DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Prova de Geografia do Estado de São Paulo
Nº USP: 11253128 NOME: IGOR RENAN DE CAMARGO VIEIRA GOMES
PERÍODO: DIURNO
Nº USP: 11253365 NOME: LUCAS ANDRADE ALVES DE LIMA
PERÍODO: DIURNO
O “descobrimento” do Brasil pelos portugueses, somado a sua eventual
colonização, configuram as primeiras imagens de história que costuma-se ter nos primeiros anos escolares. Sendo este assunto uma parcela de conhecimento tão corriqueira em nosso processo de formação, naturalmente torna-se sempre objeto comum de debates sobre suas origens, problemas e sentidos. Parte fundamental deste debate vem do paulista Caio Prado Júnior, em sua obra clássica Formação do Brasil Contemporâneo (1942) que pode ser considerada um dos pilares para a compreensão da história brasileira. Nessa obra, Prado Júnior apresenta sua tese sobre o que chamaria de “Sentido da colonização brasileira”, onde pretendia se livrar de um antigo estorvo nas narrativas dominantes sobre a colonização do país. Em suma, pretendia rebater a tese de que a colonização portuguesa no Brasil teria nos levado a uma sociedade feudal. No entanto, o mais importante para a presente discussão é que Caio Prado rompe com vícios anteriores ao tratar a colonização brasileira não como algo ocasional, mas como parte de uma configuração mundial. O sentido de nossa colonização, no entanto, poderia ser entendido não como um ponto fora da curva, mas sim, uma curva dentro de um conjunto organizado de estradas. Nas palavras do próprio autor, a colonização brasileira “é apenas a parte de um todo, incompleto sem a visão deste todo”. (PRADO JÚNIOR, 1942, p.14). Este ponto principal, da realidade nacional como uma parcela conectada a um conjunto mundial, é fundamental para compreendermos o restante desta reflexão. Quando falamos de “história do Brasil”, geralmente estamos falando, especificamente, sobre a formação econômica e social do país, principalmente após a colonização europeia. Estamos falando, portanto, de uma história de processos que não são os físico-naturais, mas sim, os que envolvem as relações sociais e econômicas, relações de trabalho. Ou seja, trata-se de uma questão metafísica, como não natural: “Isto é, o social, o material, é necessariamente forma negativa de toda natureza (...) ou seja, o social é necessariamente uma negação do natural e da natureza.” (ALFREDO, 2016, p.37). É legítimo pensar, então, que ao debatermos sobre a da formação econômica e social do Brasil, estamos debatendo sobre a sua formação metafísica e, portanto, uma formação não natural. Já, ao debatermos os processos econômicos e sociais (como a reprodução do capital) a nível mundial, pressupõe-se uma contradição, esta, se apresenta por meio do entendimento da coexistência, pois o processo social do capital se coloca de maneira concomitante durante momentos históricos nacionais pertencentes ao mesmo processo totalizante, e não, conforme justificam alguns autores, de maneira sucessiva. Essa contradição surge da relação que se estabelece entre as economias centrais e periféricas, que, por sua vez, possuem suas especificidades como parte do movimento contraditório, combinado e universal do capital e da forma-valor. Assim, a especificidade periférica compõe integralmente a contradição entre a acumulação e a crise, sendo, constituindo, portanto, sua negatividade. Isso torna a periferia justamente parte integrante da contradição, e não algum tipo de atraso a ser superado por meio do desenvolvimento econômico. O capital não pode enfrentar as contradições que o sustentam. O desenvolvimento da periferia ocorreria apenas enquanto representa alguma possibilidade de acumulação do capital internacional, não sendo de maneira alguma um desenvolvimento “sucessional”. Uma resolução da contradição não é possível, justamente porque ela é necessária para a reprodução social do capital. A modernização da periferia alavancada pela necessidade de expansão, esta, por sua vez, imposta pela crise, ela, contraditoriamente, torna-se crise também. Apenas o fetiche permite que tal processo seja visto enquanto não-crise, através do nacionalismo e do suposto desenvolvimentismo, bastante úteis para mascarar as determinações simultâneas do capital. São esses os aspectos que permitem que observemos de maneira mais fácil o trajeto brasileiro situado dentro do capitalismo mundial, por exemplo. Para alguns autores, a escravidão representa o pré-capitalismo brasileiro, que, por sua vez, é sucedido por uma acumulação primitiva (fruto da cafeicultura) e, por fim, a industrialização. Tal raciocínio pode ser rejeitado com a simultaneidade, se considerarmos que a economia do Brasil cumpria função de estimular o desenvolvimento do capital europeu. A formação da propriedade privada brasileira pode ser entendida enquanto exemplo claro desse processo, pois confunde- se com a formação da propriedade privada da terra. Inicialmente, a propriedade privada da terra é de posse da coroa portuguesa, que a concede à alguns membros da nobreza portuguesa para que a administrem, o que alimenta, conforme foi colocado no último parágrafo, o processo de acumulação primitiva, processo esse que inclui extrema violência para com a população negra e indígena. Posteriormente, após a independência, constitui-se um mercado de terras que acaba por internalizar-se na reprodução da terra urbana. Durante esse período, as cidades do estado de São Paulo constituem-se enquanto centralidade de uma sociedade agrária, e tal processo durou até finais do século XIX. Isso ocorre pois a vida urbana centrava-se na vida agrária. O agrário acaba por ser a finalidade do processo, pois é a atividade econômica principal, que articula-se com o movimento da simultaneidade, pressupondo as condições da reposição do Capital. Assim, mesmo que apareça enquanto um fenômeno em um mundo não industrial, esse relaciona-se enquanto identidade negativa do valor, enquanto condição para expansão da acumulação capitalista, como industrialização enquanto processo, já que está inserido na reprodução da universalidade da forma- valor. Então, a escravidão juntamente com a condição de mercado agrário e exportador acabam por situar o Brasil em um esquema de comercialização internacional que é liderado, por sua vez, pela industrialização inglesa, o que garante o fluxo de capital para esse país, devido a dependência luso-brasileira da Inglaterra enquanto economia central. A estravidão não é, portanto, pré- capitalista, ela é justamente a contradição por meio da qual o capital se reproduz na relação de trabalho caracteristicamente não- capitalista. Logo, a cafeicultura no Brasil não significa que houve acumulação primitiva, pois nossa incapacidade de valorizar a produção se dá justamente para que exista uma valorização bem maior nos países centrais. A não-industrialização brasileira é a negatividade da industrialização, necessária, portanto, para a reprodução central do capital. E é na década de 30, que ocorre uma virada na economia brasileira, da qual trataremos logo em seguida. A constituição de uma indústria nacional, que é, por sua vez, forma e processo e está situada numa transição de uma sociedade predominantemente agrária. Esse momento relaciona-se com o movimento da divisão internacional do trabalho que ocorria na época, originado principalmente pela crise econômica de 1929. Durante essa crise, as principais economias mundiais perderam sua capacidade de investir em economias ao redor do mundo. Dessa maneira, desenvolve-se uma industrialização nacional fundamentada na acumulação majoritariamente pobre, na qual instituições de relações modernas abrangem relações arcaicas de produção, como é o caso da reprodução da agricultura familiar no processo de acumulação. A reprodução mundial do capital, portanto, funciona quase como uma operação das ciências exatas, de maneira interligada, com ações e reações, onde para que um lado ganhe, outro lado necessita perder. Ou seja, quando um país enriquece, outro está perdendo riqueza, assim como se estivéssemos passando um valor numérico de um lado para outro de uma equação matemática. Como se o centro e a periferia do mundo fossem valores inversamente proporcionais, isto é, enquanto um aumenta, o outro diminui. Assim, entendemos que os processos estudados na formação histórica do Brasil, e mais especificamente, do estado de São Paulo, precisam ser compreendidos como reações ou como formas negativas a outros processos ocorridos no contexto da reprodução mundial do capital, ou seja, como meras reproduções. Quando se fala em “reação”, não se trata somente de estímulos aleatórios provocados pelos processos anteriores, mas sim de uma lógica de reprodução capitalista que distribui, entre centro e periferia, responsabilidades e funções dentro da configuração mundial. Isto significa que, independentemente do momento histórico, de mais ou menos desenvolvimento tecnológico nos processos produtivos, o Brasil, com destaque específico para o estado de São Paulo, faz parte da configuração de uma formação negativa dentro de todo o processo. Seja no período de formação econômica e social do Brasil colonial, seja no período de dominância industrial do século XX, ou mais recentemente no período da financeirização do capital brasileiro, tais processos não devem ser entendidos como frutos de condições particularmente nacionais. No caso do estado de São Paulo, mesmo em seus processos de modernização econômica e tecnológica, existe coesão com a ordem econômica mundial, sendo São Paulo um exemplo de formação negativa. Por exemplo, quando sua economia era fundamentalmente agrícola, com base no café, outras nações do centro do capital mundial, já haviam se industrializado há um tempo significativo. No entanto, a produção agrícola do café paulista servia a uma lógica em que a terra, o clima e a mão de obra dos paulistas produziam uma mercadoria desejada pelo “centro” do capitalismo. Dessa forma, todos os demais episódios de modernização da economia brasileira, da industrialização à financeirização, também serviram e continuam servindo à mesma lógica. Assim, todo e qualquer processo de nossa formação econômica e social devem ser compreendidos não como processos incompletos, mas sim, como formas negativas forjadas por um todo completo, ainda que contraditório.
Referências Bibliográficas
ALFREDO, Anselmo. Crítica materialista e metafísica social sob as
determinações críticas do capital. Boletim Paulista de Geografia, v.9, São Paulo, 2016.
ALFREDO, Anselmo. Crise imanente, abstração espacial. Fetiche do capital e
sociabilidade crítica. In: Terra Livre, AGB Nacional, 26, v. 1, n. 34, jan-jun, 2010, p. 37-62.
ALFREDO, Anselmo. Reprodução crítica, modernização contraditória. O tempo
como fetiche de razão na irracionalidade espacial do capital. Disponível em: <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Geografiasocioeconomic a/Geografiaeconomica/28.pdf>
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo:
A Belle Époque Caipira - Problematizações e Oportunidades Interpretativas Da Modernidade e Urbanização No Mundo Do Café, 1852-1930 - A Proposta Do Cemumc