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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

TRABALHO FINAL
GEOGRAFIA ECONÔMICA II - FLG0263

Beatriz Gallardo Calderon - 10328407


Lucas Andrade Alves de Lima - 11253365
Sophia Tagliaferri de Castro Sabino - 10704272

São Paulo
2021
Podemos iniciar esta reflexão tendo como base que existe uma contradição entre a
universalidade e a particularidade da forma-valor, já que o capital tem enquanto condição de
reprodução seu oposto, adquirindo, portanto, uma identidade bastante contraditória. Dessa
maneira, o capital apresenta-se enquanto limite de si mesmo. Assim sendo, o movimento
contraditório de sua reprodução é realizado justamente através da crise de acumulação e a
desvalorização, já que o capital como forma social possui como finalidade o aumento da
acumulação e da valorização do valor.
Tal contradição se apresenta por meio do entendimento da coexistência, pois o
processo social do capital se coloca de maneira concomitante durante momentos históricos
nacionais pertencentes ao mesmo processo totalizante, e não, conforme justificam alguns
autores, de maneira sucessiva. Essa contradição surge da relação que se estabelece entre as
economias centrais e periféricas, que, por sua vez, possuem suas especificidades como parte
do movimento contraditório, combinado e universal do capital e da forma-valor.
Assim, a especificidade periférica compõe integralmente a contradição entre a
acumulação e a crise, sendo, constituindo, portanto, sua negatividade. Isso torna a periferia
justamente parte integrante da contradição, e não algum tipo de atraso a ser superado por
meio do desenvolvimento econômico. O capital não pode enfrentar as contradições que o
sustentam. O desenvolvimento da periferia ocorreria apenas enquanto representa alguma
possibilidade de acumulação do capital internacional, não sendo de maneira alguma um
desenvolvimento “sucessional”.
Uma resolução da contradição não é possível, justamente porque ela é necessária para
a reprodução social do capital. A modernização da periferia alavancada pela necessidade de
expansão, esta, por sua vez, imposta pela crise, ela, contraditoriamente, torna-se crise
também. Apenas o fetiche permite que tal processo seja visto enquanto não-crise, através do
nacionalismo e do suposto desenvolvimentismo, bastante úteis para mascarar as
determinações simultâneas do capital.
São esses os aspectos que permitem que observemos de maneira mais fácil o trajeto
brasileiro situado dentro do capitalismo mundial, por exemplo. Para alguns autores, a
escravidão representa o pré-capitalismo brasileiro, que, por sua vez, é sucedido por uma
acumulação primitiva (fruto da cafeicultura) e, por fim, a industrialização. Tal raciocínio
pode ser rejeitado com a simultaneidade, se considerarmos que a economia do Brasil cumpria
função de estimular o desenvolvimento do capital europeu. A formação da propriedade
privada brasileira pode ser entendida enquanto exemplo claro desse processo, pois confunde-
se com a formação da propriedade privada da terra.
Inicialmente, a propriedade privada da terra é de posse da coroa portuguesa, que a
concede à alguns membros da nobreza portuguesa para que a administrem, o que alimenta,
conforme foi colocado no último parágrafo, o processo de acumulação primitiva, processo
esse que inclui extrema violência para com a população negra e indígena. Posteriormente,
após a independência, constitui-se um mercado de terras que acaba por internalizar-se na
reprodução da terra urbana. Durante esse período, as cidades do estado de São Paulo
constituem-se enquanto centralidade de uma sociedade agrária, e tal processo durou até finais
do século XIX.
Isso ocorre pois a vida urbana centrava-se na vida agrária. O agrário acaba por ser a
finalidade do processo, pois é a atividade econômica principal, que articula-se com o
movimento da simultaneidade, pressupondo as condições da reposição do Capital. Assim,
mesmo que apareça enquanto um fenômeno em um mundo não industrial, esse relaciona-se
enquanto identidade negativa do valor, enquanto condição para expansão da acumulação
capitalista, como industrialização enquanto processo, já que está inserido na reprodução da
universalidade da forma- valor.
Então, a escravidão juntamente com a condição de mercado agrário e exportador
acabam por situar o Brasil em um esquema de comercialização internacional que é liderado,
por sua vez, pela industrialização inglesa, o que garante o fluxo de capital para esse país,
devido a dependência luso-brasileira da Inglaterra enquanto economia central. A estravidão
não é, portanto, pré- capitalista, ela é justamente a contradição por meio da qual o capital se
reproduz na relação de trabalho caracteristicamente não- capitalista.
Logo, a cafeicultura no Brasil não significa que houve acumulação primitiva, pois
nossa incapacidade de valorizar a produção se dá justamente para que exista uma valorização
bem maior nos países centrais. A não-industrialização brasileira é a negatividade da
industrialização, necessária, portanto, para a reprodução central do capital. E é na década de
30, que ocorre uma virada na economia brasileira, da qual trataremos logo em seguida.
A constituição de uma indústria nacional, que é, por sua vez, forma e processo e está
situada numa transição de uma sociedade predominantemente agrária. Esse momento
relaciona-se com o movimento da divisão internacional do trabalho que ocorria na época,
originado principalmente pela crise econômica de 1929. Durante essa crise, as principais
economias mundiais perderam sua capacidade de investir em economias ao redor do mundo.
Dessa maneira, desenvolve-se uma industrialização nacional fundamentada na acumulação
majoritariamente pobre, na qual instituições de relações modernas abrangem relações
arcaicas de produção, como é o caso da reprodução da agricultura familiar no processo de
acumulação.
Tal processo se dá por meio de uma forte ação do Estado, já que o desenvolvimento
de forças produtivas nacionais torna-se necessário, principalmente no setor da indústria de
base, assim como a regulamentação dos fatores de produção referentes ao trabalho e a
precificação do mesmo. Dessa forma, a industrialização das condições que permitem a
expansão das atividades produtivas relacionadas ao mercado interno, porém tal processo foi
tomado por discursos nacionalistas e desenvolvimentistas, que repõem as condições
necessárias para a reprodução do Capital, já que articula- se a um projeto que se encontra no
fetiche da mercadoria. Conforme coloca Francisco de Oliveira:

A originalidade consistiria talvez em dizer que - sem abusar do gosto pelo


paradoxo - a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações
novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de
compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas
no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-
urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o
potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão
do próprio novo. (OLIVEIRA, 2013, p. 60)

A reposição dos excessos monetários que integram essa contradição pode ser
compreendida através da crise de superprodutividade que ocorreu nas décadas de 40 e 50 nos
Estados Unidos, na qual o desenvolvimento das forças produtivas, embora compensado em
partes por meio da indústria bélica, resultou em uma enorme quantidade de capital estagnado
e desvalorizado em forma monetária, este, por sua vez, incapaz de ser desenvolvido pelo
capital social central. O trabalho, portanto, não ocupa mais o lugar de categoria fundamental
para a acumulação, com crescente desvalorização do valor.
O aumento dos preços nos Estados Unidos é, na realidade, uma disputa pelo
excedente monetário, e não mero excesso de demanda. E é justamente por esse motivo que a
expansão extraterritorial deste capital é fundamental: somente por meio do aumento da
abrangência do montante total dos lucros é que é possível compensar a queda do valor
crescente. Então, a industrialização dos países ditos periféricos recebe grande impulso.
Conforme mencionado anteriormente, a modernização e a industrialização da periferia
ocorrem por meio da crise no centro, e são, portanto, a própria crise. Contraditoriamente, tal
processo é fetichizado enquanto não-crise e crescimento econômico. A ilusão de que é
possível que as periferias atinjam a capacidade produtiva do centro é adotada por inúmeros
intelectuais e governos.
Após a 3ª Revolução Industrial, baseada na microeletrônica, e a crise de 1973 a
“Grande Indústria” que, para Marx, seria a automatização, o momento em que o trabalhador
fica ao lado do processo produtivo, reafirma o fetichismo na relação sujeito-objeto. Dessa
forma, em sua condição fictícia, ficcionaliza a própria relação categorial do capital
Imaginar, portanto, que a industrialização brasileira representou o movimento do
capitalismo em direção ao desenvolvimento significa manter categorias fetichizadas que
somente mascaram as contradições estruturais estabelecidas. A compreensão se encontra na
simultaneidade colocada nas economias periféricas que se integram ao processo de
reprodução internacional do capital e expansão das economias centrais.
A ficcionalização do capital se dá no momento onde a forma monetária autonomiza-
se e encabeça o movimento de expansão e reprodução do capital, contraditoriamente ao
processo produtivo. E com a crescente queda da taxa de lucro e do valor, para além da
superprodutividade, o dinheiro passa de uma expressão fetichista do valor de uma mercadoria
para a expressão de uma ficção do valor, colocado enquanto promessa de trabalho com um
tempo nulo de execução e, por sua vez, nenhum valor.
A crescente redução da mais valia requer alguma compensação por meio do crédito,
pois a necessidade de investir em capital produtivo é constante e crescente, processo esse que
se dá em um cenário onde é menos desvantajoso circular o dinheiro que torná-lo produtivo. A
geração do valor é, por sua vez, a negatividade do incremento produtivo determinado pela
relação capital-trabalho. Esta assume um caráter totalmente ficcional, onde o capital valoriza-
se com o próprio mercado de capitais, títulos e dívidas, o que expressa a total
improdutividade.
A maior fluidez na circulação do dinheiro em forma de crédito é possível por meio do
desenvolvimento da microeletrônica, dentro do contexto supracitado da 3ª Revolução
Industrial que, por sua vez, é fruto do processo ocorrido após as crises econômicas
posteriores à década de 70. No cenário nacional, é possível observar uma série de fatores que
expõe tal forma de reprodução pela crise que, na conceituação de Oliveira sobre nossa
formação socioeconômica, é chamada de “ornitorrinco”:

O ornitorrinco é isso: não há possibilidade de permanecer como


subdesenvolvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revolução
Industrial propiciava; não há possibilidade de avançar, no sentido da
acumulação digital-molecular: as bases internas da acumulação são
insuficientes, estão aquém das necessidades para uma ruptura desse porte.
[...] O ornitorrinco está condeando a submeter tudo à voragem da
financeirização, uma espécie de ‘buraco negro’. [...] O ornitorrinco
capitalista é uma acumulação truncada e uma sociedade desigualitária sem
remissão. (OLIVEIRA, 2013, p. 150)

Nesse trecho, temos um panorama da situação atual da reprodução do colapso da crise


na periferia do capitalismo, o que nos constitui, dessa forma, na forma da crise. Nessa
passagem, o autor acaba por prender-se a posições fetichistas que promovem o
desenvolvimento e a distribuição de renda no que diz respeito à esfera das reorganizações na
divisão internacional do trabalho, e tal argumento acaba por cair em uma contradição, pois
repõe as condições da própria acumulação no lugar de romper com tal perspectiva.
A reprodução de negócios imobiliários através do acesso ao crédito para as
populações mais pobres (como é o caso dos programas do Estado Brasileiro, a exemplo do
Minha Casa, Minha Vida), exemplificam esse processo de ficcionalização do capital, da
voragem da financeirização, como coloca Oliveira. O programa foi lançado logo após a crise
de 2008, enquanto forma de realizar os investimentos necessários para o capital,
redirecionando os investimentos do setor de construção e do capital imobiliário no mercado
interno.
Enquanto forma de reproduzir a propriedade privada, com foco na população
marginalizada socialmente, elevando seu padrão de consumo (não sem que ocorra um
processo de aumento na jornada de trabalho, no qual muitos desses trabalhadores acabam por
ter mais de um emprego informal), colocando- se enquanto forma de mediação social, como
fetiche, pois é por meio da mercadoria que constituímos nossas formas de sociabilidade. A
política social distributivista ocorre porque as soluções nos âmbitos da reprodução do capital
se dão na esfera da distribuição.
O problema está, justamente, em pensar que tal sociabilidade constitui-se na
reprodução da crise. Esse processo acaba por expressar a materialização de capitais fictícios
na circulação por meio do desenvolvimento da base de acumulação material que atualmente
temos. Ainda sim, ela é insuficiente e não dilui as contradições colocadas atualmente, mas
sim as aprofunda ainda mais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. O Processo de Produção do Capital.


Vol. 1, Tomo I, São Paulo: Nova Cultural, p. 45 - 120.

OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo, SP: Boitempo, 1. ed. 4.
reimpr, 2013

ALFREDO, Anselmo. Crise imanente, abstração espacial. Fetiche do capital e sociabilidade


crítica. In: Terra Livre, AGB Nacional, 26, v. 1, n. 34, jan-jun, 2010, p. 37-62.

ALFREDO, Anselmo. Reprodução crítica, modernização contraditória. O tempo como


fetiche de razão na irracionalidade espacial do capital. Disponível em:
<http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Geografiasocioeconomica/
Geografiaeconomica/28.pdf>

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