JORNAL

EDICAO nº 35. Nov., 2023

Periódico Pedagógico para estudantes do
Ensino Fundamental Anos Finais
e Ensino Médio.

CAPA: Por que temos

lembranças falsas
mesmo com uma boa
memória. Pág 10

Região Norte é 8
anos mais 'jovem' que
Sudeste: os achados
do censo 2022. Pág 5

'Quanto mais a pessoa

pensar, menos números
você vai ter' diz
influenciador sobre as
lives NPC. Pág 12

Qual foi a causa da

queda do Império
Romano? Pág 13
2 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 E D I T O R I A L

SU M Á RIO

2 • editorial
A escola do amanhã
Por Leonardo Távora
3 • MOBILIDADE URBANA

3,4,5 • brasil
6 • Especial
6 • Ciência
6,7,8 • ciência
8 • Arqueologia

9 • Personalidade
10,11 • MATÉRIA DE CAPA
12 • Sociedade
13 • História
13 • Redes Sociais
13,14 • Literatura
E X P ED IEN T E
Responsável – Projeto Lupa:
Weynner Lopes Rodrigues
Diretor da Escola de Formação da
Secretaria de Educação de Minas
Gerais
Conteudistas Vol. 35:
Leonardo Távora
Ana Tafnes
Vinícius Braz
Viviane Soares
Mônica Couto
* Esta publicação é para fins
didáticos. Proibida a comercialização
Projeto Gráfico: Oros Soluções
Educacionais
Supervisão: Anderson Camelo
Direção: Ana Paula Ribeiro
Designers: Douglas Lendel,
Ilustrações: Luíza Cardoso
Diagramação: Douglas Lendel
Meu diálogo hoje é com o estudante do século XXI, se torna uma jornada mais palpável e relevante para
mas também com o professor do século XXI. Sei a vida profissional.
bem das dificuldades de aplicar o que vou falar aqui, Conectividade é a palavra de ordem. Quando pro-
mas eu entendo que você também sabe o ganho fessores integram as disciplinas, rompem barreiras
que tentar pode trazer a todos. entre as áreas do conhecimento, afinal, no mundo
Estamos diante de uma verdadeira revolução edu- real, os desafios não se apresentam em comparti-
cacional neste século XXI, onde aprender não é mentos simplórios. Ao conectar os pontos, os jovens
apenas uma tarefa, mas tem se tornado uma jorna- ganham uma compreensão holística, desenvolven-
da emocionante rumo ao nosso potencial máximo. do uma visão crítica e habilidades interdisciplinares.
A gente, hoje, precisa imaginar que uma sala de aula Mas aqui está o trunfo: parcerias com o mundo real.
não é apenas um espaço físico, mas um portal para Ao estabelecermos pontes sólidas com empresas,
o futuro, onde a aprendizagem não é uma obriga- profissionais e instituições, os estudantes não ape-
ção, mas sim a chave para desbloquear um mundo nas aprendem sobre a vida profissional, mas mergu-
de oportunidades. lham nela desde cedo. Estágios, mentorias, projetos
Aprender as disciplinas oferecidas na escola trans- colaborativos — a sala de aula se torna um trampo-
cende os limites convencionais da educação. Nos- lim para o sucesso profissional.
sos professores, cada vez mais, dão adeus às aulas Imaginemos aqui uma geração de jovens não ape-
monótonas e bocejos entediantes e buscam trazer nas educados, mas verdadeiramente preparados
uma experiência educacional que envolve, inspira e para os desafios e oportunidades do mundo. Esta
prepara os jovens para os desafios do amanhã. abordagem não apenas gera visibilidade, mas cria
E eu vejo que o coração dessa revolução é a perso- uma autoridade inquestionável para a vida profis-
nalização. Cada estudante é único, e a aborda- sional dos estudantes. Eles não serão apenas
gem que se tem pregado hoje reconhece Imaginemos graduados; serão os arquitetos do futuro,
e celebra essa singularidade. As matérias aqui uma moldando o mundo com conhecimento,
abrem espaço para currículos flexíveis, geração de jovens criatividade e determinação.
não apenas educados,
que permitem aos alunos explorar suas Por isso, nessa conversa de hoje eu te
mas verdadeiramente
paixões, desenvolver habilidades práti- faço um chamamento: junte-se a esta
preparados para
cas e encontrar sua voz no mundo. os desafios e revolução educacional, na qual a apren-
O grande desafio é fazer com que as sa- dizagem é muito mais do que um meio; é
oportunidades
las de aula se transformem em laboratórios o catalisador para uma vida extraordinária.
de inovação, onde os estudantes não apenas O futuro agradecerá se conseguirmos formar
absorvem informações, mas as aplicam em projetos uma geração definitivamente empenhada com o
reais. A teoria encontra a prática, e a aprendizagem desenvolvimento concreto e sustentável.
M O B I L I D A D E U R B A N A Periódico pedagógico para estudantes 3

A história do Bonde no Brasil

Origem do Bonde: Como Surgiu o Meio de Transporte mais Antigo do Brasil
Disponível em: https://rabiscodahistoria.com/mobilidade-urbana-a-historia-do-bonde-no-brasil/. Acesso em: 21 out. 23

Você sabia que o bonde é o meio de transporte
mais antigo do Brasil? Ele surgiu na Europa, em
meados do século XIX, como uma alternativa aos
transportes puxados por animais, como cavalos
e burros. A ideia era criar um meio de transporte
mais rápido e eficiente, que pudesse transportar
mais pessoas e mercadorias.
O primeiro bonde elétrico foi criado em 1881, na
cidade de Berlim, na Alemanha. A partir daí, o bon-
de se popularizou rapidamente em diversas cida-
des europeias e americanas. No Brasil, o primeiro
bonde elétrico circulou em 1892, na cidade do Rio
de Janeiro.
A Popularização dos Bondes no Brasil e a Expan-
são da Rede de Transporte
A partir da década de 1890, os bondes se torna-
ram um meio de transporte muito popular no Bra-
sil. Eles eram utilizados tanto para o transporte de
passageiros quanto para o transporte de merca-
dorias como pensado na ideia original. As empre-
sas de bonde investiram na expansão da rede de
transporte, criando novas linhas e ampliando as
existentes.
Em São Paulo, por exemplo, a primeira linha de
bonde elétrico foi inaugurada em 1900. Assim, a
rede de transporte se expandiu rapidamente, che-
gando a ter mais de 200 km de trilhos. O mesmo
aconteceu em outras cidades brasileiras, como Rio
de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.
O Papel dos Bondes na Revolução Industrial e nos
Processos de Urbanização
Os bondes tiveram um papel fundamental na Re-
volução Industrial e nos processos de urbanização
das cidades. Eles permitiram a criação de novos tável.
bairros e a expansão das áreas urbanas, levando o O Retorno Tímido dos
desenvolvimento para regiões antes isoladas. Além VLTs (Veículos Leves so-
disso, os bondes eram um meio de transporte mais bre Trilhos) na Mobilidade
rápido e eficiente do que os transportes pu- Urbana Atual
xados por animais, o que permitiu o au- Eles Nos últimos anos, os VLTs (Veículos Leves
mento da produtividade e a redução permitiram sobre Trilhos) têm sido apontados como
a criação de
dos custos de transporte. novos bairros e a
uma alternativa moderna e sustentável
A Crise dos Bondes no Século XX e a expansão das áreas para a mobilidade urbana. Eles são mais
Ascensão dos Ônibus como Meio de urbanas, levando o eficientes do que os ônibus em termos
Transporte Prevalente desenvolvimento para de velocidade e capacidade de trans-
No século XX, os bondes começa- regiões antes porte, além de serem menos poluentes.
ram a perder espaço para outros meios isoladas No entanto, o retorno dos VLTs ainda é tí-
de transporte, como os ônibus e os carros mido no Brasil. Algumas cidades, como Rio de
particulares. A crise dos bondes se agravou com a Janeiro e Santos, já possuem linhas em operação.
falta de investimentos em manutenção e moderni- Mas ainda há muito a ser feito para que esse meio
zação da rede de transporte. de transporte se torne uma opção viável em todas
A partir da década de 1950, os ônibus se tornaram as regiões do país.
o meio de transporte mais prevalente nas cidades Perspectivas Futuras para a Utilização do Bon-
brasileiras. Eles eram mais flexíveis do que os bon- de como Alternativa Sustentável e Moderna de
des, podiam circular em qualquer rua e não preci- Transporte nas Cidades Brasileiras
savam de trilhos para se deslocar. Apesar dos desafios, existem perspectivas futuras
A Importância da Preservação do Patrimônio His- para a utilização do bonde como uma alternativa
tórico dos Bondes para as Cidades Brasileiras sustentável e moderna de transporte nas cidades
Apesar da crise dos bondes, muitas cidades bra- brasileiras. Com investimentos em tecnologia e in-
sileiras ainda possuem patrimônios históricos rela- fraestrutura, é possível criar novas linhas de bonde
cionados a esse meio de transporte. São estações, e modernizar as existentes.
trilhos e veículos antigos que contam a história da Além disso, o bonde pode ser integrado a outros
mobilidade urbana no Brasil. meios de transporte, como ônibus, metrô e bi-
A preservação desse patrimônio é importante não cicletas. Isso permitiria uma mobilidade urbana
só para a memória das cidades, mas também para mais integrada e eficiente, reduzindo os conges-
a valorização do turismo e para a conscientização tionamentos e melhorando a qualidade de vida
sobre a importância da mobilidade urbana susten- nas cidades.

B R A S I L

Censo 2022: número de idosos de 65 anos

ou mais cresceu 57,4% em 12 anos
Fonte: IBGE, 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/mpjxwdu8. Acesso em: 21 out. 2023.

Em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais
no país (22.169.101) chegou a 10,9% da população,
com alta de 57,4% frente a 2010, quando esse con-
tingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população.
É o que revelam os resultados do universo da po-
pulação do Brasil desagregada por idade e sexo, do
Censo Demográfico 2022. Esta segunda apuração
do Censo mostra uma população de 203.080.756
habitantes, com 18.244 pessoas a mais do que na
primeira apuração.
“Após a divulgação dos primeiros resultados foi neces-
sário realizar, pontualmente, alguns procedimentos de
revisão, que acarretaram nessa diferença ínfima em
termos percentuais”, explica o gerente técnico do
Censo, Luciano Duarte. Em relação aos resultados
do Censo 2022 divulgados anteriormente, 566 mu-
nicípios sofreram alteração de população.
O aumento da população de 65 anos ou mais em
conjunto com a diminuição da parcela da popula-
ção de até 14 anos no mesmo período, que passou
de 24,1% para 19,8%, evidenciam o franco envelhe-
4 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 B R A S I L
cimento da população brasileira.
“Ao longo do tempo a base da pirâmide etária foi se
estreitando devido à redução da fecundidade e dos
nascimentos que ocorrem no Brasil. Essa mudança no
formato da pirâmide etária passa a ser visível a par-
tir dos anos 1990 e a pirâmide etária do Brasil perde,
claramente, seu formato piramidal a partir de 2000.
O que se observa ao longo dos anos, é redução da po-
pulação jovem, com aumento da população em idade
adulta e também do topo da pirâmide até 2022”, ana-
lisa a gerente de Estudos e Análises da Dinâmica
Demográfica do IBGE, Izabel Marri.
Em 1980, o Brasil tinha 4,0% da população com 65
anos ou mais de idade. Os 10,9% alcançados em
2022 por essa parcela da população representa o
maior percentual encontrado nos Censos Demo-
gráficos. No outro extremo da pirâmide etária, o
percentual de crianças de até 14 anos de idade,
que era de 38,2% em 1980, passou a 19,8% em
2022. “Quando falamos de envelhecimento popula-
cional, é exatamente a redução da proporção da po-
pulação mais jovem em detrimento do aumento da
população mais velha”, destaca.
Ainda avaliando as proporções desses grupos etá-
rios específicos, agora para grandes regiões, a re-
gião Norte é a mais jovem do país, com 25,2% de
sua população com até 14 anos, seguida pelo Nor-
deste, com 21,1%. As regiões Sudeste e Sul apre-
sentam estruturas mais envelhecidas, com 18% e
18,2% de jovens de 0 a 14 anos, e as maiores pro-
porções de idosos com 65 anos e mais (12,2% e
12,1%, respectivamente). O Centro-Oeste possui
uma estrutura intermediária, com distribuição etá-
ria próxima da média do país.
“Podemos perceber que a queda da fecundidade
ocorreu primeiramente no Sudeste e no Sul do Brasil,
o que as faz as regiões mais envelhecidas, com menor
proporção de jovens. A região Norte, embora também maior o valor do indicador, mais envelhecida é a
tenha registrado uma redução da fecundidade ao lon- população. No Brasil, esse índice chegou a 55,2 em
go dos últimos anos em todos os estratos socioeconô- 2022, indicando que há 55,2 idosos para cada 100
micos, ainda se mantém a região proporcionalmente crianças de 0 a 14 anos. Em 2010, o índice de enve-
mais jovem. Também é na região Norte que observa- lhecimento era menor, correspondendo a 30,7%.
mos a menor proporção de pessoas adultas e idosas Municípios menos populosos, com até 5.000 ha-
em relação às outras regiões”, pontua a gerente. bitantes, tinham, em média, os maiores índices de
Idade mediana da população aumentou 6 anos envelhecimento, compondo uma proporção de
entre os Censos e atingiu os 35 anos 76,2 idosos para cada 100 pessoas de 0 a 14 anos
A idade mediana é um indicador que divide uma de idade. Os municípios mais populosos, com mais
população entre os 50% mais jovens e os 50% mais de 500.000 habitantes, apresentam o segundo
velhos. No Brasil, de 2010 para 2022, a idade me- maior valor do índice, com 63,9 idosos para cada
diana subiu de 29 anos para 35 anos, evidenciando 100 indivíduos da faixa etária de 0 a 14 anos.
o envelhecimento da população. No mesmo perí- Há redução gradual do índice de envelhecimento
odo, esse indicador aumentou nas cinco grandes entre os municípios de até 5.000 habitantes até os
regiões: Norte, de 24 para com 50.001 a 100.000 habitantes. A partir desse
29 anos; Nordeste, de 27 ponto, os valores crescem gradualmente à medida
para 33 anos; Sudeste, de que aumenta o porte populacional. “Uma possível
31 para 37 anos; Sul, de 31 explicação para esse fenômeno é o deslocamento
para 36 anos e Centro-Oes- de pessoas em idade economicamente ativa para
te, de 28 para 33 anos. as maiores cidades em busca de emprego, edu-
“Quando olhamos para as cação e serviços. Esse deslocamento de pessoas
unidades da federação, não adultas com seus filhos é predominantemente de
só a queda da fecundidade pessoas em idade reprodutiva, o que também re-
irá alterar essa idade media- sultará em um menor número de crianças e nasci-
na, mas podemos ter um efei- mentos nas cidades menores, de origem”, esclare-
to também de migração, com ce a pesquisadora do IBGE.
o recebimento de pessoas de
um determinado grupo etário
em certos estados, principal-
mente dos jovens adultos,
assim como naqueles estados
de onde os migrantes saem.
Esses fatores também im-
pactam e ajudam a entender
a idade mediana observada
nas UFs e nos municípios”,
explica Izabel.
De 2010 a 2022, índice de
envelhecimento sobe de
30,7 para 55,2
O índice de envelhecimento
é calculado pela razão en-
tre o grupo de idosos de 65
anos ou mais de idade em
relação à população de 0 a
14 anos. Portanto, quanto
B R A S I L
Região Norte é 8 anos mais 'jovem' que
Sudeste: os achados do censo 2022
Fonte: IBGE, 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/bw9zajzd
A cada dez anos, o Brasil tem uma oportunidade
inédita de olhar para a sua população com os cen-
sos demográficos. Nesta sexta-feira (27/10), chegou
um novo capítulo do censo realizado entre agosto e
outubro do ano passado e divulgado neste ano pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):
dados sobre a idade e o sexo dos brasileiros. Essa é a
quarta etapa de divulgação do Censo 2022 — como
mostrou a BBC News Brasil, já foram publicados da-
dos sobre o tamanho da população brasileira, os qui-
lombolas e os povos indígenas.
Os novos dados confirmam tendências constatadas
nos últimos Censos, como a de que a população bra-
sileira está cada vez mais envelhecida. O Censo 2022
mostra que 10,9% da população é de idosos com
mais de 65 anos (cerca de 22 milhões de pessoas) e
19,8% de crianças com até 14 anos (40 milhões).
Em 2010, o percentual e o número de idosos era
menor, e o de crianças, maior. Naquele ano, 7,4%
da população tinha mais de 65 anos (14 milhões) e
24% até 14 anos (45,9 milhões).
A pirâmide etária do Brasil está cada vez mais dife-
rente da pirâmide clássica, com uma grande base
representando os mais novos. "A partir de 1940,
tem início a transição demográfica do Brasil com
a redução da mortalidade. Essa redução afeta a
população de crianças primeiramente, e depois a
queda da mortalidade segue em todos os grupos
de idade", explicou à imprensa Izabel Marri, pes-
quisadora do IBGE e doutora em demografia. "A
gente começa a ver o estreitamento da base da
pirâmide no final da década de 1980 para 1990,
como efeito da queda da fecundidade [número
médio de filhos por mulher], iniciada em 1960 nas
regiões mais industrializadas do país." "A estrutu-
ra populacional está em franco envelhecimento e
tende a envelhecer mais."
Outro dado que evidencia o envelhecimento do país
é a chamada idade mediana, aquela que separa a me-
tade mais jovem da metade mais velha da população.
Essa idade no Brasil saltou de 29 anos em 2010 para
35 em 2022 — ou seja, aumentou seis anos de um
Censo para o outro. No Censo 1940, a distribuição
dos brasileiros por idade formava uma pirâmide clás-
sica, retratando uma população jovem:
Entre os anos 1980 e o Censo 1991, a base da pi-
râmide começa a encurtar em relação às outras
faixas, refletindo a queda na fecundidade.
A pirâmide do Censo 2022 mais parece um peão,
com a base mais curta do que as faixas etárias su-
periores, dos adultos. Enquanto isso, a parcela dos
Periódico pedagógico para estudantes 5
idosos aumentou em relação aos anos anteriores:
A idade mediana também revela outra coisa: todas
as regiões brasileiras estão envelhecendo, mas não
na mesma medida.
De 2010 para 2022, a idade aumentou em todas
elas, mas elas têm valores diferentes. Em ordem
crescente, a idade mediana no Norte é de 29 anos;
no Centro-Oeste e Nordeste, 33 anos; no Sul, 36
anos; e no Sudeste, 37 anos.
Os percentuais de crianças com até 14 anos e ido-
sos com mais de 65 anos também colocam o Norte
em uma ponta, e o Sudeste em outra. No Norte, as
crianças são 25% da população, e os idosos, 7%.
Já no Sudeste, as crianças são 18% da população,
e os idosos, 12%. Izabel Marri explica que as di-
ferenças constatadas atualmente remontam, em
parte, a tendências iniciadas nas décadas passa-
das."A queda da fecundidade iniciada lá em 1960
se inicia nas regiões mais industrializadas do país,
no Sudeste e Sul, entre as mulheres que residem
nas áreas urbanas e que são mais escolarizadas",
explica a demógrafa.
Acompanhando esses padrões regionais, duas cida-
des no Rio Grande do Sul, Coqueiro Baixo e União da
Serra, estão empatadas como as que têm a maior ida-
de mediana do país: 53 anos. Já aquela com a idade
mais jovem é Uiramutã, em Roraima, onde a mediana
é de 15 anos. Mas olhando para os dados dos Esta-
dos e principalmente dos municípios, nota-se que
há fatores particulares que influenciam na pirâmide
etária da cidade, como a migração e a atividade eco-
nômica no local. O tamanho dos municípios também
tende a fazer diferença, como mostra o chamado ín-
dice de envelhecimento — que é o número de idosos
(com mais de 65 anos) para cada grupo de 100 crian-
ças (de 0 a 14 anos).
Considerando o tamanho das cidades, o índice
mais alto está nos municípios com até 5 mil habi-
tantes: 76,2 idosos por grupo de crianças. "O que
acontece nos municípios muito pequenos é a saí-
da da população em idade economicamente ativa,
em idade reprodutiva, para cidades que oferecem
maior chances de emprego e melhor as ofertas de
serviço", explica a demógrafa do IBGE. Conforme
o tamanho dos municípios aumenta a partir dos 5
mil habitantes, a proporção de idosos diminui —
mas volta a aumentar nos municípios grandes, com
mais de 100 mil habitantes. "Aí, a gente tem o efei-
to do número menor de crianças. São nessas regi-
ões que o nível da fecundidade tende a ser mais
baixo", diz Marri sobre as cidades grandes.
6 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 E S P E C I A L

20 de Novembro - Dia da Consciência Negra

Disponível em: https://tinyurl.com/5c5mpc7d. Acesso em: 20 out. 2023.

A lei n° 10.639, de 09 de janeiro de 2003, incluiu o dia
20 de novembro no calendário escolar, data em que
comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra.
A mesma lei também tornou obrigatório o ensino so-
bre História e Cultura Afro-Brasileira. Portanto, os pro-
fessores devem inserir em seus planejamentos, aulas
sobre: História da África, a luta dos negros no Brasil, a
cultura africana e sua importância na formação da so-
ciedade brasileira.
POR QUE 20 DE NOVEMBRO?
A escolha dessa data não foi por acaso: em 20 de no-
vembro de 1695, Zumbi - líder do Quilombo dos Pal-
mares - foi morto em uma emboscada na Serra Dois
Irmãos, em Pernambuco, após liderar uma resistência
que culminou com o início da destruição do Quilombo
dos Palmares.
Comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra
nessa data é uma forma de homenagear e manter
viva em nossa memória essa figura histórica. Não
somente a imagem do líder, mas também sua impor-
tância na luta pela libertação dos escravizados, con-
cretizada em 1888.
Seguindo a Nigéria, o Brasil é a segunda maior nação
negra do mundo e tem cerca de 50% de afrodescen-
dentes entre sua população. Ainda assim, a história e
as produções culturais das pessoas negras pouco se
fazem presentes nos conteúdos escolares Especifica-
mente no que diz respeito às artes, há a supremacia do
código europeu como válido e as demais ocupam um
lugar periférico e até mesmo invisível, fato que contribui
para a negação dos códigos africanos e afro-brasileiros
como elemento importantíssimo para a formação da
cultura brasileira.
O termo afro-brasileiro designa pessoas e objetos culturais
e materiais de origem do continente africano.
No campo das artes, uma produção é considerada afro-
-brasileira quando congrega aspectos aparentes da arte
dos povos africanos, cujas peças mais conhecidas entre
nós são as máscaras e as esculturas.
O continente africano acolhe uma grande variedade de
culturas, assim, as artes da África apresentam estilos,
técnicas e funções diversas, conforme os valores cul-
turais de cada etnia, o que não é diferente em outras
partes do mundo.
De modo geral, as
produções das di-
versas culturas afri-
canas traduzem conceitos e valores sociais, educativos,
simbólicos e mitológicos, de acordo com a cultura de
sua comunidade.
As esculturas africanas possuem como características:
desproporção, frontalidade e geometrização e são usa-
das com o propósito de alcançar um alto nível de har-
monia entre o ser humano e a natureza. O significado
exato desses objetos é quase sempre desconhecido,
uma vez que depende da finalidade de cada peça e do
ritual a que esta se destina.
Nos documentos históricos, entre os quais as cartas
de viajantes estrangeiros que vinham ao Brasil, encon-
tram-se os registros da presença de ourives, escultores,
pintores e entalhadores negros, escravizados ou livres,
que produziam peças de alta qualidade técnica cuja ori-
ginalidade das produções era marcada pelas caracterís-
ticas étnico-culturais africanas. Muitas dessas escultu-
ras possuem características da estética africana como a
simetria, a desproporção, olhos e bocas salientes.

C I Ê N C I A

Moléculas orgânicas no planeta anão

Ceres parecem ter sido formadas lá
Por Danielle Cassita Disponível em: https://tinyurl.com/6rcuw25u

É possível que os vários asteroides que atingiram
o planeta anão Ceres tenham influenciado as re-
servas de moléculas orgânicas por lá. Em um novo
estudo, pesquisadores liderados por Juan Rizos,
astrofísico do Instituto de Astrofísica da Andaluzia,
analisaram a origem das moléculas e descobriram
que elas podem estar mais dispersas por Ceres do
que se pensava.
Tais moléculas foram reveladas em 2017, quando
cientistas estavam analisando os dados da missão Para os autores, isso mostra que os impactos
Dawn, da NASA. Eles encontraram moléculas ali- de asteroides tiveram influência na presença de
fáticas (um composto orgânico) em uma cratera abundância nas moléculas. “Estamos descobrindo
de impacto com mais de 50 km de diâmetro em que as moléculas orgânicas podem estar mais espa-
Ceres e, desde então, vêm tentando descobrir de lhadas do que anunciado inicialmente, e que pare-
onde as moléculas vieram. cem resistir a impactos com as condições de Ceres”,
Alguns estudos sugeriram que elas foram descreveu Rizos.
para lá por meio de asteroides, enquan- Eles ressaltam que, por enquanto, a
“Existe uma
to outros indicaram que se formaram possibilidade de origem dos compostos ainda não é
no próprio planeta anão. Para desco- que uma grande totalmente compreendida, mas ago-
brir mais detalhes sobre as origens reserva interior de ra os cientistas têm boas evidências
delas, Rizos e seus colegas realizaram orgânicos possa ser de que foram formadas em Ceres,
experimentos que imitaram as condi- encontrada dentro provavelmente na presença de água.
ções de impacto esperadas em Ceres. de Ceres” “Existe uma possibilidade de que uma
Eles também combinaram os dados da grande reserva interior de orgânicos possa
câmera e do espectrômetro da Dawn, e con- ser encontrada dentro de Ceres”, sugeriu Rizos.
seguiram mapear detalhadamente as áreas ricas Para ele, este resultado aumenta o potencial as-
em moléculas orgânicas de Ceres. Segundo a trobiológico deste mundo.
equipe, as descobertas mostram uma boa corre- O estudo foi apresentado em uma reunião do
lação entre moléculas orgânicas e as áreas com evento GSA Connects 2023, da Sociedade Geo-
vestígios de impactos mais antigos. lógica da América.
C I Ê N C I A Periódico pedagógico para estudantes 7

Astrobiologia e a procura científica por

vida em outros planetas
Como o estudo da procura por vida em outros planetas tem mudado e quais os próximos passos?
Disponível em: https://tinyurl.com/36p3azuj
Quando falamos em buscar vida em outros planetas, Dessa forma, consegue-se entender se os ambien- çado nos anos 2030. O equipa-
algumas imagens já são formadas em nossas mentes tes extraterrestres são habitáveis, “capazes de abrigar mento deverá solucionar tais problemas, e avançar
— principalmente no fértil imaginário popular bra- vida e não necessariamente habitados”. nas questões sobre procura de exoplanetas.
sileiro. A imagem de olhos brilhantes e um repórter O campo da Astrobiologia junta pesquisadores de Estudos na Astrobiologia
entrevistando o saudoso ‘E.T. Bilú’, ou a mais recente diferentes áreas — Geologia, Química, Física, Astro- O professor explica que os estudos laboratoriais e
aparição de corpos de seres minúsculos mumifica- nomia, Biologia, Ciência Atmosférica, Oceanografia, de observação são o primeiro passo nas pesquisas,
dos no México, logo pipocam, trazendo um sabor Ciências Planetárias, entre outros — visando fazer para que então as missões espaciais sejam efetua-
agridoce sobre o que se espera sobre a temática. um estudo complexo sobre essas condições. das, sendo elas o último passo no estudo.
Mas distanciando-se desses exemplos, o estudo “[O pesquisador] precisa ter uma abordagem multidis- Rodrigues também ressalta que pela proximidade e
por vida fora da Terra vem ganhando cada vez mais ciplinar, conversar com diferentes áreas e entender as pelo fato de serem extremamente interessantes, as
espaço na academia, para conseguir compreender diferentes linguagens. Por exemplo, eu não sei fazer pesquisas em Astrobiologia atualmente são bastan-
como, onde e de que forma esses seres vivos podem pesquisa em exoplanetas, eu sou pesquisador que fo- te focadas em Marte e em algumas luas de Saturno,
estar se desenvolvendo em outros astros. que em química, eu não sei fazer uma pesquisa que um como Europa . “Temos focado em ambientes mais ou
Dentre os principais campos científicos que visam astrônomo faz no planeta. Mas eu sei usar o resultado menos do tamanho da Terra, rochosos não — adianta
estudar a possibilidade de vida extraterrestre está a da pesquisa que eles fazem, para eu conseguir entender um planeta gasoso, pois achamos que não suportam
astrobiologia. [a minha área de pesquisa]”. a vida — temperaturas amenas, que tenha água, car-
O que é astrobiologia? Desafios técnicos bono, matéria orgânica e energia”.
A definição do termo astrobiologia, segundo a Aca- O avanço tecnológico é primordial para o avanço dos Além de missões para as luas geladas de Saturno
demia Brasileira de Letras é: “Área de pesquisa cien- estudos. Para o professor, “quando novas tecnolo- para exploração e o retorno de amostras de Marte ,
tífica que estuda a origem e a evolução da vida gias surgem, novas visões de mundo sur- o professor cita os grandes telescópios como alguns
na Terra e investiga a presença de formas de gem”. Um exemplo disso são as imagens dos meios de estudo que estão sendo desenvolvi-
vida no Universo”. do Telescópio Espacial James Webb da dos. “Na Terra, temos a miniaturização de equipa-
Inicialmente, o estudo da Astrobiolo- “quando novas Nasa , que vem detectando pistas so- mentos — tanto estudos em campo como poder ter
tecnologias surgem,
gia surge em meados dos anos 1950 e bre vida em outros planetas além do mais equipamentos que vão para Marte —, o apro-
novas visões de
1960, com o nome Exobiologia. A data mundo surgem” Sistema Solar. fundamento do estudo da biodiversidade do plane-
é marcada pela corrida espacial, e, con- As missões marcam uma nova “corrida ta e dos limites da vida e dos mecanismos de vida”,
sequentemente, a chegada do homem a espacial”, de pesquisadores que estão completa Rodrigues.
outros astros por meio de equipamentos na constante busca pela maior descoberta “Hoje estamos pensando mais na exploração espa-
de observação. científica de todos os tempos. cial, em usar micro-organismos, por exemplo, para
O momento da chegada do homem ao espaço que- Os telescópios espaciais surgem com a capacidade levar para uma colônia em Marte, e produzir oxigê-
bra uma barreira que antes era puramente especula- de analisar as atmosferas dos planetas, o que gera nio. Então, está se pensando, não para agora, mas
tiva, que girava em torno de teorias conspiratórias e novas informações para os pesquisadores conse- para o futuro, para nós podermos explorar outros
ufologia, e ganha um caráter científico com a possi- guirem avançar nas pesquisas dentro do campo da planetas.”
bilidade de estudar e provar algo. Astrobiologia. Quando questionado sobre o que poderia significar
O estudo da Exobiologia então se estende até me- Recentemente, foi descoberto um possível sinal de o surgimento de vida em outros planetas, Rodrigues
ados dos anos 1970, com foco em achar vestígios um gás comum na Terra, que é produzido por orga- explica: “Toda vida da Terra é muito parecida, a gente
de vida em Marte, por ser um alvo ‘fácil’. O professor nismos marinhos simples, em um planeta chamado acredita que teve uma origem em comum. Então, des-
doutor do Departamento de Química Fundamen- K2-18b, a 120 anos-luz do nosso Sistema Solar . de uma grande baleia, até uma planta e até uma bac-
tal da USP, Fábio Rodrigues, explica que a falta de Além do possível gás, o planeta se encontra em uma téria, a vida é muito parecida. Então, quando a gente
sucesso nas missões feitas em Marte vira uma cha- zona chamada pelos astrônomos de “Cachinhos fala em achar um outro modelo de vida, talvez a gente
ve na maneira que o estudo de vida fora da Terra é Dourados”, que se refere à distância ideal entre o consiga ter uma teoria mais completa do que é vida! Se
feito. Eis que surge a questão: “elas não têm sucesso planeta e a estrela em que orbita, evitando que a su- ela for parecida com a Terra, entenderemos que a vida é
em encontrar vida porque não existe vida, ou porque a perfície do astro não seja nem muito quente, nem uma solução única. Agora se ela tem um jeito diferente,
gente não sabe como procurar, onde procurar e o que muito fria. Ideal para o surgimento de vida. ela tem um funcionamento muito diferente, podere-
procurar?” Ainda que o James Webb tenha uma grande aproxi- mos entender que vida é uma coisa mais ampla!”
Então, no final do século XX, surge a Astrobiologia mação para detectar os exoplanetas, ele ainda não Como em diversas áreas, em um determinado mo-
com outro enfoque. Agora, procura-se entender consegue detectar pequenos astros ou que estejam mento em que sai da especulação e se passa para
a vida como ela é no nosso planeta — surgimento, muito próximos a sua estrela, devido ao brilho inten- a experimentação, há uma quebra do que é tratado
condições evolucionárias e condições para a sobre- so. Por isso, a NASA está criando o Observatório de como científico e o que é pseudociência. Alguns
vivência —, e entender os ambientes extraterrestres. Mundos Habitáveis, que está previsto para ser lan- exemplos são a química e a alquimia, a astronomia e
8 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 C I Ê N C I A

a astrologia, e, neste caso, a ufologia e a astrobiologia.
A ufologia trabalhava em um campo muito mais fi-
losófico e especulativo sobre a possibilidade de vida
extraterrestre. Mas, com o avanço das tecnologias,
surgimentos de telescópios e a possibilidade de se
aplicar o método científico na área de pesquisa, elas
começam a se distanciar cada vez mais.
“Essas teorias conspiratórias, elas acabam surgin-
do até pelo próprio método científico, pois ciência
demora para dar resposta [...] Então, normalmente
isso surge como uma tentativa até de aplacar essa
grande ansiedade”, explica o professor.
“A Sociedade Brasileira de Astrobiologia, pacial em que o mundo passa, com novos
tem bastante ciência disso. Sabemos agentes surgindo constantemente, será
que é uma área que traz muito inte- A nova corrida o início de novos dilemas para as futu-
espacial em que o
resse, e se a gente não produz divul- ras gerações. “Tá crescendo a área do
mundo passa, será
gação científica de qualidade, vão ter o início de novos direito espacial, então o ser humano
materiais que não são de qualidade. dilemas para as vai se deparar com essas questões que
Então o que é importante é a divul- futuras gerações vão ter que respondê-las. O que a gen-
gação científica, é importante explicar te quer: preservamos Marte para buscar
o método científico, para que não pareça vida, ou fazemos missão de fazer uma co-
uma teoria da conspiração que se propague de lônia, ‘contaminando’ o planeta, em um esquema
forma mais forte do que as teorias científicas”. de, se a gente achar a vida, vai ser a vida que a gente
O professor finaliza dizendo que a nova corrida es- mesmo colocou lá?”

A R Q U E O L O G I A

Família de vespas de 130 milhões de anos

é descoberta em âmbar no Líbano
Raros insetos parasitas preservados em resina fóssil são a primeira evidência de como a
espécie era nas primeiras fases de sua evolução
Por Redação Galileu. Publicado em 26/10/2023. Disponível em: https://tinyurl.com/y356c89r. Acesso em 01 nov. 2023.

Até recentemente, cientistas não conheciam Paris, na França. O espécime embutido em autores acreditam
fósseis de vespas-joia (Chalcidoidea) de antes de âmbar tinha uma estrutura semelhante a uma existir outras famí-
100 milhões de anos atrás. Mas a descoberta cauda cobrindo seu ovipositor (órgão que de- lias igualmente antigas
de uma nova família desses insetos preserva- posita ovos). de Chalcidoidea esperando
dos em âmbar no Líbano supera essa marca: as "Anteriormente, foi descrito como um tipo com- para serem descobertas, seja no solo ou em
criaturas datam cerca de 130 milhões de anos. pletamente diferente de vespa; no entanto, os antigos gabinetes de museus.
A descoberta impressionante foi registrada autores rapidamente reconheceram que era,
em 23 de outubro no periódico Journal of Hy- de fato, um Chalcidoidea antigo", explica em
menoptera Research. Pesquisadores do Mu- comunicado Jonah Ulmer, primeiro autor do Vespas-joia estudadas pelos pesquisadores
seu Estadual de História Natural de Stuttgart estudo.
(SMNS), na Alemanha, e da Universidade Li- O especialista conta que, apesar de Chalcidoi- Os pesquisadores logo perceberam que
banesa descreveram a nova família de vespas dea estar no registro fóssil, nenhum pesqui- tinham identificado uma nova e muito an-
do Cretáceo junto de 10 novas espécies. sador havia registrado uma dessas vespas no tiga família de vespas-joia. A característica
As vespas-joias (Chalcidoidea) são um dos gru- Líbano e nenhuma era conhecida por ser tão mais marcante dessa família é uma longa
pos de insetos mais diversos, com mais de 120 antiga. estrutura em forma de pá, que se estende
mil espécies descritas e uma estimativa de qua- Vespas-joia estudadas pelos pesquisadores desde o final do abdômen.
se 1 milhão de espécies reais. Essas cria- Os pesquisadores logo perceberam que Apesar da espécie atual apresentar uma
turas são parasitas que atacam outros tinham identificado uma nova e mui- estrutura tão pronunciada, os cientistas
insetos para botar seus ovos e se de- to antiga família de vespas-joia. A supõem que esta parte do corpo tenha
As vespas-joias
senvolverem dentro do hospedeiro. (Chalcidoidea) são característica mais marcante dessa auxiliado na postura de ovos e oviposição,
Pesquisas moleculares e fósseis um dos grupos de família é uma longa estrutura em ou talvez na busca por hospedeiros entre
estimaram que o grupo se origi- insetos mais diversos, forma de pá, que se estende desde a folhagem solta.
nou no final do período Jurássi- com mais de 120 mil o final do abdômen.
co, cerca de 162 milhões de anos espécies descritas Apesar da espécie atual apresen- Foram encontrados múltiplos espécimes
atrás. Agora, a nova família descrita, tar uma estrutura tão pronunciada, semelhantes em âmbar e a família agora
Protoidae, fornece o primeiro vislum- os cientistas supõem que esta parte contém dois gêneros, Protoita e Cretaxeno-
bre de como eram essas vespas nas primei- do corpo tenha auxiliado na postura de ovos merus. Os autores acreditam existir outras
ras fases de sua evolução. e oviposição, ou talvez na busca por hospe- famílias igualmente antigas de Chalcidoi-
A descoberta ocorreu quando um dos coauto- deiros entre a folhagem solta. dea esperando para serem descobertas,
res da pesquisa, Lars Krogmann, pesquisador Foram encontrados múltiplos espécimes se- seja no solo ou em antigos gabinetes de
do SMNS, notou um fóssil incomum durante melhantes em âmbar e a família agora contém museus.
uma visita ao Museu de História Natural de dois gêneros, Protoita e Cretaxenomerus. Os
P E R S O N A L I D A D E
Mário de Andrade, cento e trinta anos que
transbordam em trezentos e cinquenta
Fonte: Escrevendo o Futuro. Disponível em: https://tinyurl.com/4f8n4y67. Acesso em: 27 out. 2023.
Desque me fiz poeta e fui trezentos, eu amei
Todos os homens, odiei a guerra, salvei a paz! (Mário de
Andrade, “A meditação sobre o Tietê”, In Poesias com-
pletas, Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo; Editora da
Universidade de São Paulo, 1987, p. 394.)
Há cento e trinta anos nascia Mário Raul de Moraes
Andrade, no dia nove de outubro de 1893, em um
casarão de sua extensa família na Rua Aurora, no cen-
tro de São Paulo. A aurora, que dá nome à rua de seu
nascimento, serve de simbolismo para dimensionar
no tempo, para os séculos seguintes, o sentido de
seu trabalho e das suas contribuições na renovação e
construção do pensamento brasileiro, nos planos da
literatura e da cultura em geral.
Mário nasce em um lar cuja composição fornecerá as
primeiras bases para pensar a formação da realidade
brasileira e as desigualdades que a fundamentam. Seus
pais, Maria Luisa de Moraes Andrade (1859-1949) e
Carlos Augusto Pereira de Andrade (1855-1917), são
ambos filhos de mulheres negras, respectivamente,
Anna Francisca Gomes da Silva e Manoela Fortunata
Gonçalves Pereira de Andrade2. A pouca importância
dada a ancestralidade negra do autor resultou em um
apagamento da convivência que manteve com seus
familiares negros. Pouco se sabe a respeito, e o mais
comum é que sobre eles haja um vazio ou poucas e
esparsas informações nas biografias sobre
o escritor e em genealogias de parte de sua
parentela branca, empreendidas para efeito
de elevar a estirpe ao sangue dos bandei-
rantes e ao período de fundação da cidade
de São Paulo.
Das avós e bisavós negras, Mário de Andra-
de parece herdar, além do sobrenome An-
drade, de sua avó Manoela, os traços físicos
e o tom de pele que o fizeram tão diferente
dos demais membros de sua família. Aos
olhos de muitos de seus contemporâne-
os, essas características também o fizeram
“mulato”, termo que com frequência foi
empregado como tentativa de diminuir-lhe
o prestígio literário em um ambiente social
predominante branco, no qual teorias eugenistas cor-
riam às largas. Com sua consagração e entrada para o
cânone da cultura do país, sua “cor duvidosa” e sua an-
cestralidade negra foram colocadas de lado e o escritor
passou a ser referido como branco, fato que evidencia
a conveniência das estratégias de embranquecimento.
De maneira oportuna, essas estratégias têm sido revis-
tas na atualidade.
Mário de Andrade foi gestor do primeiro órgão de cul-
tura do país, entre os anos de 1935 e 1938, quando
chefiou o Departamento de Cultura de São Paulo.
Com a Missão de Pesquisas Folclóricas, pesquisou
e registrou o patrimônio artístico pelo Brasil, o que
significou, em grande medida, registrar o patrimônio
negro-indígena. No mesmo departamento, criou polí-
ticas públicas voltadas à educação infantil para aten-
der as famílias operárias, como os Parques Públicos
Infantis e as Bibliotecas Circulantes, dando mostras de
uma identificação de classe com os operários, origem
social de seu pai e tios paternos. Foi também o respon-
sável pela criação do projeto preliminar do que hoje é o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), e atuou junto ao órgão de 1936 até o final de
sua vida, realizando um levantamento minucioso dos
bens culturais do Estado de São Paulo. Por um longo
período, Mário foi também professor no Conservató-
rio Dramático e Musical da cidade, sendo esse o seu
principal meio de subsistência.
Pouco lembradas, essas atuações demonstram o cará-
ter de intelectual público e engajado que assumiu fren-
te às demandas de um país que conhecia muito pouco
de si mesmo e da situação social de suas gentes. Tra-
jetória profissional múltipla, de um homem múltiplo,
com uma obra igualmente multifacetada. Mário de
Andrade escreveu e publicou em praticamente todos
os gêneros literários, mas é mais conheci-
do como o autor de Pauliceia Desvairada,
primeiro livro de poesia modernista no país,
publicado em 1922, e Macunaíma, roman-
ce-rapsódia, publicado em 1928, que ex-
plicita o projeto sempre renovado do autor
em busca da identidade brasileira.
Também foi um grande cronista, sendo
o seu livro mais conhecido no gênero, Os
filhos da Candinha, de 1943, dedicado ao
escritor e intelectual negro Fernando Góis.
Como ensaísta e biógrafo, vale destacar a
crítica literária que escreve sobre Macha-
do de Assis, por ocasião do centenário de
nascimento do escritor, em 1939; sobre
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
em 1935, e a biografia sobre o padre negro, e pintor
de igrejas, Jesuíno do Monte Carmelo, publicado em
1945. Esses últimos, além dos Estudos sobre o Negro
que constam na publicação Aspectos do Folclore Bra-
sileiro, só recentemente publicado, em 2019, integram
um conjunto de textos no qual Mário de Andrade apro-
funda suas reflexões sobre as tensões raciais, utilizan-
do a vida e a produção artística desses gênios negros,
em certo sentido como espelhos da sua própria, como
Periódico pedagógico para estudantes 9
paradigmas em uma
sociedade marcada-
mente racista. Em
seu longo poema “A
Meditação sobre o
Tietê”, presente no
seu último livro de
poesia, Lira Paulis-
tana, de 1945, Má-
rio canta o coração
exausto de um eu-lí-
rico, bardo mestiço,
retorcido pelo enfrentamento do mundo, mas redivivo
pela imposição de tudo quanto em si é marca humana
da (des)ventura de viver.
Como contista, sua produção é igualmente vultuosa.
Em Primeiro Andar, de 1926, experimenta, de manei-
ra tímida, temas e os aspectos formais de seu projeto
modernista. Em Os contos de Belazarte, de 1934, a
inventividade linguística e o aprofundamento das te-
máticas sociais podem ser aproximados da contística
posterior de Clarice Lispector e João Guimarães Rosa.
Será, no entanto, consagrado no gênero com Contos
novos, publicado postumamente em 1947.
A reunião de textos dos Contos novos abarca os te-
mas mais caros da trajetória do escritor, mesclando
registros autobiográficos com uma ficção apurada no
estilo e com alternância de perspectivas e ângulos
narrativos, em primeira e terceira pessoa. Destacam-
-se os contos “O poço”, no qual Mário problematiza as
violências cometidas pelos de classe mais alta contra
trabalhadores do campo, negros em sua maioria; “Pri-
meiro de maio”, no qual o autor expõe as agruras dos
trabalhadores urbanos em um contexto que os proíbe
de organização política; “Frederico Paciência”, no qual
a comovente história de um amor juvenil, e não-hete-
ronormativo, é impossibilitado de realizar-se dado as
imposições morais e legais da época; e “O peru de Na-
tal”, conto que mobiliza a experiência vivida por meio
da escrita ficcional e é considerado pelos grandes críti-
cos literários como o melhor conto de Mário de Andra-
de e um dos melhores contos brasileiros.
Cento e trinta anos de Mário de Andrade não são sufi-
cientes para medir o tamanho de sua obra para a cultu-
ra do país, talvez nem mesmo suas trezentas, trezentas
e cinquenta facetas cantadas em verso poético, em
Remate de Males, sejam suficientes para que o enten-
damos em sua complexidade. Mas se pouco consegui-
mos dimensionar do escritor, porque esse nos escapa
em sua vivacidade, ao lê-lo temos a possibilidade de
conhecer mais de nós mesmos.
10 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 M A T É R I A D E C A P A

Por que temos lembranças

falsas mesmo com uma
boa memória
Por redação do BBC News. Publicado em 26 de out. de 2023.
Disponível em: https://tinyurl.com/3nz8tf3t. Acesso em 28 de out. de 2023.

Mas, quando revivemos uma loga.

experiência própria, é preciso Shaw descreve as lembranças como bonecos de
conectar todas as partes do argila sem secar. “Cada vez que você volta a pegar
cérebro responsáveis pelas di- uma peça, você a remodela e, potencialmente, faz
ferentes sensações, formando outra muito diferente da anterior.”
uma grande e complicada rede “Você retira e coloca partes, porque esquece algu-
de neurônios. mas ou toma emprestadas recordações de outras
Shaw adverte que as lembranças pessoas, ou de outras fontes”, explica ela. “O que é
não são o registro exato do pas- intrigante sobre as recordações é que nós não temos
sado, como gostaríamos de imagi- acesso à versão original, mas apenas àquela que fize-
nar. Segundo ela, estudos científicos mos da última vez.”
já confirmaram, mais de uma vez, que a Intrigante ou perturbador?
forma como recordamos é inevitavelmen- Talvez ambos... e talvez tanto quanto os experi-
te defeituosa e costuma guardar pouca mentos desenvolvidos por Shaw e por ou-
relação com eventos que podem ser tros especialistas neste campo.
verificados. Implante de memórias
Crise de identidade Mas, se “somos a Shaw ficou conhecida por um experi-
nossa memória” e ela mento que fez parte do seu doutora-
Já aconte- “Somos a nossa memória, somos esse
é tão pouco confiável...
ceu de você se imenso museu de formas inconstan- do. Ela demonstrou como um grupo
será que nós somos
lembrar perfeitamente de ter deixado as chaves tes, essa porção de espelhos quebra- mentiras? de estudantes cria lembranças falsas.
em um certo lugar, de forma que, se elas não es- dos”, disse o escritor argentino Jorge Não estamos falando de pequenos
tão ali, é porque alguém as pegou, e depois desco- Luis Borges (1899-1986). Ele conseguiu detalhes. Os estudantes acabaram des-
brir que elas estavam todo o tempo no seu bolso? compreender muito bem que as recorda- crevendo como, poucos anos antes, ha-
Ou você, alguma vez, ouviu um amigo contar algo ções são realidades dinâmicas, mutantes e impre- viam agredido pessoas ou sido atacados por um
que aconteceu com você e a história dele ser bem cisas. animal – eventos que, na verdade, não haviam
diferente do que você se recorda? Mas, se “somos a nossa memória” e ela é tão pou- ocorrido.
Estas experiências nos deixam um tanto pertur- co confiável... será que nós somos mentiras? Mas eles não fizeram aquilo sozinhos. Shaw os in-
bados. Mas elas ocorrem com frequência e, às Em certo sentido, sim. Mas o fato de que nunca duziu a pensar assim em apenas três sessões. Ela
vezes, nem as percebemos. poderemos ter a certeza de que o que recorda- empregou informações fornecidas pelos pais dos
“Todas as pessoas têm recordações falsas o tempo mos está certo não deve nos preocupar, segundo voluntários para implantar as recordações.
todo, mesmo as que acreditam ter a melhor memória a especialista em lembranças falsas. Depois de ganhar sua confiança, ela dizia, por
do mundo”, garante a psicóloga Júlia Shaw, do Uni- “Acredito que é uma visão muito importante de exemplo, que seus pais haviam contado que,
versity College de Londres. como funciona o nosso cérebro”, explica Shaw. quando tinham 14 anos, eles atacaram alguém
Shaw se refere particularmente à memó- o nosso “E, em última instância, o nosso cérebro com uma arma e a polícia foi chamada.
ria autobiográfica, “as lembranças das cérebro não existe simplesmente para registrar o “Depois, introduzia detalhes da vida real, como ‘o seu
nossas vidas que vêm frequentemente não existe passado de forma perfeita e confiável. amigo Alan estava presente’, e dizia que aquilo acon-
simplesmente para
acompanhadas de um rodapé intitu- registrar o passado. Ele Ele está ali para navegar pelo presente teceu no lugar onde eles moravam naquela época”,
lado ‘componentes multissensoriais’: está ali para navegar e pensar no futuro.” explica Shaw. “É o suficiente para que alguém pense
recordar como se sentia, o que sabia, pelo presente e “Estas coisas maravilhosas e criativas ‘talvez tenha acontecido’.”
como via a si, como sonhava... com pensar no são excelentes para resolver proble- Em seguida, ela se oferecia para ajudá-los a se re-
emoções fortes”. futuro. mas, permitem que sejamos inteligentes, cordar daquilo que ela sabia que não poderia ser
“Essas [lembranças] são muito mais comple- recombinam criativamente informações re- recordado. E os orientava em exercícios de ima-
xas do que [recordar] um evento”, explicou Shaw ao colhidas no passado e as unem de forma que nunca ginação.
programa Life Scientific, da BBC. havíamos feito antes, para criar uma nova história, “No final, a quantidade de detalhes que eles me for-
Para se recordar de um evento — por exemplo, uma nova solução ou uma nova ideia.” neceram superou em muito as minhas expectativas”,
“no dia 11 de setembro de 2001, houve um ata- “É para isso que ele é adaptado e, portanto, coisas conta a psicóloga.
que às Torres Gêmeas em Nova York” — não é como falsas recordações são um subproduto dessa E não foi só isso: “assombrosos 70% dos partici-
preciso acessar muitos locais do cérebro. incrível capacidade de inteligência”, afirma a psicó- pantes do nosso estudo criaram falsas lembranças
 Periódico pedagógico para estudantes 11

de atividades ilegais. Do ponto de vista puramente Loftus escreveu dezenas de livros e afirma o con- ções totalmente implantadas, “nós damos o sinal de
científico, é emocionante”, destaca ela. trário, que “a nossa representação do passado é uma alerta”, segundo Shaw.
E do ponto de vista humano? realidade viva e em mutação”. Ela destaca que compreender como nossas re-
Afinal, ela levou um grupo de voluntários a passar “Não é um lugar lá atrás que conserva tudo em pe- cordações são frágeis e enganosas ajuda a evitar
semanas com recordações muito desagradáveis, dra, mas um ser vivo que muda de forma, erros judiciais.
para depois revelar que eles haviam sido engana- expande-se, encolhe e se expande de Parece ser algo benéfico, mas muitas
dos. novo – uma criatura parecida pessoas se perguntam se ques-
Será que podemos introduzir e apagar lembran- com uma ameba”, segundo tionar a memória de alguém
ças de uma pessoa? ela. nos tribunais pode tornar
A psicóloga ressalta que o estudo “passou por As recordações não ainda mais difícil a tomada
extensa aprovação ética, o que era natural porque são reproduzidas, de depoimento das víti-
foi uma grande manipulação”. E ela garante que, mas sim reconstruí- mas de delitos sexuais.
depois que explicou aos participantes do que se das. Diversos julgamentos
tratava o estudo, “a maioria se sentiu aliviada e ne- Além de oferecer de acusados de alto
nhum deles se indignou – ou, pelo menos, eles não indicações fas- perfil contrataram
me contaram”. cinantes sobre o Loftus como testemu-
Do seu ponto de vista, “foi uma grande experiência funcionamento da nha de defesa e pare-
de aprendizado”. mente, as pesqui- cem justificar esta pre-
“Nossas lembranças são influenciadas pelas pesso- sas sobre a ciência ocupação, incluindo os
as, geralmente sem intenção, todo o tempo”, explica da memória tiveram julgamentos de Bill Cos-
Shaw. “Por isso, acredito ser conveniente ensinar as repercussões na justiça by, dos jogadores de la-
pessoas a terem consciência disso e entender como penal, que depende mui- crosse de Duke, nos Estados
funciona esse processo.” to das declarações de teste- Unidos, acusados de violação
Por que foi feito o estudo? munhas e suspeitos. em 2006, e de Harvey Weinstein,
“Eu queria estudar algo denominado pensamento Poucos psicólogos foram mais in- entre outros.
criminal”, explica ela. “Sempre me interessei pelo cé- fluentes do que Loftus para revelar como os É claro que a presunção de inocência sempre im-
rebro ‘normal’, não tanto pelas patologias, mas como procedimentos padrão neste campo podem con- pera e que todas as pessoas merecem o direito de
as pessoas comuns podem se tornar delinquentes.” taminar a memória. defesa.
Foi por isso que Shaw se perguntou se poderia fa- A linguagem empregada para descrever um even- Mas, nos casos de abuso, que frequentemente
zer as pessoas se confessarem culpadas de crimes to pode alterar a forma de recordá-lo. Por isso, envolvem a palavra de um contra o outro, é parti-
que não haviam cometido. perguntas capciosas podem distorcer cularmente difícil observar como a ciência da me-
“Não só que eles dissessem que as declarações de suspeitos nos mória pode questionar as lembranças das vítimas
fizeram, mas que realmente interrogatórios policiais e até que são obrigadas a reviver aquele momento.
acreditassem naquilo”, ela os relatos das testemunhas “Precisamos ser muito cuidadosos e não considerar
conta. “A resposta é: sim, de defesa ou de acusa- que as lembranças não são provas suficientes. Este
é possível.” ção. não é o caso”, destaca Shaw.
Trata-se de uma ma- Esta possibilidade faz “Se não pudéssemos contar com as recordações, nos-
nifestação da fragi- com que especia- so sistema legal entraria em colapso e certos tipos de
lidade “da cortina listas como Loftus delitos nunca seriam condenados.” O fundamental,
que separa a nossa e Shaw sejam fre- para a especialista, é “educar o público”.
imaginação da nos- quentemente cha- “Sempre aconselho que, se acontecer com você ou
sa memória”, como madas para exami- se você for testemunha de algo importante, faça um
escreveu a psicóloga nar provas em casos registro fora do cérebro”, afirma Shaw. “Você precisa
mais destacada nes- judiciais. entender como sua memória pode mudar para poder
te campo, Elizabeth F. “Quase sempre, somos preservá-la ao máximo possível.”
Loftus, que realizou ex- contratadas pela defesa,
perimentos similares. não porque desejamos, mas
No banco dos réus pela natureza do nosso traba-
A qualidade das provas basea- lho”, destaca Julia Shaw. “Porque
das na memória pode ser questiona- questionar a memória de alguém tem a
da durante julgamentos. capacidade de introduzir dúvidas razoáveis.”
A Associação Norte-Americana de Psicologia Na maioria dos sistemas de acusação, as evidên-
considera Loftus uma das psicólogas mais desta- cias da promotoria devem estar além de dúvidas
cadas do século 20. Ela contribuiu para mudar a razoáveis para validar a condenação criminal.
noção dominante até poucas décadas atrás, de Se, em qualquer instância do processo, aplicando-
que nossas lembranças seriam representações -se a ciência das lembranças falsas, forem detec-
literais de eventos passados, guardadas em uma tadas possíveis manipulações que possam gerar
espécie de biblioteca mental. detalhes distorcidos, alterados ou até recorda-
12 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 S O C I E D A D E
'Quanto mais a pessoa pensar, menos números
você vai ter' diz influenciador sobre as lives NPC
Por Laura Couto. Disponível em: https://tinyurl.com/2ndzxm34. Acesso em 27-10-23
Após popularização e restrições nas últimas
semanas, as lives NPC têm intrigado usuários
do TikTok e levantado o debate sobre os tipos
de conteúdos que viralizam nas redes sociais.
A CBN conversou com influenciadores e
especialistas que explicam os motivos dessas
transmissões ao vivo ganharem espaço.
Se você é usuário de redes sociais com certeza
já se deparou com uma live NPC passando pelo
seu feed. Trata-se de uma transmissão aberta
por qualquer usuário, seja influenciador ou não,
que faz uma performance com movimentos
robotizados, interações repetitivas, usando
fantasias e filtros coloridos. Tudo isso para
prender a atenção e, assim, monetizar. Quem
assiste pode pagar de centavos até mil
reais como bonificação.
E a adesão tem sido tão grande ao
ponto de gerar muito dinheiro
e até mesmo restrições,
anunciadas pela plataforma
nesta semana. Criadores de
conteúdo mais conhecidos
chegam a faturar até R$50 mil
por live. Mas o que justifica tanto
sucesso?
Apontado como um dos principais
responsáveis pela popularização do
formato no Brasil, o youtuber Felca
alcançou números que impressionam.
Mais de 1 milhão de seguidores, 20
mil telespectadores ao vivo e uma
arrecadação de R$30 mil. Apesar
disso, Felca reconhece que esse
tipo de live não tem nenhum
compromisso em trazer
temáticas reflexivas.
"Quando você produz
conteúdo pro racional da pessoa, ele não dá
[retorno] tão legal do que quando você produz
para o límbico, pro dopaminérgico, pro sistema
que vai simplesmente liberar a dopamina, que
não vai fazer a pessoa pensar. Não é porque
tem número que tem valor. Quanto mais você
faz a pessoa pensar, menos números você vai
ter."
A sigla NPC, em tradução literal para o
Português, significa Personagem Não Jogável,
em referência aos jogos eletrônicos. Esses são
personagens que não podem ser controlados
por um jogador humano e, por isso, só reagem
quando há algum tipo de interação. Na live
NPC, isso foi adaptado e é feito por meio
de "presentes" virtuais, como rosas, milho e
café, que equivalem a moedas compradas na
plataforma. Depois do pagamento, os tiktokers
esboçam algum tipo de reação padronizada.
Apesar do engajamento, o formato NPC não
pretende gerar conexões com o público, diferente
das lives tradicionais. A doutora em Ciências da
Comunicação pela USP, Issaaf Karhawi, explica
que as lives NPC acabam potencializando uma
ideia antiga no mercado de influência de que o
único objetivo é agradar ao público.
"As lives de NPC parecem simular uma ideia
de marionetes. Alguém dá um comando e
o produtor de conteúdo responde a esse
comando num desenho perfeito do que seria
uma marionete contemporânea. Toda
a produção de conteúdo
parte da
premissa de que há
co-construção, de que públicos
e produtor de conteúdo e influenciadores
estão trabalhando juntos numa espécie de
construção de conteúdo compartilhada. As
lives de NPC colocam isso no limite."
Essas lives já eram conhecidas em nichos
específicos, principalmente no universo gamer
e geek e no continente asiático. A tiktoker e
youtuber Prizzaaa, de 24 anos, é mais uma das
criadoras de conteúdo que se renderam ao
formato. Para ela, o estranhamento inicial vem
do desconhecimento do público sobre o assunto,
como ocorreu com ASMR, que são vídeos em
que as pessoas falam de maneira sussurrada.
"Eu acho que é como qualquer outro tipo
de conteúdo esquisito da internet. É como
quando surgiu o ASMR em 2020. No início da
pandemia, todo mundo achava super esquisito
e começou um boom de um monte de gente
querendo fazer a ASMR. Ninguém entendia
porque que dava dinheiro fazer ASMR, porque
tinha gente que assistia. Hoje em dia já é uma
coisa mais normal, as pessoas entenderam que
é um nicho que existe"
Essa popularização, para a pesquisadora Issaaf
Karhawi, tem a ver com uma promessa de
dinheiro rápido e fácil e, ainda, a possibilidade
de viralização.
"As lives de NPC encontram um solo muito fértil
num cenário como o nosso brasileiro. Taxas
de desemprego, um salário mínimo que não
oferece a possibilidade de o trabalhador viver
dignamente. Então, é claro que a promessa de
fazer três mil, quatro mil em uma hora vai ser
sedutora. A gente vive numa cultura da
atenção. A atenção do outro é moeda. A
gente não troca necessariamente reais
nas redes sociais. Na verdade, as redes
são gratuitas pra gente. O que a gente
oferece de moeda é a nossa atenção"
E um dos motivos para o formato
NPC ter crescido tanto, em tão pouco
tempo, tem a ver com a maneira que o
algoritmo dessas plataformas funciona.
Para o professor de Inteligência Artificial,
Alexandre Montanha, qualquer tipo de
interação, mesmo que seja para repudiar
o conteúdo, já é suficiente para que o vídeo
fique em alta.
"A plataforma não está interessada se você
gostou ou não gostou. Ela está interessada que
você interagiu com aquele conteúdo porque,
quanto mais você interage, mais tempo você
passa na plataforma. Então, se você para
pra dar um deslike, se você para pra fazer
um comentário a respeito daquele tema, a
plataforma entende o seguinte: 'vou mandar
pra ela porque ela me dá mais tempo de tela'."
O TikTok está notificando usuários que estão
realizando lives NPC com o objetivo de restringir
esse tipo de vídeo. Segundo a plataforma,
conteúdos considerados "repetitivos, não
autênticos e degradantes para induzir os
espectadores a enviarem “presentes" terão um
alcance menor. Apesar disso, as lives não serão
bloqueadas e, ainda, continuam monetizadas.
A CBN conversou com especialistas para
explicar os atrativos das transmissões e
entender como esses conteúdos viralizam tão
rápido.
H I S T Ó R I A
Qual foi a causa da queda do Império Romano?
O Império Romano passou por guerras, conquistas de territórios e uma sucessão de imperadores
que lutaram pelo poder antes dele finalmente ruir. Conheça alguns dos motivos para o seu fim.
Por Redação National Geographic Brasil. Publicado 24 de Out. de 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/3k3mcz35. Acesso em 01 de nov. de 2023.
A Roma Antiga é considerada uma das potências
imperiais mais bem-sucedidas da história da
humanidade, como explica a Encyclopaedia Britannica,
plataforma online de ensino do Reino Unido.
Ao longo dos séculos, o império romano cresceu
de uma pequena cidade às margens do rio Tibre (no
centro da atual Itália) até chegar a um vasto império
que chegou a abranger parte da atual Inglaterra, toda a
Europa continental a oeste do rio Reno e ao sul do rio
Danúbio, além da maior parte da Ásia a oeste do rio
Eufrates, sem esquecer do norte da África e das ilhas
do Mar Mediterrâneo.
Fundada em 753 a.C., a cidade de Roma passou por
eventos que levaram ao surgimento da república em
509 a.C., ao estabelecimento do Império (em 27 a.C.) e
ao seu eclipse final como Império Ocidental no século
5 d.C.
Qual foi a última era de ouro do Império Romano
Segundo a Britannica, o Império Romano durou de 27
a.C. a 476 d.C. e se estabeleceu como a civilização com
a mais ampla estrutura sociopolítica do Ocidente no
auge de seu esplendor.
Esse período da história romana foi marcado por
tempos de paz, mas também por muitos conflitos,
guerra e pilhagem, os quais levaram o Império a se
dividir em duas partes até que uma delas caiu com a
morte de seu último imperador.
Entre 98 d.C. e 180 d.C., os romanos viram um boom
em sua administração política e militar durante o breve
governo de dois anos do político Marcus Cocceius
Nerva, um membro muito antigo do senado. Ele foi
R E D E S S O C I A I S
Como combater o discurso de ódio nas redes sociais?
Fonte: ONU Brasil, 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/yezu8y28. Acesso em: 24 out. 2023.
Confira & compartilhe as 10 dicas do Escritório
da Assessora Especial da ONU para a Prevenção
do Genocídio:
⃣ 1 Coloque-se no lugar das outras pessoas: Pense
duas vezes antes de expressar um julgamento ou
opinião nas redes sociais e pergunte a si mesmo(a) se
isso pode prejudicar, ofender ou agredir alguém.
⃣ 2 Submeta as opiniões, informações e imagens a 3
filtros:
• CONFIANÇA: vêm de uma pessoa, meio ou fonte
confiável?
• VERIFICAÇÃO: baseia-se em fatos verificados,
evidências e informações comprovadas?
• UTILIDADE: qual é o propósito e quais benefícios
um dos indivíduos conhecidos como os "cinco bons
imperadores" e que formavam o grupo com Nerva,
Trajano, Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio.
Esses líderes comandaram a Roma Imperial nesse
período de prosperidade visto como uma “era de ouro”.
De acordo com a enciclopédia, na época os romanos
testemunharam uma expansão e consolidação
consideráveis. Mas todas as mudanças que ocorreram
durante essa era, embora benéficas, trouxeram
consigo os males de uma centralização excessiva de
poder.
A queda final do Império Romano
Até hoje não há um consenso preciso sobre os motivos
que levaram à queda do Império Romano, explica a
Enciclopédia Mundial de História, uma organização
sem fins lucrativos que tem como objetivo melhorar o
ensino de história em todo o mundo.
Entre outras coisas, o artigo publicado em 2018
menciona que o cristianismo desempenhou um papel
fundamental na ruína romana, pois a nova religião
(estabelecida no século 4 d.C.) minou os costumes
sociais do império proporcionados pelo paganismo.
Já a Encyclopaedia Britannica afirma que o século
seguinte aos cinco bons imperadores foi marcado
por conflitos e má administração, os quais viram
o surgimento de uma série de imperadores que
governaram fazendo mau uso das forças armadas, da
riqueza e do poder restabelecidos pela “era de ouro”
do Império Romano.
O ponto alto que distingue essa série de imperadores
é o de Teodósio I, o último imperador a governar o
traz para mim e para outras pessoas?
⃣ 3 Converse sobre direitos e temas complexos da
realidade social com seus familiares, amigos e colegas.
⃣ 4 Perca o medo de identificar discursos de ódio
e discriminação: Se um membro da sua família
ou pessoa conhecida compartilhar uma piada ou
expressão racista, sexista ou que promova o ódio ou
discriminação, informe, de forma gentil e cordial, que
tal mensagem não está correta e explique de maneira
clara e concisa o porquê.
⃣ 5 Aja com responsabilidade nas redes sociais: Use
as redes sociais para aprender coisas novas, reunir
seus amigos e pessoas queridas, criar oportunidades
econômicas e fortalecer laços de amizade.
Periódico pedagógico para estudantes 13
Império antes de ele ser dividido. De acordo com a
Encyclopaedia of History, o Império Romano era imenso
territorialmente, o que causou instabilidade política
para seus governantes.
Roma acabou sendo dividida em Império Oriental e
Império Ocidental por volta da morte de Teodósio, em
395 d.C. As facções de ambos os lados tinham seus
próprios interesses e perspectivas diferentes, o que
resultou no enfraquecimento de um lado do império
em comparação ao outro.
O lado Ocidental sofreu com as repetidas invasões e
a fuga dos camponeses para as cidades, enquanto o
Império Oriental, se manteve mais próspero por ser
onde as especiarias e outras exportações praticamente
garantiam riqueza e estabilidade locais.
Em 410 d.C., a parte ocidental do império romano
sofreu uma série de saques, feitos em Roma pelos
visigodos, uma nação errante de povos germânicos,
como conta a Britannica. Essa série de atos ilegais foi
agravada pela deposição do último imperador romano,
Rômulo Augusto, pelas mãos de um senhor da guerra
germânico chamado Odoacer.
De acordo com a Britannica, Rômulo era um usurpador
e um traidor não reconhecido como governante
legítimo pelo imperador oriental. Sua morte, no
entanto, é considerada o fim de uma era na história da
civilização romana.
Por outro lado, a região oriental do Império Romano, que
era mais rica e forte, continuou
como o Império Bizantino
durante a Idade Média.
⃣ 6 Não caia na provocação:
Evite entrar em conversas violentas, ameaçadoras ou
que promovam a agressão.
⃣ 7 Denuncie: Quando encontrar uma mensagem
que promova o ódio ou a discriminação, utilize
as ferramentas oferecidas pela rede social para
denunciar.
⃣ 8 Informe-se: Busque informações, guias e apoio
contra o discurso de ódio.
⃣ 9 Busque apoio legal.
Saiba mais & faça sua parte:
https://bit.ly/Combata_DiscursoDeOdio
14 JORNAL LUPA n. 35, Nov. 2023 L I T E R A T U R A

Nós e o Natal
O texto acima foi extraído do livro "Nós e o Natal", Artes Gráficas Gomes de Souza, Rio de Janeiro, 1964, pág. 23.
O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de — Bom, no Natal, quero comer peru. bas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consen-
meu pai, acontecida cinco meses antes, foi de consequ- Houve um desses espantos que ninguém não imagina. timento geral:
ências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, — É louco mesmo!...
fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abs- advertiu que não podíamos convidar ninguém por cau- Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma
trato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem sa do luto. Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais ma-
brigas internas nem graves dificuldades econômicas. — Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania... ravilhoso Natal. Fora engraçado: assim que me lembrara
Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fize-
pai, ser desprovido de qualquer lirismo, de uma exem- Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa pa- ra outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternu-
plaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos rentada do diabo… ra por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos
faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pe- — Meu filho, não fale assim... também, estavam no mesmo ritmo violento de amor,
las felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de — Pois falo, pronto! todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha
águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa pa- imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando
de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos rentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse
desmancha-prazeres. bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvol- todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chega- ver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àque-
mos nas proximidades do Natal, eu já estava que não Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e las leis de economia que sempre a tinham entorpecido
podia mais pra afastar aquela memória obstruinte do titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três numa quase pobreza sem razão.
morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre — Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!
obrigação de uma lembrança dolorosa em cada aquilo: vinha aniversário de alguém e só então Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incan-
almoço, em cada gesto mínimo da família. Quando faziam peru naquela casa. Peru era prato descente em mim, que até era capaz de comer pouco, só
Uma vez que eu sugerira à mamãe a ideia chegamos nas de festa: uma imundície de parentes já pra que os outros quatro comessem demais. E o diapa-
dela ir ver uma fita no cinema, o que re- proximidades do preparados pela tradição, invadiam a são dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós,
sultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao Natal, eu já estava casa por causa do peru, das empadi- redescobria em cada um o que a quotidianidade abafa-
cinema, de luto pesado! A dor já estava que não podia mais nhas e dos doces. Minhas três mães, ra por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos.
sendo cultivada pelas aparências, e eu, pra afastar aquela três dias antes já não sabiam da vida Deus me perdoe, mas estou pensando em Jesus... Na-
que sempre gostara apenas regularmen- memória obstruinte senão trabalhar, trabalhar no preparo quela casa de burgueses bem modestos, estava se rea-
te de meu pai, mais por instinto de filho do morto de doces e frios finíssimos de bem feitos, lizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito
que por espontaneidade de amor, me via a a parentagem devorava tudo e ainda leva- do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.
ponto de aborrecer o bom do morto. va embrulhinhos pros que não tinham podido — Eu que sirvo!
Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espon- vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. "É louco, mesmo" pois por que havia de servir, se sem-
taneamente, a ideia de fazer uma das minhas chamadas Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que pre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes
"loucuras". Essa fora aliás, e desde muito cedo, a minha mamãe com titia ainda provavam num naco de perna, pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma
esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era distribuição heróica, enquanto mandava meu mano ser-
cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. vir a cerveja. Tomei conta logo de um pedaço admirável
regularmente uma reprovação todos os anos; desde o Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em da "casca", cheio de gordura e pus no prato. E depois
beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, desco- nossa casa, peru resto de festa. vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cor-
berto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principal- Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, tou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela
mente desde as lições que dei ou recebi, não sei, de uma cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gor- sua parte no peru:
criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar da com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante — Se lembre de seus manos, Juca!
e na vasta parentagem, a fama conciliatória de "louco". manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gor- Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele
"É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com da, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada,
certa tristeza condescendente, o resto da parentagem um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só
buscando exemplo para os filhos e provavelmente com muito minha companheira. Está claro que omiti onde lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou
aquele prazer dos que se convencem de alguma supe- aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E fica- sublime.
rioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi ram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria — Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não!
o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E Foi quando ela não pode mais com tanta comoção e
apresentou e o meu ser exigia para se realizar com inte- cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo principiou chorando. Minha tia também, logo perce-
gridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, bendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no
coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, pensei primeiro num vinho bom, completamente fran- refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima
de que não posso me queixar um nada. cês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe sem abrir a torneirinha também, se esparramou no cho-
Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia adorava cerveja. ro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não
reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, Quando acabei meus projetos, notei bem, todos esta- chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de famí-
passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de vam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela lia besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se
amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era lou- esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tor-
por causa dos quebra-nozes...), empanturrados de cas- cura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é nara impossível. É que o pranto evocara por associação
tanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de a imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com
Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso
"loucuras": enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pom- Natal, fiquei danado.
L I T E R A T U R A
Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o
peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido mui-
to tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas
e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e
redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa
preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas
papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censu-
ra, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão
gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar
mesmo digno do Jesusinho nascido. Principiou uma luta
baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar
o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara
decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm
meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem
gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa,
insuportavelmente obstruidora.
— Só falta seu pai…
Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru
perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os
dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspi-
ração genial, de repente me tornou hipócrita e político.
Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa
família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fin-
gi, triste:
— É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente,
que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu
há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencio-
Regra para uso dos bondes
MACHADO DE ASSIS, J. M. Balas de estalo. In: Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994.
Ocorreu-me compor umas certas regras para uso dos
que frequentam bondes. O desenvolvimento que tem
tido entre nós esse meio de locomoção, essencialmen-
te democrático, exige que ele não seja deixado ao puro
capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do
que alguns extratos do meu trabalho; basta saber
que tem nada menos de setenta artigos. Vão
apenas dez.
ART. I – Dos encatarroados
Os encatarroados podem entrar
nos bondes com a condição de
não tossirem mais de três vezes
dentro de uma hora, e no caso de
pigarro, quatro. Quando a tosse
for tão teimosa, que não permita
esta limitação, os encatarroados
têm dois alvitres: — ou irem a pé,
que é bom exercício, ou meterem-se
na cama. Também podem ir tossir para
o diabo que os carregue. Os encatarroados
que estiverem nas extremidades dos bancos, de-
vem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no
próprio bonde, salvo caso de aposta, preceito religioso
ou maçônico, vocação, etc., etc.
ART. II – Da posição das pernas
As pernas devem trazer-se de modo que não constran-
jam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem
formalmente as pernas abertas, mas com a condição de
pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas
nar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em
família.
E todos principiaram muito calmos, falando de papai.
A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma
estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o
peru com sensualidade, porque papai fora muito bom,
sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que
"vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem
a seu pai", um santo. Papai virara santo, uma contem-
plação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu.
Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contem-
plação suave. O único morto ali era o peru, dominador,
completamente vitorioso.
Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade.
Ia escrever «felicidade gustativa», mas não era só isso
não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos,
um esquecimento de outros parentescos distraidores
do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro
peru comido no recesso da família, o início de um amor
novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventi-
vo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de en-
tão uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusi-
vista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa
que a nossa me é impossível conceber.
Mamãe comeu tanto peru que um momento imaginei,
aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça!
mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na
pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena
gratificação.
ART. III – Da leitura dos jornais
Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver
lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizi-
nhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bo-
nito encostá-los no passageiro da frente.
ART. IV – Dos quebra-queixos
É permitido o uso dos quebra-queixos
em duas circunstâncias: — a primeira
quando não for ninguém no bonde,
e a segunda ao descer.
ART. V – Dos amoladores
Toda a pessoa que sentir necessi-
dade de contar os seus negócios ín-
timos, sem interesse para ninguém,
deve primeiro indagar do passageiro
escolhido para uma tal confidência, se
ele é assaz cristão e resignado. No caso
afirmativo, perguntar-lhe-á se prefere a nar-
ração ou uma descarga de pontapés. Sendo pro-
vável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve ime-
diatamente pespegá-los. No caso, aliás extraordinário e
quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração,
o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregan-
do muito nas circunstâncias mais triviais, repetindo os
ditos, pisando e repisando as coisas, de modo que o pa-
ciente jure aos seus deuses não cair em outra.
ART. VI – Dos perdigotos
Periódico pedagógico para estudantes 15
vida coma peru de verdade!
A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso
infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns
doces, que lá na minha terra levam o nome de "bem-
-casados". Mas nem mesmo este nome perigoso se
associou à lembrança de meu pai, que o peru já con-
vertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro
de contemplação.
Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres,
bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam dei-
tar, dormir ou mexer na cama, pouco importa, porque é
bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica an-
tes de ser Rose, prometera me esperar com uma cham-
panha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de
amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar
onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas
mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!...
Mário de Andrade (1893-1945), nasceu em São Pau-
lo, mostrando desde cedo inclinação pela música e
literatura. Seu interesse pelas artes levou-o a realizar
em São Paulo, em parceria com Oswald de Andrade,
a Semana de Arte Moderna, que rasgou novas pers-
pectivas para a cultura brasileira. Sua obra, essencial-
mente brasileira, reflete um nacionalismo humanista,
que nada tem de místico e abstrato. "Macunaíma",
baseada em temas folclóricos, é, geralmente, consi-
derada a sua obra-prima.
Reserva-se o banco da frente para a emissão dos per-
digotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a
mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na
plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor,
e a cara para a rua.
ART. VII – Das conversas
Quando duas pessoas, sentadas à distância, quiserem
dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não
gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso,
sem alusões maliciosas, principalmente se houver se-
nhoras.
ART. VIII – Das pessoas com morrinha
As pessoas que tiverem morrinhas, podem participar
dos bondes indiretamente: ficando na calçada, e vendo-
-os passar de um lado para outro. Será melhor que mo-
rem em rua por onde eles passem, porque então podem
vê-los mesmo da janela.
ART. IX – Da passagem às senhoras
Quando alguma senhora entrar, o passageiro da ponta
deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incô-
modo para ele ficar sentado, apertando as pernas, como
porque é uma grande má-criação.
ART. X – Do pagamento
Quando o passageiro estiver ao pé de um conhecido,
e, ao vir o condutor receber as passagens, notar que o
conhecido procura o dinheiro com certa vagareza ou di-
ficuldade, deve imediatamente pagar por ele: é evidente
que, se ele quisesse pagar, teria tirado o dinheiro mais
depressa.
 JORNAL

P E R I Ó D I C O P E DAG Ó G I C O PA R A E S T U DA N T E S
D O E N S I N O F U N D A M E N TA L A N O S F I N A I S E E N S I N O M É D I O .
G O V E R N O D O E S TA D O D E M I N A S G E R A I S
S E C R E TA R I A D E E S TA D O D E E D U C A Ç Ã O D E M I N A S G E R A I S
E S C O L A D E F O R M A Ç Ã O E D E S E N V O LV I M E N T O P R O F I S S I O N A L D E E D U C A D O R E S