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Resenha sobre o filme: Narradores de Javé

Um filme sobre Memória, História e Exclusão.

Desespero, Sofrimento e Luta: palavras dramáticas recheadas de sutileza, ironia e


momentos tragicômicos que desenham em uma "tela" a realidade brasileira em um
único cenário: o Sertão Nordestino.
O filme, de Eliane Caffé, retrata a história de um povoado do Vale de Javé, situado
no sertão baiano, que está prestes a ser inundado para a construção de uma
enorme usina hidrelétrica. Diante dessa situação terrível, a comunidade se reúne
para discutir diversas formas de como resolver o problema. De acordo com os
moradores o ideal seria preparar um documento oficial, contando todos os grandes
acontecimentos heroicos de sua história, justificando sua preservação, ou seja, o
importante é provar para "todos" que o local abriga um patrimônio que não pode
ser perdido e, por causa disso, decidem escrever os feitos da história de Javé, na
esperança de impedir o tal desastre.
Mas na vila só tem analfabetos, a primeira tarefa seria encontrar alguém que
consiga retratar os acontecimentos. O principal candidato a realizar essa missão
era o antigo responsável pela Agência de Correios do povoado – o famoso e
odiado Antônio Biá , o único do vilarejo que sabe escrever. Ironicamente, ele havia
sido expulso da cidade por inventar fofocas escritas sobre os moradores, isto é,
forjava cartas falando mal dos vizinhos, só para aumentar a circulação das
mesmas, que eram escassas no povoado e, consequentemente, manter em
funcionamento a Agência de Correios onde trabalha. Porém, muito a contragosto,
é escolhido para escrever o tal livro "científico", ou melhor, o da "salvação", como
os moradores dizem. Escrever a história de Javé e salvá-la do afogamento é a sua
oportunidade de se redimir diante da população.

Mas para isso, precisa colocar por escrito os fatos que só são contados de boca a
boca, de pai para filho. Começa então, uma tragicomédia com pitadas de épico e
infinitas margens de reflexão. Surge, desde então, uma problemática disputa entre
a história oficial e a história oral, incluindo, desta forma, a presença da oralidade e
escrita no filme, assim como as tradições e culturas.
Neste caminho, o escriba Antônio Biá, vai conhecendo a fundo as fantasias, as
memórias e as lembranças do povo de Javé. Mas a escrita destas histórias, tão
diferentes uma das outras, não estava fácil, pois as mesmas eram contadas em
diferentes versões, variando de narrador a narrador. Surge então, uma pluralidade
de fatos fantásticos e lendários. Por causa disso o escriba se vê entre essa
impossibilidade de colocar no papel os relatos grandiosos dos moradores e,
futuramente, o progresso destruidor e irremediável estava próximo de se
concretizar.
Nas várias versões os heróis são alterados conforme os narradores / moradores,

como se osmesmos contadores fossem os próprios heróis / fundadores de Javé.


Uma multiplicidade de fatos incompatíveis que deixou o ex-carteiro confuso, intacto
diante de tantas histórias épicas e, consequentemente, sem reação suficiente para
produzir o livro salvador.
Diante dos relatos surreais e a necessidade de produzir algo convincente para
salvar Javé da inundação, o letrado entrega um livro em branco para a população.
Cobrado e acuado por todos no meio da rua, o mesmo sai aos berros andando de
costas, um ato de muita coragem, dá a entender que seria um recuo e não uma
fuga.
Além disso, é importante ressaltar que a história que não é escrita por Biá é
narrado por Zaqueu, um homem que viveu boa parte de sua vida longe do Vale,
pois ele era o único responsável por buscar mantimentos para a população.
Portanto, isso pode nos indicar que sua versão também seria o fruto de uma série
de outras versões.
Enfim, foi um trabalho em vão, o sertão acabou sendo destruído pela
modernidade, pela hidrelétrica. A população assistiu aos prantos a transformação
do sertão em mar e, com isso, junto com a destruição foi-se embora a memória, a
cultura, o local e os antepassados. Uma triste história de um povo sem cultura
perante a escrita, mas de uma imaginação fértil capaz de superar todos os
obstáculos e dar a volta por cima para construir em conjunto a própria história que
desapareceu como palavras ao vento.

O filme tem como tema principal a narração, tendo como alicerce as pluralidades
orais das personagens. Mostra um Brasil de todos os brasileiros, dando voz as
etnias, religiões e classes excluídas... e que todos nós somos narradores de uma

história sem fim...

REZENDE, Thiago de Meira. Blog O poder das palavras. Disponível em: http://thiago-
opoderdaspalavras.blogspot.com.br/2009/05/resenha-sobre-o-filme-narradores-de.html

Acesso em: 04/04/2012

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