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Inst it ut o Superior de Ciências e Educação a Dist ância Manual de Tronco Comum T OTAL DE H…
Tonni Bie
A CONST RUÇÃO DA CIDADANIA VIA COOPERAÇÃO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA T HE CONST RUCT ION …
Silvana Corbellini
FO RM A R PRO FESSO RES CO M O PRO FI SSI O N A I S
REFLEX I V O S
1
Donald A. Schön
Como sabem, est amos agora no meio de um dos processos cíclicos de reforma educat iva.
M ais uma vez, t omamos consciência das inadequações da educação na América. Como é
hábit o, at ribuímos a culpa às escolas e aos professores, o que equivale a culpar as vít imas.
Alguns legisladores iniciaram um processo t endent e a inst it uir um cont rolo regulador das
escolas, procurando legislar sobre o que deve ser ensinado, quando e por quem, cont emplando
ainda os modos de t est ar o que foi aprendido e se os professores são compet ent es para o
ensinar.
N est e processo, est amos a repet i r um modelo já conhecido de polít i ca de reforma, ou
seja, uma regulação do cent ro para a peri feria em que uma orient ação polít i ca emanada de um
governo cent ral para uma periferia de inst it ui ções locais é reforçada at ravés de um si st ema de
prêmios e de punições. Tais int ervenções induzem as inst it ui ções periféricas a t ornear os
regulament os, a «arranjar » os relat órios de modo a sint onizá- los com a polít i ca cent ral e a
fazer uma int erpret ação lit eral das medidas em det riment o das int enções que lhes est ão
subjacent es, t al como as crianças aprendem a obt er boas not as em vez de aprenderem os
cont eúdos que são ensi nados. O result ado de t udo i st o é uma espécie de jogo paralelo ent re as
escolas na peri feria, que procuram cont inuar a fazer as mesmas act ividades, e as aut oridades
cent rais ou regionais que t ent am cont rolar os comport ament os das escolas. Todas est as
respost as das escolas são t ent at ivas para conservar uma preciosa liberdade de deci são.
Subjacent e ao debat e sobre est as int ervenções si t uam- se t rês quest ões princi pais:
1. Quais as compet ências que os professores deveriam ajudar as crianças a desenvolver?
2. Que t ipos de conheci ment o e de saber- fazer permi t em aos professores desempenhar o
seu t rabalho efi cazment e?
3. Que t ipos de formação serão mais viáveis para equipar os professores com as
capacidades necessárias ao desempenho do seu t rabalho?
A vaga act ual de reformas educat ivas oferece uma oport unidade úni ca para reexaminar
est as quest ões, pois o que est á a acont ecer na educação reflect e o que est á a acont ecer
nout ras áreas: uma crise de confiança no conheci ment o profissional, que despolet a a busca de
uma nova epist emologia da prát ica profissional. N a educação, est a cri se cent ra- se num
confli t o ent re o saber escolar e a reflexão-na-acção dos professores e alunos.
Ant es de me debruçar mai s profundament e sobre est a ideia, é preciso dizer que ela nada
t em de novo. M ui t o daquilo que acabei de referi r pode ser encont rado nas obras de escri t ores
como Leon Tolst oi, John Dewey, Alfred Schut z, Lev Vi got sky, Kurt Lewin, Jean Piaget , Ludwig
W it t genst ein e David H awkins, t odos pert encendo, se bem que de formas diversas, a uma cert a
t radi ção do pensament o epi st emológico e pedagógico.
Consideremos o Teacher Project , o t rabalho de Jeanne Bamberger e Eleanor Duckwort h.
Com um pequeno grupo de professores do ensino básico em Cambridge (M assachuset t s),
Bamberger e Duckwort h realizaram um seminário onde, durant e várias horas por semana ao
longo de t rês ou quat ro anos, procuraram ajudar os professores a familiarizar- se com as suas
est rat égias de aprendizagem de mat érias t ais como a mat emát ica, a fi sica e a músi ca. Um dia
1
Donald A. Schön é professor do “Massachusetts of Technology” (Estados Unidos da América). Texto extraído de:
NÓVOA, Antônio (Coord.). Os Professores e a sua Formação. 3ª ed. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997. A
primeira versão do texto foi publicada em 1988. Seleção, digitação, diagramação de José Lino Hack e Mara Brum.
Pelotas, FaE-UFPel, setembro de 2014.
most raram aos professores um vídeo sobre dois rapazes separados um do out ro por uma
cort i na opaca. Cada um dos rapazes t inha diant e de si um conjunt o de sólidos geomét ricos de
diferent es t amanhos, formas e cores. Em frent e de um dos rapazes est ava um modelo fixo;
defront e do out ro, encont rava- se uma mi scelânea de sólidos geomét ricos, que o segundo
rapaz t eria de t ransformar no modelo fixo seguindo as inst ruções do primeiro. À medi da que os
professores viam o filme, observavam que, embora as inst ruções do primei ro rapaz parecessem
bem formuladas, o segundo est ava cada vez mais conf uso. Os professores diziam coi sas como:
O segundo rapaz parece ser um aluno de aprendizagem lent a. N ão consegue est ar at ent o
durant e mui t o t empo, N ão consegue segui r as i nst ruções. N est e moment o, uma das
invest igadoras salient ou: Parece-me que o primeiro rapaz deu uma inst rução errada pois di sse,
«Põe o quadrado verde», mas não exist em quadrados verdes, só há quadrados laranja e as
únicas coisas verdes são os t riângulos.
Uma das vant agens do vídeo é que pode ser revist o, e por isso os professores puderam
volt ar at rás e observar o filme uma vez mais. Com efeit o, concluíram que as írist ruções do
primeiro rapaz se referiam a um quadrado verde quando não havia quadrados dessa cor. À
medida que cont inuavam a observar o filme, fi caram surpreendi dos ao not ar que, de fact o, o
segundo rapaz era exímio no cumpri ment o das inst ruções, encont rando sent idos em indicações
sem nexo. Foi ent ão que um dos professores not ou algo de surpreendent e: Aquilo que
acabámos de fazer, foi dar razão ao aluno. Essa expressão - dar razão ao aluno - inspirou os
professores durant e os rest ant es dois anos do seminári o.
N est e exemplo est ão cont idas duas formas diferent es de consi derar o conheciment o, a
aprendizagem e o ensino. Exist e, pri meiro que t udo, a noção de saber escolar, i st o é, um t ipo
de conheciment o que os professores são supost os possuir e t ransmit ir aos alunos. É uma visão
dos saberes como fact os e t eorias aceit es, como proposições est abelecidas na sequência de
pesquisas. O saber escolar é t i do como cert o, signi ficando uma profunda e quase míst ica
crença em respost as exact as. É molecular, feit o de peças isoladas, que podem ser combi nadas
em sist emas cada vez mais elaborados de modo a formar um conheci ment o avançado. A
progressão dos níveis mais element ares para os níveis mais avançados é vi st a como um
moviment o das unidades básicas para a sua combinação em est rut uras complexas de
conheciment o.
Por out ro lado, o saber escolar organiza- se em cat egorias. Como exemplo, consideremos o
psicólogo russo, Luria, que est udou o desenvolviment o cognit ivo em camponeses no moment o
da colect ivização da agri cult ura. Luria most rava- lhes uma colecção de imagens de object os e
dizia: Associem as coi sas que t êm a ver umas com as out ras. Uma dest as colecções cont inha
uma serra, um mart elo, um machado e um t ronco. Quando Luria dizia, Associem as coi sas que
t êm a ver umas com as out ras, os camponeses que t inham f requent ado as escolas colect ivas
respondiam: Bem, a serra, o machado e o mart elo podem associar- se, porque são ut ensílios. N o
ent ant o, out ros camponeses afirmavam: Bom, pode usar-se a serra para cort ar a madeira para
as fogueiras; pode usar-se o machado para cort ar a madeira para as fogueiras; por i sso é
possível associar o t ronco, o machado e a serra. Ent ão, Luria ret orquiu- lhes: Eu t enho um amigo
que diz que t odos os ut ensílios est ão associados. A respost a dos camponeses foi pront a: O seu
amigo deve t er muit a lenha para fazer fogueiras!.
Agrupar object os de acordo com os seus cont ext os sit uacionais é muit o diferent e do que
agrupá- los numa só cat egoria. N est e sent ido, o saber escolar é cat egorial.
Finalment e, exist e a idéia muit o import ant e de que o conheciment o molecular, cert o,
fact ual e cat egorial, é t ambém privilegiado. Se um aluno t iver problemas na aqui sição dos
saberes escolares, t rat a- se de um problema seu. Invent amos ent ão cat egorias (por exemplo,
(“ aprendizagem lent a” ) para explicar est a realidade, as quais, no fundo, só servem para nos
livrarmos de informações que nos poderiam pert urbar.
A est rat égia de ensino baseada no saber escolar é análoga à est rat égia e concepção do
conheciment o implícit as na vaga act ual de reformas educat ivas. Uma mensagem é dif undi da
do cent ro para a peri feria at ravés de uma lógica de comunicação e de cont rolo. O
conheciment o emanado do cent ro é impost o na peri feria, não se admi t indo a sua
reelaboração. De fact o, quando o governo procura reformar a educação, t ent a educar as
escolas, do mesmo modo que est as procuram educar as crianças.
É possível ilust rar uma segunda visão do conheciment o e do ensino at ravés dos
professores que deram razão ao aluno. Os professores reconheceram nas crianças uma
capacidade que o filósofo M ichael Polanyi designa de “ conheci ment o t áci t o ” : espont âneo,
int uit ivo, experiment al, conheciment o quot idiano, do t ipo revelado pela criança que faz um
bom jogo de basquet ebol, que consert a uma biciclet a ou uma mot oci clet a ou que t oca rit mos
complicados no t ambor, apesar de não saber fazer operações arit mét icas element ares. Tal
como um aluno meu me dizia, falando de um seu aluno: Ele sabe fazer t rocos mas não sabe
somar os números. Se o professor qui ser familiarizar- se com est e t ipo de saber, t em de lhe
prest ar at enção, ser curioso, ouvi- lo, surpreender- se, e act uar como uma espécie de det ect ive
que procura descobri r as razões que levam as crianças a dizer cert as coisas. Est e t ipo de
professor esforça- se por ir ao encont ro do aluno e ent ender o seu próprio processo de
conheciment o, ajudando- o a art icular o seu conheciment o- na- acção com o saber escolar. Est e
t ipo de ensino é uma forma de reflexão- na- acção que exige do professor uma capaci dade de
individualizar, i st o é, de prest ar at enção a um aluno, mesmo numa t urma de t ri nt a, t endo a
noção do seu grau de compreensão e das suas di ficul dades.
H á muit os anos, o Conde Leon Tolst oi, no t empo que mediou ent re Os Cossacos e Guerra
e Paz, fundou uma escola na sua propriedade de Yasnaya Polanya, para ensinar os filhos do s
camponeses. Devido à sua grande energia, o project o alargou- se com a criação de cerca de
set ent a escolas, de uma escola de formação de professores e de um jornal pedagógico. A
passagem seguint e ilust ra a sua opinião sobre a indivi dualização no ensino dos rudiment os da
leit ura:
“A palavra mágica é resposta. Sempre pensei que toda a gente tinha as respostas,
respostas melhores do que as minhas, decerto. As respostas tinham sido dadas pelos
autores de livros, produtores de filmes e programas, pessoal administrativo; toda a gente
tinha uma resposta correcta para tudo, uma resposta melhor do que a minha, porque
sabiam mais. Existe um sentido de segurança em pensar que existe uma resposta,
algures, que existe sempre uma resposta a cada situação. Se um sistema trabalhou
durante anos de acordo com um determinado conjunto de pressupostos, então a
responsabilidade das pessoas é aprender esse sistema e dominá-lo. O sistema é a
resposta. Temos de nos moldar de modo a encaixar nele. Este é o objectivo, em vez de
ser o meio para atingir um fim. Que estupidez! O que temos de fazer é desenvolver a
nossa compreensão sobre o sistema para que possamos explorar os meios de o
melhorar. A precedência histórica não significa um modelo futuro; quer dizer algo a ter
em conta no futuro, algo a reter na memória quando tentarmos uma nova abordagem.
Mas é arriscado tentar algo de novo, é preciso possuir-se autoconfiança, desenvolvida a
partir de uma consciência interior e da auto-estima”.
N o Teacher Project , Eleanor Duckwort h e Jeanne Bamberger aprenderam a medir o
progresso at ravés da frequência e do ent usiasmo com que os professores davam voz à sua
própria conf usão, não com vergonha mas com orgulho, exclamando, por exemplo, quando
alguém ameaçava dar- lhes a respost a cert a: Ainda não est ou pront o para a ouvir!.
At é agora, falei de reflexão- na- acção em t ermos da int eracção do professor com a
compreensão do aluno em relação a uma det erminada mat éria. Agora gost aria de reflect i r por
um moment o sobre a i nt eracção int erpessoal com um aluno ou um grupo de alunos.
Imaginemos, por exemplo, que um professor pergunt a: Vist e o eclipse ont em?; e um dos alunos
responde: O meu pai disse que não houve, porque o céu est ava carregado de nuvens. Se o
professor se sent i r ansioso relat ivament e a sua própria aut oridade, a respost a pode provocar-
lhe uma at it ude defensiva e o desejo de reassumi r a aut ori dade. Admit amos, no ent ant o, que o
professor assumia a respost a como um est ímulo para pesquisar, para reflect ir- na- acção? Como
o poderia fazer? Se começar por t omar uma at it ude defensiva, t erá de ent ender esse seu
impulso e t ransformá- lo em curiosidade. Tem de defender aquilo em que acredit a, mas,
paradoxalment e, t ambém pode convidar o aluno a desafiá- lo, dizendo, por exemplo: Se me
demonst rares que est ou errado, como fazem f reqüent ement e os meus alunos e colegas, ent ão
posso aprender com o que me disseres e sent i r-me- ei recompensado por saber que est ou a
aprender a part i r de um erro. Ser capaz de o reconhecer é muit o est imulant e. Posso realment e
aprender com os meus próprios erros. Est e posi cionament o algo paradoxal é necessário se o
professor qui ser funcionar como um profi ssional reflexivo. Caso cont rário, sent i r- se- á
assust ado ao ver- se conf ront ado com um erro que comet eu e t ent ará cont rolar a sit uação para
evit ar que o seu erro venha a ser descobert o.
À medida que os professores t ent am criar condições para uma prát ica reflexiva, é muit o
possível que se venham a conf ront ar com a burocraci a escolar. A experiência dos professores
que seguiram at é ao fim o Teacher Project é muit o elucidat iva, ainda que algo depriment e. Um
deles disse: Vou deixar a minha escola. O que aprendi aqui é demasiado bom para ela. Um
out ro afi rmou: Vou t ent ar criar uma aula abert a, uma escola alt ernat iva. Sent iam- se ambos
frust rados pela resist ência ofereci da pela escola relat ivament e às iniciat ivas que davam razão
aos alunos. A burocracia de uma escola est á organizada à volt a do modelo do saber escolar.
Ist o pode ser verifi cado se considerarmos, por exemplo, o plano de uma aula, ou seja, uma
quant idade de informação que deve ser “ cumpri da” no t empo de duração de uma aula. M ais
t arde os alunos serão t est ados para det erminar se a quant idade de informação foi t ransmi t ida
de forma adequada. A escola divide o t empo em uni dades didáct icas e divide o espaço em
salas de aula separadas que represent am níveis, t al como os horários let ivos represent am
períodos de t empo nos quai s se dá cumpri ment o a planos de aula. Do mesmo modo, a
progressão nos di ferent es níveis represent a uma passagem de moléculas mais simples do saber
escolar para out ras mais complexas. Os t est es são feit os para medi r est e progresso, e os
professores t ambém são medidos pelos result ados dos seus alunos, e promovidos, pelo menos
em part e, de acordo com est a prát i ca. O sist ema burocrát ico e regulador da escola é
const rui do em t orno do saber escolar.
Uma iniciat iva que ameace est a visão do conheci ment o t ambém ameaça a escola. Quando
um professor t ent a ouvir os seus alunos e reflect ir- na- acção sobre o que aprende, ent ra
inevit avelment e em conflit o com a burocracia da escol a. N est a perspect iva, o desenvolviment o
de uma prát ica reflexiva eficaz t em que int egrar o cont ext o inst it ucional. O professor t em de
se t ornar um navegador at ent o à burocracia. E os responsáveis escolares que queiram encorajar
os professores a t ornarem- se profi ssionai s reflexivos devem t ent ar criar espaços de liberdade
t ranqüila onde a reflexão- na- acção seja possível. Est es dois lados da quest ão - aprender a ouvir
os alunos e aprender a fazer da escola um lugar no qual seja possível ouvi r os alunos - devem
ser olhados como inseparáveis.
Exist e uma experiência int eressant e no sent ido de est i mular a invest igação colect iva sobre
a burocracia escolar. N orman N ewberg, junt ament e com uma equipa de professores, gest ores,
pais e alunos de várias escolas do ensino bási co e secundário de Filadélfia, t em t rabalhado
sobre a quest ão do abandono escolar. A opinião i nicial de N ewberg era que os grupos
profissionais nas escolas, isolados uns dos out ros, se apoiam naquilo que pensam ser ensinado a
um nível que não é o seu, e ci rcunscrevem as suas t arefas ao âmbit o da escola. N ewberg
encorajou a sua equipe a examinar os regist os escolares, o que lhe abriu novas perspect ivas: os
alunos que abandonavam a escola, ou que est avam em ri sco de a abandonar, ult rapassavam
sessent a por cent o do t ot al dos alunos do ensino secundário.
N ão foi fácil fazer com que os professores e os gest ores falassem abert ament e ent re si
acerca dest e fenômeno chocant e, pois os debat es t endiam a t ransformar- se em acusações
mút uas; os professores dos diversos níveis de ensino, por exemplo, cul pavam- se uns aos out ros.
N ewberg organizou um programa de visit as ent re escolas dos vários níveis. Começou por levar
as pessoas a pensar si st emat icament e acerca dos abandonos, considerando que as suas causas
eram da responsabilidade de t odos. Encorajou ainda os membros da sua equipe a darem
explicações explícit as sobre as razões que haviam conduzido os alunos para sit uações de ri sco.
Quando as suas afirmações ent ravam em conflit o, t ent ava canalizar a discussão para os pont os
de discordância; por exemplo, os responsáveis pela direcção das escolas secundárias e os
professores t inham at ribuído os abandonos a um fenómeno de “ promoções sociais” nos níveis
mais element ares; descobri ram que de acordo com a polít ica das escolas do nível mais
element ar, os alunos ent re o quart o e oit avo ano só podiam permanecer uma vez nesse ano.
Quando a equipe pergunt ou aos alunos do décimo primeiro e décimo segundo anos quais as
razões por que achavam que os alunos fi cavam na escola, est es referiam- se a um desejo de não
decepcionar os pais. Ist o levou a equi pe a conceber novas est rat égias para envolver os pai s nas
act ividades da escola. Agora alguns professores indi vidualment e est ão a t ent ar criar o que
designam de “ element os posi t ivos” na escola.
Todo o processo t em envolvido uma reflexão colect iva sobre a prát i ca do sist ema escolar e
t em t ido grande impact o nos professores. Um deles escreveu: Levei muit o t empo a const at ar
uma sit uação óbvia. Reprovo cinquent a por cent o dos meus alunos. Deve haver meios mais
eficazes que assegurem maior sucesso aos alunos.
O que significa, ent ão, t ent ar formar um professor para que ele se t orne mais capaz de
reflect ir na e sobre a sua prát ica? Creio que t emos mais a aprender com as t radi ções da
educação art íst ica do que com os currículos profissionais normat ivos do sist ema universit ário
de vocação profi ssionalizant e. As inst i t ui ções de formação art íst i ca (os at eliers de pint ura,
escult ura e design, os conservat órios de música e de dança) t êm longas t radições de formação
profissional. M as é evident e que mui t as dest as i nst i t uições, ou não est ão dent ro da
Universidade, ou vivem desconfort avelment e no seu seio. E ist o por uma boa razão: baseiam- se
numa concepção do saber escolar diferent e da epist emologia subjacent e à U niversi dade.
As t radições “ desviant es” da formação art íst ica, bem como do t reino fi sico e da
aprendizagem profissional, cont êm, no seu melhor, as caract eríst icas de um pract i cum
reflexivo. Implicam um t ipo de aprender fázendo, em que os alunos começam a prat icar,
junt ament e com os que est ão em idênt ica si t uação, mesmo ant es de compreenderem
racionalment e o que est ão a fazer. N os at eliers de design arquit ect ónico, por exemplo, os
alunos começam por desenhar ant es de saberem o que é o design. N os primeiros t empos t oda
a gent e se queixa da confusão.
Tudo ist o t em lugar num pract i cum, que é um mundo virt ual que represent a o mundo da
prát i ca. Lembremo- nos do bloco de esboços do arquit ect o. Quando os arquit ect os desenham,
conseguem represent ar edi ficios e mui t o daquilo que lhes est á relacionado. O preço do erro é
muit o mais baixo do que sair e ret irar ent ulho do local da obra. Um arquit ect o desenha mui t o
mais depressa do que consegue escavar, e pode t ent ar t ranspor o seu pensament o para o
desenho quant as vezes qui ser. Pode volt ar at rás e ver o que fez, e pode fazer alt erações. Um
ensaio de uma orquest ra é t ambém um mundo virt ual, t al qual como um role play ou uma t ela
de comput ador. Um mundo virt ual é qualquer cenário que represent a um mundo real - um
mundo da prát ica - e que nos permit e fazer experiênci as, comet er erros, t omar consciência dos
nossos erros, e t ent ar de novo, de out ra maneira.
N um pract i cum reflexivo, os alunos prat i cam na presença de um t ut or que os envolve num
diálogo de palavras e desempenhos. N um at elier de arquit ect ura, por exemplo, as mensagens
que os alunos remet em para o seu monit or, não são apenas palavras, mas t ambém desenhos. À
medida que o moni t or olha para os desenhos de um al uno, pode ver, por exemplo: Ah, ist o foi o
que ela fez a part ir do que eu di sse!. O desempenho do aluno t ransmit e informação mui t o mais
fiável do que as suas próprias palavras. Do mesmo modo, um t ut or pode demonst rar at ravés do
seu desempenho e convidar os alunos a imit á- lo.
N os círculos educacionais ameri canos, a imit ação t em t ido uma reput ação mui t o má. N ão
será clarament e ant iamericano e at ent at ório da aut onomia do aluno convidá- lo a i mit ar?
Suponhamos, cont udo, que muit a da aprendizagem de novas compet ências depende da
imit ação. A nossa recusa da imi t ação seria vi st a como se a remet êssemos para um segundo
plano; t eríamos de i mit ar fingi ndo que não o est ávamos a fazer e, por isso, a nossa i mit ação
não seria reflexiva. De fact o, a imit ação é mais do que uma mímica mecânica; é uma forma de
act ividade criat iva. Se eu t iver de imit ar a hábil acção de um de vós, t enho de ent ender o que
há nela de essencial. M as os element os essenciais da vossa acção não surgem i dent i ficados
como t al. O t rivial e o essencial est ão mist urados: é por isso que os discípulos t êm t endência
para imit ar os maneiri smos do seu mest re. Quando vos imit o, t ent o const ruir o que ent endo
como essencial nas vossas acções e t est ar a minha const rução ao desempenhar eu próprio a
acção. Ist o permit e- vos, igualment e, reagir ao meu desempenho e dizer, por exemplo: N ão é
assim, veja. Faça as ext remidades mais afiadas, e aqui deverá ser uma área mais suave. O
diálogo das palavras e da acção, demonst ração e imit ação, permi t e gradualment e a alguns
alunos e aos seus moni t ores chegar a uma convergência de signi ficados, at ravés das suas
afirmações elípt icas, acabando as frases uns dos out ros, falando uma linguagem secret a que
nenhum est ranho pode ent ender.
Os pract i cums reflexivos para os professores podem ocorrer em di ferent es est ádios da
formação e da prát ica profi ssionais. O Teacher Project , at rás referido, é um exemplo de um
pract icum reflexivo segundo os moldes da formação cont ínua. Eleanor Duckwort h t rouxe
algumas das caract eríst i cas desse pract i cum para a formação profi ssional. O curso para
professores que ela orient a na H arvard Graduat e School of Educat ion, t em como object ivo
fazer com que os professores t omem consciência da sua própria aprendizagem: como é que
aprendem a compreender o sent i do das fases da Lua, de bolas rolando por planos inclinados ou
das coi sas int rigant es que as crianças dizem e fazem nas salas de aula?
A supervisão dest e processo pode t ornar- se num pract icum reflexivo. Gaalen Erickson
t rabalhou durant e vários anos com professores de Ciências em escolas do ci clo e do ensino
secundário, ajudando- os a reflect ir sobre o que fazem com as crianças. Est e t ipo de reflexão, a
ser rigorosa, depende do desenvolviment o de dados direct ament e observáveis. N ão é
sufi cient e pergunt ar aos professores o que fazem, porque ent re as acções e as palavras há por
vezes grandes divergências. Temos de chegar ao que os professores fazem at ravés da
observação di rect a e regist ada que permit a uma descrição det alhada do comport ament o e
uma reconst rução das i nt enções, est rat égias e pressupost os. A confront ação com os dados
diret a- ment e observáveis produz muit as vezes um choque educacional, à medida que os
professores vão descobrindo que act uam segundo t eorias de acção di ferent es daquelas que
professam.
N o desenvolviment o de um pract icum reflexivo é import ant e junt ar t rês di mensões da
reflexão sobre a prát ica: primei ra, a compreensão das mat érias pelo aluno (Como é que est e
rapaz compreende est es modelos? Como é que int erpret ou est as i nst ruções? Como é que a
menina percepcionou a dist ância at ravés da laçada de cordel que pendurou no quadro?);
segunda, a int eracção int erpessoal ent re o professor e o aluno (Como é que o professor
compreende e responde a out ros indivíduos a part i r do pont o de vist a da sua ansiedade,
cont role, di plomacia, confront ação, conflit o ou aut ori dade?); t erceira, a dimensão burocrát ica
da prát i ca (Como é que um professor vive e t rabalha na escola e procura a liberdade essencial
à prát i ca reflexiva?).
N os níveis element ares de ensi no, um obst áculo inicial à reflexão na e sobre a prát i ca é a
epist emologia da escola e as di st âncias que ocasiona ent re o saber escolar e a compreensão
espont ânea dos alunos, ent re o saber privilegiado da escola e o modo espont âneo como os
professores encaram o ensi no. N a formação de professores, as duas grandes di ficul dades para
a int rodução de um pract i cum reflexivo são, por um lado, a epist emologia dominant e na
Universidade e, por out ro, o seu currículo Profi ssional normat ivo: Primeiro ensinam- se os
princípios cient íficos relevant es, depoi s a aplicação desses princípios e, por úl t imo, t em-se um
pract icum cujo object ivo é aplicar à prát ica quot i diana os princípios da ciência aplicada. M as,
de fact o, se o pract icum quiser t er alguma ut ilidade, envolverá sempre out ros conheci ment os
diferent es do saber escolar. Os alunos- mest res t êm geralment e consciência dest e
desfasament o, mas os programas de formação ajudam- nos muit o pouco a li dar com est as
discrepâncias.
O que pode ser feit o, creio, é increment ar os pract icums reflexivos que já começaram a
emergir e est imular a sua criação na formação ini cial, nos espaços de supervisão e na formação
cont ínua. Quando os professores e gest ores t rabalham em conjunt o, t ent ando produzi r o t ipo
de experiência educacional que t enho est ado a descrever, a própria escola pode t ornar- se num
pract icum reflexivo para os professores. Deveríamos apoiar os indivíduos que já ini ciaram est e
t ipo de experiências, promovendo os cont act os ent re as pessoas e criando document ação
sobre os melhores moment os da sua prát ica.
O moviment o crescent e no sent i do de uma prát i ca reflexiva, cujas origens remont am a John
Dewey, a M ont essori, a Tolst oi, a Froebel, a Pest alozzi, e mesmo ao Emílio de Rousseau,
encont ra- se no cent ro de um
Obs. M at erial exclusivo para formação de professores – Proibido a reprodução sem as devidas
referencias dos aut ores.