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Uma cultura para


o trabalho de projecto

Américo Peças

Transcrevemos esta comunicação proferida no VI sobre o outro. Não há projecto de mudança


encontro da CEFEPE «Aprender Aprendendo», na num espaço em que o défice de democracia é
Fundação Calouste Gulbenkian, em Janeiro de visível e em que o encontro educativo rara-
1998. mente acontece entre semelhantes. Não há fu-
turo para um sistema escolar napoleónico,

A gradeço à CEFEPE o convite que nova-


mente me fizeram para estar entre vós.
Nada é mais precioso e fundamental para os
centralizado, caracterizado pelo gigantismo
massificante, uniformizante, a determinar pro-
cessos fortemente selectivos.
educadores profissionais do que estes tempos A escola, como horizonte onde os olhares
e espaços de descrição da profissão, interro- sobre a nova humanidade se podem e devem
gando-a e interrogando-nos e, neste trânsito, acrescentar em troca fecunda, edifica-se com
acrescentarmos a escola e o mundo. outras fundações e constrói–se numa arquitec-
Na verdade, nunca nos foi tão vital reflectir tura inteligente: é «a escola como promotora
a profissão como hoje. As injustiças e os con- de cultura, como fonte de activação social para
flitos sociais, os desvarios financeiros, os ris- mais bem estar, mais progresso, mais fraterni-
cos ambientais, a violência generalizada, o dade, mais equidade nas relações humanas»
crescimento do número de pobres e do nú- (Niza, 1992), é a escola como experiência de
mero de excluídos, a própria crise da cultura, avanço e rampa de projecção para melhor
entre muitos outros factores, levam as socie- vida.
dades a questionar a educação e a interpelar a
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escola, depositando nesse tempo de infantes e A reinvenção da escola


de adolescentes, e nessa experiência de cida-
dão–aluno, muitas das esperanças e das visões Daí a urgência da reinvenção da escola.
de um novo homem e de uma nova humani- Reinvenção da escola que é também a reinven-
dade. ção dos sentidos do educar. Que tem que ser
No fim do século da escola, a escola volta a sobretudo a reinvenção da economia e da eco-
ocupar a centralidade dos projectos de socie- logia dos processos do aprender a descobrir a
dade para uma nova cidadania. Essa centrali- cultura. E para que não esqueçamos o essen-
dade transporta implicitamente no seu âmago cial, digamo-lo já: neste trajecto não pode ha-
uma nova visão e um novo sentido de escola. ver excluídos. Reinventar a escola é pensá-la,
Não há esperança que floresça na velha escola, sempre e cada vez mais, escola para todos. A
onde predominam as relações de hierarquia, escola, como a vida, conjuga-se sempre no plu-
onde o saber é vivido como poder e onde o ral, acrescenta-se no diverso e desafia-se no
poder é percebido e vivenciado como domínio complexo. Isto implica um novo objecto epis-

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témico e reivindica uma outra matriz organi- mântica lhe emprestamos? É que o projecto,
zacional e relacional. É o próprio relatório para como instrumento, serve para tudo: sem que-
a UNESCO, da Comissão Internacional sobre rer ser dicotómico, podemos identificar pelo
Educação para o século XXI (UNESCO, 1996) menos dois campos claramente distintos sobre
que afirma: a ideia e a praxis de projecto: dum lado perce-
«Devemos cultivar, como utopia orienta- bemos projectos retóricos, projectos de poder,
dora, o propósito de encaminhar o mundo projectos de manipulação sobre outros, até
para uma maior compreensão mútua, mais projectos inconfessáveis… Num outro campo
sentido de responsabilidade e mais solidarie- identificamos projecto como transparência,
dade na aceitação das nossas diferenças espiri- implicação social para o progresso, o bem es-
tuais e culturais. tar e o desenvolvimento, projectos participa-
A educação, permitindo o acesso de todos dos, estimulantes para os que neles partici-
ao conhecimento, tem um papel bem concreto pam, com sentido, democráticos, construtores
a desempenhar no cumprimento desta tarefa de mais e melhor cidadania.
universal: ajudar a compreender o mundo e o Pensar projecto e dizer projecto não é pois
outro, a fim de melhor se compreender.» necessariamente assumir a democracia, a mu-
Temos hoje um novo cenário, transversal a dança e a inovação: muitos dos percursos que
todas as ciências, necessariamente indutor de usurparam o nome de projecto, assentam no
novas praxis educativas. É um cenário que se maior e mais caduco formalismo vivencial e
conjuga no emergente, no complexo, no ime- relacional, inscrevendo-se numa lógica de po-
tódico, no imprevisível, no plural, no transdis- der e numa estratégia de visibilização e pro-
ciplinar, na inclusão, na cooperação… este ce- moção só de alguns. Embora sem este grau de
nário interpela também o território e o papel perversão, encontramos também o projecto
da escola nas nossas sociedades. Relativizado enredado na burocracia didáctica, árido, direc-
que está o valor de transmissão dos saberes es- tivo, frustrante, perdulário de energias e de re-
colares, libertando a escola do jugo da selecção cursos, por isso anti–económico e anti–ecoló-
e da exclusão, acrescenta-se a escola «com o gico, desinvestido de afecto e onde o aprender
sentido educativo do encontro entre pares, su- está ausente.
blinha-se-lhe a responsabilidade renovada de
espaço fundador de cidadania e de experiência O projecto é um compromisso social
vital de descoberta da cultura» (Niza, 1992).
O entendimento de projecto sobre o qual

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Uma cultura para o projecto. queremos assentar o diálogo situa-se numa ló-
gica e numa praxis de projecto comprometido
Se fiz convosco esta reflexão como quase com a vida e o mundo, para acrescentar sen-
prefácio a propósito de projectos, é porque en- tido à vida e ao mundo e, nessa viagem a fazer
tendo que o projecto não é por si uma pana- com muitos, acrescentarmo-nos em humani-
ceia universal nem é um dispositivo inerte a dade. «Educar o homem significa educá-lo
integrar na pedagogia. Explicitemo-nos. e tal- para constituir o mundo», diz-nos Joaquim
vez que o velho sutra hindu nos ajude a com- Gonçalves (1989). Todo o conhecimento hu-
preender o dilema. Diz assim: «A palavra é de mano emerge do mundo da vida. E o homem
duas espécies: aquela em que a coisa falada é só se conjuga em relação. A escola que se quer
percebida e aquela em que a coisa não é per- experiência de humanidade (oficina de humani-
cebida.» Que compreensão se faz em nós dade lhe chamou Coménio), há–de radicar na
quando falamos de projecto? Como é perce- vida, numa prática a que já se chamou «bio-
bido o desafio semântico, ou melhor, que se- cêntrica», por oposição ao concentracionismo

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que tem caracterizado a escola. Trata-se no turma, a classe, por a considerarmos a centra-
fundo de identificar os sentidos mais fecundos lidade de todo o processo educacional. Desse
que constroem a escola na sua relação com o locus iremos partir, nunca o perdendo como re-
mundo. ferência do discurso, e optando claramente
Aqui o projecto surge como sentido, como por reflectir sobre os «projectos pedagógicos»,
cultura, e esse sentido é o de organizar o olhar, sobre os projectos que emergem no interior da
a escuta, as energias, os sujeitos e as acções turma ou são assumidos pela turma, deixando
para responder a desejos e aspirações que são de lado (mas não de fora) os níveis mais sisté-
sempre necessidade de desenvolvimento inter micos da Escola e do Agrupamento de Escolas
e intrapessoais. Projectos que comprometem, e do «projecto educativo».
descobrem os obstáculos e procuram os meios E uma das primeiras reflexões fá-la-íamos
de os vencer. Esta cultura de projecto remete o decorrer do próprio desafio do título que nos
acto de educar para um outro paradigma: já foi proposto pela CEFEPE: «a explosão dos
não transmissão de informação sem ligação projectos». Deter-nos-íamos aqui para tomar
como o vivido, mas o aprender como meio de consciência de que a explosão de projectos,
compreensão e acção sobre os quotidianos, para milhares de aprendizes, foi antes o fenó-
orientado para a resolução dos problemas e das meno da «implosão»: sobre eles caiu o ónus,
dificuldades, provocando novas e mais inten- apesar de inocentes, da quase obrigatoriedade
sas questões para nos fazermos todos (educa- de desenvolver projectos. Foram executores,
dores e educandos, animadores e animados) quando não vítimas, duma modernidade mal
mais cultos e melhores cidadãos. Poderíamos conjugada. Sobre eles caíram milhares de pro-
aqui invocar o desafio intenso e provocador fessores cheios de boas intenções, voluntario-
que nos faz Boaventura Sousa Santos (1998) sos, mas pouco ou nada «armados» com a
num livrinho chamado «reinventar a democra- matriz organizacional e ética que o projecto
cia», identificando o «ponto de ignorância» solicita; sobre eles caíram mascarados interes-
com o colonialismo cultural e o «ponto de sa- ses de protagonismo e visibilidade social; so-
ber» com a solidariedade, projectando a partir bre eles caíram ainda as estratégias de marke-
daqui uma nova epistemologia que define o ting de muitos serviços e instituições que
«conhecimento como prática de emancipação». acenavam às escolas com projectos para reali-
Emancipar: aqui radica a mais profunda evi- zar serviço ou retirar mais valias.
dência que há–de alimentar o sentido do pro- Desta pandemia de projectos, desta «dita-
jecto. Já Rui Grácio (1995), numa síntese ma- dura» do projecto, havemos de retirar uma li-
gistral, o sublinhava, juntando–lhe o Promover
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ção: um projecto pedagógico ou nos reconcilia


e o Provocar. Aí temos uma trilogia inspiradora com a escola, com a vida, com o estudo e com
para o sentido da profissionalidade de educa- os outros ou não vale a pena. As escolas e as
dores: Emancipar, Promover, Provocar. São tam- turmas têm que se defender de uma inflação
bém evidências de que os projectos estão ávi-
de pseudo–projectos que reduzem os sujeitos
dos para se cumprirem.
a executores de actividades com uma lógica
exterior e oportunidade deslocada.
A turma como centralidade do trabalho
Por isso defendemos que a turma, esse cos-
de aprendizagem na escola
mos social de aprendizagem, há-de ser o
Sendo a problemática do projecto tão vasta grande regulador do trabalho escolar. Aí se po-
e transversal a todo o sistema educativo, con- derá delinear um «modelo ascendente» (Niza,
vém, para nosso norte, escolher uma plata- 1995) na emergência e gestão dos projectos, aí
forma de observação e análise para continuar- se poderão perspectivar as extensões, as tem-
mos a reflectir sobre projecto. Escolhemos a poralidades, a divisão de tarefas, as parcerias,

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os resultados, os efeitos: com os aprendizes, dissociáveis que se acrescentam mútua e infi-


sempre. Sem os aprendizes, que o mesmo é nitamente. A história da sociedade tem siste-
dizer contra os aprendizes, nunca. Convoque- maticamente negado à criança, implícita e ex-
mos aqui as palavras de Dewey: lembrava ele plicitamente, o mais fundamental direito, o de
que Platão definia o escravo por estas palavras se expressar e o de se organizar. O direito à
«aquele que executa os projectos concebidos palavra e à construção da realidade a partir das
pelos outros». São palavras de evidente opor- suas representações e aspirações é sistematica-
tunidade e poder formativo para nós, profis- mente negado às nossas crianças e adolescen-
sionais de educação. tes nos percursos escolares… tanto mais
quanto as suas falas e os seus pensamentos se
Uma ecopedagogia distanciam dos padrões culturais dominantes.

O desenvolvimento de projectos encontra O projecto exige uma história,


o seu espaço natural na turma, enquanto es- uma identidade
trutura sociocêntrica de reinstituição de signi-
ficados culturais e de aprendizagem democrá- Por tudo isto, reforcêmo-lo, os projectos da
tica. Aí, no trânsito permanente de construção turma podem instituir uma nova relação, pers-
da cidadania que representa a passagem dos pectivada no quadro dos direitos humanos e
egos ao hetero e ao alter, o projecto é efectiva- dos direitos da criança. O projecto invoca uma
mente a marca, o sustento e o horizonte do relação entre semelhantes, suportada numa ne-
que poderíamos chamar de ecopedagogia. gociação permanente, exaustivamente explici-
Esta ecopedagogia reivindica uma organização tada, para que todos se vão apropriando, fe-
curricular profundamente democrática e inclu- cundamente, dos seus amplexos e dos seus
siva, o que pressupõe, antes de mais, uma ou- infinitos. O projecto exige uma relação feita de
tra visão da criança, uma outra assunção da in- intimidades. De implícito e de explícito. De
fância e da adolescência. É que do extremismo discursos e de incursos. De não sei e de quero
ignorante que postulava uma criança como saber. De espantos e de interrogações. O pro-
adulto em miniatura, que justificou e explorou jecto exige uma história, um sentido de per-
a força do trabalho infantil durante décadas (e tença, uma identidade. Não pode surgir do va-
a quem o nosso Soeiro Pereira Gomes chamou zio afectivo, dessa impossibilidade de sermos
«os homens que nunca foram meninos»), de- e de nos fazermos; não floresce no gigantismo
senvolveu a escola como contraponto um ou- e na impessoalidade que marca tantos dos per-

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tro extremismo, pretensamente assente num cursos escolares. A turma é à medida desses
qualquer psicologismo deslocado, que reduz a projectos de vidas que se fazem de muitos pro-
criança a objecto de protecção, objecto de edu- jectos sobre a vida. É também na turma que
cação, objecto de planificação, objecto de es- são mais eficazes de instituir os processos de
tudo, a objecto do nosso projecto. Ora a regulação, assentes no contrato. O contrato é o
criança é um estado e um tempo de humani- centro vital do projecto: o que vamos fazer,
dade pleno de potencial e intenso de premis- quem faz, quando, para quê, com quem… são
sas. A criança não é um adulto adiado, não é o perguntas a exigirem explicitação, a reivindica-
cidadão em devir. A criança é, aqui e agora, ci- rem o diálogo negocial. O contrato não é uma
dadã–sujeito–de–direitos, que participa por di- burocracia desnecessária. O contrato con-
reito na construção da sua vida e da vida da funde-se com o sentido do próprio projecto.
sua comunidade. A menoridade etária não se Boaventura Sousa Santos (1998), na obra que já
confunde com menoridade de participação: referimos, escreve que «o contrato social é a
educação e cidadania são dois construtores in- grande narrativa em que se funde a obrigação

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política moderna (…) estabelecida entre ho- ficheiros, guiões e apoios ao estudo, zona das
mens livres para maximizar essa liberdade». O expressões plásticas, zona da música e do tea-
contrato, emergência da tensão entre regulação tro, zona de referentes cooperativos para a or-
social e emancipação social, é exercício de li- ganização sócio–moral do grupo, mobiliário
berdade e condição de mais liberdade. polivalente que suporte as várias formas de or-
O projecto funda-se (e fecunda-se) numa ganização do trabalho: individual, a pares, em
organização democrática. pequenos grupos, a turma toda. A pobreza
Estas condições de exequibilidade e vivifi- aviltante de muitos dos nossos cenários esco-
cação dos projectos prenunciam um modelo lares, de muitas das nossas salas, já não se
pedagógico com uma forte organização demo- pode tolerar. Tudo é feio, redutor, centrípeto,
crática. A intenção inicial, a emergência do caduco. O conhecimento, a emancipação, a
projecto, o seu desenvolvimento, não ocorrem cultura, exigem condições adequadas; não so-
em salas de aula com uma ambiência vazia e fisticação, mas a dignidade que a tarefa do es-
relações frustres. O projecto é implicação, tudo solicita.
exige empenho e desempenho, é trabalho sé-
rio. O projecto é a subversão da escola do té- Ainda algumas evidências
dio através do trabalho que nos acrescenta em
saber e cidadania. E para que possamos traba- Tudo isto são evidências sobre projecto.
lhar há que ter condições propícias: o projecto Mas a sabedoria está na capacidade de percep-
reivindica um cenário em que a gestão do cionar o evidente numa floresta de ilusões e de
tempo, a gestão dos conteúdos, a gestão dos falácias. Uma outra evidência é a cooperação
recursos e dos mediadores do saber, a gestão que há-de sustentar todo o trabalho e toda a
dos impulsos, dos desejos, dos interesses, são convivência social dos aprendizes entre si e
pertença da turma. com outros. A experiência do projecto há-de
A planificação é pertença da turma. Aí se- contrariar as práticas selectivas e de exclusões
rão explicitados e negociados os tempos do in- sempre crescentes – aí existem as melhores
dividual, do grupo, do colectivo, os tempos do condições para uma prática de diferenciação
estudo e os tempos do ensino, os tempos da pedagógica que se constitua como experiência
investigação e os tempos da intervenção. de aprendizagem e de sucesso para todos os
A gestão dos conteúdos é pertença da aprendizes.
turma. Desde o direito básico dos alunos co- Aprendemos mais quando ensinamos. Mas
nhecerem, nesse seu «ofício» (Perrenoud, para além desta obviedade que Bruner refor-
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1995), o que deles o estado e a sociedade es- çou, precisamos de compreender que nos
pera (inscrito nas orientações curriculares e acrescentamos eticamente quando encontra-
programas), à organização do estudo desses mos outro sentido fundamental do projecto: a
conteúdos: quando, como, com quem, que partilha, a devolução social do que descobri-
funcionalidade, que contextualização solici- mos e reflectimos. Esta prática social constitui-
tam?… Mas também os pontos de partida se nuclear e incontornável em qualquer expe-
para o estudo autónomo. E ainda as perguntas riência de projecto.
que temos, e também, e sobretudo, os ques- E uma última palavra. O projecto é ainda o
tionamentos que a vida, a comunidade e os espaço, o tempo e a experiência educativa
contextos nos provocam. mais potenciadora da construção de uma pro-
A gestão dos espaços e dos recursos é per- fissionalidade plena. Aí nos reconheceremos
tença da turma. Uma sala tem que ser um es- como organizadores de ambiências de apren-
paço rico, diverso, estimulante: zona da es- dizagem estimulantes para todos; trabalhado-
crita, zona das ciências e matemática, zona de res, com outros, da promoção da cultura e de

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mais e melhor cidadania. Nessa viagem, que crática. In nos 25 anos do Movimento da Escola
nunca pode ser solitária, acrescentar-nos-emos Moderna. Lisboa: Movimento da Escola Mo-
em ciência e humanidade e rescreveremos derna.
quotidianamente os horizontes e os infinitos NIZA, S. (1995). A área-escola: um debate necessá-
de ser educador. rio. In Noesis, 33, 16-25. Lisboa: Instituto de
Inovação Educacional.
NIZA, S. (1998). A organização social do trabalho
Bibliografia:
de aprendizagem no 1º ciclo do ensino básico.
In Inovação, 11,77-98. Lisboa: Instituto de Ino-
GONÇALVES, J.C. (1989). A escola em debate.
vação Educacional.
Braga: Faculdade de Filosofia da Universidade
PERRENOUD, P. (1995). Ofício de aluno e sentido
Católica Portuguesa.
do trabalho escolar. Porto: Porto Editora.
GRÁCIO, R. (1995). Obra completa. Lisboa: Fun-
SANTOS, B.S. (1998). Reinventar a Democracia.
dação Calouste Gulbenkian.
Lisboa: Gradiva.
NIZA, S. (1992). Pilares de uma prática educativa e
UNESCO (1996). Educação, um tesouro a desco-
Em comum assumimos uma educação demo-
brir. Porto: Edições Asa.

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poder material. Portanto só se formos actores resolvam problemas autênticos da comuni-


de mudança social poderemos convictamente dade.
desafiar os nossos jovens para um mundo De uma forma «radical, dolorosa e promis-
cheio de desequilíbrios, assimetrias, injustiças sora» aprendemos com a história a necessidade
mas no qual procuramos instituir práticas so- de instruirmos um viver democrático. E o exer-
ciais alternativas que possibilitem uma maior cício da cidadania aprofundará o ideal demo-
justiça social. crático sempre que revalorizar o princípio da
Acontece que, por vezes, neste tipo de tra- comunidade, as condições culturais, sociais e
balho esgotamos no seu exercício a necessi- regionais potenciadoras da igualdade de opor-
dade de transformação social. Outros que pro- tunidades e ainda o princípio da autonomia e
curem «novas comunidades interpretativas» da solidariedade. Quanto mais estes princípios
como lhes chama Boaventura Sousa Santos, impregnarem as instruções intermédias em
porque nós já temos um trabalho que contribui que vivemos, convivemos e trabalhamos e
para a reparação das injustiças sociais. Há quanto maior for a sua visibilidade social mais
como que uma perversidade inconsciente que possível será ajudar as nossas crianças e jovens
nos leva a pensar que o facto de trabalharmos a elaborar o seu desejo de futuro de uma forma
com desqualificados sociais nos qualifica en- mais realista e socialmente adequada.
quanto cidadãos. Cabia-me falar do medo dos jovens e crian-
Este tipo de convicção parece-me tão gera- ças com que trabalhei. Se contornei o tema não
dor de perigosos equívocos como aquele que foi porque entre eles o medo não existisse. Eles
nos faz procurar no trabalho com os margina- tinham o pior dos medos. O medo de ter medo,
lizados o convívio com a marginalidade que o medo de se aperceberem da sua concreta rea-
achámos mais seguro não nos consentir, mas lidade. Por isso atordoavam-se a todo o mo-
da qual temos nostalgia. mento com exemplares «passagens ao acto» e
Como diz João dos Santos «os melhores «fugas em frente». Mas eu acabei por falar do
educadores são aqueles que actuam esponta- efeito de espelho que eles tiveram em mim.
neamente no plano daquilo que é aceitável na Porque me mostraram os meus vários medos,
vida social e não no plano imaginário». Traí- entre os quais o de perceber a minha diversi-
mos as crianças e os jovens se não os ajudar- dade e o de me assumir como cidadã de um
mos a integrar saberes da ordem do social. Não mundo em crise em que o desenvolvimento
podemos confundir a distância abissal que está ocorre por vezes mais num sentido destrutivo
entre quem nasce marginalizado e quem opta do que construtivo. Elas mostraram-me quanto
conscientemente pela marginalidade. eu me queria «salvar» empurrando-os para um

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Precisamos de assumir inequivocamente a mundo difícil e injusto, de cuja complexa leitura
nossa condição de agentes cívicos e morais. e transformação eu me queria apartar.
Mas gerar situações de civilidade potencia- Por tudo isto, optei por estas reflexões sobre
doras de integração e normalização requer, a urgência de uma postura ética, científica e so-
para podermos actuar sem «não ditos» nem cialmente comprometida.
ambivalências, a experiência de que se podem Porque aprendi que são requisitos funda-
encontrar práticas sociais mais justas. mentais para que os nossos jovens mais humi-
Para esta experiência existir precisamos de lhados, mais marginalizados aprendam (com o
trabalhar quer enquanto cidadãos, quer en- nosso apoio) o que Sartre diz e Sérgio Niza me
quanto agentes educativos e portanto com as ensinou: «Mais importante do que aquilo que
crianças e jovens em formas de intervenção so- nos fizeram é o que fizermos do que os outros
cial, atravessadas pela cultura quotidiana e que fizeram de nós».

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