Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FINALIDADES ECONÔMICAS1
RESUMO
O presente artigo busca evidenciar que, sem uma adoção expressa, mecanismos de indução de
comportamento a partir da redistribuição dos custos do comportamento ilícito, como
propugnada pela Análise Econômica do Direito, são a ferramenta implicitamente adotada pelo
Poder Judiciário no caso da tese de abandono afetivo. Parte do pressuposto que os indivíduos
tomam decisões baseados em escolhas racionais em relação aos custos dos seus atos. Visa
igualmente, e de forma paralela, destacar o papel de elementos empíricos na pesquisa do
Direito, no fundamento das decisões judiciais e no estudo da eficácia da norma.
ABSTRACT
This paper seeks to show that, without an express mention, induction mechanisms of behavior
using the redistribution of the costs on civil liability, as advocated by the Economic Analysis
of Law, is a tool adopted by the Judiciary in the case of emotional dereliction. As cardinal
assumption, this paper is based in the premise that human individuals conduct themselves
based on rational choices and always in order to manage and reduce the costs os their
transactions. The paper also seeks in parallel emphasize the empirical elements and its
importance in development of resarch at Law study, as analysis in judicial decisions and rules
efficiency research.
No Brasil, ao contrário dos EUA, ainda é incomum o estudo detido da relação entre decisões
judiciais dos Tribunais Superiores, ainda mais em matéria de Direito de Família, e suas
repercussões nos custos sociais e no comportamento dos indivíduos, repercutindo nas
gerações subsequentes. A literatura jurídica especializada, ainda afeita ao estilo lógico-
dedutivo de aplicação da norma ao fato, tem deixado passar despercebido o fato mesmo de
que, por baixo da capa principiológica que frequentemente floreia os manuais de Direito e as
decisões judiciais em casos paradigmáticos, está o aplicador do direito mais afeito aos fins e
consequências que sua decisão poderá gerar no bojo da sociedade – i.e., os comportamentos
induzidos ou desestimulados nos indivíduos – que apenas e tão somente na realização pura e
simples de um princípio abstrato na resolução justa do caso concreto, abstraída de quaisquer
ponderações fático-econômicas em sentido mais amplo.
O presente artigo busca evidenciar que a decisão paradigmática referida supra tem, sob a
perspectiva dos pressupostos teóricos da AED (Análise Econômica do Direito), todo o perfil
de uma decisão, por assim dizer, consequencialista, na medida em que, malgrado todo o
esforço argumentativo para se demonstrar cabalmente a justiça da tese – dentro de uma
perspectiva do Direito como fenômeno abstrato de essência axiológica e construção dedutiva
das soluções dos conflitos no caso concreto, tem-se que a finalidade buscada, mas
sonoramente omitida pela jurisprudencia, é de natureza prática, e advém do fato
indutivamente observado de que há uma correlação forte entre o abandono afetivo e a
delinquência infanto-juvenil.
Ocioso portanto repisar e indicar que historicamente a responsabilidade civil, tendo por
princípio a justiça comutativa aristotélica, emerge do direito canônico para as codificações
liberais como obrigação de indenizar decorrente de ato culposo do autor da lesão ao
patrimônio da vítima, para em tempos mais recentes afastar a culpa como elemento essencial
de sua definição e abarcar hipóteses de indenização por danos morais e à lesão de outras
categorias de bens, tais como, apenas a título de exemplo, os de natureza ambiental, que são
considerados difusos e coletivos.
Assim, como todo objeto cultural, está a responsabilidade civil sujeita às adaptações que o
contexto social demanda, notadamente a partir das lides judiciais, local onde as soluções mais
criativas tem sido construídas em praticamente qualquer âmbito de aplicação do Direito, ante
o fato de que a realidade dos conflitos está sempre um passo à frente da letra da lei feita para
regular o futuro baseado na experiência passada:
Entretanto, a cultura jurídica nacional, com seu modus argumentandi, sua retórica lógico-
dedutiva e seus conceitos próprios, ainda é profunda e arraigadamente positivista. Maior
prova disto está nos centros produtores de pesquisa jurídica, cuja pobreza e petrificação da
denominado saber jurídico tem sido objeto de preocupação:
Como não poderia deixar de ser, dentro deste contexto juspositivista atrelado ao discurso
lógico-dedutivo de aplicação do direito, a figura jurídica do abandono afetivo é definida como
um corolário da ausência ou omissão do dever legal de educação dos pais, no seu sentido mais
amplo:
Com a citada autora faz coro a majoritária doutrina nacional, classificando ainda a referida
indenização na categoria de dano moral ou extrapatrimonial.
A responsabilidade civil por dano moral, segundo a abalizada literatura jurídica a respeito,
tem por finalidade primordial, na realização da justiça comutativa, compensar o dano causado.
Autores de referência na matéria como Paulo Lôbo, associam o dano moral à violação de
direitos da personalidade, e conseguintemente, à indenização com finalidade compensatória
do ofendido (LÔBO, 2001), sem nenhuma palavra no sentido de um fim punitivo do ofensor
ou desestimulante da conduta a este ou outros potenciais ofensores.
Por vezes, escapa à pena dos autores o fato de que a indenização, notadamente aquela
atribuída à violação dos direitos da personalidade (i.e., por danos morais), pari passu à sua
função compensatória da vítima, evidencia subliminar caráter comportamental, a saber,
desestimular o comportamento considerado ilícito, exercendo a função de sanção ou punição
pelo ato praticado:
Fácil é denotar que o dinheiro não terá na reparação do dano moral uma
função de equivalência própria do ressarcimento do dano patrimonial, mas
um caráter, concomitantemente, satisfatório para a vítima e lesados e
punitivo para o lesante, sob perspectiva funcional. (ALVARENGA, 2009)
Assim, não há dúvidas de que o pai negligente, que deixa faltar o cuidado e
o afeto, tão indispensáveis ao filho, causa perenes danos à saúde psicológica
dessa criança, com reflexos em toda sua vida. Isso não quer dizer que uma
pessoa que sofreu abandono afetivo jamais lute por seus direitos ou saiba
respeitar os demais indivíduos da sociedade; definitivamente, não é isso.
Pelo contrário, muitas pessoas existem que passaram por esse tipo de
abandono e, hoje, são adultos com família constituída, bem-sucedidos
profissionalmente, exercendo seus papéis de cidadãos na sociedade.
Contudo, não há como negar que a falta de afetividade causa marcas para o
resto da vida, como a mágoa, a tristeza e a sensação de abandono.
(MOYSÉS, 2012).
Ainda de que modo indireto, utilizando-se da negativa, faz a missivista supra referência clara
à conexão existente entre a paternidade exercida sem responsabilidade, os danos à
personalidade daí advindos e o custo social de tal conduta, traduzidos no desajustamento
pessoal, familiar e social do indivíduo lesado.
Nada poderia ser mais temerário para a segurança dos cidadãos do que deixar ao arbítrio do
magistrado julgar por lugares-comuns, opiniões pré-científicas e jargões consolidados se
2
Por externalidades negativas nos referimos ao exercicio de atividades que causam efeitos em terceiros não
participantes e que são lesados em seus interesses por estas (DA SILVEIRA, 2016)
houve ou não dever de indenizar para, num segundo momento, arbitrar a seu bel prazer, sem
critério algum a priori, o quanto de seu patrimônio acumulado pelo trabalho de anos será
dilapidado pelo “prudente arbítrio judicial”:
Ainda, segundo Levitt, geralmente por trás dessas mães proibidas de abortar estavam
mulheres que não planejaram a maternidade, viciadas em drogas, adolescentes desempregadas
e diversas outras categorias cuja maternidade não estava nos planos de vida e que, com raras
exceções, não iriam contar com uma estrutura familiar suficiente para construir no infante em
formação um ser humano apto à convivência social sem grandes conflitos com a lei e a
ordem.
Com o precedente aberto, a Corte de Uniformização de Lei Federal mandou um recado para
toda a sociedade: o ato da paternidade impõe um correspectivo ônus de natureza
personalíssima que transcende a dimensão financeira, e que impõe uma conduta continuada de
cuidado e convivência. A conduta positiva de gerar um filho, sob a égide da indenizabilidade
do abandono afetivo impõe uma “internalização dos custos” de uma paternidade ou
maternidade irresponsável, a teor da teoria econômica aplicada ao instituto juscivilista.
Em outras palavras, gerar um filho significa comprometer-se com a formação da
personalidade do infante, notadamente no seu aspecto emocional e social. A indenização aqui
tem, por óbvio, não a restauração de um status quo ante, uma vez que a formação de uma
personalidade é processo temporal aparentemente irreversível, mas um desestímulo, não ao
pai faltoso, mas aos demais que ainda podem corrigir o rumo.
À uma porque, tipos jurídicos sofrem, ao longo do tempo, mutações e adaptações oriundas da
dialética inerente ao fenômeno cultural que é o próprio Direito. Nem precisamos tecer longas
considerações ou mergulhar fundo na História. Basta apenas lembrar que o próprio conceito
jurídico emprestado ao termo “família” ampliou sua conotação, atingindo grupos sociais
tradicionalmente não reconhecidos como “familiares (tais como a união estável e a união
homoafetiva), e a sua função (tradicionalmente uma relação geralmente duradoura de poder,
procriativa e célula de cosmovisão clássicamente ligadas ao mundo cristão, do ponto de vista
Ocidental), para uma família despojada de hierarquias, mutante e, no jargão do sociólogo
polonês Zigmunt Bauman, líquida3, i.e., baseada em relações frágeis e dinâmicas.
A duas, pelo fato de que a mudança de paradigma na pesquisa jurídica, na abordagem dos
problemas enfrentados pelo operador do Direito e, concomitantemente pela literatura
especializada claramente tem por desafio enfrentar a realidade do comportamento humano em
suas múltiplas dimensões. Se o Direito regra comportamentos, não pode reproduzir nas
academias a subreptícia e inocente crença de que que vivemos num mundo ideal em que as
decisões judiciais tem por finalidade única a busca de algum ideal de Justiça dedutivamente
construído, sem levar em conta finalidades comportamentais individuais e coletivas e custos
sociais envolvidos.
3
“Afinal, automóveis, computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom estado e em
condições de funcionamento satisfatórias são consideradas, sem remorso, como um monte de lixo no instante
em que ´novas e aperfeiçoadas versões´ aparecem nas lojas e se tornam o assunto do momento. Alguma razão
para que as parcerias sejam consideradas uma exceção à regra?” (BAUMAN, 2004, p. 14.)
4.REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zigmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman,
2010.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. Jus Navigandi,
Teresina, ano, v. 7, 2001.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos
sobre a responsabilidade civil In: Direito, Estado e Sociedade - v.9 - n.29 - p 233 a 258 -
jul/dez 2006.