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A CONSTRUÇÃO DA MULHER NA CHINA: SUBMISSÃO E FEMINICÍDIO

Daniele Prozczinski1
Resumo: Acredita-se que até o período neolítico a China vivia organizada de forma matriarcal. É, sobretudo, a partir da
dinastia Shang (1766 a.C.- 1122 a.C) que os homens passam a ser ainda mais valorizados. Ter um filho era o maior bem
que uma família podia ter. Assim, começa a prática do feminicídio, responsável pela morte de incontáveis mulheres
chinesas. A filosofia de Confúcio, predominante na China, acabou por ajudar a consolidar um papel de submissão e
invisibilidade às mulheres, cuja maior virtude seria a obediência. Estas, por sua vez, submetidas ao marido e à sua
mercê, não poderiam se enquadrar num mais baixo estatuto social. Práticas como enfaixar os pés, visto como um
atributo de beleza e sexualidade pelos homens, persistiu até as primeiras décadas do século XX, causando muitas mortes
e uma vida condenada à dor. No decênio de 1970, é criada a lei do filho único visando conter o avanço populacional.
Um ditado popular chinês afirma: “existem trinta e seis virtudes, mas não ter herdeiros é um mal que nega todas elas. “
Numa sociedade fortemente patriarcal, que preza pela submissão feminina, as famílias, só podendo ter um único filho,
queriam um herdeiro masculino, o que agravou sobremaneira o feminicídio, o abandono e o desprezo por uma filha.
Deste modo, o objetivo deste trabalho é discutir como a construção do papel social da mulher na China acabou por ter
consequências graves e aumentou sobremaneira a clivagem entre o masculino e o feminino, destacando a lei do filho
único.

Palavras-chave: Mulher, China, feminicídio, Confúcio, filho único

A chegada dos comunistas ao poder e a constituição da República Popular da China (RPC)


em 1949, foi o marco de uma nova era para as mulheres chinesas. A despeito de não ter sido a
primeira vez que foram chamadas a estar à frente do processo revolucionário2, foi a primeira vez
que, de fato, tiveram um papel ativo e visível na construção da RPC moderna.
A luta das mulheres chinesas não começou apenas com o Partido Comunista Chinês (PCC).
Muitas foram, ao longo da história, as que fizeram frente ao modelo imposto socialmente sobre o
que deve ser o papel social da mulher. Não obstante, encontraram muita resistência e foram
extremamente reprimidas. Foi apenas com a fundação da RPC que o movimento de emancipação da
mulher ganhou força e a sua imagem começou a mudar.
Para entender qual é o papel da mulher na China, é preciso compreender o pensamento
chinês, de onde destaca-se os ensinamentos de Confúcio e dos seus discípulos. Assim, este artigo
divide-se em duas partes: na primeira, serão apresentados os princípios ensinamentos do
confucionismo responsáveis pela consolidação de uma forte hierarquia patriarcal e de submissão
feminina, que ainda perdura. Na segunda, discutiremos a política do filho único e as suas
consequências para as mulheres.

1
Doutoranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
2
O século XIX, também conhecido como o “Século de Humilhação”, teve uma série de revoltas populares, entre as
quais a de Taiping (1850-1864), sob liderança de Hong Xiuquan. Nesta revolta, as mulheres fizeram parte do exército,
lutando no conflito. As que não conseguiam combater, ajudavam em outras atividades, como na fabricação de
vestimenta, comida, entre outras tarefas necessárias para a manutenção da revolta.

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
O Confucionismo e a submissão feminina

Confúcio (Kongzi) é, ainda hoje, um dos pensadores mais influentes da China. Como
Sócrates, nunca escreveu as suas obras, o que existem são escritos dos seus discípulos sobre os seus
ensinamentos. Ora, durante a sua vida, Confúcio não teve o reconhecimento que esperava. Foi
apenas durante a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C) que o seu pensamento foi colocado oficialmente
como parte da formação escolar e o confucionismo tornou-se a doutrina oficial. Nas décadas que se
seguiram, os seus seguidores ajudaram a sedimentar o seu pensamento, onde as mulheres ocupavam
um lugar de inferioridade e de submissão completa.
A obra Piedade Filial foi elevada a uma das obras clássicas do ensino chinês durante a
dinastia Song (governou a China entre 960 a 1279). A autoria é ainda discutida, chegou a ser
atribuída a Confúcio, mas o mais provável é que tenha sido escrita por um dos seus discípulos, até
pela nova hierarquização das virtudes. De qualquer forma, este texto é um dos marcos fundamentais
do pensamento neoconfucionista.
Para Confúcio, a maior virtude era a benevolência, de onde emanavam as restantes. Com o
neoconfucionismo, há uma sobrevalorização da piedade filial, que passa a ser a virtude suprema.
Esta, por sua vez, é exercitada no seio familiar. Desta forma, nunca um mau filho pode ser um bom
governante. O bom filho, por sua vez, caracteriza-se por aguentar todas as situações, inclusive os
maus tratos do seu pai e mãe, e, mesmo assim, continua no caminho da virtude. Caso o faça, será
salvo pelas forças do destino. A teia de relação mais importantes são três e excluem as mulheres:
pai e filho; irmão mais velho e o mais novo; e, por fim, súbdito e governante. Nesta estrutura rígida,
“a mãe é a figura amorosa da família, não tendo poder. Não conta em termos sociais, a sua condição
é a de submissão máxima à estrutura.”(ALVES, 2007, p. 110) As mulheres regiam-se,
consequentemente, pelas três submissões. A primeira era ao pai que, no momento do casamento,
passada para o marido, e, em caso da sua morte, ao filho. Para além do nascimento de uma menina
ser considerado com algo negativo, não se dava muita atenção à menina durante o seu crescimento.
Considerava-se que não valia a pena o investimento, uma vez que no momento do casamento, a
filha iria viver para a casa do marido e o vínculo era assim rompido. As jovens mulheres sofriam
muito com casamento arranjados e, de um momento para o outro, toda a realidade que conheciam
passava a ser uma nova, numa nova casa e, muitas vezes, em uma nova cidade. Nessa nova vida,
eram submetidas a uma nova família, que, na maior parte dos casos, não as recebia bem. Podiam,
ainda, ser concubinas, sendo que estariam totalmente à mercê da esposa e dos seus maus-tratos.

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A par das três submissões, que fazia com a mulher fosse submissa a alguém durante toda a
vida, estavam as quatro virtudes. “As virtudes eram a fidelidade, o encanto físico, decoro na fala e
nos atos, e diligência no trabalho doméstico.”(XINRAN, 2007, p. 123) As biografias da época
privilegiam as mulheres altruístas, castas, submissas, que cuidavam da casa e do marido, exemplo
que devia ser seguido pelas jovens mulheres. A base de toda a educação feminina era para serem
disciplinas, donas de casa exemplares, bonitas, que nunca se queixavam e ficavam contentes com o
que tinham. Os homens eram os seus superiores naturalmente e, consequente, era-lhes devido
obediência e submissão. Confúcio, ao mesmo tempo que tão democrático advogando a educação de
todos, excluiu as mulheres desse processo. Segundo um proverbio chinês, “a mulher sem talento
tem virtude”3.
O princípio presente no Clássico da Mutações (I Ching) de yin e yang teve uma forte
influência nas questões de gênero na China, sobretudo devido a leitura confucionista do clássico. A
força yin alude aos aspetos negativos, destrutivos, fracos e passivos. É representado pela terra, o
lado da encosta onde não bate o sol. Já a força yang é forte, dinâmica, criativa, firme, é a parte da
encosta onde bate o sol. Está numa posição superior, de proximidade ao céu. Consequentemente, “a
força, o movimento, a energia, a firmeza e a imobilidade pertencem ao macho; a passividade, a
gentileza, a beleza, a inteligência intuitiva e a alegria, à fêmea.”(ALVES, 2007, p. 36) Ora, essa
imagem negativa, associada a figura yin de passividade construída a volta da figura feminina ainda
hoje encontra os seus resquícios na sociedade chinesa.
O pesar do nascimento de uma menina no seio familiar seguia a tradição confucionista para
que, ao menos, se tornasse na “mulher ideal”, o que era o mínimo que a família poderia esperar,
afinal, tinham tido o infortúnio de ser uma menina. Ao nascer, devia ser colocada em baixo da cama
junto com uma telha:
Simbolicamente, marcava-se o destino da mulher: deitada debaixo do leito, significava que
a sua vida devia ser de total sujeição ao homem. A telha de barro era colocada a seu lado,
determinava-lhe o futuro: vida inteira de trabalho ao serviço do marido e da sua família.
Três dias depois do nascimento, ofereciam-se sacrifícios aos deuses ancestrais, significando
com esse ritual o seu dever de perpetuar a linha ancestral do esposo que lhe iria ser
atribuído (ou já fora atribuído antes do nascimento).(PIRES, 1999, p. 22)

3
Normalmente, quando se estuda a realidade das mulheres chinesas, parece-nos que está tão distante do ocidental, o que
não é verdade. Os filósofos clássicos ocidentais também colocam a mulher num lugar de submissão e exclusão. Para
além disso, o correspondente ao provérbio citado na cultura portuguesa é mais duro que o chinês: “guarda-te da mula
que diz sim e da mulher que fala latim. “ Para mais correlações ver: ALVES, A. C. A Mulher na China. Lisboa:
Editorial Tágide, 2007

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Com a sobrevalorização do masculino, o feminicídio tornou-se numa prática recorrente.
Sobretudo após a família já ter uma menina, se as seguintes também fossem, eram abandonadas ou
mortas (normalmente afogadas), até que o filho chegasse. Só com o nascimento do filho varão a
linhagem estava assegurada. Esta prática iniciou-se nas primeiras dinastias e, apesar de que em
menor número, dura até os dias de hoje.

A vitória dos comunistas e a política do filho único

A almejada igualdade de gênero foi atingida, pelo menos em teoria, com a chegada dos
comunistas ao poder. Em outubro de 1949, chinesas e chineses saíram à rua para celebrar a vitória
do Partido Comunista Chinês (PCC). O líder e herói da revolução era Mao Zedong, que inaugurou
um novo regime político, econômico e social na China.
Aquando da chegada dos comunistas ao poder, o país estava devastado por guerras civis,
pelo imperialismo das potências estrangeiras, aliado à má gestão dos recursos produtivos. Os anos
gloriosos da Zhōngguó4 pareciam pertencer a um passado distante, desacreditada
internacionalmente e internamente. A população, por sua vez, depositou a sua fé nos vermelhos,
esperando que fossem capazes de alcançar a paz, a prosperidade e acabassem com as humilhações
sofridas. Sabia-se que apenas uma revolução profunda fazia sentido, o que o Guomindang5 não
estava disposto a fazer.
Em 1954, com a nova Constituição da RPC, o artigo 94º afirmava a igualdade das mulheres
e dos homens em todas esferas, assim como o direito a proteção da mãe e do filho. Para além disso,
a Constituição previa, no artigo 86º, a possibilidade de eleição de mulheres para os cargos políticos:
“As mulheres têm direitos iguais aos homens ao voto e para serem candidatas nas
eleições.”(“Constitution of the People’s Republic of China”, 1954) Em contraposição, na prática,
poucas eram as mulheres que ocupavam cargos políticos, mesmo dentro do PCC.
Apesar de todas as transformações positivas que aconteceram com a chegada dos vermelhos
ao poder, para Mao, a mulher tinha tanto valor como o homem, sobretudo na medida em que se
aproximasse cada vez mais da sua imagem. Essa realidade colocava um problema muito grave, uma
vez que passa pela anulação do feminino em prol das características masculinas. As mulheres
tinham que se aproximar ao máximo do modo de agir masculino. Consequentemente, a igualdade

4
Nome em chinês da China que significa “Império do Meio”.
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Partido Nacionalista da China, criado após a Revolução de Xinhai Gémìng em 1911 por Sun Zhongshan.

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passava pela anulação das características yin6. No poema abaixo, escrito por Mao para Jue Zhu,
podemos observar esse fato:

Quão brilhantes e bravas parecem


Ao carregarem espingardas de 5 pés
Na parada, iluminadas pelos primeiros raios
Do dia
As filhas da China têm mentes elevadas
Amam as frentes de batalha
E não sedas e cetins.
(ALVES, 2007, p. 156)

As mulheres comunistas eram organizadas em três categorias. O primeiro grupo eram as


grandes heroínas, que se dedicavam totalmente à luta comunista, como Xiang Jingyu, a única
mulher fundadora do PCC. O segundo, as vítimas oprimidas do imperialismo e do feudalismo, e,
por fim, as donas de casa e intelectuais burguesas, que eram desprezadas pelas restantes. Por sua
vez, essa categorização era extremamente rígida e não contemplava todas as atividades que as
mulheres desempenhavam. Anos mais tarde, após a consolidação da RPC, a categoria de
trabalhadoras modelo passou a existir e a ser extremamente valorizada, uma vez que
desempenhavam um importante papel no desenvolvimento produtivo do país.
Não obstante a sua vasta extensão territorial, a maior parte do território chinês não é
habitável. Os desertos e zonas muito remotas, ligados a um problema de falta de recursos hídricos,
fazem com que o controle populacional seja uma questão de suma importância. A maior parte da
China, ainda hoje, vive sob forte racionamento de água. A preocupação com o aumento
populacional não é uma herança do PCC, já é antiga. No século XIX, Wang Shiduo (1802-1889),
por exemplo, defendia o afogamento feminino como uma forma de controlo populacional (PIRES,
1999, p. 22).
Na década de 1950, com uma população sobretudo rural, analfabeta e faminta, a
preocupação foi aumentar a produção de alimentos e, posteriormente, conter o crescimento
populacional. Mao Zedong, no início do seu governo, era fortemente adverso as políticas de
controle populacional e lançou o slogan: “mais pessoas significam mais trabalhadores”. Não
obstante, dado as melhorias nas condições de vida, o boom demográfico fez com que o seu
posicionamento mudasse. A partir de 1957, começaram a ser feitas propagandas políticas, métodos

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Mesmo na sociedade ocidental acontece o mesmo, onde anular as características femininas parece o caminho certo
para ingressar no mundo masculino.

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contraceptivos foram divulgados e distribuídos, assim como os abortos foram incentivados. A
população, não obstante, continuava a crescer a um ritmo muito maior do que a era suportável.
Com o desastre das políticas económicas do Grande Salto Adiante, que resultou em cerca de
quarenta e cinco milhões de mortos (DIKOTTER, 2017, p. 10), começou a haver um controle de
nascimentos a nível governamental. “Mais pessoas” agora significam também uma maior pressão
governamental e na produção agrícola para conseguir sustentar esse crescimento. Logo, as famílias
começaram a ser desencorajadas a terem muitos filhos e as que tinham poucos eram mais aceites
socialmente. O objetivo era que a população não passasse de 1.2 bilhão até o final do século XX,
para além de coordenar o desenvolvimento económico e social com o crescimento populacional (LI,
1995, p. 177–178).
A partir de 1970, o controle populacional passou a ser uma das prioridades do governo.
Começou-se, formalmente, por serem encorajados os casamentos tardios, um filho por família,
aliados a uma forte propaganda política e de aumento do acesso a métodos contraceptivos, não
foram atingidos os resultados almejados. Logo, em 1979, a ideia de colocar um limite máximo de
um filho por casal começou a imperar (Gráfico 1). No ano seguinte, a política começou a ser
aplicada, atingindo o seu auge em 1982, com a adopção da nova Constituição que previa, no artigo
49º, que “o marido e a esposa têm o dever de praticar o planejamento familiar.” (“Constitution of
the People’s Republic of China”, 1982). Todavia, apenas em 2001 passou a ter força de lei. Não
obstante, como podemos observar no gráfico 1, o declínio do número de filhos por família diminui
significativamente a partir da década de 1970.
Gráfico 1. Número de filhos
por mulher na China

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Fonte: Adaptado de CLARKE et al., 2015

A restrição de um filho por casal aplica-se para a etnia Han (que representa cerca de 90% da
população chinesa) e para as etnias minoritárias com mais de um milhão de pessoas. No campo, as
famílias podem ter dois filhos desde que o primeiro tenha nascido com alguma deficiência ou seja
uma menina. Ora, dado a cultura ancestral chinesa, guiada pelo pensamento do filho homem com o
futuro da família, o número do nascimento de meninas diminuiu drasticamente. Antes do acesso a
ecografias que permitiam saber o sexo do feto, um grande número de meninas foram mortas e
abandonadas. É difícil saber o número exato, pois não estão presentes nas estatísticas oficiais. O
número de abortos de meninas aumentou tanto que passou a ser proibido aos médicos informarem o
sexo do feto aos pais.
A propaganda política foi forte para conter o avanço populacional e também para mudar a
mentalidade do filho ter de ser um rapaz. Como podemos ver nos cartazes de propaganda 1 e 2,
ambos carregam uma mensagem da importância de um único filho para a prosperidade de país. No
âmbito deste trabalho, cabe realçar que enquanto no cartaz 1 temos um menino nos braços da mãe,
no segundo temos uma menina. Isso corrobora a posição do governo com a preocupação na
diminuição da disparidade de nascimento entre meninas e meninos, divulgando amplamente slogans
como: “menor fertilidade, melhor qualidade; meninos e meninas são ambos tesouros”.

Poster 1: “Realize o planejamento familiar, implemente a política nacional básica”


1986

Fonte: Chinese Propaganda Posters: Population Policy - Part 2”, [s.d.]

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Poster 2: “Menos nascimentos, melhores nascimentos, para desenvolver a China
vigorosamente”

Fonte: Chinese Propaganda Posters: Population Policy - Part 2”, [s.d.]

A política do filho único teve resultados desastrosos, de tal forma que, desde 2016, o
governo flexibilizou a política para dois filhos por casal. Em vários artigos, discute-se muito a falta
de mulheres para o número de homens na China, que não conseguem encontrar uma parceira.
Porém, acreditamos ser mais importante ressaltar as consequências desastrosas para as mulheres.
Nas áreas rurais, sobretudo, inúmeras mulheres foram forçadas a abortar e esterilizadas, mesmo em
gestações avançadas. Muitas, tiveram que viver escondendo a sua gravidez, com medo de
represálias, continuando a trabalhar até o fim da gestação, no mesmo ritmo, até terem o bebê.
Quando descobertas, algumas crianças eram retiradas das famílias, outras tinham que pagar uma
multa para o Estado até a criança fazer dezoito anos. Igualmente, havia punições a nível
profissional, já que o filho tinha que ser autorizado pelas unidades de produção. Nesta lógica, era
impossível uma gravidez não planejada e autorizada pelo “Certificado de Glória do Filho Único”.
Como afirma Xiran,

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Ao longo de mais de vinte anos, desde o início da política do filho único até pouco antes da
lei ser sancionada, a taxa de natalidade caiu de 5,44, em 1971, para 1,84 em 1998. (...) Em
2012, (...) eram aproximadamente 400 milhões de nascimentos a menos. Seria possível
argumentar que se trata de uma grande contribuição para o controle populacional global.
Porém, é mais difícil avaliar o custo daquilo que duas gerações de chineses tiveram que
aguentar. Incontestáveis famílias financeiramente arruinadas por multas, números
incalculáveis de bebês do sexo feminino abandonados, um envelhecimento catastrófico da
população e gerações de filhos únicos que perderam a chance de experimentar as estreitas
relações entre irmãos. (XINRAN, 2017, p. 19)

Conclusão
O feminicídio, prática milenar na China, incentivado desde a dinastia Shang, privilegiava o
nascimento de meninos. Dado as raízes milenares de uma cultura machista, defendida pela maior
corrente do pensamento chinês, o confucionismo, ser mulher significava uma vida de submissão e
obediência. Apesar da rejeição dos clássicos por Mao Zedong, a política do filho único, foi um
retrocesso no que respeita as questões de gênero na China. Os esforços do governo em amenizar a
vontade pelo filho homem, esbarraram contra uma forte cultura de sobrevalorização do masculino.
Anos dessa política culminaram em uma série de “mulheres desaparecidas”, expressão de
sofrimento, abandono e feminicídio.

Referências

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Disponível em: <http://e-chaupak.net/database/chicon/1954/1954ae.pdf>

Constitution of the People’s Republic of China. , 1982. Disponível em:


<http://www.npc.gov.cn/englishnpc/Constitution/2007-11/15/content_1372964.htm>

DIKOTTER, F. A grande fome de Mao. Rio de Janeiro: Editora Record, 2017.

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MIN, A.; DUO DUO; LANDSBERGER, S. Chinese propaganda posters. Köln: Taschen, 2015.

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XINRAN, X. Compre-me o céu: a incrível verdade sobre as gerações de filhos únicos na


China. Traducao Caroline Chang. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

ZEDONG, M. Quotations from Chairman Mao Tse-Tung. Beijing: Foreign Languages Press,
1966.

The construction of women in China: submission and femicide

Astract: It is believed that until the Neolithic period China was organized matriarchally. It is, above
all, from the Shang dynasty (1766 BC-1122 BC) that men are even more valued. Having a male
child was the greatest asset a family could have. Thus, begins the practice of femicide, an act that
was responsible for the deaths of countless Chinese women. The philosophy of Confucius,
predominant in China, eventually helped to consolidate a role of submission and invisibility to
women, whose greatest virtue was obedience. Therefore, the woman submitted to her husband and
his will, could not fit into a lower social status. Practices such as bandaging feet, regarded as a
feature of beauty and sexuality by men, continued until the first decades of the twentieth century,
causing many deaths and being responsible for a life of pain. In the 1970s, the single-child law was
created to restrain the population growth. A popular Chinese saying goes: "There are thirty-six
virtues, but not having a male heir is an evil that denies them all. " In a strong patriarchal society,
which prides itself on female submission, the families, being able to have only one child, wanted a
male heir, something that greatly increased the femicide, neglection, and scorn for a female child.
Thus, the purpose of this paper is to discuss how the construction of the social role of women in
China ended up having serious consequences and greatly increased the difference between male and
female. In addition, it will focus on the consequences of the single-child law.

Keywords: Woman, China, femicide, Confucius, single-child

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