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Américo Peças
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témico e reivindica uma outra matriz organi- mântica lhe emprestamos? É que o projecto,
zacional e relacional. É o próprio relatório para como instrumento, serve para tudo: sem que-
a UNESCO, da Comissão Internacional sobre rer ser dicotómico, podemos identificar pelo
Educação para o século XXI (UNESCO, 1996) menos dois campos claramente distintos sobre
que afirma: a ideia e a praxis de projecto: dum lado perce-
«Devemos cultivar, como utopia orienta- bemos projectos retóricos, projectos de poder,
dora, o propósito de encaminhar o mundo projectos de manipulação sobre outros, até
para uma maior compreensão mútua, mais projectos inconfessáveis… Num outro campo
sentido de responsabilidade e mais solidarie- identificamos projecto como transparência,
dade na aceitação das nossas diferenças espiri- implicação social para o progresso, o bem es-
tuais e culturais. tar e o desenvolvimento, projectos participa-
A educação, permitindo o acesso de todos dos, estimulantes para os que neles partici-
ao conhecimento, tem um papel bem concreto pam, com sentido, democráticos, construtores
a desempenhar no cumprimento desta tarefa de mais e melhor cidadania.
universal: ajudar a compreender o mundo e o Pensar projecto e dizer projecto não é pois
outro, a fim de melhor se compreender.» necessariamente assumir a democracia, a mu-
Temos hoje um novo cenário, transversal a dança e a inovação: muitos dos percursos que
todas as ciências, necessariamente indutor de usurparam o nome de projecto, assentam no
novas praxis educativas. É um cenário que se maior e mais caduco formalismo vivencial e
conjuga no emergente, no complexo, no ime- relacional, inscrevendo-se numa lógica de po-
tódico, no imprevisível, no plural, no transdis- der e numa estratégia de visibilização e pro-
ciplinar, na inclusão, na cooperação… este ce- moção só de alguns. Embora sem este grau de
nário interpela também o território e o papel perversão, encontramos também o projecto
da escola nas nossas sociedades. Relativizado enredado na burocracia didáctica, árido, direc-
que está o valor de transmissão dos saberes es- tivo, frustrante, perdulário de energias e de re-
colares, libertando a escola do jugo da selecção cursos, por isso anti–económico e anti–ecoló-
e da exclusão, acrescenta-se a escola «com o gico, desinvestido de afecto e onde o aprender
sentido educativo do encontro entre pares, su- está ausente.
blinha-se-lhe a responsabilidade renovada de
espaço fundador de cidadania e de experiência O projecto é um compromisso social
vital de descoberta da cultura» (Niza, 1992).
O entendimento de projecto sobre o qual
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que tem caracterizado a escola. Trata-se no turma, a classe, por a considerarmos a centra-
fundo de identificar os sentidos mais fecundos lidade de todo o processo educacional. Desse
que constroem a escola na sua relação com o locus iremos partir, nunca o perdendo como re-
mundo. ferência do discurso, e optando claramente
Aqui o projecto surge como sentido, como por reflectir sobre os «projectos pedagógicos»,
cultura, e esse sentido é o de organizar o olhar, sobre os projectos que emergem no interior da
a escuta, as energias, os sujeitos e as acções turma ou são assumidos pela turma, deixando
para responder a desejos e aspirações que são de lado (mas não de fora) os níveis mais sisté-
sempre necessidade de desenvolvimento inter micos da Escola e do Agrupamento de Escolas
e intrapessoais. Projectos que comprometem, e do «projecto educativo».
descobrem os obstáculos e procuram os meios E uma das primeiras reflexões fá-la-íamos
de os vencer. Esta cultura de projecto remete o decorrer do próprio desafio do título que nos
acto de educar para um outro paradigma: já foi proposto pela CEFEPE: «a explosão dos
não transmissão de informação sem ligação projectos». Deter-nos-íamos aqui para tomar
como o vivido, mas o aprender como meio de consciência de que a explosão de projectos,
compreensão e acção sobre os quotidianos, para milhares de aprendizes, foi antes o fenó-
orientado para a resolução dos problemas e das meno da «implosão»: sobre eles caiu o ónus,
dificuldades, provocando novas e mais inten- apesar de inocentes, da quase obrigatoriedade
sas questões para nos fazermos todos (educa- de desenvolver projectos. Foram executores,
dores e educandos, animadores e animados) quando não vítimas, duma modernidade mal
mais cultos e melhores cidadãos. Poderíamos conjugada. Sobre eles caíram milhares de pro-
aqui invocar o desafio intenso e provocador fessores cheios de boas intenções, voluntario-
que nos faz Boaventura Sousa Santos (1998) sos, mas pouco ou nada «armados» com a
num livrinho chamado «reinventar a democra- matriz organizacional e ética que o projecto
cia», identificando o «ponto de ignorância» solicita; sobre eles caíram mascarados interes-
com o colonialismo cultural e o «ponto de sa- ses de protagonismo e visibilidade social; so-
ber» com a solidariedade, projectando a partir bre eles caíram ainda as estratégias de marke-
daqui uma nova epistemologia que define o ting de muitos serviços e instituições que
«conhecimento como prática de emancipação». acenavam às escolas com projectos para reali-
Emancipar: aqui radica a mais profunda evi- zar serviço ou retirar mais valias.
dência que há–de alimentar o sentido do pro- Desta pandemia de projectos, desta «dita-
jecto. Já Rui Grácio (1995), numa síntese ma- dura» do projecto, havemos de retirar uma li-
gistral, o sublinhava, juntando–lhe o Promover
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política moderna (…) estabelecida entre ho- ficheiros, guiões e apoios ao estudo, zona das
mens livres para maximizar essa liberdade». O expressões plásticas, zona da música e do tea-
contrato, emergência da tensão entre regulação tro, zona de referentes cooperativos para a or-
social e emancipação social, é exercício de li- ganização sócio–moral do grupo, mobiliário
berdade e condição de mais liberdade. polivalente que suporte as várias formas de or-
O projecto funda-se (e fecunda-se) numa ganização do trabalho: individual, a pares, em
organização democrática. pequenos grupos, a turma toda. A pobreza
Estas condições de exequibilidade e vivifi- aviltante de muitos dos nossos cenários esco-
cação dos projectos prenunciam um modelo lares, de muitas das nossas salas, já não se
pedagógico com uma forte organização demo- pode tolerar. Tudo é feio, redutor, centrípeto,
crática. A intenção inicial, a emergência do caduco. O conhecimento, a emancipação, a
projecto, o seu desenvolvimento, não ocorrem cultura, exigem condições adequadas; não so-
em salas de aula com uma ambiência vazia e fisticação, mas a dignidade que a tarefa do es-
relações frustres. O projecto é implicação, tudo solicita.
exige empenho e desempenho, é trabalho sé-
rio. O projecto é a subversão da escola do té- Ainda algumas evidências
dio através do trabalho que nos acrescenta em
saber e cidadania. E para que possamos traba- Tudo isto são evidências sobre projecto.
lhar há que ter condições propícias: o projecto Mas a sabedoria está na capacidade de percep-
reivindica um cenário em que a gestão do cionar o evidente numa floresta de ilusões e de
tempo, a gestão dos conteúdos, a gestão dos falácias. Uma outra evidência é a cooperação
recursos e dos mediadores do saber, a gestão que há-de sustentar todo o trabalho e toda a
dos impulsos, dos desejos, dos interesses, são convivência social dos aprendizes entre si e
pertença da turma. com outros. A experiência do projecto há-de
A planificação é pertença da turma. Aí se- contrariar as práticas selectivas e de exclusões
rão explicitados e negociados os tempos do in- sempre crescentes – aí existem as melhores
dividual, do grupo, do colectivo, os tempos do condições para uma prática de diferenciação
estudo e os tempos do ensino, os tempos da pedagógica que se constitua como experiência
investigação e os tempos da intervenção. de aprendizagem e de sucesso para todos os
A gestão dos conteúdos é pertença da aprendizes.
turma. Desde o direito básico dos alunos co- Aprendemos mais quando ensinamos. Mas
nhecerem, nesse seu «ofício» (Perrenoud, para além desta obviedade que Bruner refor-
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1995), o que deles o estado e a sociedade es- çou, precisamos de compreender que nos
pera (inscrito nas orientações curriculares e acrescentamos eticamente quando encontra-
programas), à organização do estudo desses mos outro sentido fundamental do projecto: a
conteúdos: quando, como, com quem, que partilha, a devolução social do que descobri-
funcionalidade, que contextualização solici- mos e reflectimos. Esta prática social constitui-
tam?… Mas também os pontos de partida se nuclear e incontornável em qualquer expe-
para o estudo autónomo. E ainda as perguntas riência de projecto.
que temos, e também, e sobretudo, os ques- E uma última palavra. O projecto é ainda o
tionamentos que a vida, a comunidade e os espaço, o tempo e a experiência educativa
contextos nos provocam. mais potenciadora da construção de uma pro-
A gestão dos espaços e dos recursos é per- fissionalidade plena. Aí nos reconheceremos
tença da turma. Uma sala tem que ser um es- como organizadores de ambiências de apren-
paço rico, diverso, estimulante: zona da es- dizagem estimulantes para todos; trabalhado-
crita, zona das ciências e matemática, zona de res, com outros, da promoção da cultura e de
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mais e melhor cidadania. Nessa viagem, que crática. In nos 25 anos do Movimento da Escola
nunca pode ser solitária, acrescentar-nos-emos Moderna. Lisboa: Movimento da Escola Mo-
em ciência e humanidade e rescreveremos derna.
quotidianamente os horizontes e os infinitos NIZA, S. (1995). A área-escola: um debate necessá-
de ser educador. rio. In Noesis, 33, 16-25. Lisboa: Instituto de
Inovação Educacional.
NIZA, S. (1998). A organização social do trabalho
Bibliografia:
de aprendizagem no 1º ciclo do ensino básico.
In Inovação, 11,77-98. Lisboa: Instituto de Ino-
GONÇALVES, J.C. (1989). A escola em debate.
vação Educacional.
Braga: Faculdade de Filosofia da Universidade
PERRENOUD, P. (1995). Ofício de aluno e sentido
Católica Portuguesa.
do trabalho escolar. Porto: Porto Editora.
GRÁCIO, R. (1995). Obra completa. Lisboa: Fun-
SANTOS, B.S. (1998). Reinventar a Democracia.
dação Calouste Gulbenkian.
Lisboa: Gradiva.
NIZA, S. (1992). Pilares de uma prática educativa e
UNESCO (1996). Educação, um tesouro a desco-
Em comum assumimos uma educação demo-
brir. Porto: Edições Asa.
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