção pode chegar
a uma hora e 45 minutos, tendo como resulta-
do uma carne suculenta. Diz-se que a receita é
original dos palácios parisienses.
Boeuf Bourguignon
Cassoulet
Quiche Lorraine
quantidade grande de ração a mais na goela do menos nobres na praia, e depois enriqueci-
ganso por meio de um funil – para que seus da na versão clássica. Apesar das inúmeras
fígados sejam extraídos gordos. A textura é de receitas, é comum servir junto dela croûtons
um patê fino e é comumente servido com trufas (pequenos pedaços de pão torrado) de alho e
(sobre as trufas você conhecerá um pouco mais rouille (molho apimentado).
logo adiante).
Croissants
Escargots au Bourgnonne
Há duas histórias a respeito dos croissants. A
Escargots são caracóis e a receita tradicional da primeira delas diz que foi criado para comemo-
região de Borgonha exige um preparo específico rar o fim da segunda guerra em Viena, quando
e é servido com uma manteiga de ervas. Os cara- tropas otomanas tentariam atacar durante a
cóis ficam 24 horas em jejum, depois são lavados noite de surpresa, porém não obtiveram suces-
em água corrente para remover a tampa calcária. so, pois os padeiros que trabalhavam no período
Em sal e vinagre ficam por 10 horas, para que noturno deram o alerta. Em comemoração à
saia a massa viscosa, são lavados novamente e vitória, criaram o pãozinho em forma de luz
aí, então, vão para a cocção em fervura por 30 crescente, simbolizando a bandeira otoma-
minutos. Depois desse processo, é possível re- na, popularizando-se na França por volta de
tirá-los da casca, para que se extraia o intestino 1700, quando foi levado por Maria Antonieta
grosso, feito isso, lava-se novamente. A manteiga da Áustria. A segunda história – registrada no
de ervas é colocada em cada casca de caracol e inventário culinário do patrimônio francês –
pressionada para dentro, em seguida, leva-se ao menciona, em 1549, um bolo no formato de
forno para gratinar e, então, é servida a iguaria. croissant na França, servido em um banquete
real em Paris. Independentemente de quem o
criou, o croissant é consumido e desejado por
Bouillabaisse todo o mundo, feito com massa folhada, leve,
amanteigado e servido não apenas no café da
Bouillabaisse, sopa típica do sul da França, manhã, mas também nos lanches, sanduíches.
ficou famosa no restaurante de Keith Floyd, Os croissants podem ser doces ou salgados e em
por volta de 1984. Foi inventada por pes- qualquer das variedades as camadas de massa
cadores, que cozinhavam pedaços de peixes amanteigada derretem na boca.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 97
Éclairs e Profiterolles
Ossobuco
Para se obter um bom resultado no preparo de de ingrediente como recheio de uma pizza e,
um risoto, com o arroz al dente e cremoso, é pre- para abrir essa, utilizavam-se as mãos, como o
ciso mexer durante todo o tempo de cocção, co- método tradicional, e também o rolo de massa.
brindo a porção de arroz com o líquido e, quando
este for quase todo absorvido, coloca-se mais.
italianos utilizam o açafrão em estigma ou o (arroz comum), riso semifino (arroz de bago
redondo), riso fino (arroz de bago médio
pó extraído de uma flor – que confere ao prato
ou de tamanho estandardizado) e riso su-
a cor amarelo dourada. perfino (arroz agulha)”.
Pizza
“O arroz é [...] um alimento especialmente
apreciado nestas paragens [Lombardia].
A pizza, tão famosa no Brasil, é ainda mais
Pode apresentar-se como uma sopa subs-
comum na Itália. Os Romanos já faziam a tancial ou como um risotto bem solto que
Focaccia muito antigamente e, na virada do pri- deixa, frequentemente, para segundo
plano os pratos de macarrão. [...] O risotto
meiro para o segundo milênio, já implantaram o
com Ossobuco é, por exemplo, um prato
nome pizza. Na Idade Média, a pizza ainda era bem ao gosto lombardo: permite poupar
semelhante a pães achatados e demorou um tempo pois serve simultaneamente de
pouco até que ficasse bem redonda e mais fina, entrada e prato principal”.
de gordura, pois é ela a protetora da carne delicada (ou trufas de Alba), encontradas nas regiões de
que fica sob cura de dez a doze meses. Piemonte e da Toscana, são as mais procuradas,
apresentando dois aromas intensos e nítidos: de
alho e de queijo curado. Para utilizar, raspa-se
Prosciutto di San Daniele a trufa crua diretamente no prato. Já as trufas
negras são mais encontradas na Úmbria e elas
Típico da região de Friuli, o presunto de San se destacam por poderem ser aquecidas – aten-
Daniele também tem origem legalmente con- ção, aquecidas, jamais cozidas – sem se perder
trolada. Para ser assim caracterizado, ele deve os aromas. O tubérculo negro é encontrado em
ser produzido a partir das pernas de porcos pro- algumas variedades: trufa negra de Norcia, trufa
venientes de Valpadana, animais que chegam a negra de inverno, trufa negra moscada e trufa
pesar 200 kg (imagine o tamanho da perna!). Bagnoli negra.
A carne selecionada é cortada e, então, tira-se
a gordura indesejada, deixando no formato es-
perado. Cada peça é pesada e o número de dias Molhos para Massas
de cura é equivalente ao seu peso, por exemplo,
uma peça de 13 kg fica 13 dias coberta por sal. Alguns molhos são clássicos italianos e servidos
Depois disso, retira-se o líquido, chegando à em todo o mundo. O aglio e olio são feitos à
aparência conhecida. A cura total do presunto base de alho frito no azeite, muito utilizado em
leva em torno de dez a treze meses. spaghetti e linguine; para o molho all’amatri-
ciana, utilizam-se tomate e guanciale (presunto
cru), indicado para massas longas de interior
Trufas Brancas e Negras oco; o molho preparado com guanciale, queijo e
ovos é o carbonara, acompanha massas longas
As trufas são cogumelos que crescem debaixo e finas; o pesto é tradicional da Ligúria, feito
do solo e vivem junto das raízes do carvalho, com manjericão, azeite, parmesão, pinhões e
do choupo e da aveleira. Apesar das tentativas, alho, muito recomendado para massas compri-
não se conseguiu fazê-las crescer artificialmente, das, finas e, até mesmo, recheadas; e o molho
então, ao apreciador de trufas cabe esperar que alla puttanesca é feito à base de anchovas e
um apanhador profissional encontre o precioso azeitonas, de sabor forte, costuma ser servido
cogumelo e pagar caro por ele. As trufas brancas também com massas compridas.
Cozinha Clássica
Sobremesa marcante por toda a Itália, Zuccotto A Panna Cotta é um creme italiano a base de
é praticamente uma obra de arte. Na parte ex- natas espessas, gelatina em folha sem sabor –
terna, apresenta uma camada de chocolate cro- mais tradicionalmente, porém é comum, atu-
cante e, por dentro, bolo embebido em licor, com almente, ser utilizada a gelatina sem sabor em
camadas de nata, creme de chocolate, cerejas, pó – e açúcar que, por ter um sabor suave, pode
amêndoas e avelãs. A explosão de sabores e tex- ser acompanhado de inúmeras geleias, frutas
turas é instantânea. e granitas (semelhante a um sorbet, a base de
água, açúcar e frutas). É uma sobremesa típica
principalmente no norte da Itália, mas foi muito
Tiramisù difundida e, atualmente, é preparada em todas
as regiões italianas.
Sobremesa à base de um queijo cremoso muito A gastronomia clássica apresenta inúme-
utilizado na Itália, o mascarpone. Palitos la reine ros pratos e existem livros e mais livros que
são mergulhados em café e Kahlúa (licor de café) abordam esse assunto. Conseguimos demarcar
e, então, formam camadas alternadas com o alguns dos mais famosos, que apresentam as ca-
queijo mascarpone e bastante cacau em pó. A so- racterísticas de algumas das regiões que conhe-
bremesa é um sucesso e deve ser servida gelada, cemos na unidade anterior. Mas não paramos
por isso, prepara-se com antecedência, de modo por aqui, vamos lá, temos queijos riquíssimos
que haja tempo para os sabores se misturarem. a nossa espera no próximo tópico.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 103
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 105
Queijos
Qualquer fromage-affineur que se preze pâtes pressées (prensados), pâtes moles à croûte
viaja continuamente por toda a França, lavée (de crosta dura e lavada e interior cremo-
sempre em busca dos melhores produto- so), pâtes moles à croûte fleurie (de crosta macia e
res de queijos, onde se abastece de novos
interior cremoso), pâtes persillées (os conhecidos
queijos, para ele próprio os curar da
melhor forma possível. Só depois deste no Brasil por queijos azuis, no centro dos quais
processo de affinage, quando o queijo encontram-se fungos verde azulados que os
tiver revelado todas as suas proprieda-
caracterizam, são os queijos mofados) e os les
des, é que é posto à venda.
chèvres (aqueles a base do leite de cabra). Apesar
Para exercer sua atividade, o affineur disso, Donel (1999) apresenta uma categoria de-
precisa de caves adequadas. Estas têm
de manter constantemente uma tempe-
nominada fromages frais, designando os queijos
ratura baixa e uma humidade do ar eleva- frescos à base do leite de vaca, de ovelha ou de
da. Mas para curar adequadamente cada cabra, que também estudaremos.
tipo de queijo, ele precisa de diferentes
Os queijos pâtes cuites apresentam crosta
câmaras que possam ser reguladas con-
forme os casos (DOMINÉ, 2001, p.46). dura e seca, na parte interna não são tão duros,
porém consistentes e com grandes buracos.
O autor ainda esclarece que a umidade do ar Esses queijos são produzidos em regiões mon-
influencia na característica da crosta do queijo, tanhosas, em divisa com a Suíça e a Itália, e
por exemplo, enquanto o camembert (logo mais levam de 6 meses a um ano para maturar. Pode
você será apresentado a ele) necessita de 95% de ser consumido puro, ralado, gratinado, normal-
umidade, queijos duros precisam de apenas 75 mente no inverno, e seu sabor é levemente fru-
ou 80%. Alguns queijos precisam ser lavados em tado. O exemplo mais conhecido dessa categoria
barrelas1 de sal, cerveja e até aguardente; outros é o gruyère, de origem suíça, porém utilizado
são envoltos em cinzas de madeira ou embru- no preparo do clássico quiche Lorraine – prato
lhados em folhas ou feno; ou então apenas francês. O emmenthal, comté, beaufor e appenzel
esfregados e virados, deixando-os descansar. são outros exemplos que originam, inclusive e
Barrela: “água onde se ferve cinza, usada para branquear roupas”, de acordo com o Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2006, p.168. Nesse
1
contexto, a barrela é um caldo que apresenta finalidade de branquear o queijo, por isso a base de sal, cerveja ou aguardente.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 107
em partes iguais, o fondue de Savoie (COELHO, às vezes, até adocicado. Formas e tamanhos não
2008; DONEL, 1999). são padrões, encontram-se de variações inúme-
Já os pâtes pressées, como foi dito, são aque- ras. Grande parte da produção também é de
les apenas prensados, ou seja, não são cozidos regiões montanhosas, como em Savóia, Massivo
e fabricados com leite coalho. A indicação de Central e Pirineus. A exemplo, podemos citar
consumo é para o verão, pois são mais leves, morbier, saint-nectaire, reblochon e tomme de
com casca dura e massa macia, de sabor sutil, Savoiei (COELHO, 2008; DONEL, 1999).
Os queijos de casca lavada, pâtes moles à croûte na sua fermentação”, afirma Coelho (2008,
lavée, apresentam crosta dura e interior mole. p.236), resultando nas devidas características
São os culpados pela má reputação a respeito do olfativas e gustativas. Por toda a França, encon-
cheiro dos queijos franceses, apesar disso, são tra-se produção desse tipo de queijo, produzidos
queijos de sabor intenso e marcantes, vão muito com leite de vaca. A exemplo, temos o pont-l’évê-
além do que o odor pode assuntar. “Durante o que, da Normandia, o époisses, da Borgonha e
seu tempo de maturação, eles têm a sua casca o niolo, à base de leite de ovelha, produzido na
lavada e escovada, procedimento que influencia Córsega (COELHO, 2008; DONEL, 1999).
Cozinha Clássica
Queijos frescos são aqueles mais magros, pobres sabia que os nossos conhecidos danoninhos são
em gorduras e com grande atividade aquosa, os petits suisses, inclusos nessa categoria? Além
os fromages frais. Esses não são exemplos de desse, podemos citar como exemplo os fromage
fermentação, nem de maturação e, por conta blancs, neufchâtel e gournay (DONEL, 1999).
da quantidade de água, devem ser consumidos Na tabela 4, você pode identificar os quei-
rapidamente ou acabam ficando rançosos. Esses jos franceses de acordo com as seis categorias
queijos não possuem aquela casca proveniente básicas disponíveis no Larousse de la cuisine,
da maturação, são moles e brancos, salgados como citado anteriormente. Alguns deles, os
e, muitas vezes, acrescidos de condimentos. datados, apresentam o selo de qualidade AOC
Utilizados com mel, açúcar, compotas ou geleias, – Appelation d’Origine Contrôlée – e o ano repre-
tornam-se ótimas sobremesas – inclusive, você senta quando o título foi a eles atribuído.
Cozinha Clássica
Agora que você já conhece as categorias de quei- tríade alimentar dos franceses –, você poderá
jos e suas características, se for à França, não aproveitar desses prazeres em todas as refeições.
deixe de se deleitar em sabores inusitados e tão E, por falar em vinhos, espero você no próximo
característicos de uma cultura. Já que os queijos tópico, para falarmos sobre esse líquido mara-
são consumidos junto do pão e do vinho – a vilhoso e tão contemplado.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 111
Vinhos
Não sabemos como o primeiro vinho foi feito, se foi uma descoberta
ou se foi o acaso. Mas, de acordo com a lenda, Dionísio, deus do
vinho, teria ensinado aos gregos o processo de vinificação e estes,
ao irem para Gália, levaram o conhecimento consigo, conta Donel
(1999).
O
autor também faz uma ressalva sobre Retornando um pouco no tempo, na Idade
um interessantíssimo fato: os campo- Média, os mosteiros foram os responsáveis por
neses europeus – fossem os bebedores manter os conhecimentos sobre a vinificação, o
de cerveja ou de vinho – não tinham que levou as regiões de Bordeaux e de Borgonha,
costume de se alimentar antes de sair para a na França, a serem tão reconhecidas pelo legado
labuta, e sim de tomar uma dessas bebidas. Os dessas abadias. A partir daí e até o século XVIII,
grandes caldeirões que ficavam dentro de casa a qualidade dos vinhos só aumentou e o reco-
serviam para aquecer o lar, para iluminar e para nhecimento por isso também. Houve apenas
deixar em cocção os alimentos que seriam con- dois momentos de infortúnio nesse período. O
sumidos a noite e, daí, temos a origem de alguns primeiro deles foi a Revolução Francesa (1789-
pratos clássicos de longo tempo de fogo – como 1799), que dividiu as propriedades, e o segundo,
o boeuf bourguignon e o cassoulet. Antes desse já no século XIX, a filoxera, que destruiu quase
horário de refeição, comiam apenas pão e queijo. todos os vinhedos franceses (DONEL, 1999).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 115
A filoxera é o nome de um pulgão que ataca o vinho, porém passaram a fabricar e beber alguns
caule e se alimenta da seiva até levar a videira de baixa qualidade. Bom, de onde chegou o pa-
à morte, cuja chegada à França se deve a uma rasita também chegou o remédio para conter a
linhagem importada do continente americano. praga, salvando os vinhos europeus da extinção
Quase toda a Europa foi atingida e os europeus – na realidade, as castas tinham sido levadas ao
se viram quase sem uvas viníferas – que haviam Chile (que não fora atacado) antes desse acon-
sido cultivadas por milênios. Durante esse perí- tecimento e, então, puderam retornar às suas
odo, os franceses não deixaram de consumir o origens (COELHO, 2008).
Para a retomada da viticultura na Europa, não bastava ter as diferentes castas de vitis vini-
fera [vinhas europeias] devidamente preservadas no Chile, já que a filoxera havia chegado
ao Velho Mundo para ficar. E, uma vez mais, a salvação veio da América. As espécies de
vinhas americanas (vitis labrusca e vitis bourquina), por serem bem mais rústicas que as
europeias, suportam bem o ataque da filoxera, produzem uma boa uva de mesa, [...], mas
que não têm o refinamento das uvas requeridas para vinificação. A solução encontrada
foi, então, a do enxerto, utilizando as espécies americanas como cavalo, isto é, suportes
plantados diretamente na terra, e enxertando no tronco delas espécies de vinhas europeias,
como cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc e pinot noir [...] (COELHO, 2008, p.239).
Bordeaux
Bordeuax é uma região vinícola de grande cume de 4.000 casas comerciais”, numera Dominé
para os franceses, pois, além de originar um pro- (2001, p.260).
duto de elevada qualidade, tem mais de 100.000 Em consonância, Dominé (2001) exalta
ha de vinhas plantadas. Dominé (2001) expli- que, do total da produção, os vinhos tintos [e
ca que o clima local é fator essencial para esse secos] são os predominantes e Donel (1999)
sucesso, pois se localiza próximo ao Oceano completa afirmando que esse número está aos
Atlântico e ao Golfo, mantendo uma tempera- arredores de 83% da produção total, ficando
tura média sem alterações bruscas. Além disso, 15% para os brancos e 2% para os brancos doces.
apresenta um outono com bastante sol, levando As castas mais importantes encontradas em
as uvas à maturação ideal – o que todo vinicul- Bordeaux são as de qualidade dos tintos cabernet
tor espera. “Os vinhos de Bordéus [Bordeaux] sauvignon, carbernet franc (ou bouchet), merlot,
são produzidos por aproximadamente 7.000 petit verdot, malbec, auxerrois, cot e pressac e de
quintas chamadas Château – muito poucas são qualidade dos brancos sémillon e sauvignon. Veja
na realidade palácios –, 60 cooperativas e cerca as características na tabela a seguir:
Merlot
De maturação precoce, muitas vezes de grande
rendimento, é um complemento importante
do Bordeaux, especialmente em Pomerol e
Saint-Émilion, e em Tessin, Itália, na Europa
Oriental, e Estados Unidos da América. O vinho
é frutado, sedoso, com corpo; amadurece
depressa devido aos suaves taninos.
Petit Verdot
De maturação muito tardia, e por isso
problemático e irregular. Muito raro, exceto
em Médoc. Dá um vinho muito escuro,
bem temperado, com grande volume e
taninos marcados. Soberbo no lote.
Borgonha
O Chardonnay germina desde cedo, o
Borgonha é também uma região vinícola de que o torna vulnerável à geada, mas
grande destaque na França, cujo território conta também amadurece cedo e fornece
com 40.000 ha – bem menor que a extensão de uvas particularmente ricas em glicose.
Não é uma casta muito aromática, mas
Bordeaux – e é dividido entre vários produtores reflecte a respectiva área de explora-
que fabricam seus vinhos de forma particular. ção na sua relação de extracto, acidez
Tanto vinhos brancos (de cepa Chardonnay) e força. A melhor forma de o vinificar é
em pequenos tonéis de carvalho, onde
quanto tintos (de cepa Pinot Noir) são produzidos
envelhece bem e desenvolve frequente-
em um solo pobre – favorável ao aprofundamento mente elegantes notas a torrado e a mel.
das raízes das vinhas – e clima propício – quente O Pinot Noir, o borgonhês <<tardio>>
no verão e frio no inverno (DONEL, 1999). ou <<azul>>, é sensível e caprichoso. Só
Cozinha Clássica
Champanhe
Para produzir a bebida cheia de bolhinhas de- região nada favorável às uvas pode ser consi-
nominada champanhe, um vinho espumante derado um milagre. Isso porque o sol é raro, a
fortemente associado ao luxo, campos e campos temperatura tem média anual de 10ºC (um a
de Champagne, localizada na região nordeste da menos e a uva não resistiria) e a terra é fraca.
França, encontram-se cobertos de vinhas. Para Aquelas uvas da região de Borgonha que
chegar ao resultado que conhecemos, é preciso você acabou de conhecer são utilizadas para a
que o vinho passe por um processo específico, fabricação desse vinho – tanto a cepa chardon-
conhecido por champenoise, que exige dupla fer- nay, quanto a pinot noir, como também a pinot
mentação (COELHO, 2008). meunier –, sem outra semelhança além dessa.
Segundo Edouard Zarifian (apud COELHO, Coelho (2008, p.244) explica o método como é
2008), conseguir produzir essa bebida em uma produzida a champanhe:
S
egundo Donel (1999), as champanhes
podem ser classificadas em muito
secas (extra-brut, brut nature, brute
sauvage), secas (brut – mais vendido),
meio-secos (extra-dry), ligeiramente doces (sec),
doces (demi sec) e as muito doces (doux). Vale
também ressaltar que na região de Champagne
se produz outros vinhos: blancs des blancs, leve e
delicado; rosé, pequena quantidade de pinot noir
tinto; e cremant, champanhe menos espumante.
Ao degustar um champanhe, utilize todos
os seus sentidos. Aprecie a cor e o som das pe-
quenas bolhas, deixe que elas se exibam no tato
de sua boca e que todos os sabores manifes-
tem-se, sinta cada um dos aromas. Afinal, se
nesse ritual utilizamos todos os sentidos, afirma
Edouard Zarifian (apud COELHO, 2008, p.245),
então, a “champanhe pode ser considerada como
a quintessência da sensualidade”.
Figura 31.
Champanhe
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 121
considerações finais
Chegamos ao final de mais uma unidade. Nela, você conheceu pratos da
gastronomia clássica, como o boeuf bourguignon – um guisado de carne e
legumes que utiliza vinho em seu preparo –, o cassoulet – a feijoada à moda
francesa –, entre outros preparos que destacam a utilização de ingredientes
locais de onde o prato surgiu e técnicas de cocção variadas, sendo que algumas
características em comum estão sempre presentes, por exemplo, a utilização
de legumes sazonais, azeite, queijos e vinhos.
Finalizamos esta unidade sabendo que os franceses podem consumir um
tipo diferente de queijo por dia sem repetir! E quando esses são harmonizados
com seus vinhos regionais, então, são ainda mais apreciados. Tomamos nota
de que os franceses têm queijos para todos os gostos, para os que preferem
queijos mais macios, mais crus, mais cremosos por dentro e duros por fora,
duros por dentro e duros por fora, fungados, com leite de vaca, de ovelha,
de cabra, enfim, para agradar uma imensidão. De todos eles, você conseguiu
encontrar seu favorito?
Além das grandes preparações e dos queijos, os franceses são produ-
tores e consumidores de vinhos de excelência reconhecida no mundo. Se
você pensava que todo vinho espumante era um champanhe, agora, você
sabe que, na verdade, para ser assim considerado, esse vinho com bolhinhas
deve ser produzido na região de Champagne, a partir do método designado
champenoise, seguindo um padrão rigoroso. Veja só, agora você é capaz de
apontar castas de uvas que crescem nas terras francesas e que dão origem a
vinhos em todo o país.
Um profissional de gastronomia deve ter conhecimento sobre tudo o que
é atual, sobre ingredientes locais e como utilizá-los. Porém, mais que isso,
esse profissional precisa reconhecer a origem da cultura do palato, por isso
recorremos à gastronomia clássica, de modo a entender quem nos auxiliou a
compreender os alimentos e agregar a eles a importância devida.
Cozinha Clássica
atividades de estudo
material complementar
Matthew Stubbs, Master of wine, especialista em Languedoc, fala sobre os vinhos
da região:
<https://www.youtube.com/watch?v=OUTGeQyiAnM>
Ratatouille
Brad Bird
Ano: 2007
material complementar
Riso Amaro
Giuseppe de Santis
Ano: 1949
leitura complementar
Terroir como
identidade cultural
CONCLUSÃO
Dileto(a) estudante,
Esta etapa chegou ao fim. Procurei oferecer a você um material adequado às necessidades de
um gastrônomo, para agregar valor à sua capacitação e enriquecer seus conhecimentos. Essa não é
uma caminhada que termina aqui. Você, com certeza, encontrará inúmeras informações ademais
a respeito de uma cultura tão rica, é só acompanhar os feitos atuais e ler bastante.
Você está concluindo a matéria de Cozinha Clássica ,conhecendo a evolução dos hábitos alimen-
tares dos franceses e como os italianos influenciaram essa culinária. Você é capaz de conceituar a
elevada e tão apreciada haute cuisine, bem como facilmente explica o movimento da nouvelle cuisine,
os responsáveis por seu surgimento e as razões que os motivaram.
Percorremos alguns caminhos que me levam à certeza de sua capacidade em contextualizar
o apreço ao gosto, com as novas preferências alimentares e a valorização do ingrediente por si –
levando à caracterização de cada região da França e da Itália. Além disso, imagino que seus ídolos
tenham mudado, pois os grandes chefs marcaram a história da gastronomia, a evolução da higiene
dentro de uma cozinha, da utilização de uniformes e divisão de praças, e você deve estar ansioso
para saber ainda mais sobre cada um deles.
E esta etapa foi finalizada capacitando seu reconhecimento de pratos célebres da gastronomia
clássica, verificando, dentro da culinária de outros locais, a utilização da mesma base, porém adap-
tadas ao paladar e aos ingredientes de cada país/região. Mais que isso, você é capaz de reconhecer
que essa prática seria abolida na haute cuisine, mas que, atualmente, o mundo todo aceita um
intercâmbio cultural no quesito alimentação e essas trocas são feitas e aceitas com tranquilidade.
Juntamente aos pratos, você também teve contato com inúmeros queijos e vinhos, alimentos que
fazem parte assiduamente da rotina francesa.
Querido(a) aluno(a), não deixe de sempre buscar novas leituras e complementar seu conhe-
cimento. As informações adicionais ao final de cada tópico são métodos de auxiliá-lo(a) a estudar
e direcionar a fontes diferentes de informação. Espero que esse trajeto tenha sido tão prazeroso a
você quanto foi para mim. Despeço-me por aqui deixando a certeza de pleno prazer em participar
de sua formação.
Bons estudos, bom apetite e muita manteiga para você!
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 127
CAVICCHIOLI, Marina Regis. 2006. Revista Adega [online]. Disponível em: <http://revistaadega.
referências
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Cozinha Clássica
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GASTRONOMIA • UNICESUMAR 129
UNIDADE I
gabarito
1. A Revolução Francesa (1789-1799) é tida como 3. Agora que você conhece um pouco da história
um marco para a gastronomia considerada clás- de grandes chefs, escolha um deles e explique
sica. Quais aspectos mudaram com relação à qual foi o legado que deixou.
gastronomia, ou seja, como era a alimentação Exemplo: Auguste Escoffier reorganizou as brigadas
medieval e quais as novas preocupações para de cozinha e sistematizou as praças, para funcio-
com o alimento após o advento da revolução? narem em suas especialidades como temos até os
A resposta deve conter as características alimenta- dias atuais. Você pode escolher outro chef de sua
res da Idade Média, a preocupação com quantidade, preferência e evidenciar os maiores feitos dele
banquetes suntuosos, opulentos, peças grandes de deixados para a gastronomia.
carnes e utilização exagerada de especiarias para
sobrepor o sabor do alimento. Após a revolução, UNIDADE II
deve-se caracterizar estabelecimentos que vendem 1. Além dos italianos, outras civilizações deixaram
caldos restauradores e os cozinheiros da corte que sua marca na França, influenciando também na
perdem seus empregos passam a trabalhar em gastronomia. Quais são esses povos e em que
pequenos restaurantes e os burgueses começam aspectos eles mais contribuíram?
a ter acesso à alimentação que antes era apenas da
Gauleses celtas: técnicas agrícolas eficientes; ro-
corte. Aumenta a preocupação dietética, consome-
manos: produção variada de queijos, pesca e caça;
-se mais legumes e não se mascara os alimentos,
mouros: criação de cabras e novos métodos de
exalta-se o sabor natural, ao invés de escondê-lo.
cocção; árabes: uso de amêndoas e arroz como
Preferência por gosto mais sutil e delicado.
espessante. Você deve aprofundar sua resposta ba-
2. A haute cuisine é tida como uma culinária de seado nesses tópicos, entendo o contexto histórico
molhos pesados, com ingredientes e técnicas em que cada uma dessas citações estão inseridas.
que exaltam a importância da cozinha francesa.
2. A respeito das características gastronômicas
Em meados dos anos 60, surge um novo movi-
da Itália, cite três regiões de sua preferência
mento: a nouvelle cuisine, que procura mudar
e os produtos ou pratos que marcam a cultura
esses conceitos. O que difere a haute cuisine da
desse local.
nouvelle cuisine? Quais chefs tiveram ligação
Exemplo: Emilia-Romana: presuntos e mortadelas
com esse movimento?
frescas, vinagre balsâmico e o lambrusco; Toscana:
Os novos chefs perceberam que as preparações
grande consumo de azeite e alecrim, intitulam-se
eram demoradas e gordurosas e, em meados dos
criadores do gelado italiano; Campânia: criação
anos 60, a população começou a enfrentar gran-
de búfalas e utilização do leite para produzir a
des problemas com colesterol e doenças cardía-
mozzarella de búfala, criação da salada caprese,
cas. Por conta disso, passaram a se preocupar em
elevado consumo de peixes e frutos do mar.
oferecer pratos mais leves, que enfatizassem uma
cozinha mais simples e desse foco àquele que 3. A respeito das características gastronômicas
cria os pratos, a imagem do chef. Assim, surge a da França, cite três regiões de sua preferência
nouvelle cuisine. Chefs que marcaram o movimen- e os produtos ou pratos que marcam a cultura
to: Raimond Oliver, Gaston Lenôtre, Roger Vergé, desse local.
Alain Chapel, Alain Senderens, irmãos Troigrois. Exemplo: Champagne-Ardenne: famosos vinhos
Cozinha Clássica
“champagnes”, com bolhinhas, espumantes, con- de legumes regionais justifica o elevado consumo
gabarito
sumo da carne de porco, cultivo de cevada, trigo desse prato nessa região da França.
e centeio; Lorraine: prática em defumar e salgar,
2. Qual a categoria de queijos preferida dos france-
criação do quiche lorraine e das madalenas, ele-
ses? Explique as características que a qualificam
vado consumo de nata, manteiga, ovos, compotas
e dê exemplos de queijos consumidos.
e frutas; Midi-Pyrénées: produção de presuntos e
A categoria de queijos favorita dos francesas é a
charcutaria, criação do prato cassoulet e do queijo
de queijos com crosta branca e macia e interior
roquefort.
cremoso, chamada de pâte mole à croûte fleurie.
Normalmente, a base desses queijos é o leite de
UNIDADE III vaca, que dessora espontaneamente durante 2
1. Dos pratos célebres apresentados no primeiro ca- a 6 semanas e resulta na casquinha branca, de
pítulo desta unidade, qual foi o de sua preferência? sabor suave no interior. Alguns exemplos são: brie,
dos para seu preparo e os ingredientes disponíveis 3. A champanhe é todo vinho que contém bolhinhas,
e de mais consumo da região de sua origem. ou seja, é o nome de qualquer vinho espumante,
Exemplo: O tian de legumes é da região de Provença independente da região de sua produção.
e, como o próprio nome diz, é feito à base de uma Essa afirmação é correta ou falsa? Justifique sua
variedade de legumes preparados separadamen- resposta.
te que, depois de prontos, são intercalados para Essa afirmação é falsa. Para ser considerado cham-
uma apresentação mais elaborada. De acordo com panhe, as vinhas das quais provém a uva para
o estudo dos ingredientes regionais, a região de destino de produção do vinho devem ser neces-
provençal é abastada em azeite de oliva, alho, to- sariamente da região de Champagne, nordeste
mates, pimentões, cebolas, abobrinhas, erva-doce, francês. Além disso, deve passar pelo processo
alcachofra, grão de bico, berinjela, ervas aromáticas, de dupla fermentação, conhecido por método
peixes e frutos do mar, sendo assim, a variedade champenoise.