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Dicionário do

Sistema Socioeducativo
do Estado do Rio de Janeiro

Organizadoras:
Janaina de Fátima Silva Abdalla
Bianca Ribeiro Veloso
Paula Werneck Vargens
Janaina de Fátima Silva Abdalla
Bianca Ribeiro Veloso
Paula Vargens
(organizadoras)

DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO


ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DEGASE
2016
Conselho Editorial:
Janaina de Fátima Silva Abdalla
Alexandre de Moraes Lessa
Christiane Mota Zeitoune
Comissão Científica:
Janaína de Fátima Silva Abdalla
Bianca Ribeiro Veloso
Paula Werneck Vargens
Direitos desta edição adquiridos pelo DEGASE. Nenhuma parte
desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco
de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja
eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da edi-
tora e/ou autor.
Arte da Capa: Jovens do Centro de Atendimento Integrado, 2012.
Diagramação: Sérgio Lyra
Revisão: Julia Nunes (coordenação de revisão)
Equipe de Revisão:
Érika Cristine Ilogti de Sá
Fernando Pimentel Henriques
Núbia Graciella Mendes Mothé
D545 Dicionário do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro.
[recurso eletrônico] / Janaina de Fátima Silva Abdalla, Bianca
Ribeiro Veloso, Paula Werneck Vargens (orgs.). Rio de Janeiro:
Novo DEGASE, 2016.
373p.

Inclui Bibliografia
ISBN: 978-85-64174-23-8

1. Rio de Janeiro (Estado). 2. Departamento Geral de Ações


Socioeducativas 3. Socioeducação I. Abdalla, Janaina de Fatima Silva II.
Veloso, Bianca Ribeiro III. Vargens, Paula Werneck IV. Título
CDD 365.4203
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Janaina de Fátima Silva Abdalla


Bianca Ribeiro Veloso
Paula Vargens
(organizadoras)

Escola de Gestão Socioeducativa – ESGSE


Diretora:
Janaina de Fátima Silva Abdalla

Equipe Técnica:
Ida Cristina Rebello Motta
Maria Beatriz Barra de Avellar Pereira
Marizélia Barbosa
Tania Mara Trindade Gonçalves
Bianca Ribeiro Veloso
Lívia de Souza Vidal
Paula Werneck Vargens

Apoio Técnico Administrativo:


Amanda Taufie Mendonça
Arnaldo Dutton Albuquerque da Silva
Luciana Cássia Costa da Silva Santos
Miguel Eduardo de Azevedo Martins
Mirian Maria da Fonseca
Governador do Estado do Luiz Fernando Pezão
Rio de Janeiro
Secretário de Estado de Wagner Victer
Educação
Diretor-Geral Alexandre Azevedo de Jesus
Departamento de Ações
Socioeducativas DEGASE
Diretora da Escola de Janaina de Fátima Silva Abdalla
Gestão Socioeducativa
Professor Paulo Freire
SUMÁRIO

Apresentação................................................................................................... 11

A
Abuso sexual..................................................................................................... 16

Acolhimento às famílias................................................................................ 22

Acolhimento institucional............................................................................ 26

Adolescente autor de ato infracional....................................................... 30

Agente socioeducativo................................................................................... 34

Apreensão do adolescente autor de ato infracional............................... 39

Assistência religiosa....................................................................................... 45

Ato infracional............................................................................................... 52

C
Cense gelso de carvalho amaral (gca)......................................................... 56

Centro de referência de assistência social (cras)..................................... 59

Centro de referência especializado da assistência social (creas).......... 64

(CRIAAD) (v. Restrição de Liberdade)........................................................... 314

Centro de Socioeducação (CENSE) (v. Privação de liberdade)................. 301

Centro de Triagem e Recepção (CTR) (v. Cense GCA)................................... 56


Conflito............................................................................................................ 73

Coordenadoria de segurança e inteligência do degase (csint)............... 76

Criaad niterói.................................................................................................. 79

Criaad são gonçalo........................................................................................ 84

Criaad ricardo de albuquerque.................................................................... 90

Criminalização da pobreza.......................................................................... 103

Cultura............................................................................................................ 111

D
Defensoria pública......................................................................................... 117

Delegacia de proteção à criança e ao adolescente1 (dpca).................... 125

Departamento geral de ações socioeducativas (degase).......................... 130

Disciplina ........................................................................................................142

Diversidade / liberdade religiosa................................................................145

E
Educação básica na socioeducação.............................................................148

Educação popular.......................................................................................... 153

Educação profissional na socioeducação...................................................159

Educandario santo expedito........................................................................ 164

Egresso do sistema socioeducativo / amseg................................................169

Estatuto da criança e do adolescente (eca)............................................. 171

F
Financiamento da política de atendimento socioeducativo.................. 179
Fluxo de atendimento .................................................................................. 183

Formação dos socioeducadores................................................................... 188

G
Gênero..............................................................................................................195

Guia de execução........................................................................................... 202

H
Humanização.................................................................................................. 208

I
Individualização do atendimento ..............................................................211

Interdisciplinaridade.................................................................................... 214

Invisibilidade social.......................................................................................218

J
Juventudes....................................................................................................... 221

M
Maioridade penal.......................................................................................... 227

Masculinidades.............................................................................................. 236

Mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura........................241

Mediação......................................................................................................... 247

Medidas socioeducativas.............................................................................. 249

Menor.............................................................................................................. 256
N
Normativa internacional de proteção dos direitos humanos de
crianças e adolescentes............................................................................... 263

P
Participação social........................................................................................ 270

Pátio................................................................................................................. 272

Plano individual de atendimento...............................................................274

Plano municipal de atendimento socioeducativo.................................... 279


Plano nacional de promoção, proteção e defesa do direito de crianças
e adolescentes à convivência familiar e comunitária (pncfc).............. 284

Plantão interinstitucional (pi)................................................................... 290

Políticas sobre drogas.................................................................................. 293

Privação de liberdade................................................................................... 301

R
Raça................................................................................................................. 309

Restrição de liberdade................................................................................... 314

S
Saúde mental...................................................................................................318

Sexualidade..................................................................................................... 323

Sistema de garantia de direitos.................................................................. 330

Sistema único de assistência social (suas)................................................. 334

Sistema único de saúde (sus).......................................................................... 340

Situação de rua.............................................................................................. 342


Socioeducação e educação social............................................................... 348

T
Trabalho infantil.......................................................................................... 352

U
Unidade de reinserção social...................................................................... 359

V
Violência......................................................................................................... 364

Violência sexual............................................................................................ 367


APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Janaina da Silva Abdalla


Bianca Veloso
Paula WerneckVargens

Dentre as ações da Escola de Gestão Socioeducativa (ESGSE) do


Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de
Janeiro (Novo DEGASE), de formação dos Socioeducadores e de aná-
lise e acompanhamento das pesquisas realizadas no departamento,
está a de proporcionar nos seus ambientes formativos a construção
e disseminação dos conhecimentos afins a Socioeducação.
Neste sentido, a ESGSE vem organizando publicações de cole-
tâneas de artigos produzidos por docentes e discentes de cur-
sos oferecidos e parceiros externos ligados às Universidades e
Instituições articuladas a proteção e promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
Contudo, apesar da ampla experiência de anos na organização
e coordenação de publicações é pela primeira vez que a ESGSE se
propõe a organizar um livro na metodologia de Dicionário. Este fato
apresentou-se como um grande desafio, pois este trabalho requer
selecionar as terminologias vinculadas a temática da Socioeducação
e ao mesmo tempo selecionar a pessoa que melhor assumiria a auto-

11
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ria da então terminologia, de acordo com a sua experiência e a sua


afinidade com a temática.
O enfrentamento com as questões do cotidiano do sistema socio-
educativo expõe a necessidade de uma constante reflexão e busca de
sentidos para esta prática. A complexidade da realidade nos coloca
diante da necessidade de consolidar conceitos e ampliar as discus-
sões de temáticas afetas à socioeducação.
A socioeducação vem consolidar uma opção pela Doutrina da
Proteção Integral, em oposição à lógica menorista que até então
perdurava. Neste sentido, na prática do atendimento ainda pode-
mos encontrar rupturas e permanência do sistema antigo, uma
vez que não é processo fácil desconstruir lógicas estruturantes do
nosso ser e estar no mundo.
A construção da socioeducação se dá de diferentes modos em
cada Estado, considerando as peculiaridades e as especificidades
locais. No caso do Rio de Janeiro, o Departamento Geral de Ações
Socioeducativas (Degase) conta com instituições históricas, como
a Escola João Luiz Alves, o antigo Instituto Padre Severino (atual
Cense Dom Bosco) e a Escola Santos Dumont (atual Cense Pacgc),
ao lado de instituições novas, já construídas sob as determinações
do SINASE (como as unidades localizadas em Campos e em Volta
Redonda). Em meio a esta diversidade, os saberes se somam desde
de diferentes pontos de vistas.
Diante de tais complexidades, surge a demanda pela elaboração
deste dicionário, cujo objetivo é trazer algumas reflexões sobre a
temática, abrindo o debate para diferentes sujeitos e questões afetas
à prática socioeducativa no Estado do Rio de Janeiro e suas articula-
ções com o sistema nacional. Este é um material que reúne, portanto,
textos escritos tanto por pessoas relacionadas ao campo acadêmico,

12
APRESENTAÇÃO

quanto por aqueles que estão na prática do atendimento, o que pro-


porciona diferentes tipos de escritas e visões.
Nesta trama, buscamos preservar a escrita de cada autor, respei-
tando sua fala e seu olhar. Os textos abordam, assim, terminologias
próprias da estrutura do trabalho, conforme apresentado no verbete
sobre o “Pátio” das unidades, passando pelas ações e práticas do
fazer cotidiano, como no verbete sobre “assistência religiosa”, assim
como as abordagens conceituais afins aos saberes técnicos, como
apresentado no texto sobre “mediação”, e teóricos, como no texto
sobre “criminalização da pobreza”, o qual propõe ao leitor uma
reflexão crítica sobre o tema; além de expressões de domínio espe-
cífico do conhecimento socioeducativo, conforme exposto a partir
dos verbetes “agente socioeducativo” e “egressos do sistema”, por
exemplo dentre tantos outros apresentados nesta produção.
A sistemática metodológica de seleção dos verbetes do dicioná-
rio contempla os seguintes eixos:

1) Conceitos afetos à temática socioeducativa: Abuso Sexual;


Adolescente autor de ato Infracional; Apreensão do adolescente
autor de ato infracional; Ato Infracional; Conflito; Criminalização
da Pobreza; Cultura; Disciplina; Educação Popular; Gênero;
Humanização; Interdisciplinariedade; Invisibilidade Social;
Juventudes; Diversidade / Liberdade religiosa; Maioridade Penal;
Masculinidades; Mediação; Menor; Participação social; Raça;
Saúde Mental; Sexualidade; situação de rua; trabalho infantil;
Violência e Violência Sexual.
2) Instituições ligadas à Segurança e à Justiça: Defensoria Pública
Estadual e Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente.

13
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

3) Leis e normativas: Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA); Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
(MEPCT); Medida Socioeducativa (MSE); Normativas interna-
cionais; Sistema de Garantia de Direitos.
4) Políticas e Programas de promoção dos direitos da criança e
do adolescente: Acolhimento Institucional/ Central Carioca;
Centro de Referência em Assistência Social (CRAS); Centro de
Referência Especializada em Assistência Social (CREAS); Plano
Municipal de Atendimento Socioeducativo; Plano Nacional
de Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC); Política de
Drogas; Sistema Único de Assistência Social (SUAS); Sistema
Único de Saúde (SUS); Unidade de Reinserção Social.
5) Verbetes de domínio específico do conhecimento socioe-
ducativo: Acolhimento às Famílias; Agente Socioeducativo;
Assistência religiosa; Educação Básica na Socioeducação;
Educação Profissional; Financiamento da política de atendi-
mento socioeducativo; Formação dos socioeducadores; Guia de
execução; Individualização do Atendimento; Pátio.
6) Verbetes de domínio específico do Degase: CENSE Gelso
Carvalho do Amaral (GCA); Educandário Santo Expedito (ESE);
CRIAAD São Gonçalo; CRIAAD Niterói; CRIAAD Ricardo
de Albuquerque; Coordenadoria de Segurança e Inteligência
(CSINT); DEGASE; Egressos do Sistema Socioeducativo /
AMSEG; Fluxo de Atendimento; Plantão Interinstitucional (PI);
Privação de liberdade; Restrição de Liberdade; Plano Individual
de Atendimento (PIA).

Apresentamos então esta costura a várias mãos, que carrega


histórias, lutas e conquistas no que tange aos direitos de crianças e

14
APRESENTAÇÃO

adolescentes, carregados das contradições e dificuldades de um sis-


tema cheio de peculiaridades, que reflete as desigualdades sociais,
opções políticas e dinâmicas culturais. Como uma rede que se
forma, esta é uma primeira versão de um trabalho que se pretende
em permanente construção.

15
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A
ABUSO SEXUAL

Erimaldo Nicacio1

Este artigo tem como foco o do aumento, outros afirmam


abuso sexual sofrido por crianças que não houve crescimento sig-
e adolescentes, o qual pode ser nificativo, mas sim uma maior
definido como o contato corporal, visibilidade dos casos devido à
gestual e/ou verbal realizado por ação do poder público e da socie-
adulto ou adolescente mais velho, dade, além de maior difusão do
visando a satisfação do desejo problema nos meios de comunica-
sexual do abusador (Batista, 2009, ção (Batista,­ 2009).
e Furniss, 1993). Este tipo de vio- É relativamente recente uma
lência abrange “prática de carícias, preocupação em debater coleti-
manipulação de genitália, mama, vamente esta questão. Em 1996,
ou ânus, exploração sexual, voyeu- foi organizado em Estocolmo o
rismo, exibicionismo, pornografia, I Congresso Mundial contra a
até o ato sexual, com ou sem pene- Exploração Sexual de Crianças e
tração, sendo a violência sempre Adolescentes, durante o qual uma
presumida em menores de 14 série de diretrizes e propostas de
anos” (ABRAPIA, 2002). ação foram elaboradas para com-
Existe uma certa controvér- bater esse tipo de violência.
sia a respeito do aumento ou não O Estatuto da Criança e do
da ocorrência do abuso sexual no Adolescente (Brasil, 1990), pro-
mundo contemporâneo. Enquanto mulgado em 1990 para garantir
alguns argumentam em favor dos direitos das crianças e dos

1 Psicólogo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1990), Mestre em


Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ - Instituto de Medicina Social da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (2) e Doutor em Saúde Coletiva, também no IMS/UERJ (3).
Professor Associado 4 da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, onde atua na graduação e no Programa de Pós-graduação em Serviço
Social. Coordenador do projeto de pesquisa PSICANÁLISE E SOCIEDADE.

16
ABUSO SEXUAL
A
adolescentes, interdita no seu ser considerado é a obrigação de
artigo 5 qualquer forma de negli- se comunicar ao Conselho Tutelar
gência, discriminação, exploração, mais próximo os casos de suspeita
violência, crueldade e opressão, ou confirmação de maus-tratos
punindo estes atos ou mesmo a contra criança ou adolescente,
omissão de uma pessoa diante de conforme prega o artigo 13. Os
tais atos. Mais adiante, no artigo comentadores do ECA, Digiácomo
18 do Estatuto declara: “É dever & Digiácomo (2013), afirmam:
de todos velar pela dignidade da
criança e do adolescente, pondo- A inércia, em tais casos, pode
-os a salvo de qualquer tratamento mesmo levar à responsabilização
desumano, viol­ento, aterrorizante, daquele que se omitiu (valendo
vexatório ou constrangedor”. Isso neste sentido observar o dis-
quer dizer que é dever de todos posto no art. 5º, in fine, do ECA),
os cidadãos agir diante de qual- sendo exigível de toda pessoa que
quer ameaça ou violação de que toma conhecimento de ameaça
a criança ou o adolescente pos- ou violação ao direito de uma ou
sam ser objeto. mais crianças e/ou adolescentes,
no mínimo, a comunicação do
No ano de 2000, foi elabo-
fato (ainda que se trate de mera
rado, na cidade de Natal, o Plano suspeita), aos órgãos e autorida-
Nacional de Enfrentamento da des competentes (DIÁCOMO &
Violência Sexual contra Crianças DIÁCOMO, 2013, p.21).
e Adolescentes, reunindo repre-
sentantes de diferentes órgãos do
poder público (Paixão e Deslandes, Note-se que o Estatuto impõe
2010). Este plano foi aprovado pelo como dever de todos a notifica-
CONANDA (Conselho Nacional ção até mesmo de uma suspeita
dos Direitos da Criança e do de abuso sexual (entre outras for-
Adolescente). Entre 2010 e 2013, mas de violência). No entanto,
ele passou por um processo de duas características destas situa-
revisão no qual foram realizados ções trazem dificuldades para que
seminários regionais e nacionais qualquer pessoa venha a decidir
para avaliar as políticas de enfre- notificar a ocorrência ou suspeita
tamento da violência contra a de abuso. A primeira é que o abuso
criança e o adolescente e incorpo- sexual, em geral, envolve pessoas
rar as normativas e debates mais próximas da criança, com quem
atuais sobre o problema. ela mantém um contato cotidiano
Retomando as proposições e uma relação afetiva. Mais fre-
do ECA, um ponto importante a quentemente, tal ato envolve pes-

17
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

soas da família (pai, tio, padrasto) pelos avós ou pelos que tenham
ou amigos e vizinhos. a criança ou adolescente sob a
Em segundo lugar, os atos de sua autoridade, guarda ou vigi-
abuso sexual são de difícil identi- lância para que repudie genitor
ou que cause prejuízo ao estabe-
ficação, pois em geral não deixam
lecimento ou à manutenção de
marcas físicas, a não ser nos casos vínculos com este.
extremos de estupro, de intercurso
sexual. É claro que a violação deixa
marcas psíquicas e isso será reto- Entre as práticas defini-
mado mais adiante. Em todo caso, das como alienação parental
decorre desta segunda caracterís- incluem-se: desqualificar genitor
tica que a investigação do abuso ou dificultar contato de criança
dependerá, sobretudo, do relato ou adolescente com o mesmo. O
e da interpretação das pessoas inciso VI da mesma lei mencio-
envolvidas. Isso quer dizer que a nada anteriormente acrescenta:
abordagem das situações de abuso “apresentar falsa denúncia contra
sexual é um trabalho de escuta da genitor, contra familiares deste ou
palavra dos sujeitos envolvidos. contra avós, para obstar ou difi-
As dificuldades de notificação cultar a convivência deles com a
decorrem, em grande parte, do criança ou adolescente”.
fato de que fazer uma denúncia Estas considerações mostram
contra uma pessoa que não come- algumas dificuldades que os pro-
teu o abuso pode gerar diferentes fissionais da saúde, da justiça,
problemas e constrangimentos da assistência social e do campo
para a mesma, injustamente. Não socioeducativo têm que enfren-
raramente, como podem constatar tar ao lidar com uma situação de
os operadores do sistema judiciá- denúncia de abuso sexual. E as
rio, muitas denúncias são falsas. dificuldades existem mesmo nos
Atualmente, vem crescendo esse casos em que é possível confirmar
tipo de denúncia no contexto do que o abuso realmente aconteceu.
fenômeno da alienação parental. Isso por que cada caso deve ser
A lei 12.318 (Brasil, 2010) traz a tratado de forma única. Está claro
seguinte definição no artigo 2º: que todo cidadão tem o dever de
proteger a criança, e, em algumas
situações, a mobilização de fami-
Considera-se ato de alienação
liares em torno do acontecimento
parental a interferência na for-
mação psicológica da criança ou já propicia esta proteção. No en-
do adolescente promovida ou tanto, há muitas em que familiares
induzida por um dos genitores, ou profissionais de saúde, de assis-
tência social, de educação (ou de

18
ABUSO SEXUAL
A
outras áreas) precisam notificar o processo policial. O trabalho do
Conselho Tutelar local. Conselho é especificamente ga-
O manual do Ministério da rantir os direitos da criança e do
Saúde (Brasil, 2002) esclarece que adolescente, realizando os proce-
dimentos necessários para isso
a notificação compulsória é um ato
(BRASIL, 2002, p. 14).
que tem a função de interromper
as atitudes ou comportamentos
violentos em relação à criança Esta abordagem corresponde
ou ao adolescente. Ela não vale à complexidade das situações
como denúncia policial, mas vividas em cada família. Em cada
como a comunicação do conheci- caso, deve-se avaliar se é necessá-
mento ou da suspeita do fato de rio recorrer à autoridade judicial
que uma criança ou adolescente ou não, se é necessário afastar o
esteja sofrendo algum tipo de agressor da criança (principal-
violência. E tendo recebido a noti- mente se ele for o pai) ou não, e
ficação, cabe ao conselho Tutelar assim por diante. Não há respos-
os seguintes procedimentos: tas prévias e válidas para todas as
situações, portanto deve-se sem-
pre avaliar o que é melhor para
Ao Conselho Tutelar cabe re-
ceber a notificação, analisar a a proteção e desenvolvimento da
procedência de cada caso e cha- criança e do adolescente.
mar a família ou qualquer outro As diversas instituições do
agressor para esclarecer, ou ir in Sistema de Garantia dos Direi-
loco verificar o ocorrido com a tos da Criança e do Adolescente
vítima. Os pais ou responsáveis devem atuar de forma articulada
(familiares ou institucionais), a no enfrentamento do problema
não ser em casos excepcionais do abuso sexual. Dentre estas ins-
em que essa parceria se torne in-
tituições destacam-se: os CREAS
conveniente, devem ser convida-
(Centro de Atendimento Especia-
dos a pensar juntamente com os
conselheiros, a melhor maneira lizado da Assistência Social), os
de encaminhar soluções, sempre demais serviços da proteção social
a favor da criança ou o do ado- básica e da especial, conselhos
lescente. Apenas em casos mais tutelares, vara da infância e da
graves que configurem crimes juventude, promotoria da infância
ou iminência de danos maiores e juventude, Delegacia da Criança
à vítima, o Conselho Tutelar de- e Adolescente Vítima, entre outros.
verá levar a situação ao conheci- Cabe, ainda, mencionar o ser-
mento da autoridade judiciária e
viço Disque Direitos Humanos
ao Ministério Público ou, quando
(Disque 100), – o qual recebe de-
couber, solicitar a abertura de

19
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

mandas relativas a violações de tas da psicanálise. Ao se dedicar


Direitos Humanos. Este é um ao tratamento da histeria, Freud
serviço de utilidade pública da (1896), de início, desenvolveu a
Secretaria de Direitos Humanos hipótese de que todos os casos de
da Presidência da República neurose resultavam de um trauma
(SDH/PR) criado em 2003. psíquico decorrente de um ato de
Vinculado à Ouvidoria Nacional sedução ou de abuso sexual por
de Direitos Humanos, esse ser- um adulto, muito frequentemente,
viço tem por objetivo atender, o pai. Em seguida, ele concluiu
especialmente, as populações que, em muitos casos, embora o
consideradas de alta vulnerabili- abuso tivesse sido traumático não
dade, como crianças e adolescen- desencadeava uma neurose. No
tes, pessoas idosas, pessoas com entanto, em muitas das situações,
deficiência, LGBT, pessoas em si- ele identificou a presença de uma
tuação de rua, quilombolas, ciga- fantasia de abuso sexual, mesmo
nos, índios e pessoas em privação quando ele não tinha ocorrido na
de liberdade. Este é mais um ca- realidade. Mesmo assim, aquela
nal para a denúncia de situações fantasia era traumática e era acom-
de exploração e abuso sexual. panhada do desenvolvimento de
Para finalizar, cumpre obser- uma neurose. Dessas considera-
var que o impacto da violência ções decorre que a subjetividade
sexual na criança ou no adoles- desempenha um papel importante
cente depende não apenas do ato nos efeitos que um ato de violência
em si, mas principalmente de como produz sobre uma criança ou ado-
a família e o entorno social lidam lescente. Cada sujeito vai vivenciar,
com a situação. O modo como a seu modo, o acontecimento.
os adultos que convivem com a
criança conduzem a denúncia e
seus desdobramentos é decisivo REFERÊNCIAS
para os efeitos que este aconte-
cimento (real ou suposto) pode BATISTA, A. P. Abuso sexual
produzir para a criança. Há casos infantil intrafamiliar: detec-
em que a exposição da criança e o ção, notificação dos casos pelos
assédio investigativo é tão ou mais serviços de saúde. Dissertação
danoso que o próprio abuso. Estas apresentada ao Programa de
atitudes podem, inclusive, confi- Mestrado Interinstitucional em
gurar outra forma de abuso. Saúde Coletiva da Universidade
A esse respeito, é interessante do Estado do Rio de Janeiro. Rio
levar em consideração as descober- de Janeiro: IMS/UERJ, 2009.

20
ABUSO SEXUAL
A
BRASIL. Lei Federal nº 8.069, FURNISS, T. Abuso sexual
de 13 de julho de 1990. Estatuto da da criança: uma abordagem
Criança e do Adolescente. Dispõe multidisciplinar. Porto Alegre:
sobre o estatuto da criança e do ado- Artes Médicas, 1993.
lescente e dá outras providências.
PAIXÃO, A. C. W. e
BRASIL. Notificação de DESLANDES, S. F. Análise das
maus-tratos contra crianças e ado- políticas públicas de enfren-
lescentes pelos profissionais de tamento da violência sexual
saúde: um passo a mais na cidada- infanto-juvenil. Saúde e
nia em saúde. Ministério da Saúde, Sociedade. São Paulo: Faculdade
Secretaria de Assistência à Saúde. de Saúde Pública - USP. V. 19, n. 1.
Brasília: Ministério da Saúde, 2002. P. 114-126. 2010.
BRASIL, Lei nº 12.318, de 26 de BRASIL. Dique 100 - Disque
agosto 2010. Dispõe sobre a aliena- Direitos Humanos. Brasília:
ção parental e altera o art. 236 da Secretaria de Direitos Humanos
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. da Presidência da República, 2003.
Disponível em http://www.sdh.gov.
DIGIÁCOMO, J. M. e
br/disque-direitos-humanos/disque-
DIGIÁCOMO, I. A. Estatuto da
-direitos-humanos. Acesso em 20 de
criança e do adolescente anotado e
junho de 2016.
interpretado. Curitiba: Ministério
Público do Estado do Paraná,
Centro de Apoio Operacional
das Promotorias da Criança e do
Adolescente, 6ª Edição, 2013.
FREUD, S. Observações adi-
cionais sobre as neuropsicoses
de defesa. In: FREUD, S. [1896].
Edição Standard Brasileira da
Obras Completas de Sigmund
Freud. (Trad. Jayme Salomão).
Vol. 3. . Rio de Janeiro: Editora
Imago, 1972, p 41 – 52.

21
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ACOLHIMENTO ÀS FAMÍLIAS

ACOLHIMENTO DAS FAMÍLIAS NO CENTRO DE SOCIOEDUCAÇÃO


GELSO DE CARVALHO DO AMARAL (CENSE GCA)

Marina Juliette Grilo Rezende1


Paula Vargens2
Valéria Cristina Santos3
Vanda Vasconcelos Moreira4

O trabalho do Acolhimento Neste sentido, nos orientamos


das Famílias desenvolvido com- de forma crítica, a atender as novas
preende que é fundamental a configurações nos mosaicos fami-
participação da família durante o liares, de acordo com a Norma
cumprimento da medida socioedu- Operacional Básica do Sistema
cativa. Desta maneira, entendemos Único de Assistência Social que,
que o conceito de família, especial- ao tratar da importância da matri-
mente aquele que diz respeito ao cialidade sociofamiliar, entende a
adolescente em conflito com a lei, família como “núcleo afetivo, vin-
não é algo dado naturalmente e culada por laços consanguíneos, de
sim se transforma de acordo com aliança ou afinidade, onde os vín-
as mudanças que ocorrem na socie- culos circunscrevem obrigações
dade e em suas relações sociais, recíprocas e mútuas, organizadas
nas quais não é possível definir em torno de relações de geração e
apenas um modelo de família que de gênero” (BRASIL, 2005, p. 17).
será reconhecido por este traba- A partir desta perspectiva,
lho, sob o risco de generalização o trabalho do Acolhimento das
e preconceitos sobre os arranjos Famílias tem como primeiro fun-
familiares destes adolescentes damento a orientação a todos os
familiares que buscam o serviço a

1 Assistente Social no CENSE GCA- NOVO DEGASE-RJ


2 Pedagoga ESGSE– NOVO DEGASE-RJ
3 Assistente Social no CENSE GCA – NOVO DEGASE-RJ
4 Psicóloga no CENSE GCA- NOVO DEGASE-RJ

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ACOLHIMENTO ÀS FAMÍLIAS
A
respeito do processo judicial, dos mar questões relativas ao processo
próximos encaminhamentos que judicial são aspectos de um olhar
devem ocorrer e os direitos que humanizado, no qual o adoles-
as famílias e os adolescentes em cente e sua família são vistos de
conflito com a lei possuem, mesmo um modo mais individualizado.
estes estando em privação de liber- Com estas principais frentes,
dade. Outro trabalho desenvol- o trabalho do serviço de Acolhi-
vido, que tem ganhado relevância mento das Famílias desenvolvido
em relação às demandas, em espe- no CENSE GCA5 é composto por
cial quando se trata de uma uni- uma equipe multidisciplinar, for-
dade porta de entrada do Sistema mada por profissionais do Ser-
Socioeducativo, tem sido a garan- viço Social, da Psicologia e da
tia às famílias da localização dos Pedagogia a fim de proporcionar
adolescentes dentro das unidades um atendimento de maior quali-
do DEGASE, as datas e orientações dade aos usuários que procuram
sobre a visita nas outras unidades, o serviço. Nesta perspectiva, suas
como forma de garantir e viabili- atividades estão voltadas para a
zar o direito das famílias e ado- garantia das diretrizes do Con-
lescentes de serem acompanhados selho Nacional de Assistência
por seus responsáveis no cumpri- Social, de acordo com o Plano
mento da medida socioeducativa, Nacional de Promoção, Proteção
com vistas a fortalecer seus vín- e Defesa do Direito de Crianças e
culos familiares e afetivos. Outro Adolescentes à Convivência Fami-
aspecto importante a ser ressal- liar e Comunitária (BRASIL, 2010),
tado é que a família não passa por no que diz respeito à centralidade
nenhuma revista corporal para da família nas políticas públicas,
buscar o serviço. Entendemos que assim como o Sistema Nacional
a consolidação de um espaço de de atendimento Socioeducativo
não criminalização das famílias (BRASIL, 2012), que norteia e rea-
está na base de um atendimento firma a diretriz do Estatuto da
efetivamente socioeducativo. Criança e do Adolescente (BRA-
Assim, garantir informações cor- SIL, 1990) sobre a natureza peda-
retas, escutar as demandas e infor- gógica da medida socioeducativa.

5 O CENSE GCA é uma unidade que realiza a recepção dos adolescentes que são
apreendidos em toda a capital, nos municípios da Baixada Fluminense, na região
metropolitana e também na região dos lagos do estado do Rio de Janeiro, e que
aguardam a sua transferência para o cumprimento das medidas socioeducativas
recebidas em outra unidade. Desta forma, esta unidade se apresenta como a prin-
cipal porta de entrada do Sistema Socioeducativo no NOVO DEGASE -RJ.

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DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O Acolhimento das Famílias culos com as/os avós/avôs, irmãs/


ocorre em uma sala na recepção irmãos, tias/tios, mães de criação,
da Unidade, com recursos audio- amigos da Igreja, com vínculos
visuais, banheiro, água, café e ar religiosos, entre outros.
condicionado. Portanto, as famílias Assim, o Acolhimento vem
não precisam ficar na rua aguar- proporcionando um espaço para
dando o atendimento. O trabalho a reflexão junto à família extensa,
desenvolve-se a partir de palestras que aguarda os outros familiares
que objetivam informar os próxi- retornarem do atendimento fami-
mos encaminhamentos e outras liar na unidade6, neste momento de
dúvidas que os familiares possam fragilidade emocional da família.
ter, bem como a escuta e orientação Neste sentido, ao longo do traba-
aos familiares que não são respon- lho que vem sendo desenvolvido,
sáveis legais pelo adolescente, mas podemos perceber um progressivo
são os que de fato cuidam destes e aumento das famílias que com-
mantêm seus vínculos afetivos. A parecem à unidade buscando o
esse respeito, ressaltamos os vín- atendimento familiar.

Gráfico 1: Comparativo do Acolhimento das Famílias / CENSE-GCA – DEGASE7


6 O Acolhimento das Famílias é uma etapa anterior ao atendimento familiar, que
ocorre dentro da unidade e permite o primeiro encontro da família com o adoles-
cente, bem como outras particularidades que sejam colocadas à equipe.
7 Gráfico desenvolvido com dados colhidos no registro do trabalho de acolhi-
mento às famílias do Cense GCA.

24
ACOLHIMENTO ÀS FAMÍLIAS
A
De acordo com o gráfico acima REFERÊNCIAS
(MOREIRA et al, 2015), observa-
mos que 47% dos adolescentes BRASIL. Lei 8.069 de 13 de
em conflito com a lei tiveram o julho de 1990: Estatuto da Criança
atendimento familiar na unidade e do Adolescente. Brasília, 1990.
GCA. Cumpre observar que o
______. Lei 12.594 de 18 de
aumento do atendimento às famí-
janeiro de 2012: Sistema Nacional
lias é proporcionalmente maior
de Atendimento Socioeducativo.
que o aumento de adolescentes
Brasília, 2012.
apreendidos, o que pode ser um
indicativo de um maior envolvi- ______. Plano Nacional
mento das famílias no processo de de Promoção, Proteção e
apreensão dos adolescentes. Defesa do Direito de Crianças
Neste sentido, o trabalho do e Adolescentes à Convivência
Acolhimento das Famílias tem a Familiar e Comunitária. Brasília:
pretensão de não se esgotar neste CONANDA, 2010.
atendimento, mas orienta-se pela MOREIRA, Vanda;
perspectiva de potencializar e res- REZENDE, Marina; SANTOS,
significar o lugar da família histo- Valéria; FIGUEIREDO, Talita.
ricamente na função de proteção, Acolhimento de Famílias no
cuidado de seus membros, socia- Socioeducativo: Resgatando laços
lização primária na sua dimensão e acessando direitos. Trabalho
sociocultural, como lugar dos afe- apresentado no 9º Congresso
tos, conflitos, promoção, proteção, Norte/Nordeste de Psicologia.
defesa e construção da identidade Salvador, 2015.
social de pessoas e grupos sociais.
Com a contribuição na desconstru- NOB. Norma Operacional
ção da invisibilidade social destas Básica da Assistência Social. 2005.
famílias perante as políticas pú-
blicas e o sistema de garantia de
direitos, compreende-se que tanto
o adolescente que cumpre medida
socioeducativa como seus familia-
res são sujeitos de direitos.

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DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

Jurema Batista1

Nos dicionários, o significado cada quando os direitos da criança


mais comum da palavra abrigo e do adolescente são ameaçados ou
remete-nos a um local de reco- violados. No cotidiano, contradito-
lhimento, confinamento e isola- riamente ao previsto em lei, o que
mento social. Todavia, a discussão deveria ser a última medida passa
a respeito da palavra “abrigo”, na a ser frequentemente a primeira.
década de 80, juntamente com as Para que tal medida não seja bana-
demandas do Estatuto da Criança lizada e automática, acreditamos
e Adolescente, define que o aban- que é de suma importância reali-
dono e os maus-tratos passam a zarmos uma escuta ativa acerca das
ser uma interpelação do Estado, histórias e trajetórias de vida dos
que deve buscar estratégias que nossos usuários, bem como articu-
supram o isolamento social e fa- lar todas as informações existentes
miliar e possibilitem meios de com a rede socioassistencial e com
proteção e cuidado. o Sistema de Garantia de Direitos.
Com o advento da nova Cabe ressaltar que as unida-
Lei de Adoção (Lei Federal nº des de acolhimento institucio-
12.010/2009), o abrigamento passou nal precisam garantir um espaço
a ser denominado “acolhimento acolhedor para os usuários, que
institucional”, medida provisória e através de alternativas lúdicas
excepcional, que só deverá ocorrer e sociopedagógicas objetivem a
em situações extremas, em que as ressignificação de suas histórias
medidas anteriores não forem sufi- de vida. Nesses espaços, cons-
cientes para garantir a proteção da truídos por várias mãos, os usu-
criança e do adolescente no conví- ários precisam ser recepcionados
vio familiar e comunitário. e ouvidos, assim como precisam
No Estatuto da Criança e do participar de um processo de tra-
Adolescente, o “abrigo” é a sétima balho que busque não apenas a
medida protetiva prevista, apli- celeridade em sua saída, mas que

1 Formada em Serviço Social (UERJ). Bacharelado e licenciatura Letras –


Português- Grego (UERJ). Diretora Central de Recepção Adhemar Ferreira
de Oliveira (Central Carioca).

26
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
A
respeite sua singularidade, seu Espaço da Leitura, Oficinas de
desejo e sua autonomia. Jardinagem e Trabalhos Manuais,
Na rede municipal de acolhi- Oficina Sócio Pedagógica, Festas
mento da SMDS, a Central Carioca Temáticas, dentre outras.
configura-se como um dos equipa- Contamos também com a par-
mentos de acolhimento institucio- ceria do Projeto Circulando da
nal do Município do Rio de Janeiro; SMDS, que proporciona aos adoles-
um dispositivo que contempla o centes experiências culturais como
acolhimento dos adolescentes do visitas a Museus, Teatros e outras
sexo masculino, possibilitando o atividades externas. Acredita-se
levantamento inicial do histórico que esses instrumentos sejam im-
de vida dos mesmos e a captação prescindíveis para o adolescente
de vaga nas diversas Unidades de iniciar o rompimento com a situ-
Reinserção Social. Funciona não ação de rua, com o uso de drogas
apenas como um dispositivo de e demais ações prejudiciais ao seu
regulação de vagas, mas também desenvolvimento e para sua adesão
como uma unidade responsável à proposta de acolhimento.
por avaliar de forma qualificada a Dentre todos os atendi-
inserção destes sujeitos na rede de mentos, em um universo de 300
acolhimento existente. adolescentes por mês, podemos
A Central Carioca é um exemplificar esse trabalho rela-
espaço de alta complexidade que tando algumas histórias de vida
tem como pilar predominante de alguns adolescentes:
ser um espaço de escuta, de aco-
lhimento e de planejamento das • X. não apresentava nenhuma
ações que serão pactuadas com o perspectiva de estar inclu-
adolescente, seus familiares e os ído num espaço social (casa,
devidos órgãos competentes. Para escola, estágio) exercendo sua
a concretização dessa proposta, autonomia. Com habilidade
é necessário levar em considera- técnica e, principalmente, res-
ção o tempo que cada adolescente peitando seu tempo e vontade,
demandará para uma análise qua- ao aproximar-se da maioridade,
litativa da situação vivenciada. conseguiu entender a impor-
tância de conquistar seu espaço
Também foi preciso reordenar o
na sociedade e de se aproximar
ambiente, acrescentando ao espaço dos seus poucos familiares.
físico elementos que o tornassem Destacamos que foi um desa-
mais atrativo, oferecendo alterna- fio, pois havia, além do uso de
tivas de lazer, como, por exemplo: substâncias psicoativas, pouca
Sala de TV, Sala de Computadores,

27
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

escolaridade e fragilidade dos • A experiência do trabalho


laços familiares. técnico com o olhar singular
também ocorreu com o adoles-
• D., adolescente usuário de cente F., de 14 anos. Na ocasião,
substâncias psicoativas, prin- residia com uma família que
cipalmente cocaína, invia- cuidava dele e de outros qua-
bilizado de ser acolhido em tro irmãos. Tudo corria bem,
alguns locais, pela sua falta até que apresentou problemas
de limite. Vale destacar que o na comunidade. Assim, a famí-
adolescente tinha seus víncu- lia não conseguiu proteger o
los familiares rompidos e total adolescente em casa, alegando
ausência da genitora. Também que um grupo de observado-
se deixou ser trabalhado tecni- res da lei, porém clandestinos,
camente, podendo destacar o expulsou o adolescente do
elemento atenção, do cuidado local da moradia da família.
com o próprio corpo/higiene, Cabe informar que este estava
compromisso com regras e estudando e não fazia uso de
cumprir as suas tarefas, parti- substân­cias psicoativas.
cipação de atividades lúdicas e
laborativas. Atualmente, com • Não podemos deixar de re-
18 anos, está matriculado e gistrar o B., 17 anos, com uso
frequentando o Ensino Médio. abusivo de substâncias psi-
Continua no Programa Jovem coativas, baixa escolaridade,
Aprendiz e decidiu retornar diagnóstico psiquiátrico, “com
para o convívio com a irmã. pavio curto” – como se usa no
vocabulário popular, de difí-
• O adolescente W., 17 anos, cil entendimento e de difícil,
referência familiar em outro quase impossível missão para
município, tinha ausência dos ser trabalhado. Mas trabalha-
genitores, uso de substâncias mos com ele. Para isso, preci-
psicoativas e rompimento com sou permanecer mais dias além
os laços familiares existentes. do estabelecido pela Central
Não permaneceu na residên- porque tinha rompido todos os
cia dos responsáveis, pois um vínculos com a família bioló-
destes permanecia nas ruas gica e também por seu grande
do Centro e Zona Sul pedindo envolvimento no poder para-
esmolas. Apesar de todas estas lelo. Por conta desse quadro,
questões, se permitiu refletir B. era inviabilizado em outros
sua trajetória de vida, retor- espaços para onde era encami-
nando aos estudos e se inserido nhado como medida protetiva,
no Projeto Jovem Aprendiz. principalmente pelo seu uso de
substâncias psicoativas, brigas
e pelo seu já referido envolvi-

28
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
A
mento com o poder paralelo. de acolher com uma prática cada
Vale informar que o adoles- vez mais humanizada.
cente tinha também como agra- Ao longo destes 12 anos de
vante a prescrição de uso de criação, a permanência da Central
medicação psiquiátrica, a qual
Carioca, como é conhecida pelas
ele não tomava e nem compa-
recia mensalmente – conforme
autoridades e pela sociedade, atu-
deveria – ao acompanhamento almente consolida um espaço de
ambulatorial no espaço de transformações/possibilidades em
tratamento de saúde mental, busca não de uniformizar, mas
CAPSI. Depois de muito inves- de tratar cada adolescente como
timento técnico, ele passou a sujeito de direito.
fazer o tratamento e o uso da Em suma, acreditamos que
medicação, além de começar a todos os profissionais que atuam
ir sozinho para o CAPSI. Antes direta ou indiretamente com o
sem nenhuma interação, passou
acolhimento institucional preci-
a executar atividades com ou-
tros adolescentes. Atualmente,
sam considerar a complexidade e
ele reatou seu vínculo familiar: os impactos de tal medida nas his-
reside com um familiar que, até tórias de vida desses adolescentes.
então, ele não se permitia acei-
tar sequer o convívio.
REFERÊNCIAS
Neste trabalho contínuo,
almejamos chegar ao ideal, BRASIL. Constituição da
pois lidamos com vidas preciosas. República Federativa do Brasil.
Esperamos que todos os profissio- Brasília: Senado Federal, 1988.
nais possam se incorporar nesse BRASIL. Estatuto da Criança
processo, respeitando também e do Adolescente: Lei nº 8.069/90,
suas especificidades, seus limites e de 13 de julho de 1990. Brasília:
suas histórias; discutindo esse pro- Senado Federal, 1993.
cesso na construção de um Plano
BRASIL. Lei Nacional de
Político Pedagógico; e incluindo
Adoção. Lei nº 12.010, de 03 de
todos os parâmetros legais para
agosto de 2009. Brasília: Senado
nortear as diretrizes estabeleci-
Federal, 2009.
das. Esse processo é árduo e a todo
momento apresenta dificuldades e RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma.
desafios, sobre os quais consegui- A institucionalização de crian-
mos, em grupo, refletir, questionar ças no Brasil: percurso histórico e
e alinhar com um objetivo único desafios do presente. Rio de Janeiro:
PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004.

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DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL

Paula Vargens1

Quando abordamos a temá- entendidos como “menores delin-


tica do adolescente autor de ato quentes”. Olhar semelhante será
infracional faz-se necessário com- observado no Código de Menores
preender do que estamos falando de 1979 que dispõe em seu artigo
efetivamente. Inicialmente, deve- 1º que o “ (...) Código dispõe sobre
mos entender a origem de um assistência, proteção e vigilância
direito penal específico para essa a menores: I - até dezoito anos
faixa etária. Observamos, assim, de idade, que se encontrem em
que no Brasil a primeira legislação situação irregular”. Desta forma,
que irá sistematizar o atendimento reconhece a necessidade e a espe-
ao adolescente é o Código Mello cificidade do tratamento penal que
Mattos, em 1927, o qual irá definir deve ser dispensado aos adoles-
a menoridade aos 18 anos e esta- centes. Neste Código, já aparece a
belecer que dos 14 aos 18 anos será ideia de “autor de ato infracional”
o “menor delinquente” submetido que deverá ter sua medida revista
a um tratamento penal próprio. a cada dois anos:
Interessante observar que até
então não havia essa previsão e a Art. 41. O menor com desvio de
Consolidação das Leis Penais de conduta ou autor de infração penal
1830 comportava a possibilidade poderá ser internado em estabe-
de crianças de 07 anos serem sub- lecimento adequado, até que a
metidas ao tratamento penal. autoridade judiciária, em despa-
O Código Mello Mattos corres- cho fundamentado, determine o
ponde a uma concepção que vinha desligamento, podendo, conforme
ganhando escopo em diversos a natureza do caso, requisitar
países do reconhecimento de uma parecer técnico do serviço compe-
tente e ouvir o Ministério Público
especificidade da infância e da ado-
(Código de Menores, 1979).
lescência. Nesse sentido, aspectos
como a garantia do sigilo e o aten-
dimento em unidades próprias A compreensão que o ado-
são assegurados àqueles, então lescente comete ato infracional e

1 Pedagoga Novo Degase. Mestre em Educação.

30
ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
A
não crime está associada à culpa- tas as penas descritas no Código
bilidade que, dentro do conceito Penal. (MARINHO, 2011).
de crime adotado no Brasil, é um
dos elementos do crime (ato típico, Tal noção irá se fortalecer
antijurídico e culpável). A culpa- com o Estatuto da Criança e do
bilidade pode ser entendida como Adolescente, que pautado na
um juízo de reprovação que recai Doutrina da Proteção Integral,
sobre o homem, sendo a imputa- reconhece crianças e adolescentes
bilidade relacionada à capacidade como sujeitos de direitos. A aposta
penal; se o agente era capaz de pela Doutrina da Proteção Integral
compreender o caráter ilícito e exigiu, deste modo, uma pro-
se autodeterminar, verificando funda revisão conceitual no que se
se seria possível agir de outro refere ao tratamento dispensado
modo. Ou seja, ao se reconhecer à criança e ao adolescente. Se até
que o adolescente encontra-se em então todos, independente da prá-
peculiar fase de desenvolvimento, tica de ilícitos, enquadravam-se na
sendo necessário um atendimento categoria do “menor”, a partir do
diferenciado, que considere suas novo Estatuto buscou-se por ter-
singularidades, entende-se que ele minologias que refletissem a ideia
ainda não é plenamente capaz de do sujeito de direitos.
se autodeterminar. Assim, A compreensão do adolescente
como autor de ato infracional, ape-
a culpabilidade, é considerada sar de estar presente no texto de
como principal fator diferencial lei do Código de Menores, se con-
entre o ato infracional e o crime: solida somente recentemente, ao
o menor não possui culpabili- vincular-se a uma ideia de que o
dade. Sob o entendimento de adolescente cometeu um ato, e que,
Muñoz Conde (1988, p. 132), a ca-
dentro de uma concepção socioe-
pacidade da culpabilidade inclui
ducativa, nele não se reifica.
“requisitos que se referem à ma-
turidade psíquica e à capacidade No entanto, apesar de mudan-
do sujeito para se motivar (idade, ças legais e doutrinárias, o perfil do
doença, mental, etc.). É evidente adolescente autor de ato infracional
que, se não têm as faculdades não se alterou substancialmente
psíquicas suficientes para poder ao longo dos anos. A ruptura
ser motivado racionalmente, não com o termo menor e a promul-
pode haver culpabilidade.” É o gação do ECA não interromperam
que acontece com os inimputá- com uma prática criminalizante
veis, descritos no Código Penal,
da pobreza e apostas no encar-
desprovidos da capacidade e cul-
ceramento como mecanismo de
pabilidade não lhe sendo impos-

31
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

controle social. De tal forma que o que favorece que muitas vezes
o perfil do adolescente atendido o ano de escolaridade não cor-
pelo Degase é eminentemente de responda ao conteúdo esperado.
não brancos, pobres e de baixa Assim, não é raro encontrar ado-
escolaridade, reproduzindo o este- lescentes que formalmente estão
reótipo construído desde o Código no 5º ano do Ensino Fundamental
de Menores. Segundo o Dossiê e apresentam grande dificuldade
Criança e Adolescente de 2015, o na leitura e escrita.
público atendido está concentrado A questão racial fica explícita
entre 15 e 17 anos, sendo que, quando observamos os dados rela-
tivos à cor e raça dos adolescentes
Entre 2010 e 2014, infrações por
apreendidos. Ainda de acordo com
envolvimento com drogas foram o Dossiê do Instituto de Segurança
responsáveis por quase metade Pública, “Com relação à cor, entre
(43,3%) das autuações em fla- os autuados, predominam os
grante dos adolescentes (...) Já jovens pardos (49,8%) e negros
as autuações por ‘crimes con- (31,5%)” (2015, p. 12). A questão de
tra o patrimônio’ triplicaram: gênero é outro ponto importante
de 484 no primeiro semestre indicado pelo Dossiê: do total das
de 2010 para 1.418 no segundo apreensões em flagrante de ado-
semestre de 2014 (CABELLERO e
lescentes, de 2010 a 2014, 93,5%
MONTEIRO, 2015, p. 18).
correspondia ao sexo masculino.
Os fatores que levam à prática
No que tange à escolaridade, de ato infracional são, contudo,
em reportagem veiculada pelo dos mais diversos campos. Não
site G1, dos adolescentes aten- há como se determinar a priori o
didos pelo DEGASE, “95% dos que leva o jovem a cometer uma
jovens não concluíram o Ensino infração, porém, não cabe associar
Fundamental e nenhum de- a prática de ato infracional com
les completou o Ensino Médio. aspectos relacionados à pobreza ou
Quase 60% dos menores estavam à índole do adolescente exclusiva-
cursando o ensino fundamental mente, fazendo-se necessária uma
quando entraram para o Degase” análise mais complexa. Diversas
(G1.globo.com, 2015). Cumpre correntes e teorias existem para
ainda observar que grande parte explicar a prática infracional,
destes adolescentes tem uma sendo, contudo, reconhecido que
trajetória escolar marcada por o ambiente familiar, o ambiente
rupturas e com passagens em pro- escolar e o ambiente social como
gramas de correção idade x série,

32
ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
A
fatores que contribuem para a prá- CABELLERO, B. e MONTEIRO,
tica do ato infracional. J. (org). Dossiê Criança e
Assim, pensar em adolescen- Adolescente - 2015. Instituto
tes autores de ato infracional é de Segurança Pública (ISP). Rio
pensar em sujeitos de direitos, que de Janeiro: Rio Segurança, 2015.
estão em uma condição peculiar Disponível em http://arquivos.pro-
de desenvolvimento e que a prática derj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/
do ato, em grande medida, se rela- DossieCriancaAdolescente2015.
ciona com aspectos que envolvem, pdf. Acesso em 12 de julho de 2016.
por um lado, os diversos ambien-
MARINHO, Herrick. Crime
tes por onde transitam, e, por
x Ato infracional. Disponível em:
outro, apostas das políticas penais
http://www.webartigos.com/artigos/
de segurança. Entendemos ser
crime-x-ato-infracional/67715/#ix-
importante considerar ainda que
zz4EDNxaG8Q. Acesso em 12 de
o perfil do adolescente apreendido
julho de 2016.
se relaciona diretamente com as
opções de uma política penal que O GLOBO. Menores inter-
vem, historicamente, apostando nados no Degase têm baixa
em modelos de encarceramento escolaridade, segundo pesquisa
como opção prioritária no atendi- In: g1.globo.com, 22/05/2015.
mento à infância pobre no Brasil. Disponível em: http://g1.globo.com/
rio-de-janeiro/noticia/2015/05/
menores-internados-no-degase-
REFERÊNCIAS -tem-baixa-escolaridade-segundo-
-pesquisa.html. Acesso em 13 de
BRASIL. Lei Federal nº 6697, julho de 2016.
de 10 de outubro de 1979. Código
de Menores. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/1970-1979/L6697.htm. Acesso
em julho de 2016.

33
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

AGENTE SOCIOEDUCATIVO

Marizélia Barbosa1

A constituição de 1988 marcou O cargo, o nome oficial dessa


no Brasil o início de nova política ocupação teve diferentes nomen-
social. A partir do que ficou conhe- claturas ao longo do tempo, mas,
cida como Constituição Cidadã as funções, as tarefas e as res-
e com as lutas de movimentos ponsabilidades cotidianas desse
sociais, foi estruturado o Estatuto servidor eram, na prática, as mes-
da Criança e do Adolescente mas, ainda que o cargo, de nível
(ECA). Assim, a visão do aten- médio, tivesse outro nome.
dimento aos adolescentes em Tais servidores não são da
conflito com a lei saía, em âmbito área técnica, como os pedagogos,
nacional, da lógica da Doutrina de psicólogos etc. e também não são
Situação Irregular para a lógica da considerados pertencentes à área
Doutrina da Proteção Integral. No administrativa. Atuam junto aos
Estado do Rio de Janeiro, o Decreto adolescentes em diferentes ativida-
Estadual nº 18.493, de 26/01/93, sob des, como acordá-los para o início
a égide do Governador Leonel de das atividades do dia, acompanhar
Moura Brizola, marcou a criação na ida ao médico, acompanhar na
do DEGASE - Departamento Geral ida às audiências, fazer revista
de Ações Socioeducativas. nos adolescentes e em seus
O novo departamento inau- alojamentos etc.
gurou no Estado uma nova Para os agentes de uma uni-
política de atendimento aos ado- dade socioeducativa, o pátio sig-
lescentes em conflito com a lei, nifica muito mais do que um
trazendo em seu bojo a estrutu- perímetro. O pátio demarca uma
ração de cargos/funções daqueles área de atuação, tanto dos adoles-
que estariam na “linha de frente”, centes quanto dos agentes, onde
ou seja, daqueles que acompanha- o fazer diário é fronteira de uma
riam o dia a dia dos adolescentes rede de relacionamentos e ações
em diferentes espaços e horários, de alta complexidade.
os “agentes de pátio”.

1 Agente Socioeducativa Feminina, DEGASE, 1999; Pedagoga, UERJ, 2000;


Orientadora Educacional, UCAM, 2005;Psicopedagoga, UCAM, 2009

34
AGENTE SOCIOEDUCATIVO
A
No primeiro concurso do pedagógicas em articulação com
Departamento, Edital de 1994, o a equipe técnica”; “Participar
cargo oferecido para esses profis- de reuniões ou programas para
sionais foi o de Agente Educacional. estudo em situações comuns ou
Dois anos depois, Edital de 1998, específicas referentes aos adoles-
o cargo oferecido foi o de Agente centes”. Apesar disso, a disciplina
de Disciplina. Já em 2007, o dos espaços e dos horários não
Departamento abriu um Processo foi esquecidam como vemos em:
Seletivo Temporário para o cargo “Zelar pelo cumprimento de horá-
de Auxiliar de Disciplina, cujas rios e programações reunindo
atribuições se assemelham às dos os adolescentes para entrada e
dois cargos anteriores. Vale ressal- saída da sala de atividades, ofi-
tar que os cargos acima citados coe- cinas, dormitórios, recreação e
xistiam, pois, à medida que um era outros locais afins”.
criado, o anterior não era extinto e Por sua vez, no edital de 1998,
isso gerou alguns problemas, pois quando o cargo passou a ser cha-
alguns agentes entendiam que mado de Agente de Disciplina,
determinadas funções não lhes pode-se perceber a ênfase nas fun-
cabiam por terem feito a inscrição ções ligadas à área da segurança.
em um ou outro cargo. O Edital de Assim, das 16 funções apresenta-
2011 ofereceu o cargo de Agente das, apenas uma não se relaciona
Socioeducativo, nomenclatura que diretamente com a área da segu-
absorveu oficialmente os demais rança, dando um suporte para
cargos acima mencionados. Nos uma atuação educacional. Ainda
diferentes Editais, a diferença dá-se assim, porém, o cargo se apro-
na ênfase, educacional ou de segu- xima mais da assistência (14. Dar
rança, das atribuições dos cargos orientações necessárias aos adoles-
como podemos abaixo observar. centes sob sua guarda).
Nas atribuições do cargo Atribuições educacionais e
Agente Educativo, elencadas no disciplinares também são pedi-
primeiro edital, destacam-se fun- das aos Auxiliares de Disciplina,
ções próximas à área educacional, cujas atividades são mais voltadas
como, por exemplo, “Realizar ati- para a educação, apresentando o
vidades integradas a setores afins edital no qual há o maior equilí-
à equipe técnica”; “Participar da brio entre educação e segurança.
organização de festas e even- Temáticas como “Acompanhar,
tos socioculturais junto ao corpo encaminhar e realizar com os
técnico”; “Promover jogos espor- adolescentes atividades internas e
tivos e lúdicos e outras atividades externas de recreação”; “Observar

35
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

o comportamento dos adolescen- atividades relacionadas à educa-


tes, dialogando com os mesmos ou ção se mesclam às atividades da
providenciando encaminhamento disciplina, apesar de haver uma
às áreas especializadas”; “Realizar ênfase maior na segurança. Desta
atividades integradas a setores forma, temos atividades como
afins à equipe técnica”; “Participar “Planejar e executar, sob supervi-
da organização de festas e even- são, em conformidade com a pro-
tos socioculturais junto ao corpo posta pedagógica do programa,
técnico”; e “Participar de reuni- atividades educativas, esportivas
ões ou programas para estudo e socioculturais em articulação
em situações comuns ou especí- com a equipe técnica”; e “Buscar
ficas referentes aos adolescentes” a atualização constante, visando
podem ser um indicativo de uma uma prática mais competente, no
valorização da atividade educativa estudo dos casos dos adolescen-
e de uma aproximação do que se tes em conflito com a lei”, ao lado
tem por ideal do fazer do “agente de de “Realizar serviços de escol-
pátio”. Além disso, ao lado de tais tas e acompanhamento nas tare-
atribuições mais educativas, tam- fas internas e externas”; “Cuidar,
bém se podem observar funções planejar, executar ou melhorar as
mais voltadas para a segurança, medidas de segurança do estabele-
como “Auxiliar na contenção nos cimento”; “Encaminhar, acompa-
casos de rebeliões, indisciplinas nhar e monitorar os adolescentes
e evasões”; “Auxiliar no cuidado, nas atividades internas e externas,
planejamento, execução ou melho- tais como: transferências para Uni-
ria das medidas de segurança do dades da capital e outras Comarcas
estabelecimento”; “Participar da e Estados, pronto socorro, hospi-
ronda noturna nos alojamentos, tais, fóruns da capital e do interior
sistematicamente e sem prévio e atividades sociais autorizadas,
aviso, zelando pela integridade conforme previstas na agenda
física dos adolescentes sob seus socioeducacional”; “Realizar efe-
cuidados”; e “Manter constante tivamente a revista da Unidade e,
observação sobre os adolescen- junto ao(a)s adolescentes, a preven-
tes, de forma a prevenir ausências ção e a contenção do(a)s adolescen-
desautorizadas ou evasões das tes internado(a)s, nos movimentos
dependências das unidades”. iniciais de rebelião, na tentativa de
Perfil semelhante irá aparecer fuga e evasão, de modo a garantir a
nas funções atribuídas ao cargo segurança e contribuir para o pro-
de Agente Socioeducativo, pre- cesso de desenvolvimento socioe-
sente no edital de 2011, no qual ducativo”. É interessante notar que

36
AGENTE SOCIOEDUCATIVO
A
este é o primeiro edital no qual o educativa quanto a área da segu-
porte e uso de equipamento não rança dialogam com o trabalho
letal é autorizado, exigindo-se a do Agente Socioeducativo, já que
devida capacitação. Vale observar ambas as áreas pretendem, dentre
que neste edital aparecem funções outras coisas, preparar os ado-
que não se relacionam diretamente lescentes para o retorno a uma
com a atividade educacional ou sociedade que tem suas normas e
de segurança como, por exem- regras. A educação, assim como a
plo, “Realizar o cadastramento e segurança, no sentido mais amplo
inclusão de informações dos ado- dos dois conceitos, também nor-
lescentes internos no DEGASE no matiza, dá condições para que
Sistema de Identificação de Ado- o ambiente educativo se estabe-
lescentes (SIIAD) e no prontuário leça sem maiores empecilhos. O
único móvel, zelando pela integri- problema é quando se privilegia
dade e segurança do sistema”. uma dessas áreas em detrimento
Podemos observar nos demais da outra. Quando isso acontece,
itens dos cargos acima atividades as tensões ocorrem não apenas
e responsabilidades que transitam entre Equipe Técnica e Agentes
fora da área educativa e da área Socioeducativos, mas também
da segurança. Mesmo assim, não dentro das próprias Equipes de
fica explicitamente delineado qual Agentes Socioeducativos.
o papel do “agente de pátio”. Sua Evidencio que, desde 2006,
função é educacional, de segu- o SINASE (Sistema Nacional de
rança ou algo nebuloso no limiar Atendimento Socioeducativo),
destas duas funções? através da resolução nº 119, de
Para a pergunta acima, exis- 11 de dezembro, instituído pelo
tem respostas dos que atuam Conselho Nacional dos Direitos
“no pátio”, que transitam nos da Criança e do Adolescente
universos da educação e da segu- (CONANDA), passou a ser estu-
rança. Ora privilegiando um, ora dado no DEGASE. Isso trouxe
outro, ou tentando compor uma novas dúvidas sobre a atuação dos
atuação ambivalente. “agentes de pátio”, pois o SINASE
Há uma palavra que permeia detalha sobre número mínimo de
o trabalho no pátio: a Disciplina, agentes, que deve estar de acordo
entendida não como castigo e/ou com o número de adolescentes,
tolhimento – como muitos pen- mas não especifica as atribuições
sam –, mas como organização inerentes ao cargo.
do ir e vir e do fazer dos adoles- Um Regimento Interno para o
centes. Sendo assim, tanto a área DEGASE, que normatize de forma

37
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

clara e detalhada o dia a dia das pátio”. A dificuldade de diálogo


unidades socioeducativas, visando entre esses entes, no que tangen-
a um padrão no atendimento so- cia suas atribuições de trabalho,
cioeducativo como um todo, faz tem sido ao longo da história do
muita falta. O detalhamento do DEGASE um ponto sensível.
funcionamento e das ações, das É possível concluir que a nova
e nas unidades, poderá dirimir nomenclatura funcional para o
discrepâncias no fazer diário dos pessoal do pátio não resolveu os
servidores, principalmente entre problemas de entendimento da
as equipes de plantão dos Agentes função. Mais que isso, não seria
Socioeducativos. Cada plantão tem exagero afirmar que deixou ainda
uma identidade e forma de traba- mais evidente a complexidade da
lhar, o que, por vezes, causa trans- função, pois, na tentativa de expli-
tornos no cotidiano das unidades. carem o que fazem, o que fica clara
No ano de 2011, através da é a angústia da maior parte des-
Lei Estadual nº 5.933/11, de 29 de ses profissionais, visto que o fato
março, que dispõe sobre a rees- de trabalharem no sistema socio-
truturação do quadro de pes- educativo não exemplifica suas
soal do Departamento Geral de atribuições, uma vez que o próprio
Ações Socioeducativas, é criado conceito de socioeducação encon-
o cargo de Agente Socioeduca- tra-se em construção.
tivo, cargo/função que absorve os
cargos acima mencionados, com
a peculiaridade de fazer parte REFERÊNCIAS
da nomenclatura dos demais
cargos do Departamento. Desta BRASIL. Sistema Nacional
forma, o cargo dos profissionais de Atendimento Socioeducativo
“do pátio”, passa a chamar-se (SINASE). Resolução do
Agentes Socioeducativos Femini- CONANDA, nº 119, 2006.
nos ou Agentes Socioeducativos Disponível em http://www.conselho-
Masculinos. Assim como temos dacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/
o cargo de Agente Socioeducati- publicacoes/sinase.pdf. Acesso em 13
vo-Pedagogia, Agente Socioedu- de Junho de 2016.
cativo-Assistente Social, Agente
Socioeducativo-Psicólogo etc.
O prefixo comum aos diferen-
tes cargos não agregou, como talvez
se pretendesse, os profissionais da
área técnica aos profissionais “do

38
APREENSÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
A
APREENSÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO
INFRACIONAL

Lelis Paiva1

A descoberta do Brasil ocor- morte e outras consideradas cruéis:


reu em 22 de abril de 1500, mas açoite, corte de membros, trabalho
a colonização de nossas terras forçado em galés2, em que a única
teve início no ano de 1530. Neste diferença punitiva do menor de 17
período, vigorava em Portugal anos para o maior de idade era não
as “Ordenações Afonsinas”, pro- ser condenado a morte.
mulgada por D. Afonso V, a As “Ordenações Filipinas”
partir de 1446 e implantada no perduraram até 16 de dezembro
Brasil Colônia, até ser substituída de 1830, quando houve a promul-
pelas “Ordenações Manuelinas”, gação do Código Criminal do
promulgada por D. Manuel I, Império do Brasil, por D. Pedro I,
a partir de 1521. passando a considerar como não
Em 1603 passou a vigorar no criminosos os menores de 14 anos
Brasil Colônia as “Ordenações e adotando o critério biopsico-
Filipinas”, promulgada no rei- lógico para os crimes praticados
nado de Felipe II. As “Ordenações por maiores de 14 anos, casos
Filipinas” traziam, em seu orde- em que o magistrado avaliava
namento, ampla e genérica o discernimento do menor no
criminalização de atos, com seve- momento da prática delituosa e a
ras punições, inclusive a pena de punição a ser aplicada, não exce-

1 Advogado, Agente socioeducativo, atuou como Vogal de Comissão de Inquérito


Administrativo Disciplinar, Representante do DEGASE junto à CEVIJ/RJ, atual-
mente, sindicante da Corregedoria/DEGASE.
2 A pena das galés era a punição na qual os condenados cumpriam a pena de tra-
balhos forçados. As galés estavam entre as principais embarcações de guerra
europeias até o desenvolvimento da navegação, a partir do século XVI. Elas pos-
suíam velas que, apesar de serem muito rudimentares, auxiliavam em sua mo-
vimentação. Mas, para que ganhassem os mares, era necessário recorrer à força
de cerca de 250 homens, recrutados de diversas formas. Eles podiam ser escravos
condenados pela Justiça, que trocavam suas penas por trabalhos temporários nas
galés, ou voluntários em busca de salário. (grifo nosso).

39
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

dente aos dezessete anos de idade, da Capital Federal brasileira, no


em Casas de Correção: Estado do Rio de Janeiro. No dia
02 de fevereiro de 1924, o pri-
Art. 10. Também não se julgarão
meiro Juiz de Menores do Brasil
criminosos: foi nomeado, o jurista nascido em
1º Os menores de quatorze anos. Salvador (BA), José Cândido de
(...) Albuquerque Mello Mattos, sendo
Art. 13. Se provar que os meno- este, o idealizador do Código de
res de quatorze anos, que tiverem Menores de 1927, apelidado de
cometido crimes, obraram com “Código Mello Mattos”.
discernimento, deverão ser reco- O Código de Menores de 1927
lhidos às casas de correção, pelo foi elaborado, exclusivamente,
tempo que ao Juiz parecer, com
para o controle da infância aban-
tanto que o recolhimento não
exceda á idade de dezessete anos.
donada e delinquente, de ambos
os sexos e, aos menores de 18 anos,
dando início às normas jurídicas
Com o surgimento do Código exclusivamente voltadas à apreen-
Penal dos Estados Unidos do Brasil, são de adolescentes, ratificada no
Decreto nº 847 de 11 de outubro Código Penal Brasileiro, Decreto-
de 1890, o País passa a tratar, efe- Lei nº2.848 de 7 de dezembro de
tivamente, da inimputabilidade 1940, em seu art.27.
plena do menor delinquente de
até 09 anos e, aos maiores de 09 e
menores de 14, continuou sendo Apreensão de Adolescentes
adotado o critério biopsicológico, no Código de Menores
com a avaliação do magistrado, Decreto nº 17.943-A de 12 de
quanto ao discernimento do outubro de 1927
menor, no momento da prática
do ato delituoso:
Art.69. O menor indigitado autor
Art. 27. Não são criminosos: ou cumplice de fato qualificado
§ 1º Os menores de 09 anos crime ou contravenção, que con-
completos; tar mais de 14 (catorze) e menos
§ 2º Os maiores de 09 e meno- de 18 (dezoito) anos, será subme-
res de 14, que obrarem sem tido a processo especial, tomando
discernimento; ao mesmo tempo, a autoridade
competente as precisas informa-
ções, a respeito do estado físico,
Em 1923 foi instituído o pri- mental e moral dele, e da situação
meiro Juizado Privativo de Menores social, moral e econômica dos

40
APREENSÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
A
pais, tutor ou pessoa incumbida o remeterá a um estabelecimento
de sua guarda. para condenados de menor idade,
§ 1º Se o menor sofrer de qualquer ou, em falta deste, a uma pri-
forma de alienação ou deficiência são comum com separação dos
mental, for epilético, surdo-mudo condenados adultos, onde per-
e cego ou por seu estado de saúde manecerá até que se verifique sua
precisar de cuidados especiais, a regeneração, sem que, todavia, a
autoridade ordenará seja subme- duração da pena possa exceder
tido ao tratamento apropriado. o seu máximo legal. (Apreensão
§ 2º Se o menor não for aban- de Adolescentes no Código de
donado, nem pervertido, nem Menores, Decreto nº 17.943-A de
estiver em perigo de o ser, nem 12 de outubro de 1927)
precisar do tratamento especial,
a autoridade o recolherá a uma Art. 27 - Os menores de 18
escola de reforma pelo prazo de (dezoito) anos são penalmente
01 (um) a 05 (cinco) anos. inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legis-
Art.70. A autoridade pode a todo lação especial. (Código Penal
tempo, por proposta do diretor do Brasileiro
respectivo estabelecimento, trans- Decreto-Lei no 2.848 de 7 de
ferir o menor de uma escola de dezembro de 1940)
reforma para outra de preservação.

Apreensão de Adolescentes
Código Penal Brasileiro no Código de Menores
Decreto-Lei no 2.848 de 7 de Lei no 6.697 de 10 de outubro de
dezembro de 1940 1979

Art.71. Se for imputado crime, Art.1º Este Código dispõe sobre


considerado grave pelas cir- assistência e vigilância a menores:
cunstâncias do fato e condições I – até 18 (dezoito) anos de idade,
pessoais do agente, a um menor que se encontrem em situação
que contar mais de 16 (dezesseis) irregular;
e menos de 18 (dezoito) anos de II – entre 18 (dezoito) e 21 (vinte
idade ao tempo da perpetração, e e um) anos, nos casos expressos
ficar provado que se trata de indi- em lei.
víduo perigoso pelo seu estado de Parágrafo Único - As medidas
perversão moral o juiz lhe apli- de caráter preventivo aplicam-
cará o art.65 do Código Penal, e -se a todo menor de 18 (dezoito)

41
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

anos, independentemente de Código de Menores, Lei no 6.697


sua situação. de 10 de outubro de 1979)
(...)

Art.99. O menor de 18 (dezoito)


anos, a que se atribua autoria
de infração penal, será, desde Apreensão de Adolescentes
logo, encaminhado à autoridade no Estatuto da Criança e do
judiciária. Adolescente-E.C.A.
§ 1º Para efeitos desta Lei, deve Lei nº 8.069 de 13 de julho de
ser considerada a idade do menor 1990
à data do fato.
§ 2º Sendo impossível a apresen-
tação imediata, a autoridade poli-
cial responsável encaminhará o Art. 2º Considera-se criança, para
menor a repartição policial espe- os efeitos desta Lei, a pessoa até
cializada ou a estabelecimento 12 (doze) anos de idade incomple-
de assistência, que apresentará o tos e adolescente aquela entre 12
menor à autoridade judiciária no (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.
prazo de 24 (vinte e quatro) horas. (...)
§ 3º Na falta de repartição policial
especializada, o menor aguardará Art. 104. São penalmente inim-
a apresentação em dependência putáveis os menores de 18
separada da destinada a maiores (dezoito) anos, sujeitos às medi-
de 18 (dezoito) anos. das previstas nesta Lei.
§ 4º Havendo necessidade de (...)
dilatar o prazo para apurar infra-
ção penal de natureza grave ou
Art. 106. Nenhum adolescente
em co-autoria com maior, a auto-
será privado de sua liberdade
ridade policial poderá solicitar à
senão em flagrante de ato infra-
judiciária prazo nunca superior
cional ou por ordem escrita e
a 05 (cinco) dias para a realiza-
fundamentada da autoridade
ção de diligências e apresentação
judiciária competente.
do menor. Caso defira o prazo,
Parágrafo único. O adolescente
a autoridade judiciária determi-
tem direito à identificação dos
nará prestação de assistência per-
responsáveis pela sua apreen-
manente ao menor.
são, devendo ser informado
§ 5º Ao apresentar o menor, a
acerca de seus direitos.
autoridade policial encaminhará
relatório sobre investigação da
ocorrência, bem como o produto Art. 107. A apreensão de qual-
e os instrumentos da infração quer adolescente e o local onde se
(Apreensão de Adolescentes no encontra recolhido serão inconti-
nenti comunicados à autoridade

42
APREENSÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL
A
judiciária competente e à famí- exclusivamente, na apuração de
lia do apreendido ou à pessoa atos infracionais praticados por
por ele indicada. crianças de até 12 anos incomple-
Parágrafo único. Examinar-se-á, tos e por adolescentes de 12 a 18
desde logo e sob pena de respon-
anos incompletos, de ambos os
sabilidade, a possibilidade de
liberação imediata.
sexos, com a remessa dos fatos e
provas apuradas em Inquérito às
Art. 108. A internação, antes da
autoridades judiciárias, compostas
sentença, pode ser determinada pelo Ministério Público e Juizado
pelo prazo máximo de 45 (qua- da Infância e Juventude.
renta e cinco) dias. Nos casos de apreensão em
Parágrafo único. A decisão flagrante ou por determinação
deverá ser fundamentada e judicial (MBA), realizar-se-á a
basear-se em indícios suficien- imediata comunicação ao Juizado
tes de autoria e materialidade, da Infância e Juventude, ao(s)
demonstrada a necessidade impe- familiar(es) do menor apreen-
riosa da medida.
dido ou a quem for indicado por
ele, com a comunicação do local
Art. 109. O adolescente civil-
onde o menor encontra-se reco-
mente identificado não será
submetido à identificação com- lhido, tendo como prioridade o
pulsória pelos órgãos policiais, exame da possibilidade da sua
de proteção e judiciais, salvo para liberação imediata, que se dá com
efeito de confrontação, havendo a entrega à família, sob pena de
dúvida fundada (Apreensão responsabilização, com posterior
de Adolescentes no Estatuto da apresentação do adolescente em
Criança e do Adolescente. E.C.A., Juízo, no dia e hora designados.
Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990) Quando a apreensão se der em
localidade em que não haja DPCA,
De acordo com o tipificado a autoridade policial procederá
no ECA, a apreensão de adoles- com o registro do ato infracional
centes que cometam ato infra- e comunicação, imediata, da apre-
cional análogo a crime se dá ensão às autoridades judiciárias,
em flagrante ou por determina- à família ou a quem for indicado
ção judicial (Mandado de Busca pelo apreendido, com a apresenta-
e Apreensão-MBA). ção da criança ou do adolescente
No Rio de Janeiro, as no prazo de 24h, se houver per-
Delegacias de Proteção a Criança noite na Delegacia de Polícia, esta
e ao Adolescente (DPCA) foram deverá ser em local distinto e pro-
instituídas em 1993 para atuar, tegido dos demais presos.

43
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Há a possibilidade da BRASIL. Código de Menores.


Delegacia de Polícia ou espe- Lei Federal no 6.697 de 10 de outu-
cializada (DPCA) conduzir o bro de 1979. Brasília, 1979.
apreendido às Unidades executo-
BRASIL. Lei 8.069 de 13 de
ras das Medidas Socioeducativas
julho de 1990: Estatuto da Criança
(MSE), função exercida no Rio
e do Adolescente. Brasília, 1990.
de Janeiro pelo Departamento
Geral de Ações Sócioeducativas SALGUEIRO, Augusto.
(DEGASE), o qual procederá com Ordenações Afonsinas. Disponível
a apresentação do adolescente às em http://arrudadosvinhos.wordpress
autoridades judiciárias, no prazo .com/category/ordenacoes-afonsinas.
de 24h, sendo estes procedimentos Acesso em 20 de junho de 2016.
que perduram até a presente data. VILAR, Manuel Dória.
Ordenações Afonsinas. Disponível
em http://blogverbalegis.blogspot.
REFERÊNCIAS com/2010/11/ordenacoes-afonsinas.
html. Acesso em 20 de junho de 2016.
BRASIL. Código Penal dos
Ordenações Afonsinas de 1446
Estados Unidos do Brasil. Decreto
nº 847 de 1890. Ordenações Manuelinas de 1521
BRASIL. Código de Menores. Código Criminal do Império
Decreto nº 17.943-A de 1927. do Brasil de 1830
BRASIL. Código Penal
Brasileiro. Decreto-Lei no 2.848 de
7 de dezembro de 1940.

44
ASSISTÊNCIA RELIGIOSA
A
ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

A RELIGIOSIDADE COMO GARANTIA DE DIREITOS NO SIS-


TEMA SOCIOEDUCATIVO

Leila Mayworm Costa1


Talita Aguiar Bittencourt Figueiredo2
Rivane de Oliveira Ribas3

Pensar a religiosidade no mais que as crenças ou práticas.


Sistema Socioeducativo nos remete Exprimem a cultura contempo-
a pensar o resgate da dimensão e rânea, um emaranhado de signi-
dos contornos da formação da espi- ficados simbólicos que permite
ritualidade ao longo da história da entender o universo das menta-
humanidade como resposta/expli- lidades, os ritos do cotidiano, as
cação aos fenômenos de natureza relações sociais e as instituições
subjetiva e as suas manifesta- políticas; enfim, permite entender
ções empíricas. Também nos leva a alma do povo brasileiro.
a refletir sobre os formadores do Neste sentido, a análise do
imaginário, da essência da espi- período colonial no Brasil alcança
ritualidade do homem e ainda os as raízes da formação desse sistema
aspectos relacionados aos compo- de crenças. A miscigenação cultu-
nentes históricos da religião e sua ral, durante a constituição colonial,
presença na construção do Estado criou no Brasil um conjunto de ele-
e das ideologias, bem como a parti- mentos religiosos polissômicos,
cipação de segmentos religiosos no comunicando vários sentidos que
trato da infância e da adolescência, deixam transparecer o econômico,
impregnada do viés “doutrinário” o social, o lúdico e o étnico. Um
e “salvacionista”. sistema cultural que espelha o sin-
No cenário brasileiro, reli- cretismo e a extrema capacidade
gião e religiosidade expressam adaptativa do povo brasileiro,

1 Diretora da Divisão de Serviço Social Novo Degase.


2 Assistente Social Novo Degase. Divisão de Serviço Social.
3 Assistente Social Novo Degase. Divisão de Serviço Social.

45
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

capaz de absorver características rior, entregando-se a movimentos


externas e transformá-las. messiânicos como a busca da terra
Em certo sentido, o achamento sem mal, abrindo espaço para os
do Brasil esteve inserido dentro rituais que pudessem “maquiar”
do ideal de cruzada presente em suas crenças, compondo um sin-
Portugal. Os lusos desbravavam cretismo religioso em que os ritos
os oceanos em busca de cristãos e incorporam elementos do sagrado,
especiarias, pretendendo cristiani- como forma de sobrevivência social
zar o mundo e encontrar riquezas e cultural diante de todo o processo
que pudessem ser comercializa- de demonização de suas crenças,
das. Portanto, a origem do processo de sua relação com a natureza e de
de ocupação territorial da Terra de suas percepções do meio social.
Santa Cruz serviu, de certa forma, Também não possuindo outra
às intenções da Igreja Católica. opção, os africanos escravizados
Os portugueses que vieram foram obrigados a aceitar oficial-
para o Brasil estiveram inseri- mente os preceitos e os dogmas da
dos no universo mental de seu Igreja Católica, mas encontraram
tempo e espaço, adotando o cato- meios de ocultar seus próprios
licismo como insígnia do poder ritos e credos dentro do sistema
da coroa. Diante desta concepção, simbólico cristão, originando prá-
todo não católico foi considerado ticas religiosas afro-brasileiras.
um inimigo em potencial. A não Dessa mistura rica de crenças,
aceitação da fé em Cristo foi con- da qual faz parte até mesmo o pro-
siderada como contestação do testantismo, nasceu a religiosidade
poder do rei e afronta direta a brasileira, apegada ao tradiciona-
todo português, uma motivação lismo católico e, simultaneamente,
que incentivou, dentre outros aberta e tolerante a novas religi-
fatores, o extermínio dos indíge- ões. As representações religiosas
nas, vistos como pagãos e infiéis. encontram-se historicamente nos
Dentro desse contexto, a diversos aspectos da vida social e
construção de igrejas passou a nos espaços de pobreza e privação
delimitar a conquista territorial, de liberdade, como elemento de
garantindo a soberania do Estado “alívio ao sofrimento e salvação
perante os gentis, criando meca- da alma”. As relações entre Estado
nismos de conversão forçada dos e Igreja vão compor a lógica e a
nativos e aculturação em prol dos ordenação da vida social até 1891,
valores europeus. com a Proclamação da República
Pelo prisma dos indígenas, a e a promulgação do Código Penal.
alternativa foi partir rumo ao inte- A religião passa a ter reduzido o

46
ASSISTÊNCIA RELIGIOSA
A
seu poder político, contudo vale nados nas unidades do Sistema
destacar que sua ação caritativa e Socioeducativo está plenamente
filantrópica ocupa extenso espaço de acordo com o sentido da prática
na vida social. da Assistência Social. A legislação
específica para adolescentes em
conflito com a lei incorpora os avan-
Assistência Religiosa no ços registrados na Constituição
DEGASE Federal do Brasil (BRASIL, 1988) no
que tange à assistência religiosa.
No cenário institucional e em O mesmo ocorre com o que está
particular no DEGASE, que atua previsto no Estatuto da Criança
na execução da Política de Atendi- e do Adolescente (BRASIL, 1993).
mento a jovens em cumprimento Em seu artigo 94, encontra-se:
de Medidas Socioeducativas, “As entidades que desenvolvem
a proposta de acompanhamento programas de internação têm as
aos jovens e seus familiares está seguintes obrigações, entre outras:
pautada nos preceitos Constitu- XII – propiciar assistência religiosa
cionais (Constituição Federal de àqueles que desejarem, de acordo
1988), no ECA (lei 8069, de 1990), com suas crenças”. E, no artigo
que preconiza sobre a Proteção 124, lê-se: “são direitos do adoles-
Integral, e no Sistema Nacional cente privado de liberdade, entre
de Atendimento Socioeducativo outros, os seguintes: XIV – receber
(SINASE) de 2012, que aponta para assistência religiosa, segundo sua
a construção de novas propostas crença e desde que assim o deseje”.
metodológicas e novos paradigmas Em 2008, o DEGASE, visando
no campo do atendimento aos ado- o levantamento do perfil da
lescentes. O objetivo é humanizar assistência religiosa no sistema
as etapas de acompanhamento, socioeducativo do Rio de Janeiro,
visando a adesão dos adolescen- formaliza convênio com o ISER
tes às propostas socioeducativas (Instituto Superior de Estudo da
e sua percepção enquanto sujeitos Religião) para a realização de pes-
de direitos, dando visibilidade às quisa científica sobre a Assistência
ações desenvolvidas e descons- Religiosa. Assim sendo, obser-
truindo o viés de caráter punitivo, vou-se, a partir dos registros
operacionalizando as Medidas documentais de 2012, um movi-
Socioeducativas, sem a banalização mento da Divisão de Serviço
das questões a elas relacionadas. Social no caminho da escuta em
Assim, prestar assistência relação aos citados grupos e outros
religiosa aos adolescentes inter- encaminhamentos.

47
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Cumpre destacar que, em no período de 2013 a 2016, no


2013, ao convidarmos os represen- caminho da construção de novas
tantes das instituições religiosas, práticas, surgiram ricas experiên-
discorremos sobre a Política de cias do trabalho realizado e das
Atendimento Socioeducativo, na propostas elencadas a seguir:
perspectiva da Doutrina da
Proteção Integral, sem banali- A solicitação de espaços pró-
zar as questões que perpassam a prios nas unidades para a
historicidade do adolescente, sua realização das atividades reli-
responsabilização frente à prá- giosas; Implantação de espaços
tica do ato infracional, o papel do diferenciados como o sugerido ao
Estado no campo da garantia dos longo deste documento: CASAS
direitos preconizados pelo SINASE DE MÃE; Feiras Ecumênicas
(2012) e o ECA (1990). abertas aos diversos segmentos:
Apontamos, ainda, sobre a familiares, adolescentes e profis-
sionais; Cadastro das Instituições
importância das atividades religio-
Religiosas; Criação de Termo de
sas nos espaços socioeducativos, Compromisso dos Assistentes
sua dimensão subjetiva frente à Religiosos com o DEGASE, para
liberdade de crença, numa pers- o provimento e a visibilidade
pectiva de educação em valores das atividades religiosas nas
humanos, contribuindo no desen- unidades; Inserção, na ficha de
volvimento espiritual, moral, recepção do adolescente, sobre
intelectual, físico e vocacional dos a sua crença religiosa e o desejo
adolescentes. A espiritualidade de receber assistência religiosa
como possibilidade de o adoles- segundo a sua concepção (já com-
templado); Atividades Culturais
cente refletir sobre sua história,
(Dia das Mães e outras ativida-
o ato ilícito numa perspectiva de des); Trabalho com famílias nas
redimensionamento de sua vida, unidades; Capacitação dos assis-
seus projetos, seu potencial trans- tentes religiosos (mediação de
formador se vinculado à dimensão conflitos, direitos humanos, etc...);
educativa e pedagógica com cará- Direção das unidades (compro-
ter marcado pautado em vivências metimento e participação com
nos espaços de privação de liber- o processo religioso); Conhecer
dade, que o permitam desconstruir as Unidades do DEGASE que
valores negativos e discutir valo- estão localizadas no interior do
Estado (Campos, Volta Redonda,
res universais como o amor, a paz,
etc...); Adoção de ações para o
a solidariedade, a ética . atendimento às demandas dos
Como fruto do processo refle- adolescentes e de seus familiares
xivo junto aos grupos religiosos, no contexto social em que vivem,

48
ASSISTÊNCIA RELIGIOSA
A
visando contribuir no processo a Regulamentação da Prestação da
de resgate à cidadania, acesso a Assistência Religiosa no DEGASE.
direitos sociais e etc...; Encontros
Trimestrais para avaliação dos
trabalhos e novas propostas e
encaminhamentos; Elaboração Carta de Princípos da
de material sobre a Assistência Assistência Religiosa nas
Religiosa no DEGASE: carti- Unidades do DEGASE
lhas, folder, etc...; Criação de
um Fórum Permanente sobre Com o objetivo de atender
Assistência Religiosa; Agenda aos preceitos constitucionais e
das Atividades Religiosas nas em conformidade com o que
unidades, afixada em local visível; passou a chamar-se Sistema
Espaço Multimídia com recursos,
Socioeducativo, ocorrido na vigên-
tais como: som, projetor TV etc...;
Confecção de material educativo/ cia da Constituição da República
ilustrativo sobre os Fundamentos de 1988, houve a descentralização
do Trabalho Religioso: concei- político-administrativa. A criação
tos éticos, valores, e orientações do Novo DEGASE ocorreu a par-
sobre apoio aos egressos, junto tir da interlocução do Governo
às instâncias de cumprimento Estadual com o Centro Brasileiro
das MSEs em meio aberto; A para Infância e Adolescência
participação dos Assistentes (CBIA) – órgão do Governo
Religiosos nos Fóruns de dis- Federal no período de 1991 a 1994
cussão junto à sociedade civil
– em consonância com as diretri-
e política em torno de questões
como a redução da maioridade zes políticos-governamentais de
penal. OBS.: Ressaltamos sobre a promoção, defesa e garantia de
Agenda Política dos Conselhos de direitos de proteção legal. Neste
Direitos através das Conferências período, houve absorção integral
Municipal, Estadual e Nacional; dos adolescentes atendidos pela
CBIA, o mesmo não ocorrendo
com as instalações físicas, fato que
Do processo de discussão e das
acarretou demandas específicas
trocas de experiências nos encontros
no atendimento.
da Divisão de Serviço Social junto
Dessa forma, a descentrali-
aos Assistentes Religiosos, nasceu
zação física se une à gerencial,
um movimento do grupo para a
envolvendo todos os Sistemas de
construção da carta de princípios
Garantias de Direitos da Criança
da assistência religiosa nas unidades
e do Adolescente previstos para
do DEGASE, publicada em 27 de
diminuição do ingresso e da rein-
agosto de 2015, no Diário Oficial do
cidência à instituição.
Estado do Rio de Janeiro, visando

49
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Deveres do DEGASE Deveres dos grupos religiosos

1. Estabelecer, em cada i. Credenciar-se junto à


unidade, horário fixo semanal, Direção Geral / Divisão de Serviço
definido em comum acordo com Social do DEGASE e da unidade
o grupo que prestará Assistência em que vai trabalhar;
Religiosa, de modo que todos os ii. Fornecer à Divisão de
adolescentes da unidade possam Serviço Social uma relação com o
ter acesso aos encontros, sem in- nome completo e dados pessoais
terferência de outras atividades, dos assistentes religiosos creden-
com exceção de atividades im- ciados (documento de identidade,
prescindíveis ao desenvolvimento residência, telefone e e-mail) e
dos adolescentes; mantê-la atualizada. Em caso de
2. Facilitar o acesso de alterações no grupo, informar saí-
todos os adolescentes que dese- das e novas adesões.
jem comparecer aos encontros da iii. Dar lugar de relevo, em
Assistência Religiosa; suas atividades, a tudo que possa
3. Prover aos Assistentes Reli- contribuir para a educação dos ado-
giosos a segurança necessária e um lescentes, favorecendo a formação
local adequado para desempenha- de pessoas autônomas, cidadãos
rem o seu trabalho; solidários e profissionais compe-
4. Garantir um tempo mínimo tentes, possibilitando a construção
de uma hora para cada momento de projetos de vida e convivência
de Assistência Religiosa; familiar e comunitária;
5. Prover apoio para o iv. Não criticar ou depreciar
uso de aparelhos de som e doutrinas, ensinamentos ou práticas
imagem para a realização das ati- de outras igrejas ou grupos empe-
vidades de Assistência Religiosa, nhados na assistência religiosa;
mediante prévio acerto com a v. Participar de ações conjun-
direção da unidade; tas com o DEGASE e outros grupos
6. Manter-se em contato com religiosos em favor dos adolescen-
cada grupo religioso, designando tes e de suas famílias;
funcionários de referência para vi. Manter contatos amistosos
esse fim, tanto nas unidades como com os demais grupos religiosos,
no nível da Direção Geral; visando cooperar para a formação
dos adolescentes e oferecer apoio
a suas famílias;
vii. Informar ao DEGASE atra-
vés da Direção da Unidade e/ou

50
ASSISTÊNCIA RELIGIOSA
A
da Divisão de Serviço Social qual- REFERÊNCIAS
quer fato ou situação que interfira
negativamente no trabalho de BRASIL. Constituição da
assistência religiosa ou na garantia República Federativa do Brasil.
dos direitos dos adolescentes. Brasília: Senado Federal, 1988.
__________. Estatuto da
Criança e do Adolescente: Lei
Entidades religiosas 8.069/90, de 13 de julho de 1990.
participantes Brasília: Senado Federal, 1993.

Arquidiocese de São Sebas- COSTA, Leila Mayworm.


tião da Cidade do Rio de Janeiro; Pensando a Religiosidade como
Centro Integrado de Evangelismo Garantia de Direitos no Sistema
em Missões; Convenção Batista Socioeducativo: Contribuições
Carioca; GEID – Grupo de Estu- da Assistência Religiosa no
dos Integrais Demétrios; Junta Campo Socioeducativo. DEGASE,
Batista de Missões Nacionais; Setembro/2015.
Igreja Adventista Pentecostal; SIMÕES, Pedro (org.).
Igreja Assembleia de Deus Minis- Comunicações do ISER / Instituto
tério Boa Esperança; Igreja Superior de Estudos da Religião.
Assembleia de Deus Tabernáculo Ano 1. n. 1 (1982). Rio de Janeiro:
da Adoração; Igreja Evangélica ISER, ano 29, n.64, 2010.
Bola de Neve; Igreja Ministério
Religião e Religiosidade
a Videira; Igreja Quadrangular /
no Brasil. In: Para Entender a
Grupo Etos; Igrejas Assembleia
História.... Ano 1. Volume ago.,
de Deus; Igreja Unidade em
Série 29/08, 2010. p. 01-06.
Cristo; Igreja Universal do Reino
de Deus; Igreja Vivendo em
Graça; Pastoral da Juventude da
Igreja Metodista do Brasil; Paró-
quia Nossa Senhora Aparecida.

51
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ATO INFRACIONAL

Rosimere de Souza1

O Estatuto da Criança e do Constituição Federal (Direitos e


Adolescente (ECA, Lei 8069/1990) Garantias Fundamentais), prevê
define o ato infracional como que nenhum adolescente será res-
uma ação praticada por criança ponsabilizado ou privado de sua
ou adolescente, caracterizada na liberdade sem o devido processo
lei como crime ou contravenção legal. Quanto às idades de respon-
penal (Artigo 103). sabilização jurídica, a lei brasileira
Só há ato infracional se aquela define que Criança é toda pessoa
conduta corresponder a uma com até 12 anos de idade incomple-
hipótese legal que determine san- tos, e Adolescente aquela pessoa
ções ao seu autor. Além disso, só com idade entre 12 e 18 anos de
se considera o adolescente como idade (Estatuto da Criança e do
autor de ato infracional quando, Adolescente, Art. 12). Por sua vez,
depois de transitado um processo a Convenção sobre os Direitos da
judicial, se comprova a sua res- Criança (CDC) da ONU, Resolução
ponsabilidade no cometimento 44/25 de 20 de novembro de1989,
do ato. O Estatuto da Criança e ratificada pelo Brasil por meio do
do Adolescente, assim como a Decreto nº 99.710 de 21 de setem-

1 Mestre em Serviço Social pela PUC Rio (1997) e especialista em direitos huma-
nos de crianças e adolescentes. Possui experiência em gestão de organizações da
sociedade civil, programas e projetos sociais e pesquisas com abordagem quan-
titativa e qualitativa em nível nacional, estadual e local, nos temas de assistên-
cia social; defesa de direitos de crianças, adolescentes e mulheres. Trabalhou no
atendimento social em casos de assistência jurídico social de adolescentes infra-
tores e coordenou a pesquisa nacional“Análise da dinâmica dos programas e da
execução dos programas e serviços de atendimento aos adolescentes em cumpri-
mento de medidas socioeducativas em meio aberto - Liberdade Assistida / LA e
Prestação de Serviços à Comunidade / PSC” (IBAM/SDH-PR/CONANDA, 2014).
Compõe o quadro de professores da Escola Nacional de Serviços Urbanos do
IBAM (ENSUR), além de colaborar com a construção de conteúdos dos cursos de
educação à distância, desenvolvidos pela Escola em parceria com a UNIASSELVI,
o IBAM/MDS e outros clientes. Desde 2003, coordena o Programa Gestão Pública
e Direitos Humanos no IBAM.

52
ATO INFRACIONAL
A
bro de 1990, define em seu artigo cida como Lei de Execução das
1º que “Criança é todo ser humano Medidas Socioeducativas2.
menor de 18 anos, salvo se, nos Já é aceito por todos os países
termos da lei que lhe for aplicável, e todas as sociedades, que uma
atingir a maioridade mais cedo”. criança ou adolescente que co-
Vale ressaltar que a legislação bra- mete uma infração penal requer
sileira adota as disposições dos proteção e tratamento especial.
instrumentos internacionais de Isto é um fato reconhecido, em ní-
proteção dos direitos humanos de vel internacional, pela existência
crianças e adolescentes. de instrumentos especificamente
No que diz respeito à impu- elaborados para proteger os direi-
tabilidade e à inimputabilidade tos e interesses do infrator juvenil.
penal do adolescente – , ou seja, a Este conjunto de instrumentos in-
avaliação da capacidade que tem ternacionais integra o Sistema
a pessoa que praticou certo ato Internacional de Justiça Juvenil.
(crime ou contravenção penal) de No Brasil, quando uma
entender o que está fazendo e de Criança comete um ato infracional,
poder determinar se, de acordo aplicam-se as medidas de proteção,
com esse entendimento, será ou definidas no Artigo 101, incisos I
não legalmente punida.Tanto a a VI do Estatuto da Criança e do
Constituição Federal (art. 228), Adolescente. Nesse caso, o órgão
quanto o Estatuto da Criança e do responsável pelo atendimento é o
Adolescente (art. 104) e o Código Conselho Tutelar. Essas medidas
Penal (art. 27) afirmam que o ado- poderão ser aplicadas também
lescente autor de ato infracional é pelo juiz, ao adolescente que come-
inimputável penalmente, ou seja, teu ato infracional, sendo elas:
não tem responsabilidade penal e, • encaminhamento aos pais
por isso, é submetido a uma res- ou responsável, mediante termo
ponsabilização jurídica especial, de responsabilidade;
no caso a Lei Nº 8069/1990 e a Lei • orientação, apoio e acom-
Nº 12.594/ 2012, também conhe- panhamento temporários;
2 A Lei Nº 12.594, de 18 de Janeiro de 2012, institui o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das medidas
socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera
as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de
novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de
1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro
de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei
no 5.452, de 1o de maio de 1943.

53
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

• matrícula e frequência obri- As medidas socioeducativas


gatórias em estabelecimento oficial constituem parte do sistema de
de ensino fundamental; responsabilização jurídica espe-
• inclusão em programa cial, que apresenta perspectivas
comunitário ou oficial de auxílio à diferenciadas do sistema cri-
família, à criança e ao adolescente; minal adulto fundamentado na
• requisição de tratamento ideia de pena, aplicadas aos ado-
médico, psicológico ou psiqui- lescentes sobre os quais se verifi-
átrico, em regime hospitalar ou cou a prática de ato infracional.
ambulatorial; inclusão em pro- Nelas estão presentes dois ele-
grama oficial ou comunitário de mentos que traduzem a sua
auxílio, orientação e tratamento a finalidade: defesa social e inter-
alcoólatras e toxicômanos. venção educativa. Isto significa
Já o ato infracional cometido dizer que, as medidas socioedu-
por Adolescente deve ser apurado cativas possuem uma natureza
pela Delegacia da Criança e do sociopedagógica condicionada à
Adolescente, a quem cabe encami- garantia de direitos fundamen-
nhar o caso ao Promotor de Justiça tais e ao desenvolvimento de
e ao Juiz da Vara de Proteção à ações que visem à formação para
Criança e ao Adolescente - ou a que o exercício da cidadania.
possua atribuição nesta matéria -, Assim, as medidas socioedu-
e poderá ser concedida a remissão cativas podem ser consideradas
(o perdão) ou a aplicação de uma como a resposta dada pelo Estado
das medidas socioeducativas pre- à prática do ato infracional, cuja
vistas no Estatuto da Criança e do finalidade visa favorecer a eman-
Adolescente, Lei 8.069/90. cipação e o protagonismo do
Tais medidas podem ser: adolescente, pessoa em condi-
i. advertência; ção peculiar de desenvolvimento
ii. obrigação de reparar o dano; individual e social conforme reza
iii. prestação de serviços à o artigo 6º do ECA.
comunidade; Isto significa que os agentes
iv. liberdade assistida; envolvidos com o atendimento
v. inserção em regime de socioeducativo precisam, portanto,
semiliberdade; estimular os adolescentes nestas
vi. internação em estabeleci- circunstâncias, ou seja, em cumpri-
mento educacional; mento de medida socioeducativa, a
vii. qualquer uma das previs- organizar um projeto de vida, defi-
tas no art. 101, incisos I a VI. nindo objetivos e metas alcançáveis,
tendo em vista a transformação de

54
ATO INFRACIONAL
A
valores e atitudes, matéria-prima BRASIL. Lei Federal nº
da prática socioeducativa. 8.069/1990. Estatuto da Criança e
do Adolescente. Brasília, 1990.
BRASIL. Lei Federal nº
REFERÊNCIAS 12.594/2012. Lei do SINASE.
Brasília, 2012.
BRASIL. Constituição Federal.
Brasília, 1988. SOUZA, Rosimere de; LIRA,
Vilnia Batista. Caminhos para a
BRASIL. Estatuto da Criança municipalização do atendimento
e do Adolescente. Lei Federal socioeducativo em meio aberto:
nº. 8.069 de 13 de julho de 1990, liberdade assistida e prestação
lei n.8.242, de 12 de outubro de de serviços à comunidade. Rio
1991, e convenção sobre os direi- de Janeiro: IBAM/DES; Brasília:
tos da criança.. Brasília: Câmara SPDCA/SEDH, 2008.
dos Deputados, Coordenação de
Publicações, 2003.

55
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

C
CENSE GELSO DE CARVALHO AMARAL (GCA)

Miguel Ângelo Vilela de Souza1

O Centro de Socioeducação A unidade CENSE GCA foi


Professor Gelso de Carvalho inaugurada em 30 de junho de 2010,
Amaral (CENSE GCA), é configurando atualmente como a
uma unidade administrativa do principal porta de entrada do sis-
Departamento Geral de Ações tema socioeducativo no estado.
Socioeducativas do Rio de Janeiro Assim, a unidade tem o intuito
(NOVO DEGASE) e vinculado à de substituir o antigo Centro de
Secretaria de Estado da Educação. Recepção e Triagem (CTR) fun-
Sua principal atribuição é de aco- dado em 1997, que tinha como
lher todos os adolescentes do sexo objetivo acolher todos os adoles-
masculino que estão em conflito centes apreendidos no estado por
com a lei por motivo de cometi- um período máximo de três dias.
mento de ato infracional e, por isso, Inaugurado em 2002 ao lado do
apreendidos, oriundos de todo o CTR, o Núcleo de Biopsicossocial
estado do Rio Janeiro. Assim aco- Anita Heloisa Mantuano aliou-se
lhidos e atendidos pela equipe, ao CTR no sentido de desenvol-
os adolescentes são encaminha- verem um trabalho voltado para
dos às unidades de acordo com a uma efetiva Socioeducação. Dessa
determinação judicial, sejam elas forma, em junho de 2010, tem-se
medidas protetivas ou medidas um novo conjunto arquitetônico e,
socioeducativas, previstas nos com a associação das duas institui-
artigos 101 e 112 do Estatuto da ções, tem-se uma transformação
Criança e do Adolescente (ECA). deste espaço de acolhimento do
adolescente em conflito com a lei

1 Licenciatura Estatística e processamento de dados. Pós Graduação em


Engenharia Economica e organização Industrial (CPUERJ) Diretor Cense GCA.

56
CENSE GELSO DE CARVALHO AMARAL (GCA)

que vai ao encontro das principais implica uma diversidade absoluta


normativas legais para a garan- de idades e de atos infracionais, C
tia dos direitos da infância e da necessitando de uma equipe mul-
juventude brasileira (para as quais tiprofissional e integrada na dire-
ressaltamos o ECA e o Sistema ção de seu trabalho.
Nacional Socioeducativo). Assim, Com o principal objetivo
tem-se “uma Unidade efetiva- de “promover uma Intervenção
mente voltada para a socioeduca- Social, através das ações socioe-
ção. Um local onde os profissionais ducativas [...] contribuindo para a
têm condições efetivas de trabalho, construção de sua identidade, de
o que alavanca em muito o acolhi- modo a favorecer a elaboração de
mento e o atendimento dos diver- um projeto de vida” (CENSE GCA,
sos adolescente e seus familiares”. 2015, p. 13), a unidade conta com
(CENSE GCA, 2015, p. 8). duas principais frentes de traba-
Atualmente, o CENSE lho para realiza-lo: o acolhimento
GCA está localizado na Ilha do e o atendimento do adolescente
Governador, na capital do estado, apreendido e o acolhimento e o
e continua a receber a maior parte atendimento de seus familiares.
dos adolescentes apreendidos Assim, todos os adolescen-
em todo o estado. Com a inau- tes que chegam ao CENSE GCA
guração do CENSE Professora devem ser encaminhados para o
Marlene Henrique Alves, locali- atendimento individual no núcleo
zado em Campos dos Goytacazes, biopsicossocial, que hoje não é
e do CENSE Irmã Assunción de um anexo da unidade, mas, sim,
La Gándara Ustará, localizado faz parte dela, sendo atendidos
em Volta Redonda, os adolescen- pela equipe técnica do Serviço
tes em conflito com a lei apreen- Social ou da Psicologia, além dos
didos na região Norte e Noroeste atendimentos com as equipes
Fluminense bem como na Costa de enfermagem, médica, odon-
Verde estão sendo devidamente tológica e psiquiátrica, quando
encaminhados a estas unidades. necessário. O acolhimento e o
Assim, ressaltamos que o CENSE atendimento têm se demonstrado
GCA recebe e acolhe, além dos muito importante por se tratar do
adolescentes apreendidos na capi- primeiro atendimento do adoles-
tal, também aqueles oriundos da cente no sistema socioeducativo,
Baixada Fluminense, da região sendo um espaço para acolher
Metropolitana, da região Serrana suas demandas, refletir sobre seus
e da região litorânea. Com uma projetos de vida e discutir direções
área de abrangência grande, sobre a situação jurídica.

57
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Outro importante trabalho um espaço para encaminhamentos


desenvolvido pela unidade está dessas famílias e reflexões.
no acolhimento e no atendimento Dessa forma, o CENSE GCA,
familiar, que é realizado na uni- pautado na Doutrina de Proteção
dade de segunda a sexta-feira e Integral e nas normativas refe-
aberto à demanda espontânea, não rentes à infância e à juventude
sendo necessário marcar o atendi- brasileira, direciona-se eticamente
mento com a equipe. Este trabalho de forma a garantir a viabilização
visa a reconhecer o adolescente em de sua missão, que é recepcionar e
conflito com a lei como um sujeito acolher os jovens apreendidos em
de direitos e, assim, garantir que razão de cometimento de ato infra-
sua família receba todas as orien- cional e suas respectivas famílias,
tações necessárias sobre a situação executando, garantindo e intro-
jurídica do adolescente e também duzindo as ações socioeducativas
promover um breve encontro precípuas ao Sistema de Garantia
com seus familiares. É pertinente de Direitos, desde o acolhimento
ressaltar que, muitas vezes, é na até o desligamento do CENSE
unidade em que ocorre o primeiro GCA, através dos múltiplos aten-
contato da família com o adoles- dimentos em consonância com
cente desde a sua apreensão, sendo as legislações pertinentes e com o
importante desenvolver um espaço Sistema Nacional de Atendimento
de orientações a respeito dos enca- Socioeducativo (SINASE), promo-
minhamentos que serão tomados vendo a inserção/reinserção destes
da situação de cada adolescente e jovens no novo paradigma da
a escuta da família para receber as Socioeducação e da Doutrina da
suas demandas. Com uma concep- Proteção Integral, alinhando-se,
ção de família pautada no Plano assim, às concepções, aos objetivos
Nacional de Promoção, Proteção e às metas estabelecidas no Plano
e Defesa do Direito de Crianças de Atendimento Socioeducativo
e Adolescentes à Convivência do Estado do Rio de Janeiro
Familiar e Comunitária (BRASIL, (PASE) e com o Projeto Pedagógico
2006), o acolhimento familiar é Institucional (PPI) do DEGASE –
realizado primando pelos reais RJ (CENSE GCA, 2015, p. 12).
laços afetivos dos adolescentes. É
interessante ressaltar que o aten-
dimento familiar também inclui REFERÊNCIAS
situações de adolescentes liberados
ou em medidas socioeducativas BRASIL. Lei 8.069 de
em meio aberto, sendo também 13 de julho de 1990: Dispõe

58
CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS)

sobre o Estatuto da Criança do Direito de Crianças e


e do Adolescente e dá outras Adolescentes à Convivência C
providências. Familiar e Comunitária. Brasília:
CONANDA, 2006.
______. Lei 12.594 de 18
de janeiro de 2012: Institui o CENSE GCA. Projeto Político
Sistema Nacional de Atendimento Pedagógico do Centro de
Sócioeducativo. Socioeducação Professor Gelso
de Carvalho Amaral. Rio de
______. Plano Nacional de
Janeiro: NOVO DEGASE, 2015.
Promoção, Proteção e Defesa

CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL


(CRAS)

Viviane Pereira da Silva1

A maturação da assistência ocorreu de forma tardia, embora


social enquanto política pública grande parte dos autores desta-
alcança somente cinco anos após que que na área “a intervenção
a promulgação da Constituição do Estado brasileiro institucional-
Federal de 1988, na Lei Orgânica mente organizado data da década
da Assistência Social – LOAS2 – o de 1940 com a criação da LBA”
ponto mais alto no que se refere (BOSCHETTI 2003:42).
a sua regulamentação e orga- Nas últimas décadas, as for-
nização no marco dos anos 90. mulações teóricas referentes à
As leituras e análises realizadas política pública de assistência
sobre a temática nos permitem social têm se adensado progres-
afirmar que a conformação desta sivamente. No debate, estão pre-
política no campo dos direitos sentes referências fundamentais

1 Doutoranda e Mestre pelo Programa de Estudos de Pós-Graduados em Política


Social da Universidade Federal Fluminense – UFF. Especialista em Gestão
Pública pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Graduada em Serviço
Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Gerente do Centro de
Capacitação da Política de Assistência Social da SMDS/RJ.
2 Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, alterada pela LEi 12.435/11.

59
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

e os desafios implicados ao pano- Nesse cenário, uma nova


rama vigente, produto de um nomenclatura assume centralidade
cenário que ao se democratizar se no âmbito da política de assistên-
transforma, desencadeando novos cia social o – CRAS – que se traduz
conhecimentos, ressignificando as numa base física de sustentação
práticas profissionais. A assistên- do SUAS, “unidade pública que
cia social passou por um processo concretiza o direito socioassisten-
de “metamorfose”, ainda incon- cial quanto à garantia de acessos a
cluso, marcado pela mudança de serviços de proteção social básica
diferentes paradigmas. com matricialidade sociofamiliar e
Nesta moldura, o Sistema ênfase no território de referência”
Único de Assistência Social (SUAS), (BRASIL, 2006:11). Nos últimos
instituído pela Resolução nº 130
­ anos, houve uma significativa
de 15 de julho de 2005 do Conse- ampliação do número de CRAS,
lho Nacional de Assistência Social inaugurando uma nova identidade
(CNAS), é um sistema descentrali- para a assistência social brasileira,
zado e participativo que disciplina a partir da lógica preventiva. Os
a gestão da política de assistência dados do Censo SUAS3 2015 sinali-
social no território brasileiro, de- zam que em 2007 havia 4195 CRAS
finindo os parâmetros para a pro- no território brasileiro, ao passo
teção social não contributiva por que em 2015 o quantitativo passou
intermédio da gestão comparti- para 8155. Este aumento considerá-
lhada e cooperação técnica entre os vel nos remete ao entendimento de
entes federativos. As ações do Sis- que a implantação dos serviços de
tema estão estruturadas em duas proteção social básica vem adqui-
modalidades: Proteção Social Bá- rindo novos contornos. De acordo
sica e Proteção Social Especial de com o levantamento supracitado,
Média e Alta complexidade. Nessa 49,1% dos CRAS estão localizadas
perspectiva, a implementação do nos municípios de Pequeno I4. A
SUAS é operacionalizada mediante região sudeste concentra o maior
a instalação de unidades que atuam quantitativo de unidades, aproxi-
de forma territorial corporificando madamente, 34,4%. Minas Gerais
a presença do Estado no território. é o estado que possui o maior

3 Monitoramento, realizado desde 2007, consiste na unificação de duas impor-


tantes ferramentas do processo de Monitoramento do SUAS, os Censos CRAS
e CREAS, possibilitando a produção de dados sobre a realidade, sendo funda-
mentais para a qualidade dos serviços socioassistenciais, da gestão e do controle
social da política de assistência social.
4 Municípios com população de até 20.000 habitantes.

60
CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS)

quantitativo de CRAS, cerca de benefícios assistenciais; famílias


1.132 unidades. O estado do Rio que atendem os critérios de ele- C
de Janeiro, por sua vez, conta na gibilidade a tais programas ou
sua estrutura com 450 CRAS. No benefícios, mas que ainda não
foram contempladas; famílias em
tocante às formas de acesso dos
situação de vulnerabilidade em
usuários, a maioria, 50,9 % chega decorrência de dificuldades vi­
ao CRAS por demanda espontânea venciadas por algum de seus
e 23,1% por busca ativa (BRASIL/ membros; pessoas com defici-
MDS, Censo SUAS 2015). ência e/ou pessoas idosas que
Do ponto de vista objetivo, a vivenciam situações de vulnera-
intervenção do CRAS aponta para bilidade e risco social
a prevenção da ocorrência de situ- (BRASIL, 2009, p.11)
ações de vulnerabilidades e ris-
cos sociais através de três linhas A rigor, é no âmbito dos
interventivas: desenvolvimento de CRAS que a proteção social se
potencialidades e aquisições; for- territorializa, aproximando-se da
talecimento de vínculos familia- população. O CRAS assume dois
res e comunitários; e ampliação do grandes pilares do SUAS: a matri-
acesso aos direitos de cidadania cialidade sociofamiliar e a territo-
(BRASIL/MDS, 2009). Com relação rialização. A Política Nacional de
às funções destas unidades, pode- Assistência Social (PNAS/2004)
mos sumariá-las em dois eixos com- requisita um movimento de apro-
plementares e interdependentes: a) ximação com o cotidiano das fa-
gestão territorial da Proteção Social mílias e indivíduos, e considera
Básica, b) oferta de serviços socio- que riscos e vulnerabilidades
assistenciais, dentre eles o Serviço são gestados diariamente. Desse
de Proteção e Atendimento Integral modo, a definição de estratégias
à Família – PAIF. No tocante ao interventivas nos territórios su-
último, é importante destacar que põe a organização da oferta de
deve ser ofertado exclusivamente acordo com as demandas susci-
no CRAS. Desse modo, o funcio- tadas em âmbito local. Deve-se
namento da unidade está condicio- “[...] valorizar e fortalecer capa-
nado, necessariamente, à oferta do cidades e potencialidades das fa-
serviço em questão. Dentre as famí- mílias; acreditar na capacidade
lias que constituem o público alvo da família e trabalhar com vul-
do PAIF podemos citar: nerabilidades, riscos e potenciali-
dades”. (BRASIL 2005, p.17).
Famílias beneficiárias de progra- O referenciamento5 das famí-
mas de transferência de renda e lias aos CRAS ocorre de forma

61
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

territorializada e denota múltiplos CRAS em território referenciado


desafios, principalmente porque por até 5.000 famílias - capacidade
o atendimento/acompanhamento de atendimento: até 1.000 famílias/
familiar requer a valorização das ano (BRASIL,2005).
heterogeneidades e vicissitudes Compreendemos que, se por
dos distintos grupos familiares. A um lado, no circuito da proteção
preservação da identidade e sin- social básica as marcas de rees-
gularidade; o respeito da história truturação são nítidas, cabendo
de vida; a possibilidade de ava- destaque a expansão das unidades
liação do serviço prestado, dentre públicas, conforme men­ cionado
outros, constituem direitos dos anteriormente, e a organização
usuários dos CRAS. Mais substan- dos serviços direcionada pela
tivamente, é oportuno salientar o Tipificação Nacional dos Serviços
fato de que o CRAS deve oportu- Socioassistenciais, por outro lado,
nizar a democratização do acesso são expressas distorções na com-
aos direitos socioassistenciais. preensão acerca do papel dos
Avançar nesse processo requer CRAS. É inconteste a necessi-
novas estratégias de intervenção dade de adoção de mecanismos
que fomentem, sobretudo, o pro- que fomentem o fortalecimento da
tagonismo e a participação dos identidade dos CRAS, enquanto
usuários nestas unidades. “portas de entrada” para o SUAS.
Deve-se salientar ainda, que Posta a dinâmica sinalizada, é
a capacidade de atendimento do imprescindível a desconstrução do
CRAS é definida a partir da conju- rótulo do CRAS, enquanto unidade
gação de elementos como: porte do que apenas é responsável pela ope-
município e número de famílias racionalização de benefícios de
em situação de vulnerabilidade transferência de renda, ou seja, do
social, em conformidade com a local responsável pelo “cadastro do
NOB-SUAS/2005, estruturada da Programa Bolsa Família”.
seguinte forma: CRAS em terri- Relativamente permanece o
tório referenciado por até 2.500 desafio de repensar as formas de
famílias - capacidade de atendi- intervenção no CRAS como um
mento: até 500 famílias/ano; CRAS todo, articulando o PAIF com as
em território referenciado por até demais ações, a partir de metodo-
3.500 famílias - capacidade de logias de trabalho que garantam
atendimento: até 750 famílias/ano; a permanência dos usuários nos

5 O conceito de “família referenciada” se refere à unidade de medida de famílias


que vivem em territórios vulneráveis e são elegíveis ao atendimento ofertado no
CRAS instalado nessas localidades.

62
CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS)

serviços. Associado a este desafio, _______.Ministério do Desen-


é importante sublinhar a neces- volvimento Social e Combate C
sidade de avançarmos no debate a Fome. Conselho Nacional de
sobre a referência e contrarrefe- Assistência Social. Resolução nº
rência no campo da assistência 130, de 15 de julho de 2005. Norma
social, uma vez que é indispensá- Operacional Básica do Sistema
vel a integração entre os níveis de Único de Assistência Social –
proteção social do SUAS. Nesse NOB SUAS. Brasília, 2005.
sentido, a atuação do CRAS deve
_______.Ministério do Desen-
estar conectada com as demais
volvimento Social e Combate a
unidades que constituem a rede
Fome. Conselho Nacional de Assis-
sociossistencial no território, uma
tência Social. Resolução nº 109, de
vez que o seu papel não limita aos
11 de novembro de 2009. Aprova a
muros da unidade.
Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais. Brasília, 2009.

REFERÊNCIAS _______.Ministério do Desen-


volvimento Social e Combate à
BOSCHETTI, Ivanete. Assis- Fome. Secretaria Nacional de
tência Social no Brasil: um direito Assistência Social (SNAS). Pro-
entre originalidade e conservado- teção Básica do Sistema Único
rismo. 2ª ed. Brasília: UNB, 2003. de Assistência Social. Orienta-
ções técnicas para o Centro de
BRASIL. Presidência da Repú- Referência de Assistência Social
blica. Lei Orgânica da Assistência (CRAS). Brasília, 2006.
Social. Lei nº. 8.742, de 7 de dezem-
bro de 1993. _______. Censo SUAS 2015 –
Resultados Nacionais, Centros de
_______.Ministério do Desen- Referência da Assistência Social,
volvimento Social e Combate a CRAS. Brasília, Coordenação Geral
Fome. Conselho Nacional de Assis- de Vigilância Socioassistencial.
tência Social. Resolução nº 145, de Secretaria Nacional de Assis­
15 de outubro de 2004. Política tência Social. Ministério do
Nacional de Assistência Social – Desenvolvimento Social e Combate
PNAS. Brasília, 2004. à Fome. Abril de 2015. (Mimeo)

63
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DA


ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

O CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA


SOCIAL E CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
LIBERDADE ASSISTIDA (LA), E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
À COMUNIDADE (PSC) NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Diana Delgado1

O presente verbete tem como dos dados referentes ao cofinan-


objetivo apresentar, por meio ciamento e papel dos entes fede-
das atuais legislações, o papel rados nesta importante ação que
da política de Assistência Social deve ser pensada de forma mais
no Sistema de Garantia de Direi- abrangente quando relacionada
tos, especificamente do Cen- aos demais atores e instituições
tro de Referência Especializado do Sistema Socioeducativo.
da Assistência Social (CREAS) A Lei no 8.742, de 7 de dezem-
como equipamento que oferta em bro de 1993, que dispõe sobre a
âmbito municipal do Serviço de organização da Assistência Social,
Proteção Social a Adolescentes em foi alterada pela Lei nº12.435 de 6
Cumprimento de Medida Socioe- de julho de 2011. Segundo a nova
ducativa de Liber­ dade Assistida legislação no artigo 6ª, II, a prote-
(LA), e de Prestação de Serviços ção social especial é formada por
à Comunidade (PSC). A aborda- um “conjunto de serviços, pro-
gem privilegia as possibilidades gramas e projetos que tem por
de monitoramento do serviço objetivo contribuir para a recons-
por meio dos diversos sistemas trução de vínculos familiares e
do governo federal. Acrescenta- comunitários, a defesa de direito,
mos a esta reflexão a atualização o fortalecimento das potenciali-

1 Analista Executivo. Assistente Social. Superintendente de Gestão do SUAS


– Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos SEASDH.
Mestranda em Política Social – Universidade Federal Fluminense – UFF.

64
CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

dades e aquisições e a proteção • Serviço de Acolhi­ mento


de famílias e indivíduos para o Institucional, nas seguintes moda- C
enfrentamento das situações de ­lidades:
violação de direitos”. – Abrigo institucional;
Para alcançar este desafio, – Casa-Lar;
a Proteção Social tem seus ser- – Casa de Passagem;
viços organizados por nível de – Residência Inclusiva.
complexidade, sendo chamada • Serviço de Acolhimento
média ou alta complexidade de em República;
acordo com o nível de distancia- • Serviço de Acolhimento
mento dos vínculos familiares e em Família Acolhedora;
comunitários do indivíduo. Na • Serviço de Proteção em
Resolução CNAS nº 109, de 11 de Situações de Calamidades Públicas
novembro de 2009, mais conhe- e de Emergências.
cida como Tipificação Nacional O público da Proteção Social
de Serviços Socioassistenciais, Especial (PSE) se caracteriza prin-
são relacionados os seguintes cipalmente a partir das diversas
serviços relacionados à Proteção violações de Direitos como, por
Social Especial: exemplo, violência física, psico-
lógica, negligência, abandono,
violência sexual (abuso e explo-
• Serviço de Proteção e Aten-
ração), situação de rua, trabalho
dimento Especializado a Famílias
infantil, práticas de ato infracio-
e Indivíduos (PAEFI);
nal, fragilização ou rompimento de
• Serviço Especializado em
vínculos, afastamento do convívio
Abordagem Social;
familiar, dentre outras.
• Serviço de Proteção Social a
Os serviços da Proteção Social
Adolescentes em Cumprimento de
Especial de Média Complexidade
Medida Socioeducativa de Liber-
são executados no Centro de re­fe-
dade Assistida (LA), e de Prestação
rência Especializado da Assis­tência
de Serviços à Comunidade(PSC);
Social-CREAS, ainda de acordo
• Serviço de Proteção Social
com a lei nº 12.435 o CREAS é:
Especial para Pessoas com Defici­
ência, Idosas e suas Famílias;
• Serviço Especializado para a unidade pública de abrangên-
Pessoas em Situação de Rua. cia e gestão municipal, estadual
ou regional, destinada à pres-
tação de serviços a indivíduos
Sendo os serviços de alta com- e famílias que se encontram
plexidade os seguintes: em situação de risco pessoal ou
social, por violação de direitos

65
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ou contingência, que demandam possibilidade de CREAS Regional


intervenções especializadas da que, devido as distâncias territo-
proteção social especial. riais entre os municípios, inviabi-
lizaria o atendimento à população
No estado do Rio de Janeiro, usuária, dependendo do território
dos 92 (noventa e dois) municípios, de vivência.
87 (oitenta e sete) possuem o equi- A implantação do CREAS
pamento CREAS, totalizando 116 obedece alguns critérios míni-
equipamentos em todo o estado. O mos que variam de acordo com o
que vem sendo debatido e pactu- porte do município, conforme sin-
ado entre os gestores municipais e tetizado no quadro abaixo, o qual
o ente estadual é a necessidade de também serve de referência para
pelo menos 1 (um) equipamento o cofinanciamento dos três entes
em cada município2, rejeitando a governamentais.

PARÂMETROS CAPACIDADE DE
PORTE DO NÚMERO DE
MUNICÍPIO HABITANTES
DE ATENDIMENTO/ EQUIPE MÍNIMA3
REFERÊNCIA ACOMPANHAMENTO
Cobertura de
atendimento em 1 Coordenador
CREAS Regional; 1 Assistente Social
Pequeno ou Implantação 1 Psicólogo
Até 20.000
Porte I de CREAS Mu- 1 Advogado
nicipal, quando 50 casos (famílias/ 2 Profissionais de
a demanda local indivíduos) nível superior ou
justificar médio (abordagem
Pequeno De 20.001 a dos usuários)
Porte II 50.000 Implantação de 1 Auxiliar
pelo menos 01 administrativo
De 50.001 a CREAS.
Médio Porte
100.000
1 Coordenador
2 Assistentes
Sociais
2 Psicólogos
Implantação de
Grande Porte, A partir de 1 Advogado
01 CREAS a 80 casos (famílias/
Metrópoles 100.001. 4 Profissionais de
cada 200.000 indivíduos)
e DF. nível superior ou
habitantes
médio (abordagem
dos usuários)
2 Auxiliares
Administrativos

2 Decreto nº 41.541 de 11 de Novembro de 2008 aprova as diretrizes da Política


Estadual de Assistência Social na implementação do Sistema Único de Assistência
Social - SUAS no Estado do Rio de janeiro.
3 De acordo com a Norma Operacional Básica – Recursos Humanos/SUAS (2006)
e a Resolução do CNAS, nº 17/2011.

66
CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

O CREAS tem suas fun- • Acompanhamento das Fa­


ções bastante claras no Sistema mílias do PETI4 e do PFB, em especial C
de Proteção Social, segundo o daquelas em Situação de Descum-
caderno de orientações técnicas do primento de Condicionalidades
Governo Federal cabe ao CREAS a: por motivos relacionados a situa-
ções de risco pessoal e social, por
violação de direitos;
• Oferta e referenciamento
• Acompanhamentos das
de serviço (s) especializado (s), con-
famílias do BPC5, quando em situ-
forme definição do órgão gestor;
ação de risco pessoal e social, por
• Fornecimento de subsídios
violação de direitos, e articulação
e informações ao órgão gestor que
com o INSS para fins de concessão,
contribuam para:
quando for o caso;
• – Elaboração do Plano
• Alimentação periódica do
Municipal de Assistência Social;
SICON com registro do acompa-
• – Planejamento, monitora-
nhamento familiar efetivado;
mento e avaliação da Unidade e dos
• Encaminhamento ao órgão
serviços ofertados pelo CREAS;
gestor de demandas relativas a
• – Organização e avalia-
recursos para o desenvolvimento
ção dos serviços referenciados
dos serviços, melhoria e adequa-
aos CREAS;
ção da infraestrutura da Unidade,
• – Planejamento de medidas
capacitação da equipe, assessora-
voltadas à qualificação da Unidade
mento e suporte técnico ao CREAS
e da atenção ofertada no âmbito
e, quando couber, das necessida-
dos serviços do CREAS;
des de ampliação dos recursos
• Relacionamento cotidiano
humanos, em função das deman-
com Unidades referenciadas para
das do território.
acompanhamento dos casos, con-
• Monitoramento da utilização
forme fluxos de encaminhamento
de materiais, comunicando deman-
e processos de trabalho previa-
das de reposição ao órgão gestor.
mente definidos;
• Participação na constru-
• Organização de espaços
ção de fluxos de articulação com
e oportunidades para troca de
a rede socioassistencial e com
informações, discussão de casos e
as demais políticas e órgãos de
acompanhamento dos encaminha-
defesa de direitos.
mentos realizados às Unidades
• Desenvolvimento de
referenciadas;
trabalho em rede na atenção

4 Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.


5 Beneficio de Prestação Continuada.

67
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

cotidiana, por meio da articula- • Elaboração e encaminha-


ção com a rede socioassistencial, mentos ao órgão gestor de relatórios
outras políticas e órgãos de defesa sobre trabalhos realizados, com
de direitos, conforme fluxos pac- dados de vigilância socioassisten-
tuados, quando for o caso; cial e dados sobre atendimentos/
• Gestão dos processos de acompanhamentos.
trabalho, incluindo:
• – Coordenação técnica e
Um dos serviços que deve ser
administrativa da Unidade;
executado pelo CREAS é o Serviço
• – Coordenação direta da
de Proteção Social a Adolescente
execução dos serviços ofertados;
em Cumprimento de Medida
• – Coordenação da equipe
Socioeducativa de Liberdade
da Unidade;
Assistida (LA), e de Prestação de
• – Organização e gestão dos
Serviços à Comunidade (PSC).
registros de informações, dos pro-
Destaca-se que o Serviço deve
cessos e fluxos internos de trabalho;
fazer parte do Programa Municipal
• – Organização e coorde-
de Atendimento das Medidas
nação dos processos de trabalho
Socioeducativas em Meio Aberto,
em rede para a atenção cotidiana,
integrado pelas Políticas Setoriais.
conforme fluxos previamente defi-
Segundo a Tipificação Nacional
nidos, quando for o caso;
(2009):
• – Organização de momen-
tos de reflexão, discussão de caso e
integração em equipe; o serviço tem por finalidade pro-
• – Participação como re- ver atenção socioassistencial e
presentante, da Assistência So- acompanhamento a adolescen-
cial, em Comissões, Fóruns, etc, tes e jovens em cumprimento
de medidas socioeducativas
quando for o caso.
em meio aberto, determinadas
• – Participação em campa- judicialmente. Deve contribuir
nhas de prevenção e enfrentamento para o acesso a direitos e para
a situações de violação de direitos; a ressignificação de valores na
• Encaminhamento ao vida pessoal e social dos ado-
órgão gestor, pelo coordenador da lescentes e jovens. Para a oferta
Unidade, das informações solicita- do serviço faz-se necessário a
das no Censo SUAS/CREAS; observância da responsabili-
• Registro de informa- zação face ao ato infracional
ções relativas a atendimento/ praticado, cujos direitos e obri-
gações devem ser assegurados
acompanhamento;
de acordo com as legislações e
normativas específicas para o

68
CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

cumprimento da medida. Na sua O monitoramento do Serviço


operacionalização é necessário a de MSE é fundamental para enten- C
elaboração do Plano Individual dermos algumas situações como,
de Atendimento - PIA com a por exemplo, o perfil6 dos adoles-
participação do adolescente e
centes que hoje cumprem MSE.
da família, devendo conter os
objetivos e metas a serem alcan-
Pode se afirmar que vivem, em sua
çados durante o cumprimento maioria, em situação de vulnerabi-
da medida, perspectivas de vida lidade social e risco pessoal.
futura, dentre outros aspectos • 94,23% das unidades exe-
a serem acrescidos, de acordo cutoras de medidas em meio
com as necessidades e interes- aberto haviam recebido adolescen-
ses do adolescente. O acompa- tes com dependência de álcool e
nhamento social ao adolescente substâncias psicoativas;
deve ser realizado de forma • 51,22% das unidades execu-
sistemática, com frequência
toras de medidas em meio aberto
mínima semanal que garanta
o acompanhamento contínuo e
haviam recebido adolescentes com
possibilite o desenvolvimento deficiência física e/ou mobilidade
do PIA. No acompanhamento da reduzida;
medida de Prestação de Serviços • 40,76% das unidades execu-
à Comunidade o serviço deverá toras de medidas em meio aberto
identificar no município os locais haviam recebido adolescentes com
para a prestação de serviços, a transtorno mental;
exemplo de: entidades sociais, • A discriminação é a prin-
programas comunitários, hos- cipal causa dos problemas de
pitais, escolas e outros serviços
escolarização;
governamentais. A prestação
dos serviços deverá se configu-
rar em tarefas gratuitas e de inte- O monitoramento também
resse geral, com jornada máxima pode ser feito por meio do Sistema
de oito horas semanais, sem pre- Nacional de Informações do SUAS
juízo da escola ou do trabalho,
– Rede SUAS:
no caso de adolescentes maiores
de 16 anos ou na condição de • CADSuas: Conferência
aprendiz a partir dos 14 anos. A mensal da implantação e funcio-
inserção do adolescente em qual- namento dos CREAS;
quer dessas alternativas deve ser • Módulo de acompanha-
compatível com suas aptidões e mento dos Estados/ Monitora-
favorecedora de seu desenvolvi- mento da Implantação do SUAS:
mento pessoal e social.

6 Fonte: Pesquisa CONANDA/SDH/IBAM – Execução Medidas Socioeducativas


Meio Aberto LA e PSC nas capitais e no DF- Ano de 2012.

69
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

acompanhamento da oferta do A Resolução CIT nº 4, de 24


Serviço de MSE de maio de 2011, instituiu parâ-
• Censo SUAS; metros nacionais para o registro
• Registro Mensal de das informações relativas aos ser-
Atendimento /CREAS (RMA 1): viços ofertados nos Centros de
Quantificação sistemática do Referência da Assistência Social
número de adolescentes atendidos – CRAS nos Centros de Referên-
nos CREAS em cumprimento de cia Especializados da Assistência
medidas de LA e PSC; Social – CREAS mais conhecido
• Registro Mensal de Aten- como RMA7 – Registro Mensal
dimento /CREAS (RMA 2): Regis- de Atendimento é um importante
tro Individualizado das Famílias instrumento de acompanhamento
– Identificação do NIS do Adoles- do Serviço de Proteção Social a
cente em Cumprimento de MSE; Adolescente em Cumprimento de
• SISC – Identificação dos Medida Socioeducativa de Liber-
adolescentes incluídos no SCFV dade Assistida (LA), e de Prestação
em cumprimento de medidas de de Serviços à Comunidade (PSC).
LA e PSC; Alguns dados coletados no sistema
• CadÚnico: Identificação do RMA-2015/2016 são apresentados
Adolescente (NIS) e Diagnóstico a seguir para exemplificação da
das Famílias. potencialidade deste sistema de
monitoramento.

Gráfico 1- Quantidade de Centros de referência Especializados da


Assistência Social no estado do Rio de Janeiro

7 http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/atendimento

70
CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS)

Gráfico 2 – Quantidade de adolescentes em cumprimento de Medida


Socioeducativas nos CREAS do estado do Rio de Janeiro C

Gráfico 3 – Gênero dos adolescentes em cumprimento de Medidas


Socioeducativas nos CREAS do estado do Rio de Janeiro

Os dados apresentados ante- lecimento de elegibilidade dos


riormente são exemplificativos e municípios e respectivos valores
pretendem incentivar os opera- de financiamento os atendimentos
dores deste serviço a utilizar os registrados no RMA em 2013.
sistemas de monitoramento já cita- Segundo a resolução CNAS
dos, a fim de que o planejamento nº 18 de 5 de junho de 2014 8
e as estratégias da política de foram elegíveis os municípios
Assistência Social sejam eficazes que possuiam:
em sua intervenção. O ente federal
já os utiliza, exemplo é a proposta I. Centro de Referência de
de cofinanciamento em 2014, a Assistência Social – CRAS
qual teve como fonte de estabe- com cofinanciamento fede-

8 Dispõe sobre expansão e qualificação do Serviço de Proteção Social aos


Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de
Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade no exercício de 2014.

71
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ral e implantado; II. Centro de na Lei 12.594, de 18 de janeiro


Referência Especializado de de 2012, que instituiu o SINASE,
Assistência Social - CREAS é preciso que o serviço passe a
com cofinanciamento fede- ser executado e avaliado como
ral, implantado ou em fase de
responsabilidade de todas as polí-
implantação; III. média mensal
de atendimento igual ou maior
ticas setoriais envolvidas.
que 10 (dez) adolescentes infor-
mados no Registro Mensal de
Atendimento – RMA no ano de REFERÊNCIAS
2013 para a expansão da oferta
do cofinanciamento. (Art 7º) BRASIL. Resolução nº 269, de
13 de dezembro de 2006. Conselho
Os recursos financiados pelo Nacional de Assistência Social.
MDS tem como referência capaci- Norma Operacional Básica de
dade de 6.880 acompanhamentos Recursos Humanos do Sistema
em 2014 nos 47 municípios cofinan- Único de Assistência Social.
ciados. Tradicionalmente o estado Brasília, 2006.
do Rio de Janeiro cofinancia em BRASIL. Resolução nº 109, de
30% o valor repassado pela União, 11 de novembro de 2009. Conselho
cumprindo a função estabelecida Nacional de Assistência Social.
na Norma Operacional Básica do Tipificação Nacional de Serviços
SUAS 2012, que reafirma o papel Socioassistenciais. Brasília, 2009.
dos entes na condução da política
de Assistência Social. BRASIL. Resolução Comissão
É importante que todos os Intergestores Tripartite nº 4, de
atores do Sistema de Garantia 24 de maio de 2011. Institui parâ-
de direitos estejam atentos para metros nacionais para o registro
uma discussão mais ampla que das informações relativas aos ser-
é a qualificação deste serviço nos viços ofertados nos Centros de
CREAS. Hoje, o Estado do Rio Referência da Assistência Social
de Janeiro possui 116 CREAS ati- - CRAS e Centros de Referência
vos no CadSUAS e todos devem Especializados da Assistência
estar aptos a executar o serviço de Social - CREAS. Brasília, 2011.
medidas socioeducativas em meio BRASIL. Lei Federal nº 8.069,
aberto, em 84 municípios. de 13 de julho de 1990. Estatuto da
Considerando que o ser- Criança e do Adolescente.
viço deve fazer parte do Plano
BRASIL. Lei Orgânica da
Municipal de Atendimento Socio­
Assistência Social (LOAS). Lei nº
educativo, conforme definido

72
CONFLITO

8.742, de 7 de dezembro de 1993.. Ministério do Desenvolvimento


Brasília, 1993. Social e Combate à Fome. Secre- C
taria Nacional de Assistência
BRASIL. LEI nº 12.435/ 2011, de
Social.. Brasília, 2011.
6 de Julho de 2011. Altera a Lei no
8.742, de 7 de dezembro de 1993, BRASIL. Plano Nacional de
que dispõe sobre a organização da Atendimento Socioeducativo
Assistência Social. estabelece metas e diretri-
zes para a execução das MSE.
BRASIL. Orientações Técni-
Resolução do CONANDA nº
cas: Centro de Referência Espe-
160/2013. Publicado em 2013.
cializado de Assistência Social.

CONFLITO

Flávia Fróis Gallo1


Glória Mosquéra2

É um processo no qual duas ou vivo tornam possível o surgimento


mais pessoas divergem em razão de mudanças e resultados produ-
de metas e interesses percebidos tivos a partir de uma convivência
como mutuamente incompatíveis. conflituosa. Ele deve ser conside-
Tende-se a considerar o conflito rado como uma oportunidade de
como um fenômeno negativo, transformação (GOMMA, 2010).
entretanto, atualmente sabe- O conceito de conflito sofreu
-se que sua administração de diversas alterações ao longo do
forma construtiva e a percepção tempo. Nicolau Maquiavel (1469-
do mesmo como um fenômeno 1527) inaugura a história da
natural na relação de qualquer ser sociologia ressaltando que o con-

1 Psicóloga Clínica; Especialista em Psicologia Jurídica UERJ; Pós Graduada em


Práticas Colaborativas; Mediadora Sênior/Supervisora do TJRJ; Coordenadora
do Núcleo de Mediação da SEAP, Coordenadora da Docência da Comissão de
Mediação da OAB-RJ, Psicóloga na SEAP. flaviafgallo@gmail.com
2 Psicóloga, terapeuta de família, mediadora, idealizadora, ex-coordenadora e do-
cente da Pós-graduação em Mediação, na Faculdade Cândido Mendes; Instrutora
de Mediação do TJRJ - CNJ, Supervisora de Mediadores do TJRJ, Mediadora
Sênior do TJRJ,Coordenadora da Mediação do TED- Comissão de Mediação da
OAB. Docente e Supervisora do Mediare. RJ. gloriamdmosquera@gmail.com

73
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

flito nada mais é do que “uma luta A comunicação, quando é


pelo poder”; já Thomas Hobbes aberta e honesta e com informações
(1588-1679) considera que o con- relevantes entre os participan-
flito é uma luta pela sobrevivência; tes, direciona o conflito para uma
e com Georg Wilhelm Friedrich transformação construtiva. Já os
Hegel (1770-1831) aprendemos que ruídos na comunicação, caracteri-
o conflito também poderá ser uma zados pela escassez ou excesso de
luta pelo reconhecimento, sendo informação, eclodem em um pro-
que esse nem sempre será negativo cesso que tende à destruição.
ou destrutivo, mas sim parte do Quanto à percepção, obser-
próprio desenvolvimento da huma- vamos que, quando se busca um
nidade (GALLO, 2012). Seguindo aumento na sensibilidade, nos
essa diretriz, Kathy Constantino interesses comuns, minimizando
(1996) compara o conflito com a as diferenças, o conflito se desen-
água, ressaltando que quando em volverá de forma construtiva.
grande quantidade poderá ser Também, quanto aos interesses,
destrutivo como nas inundações sabe-se que a atitude amigável e
e quando escasso poderá limitar o confiante, com aumento da incli-
crescimento, como nas secas. nação a responder beneficamente
O conflito, portanto, poderá às necessidades e aos pedidos do
ser tanto o surgimento de diferen- outro de forma colaborativa, torna
ças entre duas ou mais pessoas, o conflito construtivo com ganhos
como também a necessidade des- para todos os envolvidos.
sas de serem reconhecidas por seus Atitudes suspeitosas e hos-
pares ou mesmo pela sociedade tis, com foco na competição, com
(HONNETH, 2009). O conflito o objetivo de obter ganhos pesso-
poderá ser destrutivo ou cons- ais, explorando as necessidades do
trutivo dependendo do manejo outro, são combustível para que o
de seus elementos, pois existem conflito caminhe para destruição
possibilidades para aproveitar dos envolvidos.
a energia do atrito causado pela Para que o conflito seja viven-
divergência de interesses, ideias e ciado de forma construtiva, será
visões para construir novas reali- necessário o reconhecimento
dades. Identificamos aspectos que mútuo do problema, o empenho
poderão desabrochar em proces- conjunto para a resolução, a legi-
sos destrutivos ou construtivos, timidade dos interesses do outro
tais como (i) ruídos na comunica- e a compreensão da importância
ção; (ii) diferença de percepção; de se buscar solução que satisfaça
(iii) diferença de interesse. a todos. Do contrário, a solução de

74
CONFLITO

um conflito como a imposição de outro, onde a informação deverá


um lado sobre o outro; minimiza- ser compartilhada em uma relação C
ção da legitimidade dos interesses de confiança e respeito mútuo; res-
do outro e emprego de proces- peitando diferenças de valores e
sos coercitivos para influenciar o crenças, mantendo o processo cen-
outro, certamente levará a ruptura trado no problema e na narrativa, e
sem ganhos para os envolvidos não no julgamento.
(MUNIZ, 2013). A Mediação de Conflitos é um
poderoso procedimento que pode
desconstruir essa escalada do
Espirais de Conflito conflito, gerando resultados satis-
fatórios para todos.
Segundo o Modelo de Espirais
de Conflito, há uma progressiva
escalada, em relações conflituosas, REFERÊNCIAS
resultante de um círculo vicioso
de ação e reação. Cada reação tor- COSTANTINO, Cathy.
na-se mais severa do que a ação Designing Conflict Management
que a precedeu e cria uma nova Systems .USA: Jossey-Bass
questão ou ponto de disputa. A Publishers, Editorial Reviews, 1996.
experiência de cooperação produz
GALLO, Flávia F. Punir x
espirais construtivas. A expe-
Reabilitar- considerações críti-
riência de competição produz
cas sobre a política prisional no
espirais destrutivas.
Rio de janeiro. Especialização em
As espirais construtivas são
Psicologia Jurídica, UERJ, 2012.
conseguidas estimulando as partes
(Comunicação Oral)
a desenvolverem soluções criativas
que permitam a compatibilização HONNETH, A. Luta pelo reco-
de interesses aparentemente con- nhecimento: para uma gramática
trapostos. Já as espirais destrutivas moral dos conflitos sociais. São
ocorrem quando há polarização Paulo: Editora 34, 2009
da relação social com conceitos GOMMA, André (org). Manual
binário como: Bom / Mau; Certo/ de Mediação Judicial. BRASIL,
Errado; Feio/bonito. Ministério da Justiça, 2010.
Os elementos para um pro-
cesso construtivo e desmontagem MUNIZ, Mirian Blanco. Uma
de uma espiral destrutiva se inicia outra verdade na Mediação. São
com a aceitação da legitimidade do Paulo: Dash Editora, 2013.

75
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COORDENADORIA DE SEGURANÇA E INTELIGÊNCIA


DO DEGASE (CSINT)

Elineque Baptista de Oliveira1

Ao longo de dezenove anos implementar um plano estraté-


trabalhando na socioeduca- gico a ser seguido em casos de cri-
ção, presenciei muitas mudan- ses nas unidades que compõem o
ças e a que eu acredito ser a departamento.
mais importante – ou uma das A Portaria n° 61, de 26 de
mais importantes – foi a criação Março de 2009, disciplinou o
da Coordenação de Segurança e uso de tecnologia não letal no
Inteligência (CSINT) pelo NOVO âmbito do DEGASE, pois, desde
DEGASE através do Decreto nº o Decreto 41.553, de 17 de novem-
41.144 de 24/01/2008. A partir da bro de 2008, o DEGASE estava
criação desta Coordenação, medi- autorizado a adquirir e utilizar
das passaram a ser criadas e ado- tecnologia não letal para conten-
tadas com a finalidade única e ção e segurança dos adolescen-
exclusiva de implantar normas e tes em cumprimento de Medidas
procedimentos, para a segurança Socioeducativas. Entretanto, para
nas unidades de servidores, ado- a utilização do “spray de
lescentes e prestadores de serviço pimenta”, o Departamento pas-
que atuam diretamente nas refe- sava a ter a obrigação de ofere-
ridas unidades. Essas novas nor- cer cursos de formação para os
mas e procedimentos passaram servidores aptos a utilizarem o
a vigorar e a ser executadas por referido equipamento não letal. É
todos os servidores das unida- importante destacar que o servi-
des, tanto as de internação quanto dor somente recebe a autorização
as de semiliberdade do departa- para portar e/ou utilizar o equi-
mento, visando a, dessa forma, pamento mediante uma avaliação

1 Agente socioeducativo atuando desde 1996 no DEGASE e no NOVO DEGASE.


Divisão de Segurança/CSINT desde 2008. Com cursos na SSINT da Secretaria de
Segurança Pública (curso de inteligência), na EGSE do NOVO DEGASE (curso
de formação de coordenador de plantão), na CIESP/SEAP (curso de formação do
GAR, Grupamento de Ações Rápidas do NOVO DEGASE/CSINT), entre outros
de qualificação específica.

76
COORDENADORIA DE SEGURANÇA E INTELIGÊNCIA DO DEGASE (CSINT)

psicológica e a aprovação no curso junho de 2013, foi instituída como


de capacitação, no qual o servidor Agência de Inteligência Especial, C
tem a oportunidade de experimen- compondo o Sistema de Inteligên-
tar ele próprio os efeitos do gás de cia do Estado do RJ- SISPERJ. No
pimenta em ambientes confinados. cotidiano, essa configuração se
Antes, as crises ocorridas no efetiva no compartilhamento das
interior das unidades do depar- logísticas de inteligência.
tamento, em sua maioria, eram O Estatuto da Criança e do
resolvidas com a entrada da Adolescente (ECA), Seção VII, que
PMERJ, pois, como não existia trata da internação, em seu Art.
um procedimento padrão de con- 123, diz que “A internação deverá ser
tenção a ser seguido em casos de cumprida em entidade exclusiva para
crises, era necessária a interven- adolescentes, em local distinto daquele
ção da força policial. No entanto, destinado ao abrigo, obedecida rigorosa
as soluções encontradas pela força separação por critérios de idade, com-
policial para a restauração da pleição física e gravidade da infração.”
ordem nem sempre eram as mais A acomodação dos adolescentes
adequadas. A força policial é uma nas unidades do DEGASE, seja
instituição da segurança pública na semiliberdade ou na interna-
do Estado e uma de suas atribui- ção, segue, na medida do possível,
ções também é manter a ordem e essas orientações, pois, de maneira
a segurança da população, porém geral, os alojamentos e a acomoda-
não trabalha com procedimen- ção dos adolescentes sempre foram
tos de socioeducação. Sua ação pontos sensíveis à segurança.
gerava certo desconforto e difi- No Sistema Nacional de Aten-
culdade de aceitação por parte dimento Socioeducativo (SINASE),
dos adolescentes e até mesmo dos acredita-se que os socioeduca-
servidores envolvidos na resso- dores devem ser profissionais
cialização desses jovens, pois, na que desenvolvam tanto tarefas
maioria das vezes, não se conse- relativas à preservação da inte-
guia uma solução pacífica para o gridade física e psicológica dos
conflito em curso. adolescentes e dos funcionários
Cabe ressaltar que a Coordena- quanto atividades pedagógicas.
doria de Segurança e Inteligência A CSINT periodicamente oferece,
do Departamento Geral de Ações em parceria com a Escola de Ges-
Socioeducativas (CSINT) também tão Socioeducativa Paulo Freire
faz parte da Segurança Pública (ESGSE), formação continuada na
do Estado do RJ, pois, através área da segurança socioeducativa
do Decreto nº 44. 230, de 04 de e em áreas afins, para os agen-

77
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

tes socioeducativos. Os cursos de -profissionais para a implantação


formação elaborados para os ser- de rotinas de segurança preven-
vidores do departamento, visando tiva e interventiva em unidades
à qualificação e à capacitação para de atendimento socioeducativo,
o desempenho cada vez melhor em especial de privação e restri-
das atribuições do agente socio- ção de liberdade (Semiliberdade,
educativo, também auxiliam na Internação Provisória e Medida
sistematização da segurança socio- Socioeducativa de Internação);
educativa nas unidades. Além Indicar procedimentos a serem
disto, dessa forma, os agentes adotados nas unidades de aten-
passam a ter conhecimentos apri- dimento socioeducativo visando
morados sobre os procedimentos, ao planejamento e à prevenção,
normas e posturas a serem adota- bem como o enfrentamento de
dos no momento em que uma crise situações de risco; Padronizar pro-
se instaura na unidade. cedimentos operacionais, levando
No tópico 6.3.8.2., específico em conta a especificidade de cada
sobre as entidades e/ou programas Unidade, objetivando minimizar
que executam a internação provi- as possíveis falhas na condução
sória e as medidas socioeducativas dos procedimentos no Sistema
de semiliberdade e de internação, de Atendimento Socioeducativo
ressalta-se que cabe a esses “elabo- do Degase; Assessorar as equipes
rar plano de segurança institucional diretivas das unidades de atendi-
interno e externo juntamente com a mento socioeducativo no sentido
Polícia Militar visando a garantir a da padronização de procedimen-
segurança de todos que se encontram tos e fluxo de informações.
no atendimento socioeducativo, bem Dessa forma, consolidam-
como fornecer orientações às ações do -se medidas de prevenção das
cotidiano, solução e gerenciamento de situações-limite, tais quais rebeli-
conflitos. (...)”. ões, evasões, invasões, incêndios,
Como podemos notar, a agressões, depredações e outras
Segurança Socioeducativa é tema ocorrências em que as condições
de diferentes normas e legislações, de segurança, para todos os atores
sobre as quais a CSINT e o DEGASE envolvidos no cenário socioeduca-
se debruçaram, para estruturar o tivo, estejam ameaçadas.
Plano de Segurança (2013, p.13), O efeito da iniciativa de haver
que tem como objetivos: uma Coordenação voltada exclusi-
Considerar os princípios bási- vamente à segurança não impediu
cos de uso progressivo e seletivo da o surgimento de crises nas uni-
força; Fornecer subsídios técnico- dades. Vale registrar, porém, que

78
CRIAAD NITERÓI

o número de crises e ocorrências ducativa. Mesmo assim, o apoio e


envolvendo agressões entre ado- a presença da polícia somente se C
lescentes, de adolescentes contra fazem necessários para que seja
servidores, de motins e até mesmo feito um perímetro de segurança
de rebeliões diminuiu sensivel- no entorno da unidade, de forma
mente depois da criação da CSINT a ser coibida qualquer tentativa de
e da implantação de todas as fuga ou evasão dos adolescentes
mudanças necessárias para o con- da unidade em questão.
trole, contenção e segurança nas A segurança na socioeduca-
unidades e associadas à atuação ção hoje é uma realidade que se faz
dos profissionais que trabalham necessária e que, por ser importante,
diretamente na ressocialização também requer constantemente o
dos adolescentes em cumprimento aperfeiçoamento e a capacitação
de medidas socioeducativas. dos agentes socioeducativos, a fim
O resultado se tornou tão de se obter sempre novos conhe-
satisfatório, que quando ocorrem cimentos com a finalidade de que
crises em unidades, a força policial cada vez mais possamos desenvol-
somente é acionada quando a crise ver um trabalho com qualidade,
se instala com maior dificuldade seriedade e competência.
de se obter uma solução socioe-

CRIAAD NITERÓI

Maria Gabriela Moura da Cunha1


Ronald de Souza2
Juliano Ferreira de Souza3
Jamerson J.de Oliveira Souto4

O CRIAAD Niterói (Centro grados de Atendimento ao Menor),


de Recursos Integrados de Aten- tem por objetivo atender adoles-
dimento ao Adolescente), na sua centes em cumprimento de medida
implantação denominado de socioeducativa de semiliberdade,
CRIAM (Centro de Recursos Inte- do sexo masculino, na faixa etá-
1 Agente Sócio Educativo - Diretora
2 Agente Sócio Educativo - Coordenador de Plantão
3 Agente Sócio Educativo - Líder de Plantão
4 Agente Sócio Educativo - Líder de Plantão

79
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ria de 12 a 18 anos, e excepcional- (DEGASE), vinculado à Secretaria


mente até 21 anos, residentes nos de Estado de Educação do Rio de
municípios de Niterói ou Maricá. Janeiro, não deve ser entendido
Os CRIAMs surgem quando como um simples Órgão para aco-
a FUNABEM dá início à implanta- lher adolescentes autores de atos
ção do Projeto de Descentralização infracionais. Ele é muito mais do
do Sistema de Atendimento aos que isto, apresenta atualmente
Menores no Estado do Rio de uma proposta de ser um espaço
Janeiro, com a finalidade de criar que contribua para que os socioe-
uma retaguarda municipal e comu- ducandos encontrem sentido para
nitária, transferindo o atendimento redefinirem suas vidas, erigin-
direto para os municípios. Foi dada do-os como sujeitos de direitos,
ênfase à montagem de uma nova potencializando seu protagonismo
estrutura mais participativa, ágil no convívio social, favorecendo
e que trouxesse reais benefícios assim condições necessárias ao
à população a qual se propunha efetivo cumprimento da medida
atender. A sua função essencial Socioeducativa de Semiliberdade.
era de buscar a integração de recur- Para que isso ocorra ao longo
sos humanos, físicos, financeiros, deste processo, e como forma de
públicos e privados em apoio aos prevenção de novas práticas de
adolescentes, à sua família, à sua atos infracionais, é fundamental
comunidade e entre outras apoiar a integração entre o atendimento
e promover alternativas comunitá- socioeducativo e os diferentes
rias de atendimento a adolescentes campos das políticas públicas e
em cumprimento da medida socio- sociais, como também a amplia-
educativa de Semiliberdade. ção e articulação de parcerias com
Foram construídos na época 15 organizações públicas e privadas,
CRIAMs, em municípios escolhi- tendo nesse papel, como nortea-
dos, ou bairros do mesmo municí- dor, o princípio da incompletude
pio, avaliados como áreas de maior institucional, em prol da promo-
carência no atendimento a adoles- ção de ações planejadas que nos
centes. Planejados para acolher no levem a alcançar os nossos obje-
máximo 32 jovens, na faixa etária tivos. Segundo Guará et al (1998)
acima mencionada, atendendo ini- O primeiro desafio diz respeito
cialmente tanto a adolescentes do a como implementar um projeto
sexo masculino, como feminino. articulado e integrado (...) que
O CRIAAD Niterói, unidade resulte em ações efetivas voltadas
pertencente ao Departamento para o desenvolvimento e a pro-
Geral de Ações Socioeducativas teção de crianças e adolescentes.

80
CRIAAD NITERÓI

O segundo desafio está intima- os atores e a participação do pró-


mente ligado ao primeiro: como prio adolescente, desenvolvendo C
fazer uma gestão ousada e compe- sua autonomia e protagonismo,
tente destas ações que devem ser bem como de suas famílias.
efetivadas no âmbito municipal. Neste ínterim, foram imple-
(GUARÁ et AL, 1998, p.7) mentados espaços de discussões
A atual Direção (desde 2012) com reuniões bimestrais junto à
vem operacionalizando o seu equipe de Agentes Socioeducativos
trabalho pautado nas normati- com objetivo de deliberar de forma
vas nacionais e internacionais e conjunta questões inerentes ao
demais documentos orientadores, serviço específico e o alinhamento
tendo como parâmetro norteador com o Projeto Político Pedagógico.
das ações a gestão participativa, Esses espaços ocorrem em todos
operando com transversalidade os setores com o mesmo objetivo,
no que tange ao planejamento, contemplando as peculiaridades e
execução, deliberações, avaliações singularidades de cada um.
e redirecionamento das ações que Contamos também com reuni-
tem como destinatários os socioe- ões gerais, com a presença de todos
ducandos e os socioeducadores. os servidores objetivando o alinha-
Desde o início da gestão, mento de nossas ações, o funcio-
vem sendo implementadas ações namento articulado dos diversos
visando a participação de todos os setores, a socialização das infor-
atores, visando a construção de um mações e a construção dos saberes
trabalho nos padrões acima men- entre os diversos segmentos.
cionados, estimulando os servido- Obtivemos avanços com a
res a produzir de forma eclética participação efetiva de todos os
e eficaz, aprofundando e promo- servidores na construção coletiva
vendo reflexões sobre a socioedu- do nosso Projeto Político Peda-
cação avaliando a nossa prática gógico, bem como na elaboração
e aquilatando as qualidades nas coletiva de dois novos documen-
relações interpessoais. tos neste ano (2016): Manual de
Vale ressaltar que desta Procedimentos Internos e Manual
forma temos conseguido atingir de Portaria, documentos estes
nossas metas institucionais de efe- muito importantes para unifica-
tivação de uma metodologia de ção de procedimentos e ações de
atendimento socioeducativo no nossa unidade.
Município, reduzindo distancia- Nossos servidores têm par-
mento entre o discurso e a prática, ticipado ativamente de cursos
aumentando a interlocução entre de capacitação, disponibilizados

81
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

pelo DEGASE, tanto presenciais rede de atendimento social, for-


mediante planejamento prévio, com mada pela efetivação de parcerias,
objetivo de garantir a participação indispensável à inclusão dos socio-
de todos, como de Cursos on-line educandos no convívio social, com
oferecidos pela Escola Nacional a qual compartilhamos objetivos
Socioeducativa, que contribuem e estabelecemos procedimentos,
para a formação continuada e qua- visando o desenvolvimento de
lidade do atendimento. nossas ações.
Participam da gestão, além da Entende-se rede como “con-
Diretora, um Coordenador de Plan- junto integrado de instituições
tão e dois líderes de plantão, Agentes governamentais, não governamen-
Socioeducativos, que atuam no ali- tais e informais, ações, informações,
nhamento dos procedimentos de profissionais, serviços e progra-
rotina entre os plantões e diversos mas que priorizem o atendimento
setores, propiciando a manuten- integral à criança e adolescente
ção de uma presença educativa, na realidade local de forma des-
construtiva e criativa, contribuindo centralizada e participativa.”
para a melhoria da qualidade das (HOFFMANN et al, 2000, p. 6)
relações entre socioeducadores e Do fruto deste trabalho e
socioeducandos. das parcerias firmadas com este
Nossa equipe vem desenvol- Centro, fomos convidados a par-
vendo também um trabalho de ticipar no ano de 2015 da 5ª
articulação com a rede pública Conferência Municipal de Polí-
(Municipal e Estadual) e Privada, ticas Públicas de Juventude de
a princípio nos segmentos mais Niterói, na qual participaram 05
emergentes: educação, assistên- (cinco) adolescentes que acompa-
cia, saúde e esporte com objetivo nharam todos os procedimentos
de inserir nossos adolescentes nas do protocolo do evento, levando
políticas públicas, visando a sua propostas de ações voltadas para
proteção integral e promoção da a socioeducação, o que culminou
garantia dos direitos fundamen- na eleição de um de nossos socio-
tais dos adolescentes como sujei- educandos como delegado na
tos de direitos. Conferência Estadual.
Através dessa intera- De acordo com nosso planeja-
ção com as outras instâncias mento anual, realizamos também
institucionais, na qual amplia- reuniões com as famílias e com
mos a discussão das questões os adolescentes, visando propiciar
inerentes à socioeducação, nossa concretamente a sua participa-
equipe vem construindo uma ção ativa e qualitativa no decorrer

82
CRIAAD NITERÓI

desse processo socioeducativo e o mentação civil dos nossos ado-


fortalecimento dos vínculos, fun- lescentes, alcançando mais uma C
damentais para a consecução dos meta ao efetivarmos recente-
objetivos da medida aplicada. mente parceria com a Regional
É mister destacar a constru- do Ministério do Trabalho deste
ção de um trabalho desenvolvido Município, bem como em anda-
por esta equipe também junto aos mento, com a Delegacia Regional
órgãos do Judiciário, Ministério da Receita Federal, estabelecendo
Público e Defensoria das comar- um fluxo permanente, através de
cas de Niterói e Maricá, nossa encaminhamento direto mediante
área de abrangência. agendamento para confecção de
Temos implementadas den- Carteiras de Trabalho e breve-
tro da Unidade uma Oficina de mente dos CPF’s, documentos
Artesanato e Reciclagem; o Projeto fundamentais para o exercício da
Educando para a Sustentabilidade cidadania.
da Fundação Mokiti Okada; o Em breve síntese, concluímos
Projeto Esporte Legal; atividades de que esta equipe vem procurando
Pesquisa na área de Neurociências; contribuir de forma significativa
e Assistência Religiosa disponibi- na valorização das diversidades,
lizada por três entidades religio- visando um efetivo alinhamento
sas, as Igrejas Evangélicas Bola conceitual, essencial e operacio-
de Neve e Universal e o GEAC nal, procurando superar práticas
(Grupo Espírita Amor em Cristo), antigas, fortalecendo a comunica-
para aqueles que o desejarem. Em ção entre os próprios profissionais
trâmite, mais uma parceria com e de todos com a sociedade, em
a instituição Campus Avançado, busca de formas mais eficazes de
que irá implementar duas ofici- atendimento e prevenção, aprimo-
nas, de Ecodesigner e Ecomusica rando desta forma o crescimento
e com a SUDERJ, através do apoio institucional.
da DICEL (Divisão de Cultura,
Esporte e Lazer do DEGASE),
visando a inserção dos nos- REFERÊNCIAS
sos socioeducandos nas diversas
modalidades esportivas disponi- BRASIL. Lei Federal n.º
bilizadas no Complexo Esportivo 8.069/90. Estatuto da Criança e do
Caio Martins, neste município. Adolescente. Brasília, 1990.
Importante também regis-
trar o avanço da equipe no que BRASIL. Lei Federal n.º
se refere à obtenção da docu- 12.594/2012. Lei do SINASE.
Brasília, 2012.

83
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RIO DE JANEIRO. Projeto adolescente. São Paulo: IEE/PUC -


Político Pedagógico Institucional, SP; Brasília: SAS/MPAS, 1998.
2016.
HOFFMANN, C. de F. M.;
RIO DE JANEIRO. Caderno BOURGUIGNON, J.; TOLEDO, S.
de Alinhamento Estratégico do e HOFFMANN, T. Reflexões sobre
Novo Degase, 2012. rede de atendimento à criança e
ao adolescente. Núcleo de Estudos
GUARÁ, Isa M. Ferreira da
sobre a questão da criança e do
Rosa et. al. Gestão Municipal dos
adolescente. Ponta Grossa/ Pr:
serviços de atenção à criança e ao
UEPG, 2000.

CRIAAD SÃO GONÇALO

Paulo Fernando Lopes Ribeiro1


Fábio Pires Heringer2

Observamos que no momento dade integral do ECA (Estatuto da


presente, século XXI, percebeu-se Criança e do Adolescente), insti-
a falta de conhecimento da popu- tuído pela Lei Federal nº. 8.069 de
lação gonçalense em relação aos 13/07/1990 frustram-se ao verificar
propósitos da existência de uma que em São Gonçalo a maior parte
instituição para adolescentes em de sua população desconhece o
conflito com a lei localizada bem papel social de uma instituição
no centro de seu município. destinada exclusivamente a socia-
Verifica-se ainda, o crescimento lização dos adolescentes autores
da intolerância com os adolescentes de atos infracionais.
autores de atos infracionais, o que Tal comportamento expressa
se reflete no preconceito e na es­ desinteresse pela memória local
tigmatização destes, rotulando-os assim como fomenta a progressiva
como “trombadinhas” ou “delin- perda da identidade histórica por
quentes juvenis”. parte de seus habitantes; bem como
Os estudiosos das áreas e produz um sentimento co­letivo de
demais defensores da aplicabili- indignação por todos aqueles que

1 Pedagogo do CRIAAD São Gonçalo, mestre em educação pela UNIRIO.


2 Diretor do CRIAAD São Gonçalo, bacharel em direito pela UNIVERSO.

84
CRIAAD SÃO GONÇALO

vivenciam “in loco” a implementa- da Silva Palmar, o CRIAAD São


ção de práticas educativas destina- Gonçalo foi construído numa C
das a esta parcela específica que se área localizada no antigo Sítio
encontram, muitas vezes, relega- São Gonçalo, pertencente à Rede
dos à margem desta sociedade que Ferroviária Federal, que na época
tanto os estigmatiza. era utilizada pela comunidade
Muitos moradores do municí- local para a realização de festas
pio de São Gonçalo, por desconhe- juninas, instalação de parques
cimento ou preconceito, preferem de diversão, montagem de circo,
rotular os adolescentes autores de etc., uma área pública onde seria
atos infracionais como “margi- construída uma praça, ou melhor,
nais” ou “trombadinhas”, ou seja, todos acreditavam ser este o pro-
como seres indesejados. jeto da Prefeitura para aquele local.
Desta forma, o Centro de Mas para a frustração de muitos
Recursos Integrados de Atendi- em primeiro de dezembro de 1988,
mento ao Adolescente (CRIAAD) na presidência de José Sarney e
do Município de São Gonçalo está como Governador do Estado do
situado na Rua Nilo Peçanha, s/ Rio de Janeiro Wellington Moreira
nº, no Bairro Estrela do Norte, Franco, foi inaugurado o CRIAM
Cidade de São Gonçalo, no Estado (Centro de Recursos Integrados
do Rio de Janeiro. de Atendimento ao Menor),
O CRIAAD São Gonçalo nomenclatura esta que foi alte-
é uma das vinte e quatro ins- rada para CRIAAD pelo Decreto
tituições existentes no sistema nº. 41.983/2009, instituído pelo
DEGASE – Departamento de Governo de Sérgio Cabral.
Ações Socioeducativas – órgão A reação de muitos morado-
criado pelo Decreto nº 18.493/93, res em 1988 foi de grande revolta,
que é responsável pela execu- afinal a existência de um “presí-
ção das medidas socioeducativas dio” próximo as suas residências
de Internação e Semiliberdade, causariam sem dúvida a desva-
no Estado do Rio de Janeiro, que lorização dos seus imóveis, bem
está subordinado à Secretaria de como traria pessoas de “condutas
Estado de Educação3. duvidosas” para seu bairro. Na
Segundo relato de uma antiga época a Associação de Moradores
moradora, Srª Roseana Soares do bairro Estrela do Norte promo-

3 O DEGASE já foi vinculado as Secretarias Estaduais de Justiça e Interior, de


Justiça, Direitos Humanos, Ação Social e também ao Gabinete Civil, estando atu-
almente (desde 2008) vinculado à Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC/RJ),
possuindo atualmente dotação orçamentária própria.

85
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

veu um abaixo-assinado que seria e segregadores. Eles eram colo-


entregue as autoridades locais. cados num “depósito”, isolados
Contudo, não logrou êxito. do convívio social e submetidos
Mas a que propósito o governo a um processo frio e desumano,
da época, desafiando a sociedade não tinham nenhum tratamento
civil manteve a construção do educativo, não havia nenhuma
CRIAAD? Afinal porque a esco- pro­posta pedagógica.
lha de São Gonçalo e não outro No projeto original, os
município? Quais seriam os obje- CRIAADs foram planejados
tivos deste Centro? para atender, no máximo, trinta
Os CRIAADs foram construí- e dois adolescentes residentes,
dos pela extinta FUNABEM – Fun- de doze a dezoito anos, ambos
dação Nacional de Bem-Estar do os sexos, em pequenas unida-
Menor-, a partir de 1987, em dife- des com dois alojamentos, dois
rentes municípios ou bairros de módulos residenciais que esta-
um mesmo município por terem vam divididos em quatro quartos
uma posição geográfica conve- amplos, nos quais poderiam ser
niente no Estado do Rio de Janeiro4, abrigados oito adolescentes e que
como uma proposta de integração permitiria a convivência dos dois
de recursos e participação comuni- sexos. O CRIAAD São Gonçalo
tária. O CRIAAD enfim se destina- recebe regularmente adolescen-
ria a uma instituição que atenderia tes encaminhados pelo Juizado
“menores infratores” (termo politi- da Infância e da Juventude dos
camente incorreto, mas que perma- municípios abrangentes para o
nece atual, apesar das mudanças cumprimento da medida socio-
promovidas com a o Estatuto da educativa de Semiliberdade. Até
Criança e do Adolescente). setembro de 2008 o CRIAAD São
Este processo pretendia mudar Gonçalo atendia aos adolescentes
as práticas de atendimento, acabar em Liberdade Assistida também,
com a internação indiscriminada contudo esta medida socioedu-
de adolescentes, que cometeram cativa foi municipalizada, isto é,
atos infracionais ou não, trans- ficando a cargo de cada município
formar os sistemas concentrados sua aplicação. A medida socioe-
4 Ao contrário de outros Estados que possuem fundações públicas (administração
indireta) ou delegam a ONG´s a execução de medidas aplicadas ao adolescente
em conflito com a lei, o Estado do Rio de Janeiro é a única Unidade da Federação
que mantém um Departamento Geral, vinculado à Administração Direta, com
funcionários contratados e com servidores concursados, estáveis e efetivos, tam-
bém vinculados à Administração Direta, como responsável pela execução de me-
didas sócio-educativas aplicadas ao adolescente em conflito com a lei.

86
CRIAAD SÃO GONÇALO

ducativa de semiliberdade pode crime ou contravenção penal.


ser determinada judicialmente, Entretanto, não existe ainda um C
como início do cumprimento de consenso geral como denominar
medida, diante do julgado, ou os adolescentes que praticam atos
pode ser determinada como forma infracionais. Os meios de comu-
de progressão de medida, cum- nicação social, em geral, têm
prida em regime fechado para o preferido usar formas estigmati-
meio aberto, vindo possibilitar a zantes, referindo-se a eles como
realização de atividades externas infratores, delinquentes, pive-
como modo de melhor ser obtida tes e, mais recentemente, impor-
a ressocialização do adolescente tando uma expressão dos Estados
em conflito com a Lei. Unidos, uma revista semanal
Até o final do primeiro taxou-os de “pequenos predado-
semestre do ano de 2003 compar- res”. A opinião pública em geral
tilhavam das dependências desta tem reproduzido estas expres-
instituição também adolescen- sões, acrescentando outras que a
tes do sexo feminino. Todavia, sua criatividade preconceituosa
após vários incidentes envol- produz, como; bandidos, tromba-
vendo ambos os sexos, o Juizado dinhas, menores infratores, etc.
da Infância e da Juventude deter- O termo “menor” foi banido
minou que as adolescentes fossem por quem defende os direitos da in-
transferidas para outra unidade fância, pois remete à doutrina da
integrante do sistema DEGASE. situação irregular ou do direito tu-
Considera-se adolescente telar do indivíduo menor de dezoito
para os efeitos da Lei, a pessoa anos, revogados quando da extinção
entre doze e dezoito anos de idade do Código de Menores. Tal legisla-
incompletos. Contudo, determi- ção foi substituída pelo Estatuto da
nar quando começa ou termina a Criança e do Adolescente em 1990.
adolescência torna-se uma tarefa A Lei atual baseia-se na doutrina
complexa porque ao conceituá- da proteção integral, que considera
-la, um determinado elemento a criança e o adolescente como um
será usado como pressuposto. cidadão em desenvolvimento e, por-
Dependendo da área que está estu- tanto, digno de respeito e proteção.
dando o processo de mudanças e Os termos adequados são “criança”,
transformações, a faixa etária esti- “adolescente”, “menino”, “menina”,
pulada será diferenciada. “jovem” (de 18 a 24 anos). Todavia,
O Estatuto da Criança e do vários veículos de comunicação in-
Adolescente define o ato infracio- sistememutilizaremtextosetítuloso
nal como a conduta descrita como termo menor, muitas vezes acompa-

87
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

nhados da designação carente, que é cado e não mais como outrora,


igualmente pejorativa. Isso contribui isto é, através do trabalho que
para a perpetuação de um conceito dignificaria o homem.
ultrapassado e discriminatório. A criação de uma unidade que
Conforme Bulcão (2002) o atende adolescentes em conflito
termo “menor”, no Código de com a Lei no Município de São
Menores, é o autônimo do padrão Gonçalo foi um processo inevitável
de “normalidade” vigente. Assim haja vista o crescimento alarmante
foi elaborada a seguinte equa- do número de jovens que se envol-
ção: “MENOR= CRIANÇA + vem com a prática criminosa nesta
POBREZA”. Desta forma, todos que é uma das maiores cidades do
estes “seres inferiores” eram Estado do Rio de Janeiro.
colocados nos antigos internatos Aos olhos de muitos o
como o SAM5 e posteriormente CRIAAD é sem dúvida uma pre-
na FUNABEM6. sença física e incômoda para toda
Já no que tange o envolvimento a sociedade gonçalense. Sua exis-
de adolescente no cometimento do tência é encarada por diversas
ato infracional, muitos estudiosos, vezes como a personificação da
como Liberati, formulam razões falha das instituições que deve-
que o levam a isto. riam evitar a chegada destes
As infrações cometidas por indivíduos ao mundo do narco-
jovens não podem ser compre- tráfico. Sua existência, segundo o
endidas como partes integrantes senso comum, seria o fruto visí-
da adolescência, atribuindo-as vel do fracasso da família, escola,
como uma das características ine- igreja, bem como de todas as insti-
rente do adolescente. Os motivos tuições que cercam o adolescente
que culminariam no ato infracio- desde o seu nascimento.
nal não são apenas os ligados aos Em contrapartida, é neces-
aspectos socioeconômicos, mas sário perceber que a medida
também à influência do neolibe- socioeducativa de semiliber-
ralismo nos valores humanos que, dade, quando bem aplicada, é
diante do presente momento con- a resposta do Estado para uma
juntural, são adquiridos através sociedade que se encontra fragi-
da lógica do consumo, do mer-

5 SAM: Serviço de Assistência ao Menor - criado nos anos 40 até os anos 60 sob a
égide dos governos didatoriais, ligado ao Ministério da Justiça.
6 FUNABEM: Fundação Nacional do Bem Estar do Menor - criada em 1964 para
executar assistência aos menores e vigorou até os anos 90 ao surgir o novo orde-
namento jurídico dos direitos das crianças e dos adolescentes.

88
CRIAAD SÃO GONÇALO

lizada e carente de intervenções infracional para ocultar sua res-


firmes e que não sejam utópicas. ponsabilidade na reprodução C
O grande paradoxo é que a deste quadro.
mesma sociedade que repudia
e marginaliza estes “indivíduos
indesejados” é a mesma que REFERÊNCIAS
clama por justiça e anseia por
melhores condições sociais para BULCÃO, Irene. A produ-
nossa juventude. ção de infâncias desiguais: uma
O trabalho de socialização viagem na gênese dos conceitos
do CRIAAD São Gonçalo é sem “criança e menor”. In Nascimento,
dúvida desconhecido pela maior Maria Lívia. PIVETES. Rio de
parte dos moradores da cidade. Janeiro: Oficina do Autor, 2002.
Só aparece na grande mídia
quando ocorre algum fato nega- BRASIL. Constituição.
tivo. Tal atitude é decorrente da Constituição da República
estigmatização que sofre esta Federativa do Brasil. Brasília, DF:
clientela tão específica. Senado, 1988.
Em todo esse processo BRASIL. Estatuto da Criança
histórico que se relaciona aos prin- e do Adolescente. Lei Federal
cípios do Estatuto da Criança e do nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
Adolescente, não se pode deixar Brasília, DF: Imprensa Nacional,
de considerar que todas as ações 1991.
devem desencadear um trabalho
BRASIL. Lei Orgânica da
em que o adolescente seja respei-
Assistência Social. Lei nº 8.742,
tado à luz dos direitos humanos.
de 07 de dezembro de 1993. Belo
Oportunizar uma nova pers-
Horizonte, MG: Ministério da
pectiva de vida aos adolescentes
Assistência Social, 1993.
é o objetivo das medidas socio-
educativas, portanto, é salutar a
construção de estratégias pon-
tuais que propiciem a estes o
protagonismo diante de novos
desafios. Entretanto, o êxito das
medidas socioeducativas exige
uma mudança de mentalidade
da sociedade, que muitas vezes
utiliza-se da exclusão e da estig-
matização aos autores de ato

89
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

Carmelita Leal Ballado1

Conforme observado no ver- não se esgotava somente nesse


bete sobre Restrição de Liberdade, aspecto. Também eram reforça-
em 1996 o CRIAAD Ricardo de dos os cuidados com a beleza:
Albuquerque tornou-se uma uni- cabelos, unhas, pele, depilação,
dade para atendimento exclusivo maneira de se portar e comportar,
do sexo feminino, buscando aten- assim como os encaminhamentos
der às especificidades de gênero médicos voltados exclusivamente
para captar, entender e atender ao sexo feminino: ginecologista,
as necessidades de cada uma das exames de preventivos, mamo-
meninas que cumpriam a medi- grafia, pré-natal, além das espe-
da socioeducativa. Concebendo o cialidades comuns aos dois sexos.
que preconiza o SINASE (2006) Em 2015, esta unidade foi tempo-
com relação à diversidade ét- rariamente fechada.
nico-racial, gênero e orientação
sexual enquanto norteadora da
prática pedagógica. E mais, a Adolescentes e os espelhos
representação para as adolescen-
tes daquilo que lhes é repassado Tudo começou em momentos
socialmente enquanto papel fe- de abordagens com as adolescen-
minino nos dias atuais. tes quando, em necessidade de
Assim, o CRIAAD possuía atendimentos mais contundentes,
toda uma ornamentação acon- causando expressões faciais pesa-
chegante, onde havia a preo- das e agressivas, era mostrado
cupação em proporcionar um um pequeno espelho de mão para
ambiente humanizado, organi- que, podendo se enxergar, pro-
zado e decorado de forma a aten- porcionasse uma auto avaliação
der da melhor maneira possível de sua reação. Os resultados eram,
ao bem estar das adolescentes. na maioria das vezes, motivado-
Entretanto, esta atenção externa res de um repensar suas atitudes.

1 Socioeducadora - Formação em psicologia; especialização em psicologia clíni-


ca; pós-graduação em Análise Transacional. Diretora por 14 anos do CRIAAD
Menina Ricardo de Albuquerque e atual assessora na Coordenação de Saúde

90
CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

Com este “termômetro”, ousamos Saídas para cursos externos


colocar um imenso espelho no Reunião/trabalho com famí- C
pátio interno e tivemos a certeza lias e participação final das
de que a imagem vista por inteiro adolescentes
revelava a verdadeira identidade
do feminino e atingia muito além
Tardes:
do próprio reflexo.
Atividades fixas:
A iniciativa da colocação
12 às 13h Almoço
do grande espelho causou, em
13 às 14h Lazer (filmes sele-
alguns profissionais, muitas crí-
cionados pela equipe técnica,
ticas e recomendação negativas,
jogos Eletrônicos, Caraoquê,
que vencido o grande desafio,
Dama, dominó ao som de
transcendeu aos 13 anos de exis-
músicas funk por duas horas –
tência, intacto, sem que nenhuma
nas outras horas do dia o som
vez tenha sido, sequer, ameaçado.
ambiente era MPB e JB).
Ao final dos 14 anos da última
Atividades variáveis de 14 às 18h:
gestão, era nove o total de espe-
Oficina de artesanato
lhos distribuídos pela Unidade
Projeto “Mulheres que Amam
e servindo de coadjuvante nas
Demais”
percepções, crenças, reflexões e
Projeto Esporte Legal
nos desdobramentos do trabalho
Assistência religiosa
socioeducativo.
Oficina “Minha planta”
Trabalho técnico em grupo
Reuniões com as adolescentes
Rotina interna de segunda a
sexta feira
Projetos setoriais
Manhãs:
Atividades fixas:
7 às 7:30h Despertar e higiene
“CONHECER PARA SE
pessoal
CUIDAR”
7:30 às 8:00h Dejejum
8 às 9h Organização e lim-
peza nos alojamentos JUSTIFICATIVA: A dificul-
Atividades variáveis de 9 às 12h: dade que as adolescentes demons-
Oficina de artesanato travam em relação às orientações
Oficina de Corte e Costura sexuais motivou a escolha deste
Aulas de reforço escolar tema, pois muitas se tornavam
Ida para escola CEJA mães muito cedo ou contraíam
doenças sexualmente transmissí-

91
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

veis. Este trabalho contribuiu para independência. Objetivamos,


melhor compreensão sexual acerca portanto, avançar nas conquistas
do assunto em questão e conse- do gênero, diminuindo as vul-
quentemente, promoção da saúde nerabilidades e discriminações
sexual das residentes etc. ainda mostradas nas estatísticas
e levando-as a desenvolver sua
“FAMÍLIA EM FOCO” existência de forma produtiva,
independente e respeitosa.
JUSTIFICATIVA: Tornou-se
importante a criação e a manuten- “ANDA QUE LÁ VEM
ção de espaço que propiciassem CULTURA”
aos familiares serem ouvidos,
esclarecidos e orientados quanto JUSTIFICATIVA: O projeto
às questões que permeiam o ado- objetivava o descortinar do pro-
lescer, bem como as questões cesso cultural, esportivo e de lazer,
institucionais que visem o forta- já que na cultura encontramos
lecimento da relação entre família a possibilidade de compreender
e adolescente durante o cumpri- nosso papel social, e no esporte e
mento da MSE de Semiliberdade e lazer a exercitá-lo de forma lúdica.
após o término da mesma. Desta forma, buscávamos apro-
ximá-las das novas alternativas
“MARIA, MARIA” de vida, conduzindo-as a modi-
ficação das ações negativas em
JUSTIFICATIVA: A iniciativa produtivas e assertivas.
deste Projeto surgiu pelo motivo
mais relevante da Unidade: a “REESCREVENDO A
exclusividade do atendimento a LEITURA”
adolescentes do sexo feminino –
08 de março Dia Internacional da JUSTIFICATIVA: Buscava utili-
Mulher. Entretanto, a comemo- zar os livros da sala de leitura como
ração não significava apenas um ferramenta ao aprendizado, refle-
festejo a mais, ela representava a xão, e na “viagem” literária, ampliar
culminância do trabalho de valo- seus horizontes culturais e inte-
rização, de inclusão por meio de lectuais, democratizando o acesso
ações voltados ao gênero, etnia aos livros, tornando em um local
e reflexões sobre a importância agradável e atraente para as ado-
de ser mulher, sua força, suas lescentes e realizando atividades
possibilidades de ascensão cul- de incentivo à leitura, a pesquisas
tural, profissional e consequente escolares ou por livre vontade.

92
CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

“MENINA LIMPEZA” constatação pela grande maioria


das adolescentes no forte vínculo C
JUSTIFICATIVA: A iniciativa emocional com homens envol-
deste projeto surgiu da necessidade vidos em práticas ilícitas. Tais
de as adolescentes construírem atos culminam no rompimento
um novo modelo de valorização da de laços familiares e, seduzidas
higiene do ambiente, pois percebe- pelo encantamento, compactua-
mos que após a limpeza realizada, vam com as transgressões, sem
a parte externa dos alojamen- avaliar os riscos e consequências,
tos, aparentemente encontrava-se tudo em nome do amor.
organizada, mas ao avaliar minu- O referido Projeto consis-
ciosamente, constatava-se carência tia em meditações diárias (365),
nos detalhes. pensamentos breves e diretos
As adolescentes, na maio- do livro “MADA (Mulheres
ria das vezes, se surpreendiam que Amam Demais)” da autora
com o questionamento, respon- Robin Norwood.
dendo que daquela maneira já Nos pensamentos diários, a
estava bom. Percebemos então a autora desfaz a falsa impressão
necessidade de um trabalho mais de que:
contundente e consciente, na
qual a recíproca fosse verdadeira, Mulheres que amam demais são
cabendo a nós oferecer os meios tolas, pouco inteligentes, vivem
para a efetivação da organização, sonhando e suspirando pelos
limpeza e manutenção satis- cantos e de que apenas elas amam
fatória e para as adolescentes, demais – alguns homens também
respostas positivas em relação o fazem – e mostra que o amor se
a essas exigências consistindo, torna uma dependência quando:
portanto, em manter o local Amar significa sofrer e esse amor
é alguém problemático, inade-
onde habitavam limpo e salubre,
quado ou indisponível; Todos
além de proporcionar mudan-
os nossos pensamentos e atos
ças de mentalidade no tocante a são voltados para esse alguém;
valorização pela compreensão e É mais importante resolver os
entendimento do ambiente em problemas dele do que os nossos;
que permanecem. Somos incapazes de abandonar
esse relacionamento doentio
“AMOR COM AMOR SE PAGA” devido ao medo de nos sentirmos
vazias e solitárias.
J US T I F IC AT I VA: A ini-
ciativa deste Projeto surgiu da

93
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A autora também mostra que, arte e o que suscitou também num


exercício de criatividade.
Como qualquer dependência,
Desta forma, oferecemos uma
esse tipo de amor deve ser tratado oportunidade a mais de ativi-
seriamente e sem preconceitos dade com as adolescentes e, com a
para que se elimine essa compul- mesma maturidade que a questão
são, pois a maioria das mulheres evoluiu em nossa equipe, mostra-
já amou demais ao menos uma mos que hoje a Sustentabilidade
vez na vida, e para muitas a expe- não é mais um diferencial, é obri-
riência se repete continuamente. gação de todos nós.
Para além da questão sobre
sustentabilidade, o trabalho socio-
“SOS NAT U R E Z A – A A RT E educativo nos mostra constante-
DE R E A P ROV E I TA R” mente a necessidade de Repensar
Nossos Hábitos e Atitudes. É um
eterno aprendizado sobre o com-
J US T I F IC AT I VA: Dentro
portamento e a existência humana,
de uma perspectiva simplista
no qual as nuances e variáveis são
no que tange os benefícios e a
muitas e tudo é importante. O
responsabilidade com sustenta-
CRIAAD Menina buscava reafir-
bilidade, sem muito aprofundar
mar e entrelaçar este subjetivismo,
nas questões sobre mentalidade
materializando o local institucio-
ou estratégia sobre o que é eco-
nal confortável, aconchegante,
logicamente correto, o CRIAAD
harmonioso no qual este repensar,
MENINA havia iniciado há
pudesse ser sentido na perspectiva
alguns anos a reciclagem de obje-
existencial e ambiental.
tos, a reutilização de produtos, a
redução de geração e descarte.
Nessa época, apenas vía- “INTEGRAÇÃO”
mos dentro das necessidades que
surgiam e os escassos recursos JUSTIFICATIVA: Os gestores
econômicos, a possibilidade de precisam acreditar na capacidade
transformar o que estava ao nosso que as equipes possuem de trans-
alcance em novas formas de uti- formação, descoberta, criação
lização do bem patrimonial, da e crescimento. Cada integrante
organização, de um objeto ade- do grupo traz uma riqueza de
quado ao desenvolvimento do experiências, conhecimentos e
trabalho, ou mesmo, uma possi- possibilidades que vão se reve-
bilidade de obra considerada de lando ao longo do tempo, na
construção do seu próprio saber.

94
CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

A iniciativa deste projeto surgiu “Esporte Legal”


desta crença e da necessidade de C
fortalecimento e inter-relação da Em parceria com a “Instituição
equipe, visando diminuir pos- do Homem Novo”, o projeto
síveis entraves existentes e que visava orientar e passar o maior
podem influenciar o trabalho conhecimento possível sobre a
da instituição, possibilitando prática do Futsal, respeitando as
assim um espaço em que tro- individualidades biológicas e o
cas interpessoais e profissionais desenvolvimento (físico e intelec-
aconteçam, permitindo então, a tual) das adolescentes, utilizando
formação da identidade profis- este esporte como fator de socia-
sional do grupo em um grande lização e educação e na formação
evento semestral dos aniversa- de cidadania e inclusão social,
riantes de todos os profissionais. através de iniciativas e ações didá-
ticas pedagógicas voltadas para a
interação de forma cooperativa,
Projetos em parceria competitiva, consciente e reflexiva.

Parques e Jardins
“Corte e Costura”
Em virtude dos altos muros,
Em parceria com a a temperatura do CRIAAD tor-
PETROBRAS/DEGASE/CECAP, o nou-se ainda mais elevada. Tal
referido curso objetivava ensinar situação levou-nos a procurar
e estimular o profissionalismo na alternativas para minimizar o
feitura de peças de roupas, bol- problema, desdobrando-se na cria-
sas, necessaires, estojos e outros ção de parceria com a Fundação
objetos voltados ao tema para tra- Parques e Jardins que elaborou um
balharem em casa, ou na área de Projeto de Arborização na unidade,
confecção e ajudar na renda fami- incluindo a doação e plantação de:
liar, melhorando as condições e Paus Brasil, Escumilhas, Ipês Roxo,
qualidade de vida e informando Grumixamas, Jambo, Orelha de
também através de palestras Negro, Murtas e Palmeiras Arecas.
sobre economia solidária, reapro- A aquisição das mudas pro-
veitamento, sustentabilidade e porcionou o desenvolvimento de
respeito ao meio ambiente. um projeto de jardinagem no qual
cada planta era cuidada pelas ado-
lescentes que tinham seus nomes
em plaquinhas colocadas nos

95
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

vasos de suas responsabilidades. • CIEP 418 ANTÔNIO CAR-


Este foi um projeto inovador no LOS BERNARDES MUSSUM: in-
CRIAAD e trouxe grande motiva- serção das adolescentes no Ensino
ção para as residentes. Regular Fundamental e Médio.
Ainda na busca deste conceito, • ESCOLA MUNICIPAL
reutilizamos toras de madeiras NARBAL FONTES, ESCOLA MU-
doadas, que seriam jogadas no NICIPAL CYRO MONTEIRO e •
lixo, em bancos para sentar, pinta- ESCOLA MUNICIPAL BÉLGICA:
das apenas no assento com cores inserção das adolescentes no En-
vivas e deixando o ambiente con- sino Regular Fundamental.
vidativo e acolhedor. • ESCOLA MUNICIPAL
MAURICE MAETERLINCK: inser-
Campanha de vacinação contra ção das adolescentes no Ensino
poliomielite Regular Fundamental.
• VARA DE EXECUÇÕES
Em parceria com a Secretaria PENAIS (VEP): recebimento de
de Saúde, a Policlínica AUGUSTO apenados para cumprimento de
AMARAL PEIXOTO, duas vezes prestação de serviços comunitá-
por ano, realizava a campanha aten- rios. Importante destacar que um
dendo crianças entre um a cinco deles tornou-se funcionário efetivo
anos de todo o bairro da Unidade. da empresa VIGO trabalhando
conosco há dez anos.
Parcerias Religiosas • I, VII, X e XV Juizados
Especiais Criminais (JECRIM’s):
Assegurando o acesso à recebemos autores do fato que
liberdade de crenças, ao culto e pagam cestas básicas. Através de
às praticas religiosas, conforme ofício junto aos juízes, solicitamos
preconiza o ECA e SINASE, o que o pagamento seja em produ-
CRIAAD Menina possuía quatro tos, materiais, eletrodomésticos,
frentes de trabalho junto a Igreja eletroeletrônicos, utensílios de
Batista, Metodista e Universal e cozinha etc que atendam as neces-
Arquidiocese. sidades de manutenção, obras e
conforto para Unidade.
Parcerias Institucionais • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
INTERDISCIPLINAR DE AIDS
ABIA: apresentação teatral sobre
• ESCOLA MUNICIPAL ALE-
AIDS com grupo de adolescentes
XANDRE FARAH: inserção das
(uma vez ao ano).
adolescentes no Programa de Edu-
cação para Jovens e Adultos (PEJA).

96
CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

• CAPSI VILLA LOBOS e ALBUQUERQUE (UPA): atendi-


CAPS LINDA BATISTA, - Centro de mentos clínicos e odontológicos C
Atenção Psicossocial Infanto Juve- emergenciais.
nil: instituição de tratamento e apoio • Parques e Jardins: inicial-
às adolescentes que necessitam. mente, projeto pelo engenheiro
• CAPS – AD RAUL SEIXAS e florestal, plantação de arvores e
CAPS – AD MANÉ GARRINCHA plantas e continuidade em dações
– Centro de Atenção Psicossocial de plantas ornamentais.
Álcool e drogas: instituição de • Quartel do Corpo de
tratamento e apoio às adolescen- Bombeiros de Deodoro: Oferece
tes que necessitam. espaço para treinamento físico das
• HOSPITAL MATERNIDADE adolescentes e doações de esporte.
ALEXANDER FLEMING: atendi- • PONTO CINE: conveniado
mento emergencial para gestantes, com a Petrobrás objetiva a projeção
parto e acompanhamento neonatal. exclusiva de filmes brasileiros que
• Clínica da Família de possuam mensagens de qualidade
Anchieta: Atendimento emergen- cultural e educativa. As adolescen-
cial, vacinas e ambulatório. tes assistem a aproximadamente
• POSTO DE SAÚDE FLÁVIO dois filmes por mês.
COUTO (Unidade de referência no • SINE ACARI: confec-
território de abrangência), atendi- ção das carteiras de trabalho.
mento odontológico, ginecológico Temporariamente temos sido atendi-
e clínico. Na necessidade de outros dos pelo SINE DUQUE DE CAXIAS.
atendimentos que não sejam ofe- • 167ª Zona Eleitoral – confec-
recidos por aquela unidade de ção dos títulos eleitorais.
saúde, a própria realiza os encami- • NUCLEO DE ARTE
nhamentos para outras unidades. GRANDE OTELO: oferece cursos
• POLICLÍNICA AUGUSTO às adolescentes.
AMARAL PEIXOTO: tratamento, • CENTROS DE REFERÊN-
exames ginecológicos e clínica CIA ESPECIALIZADOS DE ASS-
médica ambulatorial. Unidade SISTÊNCIA SOCIAL (Capital e
responsável pela campanha de Municípios onde as adolescen-
vacinação contra poliomielite tes residem) – pólos de referência,
que ocorre duas vezes por ano que articulam e coordenam a pro-
no CRIAAD, como resultado de teção social especial, responsável
parceria firmada em 2003 com a pela oferta de orientação e apoio
Secretaria de Saúde. especializados e continuados a
• UNIDADE DE PRONTO indivíduos e famílias com direitos
ATENDIMENTO RICARDO DE violados, direcionando o foco das

97
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ações para a família, na perspec- direitos, deveres, formas de sanção


tiva de potencializar e fortalecer – sempre visando orientar a inter-
sua função protetiva. Oferecem venção e o seu cumprimento.
acompanhamento psicossocial Destacamos a figura do
individualizado e sistemático a CONSELHO DISCIPLINAR,
crianças, adolescentes em situação pelo qual se buscava a defesa
de risco ou violação de direitos, a dos direitos das adolescentes, de
adolescentes autores de ato infra- forma democrática, participativa
cional e suas famílias. e constituindo-se em importante
instrumento de avaliação, perso-
nalização, mediação de conflitos
Um novo olhar sobre a gestão e impasses institucionais, muitas
disciplinar vezes protagonizados pelas ado-
lescentes em íntima vinculação
Na constante busca por um com suas histórias de vida.
trabalho socioeducativo de exce-
lência, a crescente recém-chegada
de servidores, novos paradigmas Cartilha CRIAAD MENINA
afinados aos parâmetros norte-
adores das ações recomendadas Apresentação: Inspirada na
pelo SINASE, diplomas e protoco- necessidade de oferecer maior e
los nacionais e internacionais que melhor visibilidade e fundamen-
tratam da questão, surgiu a neces- tação nos trabalhos desenvolvidos
sidade de apresentar e refletir junto por aquela unidade, o que inclui
com toda a equipe e dentro de cada funcionário lotado, os novos
aspectos legais a sistematização e que chegarem e a todos os envolvi-
normatização de procedimentos e dos nesta missão.
regras de convivência, que repou- A presente cartilha visava nor-
sem sobre uma nova abordagem tear o trabalho desenvolvido pelos
disciplinar para as adolescentes vários segmentos profissionais,
que cumpriam medida socioedu- bem como a conduta das residen-
cativa naquela unidade. tes em cumprimento de medida
Adotado sob o formato de socioeducativa.
CARTILHA, a ser disponibilizado A referida cartilha se dividia
às adolescentes (parte reservada em três partes assim distribuídas:
a elas) quando de seu ingresso
no CRIAAD, as normas e rotinas Parte I – Atribuições dos cargos:
da unidade foram explicitadas de objetivando a transparência das
forma clara e objetiva - horários, responsabilidades e ações, foi

98
CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

transcrita a obrigação de fazer de ou violência; Pichação; Ofensas,


cada profissional da unidade, ini- agressões e ameaças; Dano ao C
ciando pela direção, coordenador, patrimônio; Recolhimento.
equipe técnica, socioeducadores,
administrativos, cozinheiras e
auxiliares de serviços gerais. Ficaram estabelecidas as seguin-
Parte II – Rotina da Unidade: tes categorias de sansão:
contemplando os horários de 1. LEVE – Advertência verbal
todo o cotidiano durante as 24 2. MÉDIA - Restrição de lazer
horas do dia. 3. GRAVE – Restrição de final
Parte III – Normas gerais e enca- de semana e encaminhamento à
minhamentos disciplinares. D.P.C.A.
4. GRAVÍSSIMA – Encaminha-
mento ao juizado para regressão
A disciplina deve ser conside- de medida.
rada como instrumento norteador
do sucesso pedagógico, tornando
o ambiente socioeducativo um Como funcionava o Conselho
polo irradiador de cultura e Disciplinar e sua importância
conhecimento e não ser vista
apenas como instrumento de Um órgão autônomo e deli-
manutenção da ordem institucio- berativo de apuração de fatos, em
nal (SINASE, 2006, p. 55). que eram discutidos, analisados e
Fundamentado nesta pre- decididos assuntos relacionados
missa, a cartilha continha anexos às medidas disciplinares, como
e 13 artigos: Ingresso na Unidade e integração das adolescentes, con-
desdobramentos deste momento; vivência, alteração ou criação de
Escola e cursos; Relacionamento normas de procedimentos, e de
entre adolescentes e funcionários; assuntos relacionados à conduta e
Atendimento técnico; Objetos de avaliação da própria equipe etc.
valor e/ou dinheiro Aparelhos Também instância institucio-
celulares; Computador/Internet; nal com competência/autoridade
Revistas; Finais de semana para a aplicação de medidas dis-
e retorno; Adulterações de ciplinares internas se revelava
documentos; Higiene pessoal; como importante instrumento
Lavagem de roupas; Passeios; pedagógico que estimulava a res-
Entradas ou porte não permi- ponsabilização das adolescentes
tidos; Alojamentos; Refeições/ sobre suas próprias ações e sobre
Refeitório; Sala de lazer; Som/ as consequências das mesmas.
TV/DVD/Filmes/Jogos/Karaokê; A existência deste conselho
Apologia ao crime, drogas, sexo permitiu-nos que tomada de deci-

99
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

são em situações singulares fosse as normas e procedimentos que


pautada em: imparcialidade; visão orientavam nossas ações, con-
integrada e composta pelos diferen- tidas na Cartilha de Normas
tes setores profissionais da unidade; Disciplinares. Nessa perspectiva,
alinhamento e fortalecimento da buscamos compreender, num pri-
equipe nas decisões institucionais; meiro momento, o significado de
ponderações sobre as motivações alguns conceitos: normas signifi-
e as consequências de decisões cam o cumprimento das regras de
tomadas; redução significativa de acordo com determinados valores
imprevisibilidades e de discricio- (www.anpocs.org.br). No campo
nariedades nas decisões. jurídico, uma norma se manifesta
A composição do Conselho por meio de regras ou princípios.
Disciplinar era respaldado nos Regra serve para disciplinar e/ou
princípios fundamentais da par- ordenar uma determinada situa-
ticipação democrática. Desta ção. Já a palavra disciplina deri-
forma, era composto por repre- va-se de discípulo, ambas têm
sentantes de todos os setores da origem do termo latino para
unidade de forma equitativa e com pupilo que, por sua vez, significa
a participação da direção e/ou seus instruir, educar. www.origem-
representantes. dapalavra.com.br. Constamos que
As decisões proferidas pelo nem mesmo em sua etimologia,
Conselho respeitavam a gravidade a disciplina está atrelada a ações
do fato, seu contexto, e o processo punitivas, mas sim educativa.
socioeducativo da adolescente,
acompanhando a lógica do Plano
Individual da adolescente (PIA). Projeto Diálogos
Cabe ressaltar que, nos casos
em que o conselho era convocado Muito vinculado aos desdobra-
a intervir, o que se pretendia era mentos do Conselho Disciplinar,
o entendimento e a aceitação por pode-se afirmar que a dinâmica do
parte da educanda de que as medi- debate avançou além da constru-
das disciplinares deviam ter por ção do documento e conspirando
objetivo que ela encontrasse um positivamente para a aproximação
novo meio de relacionar-se e não entre os diversos atores envolvi-
meramente um modo de punição dos - agentes, técnicos, pessoal
a uma norma desacatada. da administração e direção. Além
Não poderíamos falar de nor- disso, a troca de conhecimento
mas disciplinares sem explici- e socialização de experiências a
tar a nossa compreensão sobre partir de um processo reflexivo de

100
CRIAAD RICARDO DE ALBUQUERQUE

grande valia para a equipe de pro- que tivesse enfrentado. Tudo que
fissionais do CRIAAD Menina. não existe preço que pague. C
Acreditamos que os diversos Paradoxalmente a esta reali-
impasses encontrados em nosso dade, o Rio de Janeiro em crescente
percurso se devem a um con- estado de violência. A necessidade
junto de ideais, valores e práticas de criação das UPPs e a migração
que ainda constituem o pensar do tráfico de drogas para áreas
e o fazer de alguns funcionários mais distantes e menos vulnerá-
e, por conseguinte, um modo de veis. Ricardo de Albuquerque não
ser institucional. Características foi poupado. O que um dia havia
essas observadas durante a imple- sido de paz, com moradores sim-
mentação do “Projeto Diálogos” ples e trabalhadores, num curto
e podendo-se assim deduzir qual espaço de tempo foi invadido por
parcela dos servidores ainda traficantes que atuavam próximo a
comungavam com ideias que unidade. O risco para as adolescen-
remontam ao período anterior ao tes e funcionários tornou-se cada
ECA mas, as se oportunizarem do vez mais iminente e comunicado
debate, troca e reflexão, visíveis as autoridades, no dia 23 de outu-
mudanças de perspectivas foram bro de 2015 por decisão judicial, o
percebidas sobre o trabalho e o CRIAAD Menina foi esvaziado e
olhar para as adolescentes. fechado temporariamente.

Oração da Serenidade
A festa de debutante que não “Concedei-me Senhor, a serenidade
houve necessária para aceitar as coisas que
não posso mudar;
Quase quinze anos ininterrup- coragem para modificar aquelas que
tos de dedicação e investimento posso, e sabedoria para distinguir
físico, emocional e o registro na umas das outras”.
memória de uma equipe séria,
harmônica e comprometida com
o fazer profissional. O bom e REFERÊNCIAS
acolhedor ambiente de trabalho.
Momentos de alegrias com desa- BRASIL[1988]. Constituição
fios vencidos, vitórias alcançadas. Federal. Brasília: Saraiva 2009.
Vínculos construídos. Um colega BRASIL. Lei Federal nº
ouvindo e apoiando o outro por 8.069/1990. Estatuto da Criança e
alguma frustração ou dificuldade do Adolescente. Brasília, 1990.

101
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

NORWOOD, Robin MADA BRASIL. Documento preli-


Mulheres que Amam Demais ed. minar de Descentralização do
Mandarim 1998. Comentários reti- Sistema de Atendimento a meno-
rados da contra capa. res do Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: MINISTÉRIO DA
OSHO, Yoga, The Alpha & The
PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
Omega, Vol. I. O Significado de
SOCIAL,FUNABEM, -1987. Brasil
Disciplina Disponível em www.
Projeto Pedagógico Institucional,
humaniversidade.com.br Acesso
Novo DEGASE, RJ, 2010.
em 15 de março de 2012.
PEREIRA, Cláudia de Paulo. A
DELORS, Jacques et al.
Sexualidade na Adolescência: os
Educação: um tesouro a desco-
valores hierárquicos e igualitá-
brir. Relatório para a
rios na construção da identidade
UNESCO da Comissão e das relações afetivo-sexuais
Internacional sobre Educação para dos adolescentes. Rio de Janeiro:
o Século XXI. 10ª ed. São Paulo: Fiocruz, 2002.
Cortez; Brasília: UNESCO, 2006.
Regras Mínimas das Nações
GIL, Antônio Carlos. Métodos Unidas para a Administração da
e Técnicas de Pesquisa Social. Ed. Justiça de Menores –
Atlas. 5ª. ed. São Paulo, 1999.
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GUNTHER, I. Adolescência e 1985.
Projeto de Vida. Cadernos Juven-
Brasil Lei Federal nº 12594/2012
tude, Saúde e Desenvolvimento, vol.
Lei do SINASE. Brasília, 2012
I Brasília: Ministério da Saúde. 1999.
MINAYO. M. C. S. (Org.).
Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.

102
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA C

Taiguara Libano Soares e Souza1

Conforme lecionam os juristas ceito de criminalização, tributário


Nilo Batista e Eugênio Zaffaroni, dos preceitos da Escola da Cri-
“todas as sociedades contempo- minologia Crítica2. Superando o
râneas que institucionalizam ou Paradigma Etiológico, hegemô-
formalizam o poder (estado) sele- nico na então Criminologia tradi-
cionam um reduzido número cional, de viés positivista, a Escola
de pessoas que submetem à sua Crítica revoluciona o método de
coação com o objetivo de impor- estudo criminológico ao adotar o
-lhes uma pena” (ZAFFARONI, Paradigma da Reação Social como
BATISTA et al., 2003, p.43). aporte norteador (BATISTA, 2011,
Esta intervenção seletiva do p.89). Deste modo, o objeto de aná-
poder punitivo dá ensejo ao con- lise é deslocado do criminoso e da

1 Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-Rio, Professor


do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da UFF (PPGDC-UFF),
Professor de Criminologia e Direito Penal do IBMEC-RJ, Professor de Direito
Penal da UFF, Professor de Direito Penal da Escola da Magistratura do Estado do
Rio de Janeiro, Professor da Pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e
Criminologia da UCAM, Diretor do Instituto de Defensores de Direitos Humanos.
2 Os discursos criminológicos críticos emergem na década de 1970 na Europa e nos
EUA, com a Escola de Berkeley. Sua origem encontra-se nos trabalhos de Taylor,
Walton e Young, na Inglaterra, com as obras The New Criminology, de 1973, e
Critical criminology, de 1975, nas quais buscam questionar a ordem social, ata-
cam os fundamentos do castigo aplicado às minorias, e por consequência, a não
punição do Estado. Nos Estados Unidos, os sociólogos Hans e Schwendinger fo-
ram os pioneiros. Na Europa, além dos três supracitados, destacam-se, na Itália,
Dario Melossi, Massimo Pavarini e Alessandro Baratta, e ainda Simondi, Sack,
Baurman, Schumann e Bianchi contribuíam com este campo teórico. Durante os
regimes de exceção na América Latina, desenvolveram-se as obras de Lola Aniyar
de Castro, Roberto Lyra Filho, e Juarez Cirino dos Santos. Posteriormente, desta-
cam-se Eugenio Raúl Zaffaroni, Rosa Del Olmo, Nilo Batista, Vera Malaguti Batista
e Vera Regina de Andrade. Mais recentemente, podem ser destacados os trabalhos
de Gabriel Ignacio Anitua, Salo de Carvalho, Mauricio Dieter, Maximo Sozzo e
Roberta Pedrinha. Ver mais em: ANITUA, G. I., História dos pensamentos crimi-
nológicos; e BATISTA, V. M., Introdução crítica à Criminologia brasileira.

103
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

criminalidade, como dado ontoló- um bem negativo desigualmente distri-


gico, para os processos de crimina- buído de acordo com a hierarquia
lização, compreendendo o crime de interesses ditados pelo sistema
como status atribuído a determi- socioeconômico e segundo a desi-
nados comportamentos conside- gualdade social dos indivíduos
rados desviantes. (BARATTA, 1997, p. 161).
Esses processos podem ser Esta seletividade criminali-
divididos em criminalização pri- zante ancora-se nos processos de
mária e criminalização secundária. etiquetamento que serão objeto
Segundo Zaffaroni, Batista et al. central de análise da denomi-
(2003: 43), criminalização primá- nada teoria do labelling approach 3
ria “é o ato e o efeito de sancionar (Teoria do Etiquetamento) atra-
uma lei penal material que incri- vés da contribuição decisiva de
mina ou permite a punição de Howard Becker, segundo o qual
certas pessoas”, por sua vez, a cri- o desvio não corresponde a uma
minalização secundária “é a ação mera conduta individualmente
punitiva exercida sobre pessoas realizada, mas decorre de uma
concretas, que acontece quando construção social:
as agências policiais detectam
uma pessoa que se supõe tenha os grupos sociais criam o des-
praticado certo ato criminalizado vio ao fazer as regras cuja infra-
primariamente” (Ibdem). Desta ção constitui o desvio e aplicar
forma, evidencia-se a seletividade ditas regras a certas pessoas em
subjacente ao sistema penal. particular e qualificá-las de mar-
Os fatos criminais, para a teo- ginais (estranhos). Desde este
ria crítica, não são explicados pelos ponto de vista, o desvio não é
determinismos de ordem bioló- uma qualidade do ato cometido
gica, psicológica ou social, mas são pela pessoa, senão uma conse-
quência da aplicação que os ou-
predominantemente condiciona-
tros fazem das regras e sanções
dos pela realidade material. Por este para um ofensor (BECKER apud
viés, o criminólogo italiano Alessandro ANDRADE, 2006, p. 206).
Baratta (1997) aponta que constituem

3 Abordagem fundada por Howard Becker, sociólogo norte-americano, através


da publicação de sua obra Outsiders. A teoria do labelling approach, recebe in-
fluências das correntes de origem fenomenológica na sociologia - a etnometo-
dologia e o interacionismo simbólico, da Escola de Chicago. Ver ANITUA, G.,
História dos pensamentos criminológicos, p. 421-433, 2008; BECKER, H. S.,
Outsiders: estudos sobre sociologia do desvio, 1963; e CIRINO DOS SANTOS,
J., A Criminologia Radical, p. 69, 2008.

104
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

Conforme aponta Vera Regina Sobretudo nas obras As


de Andrade (2006), a introdução Prisões da Miséria e Punir os C
do labelling approach foi determi- Pobres: a nova gestão penal nos
nante para o Paradigma da Reação EUA, o autor analisa os impactos
Social (social reaction approach) da implementação das políticas
do “controle” ou da “definição”4. econômicas neoliberais nos EUA,
Partindo desta perspectiva a partir da década de 1980. De tal
teórica, o conceito notadamente modo, apresenta contribuição deci-
de criminalização da pobreza ganha siva para compreender o enlace
vulto a partir dos trabalhos de entre as transformações socioeco-
Loïc Wacquant, criminólogo e nômicas e o sistema punitivo na
sociólogo francês radicado nos presente quadra do capitalismo
Estados Unidos5. Em suas pala- pós-fordista, de modo a atualizar
vras: “Conduzindo uma investi- a tese inaugurada por Rusche e
gação etnográfica junto ao gueto Kirchheimer7 na década de 1930.
negro de Chicago, dei-me conta Como salienta Vera Malaguti
do quanto a instituição penitenci- Batista(2011), Wacquant sistematizou:
ária banalizou-se, com toda a sua
onipresença, na base da estrutura o eixo central desse novo movi-
social dos Estados Unidos”6. mento do capital que tratava de
4 Também chamada de Teoria do Labelling Aproach, trata-se uma subescola da cri-
minologia, enquanto Criminologia da Reação Social (juntamente com a etnome-
todologia e a criminologia radical). Centra sua análise sobre os processos de rotu-
lação e estigmatização gerados pelo sistema penal. Ver BARATTA, Criminologia
Crítica e Crítica do Direito Penal, 1997; e ANITUA, Gabriel, op. cit..
5 Wacquant, professor PhD da Universidade de Berkeley na Califórnia, destaca-
-se como um dos principais discípulos de Pierre Bourdieu. Seus temas de pesqui-
sa perpassam centralmente estudos comparativos sobre marginalidade urbana,
dominação étnico-racial, e a ascensão do Estado penal.
6 WACQUANT, Loïc. Entrevista concedida por Loïc Wacquant a Cécile Prieur
e Marie-Pierre Subtil em 29 de novembro de 1999. Tradução: Suely Gomes Costa.
Consultado em: http://www.uff.br/maishumana/loic1.htm. Acessado em: 02/07/2016.
7 George Rusche e Otto Kirchheimer, representantes da tradição marxista da
Escola de Frankfurt, publicam o livro Punição e estrutura social, em 1939, tida
como referencial para a Criminologia Crítica, apontando de modo pioneiro a re-
lação intrínseca entre os modelos de punição e a estrutura socioeconômica de
uma determinada época. O diagnóstico dos autores funcionou bem quando apli-
cado a sociedades pré-industriais em que o trabalho poderia ser forçado e pro-
dutivo, mas aparentemente se perde quando aplicada a sistemas de punição no
século 20 diante da crise do mundo do trabalho. Ver mais em: KIRCHHEIMER,
O.; RUSCHE, G., Punição e estrutura social, p. 273 et. Seq, 2004.

105
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

desmantelar o estado previdenci- aponta para o declínio do Welfare


ário para instituir o estado penal: State (Estado de Bem-Estar Social)
punir os pobres, a nova gestão e a ascensão do que denomina de
da miséria. Pesquisando o para- Warfare State (Estado Penal), preco-
digma estadunidense e também
nizando o incremento do aparato
sua disseminação pelo mundo, ele
contribuiu decisivamente para o
repressivo do Estado9.
fortalecimento dos nossos argu- A partir do momento em que o
mentos na luta contra a expansão Estado retrocede no que tange à sua
desse capital predador e contra dimensão prestacional de direitos
o grande encarceramento que se sociais, torna-se necessária a inter-
instituía (BATISTA, 2011, p.5). venção do seu aparato repressivo
em relação às condutas considera-
das transgressoras da lei e o rigoroso
Com efeito, nas últimas déca-
controle dos grupos sociais ditos
das, sob a égide do neoliberalismo,
ameaçadores da nova ordem. Este
assiste-se à ascensão do recrudes-
binômio conduz Wacquant (2003)
cimento das estratégias de con-
a fazer uso da expressão Estado
trole punitivo em quase todo o
Centauro para retratá-lo10.
Ocidente8, precipuamente nos Es-
Trata-se de uma nova forma
tados Unidos. Este movimento
política, um Estado híbrido de viés
deságua, sobretudo, no grande en-
“liberal-paternalista”, que exibe
carceramento, com o emblemático
rostos opostos nos dois extremos
aumento da população carcerária
da estrutura de classes:
dos EUA em um índice de 314%
em 20 anos (1970-1991), algo iné-
dito em uma sociedade democrá- ele é edificante e ‘libertador’ no
tica e raramente visto na maioria topo, onde atua para alavancar
dos países totalitários, segundo os recursos e expandir as opções
Garland (2008: 88). de vida dos detentores de capi-
tal econômico e cultural; mas é
Debruçando-se sobre as
penalizador e restritivo na base,
reformas nas políticas sociais
quando se trata de administrar as
implementadas nos EUA no último populações desestabilizadas pelo
quartel do século XX, Wacquant aprofundamento da desigualdade

8 Ibid, p. 20.
9 O fim da Guerra Fria e a queda do muro de Berlim demarcam a ascensão da
nova ordem mundial, cenário que torna obsoleta a necessidade de programas
governamentais orientados na filosofia do Estado-Providência.
10 O conceito utilizado por Wacquant simboliza ao mesmo tempo um ser dotado
de cabeça humana, representando o racionalismo liberal, e de corpo bestial, es-
pelhando sua face penal e de controle punitivo.

106
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

e pela difusão da insegurança do aprofundaram a marginalidade


trabalho e da inquietação étnica urbana e alimentaram o ressen- C
(WACQUANT, 2003, p. 20).11 timento étnico, ao mesmo tempo
em que erodiram a legitimidade
dos formuladores de políticas.12
Deste modo, o autor afirma
que o Estado, que se mostra inca-
paz de superar a crescente crise Nesta onda punitiva que se
social, empenha seus esforços em processa, o autor identifica cinco
uma gestão penal da miséria, na cri- grandes tendências da emergência
minalização das consequências da do Estado penal: a) o encarcera-
pobreza. mento massivo; b) ampliação hori-
Contrariando a leitura de zontal da rede de controle penal,
alguns estudiosos, Wacquant (2003) com a adoção de medidas como a
aponta que o fortalecimento e a parole e a probation; c) a hipertrofia
ampliação do setor penal do campo orçamentária do sistema penal; d)
burocrático não são uma resposta à a indústria do controle e a priva-
criminalidade, muito menos, uma tização do sistema penitenciário;
criação de especuladores sedentos e) e, por fim, a seletividade puni-
de lucro. Em sua visão: tiva racializada. Em sua análise “a
atrofia deliberada do Estado social
corresponde à hipertrofia distó-
O inchamento da instituição penal
pica do Estado penal: a miséria e a
é um tijolo no edifício do Leviatã
neoliberal. É por isso que ela está
extinção de um tem como contra-
estreitamente correlacionada, não partida direta e necessária a gran-
à onda de ‘ansiedades ontológicas’ deza e a prosperidade insolente do
da ‘modernidade tardia’, mas às outro” (WACQUANT, 2001, p.80).
mudanças específicas de fortale- O criminólogo italiano
cimento do mercado nas políticas Alessandro De Giorgi (2006), em
econômicas e sociais que desenca- sua obra A miséria governada
dearam a desigualdade de classe,

11 “O neoliberalismo realmente existente exalta o “laissez faire et laisez pas-


ser” para os dominantes, mas se mostra paternalista e intruso para com os
subalternos, especialmente para com o precariado urbano, cujos parâmetros
de vida ele restringe através da malha combinada de workfare fiscalizador e da
supervisão judicial”. WACQUANT, L., Punir os pobres - A nova gestão penal
da miséria nos Estados Unidos, p. 20 et. seq.
12 O autor apresenta diagnóstico distinto do apresenta por Jock Young, John
Pratt e Jonathan Simon para sinalizar as principais macroteorias opostas da mu-
dança penal recente. Apud WACQUANT, Três etapas para uma Antropologia
histórica do neoliberalismo realmente existente, p. 513.

107
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

através do sistema penal, apro- política de segurança pública tem


funda esta reflexão crítica acerca se caracterizado por um processo
do encarceramento em massa da de militarização que se acentua
força de trabalho excedente uti- nas últimas décadas, sobretudo
lizando a economia política da no Rio de Janeiro14. Da Doutrina
pena no desemprego pós-for- de Segurança Nacional, que elegia
dista. Em sua análise, aponta que o militante “subversivo” como ini-
os Estados Unidos “constituem migo público, passa-se à Guerra
um importante ‘laboratório so- às Drogas, que encontra na figura
cial’ em cujo interior se experi- do traficante de drogas o novo ini-
mentam estratégias políticas e migo público a ser combatido.
econômicas, que, posteriormente, A rigor, como salienta
são sistematicamente exporta- Wacquant, sequer necessita-se
das para o resto do mundo” (DE que de fato sejam traficantes,
GIORGI, 2006, p. 98). “basta que se pareçam com ele”,
Nesta esteira, na América “essas categorias ontológicas não
Latina, e notadamente no Brasil, necessitam mais praticar crimes,
em razão de se tratar da periferia mas tornam-se, elas próprias, cri-
do capitalismo, com histórico mar- mes” (WACQUANT, 2003, p. 49).
cado pelo colonialismo explorató- Neste processo de criminalização
rio, regime escravocrata e ditaduras da pobreza, comunidades peri-
civis-militares, as consequências féricas inteiras são etiquetadas
são ainda mais nefastas no que como fora da lei, dando ensejo a
tange à gestão penal da miséria13. intervenções autoritárias, tortura
Destaca-se que, após a transi- e execuções sumárias.
ção da ditadura militar brasileira
para a reabertura democrática, a

13 “A penalidade neoliberal é ainda mais sedutora e mais funesta quando aplica-


da em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições
e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de insti-
tuições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e
do indivíduo no limiar do novo século. Isso é dizer que a alternativa entre o
tratamento social da miséria e de seus correlatos (...) que visa às parcelas mais
refratárias do subproletariado e se concentra no curto prazo dos ciclos eleitorais
e dos pânicos orquestrados por uma máquina midiática fora de controle, diante
da qual a Europa se vê atualmente na esteira dos Estados Unidos, coloca-se em
termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da
América do Sul, tais como o Brasil e seus principais vizinhos, Argentina, Chile,
Paraguai e Peru” (WACQUANT, 2001, p. 4).
14 DORNELLES, J.R. W., Conflitos e Segurança – Entre Pombos e Falcões, pp. 162-168.

108
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

Vera Malaguti analisa tal ges- REFERÊNCIAS


tão penal da miséria nos marcos C
do neoliberalismo: ANDRADE, Vera Regina
Pereira de. A Ilusão da Segurança
O neoliberalismo, além de Jurídica: do controle da violência à
desmanchar o Estado previden- violência do controle penal. Porto
ciário (o welfare state), investe Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
no Estado penal. (...). O neolibe- ANITUA, Gabriel. História
ralismo cria a violência e cria a
dos Pensamentos Criminológicos.
criminalização da pobreza (...)
e principalmente na periferia Rio de Janeiro: Revan, 2008.
do capitalismo produz violên- BARATTA, Alessandro. Cri-
cia, barbárie e criminalização. minologia Crítica e Crítica do
Então você pega o menino que Direito Penal. Rio de Janeiro:
está soltando foguete e classi-
REVAN, 1997.
fica como “traficante”. A partir
daí, ele vai passar por um pro- BATISTA, Vera Malaguti.
cesso de brutalização que, no Introdução Crítica à Crimino-
final, ele realmente torna-se logia Brasileira. Rio de Janeiro:
uma “pessoa irrecuperável” 15. Revan, 2011.
BECKER, Howard S. Outsiders:
Por este prisma, convém bus- estudos sobre sociologia do desvio.
car compreender as peculiarida- Trad. Maria Borges, Rio de Janeiro,
des da difusão do Estado Penal Zahar, 2008.
e os contornos da criminalização
da pobreza na América Latina, em CIRINO DOS SANTOS, Juarez.
especial no Brasil. Neste intento, A Criminologia Radical. 3. Ed.
fatores históricos, políticos e econô- Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2008.
micos são relevantes para que não DORNELLES, João Ricardo
se incorra na equívoca transposi- W. Conflito e Segurança – Entre
ção mecânica do panorama traçado Pombos e Falcões. 2. Ed. Rio de
por Wacquant (2003) nos EUA16. Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
GARLAND, David. A cultura
do controle: crime e ordem social

15 BATISTA, Vera Malaguti. Entrevista concedida ao jornal A Nova Democracia.


Consultado em: www.anovademocracia.com.br. Acesso em: 01/03/2016.
16 Neste sentido, ver: SOUZA, Taiguara Libano Soares e. A Era do Grande
Encarceramento: Tortura e Superlotação Prisional no Rio de Janeiro. Tese de
Doutorado. Orientador. João Ricardo W. Dornelles. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2015.

109
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

na sociedade contemporânea. Rio edição revista e ampliada (2007).


de Janeiro: Revan, 2008. Rio de Janeiro: REVAN, 2003.
GIORGI, Alessandro de. A _______________. Três Etapas
miséria governada através do para uma Antropologia Histórica do
sistema penal. Rio de Janeiro: Neoliberalismo Realmente Existente.
Revan, 2006. Caderno CRH. Salvador, vol. 25, nº
RUSCHE, George; KIRCHEIMER, 66, p. 506-518. Salvador: UFBA, 2012.
Otto. Punição e Estrutura Social. _______________. As pri-
Rio de Janeiro: Revan, 2004. sões da miséria. Rio de Janeiro:
SOUZA, Taiguara Libano Soares Jorge Zahar, 2001.
e. A Era do Grande Encarceramento: ZAFFARONI, E.; BATISTA, N.;
Tortura e Superlotação Prisional no ALAGIA, A.; SLOKAR, A.. Direito
Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Penal Brasileiro. Vol. I. Rio de
Orientador. João Ricardo W. Janeiro: Revan, 2003.
Dornelles. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
ZAFFARONI, Eugenio Raúl.
2015.
Em busca das penas perdidas.
WACQUANT, Loïc. Punir os 5ª edição (2001). Rio de Janeiro:
Pobres – A Nova Gestão Penal da Editora Revan, 1991.
Miséria nos Estados Unidos. 3ª

110
CULTURA

CULTURA C

Adriana Facina1

Cultura é um termo polissê- nascença, do mesmo modo que não


mico. Poli é o mesmo que muitos há ser humano sem cultura.
e sêmico vem de semia, sentidos. Dois sentidos predominam
A palavra cultura tem muitos sig- quando falamos em cultura. O pri-
nificados. A sua origem remete ao meiro é aquele que associa cultura
cultivo da terra. Do mesmo modo a um saber erudito, ou às artes, filo-
que a terra tem de ser trabalhada sofia, enfim, àquilo que alguns con-
para que gere frutos, os seres sideram ser as obras mais elevadas
humanos não nascem cultos. A cul- do espírito humano. É neste sentido
tura deve ser apreendida e, desde que utilizamos expressões como
cedo, somos socializados na cul- “fulano é culto”, quando estamos
tura em que nascemos. Não existe, descrevendo alguém que sabe mui-
portanto, alguém que seja culto de tas coisas intelectualizadas, entende
1 É graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (1995), mes-
tre em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (1997), doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social/Museu Nacional/Universidade Federal do
Rio de Janeiro (2002), com pós-doutorado pela mesma instituição (2008-2009).
É professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Museu
Nacional/UFRJ. Tem experiência nas áreas de Antropologia e História, com ên-
fase em Antropologia Urbana e História Cultural, atuando principalmente nos
seguintes temas: experiência urbana e criação artística, literatura e letramento,
teorias da cultura, indústria cultural e mediações, música popular, criminali-
zação da pobreza, criação e fruição cultural em favelas. Integra o Laboratório
em Cultura, Etnicidade e Desenvolvimento (LACED), integra o grupo de pes-
quisa Observatório Indisciplinar de Fazeres Culturais e Letramentos (OICULT)
e o Núcleo de Estudos das Sociedades Complexas (NESCOM). Publicou, en-
tre outros, os livros Santos e canalhas: uma análise antropológica da obra de
Nelson Rodrigues (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004), Literatura e
sociedade (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004), Vou fazer você gostar de mim.
Debates sobre a música brega (Multifoco, 2011) e Acari Cultural (Mauad, 2014).
Desenvolveu pesquisa de pós-doutoramento sobre música e lazer popular no
Rio de Janeiro, com ênfase no funk. Atualmente pesquisa arte, produção cultu-
ral e práticas de letramento em favelas cariocas.

111
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

de ópera, música clássica, artes em si mesma, não precisa de


plásticas, história etc. Esse sentido objetivos políticos, econômicos,
da palavra cultura se desenvolveu religiosos. Assim, a arte e a cultura
no século XVIII na Europa, quando formariam uma espécie de campo
aquelas sociedades passavam por protegido da vida mecânica e sem
um processo de grandes transfor- sentido do mundo capitalista.
mações que gestavam o capita- O problema desta concepção
lismo. Essas transformações eram é que, em geral, ela está associada
recebidas com entusiasmo pela bur- a um elitismo. Como resistência
guesia e por grupos sociais que obti- a uma tendência predominante
nham seus lucros com o comércio, naquela época, muitos artis-
a agricultura mercantil ou a indus- tas, literatos, intelectuais vão ver
trialização nascente. Mas vários esse campo como acessível ape-
outros segmentos da sociedade as nas a poucos. Os artistas seriam
viam com grande desconfiança, gênios criadores, indivíduos toca-
pois a modernização ameaçava dos por um talento excepcional, e
seus modos de vida. Camponeses, a arte passa a ser vista como fruto
nobreza, artesãos, artistas e inte- dessa individualidade singular. O
lectuais percebiam que valores e público fruidor como pessoas “de
práticas que lhes eram significati- gosto”, gente vista como possuindo
vos estavam se perdendo em nome bom gosto e capacidade de discer-
da padronização, da mercantiliza- nir o que é ou não belo, sofisticado,
ção de tudo, do poder do dinheiro, refinado, profundo. Desse modo,
da pressa, do que alguns deles vão somente uma elite seria capaz de
chamar alienação, que é o estranha- produzir, fruir e compreender a
mento dos seres humanos entre si e arte e a cultura, defendendo esse
com a natureza (Facina, 2004). mundo contra a barbárie das mas-
A autonomização do campo sas brutalizadas pelo cotidiano
da arte e da cultura no mundo alienado e massacrante sob o capi-
contemporâneo tem a ver com essa talismo. Essa “elite do gosto”, nos
crítica às transformações trazidas termos de Bourdieu, é criada e
pelo capitalismo. A arte seria um perpetuada por mecanismos de
tipo de atividade humana na qual distinção social baseados nessa
a criatividade ainda seria possível, capacidade adquirida de consu-
em que o trabalho poderia ser sig- mir bens culturais valorizados
nificativo e não apenas sofrimento. (Bourdieu, 2007).
Uma finalidade sem fim, no dizer O outro sentido é o que en-
do filósofo Immanuel Kant. (2005) tende cultura como todo um modo
Uma atividade que tem validade de vida (Williams, 1979). A “alta

112
CULTURA

cultura”, mas também a cultura deu nos anos 1940, judeus e árabes
popular, os costumes, e mesmo há- conviviam em harmonia. Portanto, C
bitos mais corriqueiros em nossos as causas culturais servem muito
cotidianos, podem ser entendidos mais como uma justificativa para
como culturais. Um exemplo: to- legitimar aquele conflito e apre-
dos os seres humanos têm fome e sentá-lo como eterno, sem solução,
se alimentam, porém o que e como alimentando a indústria da guerra
comemos é parcialmente determi- e o genocídio do povo palestino.
nado pela cultura em que fomos Nesse culturalismo conservador,
socializados. Assim, comidas que a ideia de cultura ocupa o mesmo
para nós parecem deliciosas po- lugar que a noção de raça ocupava
dem parecer no mínimo estranhas nos discursos racistas e imperialis-
para outras populações. tas de finais do século XIX e início
Diferentemente da concepção do século XX, servindo para justi-
elitista, nesta concepção, que pode- ficar a dominação da periferia do
ríamos chamar de antropológica, globo pelos países industrializados
não existe ser humano sem cultura, e centrais do capitalismo.
nem povo sem cultura e nem mesmo Um outro debate importante é
culturas superiores ou inferiores a o que envolve a indústria cultural.
outras. Tão culturais quanto uma Este termo foi cunhado por Theodor
ópera de Verdi ou uma sinfonia de Adorno e Max Horkheimer em 1947
Beethoven são a capoeira, o can- e buscava explicitar a lógica da pro-
domblé, o jongo, o acarajé. Mas aqui dução da cultura como mercadoria
também há um problema. Muitas sob o capitalismo tardio. A cultura,
vezes essa concepção de cultura é assim como quase tudo sob o capi-
utilizada para explicar processos talismo, é passível de se tornar mer-
históricos ou políticos de forma sim- cadoria. E a indústria cultural é o
plificada. Assim, tudo seria cultural ramo da economia que se dedica a
em última análise, desprezando-se produzir bens culturais em larga
outros fatores econômicos, políti- escala. Bens estes que, segundo
cos e sociais que determinam os Adorno e Horkheimer, têm uma
processos históricos. Por exemplo: função de controle social impor-
quantas vezes não ouvimos dizer tante, pois alienam as pessoas,
que o conflito árabe-israelense na tornando-as conformistas, consu-
Palestina tem motivo religioso- mistas, incapazes de desejar e fruir
-cultural? No entanto, se formos outras coisas que não as que lhes
examinar com mais cuidado, antes são apresentadas pela indústria cul-
do estabelecimento do Estado de tural. Desse modo, por exemplo, o
Israel naquela localidade, o que se telespectador de novelas se tornaria

113
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

incapaz de gostar de outras formas mos o risco de cair numa postura


de narrativas mais densas e profun- elitista e autoritária.
das, pois ele ficaria anestesiado pela Para evitarmos posturas eli-
necessidade do entretenimento, de tistas e conservadoras, é preciso,
ver sem ter de pensar ou refletir, portanto, que vejamos a cultura
usando a televisão como mera vál- como parte da produção e repro-
vula de escape de um cotidiano dução material da vida e não como
massacrante de trabalho e escassez algo que paira acima dos confli-
(Adorno & Horkheimer, 1970). tos sociais, das questões econômi-
Essa crítica aos meios de cas e políticas. Falemos da arte ou
comunicação e entretenimento é de modos de vida, a cultura é parte
importante, mas ela gera uma visão de nossa vida material, pois nos ex-
muito pessimista que não leva em pressamos no mundo através dela.
conta que, por mais que a ideolo- Em uma entrevista para uma
gia da indústria cultural possa pesquisa que realizei sobre produ-
ser favorável ao conformismo e ção cultural em favelas, um jovem
busque manipular o público, as MC (cantor de funk) e ativista do
pessoas não são papéis em branco. Complexo do Alemão assim resu-
Nós sempre comparamos aquilo miu sua visão sobre o que era a
que vemos na telinha, lemos nos cultura daquele território: “Aqui
jornais, ouvimos nas rádios com temos uma cultura da sobrevivên-
nossas experiências de vida. Então, cia. Não tem água? Então emen-
sempre há mediações, brechas que damos os canos até que a água
contradizem os discursos hege- chegue a todos. Não tem luz?
mônicos e que abrem espaço para Fazemos emendas nos fios e leva-
a construção de visões de mundo mos a luz para os barracos. Não
alternativas. Por isso, o estudo da tem internet? Fazemos ‘gatonet’.
cultura de massa, dessa cultura É na solidariedade e na superação
tornada mercadoria, é tão precioso das dificuldades que construímos
para coletivos que possuem proje- nossa cultura. E é daí que nasce a
tos de transformação social. O que música, a poesia, a nossa arte.”.
o povo consome como arte e cul- Com essa fala, o jovem artista
tura, seus gostos, são importantes associa a criação cultural à luta
caminhos para estabelecermos os pela sobrevivência e às estratégias,
diálogos necessários à construção frequentemente criminalizadas,
de um mundo justo, democrático e para obter os recursos considera-
igualitário. Se desprezarmos isso, dos necessários à existência, sejam
rotulando como lixo cultural o serviços básicos (água e luz), seja
consumo cultural popular, corre- aquilo que permite compartilhar

114
CULTURA

a experiência do contemporâneo mundo (...), abstrair princípios


(internet). Essa perspectiva, com- gerais não é a melhor maneira de C
partilhada por agentes e coletivos explicar as formas da cultura. É
culturais que atuam em favelas melhor nos perguntarmos de que
os padrões específicos que obser-
e periferias, coloca a cultura no
vamos são evidências. Devemos
campo da complexidade, imbricada perguntar que tipo de consistên-
nos modos de vida e de reinvenção cia encontramos em cada padrão
do cotidiano presentes nas socia- específico, e por que essa forma
bilidades faveladas. Há, assim, um se desenvolveu justamente aí. A
forte significado atribuído à prática ausência de ordem não requer
como aquilo que orienta as ações explicação; antes, é a tendência a
de intervenção no mundo, mesmo formação de uma ordem parcial
aquelas relacionadas à leitura e à que precisa ser explicada, escla-
escrita, atividades que muitas ve- recendo quais as causas eficientes
específicas em jogo. (idem, p.126)
zes são associadas à “alta cultura”
e ao pensamento abstrato.
Por fim, é preciso ver a cultura Nesse sentido, Barth pro-
como complexidade, o que implica põe uma reconceitualização da
incorporar incoerências e contra- cultura, o que é particularmente
dições dos sujeitos às análises, importante quando estamos li-
evitando óticas que tornem homo- dando com práticas culturais
gêneas e estáticas práticas multicul- desenvolvidas em sociedades com-
turais e dinâmicas. Nas palavras plexas e, mais especificamente, em
do antropólogo Fredrik Barth: territórios favelados, estratégicos
para definições de políticas públi-
As pessoas participam de univer- cas e de disputas acerca do direito
sos de discursos múltiplos, mais à cidade. Para ele, os atores estão
ou menos discrepantes; cons- sempre posicionados, o que nos
troem mundos diferentes, parciais obriga a prestar atenção ao con-
e simultâneos, nos quais se movi- texto, à práxis, aos diálogos dos
mentam. A construção cultural atores entre si, à intenção comuni-
que fazem da realidade não surge cativa, à interpretação. Em síntese:
de uma única fonte e não é mono-
lítica. (BARTH, 2000, p.123)
Precisamos incorporar ao nosso
modelo de produção da cul-
E ainda: tura uma visão dinâmica da
experiência como resultado da
interpretação de eventos por
A atividade social é uma ativi-
indivíduos, bem como uma
dade contínua de produção do

115
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

visão dinâmica da criatividade REFERÊNCIAS


como resultado da luta dos ato-
res para vencer a resistência do ADORNO, T.; HORKHEIMER,
mundo. (idem, p.129)
M. Dialéctica del iluminismo.
Buenos Aires: Sur, 1970.
Essa luta faz parte dos fluxos BARTH, Fredrik. O guru,
de sentido que disputam signifi- o iniciador e outras variações
cados atribuídos à vida social na antropológicas. Rio de Janeiro:
contemporaneidade (HANNERZ, Contra Capa, 2000.
1992). Esses fluxos não são livres
e seguem permeados por relações BOURDIEU, Pierre. A distin-
de poder e pela desigualdade na ção: crítica social do julgamento.
distribuição das possibilidades São Paulo: Edusp, 2007.
do exercício da criatividade men- EAGLETON, Terry. A idéia de
cionada por Barth (2000). Dessa cultura. São Paulo: Unesp, 2005.
maneira, nas sociedades comple-
xas não é possível tratar a cul- FACINA, Adriana. Literatura
tura como algo partilhado de e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge
modo homogêneo, mas sim como Zahar, 2004.
“organização da diversidade” HANNERZ, Ulf. Cultural
(HANNERZ, 1992: 14). Complexity. Studies in the Social
Mais do que um conceito, Organization of Meaning.
cultura é uma ideia (EAGLETON, New York: Columbia University
2005) e um campo de debates Press, 1992.
políticos, no qual a neutralidade
KANT, Imannuel. Crítica da
é impossível. Cabe a nós refletir-
faculdade do juízo. São Paulo,
mos criticamente sobre teorias e
Forense Universitária, 2005.
práticas culturais que informam
nossa intervenção no mundo. MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos
Termino este texto com uma meios às mediações. Comunicação,
frase do poeta russo Wladimir cultura e hegemonia. Rio de
Maiakóvski: “A arte não é um Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
espelho para refletir o mundo, WILLIAMS, Raymond.Marx-
mas um martelo para forjá-lo”.2 ismo e literatura. Rio de Janeiro:
Zahar, 1979.
___________. Palavras-chave.
São Paulo: Boitempo, 2007.

2 A frase é atribuída ao poeta por biógrafos e especialistas em sua obra.

116
DEFENSORIA PÚBLICA

D
D
DEFENSORIA PÚBLICA

Eufrásia Maria Souza das Virgens1

O Estatuto da Criança e do efetuada em conformidade com a


Adolescente, ao regulamentar a lei e apenas como último recurso,
Constituição da República de 1988, e durante o mais breve período de
dispõe sobre a proteção integral tempo que for apropriado;
a crianças e adolescentes, assegu- c) toda criança privada da liber-
rando direitos fundamentais com dade seja tratada com a huma-
absoluta prioridade, nos termos nidade e o respeito que merece
do artigo 227 e disciplinando o a dignidade inerente à pessoa
procedimento de apuração de ato humana, e levando-se em consi-
deração as necessidades de uma
infracional, conforme o artigo
pessoa de sua idade. Em espe-
228 da Constituição. cial, toda criança privada de sua
Cabe também destacar que o liberdade ficará separada dos
Brasil ratificou em 1990, através do adultos, a não ser que tal fato
decreto 99.710, mesmo ano em que seja considerado contrário aos
foi editada a Lei 8.069, a Convenção melhores interesses da criança,
da ONU sobre direitos da criança e terá direito a manter contato
de 1989, que prevê como criança a com sua família por meio de cor-
pessoa antes dos 18 anos de idade. respondência ou de visitas, salvo
De acordo com o artigo 37 da em circunstâncias excepcionais;
Convenção da ONU: d) toda criança privada de sua
liberdade tenha direito a rá-
pido acesso à assistência jurídica
b) nenhuma criança seja privada e a qualquer outra assistência
de sua liberdade de forma ilegal adequada, bem como direito a
ou arbitrária. A detenção, a reclu- impugnar a legalidade da pri-
são ou a prisão de uma criança será vação de sua liberdade perante

1 Defensora Pública coordenadora da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da


Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

117
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

um tribunal ou outra autoridade Importante destacar, conforme


competente, independente e im- Lei Complementar 80/1994 com
parcial e a uma rápida decisão a a redação da Lei Complementar
respeito de tal ação. 132/2009, que o Defensor Público
tem como uma das funções ins-
O Estatuto da Criança e do titucionais a defesa dos direitos
Adolescente, marco normativo individuais e coletivos de crian-
importante por ser uma das pri- ças e adolescentes e outros grupos
meiras legislações da América La- vulneráveis (artigo 4°, XI), sendo
tina a se adequar à Convenção da importante papel assegurar o
ONU, traz as garantias processu- contraditório e ampla defesa aos
ais do devido processo legal (ar- adolescentes que respondem pela
tigo 110), além da igualdade na prática de ato infracional.
relação processual e defesa técnica No Estado do Rio de Janeiro,
por advogado e assistência judiciá- a Defensoria Pública existe há
ria integral e gratuita aos necessi- mais de 60 anos, tendo, com a edi-
tados (artigo 111, II, III e IV). ção do Estatuto da Criança e do
No procedimento de apuração Adolescente, o reconhecimento
de ato infracional, assim conside- da atuação do Defensor Público
rado aquele análogo a crime ou nos procedimentos de apuração
contravenção (artigo 103), é impres- de ato infracional.
cindível assegurar ao adolescente A Defensoria Pública pos-
defesa técnica por advogado ou sui órgãos de atuação em to-
por Defensor Público, sendo certo das as comarcas e, na capital,
que a realidade do sistema socioe- fica sediada a Coordenadoria de
ducativo e dos procedimentos em Defesa dos Direitos da Criança
cursos nas Varas da Infância e da e do Adolescente, que presta as-
Juventude é de quase totalidade sistência jurídica aos adolescen-
da assistência jurídica prestada tes em cumprimento de medida
pela Defensoria Pública no Estado socioeducativa de internação nas
do Rio de Janeiro. unidades situadas na Capital e
A Defensoria Pública, con- Baixada Fluminense e semiliber-
forme artigo 134 da Constituição dade na Capital, conforme delibe-
de 88, é Instituição essencial à ração 76 do Conselho Superior da
função jurisdicional do Estado, Defensoria Pública.
incumbindo-lhe a prestação de A Coordenadoria de Defesa
assistência jurídica integral e gra- dos Direitos da Criança e do
tuita aos necessitados. Adolescente foi criada em 2001 e
teve como objetivo inicial a pres-

118
DEFENSORIA PÚBLICA

tação da assistência jurídica aos participando de seminários e con-


adolescentes privados de liber- gressos de Defensores Públicos da
dade. Sua atuação foi ampliada Infância. O V Congresso Nacional
posteriormente para atender crian- foi realizado no Rio de Janeiro em D
ças e adolescentes em situação de julho de 2015 e contou com a par-
vulnerabilidade, dentre as quais a ticipação de diversos atores do
privação ao direito à convivência Sistema de Garantia de Direitos e
familiar e comunitária. importantes juristas, como Emílio
O trabalho desenvolvido pelos García Mendez, o qual foi consultor
Defensores Públicos em atendi- do UNICEF para a América Latina
mento nas unidades do Estado por ocasião da edição do Estatuto.
de cumprimento de medidas No importante trabalho sobre lei,
privativas de liberdade (interna- infância e democracia na América
ção) mereceu reconhecimento da Latina, afirma Mendez (1998) que
Organização de Direitos Humanos, o artigo 227 da Constituição de 88
pelo Human Rights Watch, no “representa uma síntese admirá-
relatório divulgado em junho 2005 vel da futura Convenção, que na
com a seguinte referência: época circulava em forma de um
anteprojeto entre os movimen-
Os defensores públicos visitam
tos que lutavam pelos direitos da
praticamente todos os centros de infância” (Méndez, 1998)
internação juvenil semanalmente. Além da defesa dos adolescen-
Não há nenhuma outra entidade tes nos procedimentos de apuração
autônoma do governo que esteja de ato infracional, cabe também à
presente com tal frequência no Defensoria Pública atender os ado-
sistema de internação juvenil lescentes que cumprem medida no
do Estado. Como resultado, a sistema socioeducativo.
Defensoria Pública tem um conhe- Existe também atuação insti-
cimento inigualável do sistema
tucional dos defensores públicos
e goza de alto grau de confiança
por parte dos jovens internos
da infância através da Comissão
(RELATÓRIO, 2005, p.41 e 42). Especializada de Promoção e
Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente do CONDEGE,
Importante destacar que a bem como comissão temática da
CDEDICA (Coordenadoria de ANADEP, que tem como fun-
Defesa dos Direitos da Criança e ção, dentre outras, acompanhar
do Adolescente) também tem por projetos de lei ou emendas que
atribuição dar apoio aos colegas e digam respeito a direitos de crian-
uniformizar entendimentos sobre ças e adolescentes. Além disso,
a defesa técnica através de teses,

119
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

tal comissão tem se manifestado, TEIRO, 2015) com dados da Polícia


através de nota pública, contrária a Civil em todo o Estado consta-
qualquer proposta de emenda para tando que no
redução da maioridade, uma das
quais tramita desde 1993 (PEC 171) estado do Rio de Janeiro entre
e é posteriormente somada a uma 2010 e 2014, o número anual de
árvore de apensos; proposta esta vítimas menores de 18 anos pas-
que entendemos além de inconsti- sou de 33.599 para 49.276, um
tucional, é incivil, posto que ainda aumento de 46,7% (contra um
foi não implementado o Estatuto aumento de 24,4% de vítimas
da Criança e do Adolescente no maiores de idade). Ao longo dos
sentido da garantia de direitos fun- cinco anos, foram 213.290 víti-
damentais. Também nos preocupa mas menores de idade, das quais
26,2% eram crianças (de zero a 11
tramitação de projetos de lei sobre
anos) e 73,8% eram adolescentes
aumento do tempo de internação, (de 12 a 17 anos). O dossiê Criança
por violar os princípios constitu- e Adolescente 2011 demonstrava
cionais da brevidade e respeito à que crianças e adolescentes eram
condição peculiar de pessoa em vítimas em 88,5% dos registros de
desenvolvimento. ocorrência sendo os adolescentes
O sistema de responsabili- autores de ato infracional na pro-
zação previsto no Estatuto da porção de 11,5%. (CABALLERO e
Criança e do Adolescente está ple- MONTEIRO, 2015, p.13)
namente de acordo com os princí-
pios consagrados na Constituição Já em relação ao adolescente
Cidadã de 88, inclusive o respeito acusado da prática de ato infracio-
à condição peculiar de pessoa em nal, segundo o Dossiê do ISP:
desenvolvimento, brevidade e ex-
cepcionalidade da medida de pri-
vação de liberdade, tal como prevê No estado do Rio de Janeiro,
entre 2010 e 2014, o número anual
o artigo 227, § 3º, V da Constituição
de adolescentes autuados em
da República.
flagrante passou de 4.039 para
Historicamente, crianças e 10.732, um aumento de 165,7%
adolescentes têm sido muito mais (contra um aumento de 72,2% de
vítimas de crimes do que autores adultos autuados em flagrante).
de ato infracional, conforme de- Ao longo dos cinco anos, foram
monstrado no Estado do Rio de 37.073 autuados com idade entre
Janeiro em estudo elaborado em 12 e 17 anos. (idem, p.17)
2015 pelo Instituto de Segurança
Pública (CABALLERO e MON-

120
DEFENSORIA PÚBLICA

Com toda assertividade e Defensoria Pública está relacio-


autoridade doutrinária, o mestre nado à tutela coletiva, como as di-
italiano Luigi Ferrajoli, no prefácio versas ações civis públicas, desde
à obra Infância, Lei e Democracia 2005, em relação a algumas unida- D
na América Latina, de Emílio des do DEGASE e as mais recentes
Garcia Mendez e Mary Bellof, de 2015 em relação ao Dom Bosco,
coloca a questão da não concepção GCA, EJLA, PACGC, CAI Baixada
de um direito da infância: e ESE, propostas pela CDEDICA e
da unidade de Campos proposta
Em nossa tradição jurídica, ao
pelo Defensor Público da referida
Direito – direito e infância são comarca. Destaca-se, assim, a im-
termos tendencialmente anta- portância não apenas da defesa dos
gônicos. Por um lado, estando interesses individuais como tam-
as crianças privadas da capa- bém coletivos dos adolescentes,
cidade de atuar, sempre foram mormente num quadro de super-
tratadas – e, antes disto, inclu- lotação que a cada dia piora, sendo
sive pensadas – muito mais como requerida, nesses casos, a aplica-
objetos do que como sujeitos do ção do artigo 49, II, do SINASE,
Direito. Por outro lado, o Direito
que prevê o direito a cumprir me-
dos “menores” sempre foi con-
cebido em nossa cultura jurídica
dida em meio aberto quando não
como um Direito menor, alheio houver vaga desde que o adoles-
ao horizonte teórico do jurista e cente não tenha cometido ato com
escassamente compatível com as violência ou grave ameaça contra
avançadas formas jurídicas do a pessoa. Na atual circunstância,
Direito dos adultos. A mencio- não havendo condições adequa-
nada “autonomia científica” do das para cumprimento de medida
Direito do Menor, tal como sus- privativa de liberdade, o caráter
tentam os organizadores deste socioeducativo acaba não sendo
volume, transformou-se de fato
percebido e principalmente a in-
em uma autonomia do Direito
Constitucional, ou seja, daquele
ternação mostra-se como medida
sistema de direitos e garantias meramente punitiva, através da
que constitui a substância do privação de liberdade sem o reco-
atual constitucionalismo demo- nhecimento de direitos, inclusive o
crático. (FERRAJOLI, 2005, p. 09) direito à educação.
Defender direitos de ado-
lescentes a quem se atribui ato
Além da defesa individual
infracional não é apenas um dever
dos adolescentes que são respon-
funcional, mas cumprir manda-
sabilizados pela prática de ato in-
mento constitucional, assegurando
fracional, importante papel da

121
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

aos adolescentes uma defesa que adolescentes com absoluta prio-


tenha possibilidade senão de ridade, conforme determina a
evitar imposição de medida ao Constituição, bem como rechaçar
menos que o cumprimento seja de qualquer proposta de redução da
acordo com os princípios legais e maioridade penal ou projeto de
constitucionais. aumento de tempo de internação,
Embora adolescentes respon- devendo ser aperfeiçoado o sis-
sabilizados pela prática de atos tema socioeducativo para que as
infracionais sejam vistos por parte condições de cumprimento das
da mídia e da sociedade como medidas, em especial privativas de
“perigosos e impunes”, título de liberdade, atendam aos requisitos
matéria do jornal O Globo de 23 legais, proporcionando efetiva res-
de setembro de 2012, eles têm sido socialização e não permanecendo
muito mais vítimas de um sistema como historicamente têm sido,
que reproduz desigualdades e in- meramente punitivas.
flige sofrimento e dor. O perfil dos Acreditamos que a Defensoria
adolescentes no sistema socioedu- Pública tem feito seu papel na
cativo – em sua maioria pobres e defesa dos direitos de crianças e
negros, com baixa escolaridade, adolescentes e a integração opera-
acusados em grande percentual cional entre os órgãos do sistema
da prática de atos análogos a cri- de garantia de direitos é uma dire-
mes patrimoniais ou tráfico de triz a ser aprimorada, tendo sido
drogas, esse inclusive tipificado tema do V Congresso Nacional de
na Convenção 182 da OIT como Defensores Públicos da Infância e
uma das piores formas de traba- da Juventude, realizado em 2015.
lho infantil, – deveria nos fazer Com a implantação do Núcleo
refletir sobre a ausência das po- de Audiência de Apresentação
líticas públicas de efetivação dos pelo Tribunal de Justiça em junho
direitos fundamentais e não ape- de 2016, através da assinatura de
nas exigir a responsabilização do convênio com a Defensoria Pública
adolescente quando o poder pú- do Estado do Rio de Janeiro, a Polí-
blico não cumpre seu papel de cia Civil e o DEGASE, Secretaria
promover direitos. Municipal de Desenvolvimento
Não queremos com essa afir- Social, dentre outros, para aten-
mação retirar do adolescente a dimento inicial do adolescente a
responsabilidade pela prática de quem se atribui ato infracional, foi
ato infracional, mas refletir sobre dado mais um passo no sentido
a falta de políticas públicas de da necessária integração entre os
atenção aos direitos de crianças e órgãos do sistema de justiça, espe-

122
DEFENSORIA PÚBLICA

rando com isso que a aplicação de muito evidente a necessidade de


medidas privativas de liberdade uma atuação cada vez mais com-
atendam os requisitos legais de bativa da Defensoria Pública, prin-
brevidade e excepcionalidade. cipalmente diante das condições D
Já o respeito à condição pecu- inadequadas do cumprimento das
liar de pessoa em desenvolvimento medidas privativas de liberdade,
deve ser preocupação do gestor sendo esse papel de importância
das unidades de atendimento so- numa sociedade em que o medo
cioeducativo, que no momento tem gerado a banalização da impo-
estão superlotadas, havendo di- sição de medida privativa de liber-
versas ações civis públicas pro- dade em prejuízo de se assegurar
postas pela Defensoria Pública e direitos fundamentais.
também pelo Ministério Público Conforme estabelece a Cons-
sobre a superlotação das unida- tituição de 88, é dever de todos
des do DEGASE. Cabe também ao assegurar com prioridade abso-
Judiciário zelar pelo cumprimento luta os direitos fundamentais de
desse princípio constitucional e le- crianças e adolescentes, e, no que
gal, evitando que os adolescentes diz respeito ao direito à liberdade,
permaneçam nas atuais condições para aplicação de medidas pri-
de violações de direitos. vativas de liberdade, devem ser
A aplicação do artigo 49, II, obedecidos os princípios de brevi-
da Lei 12.594/2012 (SINASE) – que dade, excepcionalidade e respeito
assegura o direito de cumpri- à condição peculiar de pessoa em
mento de medida em meio aberto desenvolvimento.
quando não houver vaga nas Como integrante do Sistema de
hipóteses de não se tratar de ato Garantia de Direitos, a Defensoria
cometido com violência ou grave Pública reafirma seu papel de pro-
ameaça contra a pessoa – é a única mover a defesa dos adolescentes
saída no quadro atual de super- de forma a se atender princípios
lotação das unidades do sistema constitucionais, assegurando o
socioeducativo, evitando que as devido processo legal, contraditó-
medidas socioeducativas sejam rio e ampla defesa, considerando
de fato meramente punitivas. que o adolescente jamais pode ser
Continuamos acreditando que mais gravosa que a do adulto.
o nosso papel é de promover di-
reitos e no atendimento aos ado-
lescentes a quem se atribui ato
infracional ou em cumprimento
de medidas socioeducativas, fica

123
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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124
DELEGACIA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE1 (DPCA)

DELEGACIA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO


ADOLESCENTE1 (DPCA)
D

Kelly Murat-Duarte2

A Lei N.8.069/1990 - Estatuto De acordo com o Estatuto, após


da Criança e do Adolescente es- os 12 anos de idade, o adolescente
tabelece as diretrizes para o passa a responder por sua con-
atendimento de crianças e a apre- duta perante a sociedade. Apesar
ensão de adolescentes envolvidos de ter garantido um atendimento
em ato infracional. Diferentemente pautado na proteção integral, estes
das orientações determinadas pe- jovens, ao se envolverem em situa-
los antigos Códigos de Menores, ção considerada contra a lei, podem
que indicavam que a autori- ser apreendidos por autoridade
dade policial poderia apreender policial, ser encaminhados para a
os menores “abandonados e de- Delegacia de Proteção a Criança e
linqüentes”3, o ECA surgiu para ao Adolescente ou para a delega-
alterar esta concepção e romper cia comum mais próxima e receber
com o ciclo de institucionalização os procedimentos necessários de
anteriormente implementado. acordo com o que preconiza o Esta-
tuto da Criança e do Adolescente4.

1 Artigo adaptado da dissertação de Mestrado intitulada: “Infância e adolescên-


cia: punição, controle e o Sistema de Garantia de Direitos”, defendida em 2009, no
Programa de Pós Graduação em Política Social na Universidade Federal Fluminense.
2 Graduada em Serviço Social (2001-2005), com Mestrado em Política Social (2007-
2009), pela Universidade Federal Fluminense/UFF. Docente na Pós Graduação em
Serviço Social e Sistema Sociojurídico, na UNISUAM, e Coordenadora da Pós-
Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais, pela FAGOC. Pesquisadora das
temáticas de violência urbana, direitos humanos, direitos da infância e juventude.
3 Decreto nº 17.943-a de 12 de outubro de 1927: “Art. 1º O menor, de um ou outro
sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será
submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção
contidas neste Codigo.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-
creto/1910-1929/d17943a.htm (Acesso em: 25/07/2016)
4 As crianças que se envolvem em situações consideradas ato infracional devem
ter atenção especial em seu atendimento. De acordo com o ECA, nenhuma crian-
ça pode ser apreendida e nem responder a nenhum procedimento policial.

125
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A apreensão dos adolescentes adolescentes, ou seja, alterando a


autores de ato infracional é reali- lógica de repressão construída his-
zada pela Polícia Militar em caso toricamente, rumo a uma política
de flagrante, ou pela Polícia Civil de proteção. Entretanto, nem todos
por mandado de busca expedido os Estados seguiram a indicação
pelo Juiz da área de Infância e de criar uma delegacia especiali-
Juventude. Uma vez entendida sua zada no atendimento de crianças e
ação como ato infracional, os arti- adolescentes vítimas de violência.
gos 171 a 190 do ECA determinam Os Estados do Rio de Janeiro, Acre,
os procedimentos para o atendi- Amazonas e Sergipe criaram suas
mento do adolescente que tenha DPCAs para atender casos de ado-
cometido a infração na presença de lescentes que cometeram ato infra-
adulto ou em companhia de outro cional5 (UNICEF, 2004).
jovem sob menoridade penal. Cabe Neste sentido, a DPCA do Es-
ressaltar que a apreensão deverá tado do Rio de Janeiro foi criada
ser efetuada sem expor o adoles- com a Resolução Estadual nº. 460, de
cente a constrangimento e situação 27 de março de 1991. Em substitui-
vexatória, não podendo ele, ainda, ção à antiga Delegacia de Menores,
ser conduzido ou transportado em sob a nomenclatura Divisão de
compartimento fechado de veículo Segurança e Proteção ao Menor
policial (ECA, art. 178). (DSPM)6, a DPCA criada recebeu o
A Delegacia Especializada de nome oficial de “Divisão de Prote-
Proteção a Criança e ao Adolescente ção à Criança e ao Adolescente”. De
teve origem em todo o Brasil com o acordo com esta resolução, foram
advento do Estatuto da Criança e mantidas as mesmas competências
do Adolescente, em 1990, preten- e estrutura organizacional da an-
dendo realizar o atendimento de tiga DSPM - Resolução Estadual nº.
crianças e adolescentes vítimas 362, de 5 de março de 1990, na qual
de violência cometida por pessoas se devem destacar os procedimen-
maiores de idade. A atuação desta tos direcionados aos adolescentes
delegacia estaria voltada para a em situação de ato infracional: “III
apuração de denúncias e investi- - A apreensão de menores infra-
gação de crimes contra crianças e tores e dos que se encontram em

5 Apenas no ano de 2004, foi criada uma delegacia especializada no atendimento


da violência contra crianças e adolescentes, sob o nome “Delegacia da Criança
e Adolescente Vítima – DCAV”, voltada para crianças e adolescentes vítimas de
violência (Resolução nº. 681, de 18 de junho de 2004). Esta delegacia também fica
localizada no Centro do Rio de Janeiro, e é única no Estado.
6 Resolução Nº 262 de 13 de dezembro de 1978.

126
DELEGACIA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE1 (DPCA)

possível estado de abandono ou para o registro da ocorrência e os


quaisquer das situações previstas devidos encaminhamentos. Ao ado-
em lei como interditas (...)”. (RIO lescente apreendido sem flagrante,
DE JANEIRO, 1990, p.2). deverá ser instaurado na delegacia D
Este inciso III da resolução um AIAI (Auto de Investigação de
de 1990 foi mantido em sua ínte- Adolescente Infrator), responsável
gra para definir as atribuições da pelo início da investigação do fato
nova DPCA no que se relaciona considerado infracional.
à apreensão de crianças e adoles- Já em situações que envolvam
centes. Embora quando da criação a apreensão do adolescente com fla-
da DPCA já existissem as diretri- grante7, instaura-se o AAAPAI (Auto
zes apontadas pelo Estatuto da de Apreensão de Adolescente por
Criança e do Adolescente, de 13 prática de Ato Infracional), no qual
de julho de 1990, que desconsi- serão colhidas as declarações dos
dera a nomenclatura “menor” e policiais. Todas essas informações
acaba com a doutrina de situação irão compor o processo a ser enca-
irregular, a resolução de 1991, foi minhado posteriormente ao Juizado
elaborada sem alteração e mantém da Infância e Juventude para análise.
a proposta de apreensão dos consi- Em casos que o fato conside-
derados “menores infratores e em rado delituoso ocorreu sem violên-
estado de abandono”, presente no cia ou grave ameaça, o responsável
antigo Código de Menores. também é chamado para a en-
No Estado do Rio de Janeiro trega do adolescente, sob a res-
foram criadas duas DPCAs, atual- ponsabilidade de apresentá-lo
mente localizadas uma no centro ao Ministério Público da Vara da
da capital e outra no centro do mu- Infância e Juventude, no mesmo
nicípio de Niterói. Sua estrutura dia, ou diante da impossibili-
está subordinada à Polícia Civil e dade, no primeiro dia útil após o
vinculada, no organograma políti- registro do fato, conforme orienta
co-administrativo, à Secretaria de o artigo 174 do ECA.
Estado de Segurança Pública. Para infração cometida com
Na inexistência de Delegacias violência ou grave ameaça, o primei-
Especializadas de Proteção a ro procedimento é a apreensão
Criança e ao Adolescente no local deste adolescente. Na delegacia ela-
em que ocorrer a infração, os pro- bora-se o AAAPAI e encaminha-se
cedimentos deverão ser realizados o adolescente imediatamente ao
em uma delegacia distrital comum Ministério Público.

7 Flagrante indica o momento, o efervescer do acontecimento, não podendo espe-


rar, para que se dê a apreensão pela autoridade (CÂMARA, 1998).

127
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

As equipes profissionais que duzida de DPCAs no Estado do


atuam nas Delegacias de Proteção Rio demonstra que a Secretaria de
à Criança e ao Adolescente, bem Estado de Segurança não prioriza
como nas delegacias comuns, pre- a necessidade de equipamentos
cisam efetivar sua prática profis- especializados para atender este
sional articuladas com a rede e segmento da população; a troca
em consonância com o que pre- constante de delegados evidencia
coniza o Estatuto da Criança e do a dificuldade no trabalho de sen-
Adolescente, diante da condição sibilização destes atores e no pro-
peculiar de desenvolvimento da cesso de fortalecimento da rede;
população infanto-juvenil. Dentro e a ausência de qualificação dos
desta perspectiva, a DPCA tem profissionais na temática de di-
como missão a tarefa de promover reitos da infância e adolescência
a repressão e a proteção simultane- indica que nem as delegacias es-
amente. Como delegacia especiali- pecializadas possuem profissio-
zada8 na proteção deste segmento nais especializados.
infanto-juvenil, integra-se ao A reflexão sobre a existência
Sistema de Garantia de Direitos, e as atribuições de uma DPCA
através do eixo de defesa, em con- torna-se fundamental para que
junto com o Conselho Tutelar, se compreenda se este equipa-
Minis­tério Público, Juizado da mento vem sendo utilizado como
Infância e Juventude 9. um instrumento de proteção ou
O poder público precisa estar em uma dupla punição destes
preparado para atender crianças jovens. Os entraves no atendi-
e adolescentes que transgredi­ram mento, capazes de resultar em
alguma norma, com o compro- demora do atendimento, em per-
misso da proteção de seus direitos noite em salas de custódia de
humanos e sociais. A dificuldade delegacias comuns, o desconhe-
da realização de um trabalho inter- cimento da rede de serviços por
setorial entre os profissionais que parte dos profissionais lotados
integram o Sistema de Garantia nas delegacias, podem implicar
de Direitos, parece ser essencial em práticas punitivas que vão
para este debate. A quantidade re- além da violência física.
8 As delegacias especializadas, criadas a partir da década de 1920, surgiram com
uma proposta diferenciada das delegacias comuns, fomentando a construção de
uma cultura de pesquisa e investigação, legitimando o trabalho dos especialistas
da área correspondente (NASCIMENTO, 2008).
9 O Sistema de Garantia de Direitos foi criado pelo CONANDA, através da Resolução
nº. 113/2006 e tem por atribuição organizar os atendimentos voltados para as crianças
e adolescentes em três eixos: eixo de defesa, de controle e de promoção.

128
DELEGACIA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE1 (DPCA)

O olhar dos gestores públicos cada adolescente atendido pelo sis-


não pode estar reduzido, dentro da tema de justiça brasileiro.
temática dos adolescentes autores
de ato infracional, ao cumprimento D
das medidas socioducativas e suas REFERÊNCIAS
unidades de internação. A ação
policial no ato infracional come- BRASIL. CONANDA.
tido por criança; a apreensão do Resolução nº. 113/2006. Dispõe sobre
adolescente; a estrutura de atendi- os parâmetros para a instituciona-
mento da delegacia; a efetividade lização do atendimento do Sistema
dos atendimentos e encaminha- de Garantia de Direitos. Disponível
mento realizados; bem como a em: <http://www.presidencia.gov.
existência de uma delegacia ver- br/estrutura_presidencia/sedh/.
dadeiramente especializada, com arquivos/.spdca/.arqcon/113resol.
profissionais capacitados, conhe- pdf>. Acesso em: 13/05/2008.
cedores não apenas da legislação
vigente, mas de todo o debate aqui BRASIL. Estatuto da Criança e
apresentado, precisam ser incorpo- do Adolescente. Lei Federal 8.069,
rados à agenda pública, com vistas de 13/ 07/ 1990. Secretaria Especial de
à garantia e promoção dos direitos Direitos Humanos, CONANDA. 3º
das crianças e adolescentes. edição, 2004. Disponível em: <http://
Esta proposta deve ter como www.presidencia.gov.br/estrutura_
meta minimizar os efeitos de re- presidencia/sedh/.arquivos/.spdca/
vitimização desses adolescentes eca.pdf>. Acesso em: 23/04/2007.
que, em geral, já se encontram em NASCIMENTO, A. A. A
situação de vulnerabilidade so- especialização sem especialis-
cial em mo­mento anterior à infra- tas: Um estudo sobre as práticas
ção. Entende-se que a orientação (in) formais de investigação e de
da política de segurança pública, as transmissão de conhecimento
técnicas empregadas pela equipe nas Delegacias Especializadas.
policial e a articulação com a rede Dissertação de Mestrado, Rio de
do Sistema de Garantia de Direitos Janeiro: UFRJ/IFCS, 2008.
apresentam-se de extrema valia
RIO DE JANEIRO. Resolução
para que a aplicação da medida so-
Estadual Nº. 460, de 27 de março
cioeducativa não tenha um caráter
de 1991. Dispõe sobre a alteração
apenas punitivo, como no período
da denominação da antiga Divisão
do Código de Menores, mas seja ca-
de Segurança e Proteção ao Menor.
paz de promover uma transforma-
Disponível em: <http://servproxy/
ção e o protagonismo na vida de

129
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

resoluções/res-1991/res460.asp>. Rio de Janeiro. ANO XVI, Nº 44,


Acesso em 14/02/2009. Parte, de 07/03/ 1990, p. 30.
RIO DE JANEIRO. Resolução UNICEF. Delegacias de
Estadual Nº. 362, de 05 de março Proteção e Infância. Coleção: Em
de 1990. Dispõe sobre as compe- Defesa dos Direitos da Criança e
tências da Divisão de Segurança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva;
Proteção ao Menor. Diário Oficial Brasília, DF: UNICEF, 2004.
do Poder Executivo do Estado do

DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES


SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

Janaina de Fátima Silva Abdalla1

Criação do DEGASE O marco legal para a sua


criação foi o Estatuto da Criança
A origem do Departamento e do Adolescente (ECA), quando
Geral de Ações Socioeducativas houve a redefinição das atribui-
- DEGASE não se constitui ape- ções dos estados e municípios.
nas com o ato governamental de Os abrigos para atendimento de
sua criação na década de noventa, crianças e adolescentes em situ-
mas é fruto de uma restruturação ação de vulnerabilidade social
política, administrativa e busca de ficaram ligados aos municípios,
mudanças de paradigmas ao aten- cabendo ao Estado a estrutura de
dimento a criança e adolescentes atendimento aos adolescentes em
no Brasil, em especial, a crianças conflito com a lei. Em consequ-
e jovens pobres, excluídos de todo ência, foi criado – em janeiro de
sistema de garantias de direitos, 19932 – o Departamento Geral de
em risco social e envolvidos em Ações Socioeducativas (DEGASE),
atos ilícitos. ligado a então Secretaria de Estado
de Justiça, com o objetivo de pro-

1 Pedagoga Degase. Diretora da Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire –


Novo Degase. Mestre em Comunicação, imagem e formação (UFF). Doutora em
Educação (UFF). Professora Faculdade Gama e Souza.
2Através do Decreto nº 18.493, de 26 de janeiro de 1993.

130
DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

mover, coordenar e controlar as Contexto Histórico do DEGASE


ações pertinentes:
No início dos anos 90, os
I. à prevenção, à ocorrência da organismos federais de execução D
ameaça ou violação dos direitos (a FUNABEM e sua sucessora, a
da criança e do adolescente; Fundação Centro Brasileiro para
a Infância e Adolescência – CBIA),
II. à defesa e garantia dos direi-
tos fundamentais e de proteção
os quais passaram a outras esferas
integral à criança e ao adoles- da administração pública.
cente, na forma da Constituição Na organização e estrutura
Federal e da legislação específica; do DEGASE, incorporaram-se 03
(três) unidades de Internação3 da
III. à integração operacional com
os órgãos do Judiciário, Ministé-
extinta FUNABEM/CBIA, situadas
rio Público, Defensoria Pública, na Ilha do Governador.
Segurança Pública e Assistência Criou-se a Unidade de Re-
Social, para efeito do atendimento cepção Socioeducativa - URSE,
inicial ao adolescente a quem se planejada com o objetivo de dar
atribua ato infracional; agilidade ao atendimento de crian-
IV. à execução dos programas ças e adolescentes, integrando
de atendimento às medidas dentro de um mesmo espaço físico
socioeducativas de proteção os órgãos da Delegacia de Prote-
específica aplicadas em con- ção à Criança e ao Adolescente, o
formidade com o Estatuto da Juizado da Infância e Juventude, o
Criança e do Adolescente. Ministério Público, a Defensoria e
a recepção do DEGASE (conforme
A criação do DEGASE aten- o que está preconizado no artigo
deu ao novo reordenamento das 88, inciso V do ECA).
políticas públicas no país, preco- Na mesma época, foram
nizadas na Constituição de 1988, implantadas unidades socioedu-
cujo texto valoriza a descentra- cativas denominadas de Centro
lização político-administrativa, de Recursos Integrados de Aten-
atribuindo aos órgãos federais dimento ao Menor - CRIAM
funções normativas e coordena- (dezesseis unidades construídas
doras e aos órgãos estaduais e no final dos anos oitenta, dis-
municipais a coordenação e exe- tribuídas pela capital e alguns
cução dos programas de proteção municípios do Estado), já aten-
à criança e ao adolescente. dendo ao Plano do Governo
Federal de descentralização do

3 Instituto Padre Severino, Educandário Santos Dumont e Escola João Luiz Alves.

131
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

atendimento às crianças e aos gica: encoraja a organização e a


adolescentes, originário da CBIA. implantação de projetos táticos
O Estado do Rio de Janeiro – mas a definição de programas
foi o primeiro Estado da fede- e a concepção operacional sur-
gem de um profundo raciocínio
ração a implantar o projeto de
diagnóstico; e do respeito à com-
descentralização, antes mesmo posição política e social de cada
da promulgação do Estatuto da região – interpretada por uma
Criança e do Adolescente, em ampla participação comunitá-
razão de ser o único Estado em ria, através de organizações e
que a FUNABEM/ CBIA (esta estruturas rigorosamente demo-
última de curta duração, em cráticas. (FIA, 1986, pp. 2-3)
período de transição) atendia
diretamente às crianças e aos
A concepção do projeto de
jovens em seus internatos.
descentralização do “atendimento
A política de descentralização
ao menor” no Rio de Janeiro tinha
apontava para a necessidade de
como ideias balizadoras: a pro-
integração de recursos (munici-
posta de ação conjugada entre
pais, estaduais e federais), para a
diferentes parceiros; interdisci-
participação comunitária e para a
plinaridade; e estruturação do
ação conjugada entre os diferentes
atendimento em pequenas unida-
atores sociais envolvidos com as
des semiabertas nos municípios
questões da infância e juventude.
próximos às moradias dos adoles-
No documento sobre a origem
centes e suas famílias.
dos CRIAMs, anterior ao ECA/
Porém, atendimento socioe-
DEGASE e pertencente a Fundação
ducativo para os adolescentes em
para a Infância e Adolescência –
conflito com a lei, principalmente
FIA-RJ, percebe-se o processo de
a de privação de liberdade, sem-
descentralização refletindo o início
pre foi visto a partir de uma visão
do processo de redemocratização
repressora e prisional. Da mesma
do país, com a intenção de “criar
forma que se pune o adulto infrator,
condições para que se manifeste
a tendência é punir o adolescente
objetivamente a crença de que o
infrator, havendo, pois, uma dico-
‘menor é problema de todos nós’
tomia entre o discurso construído
– pedindo soluções criativas, inte-
em torno da lei e o do sistema ope-
ligentes, políticas e racionais. (FIA,
racional de atendimento.
1986, pp. 2-3)”. Afirma ainda que:
A nova lei, em princípio,
poderia significar novas concep-
o programa de descentralização ções de atendimento. No entanto,
tem uma dimensão estraté- o DEGASE herdou a mesma

132
DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

estrutura organizacional das uni- Liberdade Assistida e a Prestação


dades pertencentes à FUNABEM/ de Serviço à Comunidade 5.
FEBEMs/CBIA4 para o atendimento Poucos são os registros ofi-
em internação, as medidas priva- ciais da história do DEGASE D
tivas de liberdade: o Complexo durante 20 anos. Porém, através
da Ilha do Governador, a Escola dos meios de comunicação e dos
João Luiz Alves, o Instituto Padre relatos orais, aparece uma história
Severino, responsáveis pela execu- que nada tem de glamorosa: rebe-
ção de medida socioeducativa de liões, denúncias de maus tratos e
internação de adolescentes do sexo o não cumprimento dos preceitos
masculino, e o Educandário Santos legais do Estatuto da Criança e do
Dumont, para o atendimento a Adolescente, como a escolarização
adolescentes do sexo feminino e os e a profissionalização.
CRIAMs (FIA, 1988). Em 1994, houve o primeiro con-
Os CRIAMs – Centros curso público para funcionários
de Recursos Integrados para do Departamento. O quantitativo
Atendimento ao Menor – fica- mínimo, longe da necessidade real,
ram responsáveis pelo controle foi convocado a mudar o modelo
das medida de restrição de de atendimento ao adolescente
liberdade: a Semiliberdade, a herdado da antiga FUNABEM.

4 FEBEMs Fundação Estadual de Bem Estar do Menor – No estado do Rio de


Janeiro permaneceu a nomenclatura de FUNABEM, e em curto período CBIA,
e possuíam as seguintes unidades: Complexo de Quintino, Unidades da Ilha
do Governador, que eram constituídas por internatos como a Escola 15 de
Novembro, João Luiz Alves, Escola Odylo Costa Filho, Escola Mario Altenferder,
Escola Padre Anchieta, Escola Eduardo Bartlet James. Estas escolas possuírem
características diferentes no atendimento: menores infratores, meninas carentes,
meninos abandonados e crianças excepcionais (BAZILIO, 2004).
5 A Execução de Medida Socioeducativa por determinação dos Juizados da
Infância e Juventude prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente define, no
artigo 120, a Semiliberdade: “O regime de semi-liberdade pode ser determinado
desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a
realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”.
Já em relação à Liberdade Assistida, diz o Artigo 118: “A liberdade assistida será
adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompa-
nhar, auxiliar e orientar o adolescente”. O artigo 117 fala da Prestação de Serviço
a Comunidade: “A prestação de serviços comunitários consiste na realização de
tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto
a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêne-
res, bem como em programas comunitários ou governamentais”. In: Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei Federal nº8.069/1990.

133
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apesar da existência do Esta- transferidos provisoriamente para


tuto da Criança e do Adolescente, a Casa de Custódia Muniz Sodré,
o controle continuava sendo a unidade desativada do Complexo
palavra de ordem das unidades Penitenciário de Bangu.
de internação. Era preciso con- Em 1998, em respeito aos pre-
trolar os internos, não importava ceitos dos artigos 92 (inciso VI) e 124
a forma. As condições de vida (inciso VI) do ECA, que recomen-
nessas unidades também não pug- dam o atendimento personalizado
navam pela dignidade. e em pequenos grupos – dando o
direito ao adolescente de permane-
Fui mandado para a Escola João
cer internado na mesma localidade
Luiz Alves, para uma ala com mais ou em unidades mais próximas ao
de trinta adolescentes, depois de domicílio de seus pais ou respon-
passar mais de sete horas com sáveis –, a Secretaria de Estado de
eles num espaço mínimo, sujo e Justiça do Rio de Janeiro criou um
com pouca iluminação, cercado Grupo de Trabalho para elaborar
por grades. Um agente se apro- um projeto denominado Projeto de
ximou de mim e me perguntou Excelência, o qual planejou a rees-
o que eu estava fazendo ali, eu truturação do DEGASE no sentido
disse que era o meu posto. Então
de regionalizar o atendimento: “[...]
ele disse que ali era terra de nin-
guém, e que eu poderia ter sido
com a instalação de novas unida-
morto. Era área dos meninos. des e programas, sem desprezar o
(ABDALLA, 2013 – Entrevista de potencial existente no Complexo da
Agente de disciplina) Ilha do Governador, compatibili-
zando a racionalização dos recursos
com os princípios do ECA” (Projeto
O esgotamento técnico e Excelência, 1998, p. 2).
operacional do modelo em vigor Sob nova direção, o DEGASE
levou o sistema administrativo do firmou parceria com o governo
DEGASE a uma crise institucional, federal para liberação de verbas
exigindo uma corajosa reengenha- e a operacionalização do pro-
ria institucional. jeto. Porém, as verbas não foram
Em 1997, houve uma grande liberadas em sua plenitude, mas,
rebelião na Escola João Luiz Alves, ainda assim, parte do projeto
unidade de internação de ado- possibilitou avanços no sistema
lescentes do sexo masculino. O socioeducativo estadual.
incêndio então provocado destruiu Essa direção não permane-
grande parte do prédio no qual fun- ceu por muito tempo. As pressões
cionava a Escola. Os adolescentes do Judiciário, a falta de estrutura
que lá estavam internados foram

134
DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

administrativa e a morosidade de internação e entre os poderes


burocrática na liberação de verbas Executivo e Judiciário, tornando
para a implantação da reestru- os dirigentes políticos desses
turação humana e física das órgãos literalmente reféns, em D
unidades, agravadas pela super- alguns momentos, dos operado-
lotação e rebeliões constantes, res do sistema, mostra a concreta
não permitiram tirar do papel os luta de poder existente. Essa luta
avanços contidos na legislação em impossibilita a implantação de
termos de segurança cidadã e dos novos planos para melhorar as
direitos fundamentais do adoles- condições de vida dos adolescen-
cente em conflito com a lei. tes, personagens que deveriam
ser centrais nesta história, mas
A Penitenciária Muniz Sodré,
não são. A nova administração
onde estão internados 400 meno- do DEGASE deu continuidade ao
res infratores, é um cruel campo Plano de Excelência.
de concentração, que só difere dos O Programa de Cooperação
utilizados na 2.ª Guerra Mundial Técnica Universidade Estadual do
pelo espaço mais reduzido. A afir- Rio de Janeiro-UERJ e DEGASE,
mativa parece queixa de algum com o apoio do Ministério da
interno, mas foi feita pelo ex-di- Justiça, através da Secretaria de
retor do Departamento Geral Estado dos Direitos Humanos
de Ações Sociais e Educativas
e por meio de convênio com a
do Estado (DEGASE), Judá Jessé
Soares, que pediu demissão
Secretaria de Estado de Justiça,
quarta-feira. Não tenho fôlego iniciou novas ações socioeducati-
para essa desumanidade, diz o vas nas instituições do DEGASE.
ex-diretor. (...) Houve mudança No segundo semestre de 1998,
na filosofia do Poder Judiciário, foram convocados funcionários
que passou a internar mais, em concursados, reduzindo o número
vez de aplicar penas alternati- de contratados. A UERJ realizou um
vas. Ele refere-se ao juiz da 2.ª curso de atualização, envolvendo
Vara de Justiça da Infância e da técnicos e agentes educacionais.
Juventude, Guaraci de Campos
As unidades sofreram refor-
Vianna. Ele acha que faltam
vagas nas instituições, mas o que
mas estruturais. Foram estabele-
falta é política para essas crianças cidas parcerias com as secretarias
se desenvolverem. (O Estado de de Educação e de Trabalho e com
São Paulo, 19/05/1998) Organizações Não Governamen-
tais. Descentralizou-se o atendi-
mento, e novas unidades e projetos
O clima de desgaste e ten- foram inaugurados.
são permanente nas unidades

135
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A superlotação das unida- Penitenciários, sendo, portanto,


des agravava as condições de alocado junto com sistema peni-
atendimento aos adolescentes, tenciário dos adultos. A proposta
a centralidade das unidades de prisional, até na estrutura orga-
internação e internação provisó- nizacional, não diferenciava um
ria, todas localizadas na cidade departamento do outro.
do Rio de Janeiro, e inviabilizava Em 2002, a Superintendência
um trabalho articulado com as de Saúde, ligada à Secretaria de
famílias e as comunidades de ori- Direitos Humanos e Sistema Peni-
gem dos adolescentes. tenciário, à qual o DEGASE estava
Assim, visando atender as vinculado, instalou o Núcleo de
demandas da baixada fluminense, Avaliação Biopsicossocial Anita
região metropolitana ao Rio de Heloísa Mantuano “com o objetivo
Janeiro, foi criado, em setembro de traçar o perfil do adolescente
de 1998, o Centro de Atendimento em conflito com a lei e, assim, sub-
Intensivo de Belford Roxo, para sidiar programas de educação e
atender os adolescentes em conflito saúde individualizados” (Superin-
com a lei em regime de internação tendência de Saúde, 2002, p. 2).
da baixada e dos demais municípios Com o investimento fede-
do estado. Lembrando que a Casa ral no Projeto de Excelência e
de Custódia Muniz Sodré havia com a abertura do sistema pelo
dado lugar ao Educandário Santo grupo de funcionários concursa-
Expedito, em 1997, tornando-se dos, houve alguns avanços, como
mais uma unidade socioeducativa. a criação do CTR (Centro de Tria-
As rebeliões e denúncias de um gem e Recepção)6, atual Centro
sistema violento intensificaram-se Socioeducativo Gelso Carvalho do
na mídia impressa e televisiva. Amaral- CENSE GCA; a reestrutu-
Em 1999, houve a implantação ração do Centro Profissionalizante
de um ambulatório para trata- na Ilha do Governador; a criação
mento de dependência química, de Polo de Liberdade Assistida da
denominado Nossa Casa. Capital, deslocando para esse novo
Durante o Governo de Anthony órgão o atendimento anterior-
Garotinho, o DEGASE deixou de mente realizado pelos CRIAMs;
ser vinculado à Secretaria de Justiça e a Implantação de Projeto Nossa
para fazer parte da Secretaria de Casa e do Centro de Tratamento
Direitos Humanos e Assuntos para Dependentes Químicos.

6 O CTR é um centro de internação provisória e triagem para menores encami-


nhados pela Delegacia Especial da Criança e do Adolescente e pelo Juizado da
Infância e Juventude da Capital.

136
DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

Essas medidas não indicaram posta, os eixos e as ações estavam


mudanças significativas no coti- calcados na descentralização do
diano das instituições socioedu- atendimento socioeducativo; no
cativas de internação e internação fortalecimento da necessidade de D
provisória, na vida dos adolescen- um atendimento mais personali-
tes, uma vez que os agentes e téc- zado aos jovens; na valorização da
nicos responsáveis diretos pelo atenção às famílias; na implantação
contato com os adolescentes, não de unidades menores e regionali-
foram envolvidos nesses projetos. zadas; e na aplicação de um plano
Ou seja, aqueles que atuavam político-pedagógico centrado nos
junto aos adolescentes internos con- direitos humanos.
tinuavam reproduzindo práticas O projeto não saiu do papel.
institucionais punitivo-represso-
ras. A ausência de discussão crítica
e de formação técnica e o sucate- Novo DEGASE
amento das instituições, muitas
vezes, justificavam a contenção A partir do ano de 2006 com
física ou a aplicação de formas de a publicação pelo CONANDA da
violência física e simbólica. Resolução n° 119, que estabelece o
No período das eleições de Sistema Nacional de Atendimento
2002/2003, o DEGASE passou Socioeducativo (SINASE), é pos-
por diferentes gestões, em espe- sível verificar no Brasil, a reconfi-
cial na fase do governo liderada guração da gestão e execução do
pelo Partido dos Trabalhadores7. atendimento ao adolescente a quem
Durante esse curto período, o se atribui ato infracional. O SINASE
DEGASE passou a fazer parte da torna-se um documento-guia para
Secretaria de Direitos Humanos, os sistemas socioeducatativos bra-
separando-se do DESIPE. sileiros. A época, o DEGASE pas-
Ainda em 2002, foi criada uma sou por uma nova reestruturação
unidade de internação (15 leitos) física, política e administrativa.
para dependência química, deno- No mesmo ano o DEGASE
minada “Recuperando Vidas”. firma um Termo de Ajustamento
Em 2003, os servidores do de Conduta (TAC) junto ao
DEGASE elaboraram o plano de Ministério Público do Estado do
ação socioeducativo denominado Rio de Janeiro, no qual se compro-
“Traçando Caminhos”. Na pro- mete a descentralizar a execução

7 A vice-governadora Benedita da Silva, do PT, assumiu o Governo do Estado


para que o então Governador Anthony Garotinho pudesse para concorrer à
Presidência da República.

137
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

das MSE de acordo com o que esta- ESTADO DO RIO DE JANEIRO,


belecido pelo ECA. Desta forma, CEDCA 2014. p15 )
reorganiza as unidades geografi- Em 2009, os CRIAMs passam a
camente no território estadual. ser denominados Centro de Recur-
O ano de 2007 caracterizou-se sos Integrados de Atendimento ao
como um marco no atendimento Adolescente (CRIAAD), buscando
socioeducativo, no contexto nacio- romper com a lógica do termo
nal, pois o SINASE foi apresentado “menor”. Neste momento, há uma
como referência para uma política valorização da política de munici-
pública e o DEGASE recebeu insu- palização, e os CRIAADs passam
mos financeiros, a nível federal, a ser responsáveis exclusivamente
visando uma adaptação às novas pela execução da medida de semi-
bases conceituais, arquitetônicas liberdade, uma vez que até então
e metodológicas, tomando como os CRIAMs executavam também,
referência as normativas que ope- conforme o município, as medidas
racionalizavam o ECA; passando a de Liberdade Assistida e Prestação
se denominar o “NOVO DEGASE”. de Serviços à Comunidade.
A partir de 2008, a execução das Deste modo, o DEGASE
medidas socioeducativas começou passou a atender somente os
a seguir novas orientações, com o adolescentes envolvidos em atos
intuito de adequá-las às diretri- ilícitos em restrição (medida
zes dispostas no projeto SINASE, socioeducativa de semiliberdade)
o DEGASE passa a pertencer a e privação de liberdade (medida
Secretaria Estadual de Educação socioeducativa de internação,
Secretaria (SEEDUC), Decreto Lei internação provisória e triagem).
nº 41.334, de 30/05/2008, e a respeito Nos anos subsequentes, as
ao processo de municipalização unidades sofrem grandes refor-
e a primazia no cumprimento mas, visando se adaptarem aos
das medidas socioeducativas em parâmetros do SINASE, sendo
meio aberto: Liberdade Assistida transformadas em Centros de So-
e Prestação de Serviço à Comuni- cioeducação, além da instituição
dade, e passaram a ser executadas de novas unidades em uma po-
pelos Centros de Referência Espe- lítica de descentralização, sendo
cializada da Assistência Social inauguradas as unidades de in-
(CREAS) dos municípios, inscritas ternação localizadas nos municí-
na Política de Assistência Social. pios de Volta Redonda e Campos
(PLANO DECENAL DE ATENDI- dos Goytacazes. Atualmente, o
MENTO SOCIOEDUCATIVO DO DEGASE possui as seguintes 8
unidades de privação de liberdade

138
DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

(vide privação de liberdade), sendo tos e abertura para a realização


5 na Capital (Cense GCA, Cense de pesquisas acadêmicas nas uni-
Dom Bosco, Cense PACGC, EJLA), dades; convênios com instituições
1 na Região Metropolitana (CAI- públicas, privadas e do terceiro D
Belford Roxo), 1 em Volta Redonda setor; e o processo de municipali-
(Cense IAGU) e 1 em Campos de zação das medidas em meio aberto
Goytacazes (Cense PMHA); e 17 (ABDALLA, 2010b), são apresenta-
unidades de medidas socioeduca- das e registradas nos documentos
tivas de semiliberdade, os Centros institucionais. Órgãos de controle
de Recursos Integrados de Atendi- do sistema, representantes da so-
mento ao Adolescente (CRIAAD), ciedade civil e do sistema jurídico
localizados em vários municípios e do sistema de garantia de direitos
do estado do Rio de Janeiro (vide vêm acompanhando essa mudança.
semiliberdade). Tal configuração, Nos documentos do DEGASE,
indica uma forte centralização das aparecem a sua missão:
unidades de privação de liberdade,
mesmo que seja possível observar Instituição integrante do sistema
uma maior descentralização da de garantia de direitos reco-
execução da semiliberdade. nhecida nacionalmente como
Na última década, novas órgão de excelência, responsá-
produções conceituais são ela- vel pela execução da política de
boradas, destacando-se a cons- atendimento socioeducativo aos
trução do Plano de Atendimento adolescentes em conflito com a
Socioeducativo do Rio de Janeiro lei, em prol de uma sociedade
(PASE) e o Projeto Pedagógico livre, justa e solidária. (Missão
DEGASE, 2010)
Institucional do NOVO DEGASE
(PPI), ambos aprovados em 2010;
assim como os Projetos Políticos A missão define a perspec-
Pedagógicos de todas as unidades, tiva de um papel social a ser
caracterizando um direcionamento desempenhado pelo DEGASE na
sociopolítico ao sistema socioedu- sociedade, de modo a dar um rumo
cativo (DEGASE, 2014/2015). e distingui-lo de outros sistemas
Medidas concretas, como o socieducativos, destacando o que a
investimento na formação dos organização (instituição) deve fazer
profissionais (ABDALLA, 2013, na busca pela realização de sua
2014 e 2015); reformas nas unida- visão (missão), dando-lhe um perfil
des socioeducativas; construções institucional, definindo um territó-
de unidades descentralizadas; rio de atuação, criando um roteiro
normatização dos procedimen- para as atividades e motivando:

139
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Promover a socioeducação no cidadania, a confiança, a ética, o


Estado do Rio de Janeiro, favo- afeto, a flexibilidade, a reciproci-
recendo a formação de pessoas dade, o compromisso, a amizade,
autônomas, cidadãos solidários e o amor, o companheirismo e
profissionais competentes, possi- muito mais. Podemos trabalhar,
bilitando a construção de projetos e muito bem, a liberdade com o
de vida e a convivência familiar e adolescente que dela está privado
comunitária. (DEGASE, 2010) (COSTA, 2004, p. 75).

Transformar os documentos
apresentados pelo DEGASE em prá-
ticas cotidianas é o grande desafio, REFERÊNCIAS
em uma instituição que historica-
mente tem torturado, aprisionado ABDALLA, Janaina. Aprisio-
e docilizado o corpo e a mente dos nando para educar adolescente
adolescentes, reproduzindo e pro- em conflito com a lei: memória,
duzindo a violência e a barbárie paradoxos e perspectivas. 2013.
destes novos e velhos tempos. 193 f. Tese (Doutorado) - Curso
O DEGASE, para além dos de Doutorado em Educação, Uni-
documentos, é construído e versidade Federal de Educação,
reconstruído pelos sujeitos ordi- Niterói, 2013.
nários, adolescentes, famílias e
operadores do sistema socioedu- ABDALLA Janaína de Fátima;
cativo estadual, na arte de fazer os JULIÃO, Elionaldo Fernandes,
espaços praticados e como afirma VERGÍLIO Soraya Sampaio (orgs).
Antônio Carlos Gomes da Costa: Delinquência juvenil, políticas
públicas e direitos humanos. Rio
de Janeiro: Novo Degase, 2014.
Se formos capazes de estrutu-
rar a unidade educativa com ABDALLA Janaina de Fatima
sensibilidade, compromisso e Silva; SILVA Saturnina Pereira
competência sob os ângulos da da (Org.) Ações Socioducativas
subjetividade (cuidados para Saberes e Práticas de Formação
acolher) e da objetividade (zelo dos Operadores do Sistema
pedagógico com o ambiente físico Socieoducativo do Estado do
e material), poderemos trabalhar, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
dentre inúmeros temas e áreas
Novo Degase, 2013.
que convergem para o desen-
volvimento pessoal e social do ABDALLA Janaina de Fatima
educando, valores como a solida- Silva; SILVA Saturnina Pereira da;
riedade, o respeito, o altruísmo, a VELOSO Bianca Ribeiro (Org.)

140
DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS (DEGASE)

Ações Socioducativas : Formação RIO DE JANEIRO (Estado).


e saberes. Rio de Janeiro: Novo Decreto 42.715 de 23 de novembro
Degase, 2015. de 2010. Plano de Atendimento
ABDALLA, J.F.S.; SENA, A.R.;
Socioeducativo do Governo do D
Estado do Rio de Janeiro – PASE/
SILVA, S. P. S. (Org.). Ações socio-
RJ. D. O. do Estado do Rio de
educativas: municipalização
Janeiro. Parte I; Poder Executivo
das medidas em meio aberto do
Ano XXXVI; Nº 213 de 24 de
estado do Rio de Janeiro. 1ª ed.
novembro de 2010.
Rio de Janeiro: DEGASE, 2010.
RIO DE JANEIRO (Estado).
ABDALLA, J. F. S.; SENA, A.
Secretaria de Justiça e Interior
R.; &amp; SILVA, S. P. (Org.). Ações
do Estado do Rio de Janeiro –
Socioeducativas: Municipalização
Departamento Geral de Ações
das Medidas em Meio Aberto do
Socioeducativas. Projeto Exce-
Estado do Rio de Janeiro. Rio de
lência (1993). Cooperação Técnica
Janeiro: DEGASE, 2010a.
UERJ/DEGASE: 1998.
ABDALLA, J. F. S. Execução
RIO DE JANEIRO (Estado).
das Medidas Socioeducativas no
Secretaria de Justiça e Interior do
Estado do Rio de Janeiro: do sancio-
Estado do Rio de Janeiro – Fundação
nal ao pedagógico. In: ABDALLA,
da Infância e Adolescência – Projeto
J. F. S.; SENA, A. R.;; SILVA, S. P.
de Criação do Centro de Recursos
(Org.). Ações Socioeducativas:
Integrados de Atendimento ao
Municipalização das Medidas em
Menor - CRIAM : 1986.
Meio Aberto do Estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: DEGASE, RIO DE JANEIRO (Estado).
2010b, pp. 91-105. Secretaria de Estado de Educação.
Projetos Pedagógicos das Unida-
COSTA, A. C. G. As Bases
des Socioeducativas do DEGASE.
Éticas da Ação Sócio-educativa.
Rio de Janeiro : Impresso .Arqui-
Belo Horizonte: Manuscrito
vos da Coordenação de Educação
impresso, 2004.
Esporte Cultura e Lazer. CECEL.
RIO DE JANEIRO (Estado). De- DEGASE , 2014 e 2015.
creto n º 18.493 de 26.01.1993. Cria-
RIO DE JANEIRO (Estado).
ção do Departamento Geral de
Plano decenal de atendimento
Ação Socioeducativa - DEGASE.
socioeducativo do estado do Rio
Diário Oficial [do] Estado do Rio de
de Janeiro. / Vários autores. Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, Poder Execu-
Janeiro: CEDCA, 2014.
tivo, n º 17, Parte I, 27.01.1993, p. 04.

141
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DISCIPLINA

SOCIEDADE DISCIPLINAR / PANOPTICON

Sharon Will1

Em Vigiar e Punir (1999), do rei, que havia sido ameaçado


Foucault, utilizando o método na execução do crime. O soberano
genealógico, faz uma análise das encarnava a lei e, na medida em
práticas punitivas e marca, na que ela era transgredida, o pró-
história do poder, um momento prio corpo do rei era atacado, o
central: a passagem da soberania à que exigia uma ação imediata
disciplina, apresentando as práti- para reativar o poder soberano. O
cas de punição que existiam antes supliciado servia de exemplo para
do sistema penitenciário/penal. os outros. Política do medo, na
Ao tomar a prisão como objeto, ele qual, nas marcas do corpo supli-
põe em questão as redes de poder– ciado, todos deveriam ver a pre-
saber a ela associadas em nossa sença encolerizada do soberano,
sociedade, por meio do caminho reativando o seu poder.
das tecnologias, perguntando
como se pune em cada tempo. O suplício judiciário deve ser com-
Descrevendo o suplício, o au- preendido também como um ritual
tor nos coloca diante de cenas sa- político. Faz parte, mesmo num
crificiais violentíssimas. Naquela modo menor, das cerimônias pelas
forma de punição, o condenado quais se manifesta o poder (...). O
era submetido a uma exposição suplício tem uma função jurídico-
pública de suas penas, a um es- -política. É um cerimonial para re-
petáculo de atrocidades sobre o constituir a soberania lesada por
corpo que era supliciado, visando um instante. Ele a restaura mani-
festando-a em todo o seu brilho.
a reativação do poder soberano
(FOUCAULT, 1999, p. 41)

1 Psicóloga, Bacharel e Licenciatura (UFF - 1999), Mestre em Educação (UFF -


2009) e doutora em Educação (UFF - 2015). Professora do SENAC RIO e pesquisa-
dora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (NEPES) da UFF.

142
DISCIPLINA

O ritual do suplício tinha poder disciplinar. Tornou–se


suas limitações, precisava ser rea- uma fórmula geral de dominação
tivado a cada quebra de poder do a partir dos séculos XVII e XVIII,
soberano, a cada violação da lei; tendo ainda como alvo o corpo D
do homem, no entanto, efetuando
além de inspirar revolta na multi-
nele um trabalho de manipulação,
dão que o assistia. No decorrer do que produz seu comportamento,
século XVIII, um grupo de refor- visando permitir uma relação de
madores – tendo em vista que os docilidade–utilidade, levando à
suplícios cada vez atemorizavam sua máxima utilização em ter-
menos e incitavam mais à revolta, mos econômicos. Absolutamente
em função dos movimentos de sintonizada com a nova ordem
resistência àquela forma de exer- econômica industrial emergente,
cício do poder – criou um novo que tinha pouco interesse em
modelo de punição: a prisão. Nela, corpos mutilados e ineficientes
do ponto de vista da produtivi-
ao invés de chicotear, jogar azeite,
dade. (WILL, 2015, p. 179)
fazer o sujeito andar em brasas,
mutilar o corpo puxando cada
membro por um cavalo, depois Foucault toma como modelo
incinerar o corpo, produzia-se a prenunciador das instituições dis-
culpabilidade sem o espetáculo ciplinares o projeto de arquitetura
da crueldade. – Panopticon – de Bentham (1977),
O poder disciplinar sucede, elaborado em fins do século XVIII.
então, as sociedades de soberania, O projeto de um edifício em forma
cuja função era muito mais a de de- de anel, no meio do qual há um
cidir sobre a morte do que a de ge- pátio com uma torre no centro. O
rir a vida. Tendo como alvo o corpo anel se divide em celas voltadas
do homem, as disciplinas se apre- tanto para o exterior quanto para
sentam como “métodos que per- o interior, sem ponto de sombra.
mitem o controle minucioso das O modo de difusão da luz faz com
operações do corpo, que realizam que o encarcerado não consiga
a sujeição constante de suas forças enxergar o exterior, nem o vigilante
e lhe impõem uma relação de do- no centro da torre. Na torre central,
cilidade–utilidade” (FOUCAULT, por consequência, um vigilante a
1999, p.118), visando aprimorá-lo, tudo pode observar, sem ser visto.
adestrá-lo para, dele, obter o má- A certeza de estar sendo olhado
ximo de produtividade. sem poder ver, a suspeita de uma
vigilância constante sobre si,
sem poder exercer esta vigilância
Este novo tipo específico de
poder Foucault (1999) chama de sobre outrem estende a eficácia do

143
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

poder, para quem a ele está sujeito, nhamento sistemático do tempo,


que passa a exercer tal vigilância, do espaço, dos movimentos dos
espontaneamente, sobre si mesmo. indivíduos e que abrangem parti-
Como consequência, o exercício do cularmente as atitudes, os gestos,
poder pode independer de aspec- os corpos, é também uma técnica
tos físicos, tendendo ao incorpóreo de individualização – como vigiar
e, quanto mais se aproxima desse alguém, como controlar sua con-
limite, mais seus efeitos se tornam duta, seu comportamento, suas
adquiridos de forma profunda e aptidões, como intensificar seu
contínua, sendo internalizado pelo desempenho, multiplicar suas
sujeito (FOUCAULT, 1999). capacidades, como colocá-lo no
Com o Panoptismo, é for- lugar, onde ele será mais útil.
mado um saber sobre quem é Foucault chama a disciplina
observado. Sua classificação e de “Anatomia Política” – cinco e
registro, a análise de seu compor- meia da manhã já tem que estar de
tamento e sua comparação com banho tomado, dente escovado e,
um padrão de normalidade cons- então, chega o sujeito para exami-
tituem condições de possibilidade nar se as mãos estão limpas. Às sete
para o surgimento das ciências e meia, tem que sentar à mesa para
do homem, tais como a psicologia, comer, às oito e quarenta e cinco,
a sociologia etc. tem que trabalhar forçado; mas, no
A vigilância permanente dos entanto, o corpo não é mais muti-
atos, a observação dos comporta- lado, não vai mais para o suplício.
mentos em relação ao que é dele O corpo encontra-se aí em posição
esperado, a imposição daquilo que de instrumento ou intermediário.
se pode, ou melhor, daquilo que Segundo essa penalidade o corpo
se deve ou não fazer é uma reali- é colocado num sistema de coação
dade cada vez mais espalhada em e de privação, de obrigações e de
todos os pontos da rede social. Em interdições. Os sofrimentos físicos,
nossas instituições, como escola, a dor do corpo não são mais os
hospital e mesmo em nossa vida “elementos constitutivos da pena”.
cotidiana, podemos perceber o (FOUCAULT, 1999, p. 14)
modelo “panopticon” presente. O poder disciplinar se exerce
Para Foucault, a sociedade dis- sobre e pelo corpo atua de forma
ciplinar tem como objetivo tornar classificatória, hierarquizando os
os homens obedientes e úteis. Além comportamentos, os resultados
de caracterizar-se por um con- obtidos individualmente e pro-
junto de técnicas de coerção que curando efetuar uma correção de
se exercem segundo um enquadri- modo que todos se pareçam, de

144
DIVERSIDADE / LIBERDADE RELIGIOSA

maneira a se enquadrarem dentro WILL, Sharon Varjão.


das normas sociais. Vigiar, Punir, Educar e Matar:
A partir da prisão, as tecnolo- Discursos de disciplinamento,
gias disciplinares se “espalharam” controle e extermínio da popu- D
por diversas instituições: a escola, lação preta e pobre do Rio de
as fábricas, os hospitais. Se modi- Janeiro. Tese (Doutorado em
ficaram ao longo dos tempos, se Educação). Niterói: Universidade
recriaram de outras formas, mas Federal Fluminense, Centro
continuam tendo força e sendo de Estudos Sociais Aplicados,
reproduzidas nas práticas atuais. Programa de Pós-Graduação em
Educação, 2015. (mimeo)

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Vigiar


e Punir. Trad. Raquel Ramalhete.
19a edição. Petrópolis: Editora
Vozes, 1999.

DIVERSIDADE / LIBERDADE RELIGIOSA

Babalawô Ivanir dos Santos1

Diversidade – O conceito de humano. No campo religioso o


Diversidade é muito amplo e, conceito de diversidade, pode ser
pode ser aplicado em diferen- compreendida pelas diversas for-
tes campos do conhecimento mas de expressões, configurações

1 Doutorando em História Comparada (UFRJ), Coordenador da Coordenadoria


de Experiências Religiosas Tradicionais Africanas, Afro-brasileiras Racismo e
Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ), membro da Associação Brasileira
de Pesquisadores Negros (ABPN), do Laboratório de História das Experiências
Religiosas (LHER-UFRJ) e Laboratório de Estudos de História Atlântica das socie-
dades coloniais pós-coloniais (LEHA-UFRJ). Conselheiro estratégico do Centro de
Articulações de Populações Marginalizadas (CEAP), Interlocutor da Comissão de
Combate a Intolerância Religiosa (CCIR), Conselheiro Consultivo do Cais do Valongo.

145
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

e ressignificações religiosas. No criação, no ano de 2008, da Comis-


cerne do conceito de Diversidade são de Combate à Intolerância Re-
Religiosa está o respeitou multou ligiosa (CCIR). A organização, não
e anão violência, mantendo um governamental, foi almejada por
fino equilíbrio entre a liberdade grupos religiosos marginalizados
de expressão religiosa, o com- com o intuído de denúncia, com-
bate à Intolerância Religiosa e o bater a intolerância religiosa e lutar
Direitos Humanos. em prol da liberdade e diversidade
religiosa no Brasil e no mundo. A
Todo ser humano tem capacidade
CCIR, como é também conhecida
para gozar os direitos e as liberda- a organização realiza anualmente,
des estabelecidas nesta Declaração, deste o ano de 2008, no terceiro do-
sem distinção de qualquer espécie, mingo mês de setembro a Cami-
seja de raça, cor, 336 , Goiânia, v. nhada pela Liberdade Religiosa.
12, n. 2, p. 332-344, jul./dez. 2014 Um evento que tem o objetivo de
sexo, idioma, religião, opinião polí- reunir e dialogar com as diversas
tica ou de outra natureza, origem seguimentos religiões para que
nacional ou social, riqueza, nasci- juntos possam caminhar em prol
mento, ou qualquer outra condição.
da Liberdade, Reconhecimento e
(Declaração Universal dos Direitos
Humanos, 1948)
Dignidade Religiosa.
Liberdade Religiosa – Direito
um direto garantido por lei, desde
... E digo-lhes hoje, meus amigos, a Constituição de 1824 e, ratificada
que embora enfrentemos as difi- na constituição de 1988. Segundo
culdades de hoje e de amanhã, a Constituição Federal, no artigo:
ainda tenho um sonho.
5° VI, é “ser inviolável a liberdade de
(Martin Luther King, 1963).
consciência e de crença, assegurando
o livre exercício dos cultos religio-
Ao longo dos processos his- sos e garantindo, na forma da lei, a
tóricos das formações das nossas proteção aos locais de culto e as suas
sociedades, vários grupos ligados liturgias”. Assim qualquer cida-
a movimentos sociais de resistên- dão tem o direito de expressar as
cias e valorizações culturais ou- suas religiões ou religiosidade e
saram, com grande maestria lutar quaisquer ato ou atentado contra
em prol dos direitos das minorias esse direito, dolosos ao patrimônio
representativas no poder político e litúrgico, material e imóvel é uma
econômico e pela diversidade re- acometida contra os direitos dos
ligiosa. Em dos grandes exemplos cidadãos brasileiros. Mas, infe-
em nossa sociedade brasileira é a lizmente esse direito vem sendo

146
DIVERSIDADE / LIBERDADE RELIGIOSA

violado a cada instante por parte CARSON, Clayborne. A


de seguimentos religiosos que autobiografia de Martin Luther
acreditam que suas religiões são as King, tradução de Carlos
únicas a terem direito a existir no Alberto Medeiros. Rio de Janeiro. D
mundo. Daí, advém a Intolerância ZAHAR, 2014
Religiosa, o preconceito e até o
FERREIRA, A. B. H. Novo
racismo religioso. A intolerância é
Dicionário da Língua Portuguesa.
a antítese da Liberdade Religiosa,
2ª edição. Rio de Janeiro. Nova
e durante boa parte da nossa his-
Fronteira. 1986. p. 602.
tória ela, a intolerância, foi um dos
motivos de perseguição contra ORO, Ari Pedro; BEM Daniel
grupos étnicos raciais. No Brasil, a F. de. A discriminação contra as
luta pela liberdade religiosa e con- religiões afro-brasileiras: ontem e
tra o racismo tornou-se um mote hoje. In_ Ciênc. Let, Porto Alegre,
político dos grupos religiosos de n. 44, p. 301-318, jul./dez. 2008.
Matrizes Africanas, marginali- PIERUCCI, Antônio Flavio e
zados pela sociedade brasileira e PRANDI, Reginaldo. A realidade
principalmente por alguns segui- social das religiões no Brasil. São
mentos religiosos. Paulo, Hucitec, 1996.

REFERÊNCIAS

Brasil. [1988].Constituição da
República Federativa do Brasil
.35. ed. Brasília : Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2012.

147
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

E
EDUCAÇÃO BÁSICA NA SOCIOEDUCAÇÃO

Maria Minerva de Medeiros Valle1


Claudia Ferreira da Silva Santos2
Claudia Regina Lopes dos Santos3
Cristina Marcelo dos Santos4
Elizabete Velloso5
Maria Angélica Sodré Novaes6
Valéria Evangelista do Nascimento7

As unidades escolares inse- e administrativas, considerando


ridas nas unidades de internação as especificidades dessas escolas.
do DEGASE – Departamento Reconhecendo que a educação
Geral de Ações Socioeducati- é parte estruturante do sistema so-
vas – passaram, a partir de maio cioeducativo e que a aplicação e o
de 2007, a ser vinculadas direta- sucesso das medidas socioeduca-
mente ao Gabinete do Secretário tivas dependem de uma política
de Estado de Educação, em face educacional, em junho de 2008,
da necessidade de acompanha- foi criada, através do Decreto nº
mento contínuo da gestão escolar 41.348, a Coordenadoria Especial
com suas atividades pedagógicas de Unidades Escolares Prisionais

1 Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública pela Universidade Federal


de Juiz de Fora, concluído em 2012. Servidora Pública da Secretaria de Estado de
Educação do Rio de Janeiro, desde 07 de março de 1994, atual Diretora Regional
Administrativa e Pedagógica da Diretoria Regional de Unidades Escolares
Prisionais e Socioeducativas/DIESP.
2 Assessora da Diretoria Regional Administrativa e Pedagógica/DIESP
3 Coordenadora de Inspeção Escolar da DIESP
4 Coordenadora de Administração da DIESP
5 Coordenadora Regional de Gestão de Pessoas da DIESP
6 Coordenadora de Gestão e Integração da Rede DIESP
7 Coordenadora de Ensino, Avaliação e Acompanhamento da DIESP

148
EDUCAÇÃO BÁSICA NA SOCIOEDUCAÇÃO

e Socioeducativas (COESP), para Goytacazes. A maior concentração


atender às unidades escolares em encontra-se no Município do Rio
espaços de privação de liberdade, de Janeiro, na Ilha do Governador.
em parceria com a Secretaria de
Estado de Administração Peniten- Para atender às escolas, a DIESP
ciária (SEAP) e o Departamento têm as seguintes atribuições E
Geral de Ações Socioeducativas pedagógicas, conforme Decreto
(DEGASE), fidelizando o atendi- nº 42.838 de 2011:
mento aos alunos em privação
I. acompanhar a implantação
de liberdade em uma única co- da metodologia de gestão escolar;
ordenadoria. Foi chamada de
Coordenadoria Especial, pois II. participar do processo das
abrangia escolas fora do espaço avaliações externas e diagnós-
ticas, acompanhando perma-
geográfico delimitado, como as de-
nentemente os resultados dos
mais coordenadorias. Esse fato foi indicadores;
um grande avanço na política de
educação do Estado do Rio de Ja- III. supervisionar a implantação
de programas e projetos pedagó-
neiro, bem como em nível nacional.
gicos nas escolas;
Em 2011, com a reestrutura-
ção da SEEDUC, Decretoº 43.015, IV. supervisionar o cumpri-
ficou alterada a denominação mento do regimento, do calen-
da Coordenadoria Especial de dário escolar, da matrícula e da
frequência, em consonância com
Unidades Escolares Prisionais
as diretrizes da SEEDUC;
e Socioeducativas (COESP)
para Diretoria Especial de V. supervisionar as inspeções
Unidades Escolares Prisionais e realizadas nas Unidades Escola-
Socioeducativas (DIESP), ficando res, de acordo com as diretrizes
da SEEDUC;
vinculada à Subsecretaria de
Gestão da Rede e de Ensino, da VI. acompanhar e oferecer su-
SEEDUC com o atendimento porte à formação dos profissio-
exclusivo aos privados de liber- nais da rede estadual de sua área
dade, compondo o quadro com de abrangência;
as demais Diretorias Regionais, VII.realizar a interface com a
o que proporciona atendimento Regional Administrativa e as áreas
escolar para 07 escolas em uni- técnicas da SEEDUC, apontando
dades socioeducativas, em 04 as necessidades das Unidades
Escolares, com foco pedagógico.
(quatro) municípios do Estado que
são: Rio de Janeiro, Belford Roxo,
Volta Redonda e Campos dos

149
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Quanto às atribuições Adminis- Regionais, em colaboração com o


trativas: gestor do contrato.
I. orientar e acompanhar a
aquisição de bens e serviços pelas A estrutura da DIESP é com-
Unidades Escolares; posta pela Diretoria Regional
II. planejar a distribuição dos Administrativa/Pedagógica, a Co-
recursos financeiros de acordo ordenação de Administração, Co-
com as necessidades da Regio- ordenação de Ensino Avaliação e
nal Administrativa, da Regional Acompanhamento, Coordenação
Pedagógica e das Unidades Esco- de Gestão e Integração da Rede,
lares, em consonância com as
cuja missão é gerenciar pedagó-
diretrizes da SEEDUC;
gica e administrativamente, em
III. orientar e acompanhar a interface com a Coordenação de
prestação de contas dos recur- Gestão de Pessoas e Coordenação
sos financeiros da Regional
de Inspeção Escolar, as unidades
Administrativa, da Regional
escolares localizadas em ambiente
Pedagógica e das Unidades Esco-
lares, em consonância com as de privação de liberdade, atu-
diretrizes da SEEDUC; ando para a garantia do direito
à educação para os adolescen-
IV. controlar e orientar os proces-
tes em cumprimento de medidas
sos administrativos e de pessoal
das Unidades Escolares a partir
socioeducativas.
das diretrizes da SEEDUC; Tal estrutura é o reconheci-
mento da condição singular do
V. supervisionar as obras da rede estudante em cumprimento de
física e controle patrimonial nas
medida socioeducativa e da neces-
Unidades Escolares de maneira
a garantir a execução conforme sidade de instrumentos de gestão
padrão de qualidade da SEEDUC; qualificados na garantia de seu
direito à educação.
VI. realizar a interface com a
Da mesma forma, reconhece o
Regional Pedagógica e áreas téc-
papel social da escola como fator
nicas da SEEDUC, apontando as
necessidades das Unidades Esco- protetivo de adolescentes em cum-
lares, (Administrativa, Finan- primento de medida socioeducativa
ceira, Pessoal, Infraestrutura e e, portanto, do papel da escola no
Tecnologia com foco pedagógico). Sistema de Garantia de Direitos.
VII.supervisionar e acompanhar
os serviços e bens contratados
cuja execução e entrega, respec-
tivamente, sejam nas Unidades
Escolares ou nas sedes das

150
EDUCAÇÃO BÁSICA NA SOCIOEDUCAÇÃO

Principais Bases Legais Resoluções SEEDUC – São


normativas emanadas pela Secre-
Constituição Federal – Em taria de Estado de Educação do
especial o Capítulo III – Da Rio de Janeiro, publicadas em
Educação, da Cultura e do Desporto. Diário Oficial, cuja finalidade é
ECA – Estatuto da Criança e do disciplinar assuntos relativos à E
Adolescente – Em especial o Capí- política educacional.
tulo IV – Do Direito à Educação, à Sinase – Sistema Nacional
Cultura, ao Esporte e ao Lazer. de Atendimento Socioeducativo
Portarias SEEDUC – Docu- - através do qual é organizada a
mentos emitidos pela Secretaria execução das medidas socioedu-
de Estado de Educação do Rio de cativas aplicadas a adolescentes
Janeiro, publicados em Diário Ofi- aos quais é atribuída a prática de
cial, destinam-se a dar instruções e ato infracional.
contêm, em minúcia, as orientações
para a aplicação das normas legais.

Quadro das Unidades

Unidade Escolar Unidade Socioeducativa Município


C.E. Candeia Escola João Luiz Alves Rio de Janeiro
C.E. Gildo Candido
Educandário Santo Expedito Rio de Janeiro
da Silva
C.E. Irmã Therezinha Cense Irmã Assunción de La
Volta Redonda
de Barros Gándara Ustara
C.E. Jornalista
Barbosa Lima Cai Baixada Berford Roxo
Sobrinho
Cense Antônio Carlos Gomes da
C.E. Luiza Mahin Rio de Janeiro
Costa
C.E. Padre Carlos
Cense Dom Bosco Rio de Janeiro
Leôncio da Silva
Cense Profª Marlene Henrique Campos dos
C.E. Rui Barbosa
Alves Goytacazes

151
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da Repú-


blica. Disponível em: http://www.
BRASIL. Ministério da Edu- pla nalto.gov.br/cc ivil_03/ leis/
cação. Conselho Nacional de L8069Compilado.htm, acesso em
Educação. Diretrizes Nacionais 12 de julho de 2016.
para o atendimento escolar de RIO DE JANEIRO. Secretaria
adolescentes e jovens em cumpri- de Estado de Educação. Página
mento de medidas socioeducativas. Principal. Disponível em http://
Parecer CNE/CEB Nº 8/ 2015. Dis- www.rj.gov.br/web/seeduc/princi-
ponível em http://portal.mec. pal, acesso em julho de 2016.
gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=- RIO DE JANEIRO. Secretaria
25201-parecer-cne-ceb008-15-pd- de Estado de Educação. Serviço
f&category_slug=outubro-2015-p- informativo. Disponível em: http://
df&Itemid=30192, acesso em 12 de www.rj.gov.br/web/seeduc/exibe-
julho de 2016. conteudo?article-id=268827, acesso
em julho de 2016.
BRASIL. Ministério da Justiça
e Cidadania. Disponível em: RIO DE JANEIRO. Secretaria
ht t p://w w w.sdh.gov.br/assu n- de Estado de Educação. Referên-
t o s/c r i a nc a s - e - adol e s c e nt e s/ cias Legislativas. Disponível para
prog ra ma s/si stema-nac iona l- consulta interna dos servidores,
-de-medidas-socioeducat ivas/ acesso cotidiano.
sistema-nacional-de-atendimen-
to-socioeducativo-sinase-1, acesso
em 12 de julho de 2016.
BRASIL. Presidência da Repú-
blica. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constitui-
cao/constituicaocompilado.htm,
acesso em 12 de julho de 2016.

152
EDUCAÇÃO POPULAR1

EDUCAÇÃO POPULAR1

Elizabeth Serra Oliveira2


E
De modo geral, tem sido deno- formação. Compreender a escola
minada educação popular toda ação como espaço de formação implica
educativa destinada a crianças, vinculá-la diretamente aos pro-
adolescentes, jovens e adultos cessos sociais concretos. Assim,
desenvolvida por instituições escola como lugar também da
públicas ou privadas, no âmbito da educação popular. Vencer essa
educação não formal. Essa não tem dificuldade significa romper com
sido, no entanto, uma compreensão toda uma tradição no pensamento
consensual entre os que estudam e/ educacional, que concebe como
ou trabalham nesse campo. educação apenas aquela minis-
Portanto, muitas são as difi- trada dentro da escola e, como
culdades apresentadas nessa con- educação popular, a prática forma-
ceituação da educação popular. A tiva desenvolvida fora da escola.
primeira consiste na dificuldade Nesse sentido, a educação
de recuperarmos uma concepção popular no Brasil e na América
mais universal de educação, isto é, Latina tem sua trajetória marcada
de uma concepção na qual a edu- pela ênfase nas práticas educati-
cação seja entendida como forma- vas que se desenvolvem fora da
ção humana na perspectiva da escola. Não obstante, a luta dos
emancipação e da transformação movimentos populares por escola
social. Ou seja, reconhecer os pro- pública de qualidade vem con-
cessos educativos presentes tanto tribuindo para que seja rompida
na escola como fora da escola. esta separação estanque, exigindo
A segunda dificuldade tam- um lugar efetivo para a educação
bém se refere à compreensão de do povo na escola.

1 Este verbete tem como referência minha dissertação de Mestrado: Diferentes


Sujeitos e Novas Abordagens da Educação Popular Urbana. UFF/2001.
2 Pedagoga e Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense,
Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana - Programa de pós-gra-
duação e formação humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professora do Departamento de Educação Superior do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES).

153
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A terceira dificuldade refe- trabalho pedagógico voltado


re-se à pouca importância atri- para a construção de uma socie-
buída historicamente a esse tipo dade cujo poder esteja sendo
de ação educativa pela sociedade construído pelos segmentos res-
ponsáveis pela produção social
brasileira e, consequentemente,
– os trabalhadores. Tratar-se-ia,
pelas políticas públicas do país. então, de uma “educação sócio
Uma quarta dificuldade advém transformadora”. Logo, o ele-
falta de especificidade desse tipo mento distintivo da educação
de educação, ou seja, do pouco en- popular em relação às outras
tendimento sobre as práticas po- modalidades de educação é “a
lítico-pedagógicas, características sua proposta e práxis((KONDER,
desse tipo de intervenção social. 1992), direcionadas para a “efe-
Outra dificuldade, ainda, apre- tiva transformação do homem,
sentada na conceituação da edu- da sociedade e do Estado”
(RODRIGUES, 1999).
cação popular, diz respeito à
explicitação do termo popular, que
qualifica essa educação. Nessa A partir dessas concepções de
perspectiva, Beisiegel (1982) res- educação popular, e também em
salta que o uso indiscriminado do função da análise da natureza dos
termo popular para designar ape- movimentos sociais, compreende-
nas as ações no campo educacio- mos que o que define a educação
nal voltadas para a população de popular é o caráter político-peda-
jovens e adultos termina por di- gógico, assim como seu projeto
luir o caráter de classe e de etnias político-ideológico que, em última
dessas intervenções educativas. instância, definem-na como uma
O conceito de popular, en- prática social que, trabalhando
tretanto, adquire diferentes fundamentalmente com o conheci-
significados à medida que as ativi- mento, tem uma intencionalidade
dades a ele atribuídas se orientam e objetivos políticos, “é indistin-
para os segmentos ‘populares’ da tamente, um espaço de participação
coletividade e sua condição de social e um método de ação política”
classe e às potencialidades trans- (GAJARDO, 1995, p. 191).
formadoras são inerentes a essa Ressalta-se que, ao longo da
condição”. (ibid: 50). nossa história, a literatura so-
bre a educação popular apresenta
Wanderley (1986), reforçando concepções distintas quanto à na-
essa perspectiva teórico-metodo- tureza da educação popular. A
lógica na abordagem da educação primeira delas reporta-se à educa-
popular, concebe-a como um ção popular como aquela destinada

154
EDUCAÇÃO POPULAR1

à alfabetização de jovens e adultos, Latina, e mormente no Brasil, a luta


concentrando suas atividades no dos movimentos sociais, especial-
espaço escolar. A segunda reserva mente aqueles organizados pelos3
à educação popular um caráter trabalhadores – movimentos sociais
exclusivamente transformador, populares, pastorais, sindicais e de
concentrando suas ações predomi- partidos políticos de esquerda nos E
nantemente fora do espaço escolar. anos 80 –, teve como centro a demo-
A terceira, e mais recente, com- cracia. Isto fez com que o Brasil
preende a educação popular como saísse do longo período de ditadura
uma educação política da classe militar, iniciado em 1964, com uma
trabalhadora, tanto numa pers- sociedade civil “complexa e articulada”
pectiva emancipatória como numa (COUTINHO, 2000, p. 88). De acordo
perspectiva de conformação com o com o autor, essa é uma tendência
status quo. Essa concepção advoga que vem se viabilizando desde os
serem a escola e a sociedade espa- anos 30, ou seja, um processo de oci-
ços legítimos de educação popular. dentalização de nossa sociedade.4
Isto significa que as inicia- Coutinho também não nega a
tivas de educação popular, em permanência de traços orientais
cada momento histórico, podem em nossa sociedade contemporâ-
se identificar tanto com iniciativas nea, porém ressalta que a ociden-
da classe trabalhadora, como com talização com traços específicos
o projeto dominante de sociedade. da situação brasileira “é há muito
Insistimos que a distinção entre tempo a tendência dominante
a educação popular e as outras moda- na vida política e social de nosso
lidades educacionais localiza-se em país” (COUTINHO, 2000, p. 89).
sua proposta de “práxis política” Essa ocidentalização em nossa so-
direcionada para a efetiva transfor- ciedade contemporânea deriva-se
mação do homem e da sociedade. de dois modelos: o modelo ameri-
Com a crescente socialização cano e o modelo europeu. 5
da participação política na América

3 Criamos as categorias pelos e para definindo os movimentos sociais criados


por iniciativas de fora (para), e movimentos sociais criados pelos grupos in-
seridos nas demandas.
4 Nas sociedades em processo de ocidentalização, evidencia-se (...) “uma
relação equilibrada entre Estado e sociedade civil”, (GRAMSCI, 1975, in:
COUTINHO, 2000, p. 88). E nas sociedades com traços orientais “o Estado é
tudo e a sociedade civil é primitiva e gelatinosa” (Ibid).
5 Ocidentalização de tipo americano: na qual a sociedade civil é despolitizada e
as lutas sociais são corporativas e particularizadas. Ocidentalização de tipo euro-
peu: é composto por um alto grau de associativismo e de democracia de massas.

155
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O neoliberalismo brasileiro para ações de melhoria das con-


apresenta traços de ocidentali- dições de vida; 2º) Lutas no
zação, no entanto, no âmbito dos campo institucional; 3º) Lutas por
movimentos sociais, observa-se melhoria na qualidade de vida e
um grande esforço por parte do reivindicações de mudanças estru-
bloco no poder em desconstruir turais na sociedade.
e cooptar os movimentos sociais O fortalecimento da sociedade
organizados pelos trabalhadores, civil dos anos 90 e a redefinição
movimentos em geral, com carac- do modelo de ocidentalização da
terísticas de uma ocidentalização sociedade brasileira, implemen-
de tipo europeu. Além disso, tada pelos governos neoliberais, se
observa-se também uma tenta- constituem em determinantes sig-
tiva de consolidar e legitimar os nificativos no surgimento de novos
movimentos sociais organizados movimentos sociais urbanos. As
para os trabalhadores, próprios iniciativas de pré-vestibulares ur-
do processo de ocidentalização banos caracterizam essas novas
de tipo americano. formas de organização popular.
Este exercício de reorganização As ações de pré-vestibulares po-
dos movimentos sociais pelo bloco pulares urbanos trazem em seu
no poder dá-se principalmente sob bojo as contradições decorrentes
duas formas: através do estímulo desses processos político-sociais.
à criação e expansão de Organiza- Na década de 90, as condições
ções Não Governamentais (ONGs) econômicas, políticas e sociais que
de caráter filantrópico e de progra- se apresentavam para a educação
mas de voluntariado. Assim, o “(...) popular não eram as mesmas das
envolvimento de ONGs e associa- décadas precedentes. Como sín-
ções filantrópicas tem criado uma tese do movimento histórico, a
aparência de participação demo- educação popular não está imune
crática e logrado, inclusive, cooptar às transformações e aos proje-
direções de movimentos popula- tos societários. Nesse sentido, a
res” (BOITO,1999, p. 83). concepção de educação popular,
De um modo geral, institucio- enquanto necessidade de um pro-
nalizados em forma de ONGs e/ou jeto político da classe trabalhadora,
sob a dinâmica de Movimento, os continua presente nesta década. A
movimentos sociais populares que ideologia neoliberal e seus projetos
se consolidaram na década de 90 social e educacional hegemônicos
tiveram suas ações voltadas para não conseguiram fazer desapare-
os seguintes campos: 1º) Iniciativas cer essa necessidade.
coletivas cuja prioridade se volta

156
EDUCAÇÃO POPULAR1

Nos anos 90, as propostas de cialistas e dirigentes com patamar


educação popular não se limita- superior de educação escolar, o
vam às experiências de educação que implica na democratização do
política das massas, ou mesmo à acesso à educação superior.
alfabetização de jovens e adultos e O segundo desafio refere-se à
ensino supletivo para frações das compreensão do papel da escola. E
camadas populares, realizados pre- Hoje, a escola não mais é com-
dominantemente nos espaços não preendida apenas como aparelho
escolares da sociedade civil. Elas reprodutor do projeto hegemô-
se consubstanciavam, também, nico. Isso faz com que os projetos
em experiências de escolarização educacionais de vários governos
regular, bem como em experiências democráticos populares expres-
extraescolares de preparação para a sem seus projetos educacionais
escolarização de nível superior. como projetos de educação popu-
As concepções de educação lar. Assim, a escola pública se
popular enfrentam novos desafios apresenta como espaço possível de
ao se depararem com o processo práticas de educação popular.
de reestruturação produtiva (e O terceiro desafio refere-se
sua consequente mudança no à opção de alguns movimentos
conteúdo e na organização do tra- sociais populares como, por exem-
balho, bem como no conjunto das plo, o Movimento Sem Terra, em
relações sociais globais). Também desenvolver projetos de educa-
representou uma mudança o ção popular também nos espaços
alargamento do processo de socia- formais de educação. Esses espa-
lização da participação política dos ços formais de educação se dis-
tempos de abertura democrática seminam a partir das diretrizes
e, ainda, a hegemonia do ideário gerais de seu projeto de sociedade.
neoliberal nos processos sociais, “Esses movimentos pensam a edu-
em geral e especificamente, no cação estrategicamente, isto é, arti-
campo da educação. culada à perspectiva do projeto”
O primeiro desafio consiste (PALUDO, 2000, p. 240). Hoje o
no redirecionamento das ações MST continua com seu trabalho de
educativas das forças políticas que educação popular enquanto for-
se dedicam à construção de um mação política das massas, mas, ao
projeto contra hegemônico para a mesmo tempo, traz essa educação
sociedade brasileira. Estes come- popular para dentro dos espaços
çam a se voltar para processos formais (escolas oficiais coordena-
educativos com vista à formação das pelo MST). São escolas de pri-
de intelectuais de novo tipo: espe-

157
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

meiro e segundo graus e, ainda, necessidade de ir além da edu-


experiências de educação superior. cação básica, buscam alcançar o
O quarto desafio diz respeito grau superior de formação escolar.
às possibilidades transformado-
ras da democratização do acesso
à educação superior, em tem- REFERÊNCIAS
pos de hegemonia da educação
neoliberal, na qual se constata BEISIEGEL, Celso Rui. Cultura
o predomínio de uma educação do Povo e Cultura Popular. In:
para os pobres permeada por A Cultura do Povo. Edênio Vale e
uma compreensão de educa- José J. de Queiroz (org.). São Paulo:
ção popular com a finalidade de Educ., 1982.
suprir o déficit de escolaridade
das camadas populares. Logo, BOITO, Armando Jr.. Política
uma educação com caráter apenas Neoliberalismo e Sindicalismo no
compensatório e de conformação Brasil. São Paulo: Ed. Xamã, 1999.
de valores neoliberais. COUTINHO, Carlos Nelson.
Em síntese, podemos apontar Contra Corrente: ensaio sobre
para três conclusões extraídas das democracia e socialismo. São
experiências de Educação Popular Paulo: Cortez, 2000.
que se consolidaram na década
GARJADO, Marcela (comp.).
de 1990, quais sejam: a) tais ini-
Teoria y Práctica de la Educación
ciativas extrapolam os espaços
Popular. Pátzcuaro: OEA-CREFAL-
ditos “não formais”, tal como se
IDRC, 1985.
verificava nas décadas anterio-
res, e se concentram também nas PALUDO Conceição. Educação
iniciativas de escolas públicas Popular - Brasil anos 90: para além
de caráter popular; b) embora do imobilismo e da crítica, a busca
de forma embrionária, demons- de alternativas- uma leitura desde
tram clareza na perspectiva da o Campo Democrático e Popular
educação popular vinculada a (Tese de doutoramento). Porto
um projeto popular de desenvol- Alegre: UFRGS, 2000.
vimento social, em especial no RODRIGUES, M. V. (1999).
MST; c) ultrapassam, ainda que de Qualidade de vida no trabalho: evo-
forma um tanto insipiente, a for- lução e análise no nível gerencial.
mação para o trabalho simples. Petrópolis, RJ: Vozes.
Elas vêm demandando também
a formação para o trabalho com- WANDERLEY, Luis. Educar para
plexo. Ou seja, apontam para a transformar. Petrópolis: Vozes, 1986.

158
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA SOCIOEDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA SOCIOEDUCAÇÃO

Bianca Ribeiro Veloso1


Aníria Bastos Dezedias2 E

Das normas que orientam a Profissional, e garantam o aporte


Educação Profissional no Brasil das escolas técnicas ao longo da
e o direito à profissionalização execução das medidas socioedu-
para jovens e adolescentes, des- cativas nas unidades, priorizando
tacamos o Estatuto da Criança e o aspecto transformador da edu-
do Adolescente (ECA), a Lei de cação e sua contribuição para
Diretrizes e Bases da Educação desenvolvimento das qualidades
Brasileira (LDB) 3, o Plano Esta- a serem potencializadas em nos-
dual de Educação do Estado do sos adolescentes através da oferta
Rio de Janeiro (PEE/RJ) e o Sis- de cursos que atendam os seus
tema Nacional de Atendimento reais interesses.
Socioeducativo (SINASE). De forma geral, a Educação
A norma vigente destaca o Profissional pode ocorrer nas
dever do Estado em assegurar ao seguintes opções: a) cursos de
adolescente, com absoluta prio- formação inicial e continuada ou
ridade, o direito à educação e à qualificação profissional; b) cur-
profissionalização; contudo, se faz sos de formação técnica de nível
necessário o estabelecimento de médio; c) cursos de educação
políticas públicas com objetivos profissional tecnológica de gradu-
e metas que fortaleçam as possi- ação e pós-graduação; d) ensino
bilidades de acesso à Educação profissional articulado com o

1 Pedagoga do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio


de Janeiro, Mestre em Educação Profissional em Saúde pela Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz. Professora Substituta da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (2013-2015).
2 Socioeducadora do Departamento de Ações Socioeducativas Especialista em
Administração Pública pelo CEPERJ Atualmente ocupando o cargo de Diretora
da Divisão de Profissionalização, na Coordenação de Educação, Cultura,
Esporte e Lazer – CECEL/Degase).
3 Nela encontramos o binômio mundo do trabalho-prática social ou exercício da
cidadania-qualificação para o trabalho presente no seu conceito geral de Educação.

159
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ensino regular; e) ensino profis- O papel da Educação Profissional


sional desenvolvido na forma de no contexto neoliberal
educação continuada em insti-
tuições especializadas; f) ensino Uma das concepções edu-
profissional aplicado na forma de cacionais que atravessa a LDB,
educação continuada no ambiente instituída no Governo FHC, se
de trabalho (BRASIL, 1996). reflete no escopo de uma política
Em 2008, uma alteração na neoliberal de constituição de um
LDB determinou que “as insti- novo pensamento hegemônico de
tuições de educação profissional defesa do estado liberal, nesse sen-
e tecnológica, além dos seus cur- tido, um novo discurso acerca da
sos regulares, oferecerão cursos educação passa a ser dominante,
especiais, abertos à comunidade, do fracasso da escola pública,
condicionada a matrícula à capa- pois diante do pensamento neo-
cidade de aproveitamento e não liberal de fortalecimento do mer-
necessariamente ao nível de esco- cado, a desvalorização do público
laridade” (BRASIL, 2008, art.42). como resultado da decadência do
Já as definições para a Edu- Estado reafirmaria o papel pro-
cação profissional dentro dos gressivamente minoritário que o
sistemas socioeducativo e prisio- Estado deveria assumir.
nal se apresentam um ano depois, Articulado a essa política, o
em 2009, a partir do Plano Esta- novo modelo de trabalho inau-
dual de Educação do Estado do gurado a partir da crise de 1970
Rio de Janeiro (PEE/RJ), institu- torna o trabalho menos estável e
ído através da Lei nº 5.597, de 18 trabalhadores mais competitivos
de dezembro de 2009. O PEE vale e empregáveis.
como diretriz para todo o Estado, A educação nesse contexto
desde sua publicação. passa a ser fundamental na em-
O PEE/RJ ratifica todo o pregabilidade deste trabalhador,
arcabouço legal presente na portanto faz-se necessário inculcar
Constituição de 1988 e na LDBEN, na mente das pessoas que quanto
ao situar a Educação Profissional mais bem preparado, quanto mais
na confluência dos direitos do certificado e diplomado mais “em-
cidadão à educação e ao trabalho. pregável” será. A educação passa
a ser vista como investimento onde
o sujeito estará mais competitivo
no mercado, ou seja, uma concep-
ção centrada na busca pela produ-
tividade na educação.

160
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA SOCIOEDUCAÇÃO

As políticas públicas destinadas na literatura, assinalamos as que se


à educação profissional inicial classificam em críticas e não críticas.
de jovens e adultos trabalhado- As correntes críticas da educa-
res inserem-se nesse contexto: o ção são aquelas que veem a educação
esvaziamento da escolarização
como mediação ético-política da
de jovens e adultos por parte do
MEC, a descontinuidade das ações
formação humana, a qual possi- E
educacionais, a indefinição de res- bilita a compreensão da realidade
ponsabilidades entre as esferas e potencializa a ação dos sujei-
de governo e a falta de efetivo tos para superar a exploração e a
compromisso com a modalidade alienação dos trabalhadores, obje-
do ponto de vista da alocação tivando a emancipação humana
permanente de verbas públicas (R A MOS apud VELOSO, 2011).
apontam para a secundarização As teorias não críticas dão ori-
dessas políticas no interior das gem às correntes pedagógicas não
políticas educacionais (DELUIZ;
críticas caracterizadas por conside-
VELOSO, 2012, p. 68).
rarem a realidade como um dado
natural e estável, onde através de
Portanto, as políticas de uma representação desta reali-
Educação profissional implemen- dade o ser humano se adapta a ela
tadas são reflexo de um Estado, (R AMOS apud VELOSO, 2011).
Sociedade Política e Civil4, que A partir desse pensamento,
secundariza a pauta da Educação, podemos concluir que a finalidade
que reproduz ações desarticuladas de emancipação do educando, sua
entre políticas de educação, de tra- conscientização, politização e auto-
balho/renda e de desenvolvimento mia rejeita qualquer processo que
e perpetua o ciclo da desigualdade amesquinhe a formação para o tra-
e da exclusão social. balho em práticas fragmentadas,
pragmáticas de caráter tecnicista.
A existência de propostas peda-
Pedagogias possíveis na gógicas que vise à (re)inserção social
profissionalização no âmbito da do adolescente/jovem é pressuposto
socioeducação para a execução das medidas socio-
educativas (MSE) e deve ter como
Dentre as várias concepções ponto de partida e de chegada, a
de Educação profissional presentes ressignificação de valores que lhe
permitirão ampliar sua compreen-

4 A concepção ampliada de Estado, sob a ótica gramsciana, é a união entre


sociedade civil e sociedade política, entre ditadura e hegemonia, coerção e
consenso, entre dominação e direção (Veloso, 2011).

161
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

são de mundo e de si, como protago- (...) A cultura da trabalhabi-


nista de sua história de vida. lidade não prepara a pessoa
Neste sentido, o Educador apenas para desempenhar-se em
Antônio Carlos Gomes da Costa determinado posto, ramo de tra-
balho ou segmento da atividade
(1991), nos ensina que a capaci-
empreendedora, mas para atuar
dade de fazer-se presente na vida no mundo do trabalho em toda
do educando não é, como muitos a sua inteireza e complexidade.
preferem pensar, um dom, uma ca- Como tal, essa cultura pressupõe
racterística pessoal intransferível e requer uma visão totalizante
de certos indivíduos, algo de pro- do trabalho (...) A cultura da
fundo e incomunicável. Ao contrá- trabalhabilidade é o que nos
rio, esta é uma aptidão que pode ser permite apreender a trajetória, a
aprendida, desde que haja, da parte situação atual e as perspectivas
de quem se propõe a aprender, dis- do mundo do trabalho em cada
etapa de sua evolução histórica(...)
posição interior, abertura, sensibili-
Por isso, esse tipo de forma-
dade e compromisso para tanto. ção cultural requer habilidades
Para Costa (1991), a Pedagogia metacognitivas, como apren-
da Presença é parte de um esforço der a aprender (autodidatismo),
coletivo na direção de um conceito ensinar o ensinar (didatismo) e
e de uma prática menos irreais conhecer o conhecer (construção
e mais humanos de educação de de conhecimento novo). (COSTA,
adolescentes em dificuldades. 2007, p. 48).
A articulação entre trabalho
e educação aponta, na Pedagogia Costa (2007) salienta que
da Presença, para o conceito de este conceito ainda se encontra
Cultura da Trabalhabilidade, des- nos seus alicerces devendo ser
crita por Costa (2007, p.48) como desenvolvido hoje pensando no
a “forma mais genérica e ampla futuro. Todos aqueles envolvidos
de articulação, que transcende os de alguma forma na viabilização
âmbitos da Educação Geral e da pessoal, social e produtiva das
Educação Profissional, podendo juventudes devem estar atentos à
e devendo estar presente nessas progressiva aplicação deste con-
duas grandes vertentes da educa- ceito na prática.
ção”, por tratar-se, como cultura, Em primeira análise pode-se
de um modo compartilhado de afirmar que um dos aspectos deste
ver, sentir, entender, decidir, agir, conceito se aproxima da visão de
interagir e reagir em todos os âm- educação como formação ampla e
bitos do mundo do trabalho: integral, característico nas correntes
pedagógicas de cunho crítico onde

162
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA SOCIOEDUCAÇÃO

[…] é preferível elaborar a pró- L8069Compilado.htm. Acesso em


pria concepção do mundo de 31 de agosto de 2016.
uma maneira crítica e consciente
e, portanto, em ligação com este BRASIL. Lei de diretrizes e
trabalho do próprio cérebro, esco- bases da educação nacional: Lei nº
lher a própria esfera de atividade, 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
participar ativamente na produ- que estabelece as diretrizes e bases E
ção da história do mundo, ser da educação nacional. Disponível
guia de si mesmo e não aceitar do em http://www.camara.leg.br/edi-
exterior, passiva e servilmente, a tora. Acesso em 23 de julho de 2016.
marca da própria personalidade
[...] (GRAMSCI, 1978, p.12) COSTA, Antonio Carlos
Gomes da. Juventude popular
urbana: educação, cultura, tra-
Ou seja, Costa (2007) pretende balho. São Paulo: Associação
em algum nível, a partir desse Caminhando Juntos (ACJ), 2007.
conceito, propor a construção de
processos formativos totalizantes, _______. Por uma Pedagogia
o que coaduna com a proposta de da Presença. Governo do Brasil.
formação de sujeitos autônomos Brasília,1991.
e críticos, que participem ativa- DELUIZ, Neise e VELOSO,
mente da história do mundo tendo Bianca R. O projovem em foco.
consciência da realidade concreta5 Paraná: Editora Champagnat, 2012.
na qual está inserido.
GRAMSCI, Antonio. Obras
escolhidas. São Paulo: Martins
Fontes, 1978.
REFERÊNCIAS
VELOSO, Bianca R. As ações
BRASIL. Lei no. 8.069, de 13 de qualificação profissional do
de julho de 1990. Dispõe sobre o Projovem Trabalhador a partir
Estatuto da Criança e do adoles- do arco ocupacional saúde na
cente e dá outras providências. percepção dos alunos, professo-
Disponível em http://www. res e coordenador pedagógico.
pla nalto.gov.br/cc ivil_03/ leis/ Dissertação de mestrado. Fiocruz,
Rio de Janeiro, 2011.

Acumular todos os fatos não significa ainda conhecer a realidade; e todos os


fatos [reunidos em seu conjunto] não constituem, ainda, a totalidade. Os fatos
são conhecimentos da realidade se são compreendidos como fatos de um todo
dialético [...] se são entendidos como partes estruturais do todo [...] A destrui-
ção da pseudoconcreticidade é o processo de criação da realidade concreta e a
visão da realidade da sua concreticidade (KOSIK, 2002, p.24-44).

163
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EDUCANDARIO SANTO EXPEDITO

Gustavo Rodrigues Andrade Silva1


Verônica Valença dos Santos2
Bruno Roberto Lino Lima3
Marcos Di Sarli de Carvalho4
Marco Aurélio de Rezende5
Fernanda Acioly6

Em 1997, após uma rebe- A proposta era que os ado-


lião na Escola João Luiz Alves – lescentes oriundos da Escola João
(EJLA), unidade do Departamento Luiz Alves ficassem temporaria-
de Ações Socioeducativas (DE- mente, mas o espaço passou a ser
GASE), que deixou um cenário oficialmente uma unidade de exe-
de destruição em suas dependên- cução de medida socioeducativa
cias, foi necessária a transferência de privação de liberdade de jovens,
dos adolescentes que cumpriam o Educandário Santo Expedito. No
medida socioeducativa (MSE) de entanto, as instalações físicas não
internação naquela instituição. atendiam a necessidade de uma
Como medida imediata, os in- unidade para adolescente, uma
ternos ficaram acautelados numa vez que a estrutura era meramente
unidade desativada na antiga carcerária, por se tratar de espaço
Casa de Custodia Muniz Sodré, para atender adultos em cumpri-
próxima ao Complexo Peniten- mento de regime penal. Sendo as-
ciário de Gericinó, cedida pelo sim, após ser definido que aquele
antigo DESIPE, atual Secretaria espaço continuaria abrigando os
Estadual de Administração Peni- adolescentes, foram realizadas al-
tenciaria (SEAP), ao DEGASE. gumas reformas buscando remo-

1 Diretor Geral do ESE – Agente Socioeducativo com formação em Gestão de


Segurança Pública.
2 Diretora Adjunta do ESE – Assistente Social
3 Diretor Adjunto do ESE – Agente Socioeducativo com formação em Gestão de
Segurança Pública.
4 Diretor Adjunto do ESE – Agente Socioeducativo com formação em Gestão de
Segurança Pública.
5 Psicólogo da equipe de Saúde Mental do ESE
6 Pedagoga da equipe do ESE.

164
EDUCANDARIO SANTO EXPEDITO

delar e adaptar sua estrutura para Apesar de o SINASE pre-


o atendimento adequado àquela ver que o adolescente cumpra
faixa etária, baseadas em princí- medida próxima a sua residência
pios preconizados na Constituição (o funcionamento da unidade seria
Federal de 1988. apenas com adolescentes mora-
Embora tenham sido rea- dores da capital), o Educandário E
lizadas algumas adaptações, ainda recebe adolescentes oriun-
reformas de manutenção predial, dos de outros municípios. No
limpeza, pintura, entre outros, dia 19 de julho de 2016, havia 465
ainda houve dificuldades a des- adolescentes cumprindo medida
peito da divisão física da unidade de internação, sendo 214 socioedu-
que não pode ser alterada. candos de fora da capital do RJ.
Sendo assim, o Educandário Embora a unidade atual-
Santo Expedito passou a funcio- mente se encontre superlotada e
nar como uma unidade que abriga esteja funcionando a pleno vapor
adolescentes em cumprimento de como unidade socioeducativa,
medida socioeducativa de interna- alguns obstáculos se colocam no
ção. Para atender aos parâmetros cotidiano do nosso trabalho.
arquitetônicos e socioeducativos Por toda sua história, e por
definidos pelo Sistema Nacional estar em desacordo com o art. 16 da
de atendimento socioeducativo lei 12594/12 que proíbe a edificação
(SINASE) e Estatuto da Criança de unidades socioeducacionais em
e do Adolescente (ECA), em 2007, espaços contíguos, anexos, ou de
iniciou-se uma nova fase de obras qualquer outra forma integrados
para adequar a estrutura física, a estabelecimentos penais, órgãos
respeitando orientações do PASE de defesa dos direitos humanos
(Plano de atendimento socioe- dialogaram e traçaram estraté-
ducativo) e PPI (Projeto Político gias para a completa desativação
Institucional) do Novo DEGASE. do Educandário, havendo uma
Atualmente, o Educandário decisão transitada em julgado
Sato Expedito é uma unidade que pedindo o fechamento da unidade.
pertence ao DEGASE, instituição Enquanto isso, é nesse cenário que
vinculada a Secretaria Estadual a equipe trabalha, traçando estraté-
de Educação do Estado do Rio de gias e metodologias que sinalizem
Janeiro, cuja finalidade é atender os melhores procedimentos para
adolescentes entre 16 a 21 anos que alcançar um trabalho que garanta
estão cumprindo medida socioedu- a proteção integral ao adolescente
cativa de internação ou internação- e a construção de um projeto de
-sanção do Estado do Rio de Janeiro. vida para os mesmos, que busque

165
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

sua cidadania plena e o seu pro- institucionalização podem supor,


tagonismo social, norteados pelos percebe-se a necessidade de um
documentos legais referenciados trabalho focado não apenas na
pelo ECA e pelo SINASE. garantia de direitos, mas no pró-
Na lógica da política de prio reconhecimento do sujeito
atendimento ao adolescente em como portador de uma história,
conflito com a lei, deve ser garan- uma cultura, um sonho. Muitas
tido e priorizado o elemento da vezes negado ou subtraído ao
formação. Esta, por sua vez, enten- longo das insidiosas relações de
de-se consubstanciada por outros poder e controle sociais.
elementos, tais como, escolariza- A adolescência é uma fase de
ção, profissionalização, rede de desenvolvimento na qual o indi-
relações sociais, lazer, cultura e víduo passa por um momento de
esportes. A construção da metodo- particular fragilidade. E como fase
logia na MSE de Internação deverá de transição é caracterizada como
indicar os melhores procedimen- uma crise na qual predomina a
tos a serem gestados, objetivando desorientação, a procura da pró-
uma ressignificação de projetos pria identidade e o perigo de ser
de vida que, por conseguinte, terá atropelado pelos conflitos a serem
rebatimento do ponto de vista enfrentados. Juntamente a essa
social, possibilitando aos adoles- fase, adiciona-se a maioria desses
centes e suas famílias a assunção adolescentes uma marca do con-
de fato do seu papel de sujeitos de texto familiar, social e cultural.
direitos e não objetos destes. Inúmeros estudos revelam
Nos últimos anos, os adoles- que o adolescente, autor de ato in-
centes em conflito com a lei e tudo fracional, possui um grau de es-
aquilo que concerne sua formação colaridade abaixo do esperado.
e envolvimento com atos violentos Rompem-se os laços familiares,
tem ganhado destaque em nossa escolares por falta de identifica-
sociedade. Não por sua natureza ção ou, simplesmente, porque os
nefasta, mas pelo aumento desme- padrões existentes dentro destes
dido no número de adolescentes espaços já não preenchem a ampli-
envolvidos com a criminalidade, o tude do que se pretende ser.
que acarretou um aumento brusco Contudo, o envolvimento do
no quantitativo de internos. adolescente com a criminalidade
Neste espaço onde os adoles- não é exclusividade de famílias
centes recebidos trazem consigo desfeitas, pobres e marginaliza-
uma bagagem muito maior do das. É óbvio que esses fatores con-
que as estigmatizações sociais e a tribuem em larga escala para a

166
EDUCANDARIO SANTO EXPEDITO

formação da clientela socioedu- moral, espiritual e social, em con-


cativa. Mas o desejo, a carência, dições de liberdade e de dignidade.
a incoerência, o abandono não
seguem apenas os filhos negros Nesta perspectiva, a socioedu-
e pobres das periferias, seguem cação, entendida como o processo
a todos que não conseguem reco- de formação humana integral, atua E
nhecer em si, de forma valorativa, sobre os meios para a reprodução
o potencial mutável e transforma- da vida - e essa é sua dimensão
dor do próprio caminho. mais visível e prática -, bem como
Segundo consta no ECA, os coopera para estender a aptidão
programas de execução de medi- do homem para olhar, perceber
das socioeducativas devem possi- e compreender as coisas, para se
bilitar que todos os adolescentes reconhecer na percepção do outro,
se apropriem de certos instrumen- constituir sua própria identidade,
tais capazes de constituí-los como distinguir as semelhanças e dife-
cidadãos. Para tanto, é necessá- renças entre si e o mundo das
rio que apreendam a organização coisas, entre si e outros sujeitos.
e distribuição de conhecimen- A socioeducação, articulada
tos e habilidades disponíveis no a partir dos eixos do desenvol-
momento histórico, que lhes seja vimento físico, mental, moral,
permitida a preparação para o espiritual e social, poderá cons-
trabalho, o acesso ao desenvolvi- tituir-se como um espaço de
mento tecnológico, a participação oportunidades para o exercício da
crítica na vida política, ou seja, o cidadania plena, no exercício de
acesso à cidadania. uma cotidianidade repleta de pos-
Outrossim, à luz do que esta- sibilidades para os adolescentes
belece o artigo 3º do Estatuto da constituírem-se verdadeiramente
Criança e do Adolescente, temos sujeitos de direitos e portadores
então a finalidade maior da genuínos da proteção integral.
socioeducação. Nesse propósito, ao definir
os atributos do ato socioedu-
Art. 3º: A criança e o adolescente cativo como o de preparar os
gozam de todos os direitos fun- indivíduos para a vida social, ins-
damentais inerentes à pessoa titui-se um parâmetro universal
humana, sem prejuízo da proteção sobre os fins da socioeducação: o
integral de que trata esta Lei, asse- de formar os indivíduos para o
gurando-lhes, por lei ou por outros
exercício da Cidadania.
meios, todas as oportunidades e
O Educandário Santo Expedito
facilidades, a fim de lhes facultar
o desenvolvimento físico, mental, tem por objetivo executar a me-

167
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

dida socioeducativa de internação dividualidade desenvolvida com


através de um acompanhamento a unidade orgânica do grupo so-
psicossocial e pedagógico, com cial ao qual o indivíduo pertence,
a finalidade de acolher, cuidar, permitindo a sua inclusão como
acompanhar, atender, promover, adolescente-cidadão protagonista
capacitar e tratar os adolescen- de sua realidade e comprometido
tes em conflito com a lei e seus fa- com a modificação do mundo que
miliares, a fim de criar condições o cerca. A partir do acompanha-
para que possam desenvolver as mento dos adolescentes e jovens
competências pessoais, relacionais de 16 anos e 21 anos, que se en-
produtivas e cognitivas que per- contram em cumprimento de MSE
mitam seu retorno para o convívio de internação e internação-san-
social (PASE/RJ, art. 10). ção, desenvolver um atendimento
Seu propósito é preparar a integral com qualidade, na pers-
pessoa em formação (adolescentes) pectiva de contribuir na (re)
para assumir papéis sociais relacio- construção do seu projeto de vida,
nados à vida coletiva, à reprodução em consonância com os precei-
das condições de existência (traba- tos estabelecidos na Constituição
lho), ao comportamento justo na Federal de 1988, ECA e SINASE,.
vida pública e ao uso adequado e
responsável de conhecimentos e
habilidades disponíveis no tempo REFERÊNCIAS
e nos espaços onde a vida dos indi-
víduos se realiza. Ao lado disso, BRASIL, Conselho Nacional
desdobra-se o conjunto das ações dos Direitos da Criança e do ado-
educativas a serem desempenha- lescente. Sistema Nacional de
das pelos socioeducadores que Atendimento Socioeducativo –
devem buscar articulação entre SINASE. Brasilia: Conanda 2016.
as relações práticas da educação
e a necessidade do adolescente à BRASIL, Presidência da Repú-
vida política e social, individual e blica. SINASE. Lei nº 12.594. Institui
coletiva, sendo a educação o cami- o Sistema Nacional de Atendi-
nho necessário para a formação do mento Socioeducativo (Sinase),
sujeito-cidadão ao dotar os edu- regulamenta a execução das
candos dos instrumentos que lhes medidas socioeducativas destina-
são necessários e pertinentes. das a adolescente que pratique ato
A finalidade é propiciar o infracional. Brasília, 18 de janeiro
crescimento individual, ao mesmo 2002. Disponível em: http://www.
tempo em que harmoniza a in- planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-

168
Egresso do Sistema Socioeducativo / AMSEG

2014/2012/lei/l12594.htm. Acesso nalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.


em 12 de junho de 2016. htm. Acesso em 20 de julho 2014.
BRASIL, Presidência da BRASIL. PASE. Estado do Rio
República. Estatuto da Criança de Janeiro, Poder Executivo, 2010.
e do Adolescente. Lei 8.069/90.
Educandário Santo Expedito E
Dispõe sobre o Estatuto da Criança
(ESE)– Projeto Político Pedagógico
e do Adolescente e dá outras pro-
2015 – Estado do Rio de Janeiro, 2015.
vidências. Brasília, 13 jul. 1990.
Disponível em http://www.pla-

EGRESSO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO / AMSEG

Dulci Sebra1
Maria Stela2
Saturnina Silva3
Vera Durão4

Entende-se por egresso no tidades que desenvolvem pro-


sistema socioeducativo o adoles- gramas de internação tem as
cente/jovem que cumpriu medida seguintes obrigações, entre ou-
socioeducativa de internação, se- tras: inciso XVIII - manter pro-
miliberdade, liberdade assistida gramas destinados ao apoio e
ou prestação de serviço à comu- acompanhamento de egressos”.
nidade por algum ato infracional O Sistema Nacional de Aten-
cometido, tendo seu processo de dimento Socioeducativo (SINASE),
execução extinto. em suas normativas, estabelece,
O Estatuto da Criança e do no item 6.3.1.5, que as entidades e
Adolescente – ECA, lei nº 8.069 –, ou programas que executam a me-
no seu artigo 94 dispõe “As en- dida socioeducativa de interna-

1 Psicóloga - Departamento Geral de Ações Socioeducativas.


2 Assistente Social - Departamento Geral de Ações Socioeducativas.
3 Especialista em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente USP/
Assistente Social - Departamento Geral de Ações Socioeducativas – Assessora.
4 Psicóloga – Especialista em Psicologia Clínica e de Trânsito - Departamento
Geral de Ações Socioeducativas – Agente de Disciplina.

169
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ção deverão dispor de programa que tem a medida de internação e


de acompanhamento opcional aos semiliberdade extinta é ínfimo e
egressos da internação. que geralmente procuram a uni-
O Departamento Geral de dade onde cumpriram a última
Ações Socioeducativas (DEGASE), medida socioeducativa por serem
órgão responsável pela execução próximas ao território de moradia
das medidas de internação e semi- e os profissionais com quem esta-
liberdade, através da Assessoria beleceram vínculo. O número re-
às Medidas Socioeducativas e duzido de egressos da internação
ao Egresso (AMSEG) – elabo- e semiliberdade se dá em função
rou em 2014 o “Projeto Egresso de a maioria dos adolescentes re-
do Sistema Socioeducativo do ceberem a progressão para as me-
Estado do Rio de Janeiro” com didas em meio aberto (liberdade
a finalidade de atender o que é assistida e prestação de serviço à
preconizado no ECA e SI NA SE , comunidade) de responsabilidade
entendendo a importância de dar de execução dos municípios atra-
continuidade ao trabalho desen- vés dos Centros de Referência de
volvido durante o cumprimento Assistência Social (CREAS), uni-
da medida e de assegurar o acesso dade pública estatal, de abran-
do adolescente/jovem ao Sistema gência municipal ou regional,
de Garantia de Direitos na busca referência na oferta de trabalho
do protagonismo juvenil. social a famílias e indivíduos em
Para a elaboração do Projeto, situação de risco pessoal e social
foi realizada pesquisa nas Unida- por violação de direitos, que de-
des para identificar as demandas manda intervenções especializa-
dos egressos e constatou-se: 26% das no âmbito do Sistema Único
dos adolescentes/jovens voltam da Assistência Social (SUAS) .
para rever os funcionários; 22% Diante desta realidade, atu-
em busca de cópia de documen- almente, a AMSEG trabalha na
tação; 15% de orientação para fins perspectiva de incentivar e impli-
profissionais; 9% para expressar car as unidades para desenvolver
gratidão aos funcionários por o projeto tendo em vista a proxi-
acreditarem nele; 8% para infor- midade com o adolescente/família
mar o seu ingresso no mercado e o conhecimento/articulação com
de trabalho e sobre o seu pro- a rede socioassistencial local para
gresso de vida. orientar e encaminhar as deman-
Inicialmente, o projeto desen- das apresentadas.
volvido pela AMSEG observou
que o quantitativo de adolescentes

170
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

REFERÊNCIAS Social e Combate à Fome. Secretaria


Nacional de Assistência Social, 2011.
BRASIL. Lei Federal nº BRASIL. Sistema Nacional
8.069/1990. Estatuto da Criança e Atendimento Socioeducativo –
do Adolescente. Brasília, 1990. SINASE (2006).
BRASIL. Lei Federal nº 12.594/2012. E
PROJETO. Egresso do
Lei do SINASE. Brasília, 2012. Sistema Socioeducativo do Estado
BRASIL. Orientações técnicas. do Rio de Janeiro. Elaborado pela
Centro de Referência Especializado equipe da Assessoria às Medidas
de Assistência Social (CREAS). Socioeducativas e ao Egresso. Rio
Ministério do Desenvolvimento de Janeiro: DEGASE, 2014.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

Elisa Costa Cruz1

Estatuto da Criança e do da prioridade absoluta à criança e ao


Adolescente (ECA) é o nome jurídico adolescente2, cuja aceitação no sis-
da Lei n. 8.069, sancionada em 13 de tema jurídico brasileiro ocorreu no
julho de 1990 e publicada em 16 de art. 227 da Constituição da República
julho de 1990 no Diário Oficial da de 1988 e art. 2º da Convenção sobre
União (com republicação por incor- Direitos da Criança3.
reção em 27 de setembro de 1990). Até sua vigência, o direito da
O Estatuto possui como inspira- infância tinha como diretriz norte-
ção a doutrina da proteção integral e adora a doutrina do menor exposto

1 Defensora Pública. Subcoordenadora da CDEDICA. Doutoranda em Direito


Civil na UERJ.
2 Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este
Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
3 A Convenção sobre Direitos da Criança foi ratificada pelo Brasil e promulgada
pelo Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990
O art. 2º tem o seguinte teor:
1 Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção
e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem dis-

171
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ou em situação irregular, assim ou responsável, em perigo mora,


considerado esse último como privado de representação ou assis-
aquele que estivesse privado de tência legal pela falta eventual dos
condições essenciais à subsistência, pais ou responsável, com desvio
à saúde e à instrução obrigatória, de conduta em virtude de grave
vítima de maus tratos ou castigos inadaptação familiar ou comunitá-
imoderados impostos pelos pais ria ou autor de infração penal4.

tinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opi-


nião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição
econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da
criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2 Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a
proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por cau-
sa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de
seus pais, representantes legais ou familiares.
4 O Decreto n. 5.083, de 01 de dezembro de 1926, foi o primeiro Código de Menores
do Brasil, o qual era aplicado às crianças expostas, abandonadas ou delinquen-
tes, conforme dispunha o art. 1º: “O Governo consolidará as leis de assistência
e protecção aos menores, adicionando-lhes os dispositivos constantes desta lei,
adoptando as demais medidas necessárias á guarda, tutela, vigilância, educação,
preservação e reforma dos abandonados ou delinquentes, dando redacção har-
mônica e adequada a essa consolidação, que será decretada como o Código dos
Menores”. A lei 6.697/1977 passou a adotar a teoria do menor em situação irregu-
lar para atrair a incidência do Código de Menores:
Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obri-
gatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI - autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe,
exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou volunta-
riamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.

172
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

Embora legislativamente ino- xou de ser o fator relevante para atrair


vador, porque à época pouco de- a incidência da norma especializada,
bate havia sobre a proteção de passando a proteção legislativa espe-
crianças, os Códigos de Menores cífica ser aplicável a todas as crianças
de 1926 e 1977 promoviam trata- ou adolescentes, independentemente
mento discriminatório pois a eles da existência de situação violadora de E
se submetiam apenas as crianças direitos, como fica claro da leitura do
sem família ou de famílias pobres5. art. 1º do Estatuto6.
ComapromulgaçãodaConstitui- Essa alteração de paradigma
ção de 1988, a ratificação da Conven- surge no mesmo contexto de valori-
ção e a publicação do Estatuto, houve zação de direitos humanos que domi-
uma grande alteração de paradigma nou o cenário mundial no pós-guerra e
no tratamento legal de crianças e ado- inspirou a Constituição de 1988 a ado-
lescentes: a condição fática da criança tar como postulado, princípio e dire-
– como abandono ou exposição – dei- triz a dignidade da pessoa humana7.
5 “A doutrina subjacente ao Código Mello Mattos (CMM) era a de manter a or-
dem social. As crianças com família não eram objeto do Direito; já as crianças
pobres, abandonadas ou delinqüentes, em situação irregular – e apenas aquelas
que estivessem em situação irregular-, passariam a sê-lo. Estariam em situação
irregular aqueles menores de idade (18 anos) que estivessem expostos (art.14 e ss,
CMM); abandonados (art.26, CMM); ou fossem delinqüentes (art.69 e ss, CMM).
Era, pois, um tratamento conservador e parcial da questão; mas apesar disto
constituía-se em um avanço legislativo considerável.” (AZEVEDO, s/d , p. 6)
6 O reconhecimento de que o ECA se aplique a todas as crianças e adolescen-
tes não significa que a justiça especializada da infância terá competência para
processar e julgar todos os litígios que envolvam seus direitos ou interesses.
O juizado da infância só terá competência nas situações previstas nos arts.
98, 148 e 148 do ECA. Nos demais casos, segue-se a regra geral, ainda que se
apliquem as disposições do ECA.
7 A leitura do preâmbulo da Convenção sobre Direitos da Criança é esclarecedo-
ra sobre o conteúdo e inspiração da doutrina da proteção integral:
“Os Estados Partes da presente Convenção,
Considerando que, de acordo com os princípios proclamados na Carta das
Nações Unidas, a liberdade, a justiça e a paz no mundo se fundamentam no re-
conhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos
os membros da família humana;
Tendo em conta que os povos das Nações Unidas reafirmaram na carta sua fé nos
direitos fundamentais do homem e na dignidade e no valor da pessoa humana
e que decidiram promover o progresso social e a elevação do nível de vida com
mais liberdade;
Reconhecendo que as Nações Unidas proclamaram e acordaram na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais de Direitos

173
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Humanos que toda pessoa possui todos os direitos e liberdades neles enuncia-
dos, sem distinção de qualquer natureza, seja de raça, cor, sexo, idioma, crença,
opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição econômi-
ca, nascimento ou qualquer outra condição;
Recordando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações
Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;
Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambien-
te natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em par-
ticular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de
poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade;
Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de
sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felici-
dade, amor e compreensão;
Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida in-
dependente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclama-
dos na Cartas das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade,
tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;
Tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial
foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na
Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de no-
vembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos Artigos 23 e 24),
no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no
Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e
das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança;
Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da
Criança, “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, ne-
cessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto
antes quanto após seu nascimento”;
Lembrado o estabelecido na Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos
Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças, especialmente com Referência
à Adoção e à Colocação em Lares de Adoção, nos Planos Nacional e Internacional;
as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil
(Regras de Pequim); e a Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em
Situações de Emergência ou de Conflito Armado;
Reconhecendo que em todos os países do mundo existem crianças vivendo sob condi-
ções excepcionalmente difíceis e que essas crianças necessitam consideração especial;
Tomando em devida conta a importância das tradições e dos valores culturais de
cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança;
Reconhecendo a importância da cooperação internacional para a melhoria
das condições de vida das crianças em todos os países, especialmente nos
países em desenvolvimento(...)”

174
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

Nessa esteira, deixou-se de considerar São os direitos à vida, à saúde, à


a criança um pequeno adulto para re- liberdade, à dignidade, às convi-
conhecê-la como uma pessoa em de- vências familiar e comunitária, à
senvolvimento, isto é, uma pessoa que educação, à cultura, ao esporte, ao
está em processo de construção e que, lazer e à proteção ao trabalho.
portanto, deve ser auxiliada por seus A segunda parte volta-se à E
pais ou representantes legais, a so- proteção. Violados ou na iminên-
ciedade e o Estado a tornar-se adulta cia de serem violados os direitos
(MACIEL, 2014, p.47-48). anteriores, o Estatuto passa a dis-
A fim de dar concretude à ciplinar uma série de mecanismos
doutrina da proteção integral, para a prevenção ou superação
o Estatuto está estruturado em dos riscos a que está submetida a
três princípios e em três partes. criança ou adolescente.
São princípios orientadores do Em essência, esta seção do
Estatuto: princípio da prioridade ECA lista as entidades, institui-
absoluta, princípio do melhor in- ções e órgãos responsáveis por
teresse e princípio da municipali- cuidar diretamente dos direitos da
zação (Id ibidem, p. 53). infância e suas respectivas atribui-
Sistematicamente, o ECA é ções, assim como os instrumentos
apresentado em três setores: direi- disponíveis para que esse conjunto
tos fundamentais, prevenção e ato de pessoas, qualificado de sistema
infracional (desconsiderando-se a de garantias de direitos, exerça o
parte de direito processual, que ape- controle dos direitos da infância8.
nas instrumentaliza as anteriores). Vale destacar que a maior no-
Na primeira parte, são descritos vidade do ECA em relação ao sis-
os direitos e garantias individuais e tema anterior, quanto à proteção,
sociais de crianças e adolescentes. foi a criação dos conselhos tute-

8 O Sistema de Garantias de Direitos (SGD) está normatizado na Resolução n.


113, de 19 de abril de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente. O Conselho Nacional está previsto no art. 88 do ECA e foi criado
pela Lei n. 8.242, de 12 de outubro de 1991, competindo-lhe: elaborar as normas
gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adoles-
cente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de ação e as di-
retrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 do ECA; zelar pela aplicação da política
nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; dar apoio aos
Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, aos
órgãos estaduais, municipais, e entidades não-governamentais para tornar efe-
tivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos no ECA; avaliar a
política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais
da Criança e do Adolescente; acompanhar o reordenamento institucional pro-

175
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

lares, órgãos não jurisdicionais dade de um direito sancionador


e autônomos, “encarregado pela para construir um sistema em que
sociedade de zelar pelo cumpri- o fato seja utilizado no desenvolvi-
mento dos direitos da criança e mento da criança e do adolescente.
do adolescente” (art. 131 do ECA). Nessa diretriz, o ECA impõe
Anteriormente essa função era que a criança que venha a prati-
exercida pelo Poder Judiciário, car fato análogo a crime fica sujeito
que, agora, passa a ter função ju- a medidas de proteção9, enquanto
dicante exclusiva, cabendo ao con- os adolescentes que venham a ser
selho tutelar atuar diretamente condenados por ato infracional,
“na proteção de suas crianças e jo- resguardado o devido processo le-
vens, encaminhando à autoridade gal10, ficam sujeitos à medida de
judiciária os casos de sua compe- proteção, advertência, obrigação de
tência e ao Ministério Público no- reparar o dano, prestação de servi-
tícia de fato que constitua infração ços à comunidade, liberdade assis-
administrativa ou penal contra os tida, semiliberdade ou internação11,
direitos da criança e do adolescen- a depender da avaliação judicial da
te”(MACIEL, 2014, p.48). capacidade do adolescente de cum-
Por fim, a última seção do prir a medida, as circunstâncias e a
Estatuto trata da proteção da gravidade da infração12.
criança e do adolescente em caso Nos últimos anos, o ECA tem
de prática de ato infracional. O uso sofrido alterações e complemen-
da palavra proteção não é equivo- tações por outras leis, como a Lei
cado: ao reconhecer que criança e n. 12.010/2009, que tratou do di-
adolescente estão em desenvolvi- reito às convivências familiar e
mento, o ECA afasta a possibili- comunitária; Lei n. 12.592/2012,

pondo, sempre que necessário, modificações nas estruturas públicas e privadas


destinadas ao atendimento da criança e do adolescente; apoiar a promoção de
campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente, com a in-
dicação das medidas a serem adotadas nos casos de atentados ou violação dos
mesmos; acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária da
União, indicando modificações necessárias à consecução da política formulada
para a promoção dos direitos da criança e do adolescente; gerir o fundo nacional
para a criança e o adolescente e fixar os critérios para sua utilização; e, elaborar o
seu regimento interno, aprovando-o pelo voto de, no mínimo, dois terços de seus
membros, nele definindo a forma de indicação do seu Presidente.
9 Arts.. 101 e 105 do ECA.
10 Arts. 110, 111 e 114 do ECA.
11 Art. 112 do ECA.
12 Art. 112, § 1º, do ECA.

176
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

que regulamenta a execução de tutelares ainda não foram instala-


medidas socioeducativas; Lei n. dos no país; ainda apresentamos
12.962/2014, que disciplinou a taxa de 5,1% de sub-registro14; te-
convivência da criança e do ado- mos uma taxa de homicídios con-
lescente com os pais privados de tra crianças e adolescentes de 17,6
liberdade; Lei n. 13.010/2014, que por 100.000 habitantes; a execu- E
estabelece o direito da criança e ção de medidas socioeducativas
do adolescente de serem educados não cumpre o disposto no ECA e
e cuidados sem o uso de castigos na Lei n. 12.594/2012, de modo que
físicos ou de tratamento cruel ou não atende a finalidade educativa
degradante; e, Lei n. 13.257/2016, determinada em lei15.
que estabelece políticas públicas Há, portanto, muito o que
para a primeira infância. avançar a fim de alcançar a pro-
Embora seja um movimento teção integral almejada pela
natural de aperfeiçoamento legis- Constituição da República de 1988
lativo e essas leis posteriores ao e efetivamente reconhecer crian-
ECA contribuam para a proteção ças e adolescentes como pessoas
de crianças e adolescentes, ainda detentoras de plenos direitos em
hoje não é possível afirmar que o nossa sociedade.
sistema inovador do ECA, que o
faz ser considerado um dos mais
modernos do mundo, está plena- REFERÊNCIAS
mente implementado. Segundo
dados da Fundação Abrinq13, ape- AZEVEDO, Maurício Maia
nas 49% dos Conselhos Muni- de. O Código Mello Mattos e
cipais dos Direitos da Criança e
do Adolescente funcionam regu-
larmente; cerca de 30 conselhos

13 Dados do Observatório da Criança, disponível em http://observatoriocrianca.


org.br/cenario-infancia. Acesso em 17.07.2016.
14 Dados de 2013 extraídos do site da Fundação Abrinq. Segundo a mesma fonte,
“as estimativas de sub-registro civil representam o conjunto de nascimentos não
registrados no ano de ocorrência, ou até o fim do primeiro trimestre do ano sub-
sequente. A estimativa é calculada pela divisão entre a diferença do número de
nascimentos estimados para uma população e os registros de nascidos informa-
dos pelos Cartórios de Registro Civil ao IBGE e dos nascimentos estimados para
a população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado.”
15 Veja-se o relatório do CNMP sobre as condições do Sistema socioeducativo
no país: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/Publicacoes/
Relatório_Internação.PDF. Acesso em 17.07.2016.

177
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

seus reflexos na legislação pos- e práticos. 7ª ed. rev. e atua. São


terior. Tribunal de Justiça do Paulo: Editora Saraiva, 2014.
Rio de Janeiro, s/d. Disponível
PRIORE, Mary Del. História
em http://www.tjrj. jus.br/docu-
das crianças no Brasil. 7ª ed. São
ments/10136/30354/codigo_mello_
Paulo: Contexto, 2015.
mattos_seus_reflexos.pdf. Acesso
em 17 de julho de 2016. VERONESE, J. R. P.; ROSSATO,
L. A.; LEPORE, P. H.. Estatuto da
LIBERATI, Wilson Donizeti.
Criança e do Adolescente: comen-
Comentários ao Estatuto da
tado artigo por artigo. São Paulo:
Criança e do Adolescente. 9ª ed.
Saraiva, 2015.
rev. e amp. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006.
MACIEL, Kátia Regina
Ferreira Lobo Andrade (Coord.).
Curso de direito da criança e do
adolescente: aspectos teóricos

178
FINANCIAMENTO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

F
FINANCIAMENTO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO
F

Paula Latgé1

Para falar do financiamento adolescente, ao qual seja aplicada


da Política de Atendimento medida socioeducativa.
Socioeducativo, é preciso, antes O processo de gestão de
de tudo, definir o que é entendido SINASE envolve algumas reflexões
como política de atendimento. A lei sobre a descentralização político-
nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, -administrativa, a municipalização
que institui o Sistema Nacional e a territorialidade, afirmando as
de Atendimento Socioeducativo, competências de cada ente fede-
aponta a responsabilidade de rado na execução dos programas de
Coordenação do SINASE pela atendimento e dos instrumentos de
União, sendo partes integran- gestão, sendo o financiamento uma
tes sistemas estaduais, distrital das bases para garantir a institucio-
e municipais responsáveis pela nalidade do Sistema.
implementação dos seus respecti- Em relação às competên-
vos programas de atendimento ao cias, é responsabilidade da União

1 Formação em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, mestrado


em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - UFF,
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Bioética, Ética Aplicada e
Saúde Coletiva, experiência de 16 anos na área da Gestão em Políticas Sociais,
com destaque para Assistência Social e Saúde. Atuou como Subsecretária de
Assistência Social nos Municípios de Niterói e Mesquita, professora das disci-
plinas de Orçamento e Financiamento no SUS e no SUAS e de Plano Individual
de Atendimento no curso de operadores do DEGASE. Atua como psicóloga da
Equipe de Referência para Ações de Atenção ao uso de Álcool e outras Drogas -
ERIJAD - e na Associação de Mídia Comunitária - BEM TV. Tem como projeto a
tomada de decisão na gestão pública e faz parte do Grupo de Estudos de Gestão
e Ensino em Saúde - GEGES - ISC-PROPPi-UFF(GP CNPq).

179
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

a formulação, a coordenação e a recursos do orçamento fiscal e da


execução da Política Nacional de seguridade social, declarando que
Atendimento Socioeducativo, ins- os entes federados que tenham
tituindo e mantendo o Sistema instituído seus sistemas de atendi-
Nacional de Informações sobre mento socioeducativo terão acesso
o Atendimento Socioeducativo aos recursos na forma de trans-
e prestando assistência técnica ferência adotada pelos órgãos
e suplementação financeira aos integrantes do Sistema.
Estados, ao Distrito Federal e aos É necessário um retorno ao
Municípios, para o desenvolvi- artigo 195 da Constituição Federal
mento de seus sistemas. de 1988, o qual institui a norma-
Destaca-se ao parágrafo 1º tiva do orçamento da Seguridade
do artigo 3º, que veda o desen- Social, destacando que a mesma
volvimento e a oferta de progra- será financiada por toda a socie-
mas próprios de atendimento pela dade, de forma direta e indireta,
União, sendo de responsabilidade mediante recursos dos orçamentos
do Estado a execução, o que inclui da União, dos Estados, do Distrito
criar, desenvolver e manter progra- Federal e dos Municípios, e de
mas para a execução das medidas contribuições sociais. Desta forma,
socioeducativas de semiliberdade uma abordagem sobre o financia-
e internação, e responsabilidade mento da política de atendimento
dos municípios a implementação socioeducativo nos convoca a
e execução dos programas vol- pensar na interface das políti-
tados para atendimento das me- cas de assistência social, saúde e
didas socioeducativas em meio previdência, e o SUAS (Sistema
aberto. A complexidade da gestão Único de Assistência Social) e o
da política de atendimento socio- SUS (Sistema Único de Saúde), na
educativo reside na integração e direção da garantia de direitos de
complementariedade dos sistemas crianças e adolescentes, e na oferta
por nível de governo, além da in- de serviços e programas.
terface entre diferentes políticas, No campo das medidas socio-
tais como assistência social, saúde, educativas em meio aberto, como
educação, entre outras. essas são executadas por meio do
A lei que institui o SINASE Serviço de Proteção Social a Ado-
afirma o cofinaciamento como lescentes em Cumprimento de
forma de gestão da política de Medida Socioeducativa de Liber-
atendimento socioeducativo, refor- dade Assistida (LA), e de Prestação
çando em seu Artigo 30 que o de Serviços à Comunidade (PSC),
SINASE será cofinanciado com conforme Tipificação Nacional

180
FINANCIAMENTO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

dos Serviços Socioassistenciais, Média Complexidade, voltado para


Resolução 109/2009 do Conselho a implementação dos Serviços de
Nacional de Assistência Social, Proteção Social Especial de Média
os repasses são feitos por meio de Complexidade, tendo como equi-
transferências do Fundo Nacio- pamento de referência o Centro
nal de Assistência Social para os de Referência Especializado da
Fundos Municipais de Assistência Assistência Social - CREAS.
Social, por Pisos de Proteção.
F
No caso da Assistência Social,
vale destaque para o Piso Fixo de

QUADRO 1: SERVIÇOS FINANCIADOS PELO PFMC


Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à
Família e Indivíduos (PAEFI)
Serviço de proteção social a adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas de
Piso Fixo liberdade assistida (LA) e de prestação de serviços à
de Média comunidade (PSC)
Complexidade
Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua
(PFMC)
Serviço Especializado em Abordagem Social
Serviço de Proteção Social Especial em Centro-Dia de
Referência para pessoas com deficiência em situação
de dependência e suas famílias
FONTE: MDS
Ressalta-se que, para conso- institui o SINASE, que responsabi-
lidação da institucionalidade da liza os Conselhos de Direitos, nas 3
Política de Atendimento Socio- (três) esferas de governo, para de-
educativo, é fundamental que o finição de percentual anual de re-
processo de financiamento esteja cursos dos Fundos dos Direitos da
articulado com o ciclo orçamen- Criança e do Adolescente, que de-
tário, ou seja, estando presente vem ser aplicados no financiamento
como programa de trabalho den- das ações voltadas ao sistema so-
tro Plano Plurianual (PPA) e da Lei cioeducativo, tendo como objetivos
Orçamentária Anual. prioritários capacitação, sistemas
Outro ponto fundamental a ser de informação e de avaliação.
abordado é o artigo 31 da lei, que

181
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Como formas de financia- ______. Conselho Nacional


mento previstas, estão os repasses de Assistência Social. Tipificação
fundo a fundo, já abordados an- Nacional de Serviços Socioassis-
teriormente, convênios, que têm tenciais. Brasília: CNAS, 2009.
objetos e prazos definidos em ins-
______. Ministério do De-
trumentais próprios, e remunera-
senvolvimento Social e Combate
ção por serviços prestados.
à Fome. Política Nacional de
Enfim, tratar do financia-
Assistência Social. Brasília: Se-
mento da Política de Atendimento
cretaria Nacional de Assistência
Socioeducativo nos convoca a
Social, 2004.
pensar no desafio da institucio-
nalização, considerando que as ______. Secretaria Especial
formas de financiamento estão dos Direitos Humanos. Sistema
articuladas a outras políticas es- Nacional de Atendimento So-
pecíficas, o que pode representar cioeducativo – SINASE. Brasília:
uma diluição dos recursos apli- CONANDA, 2006.
cados e uma grande dificuldade ______. Lei 12.594, de 18 de ja-
para a avaliação o monitoramento neiro de 2012. Institui o Sistema
e para o controle social. Nacional de Atendimento Socioe-
ducativo (SINASE). Diário Oficial
da União, Brasília, 18 jan. 2012.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil:
1988 - texto constitucional de 5
de outubro de 1988 com as alte-
rações adotadas pelas Emendas
Constitucionais de n. 1, de 1992,
a 32, de 2001, e pelas Emendas
Constitucionais de Revisão de n.
1 a 6, de 1994.

182
FLUXO DE ATENDIMENTO

FLUXO DE ATENDIMENTO

Eneida Ramos Sousa1

Podemos conceber fluxo de O fluxo interno se refere ao F


atendimento como o desenho e o percurso do adolescente em con-
dimensionamento dos serviços e flito com a lei dentro do sistema
das informações necessários para e está intimamente ligado aos
o êxito da organização de deter- recursos e práticas institucionais
minado processo. cotidianas que o sistema socioe-
No nosso campo de atuação, é ducativo dispõe para garantir o
elementar que esse fluxo seja cons- atendimento, que vai desde seu
tituído para que haja a implicação ingresso, passando por sua per-
de todos os setores do programa manência em cumprimento de
socioeducativo (art. 1º, § 3º da lei medida socioeducativa e encer-
12594/ 2012) nos procedimentos rando o processo quando esta
e nas ações que vão viabilizar as medida se der por cumprida.
condições de favorecimento para Já o fluxo externo tem a ver
o adolescente em conflito com a com os atores do Sistema de
lei em cumprir sua medida socio- Garantia de Direitos e os serviços
educativa dentro dos princípios públicos e privados que vão envol-
atinentes. ver instituições, equipamentos e
O fluxo de atendimento socio- programas, tendo um desenho
educativo pode ser didaticamente todo particular na rede de servi-
nomeado como interno e externo ços, ou seja, é um fluxo criado para
e, apesar de serem independentes, atender as necessidades específi-
estão articulados de forma que cas de cada adolescente.
possam fazer a interface com as Considerando que o Artigo 4º
demais políticas públicas e auxi- e os incisos da Lei 12594/ 2012 pre-
liar o êxito da medida. conizam que as instituições e as

1 Psicólogo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1990), Mestre em Saúde


Coletiva pelo IMS/UERJ - Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (1994) e Doutor em Saúde Coletiva, também no IMS/UERJ (1999).
Professor Associado 2 da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, onde atua na graduação e no Programa de Pós-graduação em Serviço
Social. Coordenador do projeto de pesquisa PSICANÁLISE E SOCIEDADE.

183
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

entidades que executam medidas A chegada do adolescente no


socioeducativas têm autonomia Sistema Socioeducativo
para construir as metodologias e
os fluxos desse atendimento, des- A necessidade da edificação
tacando-se o fato de que esse fluxo de unidade específica para o aco-
interno deva ser normatizado nas lhimento inicial do adolescente
práticas institucionais e publicizado apreendido por suspeita de prá-
entre a comunidade socioeduca- tica de ato infracional foi parcial-
tiva, na qual se inclui o adolescente mente suprida com a construção
e seus familiares, apresentamos o do CENSE Gelson Carvalho do
fluxo atual que orienta o Sistema Amaral (Cense GCA), que abriga
Socioeducativo deste estado. diversos serviços imprescin-
O que é comum aos pro- díveis para garantir um aten-
gramas de Atendimento Inicial, dimento célere e que possa
Internação Provisória, Internação minimamente subsidiar o ma-
e de Semiliberdade? gistrado para que ele possa com
√√ Recepção do adolescente e tranquilidade aplicar ou não me-
responsável – pode acontecer de dida socioeducativa aos adoles-
forma individual ou em grupo. É o centes a ele apresentados.
momento em que se explica como O Fluxo dentro do Cense
vai se dar a estada do adolescente GCA e das unidades de Belford
dentro do sistema socioeducativo; Roxo – Cense Professora Marlene
√√ Entrevistas com o adoles- Henrique Alves (Cense Campos),
cente, com a família, e consulta Cense Professor Antonio Car-
aos registros institucionais sobre o los Gomes da Costa (Cense PA-
adolescente para o estudo de caso e, CGC) e Cense Irmã Assunción de
posteriormente, elaboração do PIA; Lá Gandara Ustará (Cense Volta
√√ Estudo de caso nas dife- Redonda) –, que também reali-
rentes etapas do cumprimento zam atendimento inicial como
da medida; porta de ingresso, tem o seguinte
√√ Elaboração do PIA com a dimensionamento:
participação do adolescente e da
família e/ou responsável e enca-
minhamento ao Poder Judiciário,
com fulcro no P. único do artigo 55
da Lei 12594/2012;
√√ Implementação do PIA,
com a inserção do adolescente em
programas internos e externos.

184
FLUXO DE ATENDIMENTO

Ingresso de meninos e meninas junto com o mandado expedido


suspeitos de prática de ato pelo juiz.
infracional

3- Diretamente do Juizado da
1- Provenientes dos Juizados das Infância e da Juventude da
comarcas de interior; comarca da Capital;
F
Ao chegar de Juizados de Nesse caso, a documentação
interior ou de outras comarcas será encaminhada pelo Plantão Inte-
que não a da Capital, junto com rinstitucional que se situa na VIJ/RJ.
o adolescente deverá haver em
mãos documentação com a deter-
minação judicial, devidamente 4- Dos plantões Judiciários de
motivada, assinada por Juiz. final de semana organizados
Qualquer que seja a MSE, o pelo Tribunal de Justiça;
adolescente deverá vir acompa-
nhado da Guia de Execução com Os adolescentes que chegam
a medida pertinente, independen- nos finais de semana e nos feriados
temente de tal documento já ter são atendidos pelo MP e pelo Juiz
sido expedido ao Juízo competente de plantão. Alguns são apresenta-
ou não. Portanto, não existe mais dos pela DPCA/RJ diretamente
Carta Precatória e é obrigatória a ao plantão judiciário e, por este
apresentação da Guia de Execução motivo, o Cense GCA não tem
com todos os documentos elenca- acesso ao RO referente a esses
dos na Lei 12594/2012 e Resoluções jovens, bastando, então, para seu
CNJ nº 165 de 2012 e nº 191/2014. encaminhamento, apenas o ofício
do Juiz de plantão.

2- Da DPCA/RJ para
adolescentes provenientes da 5- De delegacias da Polícia
comarca da Capital; Militar ou da Secretaria de
Estado de Administração
Os adolescentes que vêm da Penitenciária, desde que para
DPCA/RJ devem chegar junta- cumprimento de mandado de
mente com o(s) RO(s) e ofício(s) busca e apreensão.
daquela delegacia especializada
e, no caso de Busca e Apreensão,

185
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

6- De outras Unidades do 3. - confere os documentos (em


DEGASE; caso da Secretaria Técnica estar
fechada) e, se tudo estiver cor-
reto, dá o recibo;
Adolescentes encaminhados
pelos motivos abaixo: 4. - confere os pertences do
• Acautelamento provisório adolescente, registrando-os em
ou transferência por risco de vida livro próprio, onde o adolescente
ou da integridade física do adoles- assina quando de sua entrada e
de sua saída;
cente, com a devida documentação
e em casos excepcionais; 5. - recolhe os pertences de va-
• Novo ato infracional co- lor, lacrando-os em pacote onde
metido dentro da Unidade de ori- faz constar o nome do adoles-
gem, devendo, nesse caso, ser cente e sua data de entrada e,
em seguida, os encaminha para
encaminhado como Registro de
Direção da Unidade;
Ocorrência para Apresentação
imediata ao Ministério Público. 6. - entrega ao adolescente um
saco de pano numerado, para
que o mesmo coloque dentro os
itens de seu vestuário e calça-
7- De Unidade hospitalar desde dos, anotando este número ao
que haja determinação judicial, lado do nome do adolescente no
já tendo sido verificado o estado livro de registro de pertences.
de saúde do adolescente pela
7. - informa ao adolescente,
Coordenação de Saúde. juntamente com o agente de
Passo a Passo do ingresso no apoio, sobre as regras de con-
Cense GCA duta da Unidade;
8. - avisa a secretaria técnica da
Quando chega ao CENSE chegada do adolescente, encami-
GCA, o adolescente é recebido nhando para o setor a documen-
pelo recepcionista e pelo agente tação pertinente.
mesário do plantão. E esse procede
como relatado a seguir: Após essa fase, o agente que
deu apoio ao recebimento do
1. - avisa ao plantão da chegada adolescente conduz o jovem para
do adolescente, pelo interfone li- dentro da Unidade, onde esse fará
gado ao pátio; sua higiene pessoal, trocará sua
2. - aguarda a chegada de roupa pelo uniforme do Cense
um agente para dar apoio ao GCA, guardando sua roupa e
recebimento; calçados no saco antes recebido e

186
FLUXO DE ATENDIMENTO

dando-o ao agente que o acompa- REFERÊNCIAS


nhou, para que este o guarde na
sala de pertences. BRASIL. Estatuto da Criança
Em seguida, o recém-chegado e do Adolescente ECA, Lei Federal
é conduzido à sala do Posto de 8.069, de 13/07/90. Disponível
identificação do DETRAN, após em: http://www.planalto.gov.br/
ter sido cadastrado no Sistema CCIVIL_03/leis/L8069.htm. Acesso
de Identificação e Informação de em 25 de julho de 2016. F
Adolescentes (SIIAD) e para a
BRASIL. Sistema Nacional
equipe técnica do Núcleo Biop-
de Atendimento Socioeducativo
sicosocial, que fará o primeiro
(SINASE). Lei Federal 12.594, de
atendimento, registrando-o no
18 de janeiro de 2012. Disponível
Relatório de Recepção.
em: http://www.planalto.gov.br/cci-
Antes disto, a secretaria téc-
vil_03/_ato2011 2014/2012/lei/l12594.
nica, ciente da chegada do jovem,
htm. Acesso em 25 de julho de 2016.
checa a existência de passagens
anteriores e abre seu prontuário, ou, CONSELHO NACIONAL DE
no caso de reincidentes, retira do JUSTIÇA. Resolução nº 165 de 16 de
arquivo Centro de Documentação novembro de 2012. Disponível em:
e Pesquisa (CEDOP) o prontuário <http://www.cnj.jus.br/atos-norma-
de atendimento socioeducativo tivos?documento=1640. Acesso em
(PAS) já existente para atualiza-lo, 25 de julho de 2016.
passando-o para equipe técnica CONSELHO NACIONAL DE
do Núcleo Biopsicossocial com o JUSTIÇA. Resolução nº 191 de 25
objetivo de facilitar o atendimento. de abril de 2014. Disponível em:
Finalizando, o adolescente < http://www.cnj.jus.br/images/
é encaminhado para Unidade resol_gp_191_2014.pdf. Acesso em
destino se o horário de recebi- 25 de julho de 2016.
mento da Unidade destino não
estiver esgotado.

187
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

FORMAÇÃO DOS SOCIOEDUCADORES

Bianca Veloso1
Janaina de Fátima Silva Abdalla2
Marizélia Barbosa3

A formação do socioeducador fissionais envolvidos na ação


é um direito a ser garantido pelo socioeducativa: assistentes sociais,
Estado através dos próprios ór- psicólogos, pedagogos, professores
gãos gestores, de escolas de forma- licenciados em diversas disciplinas
da educação geral e profissional,
ção, de escolas de governo, dentre
arte-educadores, professores de
outras instituições especializadas educação física , profissionais de
públicas e privadas. saúde , operadores do direito e
É importante destacar que a membros do corpo de segurança.
formação do socioeducador para (COSTA, 2006 p.13)
atuar junto aos adolescentes en-
volvidos em atos ilícitos, isto é, a
formação inicial e a formação conti- Acreditamos que não se possa
nuada dos profissionais que atuam falar de formação continuada e saber
como operadores dos sistemas so- profissional, no âmbito das ações
cioeducativos, diz respeito ao socioeducativas e no entrelaça-
grupo de conteúdos e saberes que: mento das diferentes profissões dos
socioeducadores, sem relaciona-los
com os condicionantes e com o con-
não tem, de modo algum, a pre- texto do trabalho socioeducativo.
tensão de substituir o saber-fazer Como afirma Maurice Tardif (2005,
técnico especifico de cada um
p.11): “o saber não é uma coisa que
dos campos de atuação dos pro-
flutua no espaço”.

1Pedagoga, Mestre em Educação Profissional em Saúde pela Escola Politécnica


de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz e Pedagoga da Escola
de Gestão Socioeducativa Paulo Freire do Departamento Geral de Ações
Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro.
2 Pedagoga Degase. Diretora da Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire –
Novo Degase. Mestre em Comunicação, imagem e formação (UFF). Doutora em
Educação (UFF). Professora Faculdade Gama e Souza.
3 Agente Socioeducativa Feminina, DEGASE, 1999; Pedagoga, UERJ, 2000;
Orientadora Educacional, UCAM, 2005; Psicopedagoga, UCAM, 2009.

188
FORMAÇÃO DOS SOCIOEDUCADORES

O saber dos socioeducadores no Sistema de Garantia de Direitos,


é um saber próprio e está rela- faz-se mister uma nova concepção
cionado à pessoa e à identidade de formação profissional, onde a
destes, com as suas histórias questão da humanização esteja
profissionais, com a relação que em voga. Esta perspectiva está
estabelecem com os adolescentes consoante à garantia a todo e qual-
e suas famílias no cotidiano, em quer ser humano do seu direito
seu espaço de atuação, com os de pessoa humana e aos valores
F
outros atores sociais na institui- que passaram a ser adotados por
ção e na rede socioeducativa. diversos sistemas e ordenamen-
Tal como mostra a história das tos jurídicos, como liberdade,
instituições socioeducativas, na mu- solidariedade, justiça social, hones-
dança do paradigma repressor para tidade, paz, responsabilidade e
os processos sociopedagógicos, na respeito à diversidade cultural,
execução e acompanhamento das religiosa, étnico-racial, de gênero
medidas socioeducativas e na pro- e orientação sexualNeste sentido, a
moção da garantia de direitos na formação deve abranger processos
proteção integral, as práticas e sa- de construção de conhecimentos
beres profissionais dos socioeduca- que tenham estes valores como
dores sofrem influência conforme ponto de partida, compreendendo
as construções sociais/históricas e o trabalhador na sua forma integral
dependem intimamente de uma re- e contextualizada, e o trabalho na
flexão/ação sobre sua pratica/práxis sua dimensão histórica, assumindo
profissional (ABDALLA, 2015). formas contraditórias na socie-
Trata-se de formação profi­ dade capitalista. O ser humano
ssional na perspectiva da huma­ não está fora das condições his-
nização do sistema e de trazer para tórica e socialmente produzidas,
este processo as concepções, mé- suas escolhas também estão a elas
todos e técnicas; o saber científico condicionadas. Contudo, de acordo
dos trabalhadores historicamente com Frigotto (2002, p.63), “essas
constituído e os “saberes fazeres”. estruturas e determinações social-
mente construídas são, portanto
socialmente passíveis de serem
Concepção de formação alteradas pela ação consciente dos
profissional na perspectiva da sujeitos humanos”.
humanização O processo de formação que
parte desta perspectiva tem como
Para a efetivação da Doutrina consequência o desenvolvimento
da Proteção Integral concretizada da consciência crítica, da compre-

189
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ensão de que, na sociedade capi- 2º afirma que a União, Estados, e


talista, na qual a desigualdade o Distrito Federal cabem manter
não é explícita como nas socieda- escolas de governo para a for-
des pré-capitalistas, sendo a mais mação e o aperfeiçoamento dos
desigual de toda a história, faz-se servidores públicos, constituin-
necessário um sistema ideológico do-se a participação nos cursos
que inculque cotidianamente os um dos requisitos para a promo-
valores de igualdade perante a lei ção na carreira. Já o Estatuto da
na mente das pessoas (Sader apud Criança e do Adolescente (ECA
Meszaros, 2005). Lei no 8.069/1990) indica a natu-
A desigualdade de direitos é reza da pedagogia do atendimento
estrutural neste sistema político- aos adolescentes envolvidos em
-econômico e a “liberdade” está atos ilícitos e define e prevê ações
condicionada aos determinan- eficientes e de qualidade no tra-
tes históricos e sociais, ou ainda, balho desenvolvido.
nas palavras de Marx: “os ho- Nacionalmente, a partir do
mens fazem a história, mas não ECA, encontramos orientações em
em condições escolhidas por eles” documentos construídos pelos sis-
(Frigotto apud Lombardi, Saviani temas socioeducativos estaduais,
e Sanfelice, 2002, p. 63). do distrito federal e municipais,
A importância de resgatar a para um trabalho socioeducativo
perspectiva da humanização nos que seja operacionalizado pela
processos formativos está no fato ética pedagógica e com base em
de se posicionar na contramão do uma política de atendimento às
pensamento e das práticas domi- crianças e adolescentes pautadas
nantes, daquelas inscritas nos nos Direitos Humanos e nos Sis-
moldes neoliberais nos quais a tema de Garantia de Direitos dos
“aprendizagem está a serviço da adolescentes, apropriados a uma
ordem social alienante e definiti- ação socioeducativa no paradigma
vamente incontrolável do capital” da proteção integral.
(MESZAROS, 2005, p 47). Contudo, durante os dezes-
seis anos de existências do ECA,
observa-se uma escassez de es-
Marcos Legais para a formação pecificações legais e normativas
dos profissionais dos Sistemas operacionais em âmbito nacional
Socioeducativos sobre qual seria o perfil do profis-
sional socioeducativo, assim como
A Constituição Federal de não encontramos orientações para
1988, no seu artigo 39 parágrafo a seleção, capacitação e formação

190
FORMAÇÃO DOS SOCIOEDUCADORES

continuada de profissionais de di- Convenção Internacional dos Di-


ferentes áreas que atuam como reitos Da Criança, Regras Mínimas
operadores dos sistemas socioedu- das Nações Unidas para Adminis-
cativos em seus diferentes níveis. tração da Justiça Juvenil, Regras
Sendo assim, a preocupação com a Mínimas das Nações Unidas para
formação e a qualificação continu- os Jovens Privados de Liberdade e
ada desses diferentes pro­fissionais Diretrizes de Riad para Prevenção
da Socioeducação era observada do Delito Juvenil.
F
indiretamente. Com o objetivo de definir
Somente a partir de 2006 há parâmetros mais objetivos e pro-
uma mobilização no campo le- cedimentos mais justos que evitem
gal e de orientações aos sistemas a discricionariedade, a Resolução
socioeducativos nacionais para 119/2006 do CONANDA reafirma
a formação e qualificação destes o ECA e a natureza pedagógica
profissionais, constituindo os pi- da medida, reconhecendo a neces-
lares fundamentais para a efetiva- sidade de que estados, Distrito
ção das políticas de atendimento Federal e municípios realizem a
a adolescentes que cumprem as formação inicial e continuada dos
medidas socioeducativas, estabe- profissionais diretamente envolvi-
lecidas pelo Estatuto da Criança dos e que atuam na rede. Também
e do Adolescente (ECA Lei no indica, quando versa sobre recur-
8.069/1990) e reguladas pelo SI- sos humanos, a necessidade da
NASE (Resolução no 119/2006 e a formação continuada como um
Lei Federal no 12.594/2012). instrumento que busca garantir a
Assim, a formação dos pro- qualidade do atendimento.
fissionais que atuam no sistema A Lei do SINASE (LF
socioeducativo é evidenciada 12.594/2012) no inciso V do Art. 3,
no SINASE (Resolução do Co- determina que compete à União
nanda nº 119/2006 e a Lei Federal “contribuir para qualificação e
nº 12.594/2012), no Plano Nacional ações em rede dos Sistemas de
Decenal dos Direitos da Criança Atendimento Socioeducativo”. O
e do Adolescente (CONANDA, inciso IV do Art. 11 torna obri-
2006) e no Plano Nacional de Aten- gatório para a inscrição do pro-
dimento Socioeducativo, que fo- grama de atendimento uma
ram fundamentados no ECA que, política de formação de recursos
por sua vez, foi embasado em inú- humanos. O artigo 23 apresenta as
meras outras normativas inter- políticas de pessoal quanto à qua-
nacionais tais como: Declaração lificação, aperfeiçoamento, desen-
Universal dos Direitos Humanos, volvimento profissional como um

191
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

critério de avaliação das institui- na rede de promoção e defesa dos


ções socioeducativas. direitos de crianças e adolescen-
O Plano Nacional de Aten- tes como parte da estratégia dessa
dimento Socioeducativo, de no- diretriz que orienta a formulação e
vembro de 2013, orienta nos seus implementação de uma política de
Princípios e Diretrizes a valoriza- formação continuada.
ção dos profissionais da socioe-
ducação e promoção da formação
continuada. No Marco Situacio- Escola de Gestão Socioeducativa
nal, o referido documento iden- Paulo Freire
tifica a falta de qualificação para
a implementação da política e a Visando a formação dos pro-
formação fragmentada e desar- fissionais da Socioeducação do
ticulada dos profissionais que Estado do Rio de Janeiro, foi
atuam no sistema socioeduca- criada uma escola de formação
tivo. Quando aborda a gestão do por um grupo de profissionais
SINASE, denota a qualificação do do DEGASE, em 31 de Agosto de
atendimento socioeducativo e o 2001, pelo Decreto n°29.113, com o
investimento na formação conti- nome de “Escola Socioeducativa”.
nuada dos profissionais que nele À época, os cursos oferecidos eram
atuam, por meio da Escola Nacio- planejados e executados por pro-
nal de Socioducação4. Em comum, fissionais do próprio DEGASE.
a Resolução, a Lei e o Plano Na- A partir de 2006, há um reorde-
cional compreendem a formação namento político, administrativo e
continuada dos profissionais da pedagógico do DEGASEe em 2008,
socioeducação como uma condi- com a publicação do Decreto nº41.
ção para a efetivação plena dos 144 de 24 de janeiro, que alterou
direitos dos adolescentes que cum- a Estrutura Organizacional do
prem medidas socioeducativas. DEGASE e deu outras providên-
O Plano Decenal dos Direitos cias, passou a ser denominada
Humanos de Crianças e Adoles- Escola de Gestão Socioeducativa
centes estabelece, na sua diretriz Paulo Freire (ESGSE).
número 10, a qualificação perma-
nente de profissionais para atuarem
4 A proposta da Escola Nacional de Socioeducação foi construída coletivamente
com atores e atrizes centrais da gestão socioeducativa. A partir das demandas
dos Estados para formação continuada dos profissionais de todas as áreas que
atuam na socioeducação, deu origem ao “Parâmetros de Gestão, Metodológicos
e Curriculares da ENS”, aprovado pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança
e do Adolescente - CONANDA em Abril de 2014. (Brasil, ENSE, 2016)

192
FORMAÇÃO DOS SOCIOEDUCADORES

A função precípua da ESGSE nistrativa atual é composta pela


é a formação inicial e continu- direção, secretaria e pelas seguin-
ada de profissionais do Novo tes divisões: (a) Divisão de Estudo
DEGASE e operadores do Sistema Pesquisa e Estágio(DEPE); (b) Divi-
Socioeducativo Estadual. Assim, são Técnica Pedagógica (DETP) e,
a instituição apresenta como ob- (c) Divisão de Publicação Docu-
jetivos : (a) a formação/ capacita- mentação e Certificação (DPDC).
ção dos operadores do Sistema Tal estrutura se articula na
F
Socioeducativo do Estado do Rio de concretização dos objetivos da
Janeiro; (b) a produção de saberes, ESGSE e suas interfaces com o
através de cursos, seminários, fó- Sistema Socioeducativo Municipal,
rum, oficinas, grupos de trabalho, Estadual e Federal, além das insti-
colóquios , fomento a pesquisas tuições acadêmicas públicas e pri-
com interface na formação ini- vadas e as instituições que atuam
cial e continuada de profission- direta e indiretamente no Sistema
ais; (c) a promoção do diálogo de Garantia de Direitos.
entre o Sistema Socioeducativo Assim, a atuação junto com
e a sociedade, a partir das polí- a Escola Nacional de Socioed-
ticas e parcerias com universi- ucação, desde sua criação à
dades, realimentando a formação efetivação do Núcleo Gestor Es-
e estimulando a reflexão dos pro- tadual do Estado do Rio de Ja-
fissionais que atuam no campo neiro5 para viabilizar a formação
socioeducativo. do Sistema Nacional de Atendi-
Com base na proposta de mento Socioeducativo (SINASE)
formação, a ESGSE visa poten- (CONANDA, 2006; 2012), ratificam
cializar a interação e integração a importância da Escola de Ges-
entre os operadores, acolhendo e tão Socioeducativa Paulo Freire do
respeitando as diversidades cul- Departamento Geral de Ações So-
turais, profissionais, de gênero cioeducativas do Estado do Rio de
raça e subjetividades. Janeiro, pois o trabalho que vinha
O paradigma da proteção inte- sendo realizado desde de sua inau-
gral e a promoção da garantia de guração em 2001 serviu como re-
direitos dos adolescentes norteiam ferência e modelo de escola para
a proposta pedagógica, mobili- o restante do Brasil, tendo sido a
zando e articulando saberes cien- pioneira por vários anos (SOUZA,
tíficos, jurídicos e o saber-fazer dos 2013).
profissionais. Sua estrutura admi-

5 Portaria Degase Nº 183 de 13 de abril de 2015. Publicada no DORJ de 20 de abril


de 2015 – institui o Núcleo Gestor estadual da ENS.

193
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

REFERÊNCIAS Trabalho e Educação. São Paulo:


Editora Autores Associados, 2002.
BRASIL, Lei Federal nº MESZAROS, Istvan. A edu-
8.069/1990. Estatuto da Criança e cação para além do capital. São
do Adolescente (ECA). Paulo: Boimtempo, 2005.
BRASIL, Resolução do SADER, Emir. Prefácio. In.:
CONANDA, Nº 119/2006. Sistema MESZÁROS, Istvan. Educação
Nacional de Atendimento Socioe- para além do Capital. São Paulo:
ducativo (SINASE). Boimtempo, 2005.
BRASIL, Lei Federal Nº SOUZA, Patrícia Calado. Tra-
12.594/2012. Sistema Nacional jetórias Sociais e profissionais: a
de Atendimento Socioeducativo ambiguidade identitária dos agen-
(SINASE). tes no Departamento Geral de
BRASIL, Sistema Nacional Ações socioeducativas do Estado do
De Atendimento Socioeducativo Rio de Janeiro. Dissertação de Mes-
(SINASE) Secretaria Especial dos trado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
Direitos Humanos. Brasília (DF): TARDIF, Maurice. Saberes
CONANDA, 2006. Docentes e Formação Profissional.
BRASIL. Escola Nacional de Petrópolis: Vozes, 2005.
Socioeducação. Parâmetros de
Gestão, Metodológicos e Cur-
riculares. Brasília: Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência
da República, CONANDA, 2014.
COSTA, A.C.G. (coord. Téc-
nica). Parâmetros para formação
do socioeducador: uma proposta
inicial para reflexão e debate.
Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, 2006.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Estru-
tura e Sujeitos e os fundamentos
da Relação Trabalho e Educação.
In.: LOMBARDI, José Claudinei;
SAVIANI, Dermeval; SANFELICE,
José Luís (Orgs). Capitalismo,

194
GÊNERO

G
GÊNERO

Simone Ouvinha Peres1


G
Gênero é um conceito impor- -raciais. Falar em Gênero significa
tante formulado nos anos 1970 levar em conta as diversidades so-
que permitiu questionar as certe- cial e cultural, o etnocentrismo, os
zas tão firmemente alicerçadas em estereótipos e os preconceitos con-
torno das diferenças biológicas, tra os indivíduos que têm parti-
as quais serviram durante muito cularidades de gênero, raça/etnia,
tempo para justificar as desigual- religião, orientação sexual, valo-
dades entre homens e mulheres. res e outras diferenças relacio-
As questões em torno dos gêneros nadas às suas histórias pessoais
e das sexualidades não envolvem (CARRARA, 2009).
apenas conhecimento ou informa- O termo “gênero” opõe-se ao
ção, mas envolvem valores e um imperativo de encontrar no corpo
posicionamento político diante da as razões das diferenças étnico-ra-
multiplicidade de formas de viver ciais, de gênero ou de orientação
e de ser (LOURO, 2000). Gênero sexual, que marcou os séculos XIX
traz a possibilidade de pensar a e XX, vinculando-se à restrição da
existência de muitas formas de vi- cidadania a negros, mulheres e
ver as masculinidades e as femini- homossexuais. Opõe-se às análi-
lidades e que estas são construções ses biologizadas para explicar as
sociais e culturais. O conceito pos- desigualdades construídas social-
sibilita pensar os processos de dis- mente, a partir de características
criminação relacionados à própria físicas dos indivíduos, ou seja,
problemática de gênero, da diversi- por sua identidade de gênero ou
dade sexual e das relações étnico- pertencimento a um determinado

1 Instituto de Psicologia - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Doutora em Saúde Coletiva – Instituto de Medicina Social – Universidade
Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

195
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

grupo racial-étnico (CARRARA, cional. Isto é, só é possível pensar


2009). Na sua formulação mais re- o feminino em relação ao mascu-
cente, o termo enfatiza o caráter lino e vice-versa. As desigualdades
fundamentalmente social das dis- de oportunidades, de condições
tinções baseadas no sexo. O termo sociais e de direitos entre homens
“gênero” é utilizado para desig- e mulheres são decorrentes das
nar as relações sociais entre os assimetrias de gênero:
sexos e torna-se uma forma de in-
dicar “construções culturais” – a No senso comum, as diferen-
criação totalmente social de ideias ças de gênero são interpreta-
sobre os papéis sociais adequados das como se fossem naturais,
aos homens e mulheres nas dife- determinadas pelos corpos. Ao
rentes sociedades. É uma forma contrário, as ciências sociais
de fazer referência às origens so- postulam que essas diferen-
ciais das identidades subjetivas de ças são socialmente constru-
homens e mulheres. O uso de “gê- ídas. Isto significa dizer que
nero” enfatiza todo um sistema de não há um padrão universal
para comportamentos sexual
relações que pode incluir o sexo,
ou de gênero que seja conside-
mas não é diretamente determi- rado normal, certo, superior ou,
nado pelo sexo, nem determina a priori, o melhor. Somos nós,
diretamente a sexualidade. homens e mulheres, pertencen-
O conceito de “Gênero” per- tes a distintas sociedades, a di-
mite um olhar para os processos versos tempos históricos e a
sociais que cristalizam diferen- contextos culturais que estabe-
ças de valor entre o masculino e lecemos modos específicos de
o feminino e que geram as desi- classificação e de convivência
gualdades. O sistema de gênero social. Assim, o conceito de gê-
nero pode nos ajudar a ter um
– masculino e feminino – são for-
olhar mais atento para deter-
mas diferenciadas de organizar minados processos que conso-
as relações sociais de poder entre lidam diferenças de valor entre
homens e mulheres com base na o masculino e o feminino, ge-
ideia de diferenças naturais ins- rando desigualdades. (CENTRO
taladas nos corpos de homens e LATINO AMERICANO EM SE-
mulheres. O “Gênero” só pode ser XUALIDADE E DIREITOS HU-
entendido em relação a uma cul- MANOS – IMS/UERJ, 2009, p.41)
tura específica, pois ele só adquire
sentidos distintos de acordo com o
contexto sociocultural no qual se
manifesta. Ele tem um caráter rela-

196
GÊNERO

O aprendizado de gênero se ninas não são incentivadas a


dá através da socialização na praticar esportes, gostar de carros
família e na escola e motos, serem fortes, destemidas.
Oferecem-se aos meninos apenas
O Gênero é socialmente cons- espadas, armas, roupas de luta,
truído no dia a dia. Os modelos de adereço de guerra, associando a
homens e de mulheres que as crian- agressividade à masculinidade, ou
ças têm nas famílias e na escola então bola, bicicleta, skate, indi-
são moldados através da educação cando que o espaço público é deles
cotidiana. São primeiramente no - enquanto as meninas ganham mi-
cotidiano da família e depois na niaturas de utensílios domésticos, G
escola, através da socialização, que o que determina o espaço domés-
as noções do que é considerado tico como seu, como se as mulheres
pertinente ao feminino e ao mas- não tivessem outro interesse que
culino são transmitidas para as não cuidar da casa e dos filhos
crianças. Na socialização primá- (CENTRO LATINO AMERICANO
ria, as crianças durante a infância EM SEXUALIDADE E DIREITOS
assimilam os modelos de homens HUMANOS – IMS/UERJ, 2009).
e mulheres da família. Além da família e da escola,
Os modelos de homem e de a mídia, os pares e atualmente
mulher que as crianças têm a sua as redes sociais convencionam
volta, principalmente na família, e, as referências de gênero. Mas as
secundariamente na escola, apre- primeiras noções aprendidas na
sentados por pessoas adultas, irão família do que é considerado perti-
marcar simbolicamente a constru- nente ao feminino e ao masculino
ção de suas referências sociais e se consolidam na adolescência e
subjetivas de gênero. são poderosas influências dos pre-
Quando os meninos e as conceitos e estereótipos de gênero.
meninas entram para a escola, já Os modos como meninos e
foram ensinados pela família e por meninas se comportam entre si
outros grupos da sociedade quais a partir da adolescência contri-
são os “brinquedos de menino” buirão para reforçar preconceitos
e quais são os “brinquedos de e estigmas contra todos os que
menina”. A escola ainda reforça não correspondem a um ideal
essas desigualdades. de feminilidade ou masculini-
Por exemplo, os meninos não dade dominante, como gays,
são, em geral, estimulados a serem travestis e lésbicas.
carinhosos, cuidadosos, gentis, a
expressarem medo e dor; as me-

197
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Identidade de gênero CANO EM SEXUALIDADE E


DIREITOS HUMANOS – IMS/
Identidade de gênero se UERJ, 2009, p.51)
refere à maneira como alguém se
sente, se identifica, se apresenta Ou seja:
para si e para os demais e como
é percebido/a como “masculino”
(...) modelos de comportamento
ou “feminino” ou, ainda, uma
sexual e social podem se tornar
mescla de ambos, independente
verdadeiras prisões ou fontes de
tanto do sexo biológico quanto da agudo sofrimento quando os ra-
orientação sexual. pazes e as moças não se encaixam
nos estereótipos de gênero pre-
viamente designados. Qualquer
Construção Social da Identidade inadaptação ou desvio de conduta
adolescente/juvenil e suas corre o risco de ser duramente
marcas de gênero criticada/o ou discriminada/o so-
cialmente ... (CENTRO LATINO
AMERICANO EM SEXUALI-
A moral de gênero consoli- DADE E DIREITOS HUMANOS
dada na adolescência interfere nos – IMS/UERJ, 2009, p.52)
distintos modos de aproximação
ao sexo oposto, através de dife-
rentes formas de relacionamento O fato das mulheres poderem
afetivo-sexual (olhar, paquera, fi- hoje ter uma vida sexual e esco-
car, namoro), que são maneiras de lher ser mãe, planejar a materni-
mostrar os limites aceitos e não dade e decidir pelo número de
aceitos entre os gêneros. filhos, almejar um trabalho e ter
uma profissão além da vida do-
méstica e dos cuidados com os fi-
(...) há todo um conjunto de ati- lhos e com a casa, infelizmente,
tudes, posturas e modos de agir
não representa um padrão do-
social e diferencialmente reco-
minante na sociedade brasileira.
mendados aos rapazes e às moças
que ensaiam a entrada na sexua- As imensas diferenças existentes
lidade. Mesmo que a virgindade e persistentes entre as mulheres
não signifique mais o que foi em estão presentes interferindo nas
outras épocas, e que haja uma desigualdades de gênero arrai-
relativa aceitação social em ter gadas. A condição das mulheres
relações sexuais antes do casa- tem melhorado, mas o exercício
mento – variável conforme os da liberdade e da autonomia em
costumes e os valores locais...” vários domínios da vida social
(CENTRO LATINO AMERI-

198
GÊNERO

e privada não é ainda facultado aptidões tidas como “naturais” aos


igualmente às mulheres. Além do homens e às mulheres.
mais, a participação dos homens Por exemplo, entre jovens de
nas obrigações da vida doméstica pouca escolaridade, cabe aos ra-
é atualmente muito reduzida e pazes serem entregadores, offi-
desigual, levando a grande maio- ce-boys, motoboys, operários da
ria das mulheres à necessidade de construção civil ou da indústria,
conciliação da casa e do trabalho. trabalhadores no transporte de
cargas, motoristas, trabalhadores
rurais, vendedores ambulantes,
O Mercado de trabalho: seguir carreira policial ou militar. G
indicador preciso da Em geral, as moças nas mesmas
desigualdade de gênero condições orientam-se para serem
secretárias, copeiras, auxiliares
Além da vivência da sexua- de serviços gerais, ajudantes de
lidade, é no domínio do ingresso cozinha, recepcionistas, empre-
dos jovens no mercado de trabalho gadas domésticas, babás, faxinei-
e na escolha da carreira profissio- ras, comerciárias, operadoras de
nal que se observam importan- caixa e telemarketing. Mesmo en-
tes diferenças e desigualdades de tre jovens que conseguem cursar
gênero. Já percebeu que há certas a universidade, é frequente haver
profissões predominantemente uma adesão maciça de mulheres
masculinas e outras predominan- às carreiras existentes nas ciên-
temente femininas? Cada profis- cias sociais (enfermagem, terapia
são sofre interferência da lógica ocupacional, fonoaudiologia, nu-
de gênero, desde a distribuição trição) ou humanas (psicologia,
entre postos e turnos de trabalho educação, letras, serviço social,
até as formas de ascensão e remu- história, artes, etc.) (CENTRO LA-
neração. Tantos para aqueles jo- TINO AMERICANO EM SEXUA-
vens que se veem forçados a entrar LIDADE E DIREITOS HUMANOS
no mercado de trabalho precoce- – IMS/UERJ, 2009).
mente, em razão da precariedade
socioeconômica de suas famílias,
quanto para os que podem perma- Diferenças de gênero na
necer na escola por mais tempo, na organização social da vida
edificação de uma carreira profis- pública e da vida privada
sional, a oferta de postos de traba-
lho e de profissões leva em conta O gênero interfere na orga-
nização social do espaço público

199
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

e privado e configura o mundo Apoia-se no estigma da virilidade


que nos cerca. Historicamente, masculina e da submissão femi-
o espaço público era restrito aos nina. Enquanto os rapazes e os
homens e as mulheres eram con- homens estão mais expostos à vio-
finadas no mundo doméstico. Em lência no espaço público, garotas e
várias sociedades, há uma divi- mulheres sofrem mais violência no
são do trabalho entre homens espaço privado. A masculinidade
e mulheres. Isso é chamado de vem associada, desde a infância, a
divisão sexual do trabalho. As um modo de ser agressivo, de estí-
mudanças ocorridas em três seto- mulo ao combate, à luta. Uma das
res, antes masculinos, como o formas principais de afirmação da
mercado de trabalho, a escolariza- masculinidade é por meio da força
ção e a participação política, estão física, do uso do corpo como ins-
em processo de transformação. trumento de luta para se defender,
Isso pode ser observado através mas também para ferir.
da crescente participação femi- A dominação masculina é o
nina no mercado de trabalho e nas exercício do poder exercido pe-
atividades econômicas, políticas e los homens sobre as mulheres. É
legislativas. Apesar das mudanças um conceito estudado por Pierre
em curso e do maior investimento Bourdieu (2002). A distribuição
das mulheres na educação e na social da violência reflete a tra-
qualificação profissional, não se dicional divisão dos espaços: o
observa a conquista da igualdade homem é vítima da violência na
salarial, apenas a redução de parte esfera pública, e a violência contra
das desigualdades históricas. As a mulher é perpetuada no âm-
mulheres negras, a exemplo, ainda bito doméstico, onde o agressor é,
estão em posição de maior desi- mais frequentemente, o próprio
gualdade em relação às mulheres parceiro (GIFFIN,1994). Como a
brancas e aos homens, eviden- violência é cultivada como valor
ciando que a segregação social se masculino, muitas mulheres aca-
combina com as dimensões étni- bam submetidas a situações de
co-raciais e de gênero. sofrimento físico ou psíquico em
razão da violência de seus compa-
nheiros, irmãos, pais, namorados,
Violência de gênero empregadores ou desconhecidos.
A posição subordinada na hie-
A violência de gênero é aquela rarquia de gênero é o que torna
oriunda do preconceito e da desi- as mulheres muito vulneráveis às
gualdade entre homens e mulheres. agressões físicas e verbais, às ame-

200
GÊNERO

aças, aos diversos tipos de abuso REFERÊNCIAS


sexual - como o estupro -, ao aborto
inseguro, aos homicídios, aos BOURDIEU, Pierre. A domi-
constrangimentos e aos abusos no nação masculina. Tradução Maria
espaço público, aos assédios moral Helena Kuner – 2ª. Ed. Rio de
e sexual nos locais de trabalho. Janeiro, Bertrand do Brasil, 2002.
A discriminação social por
CARRARA, Sérgio.
gênero ainda pune, na maioria
Educação, Diferença, Diversidade
das vezes, as vítimas de agres-
e Desigualdade. In: CENTRO
sões com xingamentos, insultos,
difamação e abusos sexuais. Por
LATINO AMERICANO EM G
SEXUALIDADE E DIREITOS
exemplo, no caso de estupro de
HUMANOS – IMS/UERJ. Gênero
uma mulher, é comum surgi-
e diversidade na escola: forma-
rem perguntas como: O que a
ção de professoras/es em Gênero,
vítima estaria fazendo naquele
Orientação Sexual e Relações
horário? Como se vestia? Estaria
Étnico-Raciais. Livro de conte-
acompanhada ou só? Dançando,
údo. Versão 2009 – Rio de Janeiro:
bebendo, divertindo-se?
CEPESC; Brasília: SPM, 2009.
Podemos assim dizer que
as violências nas gangues, nos CENTRO LATINO AME-
comandos do tráfico de drogas, que RICANO EM SEXUALIDADE E
atingem mais rapazes de classes DIREITOS HUMANOS – IMS/UERJ.
populares, ou nos ‘pegas’ de carro, Gênero e diversidade na escola: for-
que atingem mais rapazes de classe mação de professoras/es em Gênero,
média e alta, são o resultado da Orientação Sexual e Relações Étnico-
imposição da força em disputa de -Raciais. Livro de conteúdo. Versão
poder para provar masculinidade, 2009 – Rio de Janeiro: CEPESC; Bra-
que é associada à agressividade. sília: SPM, 2009.
Os episódios de violência GIFFIN, K.. Violência de
intrafamiliar envolvendo homens Gênero, Sexualidade e Saúde. Cad.
e mulheres revelam conflitos Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10
familiares diversos, que obede- (supplement 1): 146-155, 1994.
cem à lógica cultural que institui
uma rígida divisão moral entre LOURO, Guacira Lopes (org.).
homens e mulheres no espaço O corpo educado: pedagogias da
privado, delimitando seus direi- sexualidade. 2.ed. Belo Horizonte,
tos e suas obrigações. Autêntica, 2000.

201
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

GUIA DE EXECUÇÃO

Eneida Ramos Sousa1

Embora o tema acerca de ado- como conjunto ordenado de


lescentes em conflito com a lei princípios, regras e critérios que
venha ganhando maior espaço envolvem a execução de medi-
em discussões acadêmicas, ainda das socioeducativas, incluindo-
-se nele, por adesão, os sistemas
é escasso o subsídio jurídico-cien-
estaduais, distrital e municipais,
tífico, sobretudo sobre a Execução bem como todos os planos, polí-
das Medidas Socioeducativas. ticas e programas específicos de
Assim, este artigo pretende atendimento a adolescentes em
colaborar com esclarecimentos conflito com a lei.
práticos acerca da Guia de Execu-
ção de Medidas Socioeducativas,
que surge como nosso objeto de A Lei Federal nº 12.594 de 18
análise, por ser elemento funda- de janeiro de 2012 que instituiu o
mental para a garantia do Prin- SINASE, no campo da execução
cípio Constitucional do Devido das medidas socioeducativas, pre-
Processo Legal. coniza alguns procedimentos que
Os avanços trazidos pelo devem ser adotados com relação
Sistema Nacional de Atendimento ao processo de execução, como
Socioeducativo (SINASE) ine- constatamos pelo texto do Artigo
gavelmente contribuíram para 39 que trazemos a colação:
modificar o cenário da execução
das medidas socioeducativas, Art. 39. Para aplicação das medi-
pois, funda-se como se depre- das socioeducativas de prestação
ende, do § 1º do artigo 1º da Lei de serviços à comunidade, liber-
Federal nº 12594/2012, dade assistida, semiliberdade ou
internação, será constituído pro-

1 Psicólogo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1990), Mestre em Saúde


Coletiva pelo IMS/UERJ - Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (1994) e Doutor em Saúde Coletiva, também no IMS/UERJ (1999).
Professor Associado 2 da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, onde atua na graduação e no Programa de Pós-graduação em Serviço
Social. Coordenador do projeto de pesquisa PSICANÁLISE E SOCIEDADE.

202
GUIA DE EXECUÇÃO

cesso de execução para cada ado- Pela simples leitura dos


lescente, respeitado o disposto nos Artigos 39 e 40 da aludida Lei,
arts. 143 e 144 da Lei nº 8.069, de notou-se que tal dispositivo carecia
13 de julho de 1990 (Estatuto da de maior definição e esse problema
Criança e do Adolescente), e com
foi sanado com as Resoluções nº 165
autuação das seguintes peças:
de 2012 e 191 de 2014 do Conselho
I - documentos de caráter pes- Nacional de Justiça (CNJ), que regu-
soal do adolescente existentes no lamentaram a execução imposta no
processo de conhecimento, espe- novo preceito legal.
cialmente os que comprovem
Dessa forma, configura-se a
sua idade; e
Guia de Execução como o docu- G
II - as indicadas pela autoridade mento apto a iniciar o processo de
judiciária, sempre que houver execução de medidas socioedu-
necessidade e, obrigatoriamente: cativas, expedido pelo respectivo
a) cópia da representação;
Juízo do conhecimento, ou seja,
b) cópia da certidão de antecedentes;
c) cópia da sentença ou acórdão; e aquele que profere a sentença/me-
d) cópia de estudos técnicos dida socioeducativa, de modo indi-
realizados durante a fase de vidualizado para cada adolescente,
conhecimento. não importando a quantidade de
Parágrafo único. Procedimento autores envolvidos no ato infracio-
idêntico será observado na hipó- nal, e remetido ao órgão gestor do
tese de medida aplicada em sede atendimento socioeducativo.
de remissão, como forma de sus- As Resoluções CNJ 165/12
pensão do processo. e 191/14 trouxeram para o or-
denamento jurídico e sistema
Determinando, ainda, o socioeducativo, importantes concei-
encaminhamento imediato dos tos acerca das Guias de Execução,
referidos documentos ao órgão como podemos observar no artigo
gestor para definição da unidade 2º da Resolução CNJ 165:
socioeducativa, conforme Artigo
40 do diploma legal em comento: Art. 2º Para os fins desta Resolu-
ção define-se que:
Art. 40. Autuadas as peças, a I) Guia de internação provisória
autoridade judiciária encami- é aquela que se refere ao decreto
nhará, imediatamente, cópia de internação cautelar (art. 183 da
integral do expediente ao órgão Lei n. 8.069/1990); [Alterado pela
gestor do atendimento socioe- Resolução nº 191, 25.04.2014]
ducativo, solicitando designação
do programa ou da unidade de II) Guia de execução provisó-
cumprimento da medida. ria de medida socioeducativa

203
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

internação/semiliberdade é a Outro ponto que merece des-


que se refere à internação ou taque se refere a proibição de
semiliberdade decorrente da ingresso ou permanência de ado-
aplicação da medida socioedu- lescente em unidade de execução
cativa decretada por sentença
de medida socioeducativa (inter-
não transitada em julgado;
nação definitiva ou semiliberdade)
III) Guia de execução provisória ou em internação provisória sem
de medida socioeducativa em ordem escrita da autoridade judi-
meio aberto é a que se refere à ciária competente – Artigo 4º da
aplicação de prestação de serviço
Resolução CNJ 165/2012. Assim,
à comunidade ou de liberdade
assistida por sentença não transi- fica completamente expurgada
tada em julgado; do ordenamento jurídico a prá-
tica, que, até então, era comum de
IV) Guia de execução definitiva que representantes do Parquet, da
de medida socioeducativa de
Defensoria Pública ou Autoridade
internação ou semiliberdade
se refere à privação de liberdade Policial praticassem atos pertinen-
decorrente de sentença ou de tes à jurisdição ferindo o que pre-
acórdão transitados em julgado; coniza o Artigo 146 da Lei 8069 de
13 de julho de 1990.
V) Guia de execução definitiva
de medida socioeducativa em
Cumpre ressaltar que, dessa
meio aberto é a que se refere à forma, o ingresso do adoles-
aplicação de prestação de serviço cente em qualquer das medidas
à comunidade ou de liberdade socioeducativas de meio aberto
assistida por sentença ou acórdão ou meio fechado ou em medida
transitado em julgado; cautelar só ocorrerá mediante
VI) Guia de execução de interna- a apresentação da guia de exe-
ção sanção se refere ao decreto de cução devidamente instruída,
internação previsto no art. 122, expedida pelo juiz do processo de
inciso III, do Estatuto da Criança conhecimento, conforme artigo
e do Adolescente. 5° e seguintes da Resolução CNJ
165/2012 e 191/2014, devendo ser
VII) Guia unificadora é aquela geradas na forma do Artigo 3º
expedida pelo juiz da execução
das referidas Resoluções.
com finalidade de unificar duas
Nesse sentido, nossos tri-
ou mais guias de execução em face
do mesmo adolescente (art. 45 da bunais em recentes decisões se
Lei n. 12.594/2012). [Incluído pela manifestam, corroborando com o
Resolução nº 191, de 25.04.2014]2 exposto acima, exaram:

2 Grifo nosso

204
GUIA DE EXECUÇÃO

001741887.2016.8.19.0000 - HABEAS cente privado de liberdade e im-


CORPUS pede que a gestão do sistema
DES. JOAQUIM DOMINGOS DE socioeducativo atue dentro dos pa-
ALMEIDA NETO Julgamento: râmetros de justiça e igualdade.
26/04/2016 SETIMA CAMARA
Também por este prisma é o
CRIMINAL
entendimento do respeitável Ishida
HABEAS CORPUS. ECA. ATO (2014), que perfilha o mesmo pen-
INFRACIONAL ANÁLOGO AO sar, ao asseverar que:
CRIME PREVISTO NO ARTIGO
157, §2º, II, DO CP. APLICAÇÃO
DE MSE DE INTERNAÇÃO Como no processo em geral, po- G
PROVISORIA. SENTENÇA DE de-se afirmar que existem três
PROCEDENCIA DA REPRESEN- fases na aplicação da medida
TAÇÃO E FIXAÇÃO DE MSE socioeducativa: o processo de
DE SEMILIBERDADE. TRANS- conhecimento, o cautelar e o de
FERENCIA DO ADOLESCENTE execução. O conhecimento é re-
PARA UNIDADE COMPATÍ- presentado pela ação socioedu-
VEL, SEM EXPEDIÇÃO DA GUIA cativa. O processo cautelar, pela
DE EXECUÇÃO. PROVIDEN- internação provisória. Já, a exe-
CIA ADOTADA MAIS DE UM cução da medida não encontrou
MÊS DEPOIS, POR FORÇA DE disciplina no ECA. Em razão
LIMINAR AQUI DEFERIDA. PRE- disso, existiu uma verdadeira
JUIZO E CONSTRANGIMENTO lacuna da lei menorista, apenas
MANIFESTOS. ORDEM CONCE- parcialmente solucionada com
DIDA. DECISÃO UNANIME. o advento da Lei nº 12.594, de
18 de janeiro de 2012. A execu-
ção da medida socioeducativa é
Importa esclarecer que todo um prolongamento da atuação
esse processo aparece como res- do juiz, exercendo este, como
posta aos problemas encontrados no processo penal, a atividade
pelo CNJ, em suas visitas nas uni- jurisdicional. Possui uma natu-
dades socioeducativas de todo reza eclética à semelhança da
país, nos anos de 2010 e 2012, no execução penal, já que também
âmbito do serviço de justiça da existe uma parte administrativa
através do controle exercido pelo
infância e da juventude, no qual
dirigente da entidade de atendi-
apontamos como destaque a mento (ISHIDA, 2014, p.475).
ausência da confecção de guias.
Tal ausência é um impedi-
mento para a execução da me- Na era digital, estamos cada
dida socioeducativa, pois fere vez mais antenados e o CNJ
o Princípio Constitucional do não está fora dessa linha. Por
Devido Processo legal do adoles- isso na perspectiva de unifor-

205
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

mização do procedimento de mente relevantes ao cumprimento


execução de medida socioeduca- da medida socioeducativa e, mui-
tiva em todo país, instituiu-se o tas vezes, impedindo que a equipe
Cadastro Nacional de Inspeções socioeducativa possa ter acesso a
em Unidades de Semiliberdade dados que possam auxiliar para
(CNIUIS) e o Cadastro Nacional melhor organização da execução da
de Adolescentes em Conflito com medida junto ao adolescente.
a Lei (CNACL), como mais uma Por isso é imprescindível o
ferramenta de controle para os ma- estudo mais apurado desse tema
gistrados acompanharem melhor e a conscientização e sensibiliza-
a execução da medida socioedu- ção de todo os atores do Sistema
cativa, na forma do artigo 3º da de Garantia de Direitos para a
Resolução CNJ 165/2012. devida atenção a questão da Guia
Essas ferramentas permitem de Execução, pois a sua ausência
a extração da guia, com a cor- durante a privação de liberdade
reta alimentação do cadastro, ou caracteriza prejuízos que podem
seja, não haverá possibilidade do se tornar irreparáveis no processo
adolescente ser privado de liber- de ressocialização.
dade sem a guia correspondente
à medida cautelar ou socioedu-
cativa, além de poder permitir REFERÊNCIAS
ao magistrado saber antecipada-
mente se o adolescente responde BRASIL. Estatuto da Criança e
à ação socioeducativa em sua do Adolescente ECA, Lei Federal
jurisdição e se já tem guia expe- 8.069, de 13de julho de 1990.
dida em seu nome em qualquer Disponível em http://www.pla-
outra vara do país. nalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/ L8069.
Por fim, podemos concluir htm. Acesso em 09 de julho de 2016.
que em que pese a guia de exe-
cução é elementar para que BRASIL. Sistema Nacional
possamos, na esfera jurídica- de Atendimento Socioeducativo
-pedagógica, redesenhar com o (SINASE). Lei Federal 12.594, de
adolescente em conflito com a lei 18 de janeiro de 2012. Disponível
uma nova trajetória de vida. em: http://www.planalto.gov.br/cci-
Hoje, não é fato cabível o não vil_03/_ato2011 2014/2012/lei/l12594.
envio das peças processuais ao htm. Acesso em 09 de julho de 2016.
órgão gestor com o escopo de pro- BRASIL. Sistema Nacional
teção do adolescente, deixando De Atendimento Socioeducativo
assim, de informar fatos extrema- -SINASE/ Secretaria Especial dos

206
GUIA DE EXECUÇÃO

Direitos Humanos – Brasília-DF: CONSELHO NACIONAL DE


CONANDA, 2006. JUSTIÇA. Resolução nº 191 de 25
de abril de 2014. Disponível em:
BRASIL. Tribunal de Justiça
< http://www.cnj.jus.br/images/
do Estado do Rio de Janeiro.
resol_gp_191_2014.pdf. Acesso
Acordão no Habeas Corpus/
09 de julho de 2016.
RJ. Relator: NETO, Joaquim
Domingos de Almeida. Publicado ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto
no DJ de 29-04-2016 p. 143/147. da criança e do adolescente: dou-
Disponível em <http://www4.tjrj. trina e jurisprudência / 15. ed.
jus.br/ejud/ConsultaProcesso. – São Paulo: Atlas, 2014 G
aspx? N=201605907380. Acesso em
20 de julho de 2016.
CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA. Resolução nº 165 de 16
de novembro de 2012. Disponível
em http://www.cnj.jus.br/atos-nor-
mativos?documento=1640. Acesso
em 09 de julho de 2016.

207
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

H
HUMANIZAÇÃO

André Pereira de Almeida1

Humanização (hu·ma·ni·za·ção) – é restaurado o foco no ser humano,


(s.f.) derivação feminina singular o qual foi relegado pela escolás-
de humanizar. De acordo com o tica da época medieval. Destarte,
dicionário Priberam2 da língua é reforçada a dignidade do espí-
portuguesa, corresponde ao ato
rito humano, a confiança na razão e
ou efeito de humanizar.
no pensamento crítico. Com a che-
gada da modernidade e a criação
O verbete humanização surge das ciências humanas, a crença no
no rastro do conceito de huma- conhecimento humano e na huma-
nismo, no qual é enfatizada a cons- nidade é reafirmada.
trução ou o reconhecimento do ente O que vai ser posto à prova
humano. Na sua concepção filosó- e criticado por alguns intelectu-
fica, o humanismo surge na Gré- ais pós-modernos e contempo-
cia Antiga e é bem assinalado pelo râneos, como o filósofo francês
sofista Protágoras (490 a.C. - 415 Michel Foucault (2001), para quem
a.C.), que identificou no homem um o homem é uma invenção mo-
valor superior e o definiu como a derna e fadada a desaparecer e
medida de todas as coisas. Histo- que criticou o humanismo como:
ricamente o humanismo reaparece “a pequena prostituta de todo o
no Renascimento, quando foi reno- pensamento, de toda a cultura,
vado o interesse pela civilização, de toda a moral, de toda a po-
cultura e literatura greco-romana, e lítica dos últimos vinte anos”3
1 Socioeducador do DEGASE e doutorando em filosofia pela UFRJ; mestre, licen-
ciado e bacharel em filosofia pela mesma universidade; especialista em filosofia
contemporânea e bacharel em administração pela PUC-Rio.
2 Vide referências.
3 La petite prostituée de toute la pensée, toute la culture, de toute la morale, de toute la
politique des vingt dernières années. Tradução livre.

208
HUMANIZAÇÃO

(Foucault, 2001, p. 616). A huma- a prática, o conhecimento com a


nização comumente enfatiza o transformação da realidade.
bem-estar e a dignidade da pes- No campo socioeducativo, a
soa humana. Assim a humani- humanização carece de ser rea-
zação corresponde ao tornar-se lizada de forma distinta e perso-
humano, dar ou ganhar atributos nalizada. É fundamental resgatar
humanos; e assim tornar-se soci- o direito dos socioeducandos em
ável e civilizado. Também traz a preservar sua dignidade, com
marca do ente que se torna agra- sua participação, responsabiliza-
dável, afável ou, ao menos, su- ção e autonomia. Instrumentos
portável. Por exemplo: o sistema fundamentais para a construção
socioeducativo necessita de hu- da humanização do processo so-
manização ou os socioeducado- cioeducativo, que foi tão macu- H
res devem humanizar o período lado no decorrer de sua história.
de internação dos adolescentes Embora a temática da humani-
autores de ato infracional. zação como uma política socioe-
A humanização é um verbete ducativa seja algo relativamente
polissêmico, que remete a movi- novo - cujo germe surge no sé-
mentos, conceitos, ações de dife- culo XX, com a Declaração de Ge-
rentes origens históricas e linhas nebra dos direitos da criança de 1924
de pensamento sujeitas a várias e a Declaração Universal dos Di-
formas de interpretação. Com as reitos Humanos de 1948 -, a sua
suas perspectivas multifocais, a discussão tem despertado grande
humanização na socioeducação interesse de trabalhadores do sis-
remete a um desafio duplo, tanto tema, de gestores, do judiciário,
conceitual, como prático. Des- de intelectuais, de políticos e de
taco a dificuldade metodológica pesquisadores no sentido de com-
de implantar algo com contornos preender e analisar a humaniza-
teóricos e operacionais não con- ção dos serviços socioeducativos
sensuais em abrangência e aplica- e de desencadear ações concre-
bilidade, de forma a alcançar uma tas nesse sentido. Haja vista que
massa crítica capaz de provocar uma humanização socioeduca-
um processo de mudança apto a tiva que não se reflita em práticas
responder aos anseios dos socioe- é letra morta ou eufemismo.
ducandos, dos familiares, dos tra-
balhadores da socioeducação e
da sociedade. Aí está a importân-
cia de sintonizar o conceito com

209
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

REFERÊNCIAS FOUCAULT, Michel. Dits et


écrits I (1954-1975). Paris: Quarto
Dicionário digital da língua Gallimard, 2001.
portuguesa Priberan. Disponível
em: https://www.priberam.pt/DLPO/
humanização. Acesso em 29.08.2016.

210
INDIVIDUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO

I
INDIVIDUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO

Christiane da Mota Zeitoune1

Um dos princípios que rege a garantia dos direitos individuais e


execução da medida socioeduca- na perspectiva da inclusão social
tiva é a individualização do aten- dos adolescentes e suas famílias. I
dimento. Com a Lei Federal 12.594, Vamos destacar o inciso VI do
de 18 de janeiro de 2012, que insti- artigo 35, da referida Lei:
tui o Sistema Nacional de Atendi-
mento Socioeducativo – SINASE, Art. 35. A execução das medidas
o Brasil conseguiu definir parâ- socioeducativas reger-se-á pelos
metros para o atendimento so- seguintes princípios:(...)
cioeducativo com bases éticas e
VI - individualização, conside-
pedagógicas, instituindo uma re-
rando-se a idade, capacidades
ferência para a estruturação do e circunstâncias pessoais do
Sistema de Atendimento Socio- adolescente;(...)
educativo nos Estados e Municí-
pios, através da articulação das
várias áreas das políticas públi- O princípio da individuali-
cas, de forma que o atendimento zação, considerando-se a idade,
ocorra fundamentado no princípio a capacidade e as circunstâncias
da incompletude institucional, da pessoais do adolescente, é funda-
mental para se garantir uma es-

1 Doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ (2010). Mestre em Psicologia Clínica


pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992). Psicóloga do
Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro.
Coordenadora de Saúde Integral e Reinserção Social do Departamento Geral de
Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro, cargo assumido em janeiro
de 2013. Professora substituta do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal Fluminense (2011-2012). Membro do Comitê da Política Editorial (CPE) d
o NOVO DEGASE. Parecerista ad hoc da Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa.

211
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

cuta diferenciada, para que nessa alguma espécie de deficiência – o


política de direitos e deveres “para que demandará tratamento dife-
todos” algo da singularidade do renciado daqueles que não a pos-
sujeito possa aparecer. Trata-se suem. Da mesma forma, aquele
de assegurar o acesso aos direi- adolescente que não possui respon-
tos fundamentais preconizados no sável ou genitor demandará ações
Estatuto da Criança e do Adoles- diferenciadas daqueles que os
cente, mas sem deixar de conside- possuem, e assim sucessivamente.
rar que cada adolescente tem suas Para se fazer esse acompanha-
habilidades e escolhas individuais. mento individualizado, o Plano
Todas as medidas socioedu- Individual de Atendimento (PIA)
cativas buscam a responsabiliza- é um instrumento pedagógico
ção do adolescente respeitando fundamental, pois cria estratégias
sua “condição peculiar de pessoa de escuta, cuidado e propostas
em desenvolvimento” (BRASIL, pedagógicas, com a participação
2002). É através do cumprimento efetiva do adolescente e da sua fa-
da medida socioeducativa que o mília. A construção de uma pro-
adolescente é convocado a respon- posta individual e única para o
der juridicamente pelo ato infra- adolescente deve expressar a es-
cional cometido, mas cada um o pecificidade de cada caso e garan-
fará a sua maneira, ao seu tempo e tir um acompanhamento ímpar,
de acordo com a sua possibilidade que leve em conta sua subjetivi-
e capacidade (ZEITOUNE, 2011). dade, potencialidades, capacida-
Esse olhar individualizado des, interesses e limitações. O PIA
deve ser trabalhado em todas as abre a possibilidade de trabalhar
medidas socioeducativas e por to- a implicação, a responsabilização
dos os agentes do Sistema de Ga- e a reparação das consequências
rantias de Direitos: pelo Sistema do ato infracional necessárias ao
de Justiça - Juiz, Promotor de Jus- processo socioeducativo.
tiça, Defensor Público ou advo- Garantir a individualização
gado; pela Assistência Social - com do atendimento socioeducativo de
a equipe técnica do programa de cada adolescente não é uma tarefa
meio aberto ou fechado; pela fácil. Sabemos dos desafios da so-
Saúde, pela Educação, etc. cioeducação. No entanto, é preciso
No atendimento ao adoles- criar estratégias de atendimento,
cente, devem ser considerados com ações integradas onde, além
eventuais transtornos mental e/ do acesso aos direitos e às políticas
ou comprometimento psíquico, públicas, se abra a possibilidade de
uso abusivo de drogas ou, ainda, dar voz ao adolescente, de modo

212
INDIVIDUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO

que ele seja participante ativo no 213. Governo do Estado do Rio de


processo subjetivo de construção Janeiro. Secretaria de Estado de
do seu projeto pessoal e se impli- Educação. Departamento Geral de
que nas suas escolhas de vida e se Ações Socioeducativas, RJ, 2010.
responsabilize por elas.
________. Plano Indivi-
dual de Atendimento (PIA). Rio
de Janeiro: Governo do Estado.
REFERÊNCIAS: Secretaria de Estado de Educa-
ção. Departamento Geral de Ações
BRASIL. Constituição da Socioeducativas, 2013.
República Federativa do Brasil,
Senado Federal, Brasília, 1988. ZEITOUNE, C. M. A Clínica
Psicanalítica do Ato Infracional
_______. Estatuto da Criança e – Os impasses da sexuação na
do Adolescente: Lei federal nº 8069, adolescência. Psicanálise &
de 13 de julho de 1990. Diário Oficial
I
Barroco em Revista. V.09, p.117­
[da República Federativa do Brasil], 134, 2011. Disponível em: http://
Brasília, DF, 1990, p. 13563-13577. www.psicanaliseebarroco.pro.br.
_______. Conselho Nacio- Acesso em 30/07/2016.
nal do Direito da Criança e do ZEITOUNE, C. M. Ética, Lei e
Adolescente. SINASE – Sistema responsabilidade – Considerações
Nacional de Atendimento Socioe- sobre o atendimento clínico aos
ducativo. Brasília, 2006. adolescentes em conflito com a
________. Sistema Nacional lei. In: aSEPHallus (Online). Nº
de Atendimento Socioeducativo – 8, p.43­ 60, 2009.Disponível em:
Lei Federal nº 12.594, de 18/01/2012. ht t p://w w w.nuc leos ephora.com/
asephallus/numero_08/index.html.
_________. Plano Nacional Acesso em 30/07/2016.
de Promoção, Proteção e Defesa
do Direito de Crianças e Adoles-
centes a Convivência Familiar
e Comunitária. Brasília/ DF,
dezembro de 2006.
DEGASE. Plano de Atendi-
mento Socioeducativo do Governo
do Estado do Rio de Janeiro - (PASE)
- Decreto nº 42.715 de 23/11/2010.
Diário Oficial do Estado do Rio
de Janeiro - ANO XXXVI - Nº

213
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INTERDISCIPLINARIDADE

Cláudia da Silva Rodrigues1

As discussões em torno da mas, sobretudo, na sua imple-


interdisciplinaridade remontam mentação exigindo a ruptura com
períodos históricos remotos, sendo a metodologia positivista de cien-
considerada um recurso aglutina- tificidade hegemônica, que gerou
dor de saberes, que pode ter um ao longo da história, e ainda gera
desdobramento ao revés, caso seu conforme Severino (1995, p.15)
sentido não seja explicitado ade- “uma fragmentação do saber e ao
quadamente. Para Jupiassu (1976, sacrifício da unidade real”.
p.72) a interdisciplinaridade “não A historicidade que antece-
possui ainda um sentido epistemo- deu o surgimento da interdisci-
lógico único e estável”, portanto, plinaridade ocorre no século XIX,
mais que conceito, esta se configura marcado por muitas mudanças na
como visão de mundo, com des- esfera econômica, política e so-
dobramentos propositivos numa cial, incluindo a expansão cientí-
prática imbricada de significados, fica com invenções e descobertas.
compreensões e finalidades que O mundo passa a ser apreendido
acompanham o movimento histó- segundo a perspectiva positivis-
rico, sendo por este modificado. ta, responsável pelo movimento
A incorporação desta termino- de especialização/fragmentação
logia perpassa várias áreas do sa- do conhecimento, por acreditar
ber: educação, saúde, assistência, que atingindo a realidade micro,
sendo, nos últimos vinte anos, am- apreender-se-ia a realidade ma-
plamente utilizada na gestão de cro, de modo totalitário.
políticas públicas em concomitân- Porém, a crescente disciplina-
cia com a intersetorialidade, pro- ridade da ciência tornou o conhe-
posta política de articulação entre cimento individualizado e a visão
diferentes setores sociais. fragmentada, inviabilizando novas
A interdisciplinaridade se respostas aos problemas emergen-
configura enquanto processo em tes, não contribuindo para a com-
construção, não tanto teórica, preensão da realidade de modo

1 Pós-Graduada em Terapia de Família pela UCAM/IAVM. Assistente Social da


Prefeitura de Piraí. E-mail: socialcla@yahoo.com.br

214
INTERDISCIPLINARIDADE

amplo, conforme o pressuposto desequilibrando a própria per-


inicial. Assim, a partir da segunda sonalidade humana em seu
metade do século XX, a proposta conjunto. (JAPIASSU, 1976, p. 30)
positivista de superespecialização
passa a ser discutida, abrindo es- O movimento interdisciplinar
paço para o diálogo entre as dife- surge na Europa, em meados de
rentes disciplinas, por se concluir 1960, concomitantemente ao mo-
que uma disciplina ou área isola- vimento estudantil imbricado na
damente não conseguiria dar con- luta por um novo estatuto para as
ta das novas demandas. Segundo universidades e escolas, visando
Pereira (1992) a interdisciplinarida- sua sincronia com as grandes
de emerge não como uma panaceia questões da época. Esse movi-
da ciência, mas lançando um novo mento se expande e chega ao Brasil
olhar sobre a repartição dos sabe- já no final dos anos 60, porém no
res, renegando a herança positivis- dizer de Fazenda (1995), de forma I
ta ratificadora da disciplinaridade; deturpada, sem grande aprofun-
da tipologização dos saberes; da damento ou estudo, sendo incor-
verticalização das especialidades; porado como um modismo.
do raciocínio dicotômico; da perda Ainda Fazenda (1995) destaca
de contato do conhecimento com a três momentos na historicidade da
realidade e da linguagem incomu- interdisciplinaridade: o primeiro,
nicável entre diferentes áreas. referente à década de 70, diz res-
O aumento exacerbado das es- peito à sua definição; o segundo,
pecializações provocou uma espécie na década de 80, marcado pela
de “patologia do saber” ou de uma construção do método e o último
“alienação científica” propulsora momento, marcado pela teoriza-
da interdisciplinaridade, que surge ção, se dá nos anos 90.
da carência no campo do conheci- Conforme mencionado ante-
mento, conforme aponta Japiassu: riormente, as discussões acerca
da interdisciplinaridade não são
O saber chegou a um tal ponto de convergentes sob a perspectiva
esmigalhamento, que a exigên- da conceituação e sim perpassa-
cia interdisciplinar mais parece, das pelo pluralismo na sua com-
em nossos dias, a manifestação preensão e abordagem, conforme
de um lamentável estado de ca- afirmação de Pátaro e Bovo:
rência. Tudo nos leva a crer que
o saber em migalhas seja produto
de uma inteligência esfacelada. São vários os significados atri-
Nesse domínio, até parece que buídos ao conceito de interdisci-
a razão tenha perdido a razão, plinaridade e, apesar da grande

215
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

variedade de definições, seu volvida, privilegiando as relações


sentido geral pode ser definido horizontais. A primeira condi-
como a necessidade de interli- ção para que a interdisciplinari-
gação entre as diferentes áreas dade ocorra é segundo Ely (2003,
do conhecimento. (PÁTARO;
p.115): “a socialização do conheci-
BOVO, 2012, p. 45)
mento, linguagens e conceitos de
cada área envolvida, para, poste-
A interdisciplinaridade traz riormente, promover uma recom-
em si uma relação dialética com binação dos elementos internos
o conceito disciplinaridade, evi- que possam facilitar o processo
denciada pelo prefixo “inter”, de comunicação”.
mantendo com este suas diver- Para Pereira (1992) a inter-
gências, mas não o rejeitando to- disciplinaridade sugere, pois,
talmente. Segundo Ianni (1986) relação de reciprocidade entre
esta relação é ao mesmo tempo saberes distintos, com suas con-
de reciprocidade e antagonismo, tradições específicas e inerentes,
o que põe em evidência seu cará- tendo em vista à recomposição
ter dialético, gerador de um todo da unidade segmentada do co-
unido com grau de dependência nhecimento, que na realidade,
e reciprocidade e não um amon- não é compartimentalizado.
toado de partes. Nesta relação, Entender a interdisciplina-
nenhuma das partes ganha sen- ridade significa apoderar-se do
tido ou consistência se separadas que Marx (1982) afirmou ao elu-
das demais e das circunstâncias cidar que o mundo real só é real
que as mantém. e concreto porque é síntese de
Para Japiassu (1976, p.74): “A múltiplas determinações e que a
interdisciplinaridade caracteriza- realidade concreta não é territó-
-se pela intensidade das trocas en- rio cativo do saber, mas espaços
tre os especialistas e pelo grau de móveis cujas fronteiras se alteram
interação real das disciplinas no e se expandem tendo em vista o
interior de um mesmo projeto de movimento do real e do vivido
pesquisa”. Ou seja, a proposta não que não comporta segmenta-
é diluir as disciplinas, mas preser- ções. Assim, Pereira (1992) aponta
vando a especificidade dos seus que para que cada especialidade
métodos e conceitos, integrá-las, possa ser a representação confi-
fomentando que cada área exerça ável desse real e desse vivido é
seu potencial de contribuição me- preciso se abrir para a intervincu-
diante o respeito à autonomia e lação interdisciplinar.
criatividade de cada profissão en-

216
INTERDISCIPLINARIDADE

REFERÊNCIAS MUNHOZ, D. Trabalho inter-


disciplinar: realidade e utopias:
ELY, Regina Fabiana, Revista Serviço Social e Sociedade.
Interdisciplinaridade na saúde: São Paulo: Cortez, n.51, ano XVII, 1996.
um campo em construção. PÁTARO, Ricardo F.; BOVO,
Katalysis, Florianópolis, v. 6, n. 1, Marcos C. A interdisciplinaridade
p.113-117, jan/jun. 2003. como possibilidade de diálogo
FAZENDA, Ivani. Interdis- e trabalho coletivo no campo da
ciplinaridade: história, teoria e pesquisa e da educação. Revista
pesquisa. 2ª ed. São Paulo: Papi- NUPEM, Campo Mourão, v. 4, n.
rus, 1995. 6, p. 45-63, jan./jul. 2012.
_________. Didática e interdisci- PEREIRA-PEREIRA. Polí-
plinaridade. São Paulo: Papirus, 1997. tica Social: um espaço para
a interdisciplinaridade. In: I
IANNI, Otávio. Classe e
Revista Humanidades, volume 8,
Nação. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986.
número 4, 1992.
JAPIASSU, Hilton. Interdisci-
SEVERINO, Antônio Joaquim.
plinaridade e Patologia do saber.
Subsídios para uma reflexão sobre
Rio de Janeiro: Imago, 1976.
os novos caminhos da interdiscipli-
MARTINELLI, M. L. ET AL. naridade. In: SÁ, Jeanete, L. Martins
O uno e múltiplo nas relações de (org.). Serviço Social e interdis-
entre áreas do saber. São Paulo: ciplinaridade: dos fundamentos
EDUC/Cortez, 1995. filosóficos à prática interdisciplinar
MARX, Karl. Introdução à no ensino, e pesquisa e extensão.
crítica da economia política. São São Paulo: Cortez, 1995.
Paulo: Abril Cultural, 1982.
MINAYO. Interdisciplinari-
dade: uma questão que atravessa
o saber, o poder e o mundo vivido.
Medicina, v. 24, n. 2, p. 70-77. 1991

217
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INVISIBILIDADE SOCIAL

Murilo Peixoto da Mota1

Quando se fala em invisibili- bilidade social são principalmente


dade social, estamos nos referindo sujeitos considerados fora dos pa-
a fatores econômicos, sociais, cul- drões previamente estabelecidos
turais e estéticos direcionados por um perfil dominante, que en-
à análise sobre os indivíduos no volve majoritariamente perten-
espaço social. Apesar dos fatores cer a camadas médias, de maioria
econômicos serem contundentes branca e masculina. Em contrapo-
para a discussão das invisibili- sição, homossexuais, usuários de
dades sociais, eles não devem ser drogas, loucos, criminosos, defi-
tomados como o epicentro da dis- cientes, pobres, negros, velhos,
cussão situacional do sujeito na crianças, mulheres, desemprega-
sociedade. As práticas dos indi- dos, indivíduos em situação de
víduos na sociedade são relacio- rua, profissionais do sexo entre
nais e envolvem inúmeros fatores outros estão sob a égide da invi-
como gostos, consumo, valores sibilidade social. Neste aspecto, a
ideológicos, capital cultural e sim- invisibilidade social está marcada
bólico adquirido pelos indivíduos por atravessamentos de classe so-
ao longo de sua trajetória da vida. cial, gênero, raça e geração.
Nesse sentido, o olhar sobre o ou- A invisibilidade social se per-
tro se constrói tendo por base as petua pela violência simbólica a
experiências adquiridas, que pos- partir do desprezo à existência do
sibilitam aceitação, negação ou to- outro diferente, à margem, aquele
lerância ao que está fora da norma, que meu “eu” insiste negar como
dos padrões culturalmente esta- semelhante e, portanto, o desejo é
belecidos pela cultura, pela tra- de afirmar que inexiste.
dição e que incidem nos valores Mas a sociedade tem se em-
éticos sobre esse outro. Assim, penhado a fim de dar voz a quem
aqueles que sofrem com a invisi- não tem voz a partir da mobiliza-

1 Doutor em Serviço Social pelo Programa de Pós Graduação da Escola de Serviço


Social/UFRJ (2011); Sociólogo do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas e Direitos
Humanos/UFRJ; Coordenador do Laboratório de Pesquisa GANIMEDES: Estudos
e Pesquisas em Diversidade Sexual e Direitos Humanos no NEPP-DH/UFRJ.

218
INVISIBILIDADE SOCIAL

ção social e da organização dos poder de existência definido pelo


próprios grupos marginalizados, acesso objetivado pela trajetória
o que possibilita a afirmação e a da vida com maiores oportunida-
luta pelos direitos humanos e o des de capitais simbólicos.
enfrentamento das desigualda- Cotidianamente nos percebe-
des sociais nos planos econômi- mos em meio a aqueles que nos
cos (pela redistribuição da renda) servem como empregados domés-
e jurídico (pelo reconhecimento ticos, garçons, vendedores de rua,
dos direitos sociais e civis). Esta varredores, diaristas, motoristas
perspectiva vem sendo articulada e cobradores de ônibus, atenden-
pela organização da sociedade ci- tes etc., que, mesmo não estando
vil, como, por exemplo, grupos de à margem social como indivíduos
mulheres, Movimento Sem Terra, em níveis de pobreza absurda, são
trabalhadores rurais, centrais ignorados, desprezados sob nos-
de favelas, fóruns em defesa da sos olhares e, muitas vezes, hu- I
criança e do adolescente etc. Vale milhados sob o crivo da distinção
lembrar, contudo, que também se hierárquica social do domínio au-
articulam os grupos de crimino- toritário do clichê: “– Você sabe
sos em comandos. com quem está falando?”. Esse
Os invisibilizados sociais domínio, segundo o antropólogo
prenunciam o quanto o mundo Roberto da Matta (1997), se atua-
simbólico se constrói por meio de liza pelas teias de relações sociais,
um habitus, como afirma o soci- que, em determinadas situações,
ólogo Pierre Bourdieu (2008), que manifestam o operador autori-
nega o outro distinto e desigual tário para se resolver uma situ-
desqualificado pela falta de capi- ação de conflito. A violência está
tal econômico e capital cultural. direcionada e não se está sozi-
Isso porque o habitus encontra-se nho quando se trata de sustentar
na base das afinidades imediatas, ou legitimar uma ação contra al-
que condicionam os encontros e guém com quem se queira susten-
as aquisições sociais capazes de tar um propósito de transgressão.
produzir forças e estratégias para São contra os que estão hierarqui-
mobilizações estruturais transfor- camente desfalcados de poder,
madoras. Esses invisibilizados, posição social e, portanto, subal-
sujeitos que não se quer ver ou ternalizados. “Num parque de es-
que se quer negar existir, estão tacionamento de automóveis, o
aos nossos olhos. Eles expres- guardador diz a um motorista que
sam as desigualdades sociais em não há vagas. O motorista, entre-
relação a um “outro” detentor de tanto, insiste dizendo que as vagas

219
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

estão ali. Diante da negativa firme bate passa a desnudar o sentido


do guardador, o motorista diz ir- de busca por autoproteção indivi-
ritado: sabe com quem está fa- dual, já que a homossexualidade
lando?, e revela sua identidade de é elaborada sob o crivo da repres-
oficial do Exército” (DA MATTA, são, do controle e da vigilância.
1997, p. 208). Esse sistema hierár- Só existe invisibilidade social
quico se atualiza e se perpetua na para muitos sujeitos porque sua si-
família, na escola, na comunidade, tuação de vida se qualifica pela ne-
no parentesco no qual cada indi- gação, pelo desinteresse em saber e
víduo aprende a ver o outro como ver, pelo desprezo à diferença, as-
igual somente quando lhe é favo- pectos que reforçam um conjunto
rável ou coloca o outro no “seu de desigualdades em meio à con-
lugar”, quando esse “outro” é po- centração de renda, à precarie-
tencialmente subalternalizado e dade da força de trabalho, à falta
lhe desfalca os seus interesses. de oportunidade e de mecanismos
Assim, um invisibilizado social que deem visibilidade a questões
está sob o controle das relações de sociais e suas mazelas distintivas.
poderes hierárquicos construídos
nas relações cotidianas.
Cabe destacar que a invisi- REFERÊNCIAS
bilidade social também pode ser
uma estratégia. A questão dos ho- BOURDIEU, Pierre. A distin-
mossexuais, por exemplo, se con- ção: crítica social do julgamento.
figura em meio a muitas consequ- São Paulo: Edusp; Porto Alegre,
ências coletivas, que prenunciam RS: Zouk, 2008
violações de direitos humanos
sobre aqueles que ousam se afir- DA MATTA, Roberto.
mar como homossexuais em de- Carnavais, malandros e heróis:
terminados territórios, para além para uma sociologia do dilema
do âmbito privado. Assim, es- brasileiro. Rio de Janeiro, Ed.
tar invisibilizado, no “armário”, Rocco, 6. Ed., 1997.
também pode ser um elo de re-
sistência. No “armário”, muitos
homossexuais podem enganar os
olhares opressores e encontraram
convenientes maneiras de experi-
mentar e viver o desejo sexual. Ao
tomar como foco a ideia de “armá-
rio” para os homossexuais, o de-

220
JUVENTUDES

J
JUVENTUDES

Mário Pires Simão1

É comum encontrarmos jovem, Juventude, verbete em ques-


juvenil e juventude como sinônimos. tão, é uma categoria datada. É
Nos dicionários, encontraremos uma produção da sociedade mo-
desde definições médicas – como derna ocidental, sobretudo a par-
a que define o jovem como um tir dos séculos XVIII XIX, sob a
ser humano situado entre a infân- égide do ordenamento temporal J
cia e a maturidade – a definições da vida, um momento em que os
sociológicas – como a que se refere referenciais desta sociedade se di-
a um contingente com determi- fundem tornando a classificação,
nadas afinidades culturais e com a normatização e a hierarquização
significado social na estrutura de práticas indispensáveis para ga-
reprodução da vida coletiva. rantir o ordenamento social. É as-
Uma estruturação da vida sim que uma pluralidade de vidas
em ciclos ocupa a centralidade jovens passa então a compreensão
na explicação destes termos. de juventude, numa tentativa de
Contudo é preciso reconhecer que homogeneizar indivíduos.
infância, adolescência e juven- Em resumo, uma tradução
tude emergem como categorias quase hegemônica de juventude
um tempo depois dos vocábulos centra-se nas seguintes dimensões:
usuais de criança, adolescente e
jovem. São categorias relacionais
1. Etária - estabelecida pelos
que cumprem uma função social.
órgãos oficiais do Estado e outros

1 Geógrafo, professor de Geografia. Doutor e mestre em Geografia pela Universidade


Federal Fluminense. É Professor Adjunto do Departamento de Geografia da
Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). É colaborador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e pesquisador
associado ao Instituto João e Maria Aleixo, que discute periferias urbanas.

221
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

organismos de caráter universalista, a infância, passando pela adoles-


que varie em seus limites em função cência, juventude e idade adulta;
do indicador que é valorizado por 4. Critérios culturais - orde-
cada órgão como central para sua nados para uma noção de uma
definição de juventude. O Estatuto identidade assumida a partir do
da Juventude, sancionado em 2013 conjunto de elementos objetivos e
no Brasil, considera jovem todo cida- subjetivos presentes na vida dos
dão que compreende a faixa etária indivíduos, portanto, que aponta
entre 15 e 29 anos de idade; para existência de jovens urbanos
2. Comportamento social - e jovens rurais, jovens sob diferen-
estabelece uma gradação entre a tes classes sociais, sob distintos
imaturidade quase infantil até in- contextos político-ideológicos etc.
vestir-se de responsabilidade social.
A noção de moratória social2 reflete
Essa biocronologia3 nos ajuda
bem a condição juvenil. Refere-se a
a construir tipologias, represen-
um período da vida em que os su-
tações indicadoras da realidade
jeitos estão livres das obrigações de
social, mas pode também obscu-
trabalho para dedicar-se exclusiva-
recer as contradições, as especifi-
mente a formação para uma inser-
cidades. Não é difícil reconhecer
ção futura no mundo adulto. Esta
que a noção de limites temporais
argumentação torna plausível a de-
e da lógica da etapa de vida em
finição de espaços de socialização
formação, isto é, eminentemente
para onde se destinam os mais jo-
transitória, se pauta pelo referen-
vens. A escola é um destes, um es-
cial do outro e não da própria ex-
paço de aprendizagem para uma
periência jovem.
esperada transição para a maturi-
Categorias socioculturais, como
dade e o exercício da vida adulta.
juventude, continuam como patri-
3. Critérios do desenvolvi-
mônio de um pensamento moderno
mento físico e biológico - obser-
e universal. Elas fazem parte de um
váveis no corpo do indivíduo, que
ordenamento que cumpre, sobre-
estabelece claramente a ideia dos
tudo, uma função social. Como tal,
ciclos da vida estabelecidos desde
2 Termo cunhado por Erickson em 1986 conforme nos diz Abramo (2008).
Significa a condição juvenil de estar numa etapa de vida se preparando para a
outra, portanto, estando, em tese, livre das injunções da vida produtiva, como o
trabalho e outras responsabilidades da vida adulta, é uma construção que não
traduz com precisão a diversidade de juventudes que temos.
3 Estamos chamando de biocronologia esta definição hegemônica de juventude
centrada na dimensão temporal e nas explicações biológicas das mudanças
no corpo do sujeito.

222
JUVENTUDES

a homogeneização nos ajuda a en- para o futuro deve ser veemente-


contrar elementos comuns para a mente rebatida e sanada, o que nos
construção de políticas mais con- parece fornecer argumentos para
tundentes e focadas. Contudo, os leituras como as que são direcio-
emblemas fundamentais tecidos na nadas para os jovens de origem
modernidade nos ajudam na defesa popular e, especialmente, aqueles
da humanidade presente em todos que têm seu caminho cruzado com
os seus indivíduos. Mas naufragam as práticas sócio educativas porque
em supor que conseguem abarcar ultrapassaram os limites prescri-
as diferenças múltiplas dos sujeitos tos da lei. Cerbino (2006) realça o
reais em suas teorias e elaborações discurso dominante que focaliza a
pragmáticas do mundo. violência nos setores juvenis, como
Também podemos dizer a se estes fossem implicitamente
transitoriedade presente na noção bio e psicologicamente violentos.
de juventude é uma demonstra- Assim, a noção do desvio se forta-
ção da concepção teleológica que lece, sustentando-se na tese de que
a sustenta. Há um conjunto de vivemos um contexto de ordem e
caracterizações que gravitam em normalidade das relações sociais e
J
torno deste ordenamento da vida do cotidiano, portanto as ações de
do jovem para o futuro. resistência, de subversão, de opo-
No entanto, este futuro está já sição e, consequentemente, a vio-
delimitado, é a vida adulta com seus lação das regras de convívio social
compromissos largamente conhe- seriam consideradas uma anoma-
cidos. O que fica implícito a esta lia. A noção do desvio assenta-se,
dimensão cronológica da vida é desse modo, numa concepção mo-
sua previsibilidade e conformação, ral que tende a fazer juízo de va-
ou seja, está prescrito o caminho a lor sobre a conduta das pessoas,
ser trilhado, não há nada que deve- indicando as boas e as más práti-
ria comprometer estes sujeitos a cas, como se fossem campos dia-
assumirem progressivamente seu metralmente opostos.
papel social, herdado por aqueles É difícil encarar a juventude
que lhes antecedem. como um momento de encontros
Desse modo, a principal expec- e, portanto, como uma experiência
tativa que se tem dos jovens é que efetivamente muito plural. Ao en-
cumpram o papel de perpetuar a carar o plural de juventude como
estrutura que elegemos - conheci- ponto de partida, os tais limites de-
mentos e valores - que dão signi- pendem de diferentes conjunturas
ficado ao mundo social. Qualquer sociais e podem variar conforme a
perturbação desta vida ordenada vivência de cada indivíduo. Cada

223
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

um constrói para si uma rede mul- mão, sob risco de cair em definições
tifacetada de elementos cognitivos, simplórias e vagas sobre sujeitos
emocionais, todos sempre media- sociais diversos e complexos.
dos no tempo e no espaço em que Esta pluralidade se explicita
a vida do sujeito acontece. Os tem- à medida que os jovens emergem
pos dedicados à formação não são como sujeitos políticos para a socie-
os mesmos para todos os jovens. dade. Conforme salientou Bourdieu
Os espaços de socialização não são (1980), a juventude é apenas uma
experimentados de modo idêntico. palavra se não nos atentamos para
Do mesmo modo, a ideia do os diferentes contextos e condições
acúmulo de conhecimento pre- sociais em que estes sujeitos estão
sente na dimensão teleológica da inseridos, não se pode desconside-
vida do jovem, apontada para o rar a participação efetiva dos jovens
futuro, pode não se apresentar da nos grandes temas e paixões, nos
forma como a convencionamos. Ser dilemas mundiais, nas transforma-
jovem não é necessariamente ter ções sociais contemporâneas.
menos conhecimentos. Um bom Abramo (2008), em publica-
exemplo disso é o reconhecimento ção de baseada em pesquisa na-
de que existem conhecimentos fa- cional sobre juventude brasileira
cilmente assimilados pelos mais realizada em 2003, destaca enfo-
jovens, como aqueles vinculados ques possíveis sobre juventude no
ao desenvolvimento das tecnolo- Brasil, fruto da relevância desta ca-
gias, que os mais velhos têm mais tegoria no contemporâneo, ou seja:
dificuldades em se apropriar, o um enfoque na dimensão política
que coloca em cheque uma lógica dos jovens como sujeitos que pro-
temporal linear e harmônica. tagonizam novos espaços de luta
Há, portanto, uma diversidade em diferentes movimentos sociais,
de juventudes a serem analisadas com capacidade para incidir sobre
que não conseguimos vislum- a transformação da sociedade; os
brar nas clássicas tipologias que jovens num recorte demográfico,
são aplicadas aos jovens. Embora isto é, como um contingente que
tenhamos sujeitos sociais dentro tem demandas específicas, sobre-
de uma mesma faixa etária, depa- tudo em termos de políticas sociais
ramo-nos cada vez mais com uma e, por fim, o enfoque dos jovens
variedade de composições para como sujeitos de direitos, o que im-
além destas categorias históricas. plicaria numa abordagem que ul-
Devemos assim reconhecer que trapasse os espaços prescritos aos
JUVENTUDES expressa este plu- jovens e tente entendê-los em sua
ral, do qual não podemos abrir singularidade e complexidade.

224
JUVENTUDES

Portanto para além dos con- tos muito particulares, portanto


ceitos normativos, apresenta-se a superação dos esquemas mo-
um enorme desafio para a política dulares que tendem a homoge-
pública em suas diferentes esferas neizar a juventude apresenta-se
de avançar no que concerne a estes como um caminho para romper
distintos universos juvenis. com as representações estetiza-
Segundo o Censo Demográfico das dos jovens, ora centradas no
do IBGE, de 2010, há no Brasil 51,3 velho paradoxo da ameaça X es-
milhões de jovens entre 15 e 29 perança, ou mesmo referenciadas
anos de idade, um contingente que em imagens de consumo.
equivale a ¼ da população do País. A pluralidade não deve ser
Em Agenda Juventude Brasil, pu- vista de maneira abstrata, mas
blicação da Secretaria Nacional ao contrário é preciso conside-
da Juventude de 2014, que traz re- rá-la a partir de algumas dimen-
sultados de pesquisa amostral de sões que lhe dão concretude, isto
abrangência nacional realizada é, a desigualdade, a diversidade
em 2013 a etapa juvenil é “mar- e a diferença. Os jovens vivem
cada por trajetórias relativamente condições desiguais de vida, os
J
longas, intermitentes e, muitas ve- jovens são diversos enquanto di-
zes, não lineares de formação, in- mensão sócio-humana e os jo-
clusão social e desenvolvimento vens produzem modos de viver
da autonomia” ( Brasil. Secretaria muito diferentes.
Nacional da Juventude, 2014, p. 16) É, portanto, nosso desafio que
É importante notar como a todo o percurso que façamos de
noção de etapa de vida atravessa a conhecimento e reconhecimento
explicação, mas ao mesmo tempo, considere as falas, os gestos, as
se incorpora a noção de trajetória ações, as práticas criadas e signi-
para indicar os diferentes arran- ficadas por estes sujeitos. São for-
jos de vida que traçam percur- mas e conteúdos novos que nos
sos distintos para sujeitos numa fazem pensar sobre o lugar da di-
mesma faixa etária. Ao conside- ferença em nossas ações indivi-
rar as trajetórias, a Agenda é bas- duais ou coletivas, profissionais
tante assertiva em apresentar os ou militantes e também nos fa-
comuns e os diferentes, ao mesmo zem discutir os novos direitos que
tempo em que reconhece as de- ainda precisamos nos debruçar
sigualdades que condicionam a para tornar a vida humana uma
vida dos jovens brasileiros. Mais experiência mais digna.
do que uma etapa de vida, os jo-
vens vivem experiências e confli-

225
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

REFERÊNCIAS CERBINO, Mauro. Jóvenes


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Características da população e dos
domicílios: resultados do universo.
Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

226
MAIORIDADE PENAL

M
MAIORIDADE PENAL

Roberta Duboc Pedrinha1

Quando uma pessoa co- da capacidade cognitiva ou desen-


mete um crime, para que venha volvimento mental incompleto).
a responder por isso, entre outros Deve ter uma idade biológica que
fatores, sua conduta deve ser repro- permita entender, comportar-se de
vável, ou seja, culpável. Então, ela acordo com o seu entendimento e
deve, primeiramente, ter discerni- agir com maturidade.
mento, capacidade de compreen- Portanto, maioridade penal é
der o caráter ilícito do seu ato. Não a expressão empregada para de- M
deve apresentar nenhuma doença signar quando o indivíduo é con-
mental (que são as alterações do siderado imputável e passa a ter
funcionamento da mente que pre- o dever jurídico de arcar com as
judicam o desempenho pessoal, fa- consequências por seu comporta-
miliar, social e profissional, como mento, através da responsabilidade
a esquizofrenia, a bipolaridade e a criminal, podendo receber penas
paranoia) ou oligofrenia (redução rígidas como a de prisão. Toma

1 Advogada. Doutora em Sociologia Criminal pela Universidade do Estado do


Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Doutoranda em Direito Penal pela Universidade
de Buenos Aires (UBA-Argentina). Mestra em Criminologia e Direito Penal
pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Pós-graduada em Criminologia
pela Universidade de Havana (UH-Cuba). Graduada em Ciências Jurídicas
pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora
e Coordenadora da Pós-graduação em Criminologia, Direito e Processo Penal
da Universidade Candido Mendes (UCAM). Professora Convidada de Direito
Penal da Pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e de Direito Penal
Econômico da Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ).
Professora Convidada de Direito Penal das Especializações e dos Mestrados da
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Professora Convidada de Criminologia
da ACADEPOL, da EMERJ e do DEGASE.

227
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

como base a idade, em face do cri- mas sim, às medidas protetivas e


tério biológico de aferição adotado até às medidas socioeducativas.
pelo Brasil. Isso quer dizer que so- Os atos infracionais consistem
mente a idade será levada em conta nas condutas negativas perpetra-
para definir o parâmetro referen- das pelos jovens, que se amoldam
cial para a responsabilização do à descrição típica dos comporta-
sujeito. E esta foi prefixada em 18 mentos previstos no Código Penal,
anos completos no país, conforme definidos como crimes, e alcançam
elenca a Constituição Republicana ainda as contravenções penais. Os
no artigo 228, consoante o Código atos infracionais estão descritos no
Penal dispõe no artigo 27 e pre- artigo 103 do Estatuto da Criança
ceitua o Estatuto da Criança e do e do Adolescente. Hoje, são cerca
Adolescente com fulcro no artigo de 23 mil casos de adolescentes em
2º. Portanto, a maioridade de 18 conflito com a lei no país, pelo co-
anos é cláusula pétrea. A mesma metimento de atos infracionais.
idade é mantida em cerca de 70% Destes, aproximadamente 20.000
dos países do globo. encontram-se sob medidas socioe-
Desse modo, a imputabilidade ducativas rígidas como a interna-
desenhar-se-á a partir do primeiro ção, de onde cerca de 5.000 estão
instante do dia do aniversário do na preocupante modalidade pro-
indivíduo que completar 18 anos, visória, conforme os dados do
quando será considerado maior Instituto de Pesquisas Econômicas
de idade, independentemente de Aplicadas, referente ao ano de 2013.
qualquer ato da vida civil, como Merece destaque o fato de que,
ser emancipado, casado, pai, ter in- aproximadamente, apenas 13% co-
gressado na universidade, ter sido meteram atos infracionais contra a
aprovado em concurso público, ou pessoa, na maioria dos casos, con-
ainda ser superdotado. Nesta oca- figuram-se atos infracionais contra
sião, responderá por crime, em o patrimônio e de tráfico de drogas.
razão da sua maioridade penal. Dessa forma, facilmente se verifica
Porém, todos os comportamentos a precária dimensão social e a caó-
que afrontarem os diplomas legais, tica condição econômica escamote-
realizados por indivíduos com ada nos atos infracionais de autoria
menos de 18 anos de idade, serão dos jovens pinçados pelo sistema
concebidos como atos infracionais penal. Constata-se a seletividade
e não crimes. Por conseguinte, não com que opera a concretude da in-
estarão os jovens, inimputáveis, cidência das medidas socioedu-
submetidos às penas de prisão, cativas, sempre em face dos mais
pobres, dos mais vulneráveis.

228
MAIORIDADE PENAL

Vale conferir no ranking dos protetivas e as medidas socioedu-


atos infracionais o percentual de cativas, insculpidas no Estatuto
38,7% de roubo, seguido de 27,1% da Criança e do Adolescente. Tais
de tráfico de drogas, 8,9% de homi- medidas encontram-se, respecti-
cídio, 4,2% de furto, 4,3% de lesão vamente, nos artigos 101 e 112 do
corporal e ameaça, 2,2% de porte de mencionado Diploma.
arma de fogo, 2,2% de latrocínio, Dentre as medidas proteti-
1,5 de estupro, entre outros. Mesmo vas, destacam-se: o encaminha-
que se considere a faixa de atos in- mento aos pais ou responsável,
fracionais de homicídios (8,9%), mediante termo de responsabili-
os realizados por jovens entre a dade; orientação, apoio e acompa-
faixa etária de 16 a 18 anos corres- nhamento temporários; matrícula
pondem a menos de 1%. Portanto, e frequência obrigatórias em esta-
constata-se que, sob o ponto de belecimento oficial de ensino fun-
vista quantitativo, seria inócua a damental; inclusão em programa
redução da maioridade penal, di- comunitário ou oficial de auxílio à
ferentemente da promessa a que família, à criança e ao adolescente;
se propõe, ainda que do ponto de inclusão em serviços e programas
vista histórico e político represente oficiais ou comunitários de prote-
uma fissura ao Estado Democrático ção, apoio e promoção da família, M
de Direitos, pela frontal violação da criança e do adolescente; requi-
aos direitos fundamentais. sição de tratamento médico, psico-
Atualmente, cerca de menos lógico ou psiquiátrico, em regime
de 1% de todas as infrações penais hospitalar ou ambulatorial; inclu-
correspondem aos atos infracio- são em programa oficial ou co-
nais praticados, revelando que o munitário de auxílio, orientação
número de jovens envolvidos em e tratamento a alcoólatras e to-
atos infracionais não é elevado, xicômanos; abrigo em entidade;
diante do contingente total da acolhimento institucional; coloca-
população juvenil do país, com ção em família substituta e inclu-
aproximadamente 11 milhões, que são em programa de acolhimento
corresponde a uma faixa de 11% familiar.
do total da população brasileira2. Por outro lado, dentre as me-
Para estes jovens que come- didas socioeducativas, têm-se
tem atos infracionais, ao invés notadamente: a advertência, a re-
das penas cominadas no Código paração de danos, a prestação de
Penal, são aplicadas as medidas serviços à sociedade, a liberdade

2 Nessa linha, vale conferir os dados do Conselho Nacional de Justiça. Há um


cadastro nacional de adolescentes em conflito com a lei, além de relatório.

229
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

assistida, a semiliberdade e a in- As mazelas que ocorrem na es-


ternação. Esta última é adotada fera juvenil hoje ainda serão agra-
apenas excepcionalmente, uma vadas com a possível aprovação da
vez que se equipara à prisão, pre- redução da maioridade, ao sancio-
ventivamente no máximo por 45 nar com prisão os jovens que an-
dias ou então por no máximo 3 teriormente recebiam internação
anos após decisão do juiz. Afinal, de curto prazo e ao maximizar o
vale ressaltar o caráter de prote- seu tempo de confinamento, o ri-
ção integral à criança e ao adoles- gor punitivo, embrutecendo-os -
cente e não de punição, conferido como ocorreu no Brasil no período
pelo artigo 1º. do ECA e, antes da escravidão, em que a maiori-
disso, atribuído pela Constituição dade penal era de 14 anos. Trata-se
Republicana, em seu artigo 227, de uma forma cara de tornar os se-
que frisa a absoluta prioridade na res humanos piores, de contami-
garantia dos direitos fundamen- ná-los com a subcultura carcerária,
tais da criança e do adolescente. de conduzi-los às arregimentações
Contudo, as campanhas mi- das facções dos presídios, com
diáticas insuflam ondas de medo, seus altos índices de reincidência.
clamam por sanções rígidas, di- Agora não somente os adultos, cor-
fundem os discursos de intolerân- re-se o risco de alcançar também
cia, legitimadores do sistema penal, os adolescentes.
ainda que se trate de uma propa- Destaca-se que 54 países
ganda enganosa, como adverte reduziram a maioridade penal.
Maria Lúcia Karam. Logo, signifi- Contudo, a violência não dimi-
cativa parcela da população adere, nuiu. Por conta disso, alguns vol-
pois não tem acesso a outro ponto taram atrás, como foi o caso da
de vista, já que se formou um con- Alemanha e da Espanha3. Na rea-
senso punitivista com os meios de lidade, precisa-se atentar para o
comunicação. Assim, passa a fazer fato de que, mais do que autores
apologia a um sistema que não re- de atos infracionais, os adolescen-
cupera e nem reabilita, cuja marca tes são vítimas de crimes, come-
é a seletividade, observada pelo tidos por adultos, e inclusive, por
quantitativo de indivíduos pobres e agentes públicos, retrato de uma
de baixa escolaridade fisgados. violência institucional.

3 Nos EUA, em Nova York, o Governador democrata Andrew Cuomo propôs a


ação executiva de elevar a maioridade penal de 16 para 18 anos no estado, após
constatar a elevada reincidência de jovens processados, que subiu 26%, além do
número de abusos sexuais que cresceu alarmantemente, pois se multiplicou por 5.

230
MAIORIDADE PENAL

Os dados apresentados em traços da escravidão e de seus


2014 revelaram que no ano de 2012 controles sociais.
no Brasil foram assassinados apro- Durante mais de 20 anos, trami-
ximadamente 11 mil adolescentes e tou quase adormecida no Congresso
crianças. Neste mesmo período de Nacional a Proposta de Emenda
referência, 2,9 mil jovens foram au- Constitucional de autoria de
tores de atos infracionais contra a Benedito Domingos, a PEC 171/1993,
pessoa4, de onde se infere a situação da Redução da Maioridade Penal5.
de vulnerabilidade e vitimização Em Plenária, a citada PEC não foi
da juventude, pela discrepância aprovada em 2015. Inconformada
entre a posição de sujeito ativo de com o resultado, a bancada conser-
ato infracional e de sujeito passivo vadora, com o apoio do Presidente
de crime de homicídio. Como des- da Casa à época, perpetrou o que fi-
creve Batista (2006), vive-se um cou conhecido como um golpe re-
filicídio de uma civilização que de- gimentar. Com abuso de poder,
vora os seus próprios filhos. realizou uma segunda votação, me-
Ressalta-se que o Brasil se nos de 24 horas após a primeira,
inscreve como o 6º. país com mais quando reenviou uma nova e in-
mortes de crianças e adolescen- devida pauta para votação, através
tes no ranking mundial - são 17 do artificioso emprego de pseudo- M
crianças e adolescentes mortos -emenda aglutinadora. E, nesta em-
para cada 100.000 pessoas. Em ter- preitada, logrou êxito.
mos absolutos, é o 2º. no ranking Então, na Câmara dos Depu-
global. Sublinha-se que morrem tados, foi fixada em 16 anos de
3 vezes mais crianças e adoles- idade a redução da maioridade
centes negros, como aponta a penal. De modo atípico, com natu-
pesquisa da Anistia Internacional reza parcial, pois faz referência
(77% dos jovens assassinados são apenas às condutas de latrocínio,
negros). Isso reforça a reprodução estupro, lesão corporal seguida
das desigualdades estruturais, de de morte e homicídio. Na medida
uma sociedade que traz perma- em que retiraram de pauta um rol
nências racistas, marcada pelos de comportamentos que no pro-
4 Conferir o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei e o
relatório da Vara de Infância e Adolescência, ambos indicados nas referências.
5 Após passar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania na Câmara
dos Deputados, a primeira votação foi pela admissibilidade da PEC. Logo
adiante, foram realizadas 3 audiências públicas e em seguida a relatoria do
Deputado Luiz Couto, que concluiu pela sua inadmissibilidade. Depois, em
nova relatoria, o Deputado Marcos Rogério em seu parecer votou pela admis-
sibilidade. As controvérsias não cessaram na Comissão Especial da Câmara.

231
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

jeto foram imputados aos jovens cana, o qual elucida que matéria
com 16 anos, como tortura, tráfico proposta de emenda rejeitada ou
de drogas, lesão corporal grave prejudicada não pode ser votada
e roubo qualificado, restaram seguidamente, objeto de nova pro-
apenas alguns de maior repú- posta na mesma sessão legislativa.
dio. Trata-se de uma excrescência Nesse diapasão, prenuncia o Regi-
jurídica. Como um jovem de 16 mento Interno da Câmara dos De-
anos será imputável somente se putados 17/1989. Assim, também
cometer determinados comporta- se posicionaram em declarações
mentos escolhidos, taxativamente públicas ministros do STF7.
arbitrados, e não outros6? No aspecto jurídico, deve-se
Vale esclarecer que a manobra atentar para os planos nacional e in-
política infringiu o artigo 60, pará- ternacional. Na seara internacional8,
grafo 5º, da Constituição Republi- precisam-se averiguar os Tratados
6 A equivocada aprovação gerou celeuma, ocasionou a representação de seis par-
tidos políticos, que impetraram mandado de segurança na Suprema Corte do país,
com o escopo de anular a segunda votação; com o fito de obstar a redução da maio-
ridade penal e, na mesma esteira, a Ordem dos Advogados do Brasil Federal.
7 Como o atual Ministro Marco Aurélio Mello e o Ex-Ministro que outrora inte-
grou a Corte, Joaquim Barbosa, guardiões da Constituição Republicana que se
posicionaram firmemente. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/marco-
-aurelio-barbosa-consideram-inconstitucional-nova-votacao-da-pec-da-maiori-
dade-penal-16639629. Acesso em: 10 de dezembro de 2015. Muitas outras críticas
dirigiram-se à PEC; elas partiram da Sociedade Civil, dos Movimentos Sociais,
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil da Igreja Católica, da Associação
do Ministério Público, da Associação da Defensoria Pública, da Ordem dos
Advogados do Brasil Federal, da Associação dos Juízes para a Democracia, dos
Secretários de Justiça de 24 Estados do Brasil e do Distrito Federal, do DEGASE,
de Institutos Jurídicos, de Cursos de Direito das principais Universidades do
país. Através de atos públicos, manifestos, passeatas e resistências em frente ao
Congresso, como o que ficou conhecido como “Amanhecer em Brasília”.
8 Vale rememorar que, em 1919, a Sociedade das Nações criou o Comitê de
Proteção da Infância. Em 1923 foi elaborada a Declaração de Genebra sobre
os Direitos da Criança. No ano seguinte, a Declaração de Genebra foi adota-
da pela Sociedade das Nações. Em 1927, após o IV Congresso Pan-americano
da Criança, dez países americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile,
Equador, Estados Unidos, Peru, Uruguai e Venezuela) subscreveram a ata de
fundação do Instituto Interamericano da Criança, hoje vinculado à OEA e es-
tendido à adolescência, organismo destinado à promoção do bem-estar da in-
fância e da maternidade na região. Em 1934, a Sociedade das Nações aprovou,
pela segunda vez, a Declaração de Genebra. Em 1946, um movimento interna-
cional se manifestou a favor da criação do Fundo Internacional de Emergência

232
MAIORIDADE PENAL

e Convenções Internacionais dos Neste âmbito, das garantias


quais o Brasil é signatário. Nesse fundamentais, inscreve-se o di-
terreno, inscreve-se a Convenção da reito à liberdade, que deve ser
Organização das Nações Unidas so- preservado frente às investidas
bre os Direitos da Criança, Resolu- do Poder Punitivo, logo, o direito
ção 44/25 da Assembleia Geral da a não responsabilização crimi-
ONU, de 1989, ratificada pelo Bra- nal. Isso com lastro no mesmo
sil em 1990 e o Pacto de São José da Diploma Republicano, em seu dis-
Costa Rica, de 1969, do qual o Brasil positivo 228, que expressamente
é também signatário, com destaque aduz a inimputabilidade aos me-
para os artigos 19 e 5º, parágrafo 5º. nores de 18 anos, em consonância
No campo nacional, deve-se com norma infraconstitucional, o
verificar a notória inconstituciona- Código Penal, que também deter-
lidade da redução da maioridade mina isso no seu artigo 27.
penal, que fere cláusula pétrea, com Acerca da imputabilidade do
fulcro no artigo 60, parágrafo 4º jovem, como primeiro elemento
da Magna Carta. Nela, consta que da culpabilidade, deve-se aferir a
não será objeto de deliberação pro- capacidade de entendimento do
posta de emenda tendente a abolir caráter ilícito do fato e de determi-
a forma federativa; a separação nar-se, de acordo com essa compre- M
dos poderes; o voto secreto, direto, ensão, quer seja, de controlar-se no
periódico e universal; e os direitos e âmbito das emoções. Neste aspecto,
garantias fundamentais do indivíduo. segundo observa Juarez Cirino dos
Este último com grifo nosso. Santos9, deriva no jovem uma maior
das Nações Unidas para a Infância - UNICEF. Em 1948, a Assembleia Geral
das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
com a inclusão implícita dos direitos e liberdades das crianças e adolescentes.
Foi a partir da década de 1950, com a criação da ONU e de sua subsidiária es-
pecífica para a criança - a UNICEF –, que ganhou ênfase a situação da criança
e do adolescente. Em 1959 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos
das Crianças. Em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança foi adotada por
unanimidade. Em 1969, foi celebrado no Continente Americano o Pacto de San
José da Costa Rica. Em 1983, a sociedade civil e ONGs se organizaram para
elaborar a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em consulta
junto à ONU. Em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada
pela Assembleia Geral da ONU. Em 1990, foi celebrada a Cúpula Mundial de
Presidentes em favor da infância e aprovado o Plano de Ação para o decênio
1990-2000, referência para os Planos Nacionais de Ação.
9 Vale conferir a entrevista concedida ao Jornal Jogo do Poder em Curitiba -
Paraná, por Juarez Cirino dos Santos, ao advogado Luiz Carlos da Rocha, no
Canal 6, CNT, realizada em 10/05/2015.

233
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

dificuldade de conter seus impul- conhecidos como fundamentais na


sos, refrear seus instintos e contro- ordem interna ou externa, consoli-
lar suas pulsões. Ademais, o jovem dam-se e concretizam-se. Logo, não
costuma ser destemido, forçando e podem ser destituídos, mediante
rompendo limites, pois falta a ele supressão total ou parcial.
maturidade e experiência. Desse modo, qualquer proposta
Nesse ínterim, de acordo com de redução representa um iminente
as modernas tendências na área perigo posto que infla ainda mais o
Psi, nos jovens o comportamento já falido e superlotado sistema peni-
tido como “normal” ou “comum” tenciário, com todas as suas agruras
é aquele considerado antissocial. e desvirtuamentos, agora sob a ame-
Daí, podem-se inferir algumas ca- aça de vir a alcançar a juventude. Por
racterísticas ilustrativas do compor- conseguinte, se tal medida é irrele-
tamento desviante do adolescente, vante do ponto de vista estatístico,
como ser geral, experimental e tran- é da maior relevância sob o aspecto
sitório. É geral na medida em que das garantias arduamente conquis-
usualmente todo jovem comete ao tadas, podendo vir a significar um
menos um ato infracional. É experi- grande atraso se aprovada.
mental de modo que o adolescente No aspecto humanitário, entre
testa o limite, experimenta-o. E por os riscos que se colocam junto à
fim é transitório porque perdura possibilidade de redução da maio-
temporariamente, de maneira que ridade penal, está o de isentar o
se extingue em um dado prazo10. Estado do compromisso que pos-
Doravante, a maioridade penal sui com a Infância e a Juventude.
fixada em 18 anos consubstancia-se Ou seja, a preocupação de rup-
em direito fundamental, cláusula tura com a prevenção primária, os
pétrea, fundante da República e dos imprescindíveis investimentos em
valores democráticos. Qualquer al- políticas públicas educacionais,
teração ensejaria um retrocesso e em programas sociais, culturais,
afrontaria também o Princípio de educativos, artísticos, conectados
Proibição do Regresso. Trata-se da à saúde, esporte e lazer, de longo
vedação do retrocesso, de modo prazo, que não se coadunam aos
que as questões afeitas aos direi- períodos dos mandatos eleitorais e
tos humanos devem ser analisadas das propostas eleitoreiras.
sempre na perspectiva da afirma- Hodiernamente, são neces-
ção de direitos. Estes, uma vez re- sárias medidas urgentes capazes

10 Vale conferir a entrevista concedida ao Jornal Jogo do Poder em Curitiba -


Paraná, por Juarez Cirino dos Santos, ao advogado Luiz Carlos da Rocha, no
Canal 6, CNT, realizada em 10/05/2015.

234
MAIORIDADE PENAL

de gerar inclusão social para mi- ridade Penal?. Brasília: Conselho


lhões de crianças e jovens, de suas Federal de Psicologia, 2015.
práticas cotidianas no presente às
BATISTA, Vera Malaguti.
perspectivas futuras, imprimindo-
Filicídio. In: RIZZINI, Irene;
-lhes qualidade de vida, agregan-
ZAMORA, Maria Helena et al.
do-lhes valores, assegurando-lhes
Crianças, adolescentes, pobreza,
o pleno desenvolvimento humano.
marginalidade e violência na
Medidas de viés humanista que
América Latina e Caribe: relações
forneçam ferramentas imprescin-
indissociáveis?. Rio de Janeiro:
díveis para que se viabilize um
Quatro Irmãos/FAPERJ, 2006.
processo de conscientização e a
construção da emancipação. Ao se BRASIL. Constituição Federal.
transformar a realidade da infân- Brasília, 1988.
cia e da juventude, está-se também BRASIL. Código Penal. Decreto-
mudando toda a sociedade. Leo 2848 de 07 de dezembro de 1940.
Entretanto, diante do des-
pertar da PEC 171 de 1993 e da BRASIL. Estatuto da Criança
segunda votação da Plenária da e do Adolescente. Lei Federal
Câmara dos Deputados em 2015, nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
foi retomada uma questão no- Brasília, 1990. M
dal, a de se optar pela redução da BRASIL. Censo do Sistema
maioridade penal ou não. Assim, Único de Assistência Social. 2014.
caberá à sociedade decidir se Disponível em http://ces.ibge.gov.
almeja medidas punitivas ou me- br/base-de-dados/metadados/mds/
didas sociais, se deseja ver a sua metadados-do-censo-suas.html.
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réus ou nos bancos escolares.
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235
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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Acesso em: 10 dezembro de 2015. Entrevista concedida a Luiz
Carlos da Rocha. Jornal Jogo do
KARAM, Maria Lucia. Relação
Poder, Canal 6, CNT. Curitiba, 10
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tema prisional. In: Fórum Nacional
https://www.youtube. com/wat-
“Desafios para a Resolução sobre
ch?v=3WkJOLNmPOI. Acesso em
a atuação do Psicólogo no Sistema
10 dezembro de 2015.
Prisional. Conselho Federal de Psi-
cologia, São Paulo, 19 de novembro
de 2010. (comunicação oral).

MASCULINIDADES

Marcos Nascimento1
Jimena de Garay-Hernández2

Ao longo da História e em di- ção da masculinidade é um evento


ferentes contextos sociais, os ho- recente e tem sua origem no ca-
mens têm sido considerados como minho aberto pelos debates femi-
protagonistas do espaço público, nistas e pelos movimentos sociais
chefes da família e provedores. O que reuniram (e reúnem) mulhe-
questionamento sobre o lugar so- res, pessoas negras e LGBT (lés-
cial dos homens e sobre a constru- bicas, gays, bissexuais, travestis e

1 Psicólogo, Doutor em Saúde Coletiva, Fundação Oswaldo Cruz


Psicóloga, Doutoranda em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

236
MASCULINIDADES

transexuais) em torno de desigual- ráter histórico e, portanto, passí-


dades como o sexismo, o racismo, vel de mudanças:
a homofobia, entre outras formas
de hierarquização social. Uma das consequências mais
A problematização das rela- significativas da desconstrução
ções sociais entre homens e mu- dessa oposição binária reside
lheres, e posteriormente entre os na possibilidade que abre para
próprios homens, lançou luz so- que se compreendam e incluam
bre um conjunto de questões. as diferentes formas de mascu-
Haveria uma “natureza” mas- linidade e feminilidade que se
culina ou feminina ou seríamos constituem socialmente. (...) Ao
fruto de um intenso e contínuo aceitarmos que a construção de
gênero é histórica e se faz inces-
processo de construção social?
santemente, estamos entendendo
Como as concepções sobre mas- que as relações entre homens
culinidade e feminilidade afetam e mulheres, os discursos e as
diferentes domínios da vida coti- representações dessas relações
diana como a sexualidade, o ca- estão em constante mudança
samento, a família, os processos (LOURO, 1997, pp. 34-35)
de educação, o trabalho, a saúde,
as vidas pública e privada? M
Para a socióloga australiana
Partimos da premissa de que
Raewyn Connell (1995), é justa-
a masculinidade não é um dado
mente essa consciência histórica
natural, mas que, ao contrário, é
que vai constituir a característica
construída, afirmada, negociada
do pensamento contemporâneo
e desconstruída ao longo da vida
sobre a masculinidade (e a femi-
como experiência social e sub-
nilidade). Desnaturalizar as con-
jetiva, pertencente a uma certa
cepções fixas sobre o masculino
cultura e datada historicamente
e o feminino significa escapar de
(CONNEL, 1995).
uma visão essencialista sobre es-
Para pensar sobre a masculi-
sas noções e pensar sobre os pro-
nidade – ou as diferentes mascu-
cessos sociais de construção do
linidades –, é necessário dialogar
que é ser homem e mulher. Signi-
com o conceito de gênero e com
fica, também, estar atenta/o às rela-
as noções polarizadas de femi-
ções desiguais de poder, como por
nino/masculino. A educadora
exemplo, aquelas presentes em atos
Guacira Lopes Louro alerta para
de violência ou a persistente desi-
a necessidade de desconstrução
gualdade salarial entre mulheres e
dessa visão de mundo binária e
homens ainda presente no mercado
polarizada, enfatizando o seu ca-
de trabalho. Essa consciência his-

237
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

tórica também nos permite pensar fatiza a ideia de que, em espaços


sobre processos de mudanças nas como os pátios das escolas durante
relações de gênero. os intervalos, as quadras de prática
Connell (1995 :71), numa de esportes, as rodas de conversas
tentativa de definição, diz que e brincadeiras entre garotos, há um
a masculinidade “é ao mesmo intenso aprendizado sobre os “ri-
tempo a posição nas relações de tos da masculinidade”, em que ho-
gênero, as práticas pelas quais mens adultos e garotos mais velhos
homens e mulheres se com- ensinam aos menores o uso de pa-
prometem com esta posição de lavras, gestos e comportamentos
gênero e os efeitos destas práticas apropriados para o “mundo dos
na experiência corporal, na per- homens”. Esse processo de ensino/
sonalidade e na cultura”. aprendizagem é extremamente im-
Neste sentido, a autora não portante para a aquisição de valo-
nega a importância da biologia, res sobre gênero e a sexualidade na
mas traz essa perspectiva para o adolescência e na vida adulta.
campo das práticas sociais. É so- Connell (1995) lança mão da
bre um corpo biológico e sexuado ideia de uma “masculinidade he-
que a prática social age, revelando gemônica”, referindo-se ao homem
posturas, posições e formas corpo- branco, heterossexual, de camada
rais apropriadas para os homens. média, educado, que serve como
Essa prática social diz respeito a guia e referência para os homens,
um intenso processo de aprendi- ainda que poucos a alcancem ple-
zagem conduzido pela família, es- namente. Marcadores sociais como
cola, religião, comunidade, mídia e idade, cor da pele, etnia, classe so-
sociedade de maneira mais ampla. cial e orientação sexual influenciam
Através das concepções sociais, a experiência social de ser homem.
culturais, políticas e econômicas Essa diversidade de experiências se
sobre o masculino e o feminino, traduz na concepção da autora so-
essas instituições vão imprimindo bre as masculinidades no plural, ou
cotidianamente suas marcas nos seja, as diferentes posições sociais
meninos (e meninas) desde a in- que os homens ocupam, revelando
fância, tornando-os homens e mu- hierarquias não somente entre ho-
lheres no cenário da vida adulta. mens e mulheres, mas também
Daniel Welzer-Lang (2001), so- entre os próprios homens.
ciólogo francês, chama a atenção Outro registro importante na
sobre a importância da “casa dos construção da masculinidade é a
homens” na construção da mascu- heteronormatividade compulsória.
linidade dos garotos. O autor en- A antropóloga francesa Elisabeth

238
MASCULINIDADES

Badinter (1993) diz que a constru- que os homens tentam obter o aval
ção da identidade masculina está para suas credenciais masculinas.
baseada em uma tripla negação: Esse dispositivo controlador sobre
não ser criança, não ser mulher e os homens, suas práticas, discur-
não ser homossexual. Essa cons- sos e modos de vida, busca regu-
trução identitária traz indícios de lar as expressões de afeto (quem
uma masculinidade sempre em nunca ouviu que homem não
negociação, ou seja, sempre passí- chora?), fomenta o silêncio de mui-
vel de refutação e/ou confirmação tos deles em mostrarem-se com
por parte de outros homens, em opiniões contrárias ao “senso co-
que os atributos de comportamento mum” com medo do julgamento
precisam ser constantemente ava- dos outros homens, reproduz um
liados, negociados, relembrados: modelo de criação dos/as filhos/as
um contínuo fazer-se, construir-se, segundo um discurso machista,
afirmar-se, confirmar-se. entre outros tantos efeitos.
Nesse sentido, a figura do Portanto, ser homem significa
homossexual funciona como incorporar um conjunto de nor-
negação e reforço da própria mas- mas e prescrições sociais sobre
culinidade. A ideia de atividade/ como se inserir no mundo, em que
passividade presente no ato sexual alguns repertórios são naturaliza- M
confere, àquele que exerce o papel dos e legitimados como próprios
de ativo, o estatuto de masculino. da “natureza masculina”, como
Por outro lado, aquele que exerce o o uso da violência para demons-
papel de passivo é percebido como trar força, coragem e defender a
feminino e, portanto, desvalori- honra de sua família ou grupo
zado socialmente (FRY, 1982). (CECCHETTO, 2004); acumular
É nesse jogo de relações entre histórias de conquistas sexuais
os homens e as configurações de (VALE DE ALMEIDA, 2000); ou
masculinidade que se estabelece apresentar discursos homofóbi-
o que Michael Kimmel (1997) cos que desqualifiquem pessoas
chama de “patrulhamento de LGBT (BORRILLO, 2010).
gênero”, ou seja, uma vigilância No sistema socioeducativo,
contínua, incessante, sobre a per- como em outros contextos, obser-
formance dos homens nos seus vamos uma complexa relação entre
discursos e práticas cotidianos em os homens concretos e as mas-
relação a um modelo idealizado culinidades que eles constroem
de “homem de verdade”. e almejam. Uma população em
É através do autopatrulha- sua maioria marginalizada e sem
mento e do patrulhamento alheio acesso a direitos, devido a seus

239
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

marcadores de raça, classe e idade, res com as quais se relacionam,


tem embarcado em estratégias para contra outros homens considera-
alcançar certo status, para exer- dos rivais e contra gays e transe-
cer certo tipo de poder, no qual se xuais, consideradas/os traidoras/
pode aproximar de um modelo de es da masculinidade. Também é
masculinidade configurada como fundamental entender que essas
projeto de distinção social (VALE masculinidades são relacionais e
DE ALMEIDA, 1996), incluindo a produzidas cotidianamente nas
adesão a instituições que oferecem práticas, inclusive dentro do sis-
um certo tipo de masculinidade, tema socioeducativo, pelo que po-
como as facções do tráfico de dro- demos pensar, a partir disso, como
gas (BARKER, 2008). Estas, por podemos, junto com eles, desnatu-
sua vez, delimitam um carregado ralizar, problematizar, pensar al-
conjunto de códigos com o intuito ternativas de masculinidades que
de preservar a “honra” masculina, não sejam assimétricas, margi-
incluindo determinados tipos de nalizadas, deslegitimadas e nem
relações, uma inquestionável leal- violentas, que ofereçam um per-
dade à corporação, a demarcação tencimento, uma forma de acesso a
de espaços e de corpos, dentre territórios. Esse exercício, também,
outras normas de gênero e seus implica uma socioeducação.
correspondentes patrulhamentos.
O que aparece como impor-
tante a ser considerado é que essas REFERÊNCIAS
masculinidades que os jovens (e
as instituições às quais pertencem BADINTER, Elisabeth. XY:
– não apenas o tráfico, mas a mí- sobre a identidade masculina. Rio
dia, as famílias, a escola, as igrejas) de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
constroem não é inerente nem fixa,
e sua construção não é alheia, mas BARKER, Gary. Homens na
parte da disputa cultural por cer- linha de fogo: juventude, mascu-
tas características que fazem parte linidade e exclusão social. Rio de
de um projeto hegemônico – como Janeiro: 7 letras, 2008.
a fartura financeira (ostentação), a BORRILLO, Daniel. Homofobia:
potência sexual, a dominação so- história e crítica de um preconceito.
bre um território público - através Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
de práticas que garantiriam um
CECCHETTO, Fátima. Violên-
poder no tecido social, inclusive a
cia e estilos de masculinidade.
violência entre eles no intuito do
Rio de Janeiro: FGV, 2004.
patrulhamento, contra as mulhe-

240
MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

CONNELL, R. W. Mascu- LOURO, Guacira Lopes.


linities. Berkeley: University of Gênero, sexualidade e educação:
California Press, 1995. uma perspectiva pós-estrutura-
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DES, Teresa; OLAVARRÍA, José. VALE DE ALMEIDA, Miguel.
Masculinidad/es: poder y crisis. Senhores de si: uma interpretação
Santiago: ISIS/Flacso, p. 49-62, 1997. antropológica da masculinidade.
Lisboa: Fim de Século, 2000.

MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E


COMBATE À TORTURA

M
Graziela Contessoto Sereno1
Renata Lira2
Vera Lucia Alves3
Patrícia Oliveira4
Alexandre Campbell5
Fabio Cascardo6

O Mecanismo Estadual de Pre- de 30 de junho de 2010, vinculado


venção e Combate à Tortura do Rio à Assembleia Legislativa do Estado
de Janeiro (MEPCT/RJ) é um órgão do Rio de Janeiro, que tem como
criado pela Lei Estadual N.º 5.778 objetivo planejar, realizar e condu-

1 Psicóloga, mestre em psicologia pela UFRJ e membro do Mecanismo Estadual


de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro.
2 Mestre em Direito pela PUC e membro do Mecanismo Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura do Rio de Janeiro.
3 Membro do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro.
4 Membro do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro.
5 Membro do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro.
6 Membro do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro.

241
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

zir visitas periódicas e regulares a Para tanto, o propósito fun-


espaços de privação de liberdade, damental do mandato preventivo
qualquer que seja a forma ou fun- é o de “identificação do risco de
damento de detenção, aprisiona- tortura” e, a partir da ação proa-
mento, contenção ou colocação em tiva de monitoramento de centros
estabelecimento público ou privado de privação de liberdade, preve-
de controle, vigilância, internação, nir que as violações aconteçam. O
abrigo ou tratamento, para verificar enfoque preventivo do MEPCT/
as condições em que se encontram RJ se baseia na premissa de um
submetidas as pessoas privadas de diálogo cooperativo com as auto-
liberdade, com intuito de prevenir ridades competentes para coibição
a tortura e outros tratamentos ou da tortura e outros tratamentos
penas cruéis, desumanos e degra- degradantes e cruéis à pessoa pri-
dantes. Segundo o Protocolo Facul- vada de sua liberdade. Desta forma,
tativo à Convenção contra a Tortura, como expressa o inciso II, do art. 2º
os Mecanismos também têm como da lei que o institui, busca-se a:
atribuição recomendar medidas
para a adequação dos espaços de articulação, em regime de colabo-
privação de liberdade aos parâme- ração, entre as esferas de governo
tros internacionais e nacionais e e de poder, principalmente, entre
acompanhar as medidas implanta- os órgãos responsáveis pela
das para atender às recomendações. segurança pública, pela custódia
Como prevenção da tortura e de pessoas privadas de liberdade,
de outros tratamentos ou penais por locais de longa permanência
cruéis, desumanos e degradantes, e pela proteção de direitos huma-
entende-se: nos. (Lei Estadual n.º 5.778/2010)

Desde a análise de instrumentos O MEPCT/RJ resulta do processo


internacionais de proteção até o de estabelecimento, pelo Estado Bra-
exame das condições materiais de sileiro, das diretrizes contidas no
detenção, considerando políticas Protocolo Facultativo à Convenção
públicas, orçamentos, regulações, contra Tortura e Outros Tratamen-
orientações escritas e conceitos tos ou Penais Cruéis, Desumanos
teóricos que explicam os atos e ou Degradantes da Organização
omissões que impedem a apli-
das Nações Unidas, ratificado pelo
cação de princípios universais
em condições locais. (Protocolo
país no ano de 2007. O referido
Facultativo à Convenção da ONU Protocolo decorre do acúmulo es-
contra a Tortura: manual de tabelecido na Conferência Mundial
implementação. p.73. 2010). de Direitos Humanos da ONU rea-

242
MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

lizada em 1993, na qual se declarou competentes para coibição da tor-


firmemente que os esforços para er- tura e outros tratamentos, cruéis,
radicar a tortura deveriam primeira desumanos e degradantes à pes-
e principalmente concentrar-se na soa privada de liberdade. Desta
prevenção, designando para tanto, forma, como expressa o inciso II,
o estabelecimento de um sistema do art. 2º da Lei Nº 5.778/10 que o
preventivo de visitas regulares a institui, busca-se a:
centros de detenção.
Além disso, a construção de articulação, em regime de colabo-
Mecanismos Preventivos de moni- ração, entre as esferas de governo
toramento dos locais de privação de e de poder, principalmente, entre
liberdade integra as prerrogativas os órgãos responsáveis pela segu-
do “Plano de Ações de Integra- rança pública, pela custódia de
das para a Prevenção e o Combate pessoas privadas de liberdade, por
à Tortura no Brasil”, de 2006, bem locais de longa permanência e pela
como o Plano Nacional de Direitos proteção de direitos humanos.
Humanos III, PNDH 3, da Secreta-
ria Nacional de Direitos Humanos. A Declaração Universal de Di-
Neste sentido, o Estado do Rio de reitos Humanos de 1948, no seu
Janeiro coloca-se em posição de pio- M
artigo 5°, diz que ninguém será
neirismo na Federação, salientando submetido à tortura nem à puni-
o compromisso com a implementa- ção ou a tratamento cruéis, desu-
ção do Plano de Ações Integradas manos ou degradantes, o que foi
para a Prevenção e Combate à Tor- corroborado pela Constituição Fe-
tura no Brasil, com a defesa dos deral de 1988, no inciso III art. 5º.
direitos humanos e a consolidação No entanto, é sabido que diversas
dos princípios democráticos. pessoas são submetidas a esses
Para tanto, o propósito fun- tratamentos em nosso País, espe-
damental do mandato preventivo cialmente pelo Estado. A tortura,
é a “identificação do risco de tor- que necessariamente prevê uma
tura” 7 e, a partir da ação proativa relação verticalizada de poder
de monitoramento de centros de entre o perpetrador e sua vítima,
privação de liberdade, prevenir possui uma característica essen-
que as violações aconteçam. O cial: é um crime de oportunidade,
enfoque preventivo do MEPCT se sendo sua prática mais costumeira
baseia na premissa de um diálogo em locais de invisibilidade, como
cooperativo com as autoridades os locais de restrição de liberdade

7 Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo


relatório anual do SPT ao Comitê contra a Tortura. Acesso em 10 de junho de 2016.

243
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

sob a gestão do Estado, que possui Estadual, Distrital e Municipal,


o uso legítimo da força. especialmente nas áreas da saúde,
Em nosso país, a gestão educação, assistência social,
governamental da política para trabalho, segurança pública, pla-
infância e adolescência é responsa- nejamento, orçamentária, relações
bilidade da Secretaria Nacional de exteriores e promoção da igual-
Promoção dos Direitos da Criança dade e valorização da diversidade.
e do Adolescente (SNPDCA). Esta, Em nosso país, a Lei nº 8069
por sua vez, está subordinada à de 1990 - ECA - prevê como órgãos
Secretaria de Direitos Humanos da fiscais ou controladores da polí-
República, assim como o Conselho tica de atendimento à criança e ao
Nacional dos Direitos da Criança adolescente o Ministério Público,
e do Adolescente (CONANDA), o Judiciário, os Conselhos Tute-
que é a instância máxima de for- lares e os Conselhos dos Direitos
mulação, deliberação e controle das crianças e dos adolescentes e,
das políticas públicas para esse além deles, novos atores se inserem
segmento populacional na esfera nesse cenário com a criação dos
federal. Esse Conselho, criado pela Mecanismos preventivos de moni-
Lei n. 8.242 de 12/10/1991, tem a res- toramento dos locais de privação
ponsabilidade de tornar efetivos de liberdade, como, por exemplo,
os direitos, princípios e diretrizes o Mecanismo Nacional e os Meca-
contidos no ECA. nismos Estaduais de Prevenção e
No ano de 2006, o CONANDA Combate à Tortura, que também
lançou a Resolução nº 113 e a passam a fazer parte do SGD.
Resolução nº 117. Ambas dispõem O Brasil é considerado um dos
sobre os parâmetros para a institu- países mais avançados no que se
cionalização e o fortalecimento do refere às legislações para garan-
Sistema de Garantia dos Direitos tia dos direitos humanos para
da Criança e do Adolescente crianças e adolescentes. O país
(SGD). Este sistema se consti- foi o primeiro a adotar uma legis-
tui na articulação e integração lação específica para esse público
das instâncias públicas governa- nos parâmetros da Convenção
mentais e da sociedade civil, na Internacional das Nações Unidas
aplicação de instrumentos nor- para os Direitos da Criança –
mativos e no funcionamento dos aprovada pela Assembleia Geral
mecanismos de promoção, defesa da ONU em 20 de novembro de
e controle para a efetivação dos 1989 – com a promulgação do
direitos humanos da criança e do Estatuto da Criança e do Adoles-
adolescente, nos níveis Federal, cente (ECA - Lei 8069), em julho

244
MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

de 1990 8, oito meses após o refe- Nacional de Atendimento Socioe-


rido marco internacional. ducativo (SINASE), em 2006, pela
A Constituição Federal de Secretaria de Direitos Humanos
1988 estabelece no art. 227 ser “de- e pelo Conselho Nacional dos Di-
ver da família, da sociedade e do reitos da Criança e do Adolescente
Estado assegurar com absoluta (CONANDA) 11. Tal documento é
prioridade os direitos da criança fruto de um intenso debate entre
e do adolescente”. O Estatuto da os mais variados setores e expressa
Criança e do Adolescente (ECA) uma série de normas e parâmetros
considera crianças e adolescentes para execução de medidas socioe-
em situação peculiar de desen- ducativas inseridas em uma pers-
volvimento, devendo, portanto, pectiva de direitos humanos. Em
receber proteção integral9. A le- janeiro de 2012, foi aprovada a Lei
gislação brasileira considera esse federal Nº 12.594/201212, que insti-
público não passível de cumpri- tui e regulamenta o SINASE.
mento de pena (inimputável) e Uma série de dispositivos que
compreende o ato infracional en- zelam pela promoção, defesa e
quanto prática análoga ao crime. controle social desses direitos com-
Os adolescentes estão sujeitos a postos de órgãos governamentais
cumprimento de medidas socio- e não governamentais constituem M
educativas10, que são aplicadas o Sistema de Garantias de Direitos
levando em conta a sua capacidade da Criança e do Adolescente (SGD).
de cumpri-la, as circunstâncias e a Apesar dos avanços alcançados
gravidade do ato infracional. em termos de dispositivos legais, a
No que se refere ao tema do efetivação dos direitos das crianças
adolescente autor de ato infracio- e adolescentes enfrenta inúmeros
nal, há que se destacar a impor- desafios. O principal público de
tância da aprovação do Sistema atendimento do sistema socioedu-

8 Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm.


9 O referido marco legal considera criança de 0 a 12 anos incompletos e, ado-
lescente, de 12 anos a 18 anos incompletos. Nos casos expressos em lei, pode-se
aplicar excepcionalmente até os vinte e um anos de idade.
10 As medidas socioeducativas são: advertência, obrigação de reparar o dano,
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e inter-
nação em estabelecimento educacional.
11 Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/
pdf/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo-diretrizes-e-eixos-ope-
rativos-para-o-sinase.
12 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/
lei/l12594.htm.

245
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

cativo, os jovens negros e pobres, 40051FA5A? Open Document.


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Desde 2011, o MEPCT/RJ
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nação provisória que compõem
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de acompanhar a implantação do
de abril de 2014.
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R IO DE JANEI RO (Estado).
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R E F E R ÊNC I A S nismo Estadual de Prevenção e
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8.069/1990. Brasília: Secretaria de Legislativa do Estado do Rio de Ja-
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COMMITTE AGAINST TOR-
TURE & SUBCOMMITTE ON
PREVENTION OF TORTURE.
Comunicado de imprensa de
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em: www.unog.ch.http://www.
u nog.c h/80256EDD0 06B9C2E/
( h t t p N e w s B yYe a r _ e n) / 0 2 A -
16 C 2 5 5 B9 5E9 0 0 C12 57 5 B -

246
MEDIAÇÃO

MEDIAÇÃO

Flávia Fróis Gallo1


Glória Mosquéra2

É um processo que tem como O Mediador trabalha com ses-


foco a construção do diálogo sões conjuntas e individuais. A
produtivo entre pessoas em con- importância da entrevista indivi-
flito, buscando trabalhar com dual é evitar o que alguns autores
os interesses de ambas as par- chamam de “colonização das nar-
tes, transformando um processo rativas” (Foucault, 2007), já que in-
adversarial em um processo coo- dividualmente as pessoas poderão
perativo. O mediador (especialista expressar melhor seus sentimen-
neutro, capacitado) atua de forma tos, seus desejos e angustias, sem
imparcial, facilitando a comunica- se preocuparem com o que o outro
ção entre os envolvidos. pensa ou poderá dizer.
Durante as sessões, fica claro A responsabilidade pelo
M
que todos serão ouvidos e que a ver- resultado do processo é dos pró-
dade de uma das partes não significa prios participantes. A Mediação é
que a narrativa ou o posiciona- como água, se usada no momento
mento da outra parte sejam falsos. certo impede que o incêndio se
O mediador trabalha com o crité- torne devastador.
rio da imparcialidade. O método é É necessário que o Mediador
voluntário e ambas as partes preci- tenha desenvolvida a escuta ativa,
sam formalizar seu compromisso que é uma ferramenta da comuni-
em participar do processo. cação (Almeida, 2014), cuja utiliza-
ção é possível em vários contextos,

1 Psicóloga Clínica; Especialista em Psicologia Jurídica UERJ; Pós Graduada em


Práticas Colaborativas; Mediadora Sênior/Supervisora do TJRJ; Coordenadora
do Núcleo de Mediação da SEAP, Coordenadora da Docência da Comissão de
Mediação da OAB-RJ, Psicóloga na SEAP. flaviafgallo@gmail.com
2 Psicóloga, Terapeuta de Família, Mediadora, Idealizadora, ex-coordenadora,
Docente da Pós graduação em Mediação na Faculdade Cândido Mendes, Instrutora
de Mediação do TJRJ - CNJ, Supervisora de Mediadores do TJRJ, Mediadora Sênior
do TJRJ,Coordenadora da Mediação do TED- Comissão de Mediação da OAB.
Docente e Supervisora do Mediare. RJ. gloriamdmosquera@gmail.com

247
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

sendo fundamental para a Media- cidades e habilidades, conseguem


ção. Pressupõe disponibilidade, in- avançar no processo dialético de
teresse pela pessoa e pelo diálogo. ajuste, que sela a pacificação da
Propicia o acolhimento, validando relação (Gomma, 2010).
a participação dos envolvidos em Na área familiar, a Mediação
seus aportes e informação. Oferece é de suma importância. Uma
perguntas com o objetivo de gerar ação judicial de alimentos, por
comunicação, possibilitando pro- exemplo, pode se desdobrar em
gressos e movimentos produtivos, muitos outros processos, como
que muito auxiliam nos processos regulamentação de convivência,
de construção de diálogo. alteração de guarda e outros, se os
O acordo na Mediação é visto envolvidos não tiverem oportuni-
como uma possibilidade e não dade de construir a via do diálogo.
como um fim. Ela visa trabalhar A Mediação certamente poupará
os interesses e necessidades das essas pessoas de anos a fio de uma
partes, especialmente, a restaura- relação beligerante que prejudica a
ção do diálogo. O que se observa todos, especialmente aos filhos.
é que a transformação na relação A Mediação se mostrou
entre os mediados viabiliza o res- tão eficaz e indispensável que
tabelecimento dos laços afetivos. o próprio poder Judiciário a
O acordo é consequência desses encampou, tornando-a Lei atra-
laços retomados. Trata-se de um vés do Novo Código de Processo
método aplicável a quase todas Civil, o qual trata justamente das
as espécies de conflito, especial- alternativas pacíficas de reso-
mente àqueles em que há, entre lução de conflitos, valorizando
os envolvidos, uma ligação inter- a autocomposição através da
pessoal duradoura no tempo, Mediação (Lei 13.140 de 2015).
como por exemplo, os que dizem Hoje, a Mediação é muito res-
respeito às questões de família e peitada, deixando claro que me-
vizinhança (Brandão, 2012). diar é preciso, que a pacificação
A Mediação é usada tanto das relações está mais em nossas
para prevenção quanto para reso- mãos do que na de um terceiro,
lução de conflitos, constituindo-se estranho, por meio de uma deci-
um meio célere, desburocratizado são judicial. Uma sentença é deter-
e consensual de retomada do minação, ordem. Por mais que ela
diálogo, de forma autônoma e seja tecnicamente correta, é a deci-
madura, pelos próprios envolvi- são de uma pessoa, o Juiz, que irá
dos na contenda, os quais, uma interferir na vida de todos. Desta
vez empoderados em suas capa- forma, muito provavelmente al-

248
MEDIAÇÃO

guém sairá satisfeito com o resul- ção de seus conflitos, promovendo


tado, sendo que necessariamente maior humanidade nas contendas.
alguém estará profundamente in-
satisfeito. Chamamos esse pro-
cesso de ganha-perde. E o que REFERÊNCIAS
normalmente ocorre é que a pes-
soa que “perdeu” a ação sente-se ALMEIDA, Tania. Caixa de
injustiçada e com variados senti- Ferramentas em Mediação -
mentos que podem provocar rea- Aportes práticos e teóricos. Rio de
ções levando a um novo conflito, Janeiro:Dash Editora, 2014.
desta vez, já escalado. BRANDÃO, Berenice N. de
A Mediação de Conflitos tem Andrade., Revista do MPMG. Edição
como proposta básica que as par- Especial de 2012. MPMG - Ministério
tes sejam as autoras da solução que Público de MG. Jurídico . CEAF .
atenda a todos, e assim acabam por FOUCAULT, Michel. Micro-
promover um ganha-ganha, em que física do Poder. (Trad. Roberto
todos se sentem atendidos em suas Machado). São Paulo: Graal, 2007.
necessidades da melhor forma GOMMA, André. (Org). MA-
possível. A Mediação oferece a NUAL DE MEDIAÇÃO JUDI-
oportunidade das partes de serem CIAL. Ministério da Justiça, 2010.
M
elas mesmas as autoras da solu-

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Ana Utzeri1

A Lei nº 8.069, de 13 de julho e especiais que, em razão de sua


de 1990, que deu origem ao Esta- condição específica de pessoas em
tuto da Criança e do Adolescente, desenvolvimento, estão a necessi-
significou uma verdadeira revo- tar de uma proteção especializada,
lução ao adotar a doutrina da diferenciada e integral. O Esta-
proteção integral. Essa postura tuto da Criança e do Adolescente
tem como alicerce a convicção de (ECA) define por ato infracional
que a criança e o adolescente são “a conduta descrita como crime
merecedores de direitos próprios ou contravenção penal” prati-

1 Advogada. Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA- RJ)

249
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

cada por adolescente. No entanto, dico e reprovável – daí culpável


temos que ter em mente que a (SARAIVA, 2002, p. 32)
medida aplicada ao adolescente
autor de ato infracional não é idên- Sendo assim, realizado o ato
tica àquela sofrida pela pessoa infracional, inicia-se o procedi-
imputável – maior de 18 (dezoito) mento de apuração deste por meio
anos de idade. O tratamento esta- da Representação elaborada por
tal deve ser diferenciado porque membro do Ministério Público.
o adolescente, que ainda está for- Finalizado este procedimento,
mando sua personalidade, merece, caberá ao Magistrado da Vara Es-
obviamente, cuidados especiais. pecializada da Infância e da Ju-
Assim foi que a nossa legislação, ventude julgar e aplicar a medida
muito sabiamente, tratou da ques- socioeducativa adequada ao caso
tão do ato infracional, chamando concreto. É necessário que restem
a atenção para um atendimento suficientemente comprovadas a
diferenciado, sem descaracterizar autoria e a materialidade do ato
o processo de responsabilização infracional. No art. 112 do Esta-
que emerge das práticas infra- tuto da Criança e do Adolescente,
cionais. Adolescentes respondem em seu caput, estão dispostas as
pelos atos infracionais praticados medidas de caráter socioeducativo
através das medidas socioeduca- e também protetivo. As medidas
tivas, respectivamente, dentro de socioeducativas destinam-se, ex-
um procedimento legal específico clusivamente, ao adolescente autor
especial, garantindo-se o princí- de ato infracional e devem ser apli-
pio do devido processo legal e da cadas observando-se a capacidade
ampla defesa. desse adolescente em cumpri-las,
Nas palavras de João Batista dadas as circunstâncias e a gravi-
Costa Saraiva: dade da infração cometida no con-
texto da proteção integral.
O garantismo penal impregna As medidas socioeducativas
a normativa relativa ao adoles- estão pautadas, principalmente,
cente autor de ato infracional em uma proposta pedagógica, que
como forma de proteção deste visa à reinserção social do adoles-
face à ação do estado. A ação do cente, partindo da ressignificação
estado, autorizando-se a sancio-
de valores e da reflexão interna.
nar o adolescente e infligir-lhe
Temos que observar que o
uma medida socioeducativa, fica
condicionada à apuração, dentro rol do art. 112 do ECA é taxativo
do devido processo legal, que e não exemplificativo, não sendo
esse agir típico se faz antijurí- permitida a imposição de medidas

250
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

diversas daquelas dispostas no prestação de serviços à comu-


artigo. As medidas socioeducati- nidade e liberdade assistida) ou
vas previstas no artigo são: em meio privativo de liberdade
(semiliberdade e internação).
i. advertência;
ii. obrigação de reparar o dano;
iii. prestação de serviços à Medidas em meio aberto
comunidade;
iv. liberdade assistida; Nessa perspectiva, as medi-
v. inserção em regime de das socioeducativas em meio
semiliberdade; aberto constituem-se em uma ino-
vi. internação em estabeleci- vação estabelecida pelo Estatuto
mento educacional; da Criança e do Adolescente,
vii. qualquer uma das previs- tendo em vista que elas se tornam
tas no art. 101 I a VI as mais adequadas para o cumpri-
mento, tanto no que diz respeito
à construção do projeto de vida
É importante informar que as do adolescente – que não per-
medidas protetivas previstas no derá os vínculos locais – quanto
art. 101, de I a VI do ECA, também no incentivo à responsabilização
M
podem ser aplicadas cumulati- e participação da comunidade
vamente ou não ao adolescente no processo socioeducativo. As
que cometeu ato infracional. medidas em meio aberto mais
Excepcionalmente, a sua aplica- especificamente são:
ção e o seu cumprimento poderão A ADVERTÊNCIA, que con-
ser estendidos até os 21 anos, caso siste na repreensão verbal; uma
o cometimento do ato infracional forma de alerta dada pelo juiz
seja próximo à data em que o ado- (artigo 115 do ECA).
lescente complete a maioridade. A OBRIGAÇÃO DE REPARAR
Também é fundamental escla- O DANO - quando o ato infracio-
recer que criança que se envolve nal envolver danos materiais, o
na prática de alguma infração juiz pode determinar que o ado-
receberá as medidas protetivas lescente devolva a coisa, indenize
previstas no artigo 101 do ECA e ou compense o prejuízo da vítima
jamais medida socioeducativa. (artigo 116 do ECA).
Como iremos verificar, essas A PRESTAÇÃO DE SER-
medidas podem ser cumpridas VIÇO À COMUNIDADE (PSC) - a
em meio aberto (advertência, Vara da Infância e da Juventude
obrigação de reparar o dano, mantém convênio com diversas

251
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

instituições que se dispõem a ECA). É uma medida socioedu-


receber adolescentes autores de cativa em meio aberto que visa
ato infracional. Cada instituição o acompanhamento do adoles-
possui um tutor, que se torna cente sem afastá-lo do convívio
responsável por acompanhar as familiar e comunitário, sob a su-
atividades desenvolvidas pelo pervisão de uma equipe técnica
adolescente no que tange as tare- interdisciplinar. O acompanha-
fas que serão executadas durante mento dessa medida é feito igual-
o cumprimento da medida e por mente nos Centros de Referência
realizar a avaliação ao seu final Especializados de Assistência So-
através de um relatório (artigo cial – CREAS. Cabe ao CREAS
117 do ECA). As tarefas devem o acompanhamento do adoles-
ser atribuídas de acordo com a cente, contribuindo com o traba-
aptidão dos adolescentes, compre- lho de responsabilização quanto
endendo, no máximo, seis horas ao ato infracional praticado, cujos
semanais, não podendo prejudicar direitos e obrigações devem ser
a frequência escolar e/ou a jornada assegurados de acordo com as le-
de trabalho. O acompanhamento gislações e normativas especificas.
dessa medida é feito nos Centros Durante o período em que estiver
de Referência Especializados de em cumprimento da liberdade as-
Assistência Social (CREAS). Cabe sistida, o adolescente deverá ser
à equipe técnica interdisciplinar inserido em programas de escola-
do CREAS o acompanhamento rização e profissionalização, além
do adolescente, contribuindo no de receber atendimentos sistemá-
trabalho de responsabilização ticos individuais e/ou com sua fa-
quanto ao ato infracional prati- mília. A reavaliação da medida é
cado, cujos direitos e obrigações realizada com base nos relatórios
devem ser assegurados de acordo técnicos encaminhados semes-
com as legislações e normativas tralmente ao Juizado. O cumpri-
especificas. A reavaliação dessa mento da medida de LA deve ser
medida é realizada com base nos de 6 meses, no mínimo. A medida
relatórios técnicos encaminha- socioeducativa é prevista nos ar-
dos ao Juizado. Prazo máximo de tigos 112, 118 e 119 do Estatuto da
cumprimento de PSC: 6 meses. Criança e do Adolescente.
A LIBERDADE ASSISTIDA Cabe observar que a pro-
(LA) é aplicada sempre que for posta da política nacional é de
a medida mais adequada para que o atendimento às medidas em
acompanhar, auxiliar e orien- meio aberto ocorram no âmbito
tar o adolescente (artigo 118 do municipal, sendo da competência

252
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

deste ente federado a criação e a absolutamente claros em caracte-


manutenção de programas de aten- rizar a medida de privação de li-
dimento para a execução dessas berdade como sendo de: a) última
medidas. É importante ressaltar instância; b) caráter excepcional; e
que, estas diretrizes da política c) mínima duração possível. As-
de atendimento estão previstas no sim, igualmente na normativa bra-
art.88 do ECA. Neste ínterim, as sileira, temos esses princípios da
medidas de Liberdade Assistida e brevidade, da excepcionalidade e
de Prestação de Serviço à Comuni- do respeito à condição peculiar da
dade no Estado do Rio de Janeiro pessoa em desenvolvimento a se-
são executados pela Prefeitura, rem considerados na decisão e na
mais especificamente pelo CREAS. implementação da medida socio-
educativa. Atualmente, no Estado
do Rio de Janeiro, as medidas res-
Medidas em meio restritivo de tritivas de liberdade são executa-
liberdade das pelo Departamento Geral de
Ações Socioeducativas (DEGASE),
Rompendo com essa lógica que é um órgão vinculado à Secre-
do encarceramento, o Estatuto da taria de Estado de Educação.
Criança e do Adolescente consi- A SEMILIBERDADE é uma M
dera as medidas em meio restritivo medida socioeducativa que pode
de liberdade como medidas que ser aplicada desde o início ou como
somente devem ser aplicadas em forma de transição para o meio
caráter de excepcionalidade e bre- aberto. É cumprido em regime de
vidade. O caráter breve e excepcio- privação parcial de liberdade nos
nal das medidas de semiliberdade Centros de Recursos Integrados
e internação surge do reconheci- de Atendimento ao Adolescente
mento dos provados efeitos ne- - CRIAADs. Nesse regime, o
gativos da privação de liberdade, adolescente tem a possibilidade
principalmente no caso da pessoa de realizar atividades externas,
humana em condição peculiar de independentemente de autoriza-
desenvolvimento. Os mais impor- ção judicial, sendo obrigatória a
tantes instrumentos internacio- escolarização e a profissionaliza-
nais que se referem explicitamente ção (art. 120 do ECA), sempre com
ao tema da privação da liberdade o compromisso do retorno, tendo
dos jovens (Convenção Internacio- em vista que, aos finais de semana,
nal, Regras de Beijing e Regras Mí- é permitida a sua permanência
nimas das Nações Unidas para os junto ao convívio de seus familia-
Jovens Privados de Liberdade) são res em sua residência. A medida

253
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

de semiliberdade não poderá ser nação são mais conhecidas como


imposta por prazo determinado internação provisória, definitiva e
e deve a sua manutenção ser rea- internação-sanção.
valiada pela autoridade judicial, No que se refere à internação
no máximo, a cada seis meses, provisória, esta se encontra disci-
através dos relatórios técnicos plinada nos artigos 108, 174, 183
elaborados pela equipe técnica e 184 do ECA e deverá ser cum-
interdisciplinar da unidade. prida dentro do prazo máximo de
A INTERNAÇÃO é a medida 45 dias, respeitando as hipóteses
socioeducativa mais gravosa e, por definidas em lei para a sua decre-
isso, deve se ater aos critérios defi- tação: a) quando existirem indícios
nidos no art.122 do ECA, o qual suficientes de autoria e materiali-
dispõe que somente poderá ser dade, devendo restar demostrada
aplicada quando: a imprescindibilidade da medida,
ou b) quando a garantia da segu-
rança pessoal do adolescente ou
a. tratar-se de ato infracional
a manutenção da ordem pública
cometido mediante grave ameaça
assim o exigirem, em função da
ou violência à pessoa;
gravidade do ato infracional e de
b. por reiteração no cometi-
sua repercussão social.
mento de outras infrações graves; e
Já nos artigos 121 a 125 estão
c. por descumprimento rei-
as normas relativas à medida de
terado e injustificável da medida
internação definitiva e àquela pro-
anteriormente imposta, sendo,
veniente da regressão por sanção.
neste caso, de, no máximo, 3 meses.
A definitiva não comporta prazo
determinado – no entanto, não
Como já foi dito, essa medida está pode ultrapassar o período de três
sujeita aos princípios da brevidade, anos e necessariamente precisa
da excepcionalidade e do respeito ser reavaliada, no máximo, a cada
à condição peculiar do adolescente seis meses –, tendo como requi-
como pessoa em desenvolvimento. sitos tratar-se de ato infracional
No entanto, podemos escla- cometido mediante grave ameaça
recer que, na prática, existem três ou violência à pessoa ou por rei-
momentos processuais nos quais teração no cometimento de outras
a internação pode ser decretada: infrações graves. No tocante à
um anterior à prolação da sen- internação-sanção, esta poderá ser
tença, outro que lhe é simultâneo aplicada caso o adolescente des-
e um terceiro que lhe é posterior. cumpra por diversas vezes e sem
Essas distintas formas de inter- motivo justificado uma medida

254
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

socioeducativa anteriormente trabalho integral e o desenvolvi-


imposta, podendo, no entanto, ser mento humano desses adolescen-
imposta por um prazo máximo de tes, buscando orientá-los quanto
3 meses (artigo 122, § 1° do ECA). aos seus direitos e deveres perante
Para a sua aplicação, é preciso que a sociedade para que possam ser
seja ouvida a justificativa do ado- reintegrados a esse conjunto de ma-
lescente no que se refere ao motivo neira que se sintam pertencentes a
do descumprimento da medida. ela, sendo uma alternativa passar a
Além disso, a internação-san- integrar essa parcela da sociedade
ção não pode ser convertida em ao meio comunitário em perma-
medida socioeducativa de interna- nente construção.
ção por prazo indeterminado. Nesse sentido, podemos con-
É importante frisar que as cluir que a opção pelas medidas
medidas socioeducativas são rea- socioeducativas em meio aberto são
valiadas para fim de progressão ou uma resposta ao modelo de encarce-
extinção de medida socioeducativa ramento e corrobora por completo
através dos relatórios técnicos en- a doutrina de proteção integral
caminhados ao Juizado da Infância prevista no ECA, uma vez que este
e da Juventude. Estes relatórios, Estatuto prevê a internação como
além de possuírem uma perio- medida excepcional e breve. Desta M
dicidade máxima semestral para forma, a valorização pelas medi-
serem elaborados, devem, igual- das em meio aberto representa a
mente, estabelecer um Plano consolidação de um modelo trans-
Individual de Atendimento (PIA) formador que realmente possibilita
para cada adolescente em cumpri- construções de novos parâmetros e
mento de medida socioeducativa. paradigmas a esses adolescentes.
Por fim, podemos concluir que,
tendo por base a Doutrina da Pro-
teção Integral, verifica-se que, para REFERÊNCIAS
atingir a finalidade da medida so-
cioeducativa, é de extrema im- BRASIL. Estatuto da Criança
portância que se estabeleça uma e do Adolescente: Lei nº 8.069/90,
proposta de fato socioeducativa, de 13 de julho de 1990. Brasília:
contando com orientação pedagó- Senado Federal, 1993.
gica, psicológica, profissionalizante
e acompanhamento individuali- SARAIVA, João Batista Costa.
zado aos adolescentes. Sendo assim, Adolescente e ato infracional:
podemos afirmar que se busca atra- garantias processuais e medi-
vés das medidas socioeducativas o das socioeducativas. 2ª ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

255
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

MENOR

Paula Vargens1

O conceito de menor refere-se saem do lugar de “bem da família”


tanto às crianças órfãs, em vulne- e começam a ser vistos também
rabilidade, como infratoras. His- como responsabilidade do Estado.
toricamente, o termo foi utilizado O referido Código, contudo,
para designar a infância pobre, pautado na Doutrina da Situa-
uma vez que, até a promulgação ção Irregular, direciona esse olhar
do Estatuto da Criança e do Ado- apenas para a infância pobre e é
lescente (ECA, Lei 8069/90), não marcado fortemente por um viés
havia distinção legal, nem mesmo colonialista que associa a pobreza
nas políticas de atendimento, en- ao abandono e à delinquência, não
tre as categorias, sendo todos cha- considerando, ainda, crianças e
mados de “menores”. Diante do adolescentes como sujeitos de di-
público ao qual estas políticas reitos. Oficializa o atendimento aos
se direcionavam, consolidava-se chamados “menores” em três mo-
uma forte distinção entre o “me- dalidades: (i) abrigo - Instituto Sete
nor” e a “criança”. Esta separação de Setembro; (ii) escolas de pre-
só acabará na letra da lei do ECA, servação – Escola Quinze de No-
quando todos passam a ser trados vembro; e (iii) escolas de reforma
como crianças e adolescentes e en- – Escola João Luiz Alves. Cria
tendidos como sujeitos de direitos. ainda uma escola de preservação
A preocupação com o atendi- para menores do sexo feminino,
mento à infância “pobre e desva- sendo nesta destinado um pavi-
lida” não se inicia com o Código lhão pra as que fossem processa-
Mello Mattos (1927), contudo esta das e julgadas por infração penal.
é a primeira legislação que siste- A escola de reforma, “desti-
matiza a mesma, definindo as di- nada a receber, para regenerar pelo
retrizes legais para o atendimento trabalho, educação e instrucção,
ao “menor, de um ou outro sexo, os menores do sexo masculino, de
abandonado ou delinquente, que mais de 14 anos e menos de 18” (art.
tiver menos de 18 anos de idade” 204), tinha a capacidade de atender
(art. 1º). A criança e o adolescente até “200 delinquentes”. Tais Escolas

1 Pedagoga Novo Degase. Mestre em Educação.

256
MENOR

estão subordinadas ao Juizado lescentes, reforçando o caráter da


de Menores, tendo o ingresso e o segurança e da punição.
desligamento vinculados direta- Em 1941, através do decre-
mente à ordem judicial, de onde to-lei 3.799 de 1941 é criado o
se depreende um forte peso do Sistema de Assistência ao Menor
sancionatório no atendimento ofe- (SAM), vinculado ao Ministério da
recido. O vínculo das escolas com Justiça, com “atribuição de pres-
o Ministério da Justiça e Negócios tar, em todo o território nacional,
Interiores aponta como a questão amparo social aos menores des-
dos menores (incluindo tanto os validos e infratores”. Se por um
infratores quanto os não-infratores) lado representa um avanço estatal
é tratada a partir de um prisma cri- no serviço social de atendimento
minalizante destas populações. infantil, por outro, dá seguimento
Na prática, apesar de legal- à mesma lógica de atendimento de
mente haver uma distinção no que modo a permanecer a concepção
tange aos objetivos das Escolas de infância e o tratamento dispen-
XV e João Luiz Alves, além do sado em especial à infância pobre.
Instituto Sete de Setembro, “desti- Foram incorporados ao novo
nado a recolher em depósito, por Sistema de assistência a Escola XV
ordem do Juiz de Menores, (...) os de Novembro, a Escola João Luiz M
menores abandonados”, o critério Alves, o Patronato Agrícola Artur
de separação dos adolescentes, Bernardes, e o Patronato Agrícola
muitas vezes, era ambíguo. A Vesceslau Brás, os quais passaram
indeterminação no atendimento ser subordinados técnica e admi-
acaba por simbolizar mais um nistrativamente ao SAM. Assim,
elemento desta percepção da juntamente com a expansão da
infância pobre, reforçando a cons- escola, temos a expansão da rede
trução do imaginário do “menor”. de atendimento aos “menores”.
O decreto de 1934 determinava O SAM reforça a finalidade
que as Escolas XV de Novembro, educativa e profissionalizante das
Sete de Setembro e João Luiz Alves instituições destinadas ao aten-
fossem incorporadas ao Ministério dimento dos menores, chegando
da Educação e Saúde Pública. inclusive a determinar como uma
No entanto, não se efetivou. A das atribuições do Juizado de
manutenção das Escolas junto ao Menores a fiscalização da parte
Ministério da Justiça parece estar disciplinar e educativa. Reconhece
muito mais atrelada à concepção ainda a necessidade dos estabeleci-
que se tem destas crianças e ado- mentos destinados ao atendimento
destes meninos e meninas serem

257
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

adequados, bem como a impor- seu forte processo de encarcera-


tância dos estudos e pesquisas na mento, estabelece como diretriz
área. Tais premissas inauguram, um processo de valorização da
ao menos em termos legais, o reco- comunidade e do trabalho junto
nhecimento da necessidade de às famílias dos “menores”, bem
estabelecimentos adequados para como a opção prioritária para
que se desenvolva um projeto de colocação em família substituta
educação, instrução e tratamento em detrimento da internação.
que, mesmo que na lógica do olhar Somente em 1974 tal lei
punitivo e “re-socializador” sur- é vinculada ao Ministério da
tam o efeito esperado. Ficou, no Previdência e Assistência Social
entanto, marcado por suas carac- com a atribuição de promover
terísticas de contenção e repressão em todo o território nacional a
infanto-juvenil. Atuando com um Política Nacional do Bem-Estar
olhar higienista, o processo de do Menor; e em 1977 passa a in-
internação de menores ganhou um tegrar o Sistema Nacional de
forte peso se consolidando como Previdência e Assistência Social.
principal opção no atendimento à Além da ação de fiscalização e
criança e ao adolescente das clas- promoção de políticas voltadas
ses subalternizadas. A condição aos menores, a FUNABEM exer-
dos estabelecimentos era precária, ceu, nos estados do Rio de Janeiro
não se cumprindo as determina- e de Minas Gerais, ação direta de
ções legais. Do mesmo modo, não atendimento, através do que com-
havia um processo de escolariza- preendia como “programas só-
ção adequado às demandas e que cio-terapêuticos”, nos quais eram
garantisse uma inserção diferen- atendidos “menores de diversas
ciada destes meninos e meninas na qualificações e de diferentes ori-
sociedade após o período de inter- gens – carentes, órfãos ou aban-
nação por meio da escolaridade ou donados, infratores e de conduta
mesmo da profissionalização. anti-social” (FUNABEM, 1984,
Em 1º de dezembro de 1964, p. 11). Tal atendimento se dava
é criada a Fundação Nacional do em regime de internato, exter-
Bem-Estar do Menor (FUNABEM) nato e semi-internato a menores
por meio da lei 4.513, e a ela de ambos os sexos de 6 a 18 anos.
são incorporados o patrimônio Segundo o mesmo documento da
e as atribuições do Serviço de FUNABEM, esta atendeu, com
Assistência aos Menores. A nova seus recursos próprios, em 1983,
lei de atendimento à infância, em 606 mil menores. Desses, 63,54%
resposta ao fracasso do SAM, com são menores carentes, 18% órfãos

258
MENOR

ou abandonados e 18,46% de con- Menores de 1979 é muito explícita


duta antissocial” (idem). neste sentido. O documento veio
Os dados expostos indicam afirmar tal Doutrina como marco
que, apesar da diretriz legal existir do atendimento aos “menores”,
no sentido de valorizar a família com um forte olhar criminalizante
e o convívio familiar (muito em da pobreza. A situação irregular
decorrência das influências da (expressa em seu art. 1º) vinha espe-
Declaração de Direitos da Infância, cificada no art. 2º da referida Lei. A
assinada pelo Brasil), a prática da gama de aspectos que incluíam o
internação ainda seguia forte- jovem na “situação irregular” era
mente, inclusive por orientação da de tal ordem que, na prática, qual-
Doutrina da Segurança Nacional, quer criança ou adolescente pobre
defendida pela Escola Superior de poderia ser enquadrado nos termos
Guerra. O documento refere-se a da legislação como “menor em situ-
todos os menores como “em pro- ação irregular” e sofrer as sanções
cesso de marginalização social” legais. Vale, neste sentido, observar
e a atuação da FUNABEM, inclu- o inciso III, o qual trata da questão
sive com as internações, como uma do “perigo moral”. A conceituação
atividade preventiva e fundamen- de “perigo moral” e “bons costu-
tada como uma ação terapêutica mes” é de tal ordem subjetiva que, M
sobre a sociedade. dentro de uma sociedade marcada
Em 1973, em documento por uma profunda desigualdade
interno da FUNABEM, Correa social e formada por grupos de
(1995, p. 24) identifica que há uma diversas origens, com modos de
orientação para o trabalho ser estar no mundo distintos, aos olhos
direcionado à “integração social do judiciário, a tendência era de que
do menor”, que passará a ser o cri- todas as crianças e adolescentes
tério de avaliação da eficiência de das classes subalternizadas encon-
uma instituição para esse público, travam-se em situação irregular.
e sendo criado um Plano Integral Considerando-se ainda o fato de,
de Atendimento, construído com à época, estarmos vivendo no país
base em quatro eixos relativos ao uma ditadura militar, esta lei vem
desenvolvimento do próprio ado- quase que explicitamente viabilizar
lescente; de seu meio social; do a internação de qualquer pessoa
meio social a que se destina; e do até 18 anos (e 21 em casos excepcio-
quadro de vida na instituição que nais), e corrobora com a doutrina
está sendo atendido. militar de segurança nacional.
A doutrina da situação irre- Observamos assim que a ideia
gular consagrada pelo Código de do “menor” está diretamente asso-

259
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ciada à ideia de raça e classe social: centes temos chamadas como “Seis
são menores os meninos e meninas menores e um homem são detidos
pobres, eminentemente não-bran- com drogas”2; “Polícia prende três
cos, de baixa escolaridade. Ainda e apreende dois menores por trá-
hoje, permanece no imaginário fico de drogas no AC”3, ou no caso
social a associação do termo com a de roubo “Menor é apreendido com
prática de ato infracional por meni- arma e assume intenção de cometer
nos negros e pobres. A nomeação roubo”4; “Menor suspeito de matar
de adolescentes, quando negros e ciclista na Lagoa Rodrigo de Freitas
pobres, autores de ato infracional, é detido”5. Em oposição, as apreen-
como menores não é rara, inclusive sões relacionadas a adolescentes das
em documentos oficiais. classes médias o tratamento midiá-
Quando lançamos nosso olhar tico é diferenciado: “PF apreende
para as grandes mídias, a distinção 49 quilos de maconha em carro de
entre menor, adolescente e criança universitário”6; ou “Jovem é preso
fica ainda mais explícita. Para casos com 7kg de drogas em mala no ae-
de apreensão de drogas com adoles- roporto de Manaus”7.

2 O GLOBO, Seis Menores e um homem são detidos com drogas em Caratinga.


Edição Online, publicada em 15/06/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/mg/
vales-mg/noticia/2016/06/seis-menores-e-um-homem-sao-detidos-com-drogas-
-em-caratinga.html, acesso em 09 julho de 2016.
3 O GLOBO, Polícia prende três e apreende dois menores por tráfico de drogas no AC.
Edição Online, publicada em 02/02/2019. Disponível em: http://g1.globo.com/ac/
acre/noticia/2016/03/policia-prende-tres-e-apreende-dois-menores-por-trafico-
-de-drogas-no-ac.html, acesso em 09 julho de 2016.
4 O GLOBO, Menor é apreendido com arma e assume intenção de cometer roubo. Edição
Online, publicada em 17/05/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/piracica-
ba-regiao/noticia/2016/05/menor-e-detido-com-arma-e-assume-intencao-de-rou-
bar-em-piracicaba-sp.html, acesso em 09 julho de 2016.
5 O GLOBO, Menor suspeito de matar ciclista na Lagoa Rodrigo de Freitas é detido.
Edição Online, publicada em 21/05/2015. Disponível em: http://g1.globo.com/jor-
nal-hoje/noticia/2015/05/menor-suspeito-de-matar-ciclista-na-lagoa-rodrigo-de-
-freitas-e-detido.html, acesso em 09 julho de 2016.
6 O GLOBO, PF apreende 49 quilos de maconha em carro de universitário. Edição
Online, publicada em 04/05/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/pernam-
buco/noticia/2016/05/pf-apreende-49-quilos-de-maconha-em-carro-de-universi-
tario.html, acesso em 09 julho de 2016.
7 O GLOBO, Jovem é preso com 7kg de drogas em aeroporto de Manaus. Edição Online,
publicada em 05/05/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/am/amazonas/no-
ticia/2016/05/jovem-e-preso-com-7kg-de-drogas-em-mala-no-aeroporto-de-ma-
naus.html, acesso em 09 julho de 2016.

260
MENOR

Todas as notícias aqui rela- adolescente foi apreendido com


cionadas foram retiradas de um “uma sacola com quatro pedras de
mesmo site de informações e crack e sete grandes papelotes de
são do ano de 2016, o que corro- maconha”. Ao lançarmos o olhar
bora a ideia da estigmatização do sobre a violência sofrida, também
jovem negro de grupos subalter- observamos que a objetificação
nizados como infratores, ou ao do adolescente subalternizado e
menos potencialmente perigosos. a consequente associação à ilici-
O modo, contudo, como são tra- tude, também contribuem para
tados os adolescentes das classes legitimar a ação sofrida. Deste
médias pode indicar uma certa modo, “Menor morto pela PM foi
“surpresa” com a prática do ato e apreendido por furto no sábado
retira deles uma categorização a na Zona Sul de SP”10, “PM mata
priori: eles não são menores. menor suspeito de furtar carro em
Interessante considerar ainda suposto confronto em SP”11.
que a quantidade de drogas parece Temos que considerar, por fim,
não ter relevância quando opera- que apesar das mudanças serem
-se nesta lógica. Assim, notícias muitas vezes lentas e conquis-
como “Polícia prende jovem de tas legais não representarem uma
classe média com 300 kg de maco- mudança radical na prática, é ne- M
nha no Rio”8, se opõem a “Menor cessário reconhecer a importância
é flagrado com maconha e crack e dos movimentos e suas transfor-
acaba apreendido por tráfico”9 e, ao mações. Se ainda temos notícias
ler a notícia, identifica-se que este como as aqui relatadas, temos

8 O GLOBO, Polícia prende jovens de classe média com 300kg de maconha no Rio.
Edição Online, publicada em 27/06/2015. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-
-de-janeiro/noticia/2015/03/policia-prende-jovens-de-classe-media-com-300-kg-
-de-maconha-no-rio.html acesso em 09 julho de 2016.
9 O GLOBO, Menor é flagrado com maconha e crack e acaba apreendido por tráfico.
Edição Online, publicada em 28/05/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/
presidente-prudente-regiao/noticia/2016/05/menor-e-flagrado-com-maconha-e-
-crack-e-acaba-apreendido-por-trafico.html acesso em 09 julho de 2016
10 O GLOBO, Menor morto pela PM foi apreendido por furto sábado na zona Sul.
Edição Online, publicada em 03/06/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-
-paulo/noticia/2016/06/menor-morto-pela-pm-foi-apreendido-por-furto-ha-uma-
-semana-na-zona-sul.html acesso em 09 julho de 2016
11 O GLOBO, PM mata menor suspeito de furtar carro em suposto confronto em SP.
Edição Online, publicada em 03/06/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-
-paulo/noticia/2016/06/pm-mata-menor-suspeito-de-roubar-carro-em-suposto-
-confronto-em-sp.html acesso 09 julho de 2016

261
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

que valorizar um reconhecimento _______. Lei nº 6697, de 10


cada vez maior dos direitos de de outubro de 1979. Código de
crianças e adolescentes. Menores. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/1970-1979/L6697.htm acesso
REFERÊNCIAS 27 julho de 2013.
CORREA, Ivone. Resgate his-
BRASIL. Lei 4.513 de 1964. tórico dos tipos de atendimento
Criação da FUNABEM. Disponível à criança e ao adolescente em
em: http://www.planalto.gov.br/cci- privação de liberdade, em Be-
vil_03/leis/1950-1969/L4513impressao. lém do Pará: 1964 – 1990. Belém:
htm acesso em 05 julho de 2013. UNAMA, 1995.
_______. Decreto nº 17.943 – A FUNABEM. A FUNABEM de
de 12 de outubro de 1927 (Código hoje. Rio de Janeiro: Funabem, 1984.
Mello Mattos). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/decreto/1910-1929/d17943a.
htm acesso em 05 julho de 2016.
_______. Decreto-lei 3.799
de 1941, disponível em: http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/
de c le i /194 0 -1949/de c r e to -le i-
-3799-5-novembro-1941-413971-pu-
blicacaooriginal-1-pe.html acesso
em 05 julho de 2013.

262
NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

N
NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Pedro Pereira1

É inegável a influência da Os Tratados, Convenções, Pac-


normativa internacional (declara- tos ou Protocolos são denomina-
ções, regras internacionais, con- ções utilizadas para se referir aos
venções, tratados e protocolos) no acordos internacionais solenes
ordenamento interno brasileiro que geram obrigações aos Estados
relacionado aos direitos de crian- Partes, como, por exemplo, a ade-
ças e adolescentes. quação da normativa interna aos
Importante distinguir Declara- preceitos dos tratados, e apresen-
ções ou Regras Internacionais, de tação de relatório periódico sobre N
Convenções, Pactos, Tratados e Pro- o cumprimento do Tratado, sob o
tocolos. As Declarações ou Regras monitoramento da comunidade in-
Internacionais não geram vincula- ternacional através de comitês.
ção jurídica de caráter obrigatório, De acordo com a Constituição
seu cumprimento está relacionado Federal de 1988 (art. 5º, §3º), os tra-
ao compromisso ético na defesa tados e convenções internacionais
e promoção de direitos humanos de direitos humanos que forem
e seu descumprimento gera um aprovados pelo Congresso Nacio-
constrangimento diante da comu- nal serão equivalentes às emen-
nidade internacional. No entanto, das constitucionais. Nesse sentido,
regras e declarações cumprem um os tratados e convenções, após sua
papel muito importante na influ- ratificação e aprovação pelo Con-
ência do aprimoramento da Cons- gresso Nacional, são incorporados
tituição e leis nacionais. como norma interna com status de
norma constitucional, ampliando o
rol dos direitos fundamentais.
1 Advogado, membro da coordenação colegiada do CEDECA RIO DE JANEIRO.
Doutorando em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ.

263
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O Brasil como país membro Mínimas das Nações Unidas para


da Organização das Nações Uni- os Jovens Privados de Liberdade2,
das (ONU) e da Organização dos considerando, especialmente, as
Estados Americanos (OEA), ao condições e circunstâncias pelas
ratificar diversos tratados e con- quais os jovens estão privados de
venções internacionais, assume sua liberdade em todo o mundo,
um compromisso com a comuni- convencidas de que esses, quando
dade nacional e internacional em se encontram privados de liber-
respeitar e dar efetividade aos di- dade, são extremamente vulnerá-
reitos de crianças e adolescentes, veis aos maus-tratos, à vitimização
tomando todas as medidas admi- e à violação de seus direitos.
nistrativas, judiciais, legislativas Nesse sentido, as Nações
e de políticas públicas para ga- Unidas são categóricas ao afirma-
rantir e promover tais direitos. rem que a reclusão juvenil só será
Com relação ao adolescente a aplicada em último caso e pelo
quem se atribui a prática de ato in- menor período possível. Essas
fracional, a normativa internacio- regras têm como objetivo norma-
nal do Sistema Universal (ONU) e tizar minimamente a proteção
Sistema Regional (OEA) aprovou dos jovens privados de liberdade,
regras, diretrizes e tratados que de maneira compatível com os
dispõem sobre direitos, proteção e direitos humanos e liberdades
prevenção, bem como sobre políti- fundamentais e deverão ser apli-
cas públicas relacionadas à admi- cadas sem discriminação 3.
nistração da justiça. Pouco antes disso, a Conven-
A Organização das Nações ção Internacional sobre os Direitos da
Unidas aprovou em 1990 as Regras Criança4 já apontava as diretrizes so-

2 Adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua Resolução 45/113, de 14
de dezembro de 1990. O Governo Brasileiro apresentou em 2003 seu primeiro relatório
sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU/1990), com 12 anos de atraso.
3 Item 12. A privação de liberdade deverá ser efetuada em condições e circunstâncias
que garantam o respeito aos direitos humanos dos jovens. Deverá ser garantido, aos
jovens reclusos em centros, o direito de desfrutar de atividades e programas úteis que
sirvam pra fomentar e garantir seu são desenvolvimento e sua dignidade e conheci-
mentos que ajudem a desenvolver suas possibilidades como membros da sociedade.
4 Adotada pela Resolução n. L 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20
de novembro de 1989. Aprovada pelo Decreto Legislativo n 28, de 24 de setembro
de 1990. Ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990. Entrou em vigor no
Brasil em 23 de outubro de 1990. Promulgada pelo Decreto n. 99.710, de 21 de
novembro de 1990. A Convenção considera como criança todo ser humano com
menos de 18 anos de idade (art. 1º).

264
NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

bre a matéria, sob a luz do melhor pela legislação nacional ou pelo


interesse da criança, já que em seu direito internacional no momento
artigo 375, também estabelece re- em que foram cometidos;
gras para a privação de liberdade de b) que toda criança de quem
crianças, preconizando valores como se alegue ter infringido as leis
dignidade, humanidade, respeito, penais ou a quem se acuse de ter
preservação dos vínculos familia- infringido essas leis goze, pelo
res e separação de presos adultos. menos, das seguintes garantias:
Mesmo as Regras Mínimas das Na- I) ser considerada inocente en-
ções Unidas para a Administração quanto não for comprovada sua
da Justiça da Infância e da Juventude culpabilidade conforme a lei;
(Regras de Beijing), adotadas na As- II) ser informada sem demora
sembléia Geral da ONU em sua e diretamente ou, quando for o
resolução 40/336, de 1985, adotavam caso, por intermédio de seus pais
esses princípios norteadores. ou de seus representantes legais,
De acordo com a Convenção das acusações que pesam contra
sobre os Direitos da Criança (CDC), ela, e dispor de assistência jurí-
em relação a Justiça Juvenil e as dica ou outro tipo de assistência
apropriada para a preparação e
garantias do devido processo, temos:
apresentação de sua defesa;
III) ter a causa decidida sem de-
2. Nesse sentido, e de acordo com as
disposições pertinentes dos instru-
mora por autoridade ou órgão ju- N
dicial competente, independente e
mentos internacionais, os Estados imparcial, em audiência justa con-
Partes assegurarão, em particular: forme a lei, com assistência jurí-
a) que não se alegue que nenhuma dica ou outra assistência e, a não
criança tenha infringido as leis ser que seja considerado contrário
penais, nem se acuse ou declare aos melhores interesses da criança,
culpada nenhuma criança de ter levando em consideração especial-
infringido essas leis, por atos ou mente sua idade ou situação e a de
omissões que não eram proibidos seus pais ou representantes legais;

5 37c) toda criança privada de liberdade seja tratada com humanidade e re-
speito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando-se em
consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Em especial, toda
criança privada de sua liberdade ficará separada dos adultos, a não ser que tal
fato seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito
a manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas,
salvo em circunstâncias excepcionais.
6 Recomendadas no 7º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção de Delito e
Tratamento do Delinquente, realizado em Milão no período de 26 de agosto a 06
de setembro de 1985 e adotada pela Assembleia Geral em 29 de novembro de 1985.

265
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

IV) não ser obrigada a testemu- leis penais ou que sejam acusadas
nhar ou a se declarar culpada, e ou declaradas culpadas de tê-las
poder interrogar ou fazer com que infringido, e em particular:
sejam interrogadas as testemu-
a) o estabelecimento de uma idade
nhas de acusação bem como poder
mínima antes da qual se presumirá
obter a participação e o interroga-
que a criança não tem capacidade
tório de testemunhas em sua de-
para infringir as leis penais;
fesa, em igualdade de condições;
b) a adoção sempre que conve-
V) se for decidido que infringiu
niente e desejável, de medidas
as leis penais, ter essa decisão e
para tratar dessas crianças sem
qualquer medida imposta em
recorrer a procedimentos judi-
decorrência da mesma submeti-
ciais, contando que sejam res-
das à revisão por autoridade ou
peitados plenamente os direitos
órgão judicial superior compe-
humanos e as garantias legais.
tente, independente e imparcial,
(CDC, art. 40, inciso 3)
de acordo com a lei;
VI) contar com a assistência gra-
tuita de um intérprete caso a O Brasil, através do Decreto
criança não compreenda ou fale o nº 678 de 6 de novembro de 1992,
idioma utilizado; ratificou a Convenção Americana
VII) ter plenamente respeitada sua
sobre Direitos Humanos (Pacto de
vida privada durante todas as fases São José da Costa Rica), importante
do processo. (CDC, art. 40, inciso 2) instrumento normativo do sistema
interamericano de direitos humanos
também dispõe sobre a proteção dos
–Já por parte da idade mínima direitos da Criança e da família7:
para responsabilização, postula que,

Art. 19: Direitos da criança: Toda


3. Os Estados Partes buscarão pro- criança terá direito às medidas de
mover o estabelecimento de leis, proteção que a sua condição de
procedimentos, autoridades e insti- menor requer, por parte da sua
tuições específicas para as crianças família, da sociedade e do Estado.
de quem se alegue ter infringido as

7 17b) as restrições à liberdade pessoal do jovem serão impostas somente após


estudo cuidadoso e se reduzirão ao mínimo possível. 17c) não será imposta a
privação de liberdade pessoal a não ser que o jovem tenha praticado ato grave,
envolvendo violência contra outra pessoa ou por reincidência no cometimento
de outras infrações sérias, e a menos que não haja outra medida apropriada. (...)
19.1) A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida
de último recurso e pelo mais breve período possível (Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)

266
NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Conforme o art. 15 do “Proto- fim de contribuir para a criação


colo de San Salvador”, de ambiente estável e positivo
no qual as crianças percebam e
desenvolvam os valores de com-
Direito à constituição e proteção preensão, solidariedade, respeito
da família e responsabilidade.
c. Adotar medidas especiais de
proteção dos adolescentes, a fim
A seguir apresentamos um
de assegurar o pleno amadu-
recimento de suas capacidades
quadro com as principais Decla-
físicas, intelectuais e morais; rações, Regras e Diretrizes das
Nações Unidas sobre os direitos de
d. Executar programas espe- crianças e adolescentes:
ciais de formação familiar, a

DECLARAÇÕES, REGRAS E DIRETRIZES DA ONU

Com relação a crianças e adolescentes, merecem destaque


Declaração
os artigos XXV e XXVI, proclamando que a maternidade
Universal dos
e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais,
Direitos Humanos
e ainda que todas as crianças nascidas dentro ou fora do
(1948)
matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
Declaração sobre os Tem como base e fundamento os direitos a liberdade, N
Direitos da Criança estudos, brincar e convívio social das crianças que de-
(1959) vem ser respeitadas e preconizadas em dez princípios.

Apresenta como princípios fundamentais:


1) Prevenir a delinquência juvenil como parte essencial
Diretrizes das
da prevenção do delito na sociedade;
Nações Unidas
2) Propiciar investimentos objetivando o bem-estar das
para a Prevenção
crianças e dos adolescentes.
da Delinquência
3) Aplicar medidas políticas e progressistas de preven-
(1990) “Diretrizes
ção à delinquência.
de Riad”
4) Desenvolver serviços e programas com base na co-
munidade para a prevenção da delinquência juvenil.

Estabelece um conjunto de regras mínimas aceitáveis


Regras Mínimas
pelas Nações Unidas para a proteção dos jovens priva-
das Nações Unidas
dos de liberdade sob qualquer forma, compatíveis com
para Proteção de
os direitos humanos e liberdades, tendo em vista com-
Jovens Privados de
bater os efeitos nocivos de qualquer tipo de detenção e
Liberdade (1990)
promover a integração na sociedade.

267
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Tais regras prescrevem e orientam aos Estados signa-


tários a lidar com os adolescentes a quem se atribui a
prática de ato infracional, conferindo e resguardando
os direitos que lhes assistem, assegurando as garantias
básicas processuais, pautando pela proporcionalidade
Regras Mínimas
quanto às medidas adotadas.
das Nações
São destacadas algumas garantidas empregadas aos
Unidas para a
menores infratores: imparcialidade quanto à aplica-
Administração da
ção das regras mínimas aos jovens infratores; como
Justiça, da Infância
a presunção de inocência, o direito de ser informado
e da Juventude.
das acusações, o direito de não responder, o direito à
(Regras de Beijing,
assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou
1990)
tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a
interrogá-las e o direito de apelação ante uma autori-
dade superior, direito a intimidade, não podendo ser
publicada nenhuma informação que possa dar lugar a
identificação do jovem infrator.

R E F E R ÊNC I A S D3321.htm. Acesso em 07 de junho


de 2016.
BRASIL. Decreto nº 678, de 6 BRASIL. Decreto n.º 99.710, de
de novembro de 1992. Ratificação 21de novembro de 1990. Convenção
da Convenção americana de direi- sobre os direitos da criança: reso-
tos humanos (Pacto de San José da lução n. L 44 da Assembleia das
Costa Rica). Disponível em http:// Nações Unidas em 20 de novem-
www.planalto.gov.br/ccivil_03/ bro de 1989. Disponível em http://
decreto/D0678.htm. Acesso em 07 www.planalto.gov.br/ccivil_03/
de junho de 2016. decreto/1990-1994/D99710.htm.
BRASIL. Decreto nº 3.321, de Acesso em 07 de junho de 2016.
30 de dezembro de 1999. Promulga ONU. Princípios das Nações
o Protocolo Adicional à Conven- Unidas para a prevenção da
ção Americana sobre Direitos delinquência juvenil (Princípios
Humanos em Matéria de Direitos orientadores de Riad). Documento
Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas n.º A/ CONF.
“Protocolo de São Salvador”, con- 157/ 24.Parte I. 1990. Disponível
cluído em 17 de novembro de 1988, em http://www.direitoshumanos.
em São Salvador, El Salvador. usp.br /index.php/Crian%C3%A7a/
Disponível em: http://www. principios-das-nacoes-unidas-
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/ -pa ra-a-prevencao - da- del i n
queencia-juvenil-principios-orien-

268
NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

tadores-de-riad.html. Acesso em PEREIRA, Pedro; GARCIA,


07 de junho de 2016. Joana. Somos Todos Infratores. In:
O Social em Questão. Ano XVIII
ONU. Regras mínimas das
- nº 31, p.137-162, PUC-Rio, 2014.
Nações Unidas para administra-
Disponível em http://osocialem-
ção da justiça juvenil (Regras
questao .ser. puc-rio.br/ media/
de Beijim). 7.º Congresso das
OSQ _31_7_Garcia_Pereira.pdf.
Nações Unidas sobre prevenção
Acesso em 07 de junho de 2016.
de delito e tratamento do delin-
quente. Milão , 1985. Disponível
em http://portal.mj.gov.br/sedh/
ct/conanda/ diretriz.htm. Acesso
em 07 de junho de 2016.
ONU. Regras das Nações
Unidas para proteção de menores
privados de liberdade. Assembleia
Geral das Nações Unidas, 1990..
Disponível em http://www.mprs.
mp.br/infancia/documentos_inter-
nacionais/id104.htm. Acesso em 07
de junho de 2016.
N

269
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

P
PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Heloísa Mesquita1

Falar em participação envolve a intermediação de participação


considerar as categorias descen- popular e do controle social que
tralização e desconcentração. Stein pressupõe a intermediação das di-
(1997) nos traz inspirada em Ugac vergências sociais como um ins-
(1991), entre outros autores, que trumento de lógica democrática.
desconcentração envolve delega- Stotz (2009) destaca que o con-
ção de competência sem desloca- ceito de participação, do ponto de
mento do poder decisório, trata-se vista sociológico, é relacional e
de um processo de dispersão físi- tem mais de um sentido, inclusive
co-territorial de instituições ini- contrastantes, pois remete tanto à
cialmente concentradas. Continua coesão de uma sociedade quanto à
a autora reconhecendo que, em- sua transformação. A participação
bora necessária, não é suficiente implica comportamentos e atitu-
para que os níveis desejados da des passivos e ativos, estimulados
descentralização sejam atingidos, ou não, e deve ser entendida como
trazendo consequências para con- um princípio diretor do conheci-
ceitos e processos de ação coletiva. mento, variável segundo os tipos
Pereira (1996) faz relação da de sociedade em cada época histó-
descentralização com a amplia- rica e marcada pela normalização
ção da democracia e da participa- institucional neles vigente.
ção popular, reafirmando serem É importante perceber que o
estas posições contrárias ao auto- não autoritarismo não implica ne-
ritarismo e à centralização. Stein cessariamente em descentralização
(1997) afirma que essa relação só é e que a relação entre descentraliza-
possível de ser feita se contemplar ção e democracia precisa conside-

1 Assistente Social, Doutora em Política Social pela Universidade Federal


Fluminense, Professora da PUC-Rio Departamento de Serviço Social.

270
PARTICIPAÇÃO SOCIAL

rar o controle do governo por parte REFERÊNCIAS


dos cidadãos, a participação popu-
lar e o processo de educação para a BRASIL. Constituição da
cidadania, entre outros. República Federativa do Brasil.
Para que a descentralização Brasília: Senado Federal, 1988.
viabilize processos de participa-
PEREIRA, Potyara A. P. A
ção, é necessário que se garanta o
Assistência Social na perspectiva
acesso às informações da gestão
dos direitos: crítica aos padrões
de forma transparente, com en-
dominantes de proteção aos pobres
tendimento acessível a toda po-
no Brasil. Brasília: Thesaurus. 1996.
pulação e assento nos espaços de
decisão. Estes, por sua vez, preci- STEIN, Rosa Helena. O Sis-
sam ser vistos para além dos espa- tema descentralizado e partici-
ços formais, isto é, tão importante pativo: construindo a inclusão e
quanto os espaços institucionais universalizando direitos. Con-
dos Conselhos previstos em lei, juntura, Assistência Social e Se-
como a eleição de governantes e guridade Social: subsídios às
legisladores na democracia for- Conferências de Assistência So-
mal, são os espaços que se podem cial. Vol. I. In: Cadernos Abong
criar para facilitar a formação ci- nº 20. São Paulo: ABONG, 1997.
dadã, mesmo dentro de unidades STOTZ, Eduardo Navarro.
prestadoras de serviços, como os Participação social. In: Dicionário
CRAS, os CREAS ou as unidades da educação profissional em
de atendimento ao cumprimento saúde. PEREIRA, Isabel Brasil; P
de medidas socioeducativas em LIMA, Júlio César França
meio fechado. Neste sentido, cha- (coords.).. Rio de Janeiro: Escola
ma-se a atenção para a juventude Politécnica de Saúde Joaquim
que precisa aprender a se reco- Venâncio (EPSJV), 2009. p. 293-298.
nhecer como protagonista na his-
tória, afinal, participar significa
tomar parte de uma ação coletiva.

271
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PÁTIO

Luciana Cassia Costa da Silva Santos1


Miguel Eduardo de Azevedo Martins2

Segundo o dicionário Michaelis, das, sejam elas de semiliberdade,


para a definição do verbete pátio internação provisória ou de inter-
temos: nação, o pátio é muito mais do que
apenas um espaço físico. O pátio é
Pátio (pá-ti-o) sm. Área térrea
o local que norteia a rotina diária
murada e descoberta, no inte- dentro de uma Unidade.
rior de uma habitação ou anexa O pátio é uma espécie de
a ela; Espaço descoberto que em “coração” da Unidade, uma vez
muitas construções vai desde a que é a partir dali que são toma-
entrada externa até a sua porta das as decisões no sentido de
principal; átrio; vestíbulo; Espaço organizar as atividades que serão
onde eram realizadas as aulas desenvolvidas com os adolescen-
de humanidades nos colégios tes ao longo de cada dia.
religiosos; Praça fronteiriça a
Os funcionários que cuidam
uma igreja; adro; Local junto às
estações de trem ou de metrô
desse espaço físico são os agentes
onde são feitas as manobras das socioeducativos, mais conhecidos
locomotivas; Amplo espaço nos como “agentes de pátio”, já que são
aeroportos onde são realizadas eles que zelam pelo cumprimento
as manobras das aeronaves, seu de horários e programações, reu-
abastecimento e manutenção e, nindo os grupos de adolescentes
também, a carga e descarga. para a entrada e saída das salas de
oficinas, de atividades, de recrea-
Nas Unidades do Departa- ções e até mesmo dos alojamentos.
mento Geral de Ações Socioedu- O principal compromisso dos
cativas – NOVO DEGASE, onde os adolescentes é o ensino formal.
adolescentes cumprem as medi- Este ensino acontece nas escolas
das socioeducativas a eles aplica- estaduais que funcionam dentro

1 Agente Socioeducativo Feminino, DEGASE, 1998, Bacharel em Direito pela


Universidade Cândido Mendes – Centro - RJ;
2 Agente Socioeducativo Masculino, DEGASE, 1994, formado em Ciências
Contábeis pela Universidade Federal Fluminense – Niterói - RJ .

272
PÁTIO

das Unidades de internação e tam- um trabalho socioeducativo de


bém na rede pública em geral, no qualidade, no sentido da evolução
caso de internos das Unidades de todo esse processo. Apesar de
de semiliberdade, uma vez que ainda haver muito que melhorar,
os adolescentes que ali cumprem percebe-se um grande crescimento
medida podem sair para estudar. nas condições de trabalho, sejam
A educação é uma forma de em questões humanas ou estrutu-
inserir o jovem na sociedade e rais. Nesse sentido, vale observar
deve sempre prevalecer em relação que, até o concurso de 2012, não
ao caráter punitivo da privação de havia uma formação obrigatória
liberdade. Além das atividades para o início das atividades. Muitas
pedagógicas e do ensino regular, vezes, os agentes iam para o pátio,
são disponibilizados a esses inter- sem nenhuma capacitação especí-
nos atividades profissionalizantes, fica para o trabalho.
bem como atividades de cultura, Após 16 anos da vigência do
esporte e lazer, que são primor- Estatuto da Criança e do Adoles-
diais para o bom desenvolvimento cente - ECA, entra em vigor o Sis-
desses adolescentes. tema Nacional de Atendimento
A palavra pátio fica mais evi- Socioeducativo – SINASE, que ar-
denciada nos CRIAADS, que são ticula os três níveis de governo
as Unidades onde se cumprem as para o desenvolvimento dos pro-
medidas socioeducativas de se- gramas de atendimento, consi-
miliberdade, pois nestas existem derando a intersetorialidade e a
realmente um pátio central para o corresponsabilidade da família, P
qual todos os prédios convergem comunidade e Estado.
e é ali que a maioria das ativida- O SINASE prevê a composição
des acontecem. Nas Unidades de mínima do quadro de pessoal em
Internação, os espaços físicos de- cada modalidade de atendimento
nominados pátios diferem-se um socioeducativo, e, para isso, tem
dos outros de acordo com a pecu- de ser levados em consideração a
liaridade física de cada uma delas. dinâmica institucional, o número
Ao longo desses anos, o traba- de adolescentes e o perfil da uni-
lho no pátio vem acompanhando dade. A proposta é garantir um
as mudanças necessárias às legisla- quadro em que se possa, efetiva-
ções vigentes e, associado a isso, é mente, realizar uma socioeducação,
crescente a preocupação na forma- garantindo aos agentes condições
ção dos profissionais que ali atuam, de realizar um trabalho não apenas
a fim de que os mesmos sejam cada vinculado à segurança, mas que dê
vez mais capacitados em realizar conta de um espaço educativo.

273
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A relação numérica de um garantias, fica evidente que a exe-


socioeducador para cada dois cução deste plano traria melhores
ou três adolescentes, ou de um condições de ressocialização para
socioeducador para cada cinco os adolescentes que cometeram
adolescentes, dependerá do perfil ato infracional, além de melhores
e das necessidades pedagógicas condições de trabalho para os ope-
destes. Em casos excepcionais, o radores do sistema socioeducativo.
SINASE traz diretrizes específi-
cas, como por exemplo, quando
a situação envolver alto risco de REFERÊNCIAS
fuga, autoagressão ou agressão a
outros, na qual a relação numé- BRASIL. Sistema Nacional
rica será de dois socioeducadores de Atendimento Socioeducativo
para cada adolescente. (SINASE). Resolução do CONANDA,
Ainda que a realidade vi- nº 119, 2006. Disponível em http://
vida nas Unidades do Sistema www.conselhodacrianca.al.gov.br/
Socioeducativo dificulte a real sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.
implementação deste sistema de pdf. Acesso em 13 de agosto de 2016

PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO

Christiane da Mota Zeitoune1

O Plano Individual de Aten- Pode ser definido como um plano


dimento (PIA) é um instrumento de trabalho elaborado e desenvol-
pedagógico fundamental no pro- vido pela equipe multidisciplinar
cesso de cumprimento da medida dos centros de socioeducação, com
socioeducativa (SINASE, 2006). a participação do adolescente, para

1 Doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ (2010). Mestre em Psicologia


Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992). Psicóloga
Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro.
Coordenadora de Saúde Integral e reinserção Social do Departamento Geral de
Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro, cargo assumido em janeiro
de 2013. Professora substituta do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal Fluminense (2011-2012). Membro do Comitê da Política Editorial (CPE)
do NOVO DEGASE. Parecerista ad hoc da Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa.

274
PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO

planejar todas as ações que serão ação interdisciplinar integrada,


desenvolvidas durante o cumpri- uma intervenção com o adoles-
mento da medida. Visa pactuar cente de promoção da cidadania,
com o adolescente e sua família e/ mas sem perder de vista que es-
ou responsável metas e compro- tamos lidando com sujeitos, de
missos, que possam auxiliar o ado- modo que esse trabalho deve estar
lescente a construir um projeto de sempre comprometido com a ética,
vida e criar perspectivas de futuro com a singularidade e com a dife-
desvinculados da prática de ato rença, para que esse possa reco-
infracional. De acordo com o artigo lher a responsabilidade diante do
52 da Lei 12.594/2012, que insti- ato infracional cometido e seja ca-
tui o Sistema Nacional de Atendi- paz de realizar escolhas e inventar
mento Socioeducativo (SINASE) e soluções diferentes daquelas que o
regulamenta a execução das medi- levou a cometer o ato infracional.
das socioeducativas, o PIA é uma O objetivo do PIA é garan-
importante ferramenta “de previ- tir essa singularidade, através de
são, registro e gestão das ativida- um acompanhamento individuali-
des a serem desenvolvidas com o zado, de escuta do adolescente, para
adolescente” (BRASIL, 2012, p. 10) e que a medida socioeducativa possa
deve refletir as mudanças conquis- ser cumprida pelo adolescente de
tadas pelo adolescente em todos os acordo com a sua possibilidade,
campos de seu desenvolvimento. capacidade e responsabilidade.
É importante ressaltar que a É imprescindível a participação
proposta do processo socioedu- da família, ou seu substituto, nas P
cativo é trazer o adolescente para intervenções junto ao adolescente e
o centro de suas ações e planejar esta parceria se torna mais evidente
com ele todo o trabalho a ser rea- e necessária quando da elaboração
lizado, de modo que ele possa ser e desenvolvimento do PIA, por isso
protagonista, participante ativo no é importante favorecer e incenti-
processo subjetivo de construção var a participação ativa da família
do seu projeto pessoal e se impli- durante o período de cumprimento
que nas suas escolhas de vida e se da medida socioeducativa.
responsabilize por elas. Ao construir os marcos da pro-
Isso se dá através de um tra- posta de trabalho com a família, os
balho interdisciplinar, exigindo programas de atendimento socioe-
metodologia, profissionalismo e ducativo devem articulá-los com o
políticas intersetoriais. É um tra- Plano Nacional de Defesa, Promo-
balho dinâmico, flexível e inova- ção e Garantia da Convivência Fa-
dor, que busca, através de uma miliar e Comunitária de Crianças

275
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

e Adolescentes, como uma possi- familiar. Requer a construção de ins-


bilidade de fortalecer essa convi- trumentais que possam contribuir
vência, estendida para o âmbito na gestão, planejamento e avaliação
comunitário. (LAPP/CEAG) das medidas socioeducativas
As dimensões a serem consi- Para construção do PIA, deverá
deradas no PIA seguem as diretri- ser realizado estudo de caso a partir
zes fixadas pelos eixos da garantia da reunião com a equipe multiprofis-
de direitos fundamentais: escolari- sional, com a presença e participação
zação, profissionalização, cultura, de agentes socioeducativos.
esporte e lazer; saúde física e men- No estudo de caso, serão sis-
tal; convivência familiar e comu- tematizadas as informações refe-
nitária; espiritualidade; situação rentes ao contexto sociofamiliar de
processual e deve preparar o ado- origem do adolescente, as circuns-
lescente para o desligamento. tâncias da prática do ato infracio-
O artigo 54 da citada Lei dis- nal, suas aptidões, habilidades,
põe que constarão do PIA: interesses e motivações, suas carac-
terísticas pessoais e condições para
I - os resultados da avaliação
superação das suas dificuldades. É
interdisciplinar; o momento de troca de informa-
ções, reflexão e discussão interdis-
II - os objetivos declarados pelo ciplinar, onde cada profissional
adolescente;
contribui com a sua área de forma-
III - a previsão de suas atividades ção com a finalidade de planejar as
de integração social e/ou capaci- ações e ter subsídios para a elabo-
tação profissional; ração do Relatório Técnico Multi-
IV - atividades de integração e disciplinar do adolescente que será
apoio à família; encaminhado ao Poder Judiciário.
V - formas de participação da O PIA exige um contrato com
família para efetivo cumpri- o adolescente. É neste contrato que
mento do plano individual; e se estabelecerão as metas e os pra-
zos, considerando os critérios de
VI - as medidas específicas de
atenção à sua saúde. prioridade e viabilidade e tendo
como ponto de partida as propos-
tas emergentes do estudo de caso.
A construção do PIA é de res- É este contrato que será encami-
ponsabilidade da equipe técnica do nhado para o Poder Judiciário no
Programa (meio aberto ou fechado) prazo de até 45 (quarenta e cinco)
e se inicia com a recepção do adoles- dias da data do ingresso do adoles-
cente. Deve-se considerar a escuta cente no programa de atendimento.
do adolescente e do seu grupo

276
PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO

O desenvolvimento do PIA dimento. Ambos são instrumentos


requer que a equipe continue um que vão subsidiar a decisão de en-
trabalho de integração das in- caminhamento da medida socioe-
formações e observações sobre o ducativa do adolescente.
encaminhamento do processo so- Os registros do PIA de cada
cioeducativo do adolescente. Este adolescente não são uma tarefa fá-
acompanhamento consiste em cil. Sabemos dos desafios da so-
(DEGASE, 2013, p. 05): cioeducação e o quanto somos
capturados pela nossa rotina e
a. observar e documentar os
demandas institucionais, que en-
avanços e retrocessos, facilidades gessam a nossa prática e nos dis-
e dificuldades, sucessos e insuces- tanciam das ações socioeducativas.
sos apresentados pelo adolescente, Por isso, é importante promover
face ao previsto no PIA; ações integradas e políticas inter-
b. estimular, facilitar e apoiar o
setoriais buscando, assim, romper
adolescente em suas atividades; com uma cultura de institucionali-
zação e fortalecer o paradigma da
c. indicar e fomentar ações atenção integral expressa na lei.
voltadas ao aprimoramento do
É através de uma intervenção
atendimento prestado;
na dimensão clínica, educativa,
d. facilitar e incentivar a comu- social e política que se busca recons-
nicação entre as partes envolvidas truir com esses jovens um novo
no processo educacional;
caminho. É importante criar condi-
e. articular as ações desenvolvi- ções para que eles reflitam sobre a P
das nas diferentes atividades na sua realidade, contem suas histórias,
unidade em função do previsto formulem suas questões, impli-
no PIA dos adolescentes. (...) quem-se, posicionem-se em relação
ao seu dizer e que não fiquem, sim-
O acompanhamento do PIA plesmente, capturados em seus
deve se processar diariamente em destinos, sem saídas e sem escolhas.
todas as atividades que o adolescente
esteja envolvido de forma comparti-
lhada, participante e interativa. R E F E R ÊNC I A S
O Relatório Técnico e o PIA se
complementam. O Relatório Téc- ADIMARI, M. F.; PAES, P.
nico de avaliação da medida socio- C.; COSTA, R. P.(Org). Formação
educativa deve obrigatoriamente Continuada de Socioeducadores,
ser embasado a partir da constru- caderno 4: PIA – Plano Individual
ção do Plano Individual de Aten-

277
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

de Atendimento. Campo Grande, ________. Plano Individual de


MS: Ed. UFMS, 2013. Atendimento (PIA). Rio de Janeiro:
Governo do Estado. Secretaria
BRASIL. Constituição da
de Estado de Educação. Rio de
República Federativa do Brasil,
Janeiro: Departamento Geral de
Senado Federal, Brasília, 1988.
Ações Socioeducativas, 2013.
______ Estatuto da Criança
IASP. Cadernos do IASP: Prá-
e do Adolescente, Lei 8.069/90,
ticas de Socioeducação. Curitiba:
Ministério da Justiça, Brasília, 1990.
Imprensa Oficial do Paraná, 2006.
______ Conselho Nacional do
LAPP/CEAG. Apostilas do
Direito da Criança e do Adoles-
Curso de Formação de Operadores
cente. SINASE – Sistema Nacional
do Sistema Nacional de Atendi-
de Atendimento Socioeducativo.
mento Socioeducativo (SINASE).
Brasília, 2006.
Brasília: Universidade de Bra-
______ Sistema Nacional de sília, CEAG (Centro de Estudos
Atendimento Socioeducativo – Lei Avançados de Governo e Admi-
Federal nº 12.594, de 18/01/2012. nistração Pública) e Secretaria de
_______ Plano Nacional de Pro- Direitos Humanos, 2014.
moção, Proteção e Defesa do Direito
de Crianças e Adolescentes a Con-
vivência Familiar e Comunitária.
Brasília/ DF, dezembro de 2006.
DEGASE. Plano de Atendi-
mento Socioeducativo do Governo
do Estado do Rio de Janeiro -
(PASE) - Decreto nº 42.715 de
23/11/2010. Diário Oficial do Estado
do Rio de Janeiro - ANO XXXVI -
Nº 213. Governo do Estado do Rio
de Janeiro. Secretaria de Estado
de Educação. Rio de Janeiro:
Departamento Geral de Ações
Socioeducativas, 2010.

278
PLANO MUNICIPAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

PLANO MUNICIPAL DE ATENDIMENTO


SOCIOEDUCATIVO

Thaís Vargas Menezes1

Em busca da compreensão do sócio-histórica e cultural. Assim, a


Plano Municipal Socioeducativo, descentralização político-adminis-
precisamos esclarecer o processo trativa foi tomada como um princí-
de municipalização das políticas pio fundamental para a construção
públicas desde a Constituição Fe- e principalmente para a execu-
deral de 1988, conhecida como a ção do atendimento à população.
Constituição Cidadã. É importante Sendo o menor ente da federação, o
também conhecer a proposta so- município assume um papel muito
cioeducativa, entendendo a relação importante. A municipalização do
de responsabilização do adoles- atendimento à população não é,
cente autor de ato infracional e as portanto, uma proposta restrita ao
responsabilidades do Poder Pú- atendimento socioeducativo, ela
blico dentro deste contexto. está ligada a uma concepção de
A Constituição Federal de prática política que vai permear a
1988 é um marco fundamental na política de saúde, de educação, de
discussão de qualquer política pú- assistência social, entre outras, e P
blica por ter realizado uma grande também a socioeducativa.
transformação legal e ideológica, Outro avanço conquistado pela
visando a mudanças culturais a CRFB/88 foi a organização dos servi-
longo prazo. Considerando o fim ços em sistemas, por exemplo, o Sis-
do período de ditadura, a constru- tema Único de Saúde (SUS), Sistema
ção da Carta Magna procurou ser Único de Assistência Social (SUAS)
o mais democrática possível, am- e, na mesma lógica de organização
pliando ao máximo a participação do atendimento, o Sistema Socio-
popular nas decisões políticas. Fo- educativo. A palavra sistema traz
ram encontrados desafios à efetiva a compreensão de que os serviços
participação, como a extensão ter- prestados à população devem fun-
ritorial do país e as pluralidades cionar como um conjunto, em rela-

1 Psicóloga DEGASE. Psicóloga Secretaria de Assistência Social do Município de


Itaguaí. Mestre em Psicologia UFRJ.

279
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ção uns com os outros, que tenham A noção de sistema, já mencio-


coordenação e organização entre si, nada, contrapõe-se diretamente às
ou seja, é fundamental que os servi- instituições totais. Se na vigência
ços estejam articulados para garan- anterior o atendimento retirava as
tir um atendimento de qualidade e crianças da família para oferecer
completo. tudo em um único espaço, agora é
Em relação às políticas volta- necessária a formação da rede pro-
das para a infância e a juventude, tetiva e da articulação entre os sis-
a Constituição traz a Doutrina da temas para atender a família em
Proteção Integral como norteadora seu território, efetivando o Sistema
de todas as ações, contrapondo- de Garantia de Direitos da Criança
-se à Doutrina da Situação Irregu- e do Adolescente (SGD).
lar dos Códigos de Menores (1927 O SDG está organizado em três
e 1979), em que as crianças “aban- eixos: da defesa dos direitos, res-
donadas ou delinquentes”, que ponsabilidade dos órgãos ligados
tinham uma rotina de vida dife- ao sistema judiciário e conselhos
rente daquela esperada pela classe tutelares; de promoção de direitos,
dominante, oriundas de famílias composto pelos órgãos que execu-
mais pobres, sem instrução, que tam serviços e programas voltados
viviam em condições precárias para a criança e o adolescente; e o
de moradia e alimentação, e que eixo do controle social, no qual a
se organizavam de formas múlti- sociedade é convocada em sua res-
plas, eram tidas como incapazes ponsabilidade com as políticas pú-
de educar bem seus filhos, preju- blicas. O último eixo, em especial,
dicando a formação do bom cida- nos interessa para a discussão do
dão brasileiro, justificando assim plano municipal porque o controle
que o Estado as retirasse da famí- social é o espaço em que represen-
lia e assumisse os cuidados. Neste tantes governamentais e da socie-
período, a manutenção dos víncu- dade civil se reúnem, de forma
los familiares e comunitários não paritária, para formular, regula-
era preservada. As referidas insti- mentar, socializar, fiscalizar, deli-
tuições de atendimento ofereciam berar e aprovar políticas públicas.
todos os recursos para escolari- No caso das políticas e ser-
zação, acesso ao atendimento de viços ofertados ao público da
saúde, à alimentação, à moradia, infância e juventude, temos por
à cultura, tudo dentro dos muros; referência o Conselho Nacional
essa era a configuração das insti- dos Direitos da Criança e do Ado-
tuições totais. lescente (CONANDA), o Conselho
Estadual de Defesa da Criança e

280
PLANO MUNICIPAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

do Adolescente (CEDCA) e, em processos naturais, mas sim resul-


âmbito municipal, o Conselho tados das interações, colocando
Municipal de Direitos da Criança em cena outros atores, como a
e do Adolescente (CMDCA). O família, a sociedade e o Estado,
município pode elaborar diver- também responsáveis pelas crian-
sos planos municipais, que vão ças e adolescentes desde a adoção
organizar o eixo da promoção de da Doutrina da Proteção Integral
direitos, ou seja, vão direcionar a (CRFB, 1988; ECA, 1990).
execução das políticas em âmbito As referidas medidas têm
local, tendo como norteador maior três objetivos: a desaprovação da
as diretrizes constitucionais. conduta, para que ela não seja re-
No Sistema Socioeducativo, as petida; a responsabilização do
diretrizes comuns são dadas pela adolescente pelo ato cometido,
CRFB/88, o ECA (1990), o SINASE para que compreenda os efeitos
(2006), que foram base para a elabo- de seus atos; e a integração social
ração do Plano Nacional de Atendi- (MDS, 2010). Configura-se assim o
mento Socioeducativo, que é base caráter pedagógico da medida so-
para os Planos Estaduais de Aten- cioeducativa, com especial olhar
dimento Socioeducativo e os Pla- para o último objetivo, que pre-
nos Municipais de Atendimento tende reestabelecer os laços rom-
Socioeducativo. Tendo em vista pidos pela prática infracional. O
que no município as ações socioe- atendimento socioeducativo tem
ducativas estão intimamente liga- como foco: o adolescente, a sua fa-
das ao SUAS, os documentos que mília e a sociedade na qual estão P
norteiam este sistema também pre- inseridos, promovendo interven-
cisam ser considerados. ções também sobre o território.
As medidas socioeducativas A elaboração do plano deve
estão previstas no Estatuto da partir da construção de um diag-
Criança e do Adolescente (ECA) e nóstico situacional do município.
visam à responsabilização do ado- É importante conhecer o perfil
lescente autor de ato infracional2. dos adolescentes que respondem
Elas consistem em uma resposta por ato infracional, observando
legal e social, considerando a demandas e necessidades mais
condição peculiar de desenvolvi- frequentes. Também precisa ser
mento do adolescente, ou seja, seu realizado levantamento da rede
processo de educação e a constru- de atendimento, das condições de
ção de sua sociabilidade não são acesso, da qualidade dos servi-

2 Ato infracional é conduta análoga às condutas tipificadas como crime ou con-


travenção no Código Penal.

281
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ços. É preciso estar especialmente mento de parcerias que viabilizem


atento às redes de saúde, educação, qualificação, estágios e inserção
assistência social, cultura, esporte no mercado de trabalho. As famí-
e lazer, que são os direitos funda- lias devem ser incluídas neste pro-
mentais, identificando possíveis cesso, visto que o suporte à família
falhas da política pública local também contribui para a constru-
na formação dos jovens, além de ção de outras inserções possíveis
pensar em estratégias para priori- para o adolescente.
zar o acesso dos adolescentes em O Plano Nacional Socioedu-
cumprimento de medida socio- cativo (2013) identifica que, no ano
educativa. O diagnóstico pode e de 2012, havia 19.595 adolescen-
deve contribuir para avançar em tes em cumprimento de medida
qualidade de serviço para toda a socioeducativa em meio fechado
população, considerando o papel e 88.075, em meio aberto. Os da-
protetivo do Estado. dos do meio aberto são colhidos
Segundo o Levantamento pelo Censo SUAS, que monitora o
Anual SINASE – Privação e Res- atendimento dos equipamentos da
trição de Liberdade referente ao Assistência Social, isto porque as
ano de 20133, entre os adolescen- medidas em meio aberto são exe-
tes privados ou com restrição de cutadas pelos Centros de Referên-
liberdade o roubo (43%) e o tráfico cia Especializados de Assistência
(24,8%) continuam sendo os atos Social (CREAS). No âmbito mu-
infracionais mais praticados. In- nicipal, SINASE e SUAS precisam
dependente da história que apro- estar bastante articulados para que
ximou o adolescente da ilicitude, seja possível um acompanhamento
o retorno financeiro da infração de qualidade aos adolescentes.
é um desafio que se coloca no É importante lembrar que a
acompanhamento destes jovens; é grande maioria dos municípios
fundamental que sejam constru- não contam com unidades de pri-
ídas alternativas. O plano precisa vação ou restrição de liberdade
identificar, além do acesso à es- em seu território, porque é um
colarização, as possibilidades de serviço excepcional e que deve
profissionalização e empregabi- acontecer em tempo breve, em
lidade. Questões que podem ser contrapartida, isto gera demanda
discutidas, por exemplo, em con- de deslocamento das famílias
junto com associações comerciais para visitação ou mesmo para o
e empresariais para o estabeleci- adolescente que retorna da semi-

3 O Levantamento de referência foi publicado em 2015, mas faz referência aos


dados de 2013.

282
PLANO MUNICIPAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

liberdade aos finais de semana. REFERÊNCIAS


O atendimento em unidades do
meio fechado, por mais que rea- BRASIL, Código de Menores
lize intervenções sobre a família, - Mello Mattos. Decreto 17.943A
não possui alcance de ação no de 1927.
território e, por isso, deve estar
BRASIL, Constituição Federal
articulado com o CREAS, para
de 1988.
que, durante o processo de afasta-
mento, os vínculos comunitários BRASIL, Estatuto da Criança e
sejam fortalecidos e a família do Adolescente. Lei n° 8.069 de 1990.
esteja mais fortalecida para rece- BRASIL, Presidência da Repú-
ber o adolescente em seu retorno. blica. Secretaria Especial de Direi-
Observamos que o processo tos Humanos (SDH). Sistema
de construção do Plano Munici- Nacional De Atendimento Socio-
pal Socioeducativo pode ser con- educativo – SINASE. Brasília (DF):
siderado um grande movimento CONANDA, 2006.
de articulação entre as políticas
setoriais para efetivar o funcio- BRASIL, Ministério do Desen-
namento do Sistema de Garantia volvimento Social e Combate à
de Direitos. A identificação de de- Fome. Caderno de Orientações
mandas e potencialidades do mu- Técnicas: Serviço de Medidas
nicípio, a organização de fluxos Socioeducativas em Meio Aberto.
entre os serviços e a proposição Secretaria Nacional de Assistência
Social. Brasília (DF), 2010.
de ações específicas para este pú- P
blico são as principais estratégias BRASIL. Presidência da Repú-
para garantir direitos, para além blica. Secretaria de Direitos Huma-
da responsabilização do ado- nos (SDH). LEVANTAMENTO
lescente, a responsabilização do ANUAL SINASE 2013. Brasília (DF),
poder público. Talvez seja interes- Secretaria de Direitos Humanos da
sante pensar que todo este traba- Presidência da República, 2015.
lho possa também ser aproveitado
para outras crianças e adolescen-
tes do território, o que poderia re-
duzir a vulnerabilidade e quiçá
romper o ciclo de violência ini-
ciado pelo Estado.

283
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO


E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E
COMUNITÁRIA (PNCFC)

Clayse Moreira e Silva1

O Plano Nacional de Promo- servação e do fortalecimento dos


ção, Proteção e Defesa do Direito vínculos familiares e comunitários.
de Crianças e Adolescentes à Con- Assim, atendendo à Conven-
vivência Familiar e Comunitária ção Internacional sobre os Direitos
(PNCFC) foi aprovado em 13 de da Criança, o PNCFC implementa
dezembro de 2006 pela Resolução a Doutrina da Proteção Integral,
Conjunta do Conselho Nacional rompendo com os paradigmas
de Assistência Social (CNAS) e da Doutrina Penal do Menor e da
do Conselho Nacional dos Direi- Doutrina da Situação Irregular.
tos da Criança e do Adolescente O PNCFC considera crianças
(CONANDA), no 1/2006. e adolescentes como sujeitos de di-
A tão ampla e diversa par- reitos em condição peculiar do de-
ticipação em nível intersetorial, senvolvimento, sendo um marco,
envolvendo governo e sociedade principalmente para aquelas com
civil, de todas as esferas e seg- vínculos familiares fragilizados
mentos, e a consulta pública, ou interrompidos. Impôs uma mu-
desde 2002, possibilitaram um dança de paradigma ao conside-
giro paradigmático, abandonan- rar a família e a comunidade como
do-se a preocupação original de “lócus” privilegiados para a per-
implementar uma política de re- manência e desenvolvimento de
ordenamento dos abrigos para todas as crianças e adolescentes.
afirmar a importância da perma- Trouxe a família para a centrali-
nência da criança e do adolescente dade das políticas públicas, dialo-
em sua família de origem, da pre- gando com o SUAS (Sistema Único

1 Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ), Psicóloga espe-


cialista em Psicologia Jurídica. Coordenação Colegiada da Associação Nacional
dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) e do Centro de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (CEDECA RJ).

284
PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA (PNCFC)

de Assistência Social) e rompendo O PNCFC foi um dos princi-


com a lógica da institucionaliza- pais parâmetros para a elaboração
ção. O PNCFC também é centrado da Lei 12.010/2009, conhecida como
na matricialidade sociofamiliar, na “Lei da Convivência Familiar e Co-
vivência comunitária e na oferta munitária”, que alterou significati-
de serviços e ações destinadas à vamente o Estatuto da Criança e do
prevenção das situações de viola- Adolescente, no que tange à preser-
ção de direitos, fortalecimento de vação e fortalecimento dos víncu-
vínculos e apoio à família, obede- los familiares e comunitários, bem
cendo também à lógica territorial. como à regulamentação e funcio-
O PNCFC trata os programas namento dos programas de acolhi-
de acolhimento institucional como mento familiar e institucional. O
necessários, porém excepcionais Sistema Nacional de Atendimento
e transitórios, devendo-se recor- Socioeducativo (SINASE) e o Sis-
rer aos mesmos somente quando tema Único de Assistência Social
esgotadas todas as possibilida- (SUAS, contemporâneo ao PNCFC)
des de manutenção na família de são normativas que também tive-
origem ou para a colocação em fa- ram como referência o PNCFC.
mília substituta. Além disso, o PNCFC propõe
Essa mudança de olhar impli- ações e diretrizes para o cumpri-
cou na criação de programas de mento do art. 229 da Constituição
apoio, auxílio e proteção à famí- Federal, a qual determina que
lia; na realocação de recursos “os pais têm o dever de assistir,
para essa finalidade pelos estados criar e educar os filhos menores P
e municípios; na deliberação de (...)” (CF, 1988); e dos arts. 19, 92 e
resoluções sobre o assunto pelos 100 do Estatuto da Criança e do
Conselhos Municipais e Estaduais Adolescente (ECA), que se referem
dos Direitos da Criança e do Ado- à provisoriedade e excepciona-
lescente; na implementação de lidade da colocação de crianças
programas de acolhimento fami- e adolescentes em programas de
liar (famílias acolhedoras, entre acolhimento institucional ou em
outros); na criação de um cadastro família substituta.
e numa nova política para a ado- O PNCFC apresenta os marcos
ção. Modificou a forma de atuar legais, conceituais e situacionais,
nos Conselhos Tutelares, no sis- as diretrizes, os objetivos gerais,
tema jurídico, nas entidades de os resultados programáticos, os
atendimento, nos antigos “abri- indicadores para a sua implemen-
gos”, agora intitulados programas tação, monitoramento e avaliação.
de acolhimento institucional. O PNCFC traz ainda um plano de

285
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ação em quatro eixos: 1 – Análise afeto, proteção e cuidado familiar,


de situação e sistemas de infor- nos quais os indivíduos cons-
mação; 2 – Atendimento; 3 – Mar- troem seus primeiros vínculos
cos regulatórios e normativos; 4 afetivos, experimentam emoções,
– Mobilização, articulação e par- desenvolvem a autonomia, tomam
ticipação, para ser implementado decisões, exercem o cuidado mútuo
num período de 9 anos (2007-2015). e vivenciam conflitos. Considera
Nos marcos conceituais, o a família como um espaço dinâ-
Plano amplia o conceito “família mico em constante transformação,
natural” (Art. 25/ECA). Introduz tendo a crença de que cada famí-
os conceitos de família extensa ou lia é singular e potencialmente
ampliada – que se estende para capaz de se reorganizar diante de
além da unidade pais e filhos ou suas dificuldades, de maximizar
da unidade do casal, formada por as suas capacidades, de transfor-
parentes próximos com os quais a mar suas práticas para consolidar
criança ou adolescente convive e novas formas de relações.
mantém vínculos de afinidade e O PNCFC vê na comunidade o
afetividade, podendo estar ou espaço onde os sujeitos expressam
não dentro do mesmo domicílio, a sua individualidade e encon-
incluindo, por exemplo, irmãos, tram importantes recursos para o
meio-irmãos, avós, tios e primos seu desenvolvimento, reconhecen-
de diversos graus (PNCFC, 2006). do-a como mediadora das relações
O PNCFC desenvolve, ainda, que crianças e adolescentes esta-
os conceitos de convivência fami- belecem, contribuindo para a
liar e de convivência comunitária, construção de relações afetivas e
admitindo os novos arranjos fami- de suas identidades individual e
liares e cotidianos, a diversidade coletiva. Destaca a sua importância
sócio e étnicocultural das famílias no suporte à família em situações
dos povos e comunidades tradi- de crise, cuidando das crianças
cionais (indígenas; remanescentes e adolescentes na ausência dos
de quilombos), com respeito à pais, denunciando violações ou
identidade e orientações sexuais, realizando projetos coletivos e
à equidade de gênero e às parti- de cooperação mútua como for-
cularidades das condições físicas, mas de apoio coletivo, protegendo
sensoriais e mentais. crianças e adolescentes.
Portanto, ele abandona a ideia O PNCFC considera também
preconcebida de “modelo familiar a ameaça e a violação dos direi-
normal”, “funcional” ou “estru- tos da criança e do adolescente
turado”. Resgata a referência de pela família e pelo Estado, consi-

286
PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA (PNCFC)

derando a co-responsabilização cente seja mantido em sua família


constitucional de ambos, as inter- original. Nesse sentido, na desin-
venções através de programas de ternação, na progressão da medida
atenção à família, bem como as e no cumprimento em meio aberto,
medidas previstas no Estatuto da as ações devem estar centradas no
Criança e do Adolescente. restabelecimento e no fortaleci-
Nessa lógica, promoveu mo- mento dos vínculos familiares e
dificações importantes na forma comunitários, no seu território de
de atendimento também ao ado- moradia e da sua família.
lescente que cumpre medida so- Não é à toa que, na elabo-
cioeducativa. Aborda o tema dos ração do Plano Individual de
“adolescentes em conflito com a Atendimento (PIA), deve-se consi-
lei em cumprimento de medidas derar a participação e colaboração
socioeducativas”, apresentando a direta da família, contando com a
realidade situacional desses ado- contribuição dos recursos comu-
lescentes na ocasião em que o nitários e da sociedade civil. Com
Plano foi aprovado. Em 2006, havia esse objetivo, os serviços de educa-
em torno de 28% menos adolescen- ção, saúde, formação profissional,
tes em cumprimento de medidas fortalecimento de vínculos e de
privativas de liberdade do que em proteção especial devem estar arti-
2016. Ratifica o SINASE, reprodu- culados ao trabalho desenvolvido
zindo que tal Plano ressalta que pelos programas de execução de
medidas socioeducativas.
as práticas sociais devem ofere-
Uma vez seguido o PNCFC, P
cer condições reais, por meio de em articulação com o SINASE,
ações e atividades programáticas adotando-se a lógica do SUAS, as
à participação ativa e qualitativa medidas socioeducativas, princi-
da família no processo socioedu- palmente as privativas de liber-
cativo, possibilitando o fortaleci- dade, precisam ser executadas o
mento dos vínculos e a inclusão mais próximo da família e da co-
dos adolescentes no ambiente fa- munidade do adolescente. O Art.
miliar e comunitário (SINASE, 124/ECA estabelece que um dos
apud PNCFC, 2006, p. 58).
direitos do adolescente internado é
permanecer na mesma localidade
A preservação e o fortaleci- ou naquela mais próxima ao domi-
mento dos vínculos familiares e cílio dos seus pais ou responsáveis.
comunitários devem ser conside- O Art. 49, inc. II/SINASE, estabe-
rados na progressão da medida lece que é direito do adolescente
socioeducativa para que o adoles-

287
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ser incluído em programa de ressignificar as suas experiências


meio aberto quando inexistir ou encontrar novos significados.
vaga para o cumprimento de O prazo para implementar o
medida de privação da liberdade, plano de ação proposto no PNCFC
exceto nos casos de ato infracio-
já expirou. É momento de revisá-lo,
nal cometido mediante grave
ameaça ou violência à pessoa,
avaliar os indicadores alcançados
quando o adolescente deverá ser e propor a sua atualização. Muito
internado em Unidade mais pró- se avançou na política de atendi-
xima de seu local de residência mento à criança e ao adolescente
(p. 16, SINASE, 2012). com o PNCFC. Porém, ainda é
preciso implementá-lo para os
adolescentes que cumprem medi-
Assim, questiona-se por que,
das socioeducativas e para as
nesses casos, a prevalência do
crianças e adolescentes em situa-
direito à convivência familiar e
ção de rua, de exploração sexual,
comunitária na lógica da socioedu-
e as limitadas em suas condições
cação, em detrimento da punição,
físicas, sensoriais ou mentais.
na maioria das vezes, não é seguida
Na revisão do PNCFC, reco-
pela autoridade judiciária.
menda-se uma especial atenção
São possíveis circunstâncias
para o desenvolvimento de ações
que impeçam o adolescente de
concretas que efetivem a articu-
retornar ao convívio de sua famí-
lação entre o PNCFC, o SUAS e
lia e de sua comunidade, como por
o SINASE, garantindo também
exemplo, quando há a ameaça de
a elas o direito às convivências
morte ou o rompimento defini-
familiar e comunitária.
tivo dos vínculos familiares. Para
isso, é necessário que existam pro-
gramas de apoio aos adolescentes
que têm a medida de internação REFERÊNCIAS
extinta ou que progridem para o
meio aberto, ou “repúblicas” para BRASIL. Lei Federal 8.069, de
os adolescentes que se encontram 13 de julho de 1990. Dispõe sobre
nessas circunstâncias e estão pres- o Estatuto da Criança e do Ado-
tes a completar ou já completaram lescente. Brasília, 1990. Disponível
18 anos, apoiando-os nessa nova em: <http://www.planalto.gov.br/
etapa da vida. Tais programas ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso
possibilitariam o restabelecimento em 19 de junho de 2016.
e o estabelecimento de novos ______. Senado Federal. Lei
vínculos comunitários, podendo 12.010/2009. Lei da convivência
familiar e comunitária. Brasília,

288
PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA (PNCFC)

2009. Disponível em: <http://www. CNAS/CONANDA. Plano


planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- Nacional de Promoção, Proteção
2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso e Defesa do Direito de Crianças e
em: 27 de agosto de 2010. Adolescentes ao Direito à Convivên-
cia Familiar e Comunitária. Brasília,
______. Presidência da Repú-
2006. Disponível em: http://www.
blica. Lei 12.594/2012. Institui o
conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-
Sistema Nacional de Atendimento
-imprensa/publicacoes/PNCFC%20
Socioeducativo (Sinase) e regu-
_%2028 _12 _ 0 6%20 _%20Do c u-
lamenta a execução das medidas
mento%20Oficial%20_2_.pdf/view.
socioeducativas destinadas a
Acesso em: 25 de junho de 2016.
adolescente que pratique ato infra-
cional. Brasília, 2012. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/
l12594.htm>. Acesso em: 25 de
junho de 2016.

289
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PLANTÃO INTERINSTITUCIONAL (PI)

Leandro Torres Dos Reis1


Susan Lemos Gibson2
Deborah Rosangela Gonçalves Pezzi3

O Plantão Interinstitucional Comarca da Capital (atualmente


(PI) foi criado em 1997 e é uma no bairro de Olaria), atendendo a
unidade do DEGASE com carac- todas as unidades desta comarca
terística bem peculiar comparada de forma predominante e do inte-
às demais unidades. Sua concep- rior, caso haja necessidade.
ção se deu em virtude de estar pre- O PI conta com uma equipe
visto na Lei 8069/90, em seu art. 88, composta de agentes administra-
inciso V - Estatuto da Criança e do tivos, agentes socioeducativos e
Adolescente (ECA), ratificado em equipe técnica, que procuram pro-
2012 pela Lei 12594/12 (SINASE), mover relações sociais de trabalho
que reforça a importância do PI. A coletivas baseadas na cooperação.
unidade nasce com a finalidade de Um de seus objetivos é fa-
integração operacional de órgãos zer parte do sistema de garantia
do Judiciário, Ministério Público, de direitos, contribuindo com a
Defensoria Pública, Segurança Pú- celeridade da trajetória jurídico-
blica, Assistência Social e outras -institucional dos adolescentes
unidades do Degase. Funciona na apreendidos por cometimento de
Vara da Infância e da Juventude da ato infracional, garantindo o cum-

1 Banco do Brasil: estagiário Aux. Adm. (2004). UNEI: setor jurídico (2004). UNESA:
auxiliar de cobrança (2008). UNESA: Bacharel em Direito (2010). Escritório Marques
de Oliveira: advogado (2011). Advogado autônomo (2011). Curso de Direito
Previdenciário (2013). Agente socioeducativo Degase ESE. Transferência PI (2015).
Diretor PI. Pós Graduação: Direito Previdenciário e Trabalhista (cursando).
2 Coordenadora de saúde mental do HEGV da SESRJ de 2003 até 2013. Psicóloga do
Degase desde 2013. Psicóloga da Secretária de saúde do Rio de Janeiro desde 2007.
Matriciadora da ESF. Graduada pela PUC/RIO. Operadora do sistema socioeducativo.
3 eEntrada no Degase DEGASE - unidade ESD (PACGC) (1995). Atual lotação
PI. Função: ADM. (2000). Técnico em enfermagem (PROFAE). Licenciatura em
Pedagogia UCB (. 2013). Pós-Graduada em Gestão Escolar Integradora UCB (Adm.
Escolar, Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Professor Inspetor Escolar) (.
2015). Letras: Português/Literatura UNESSA (cursando). Italiano UFRJ (cursando).

290
PLANTÃO INTERINSTITUCIONAL (PI)

primento dos prazos estabelecidos Defensoria Pública (DP). A seguir,


em lei e, assim, evitando violações ele é conduzido ao Ministério
de direitos. Busca, também, atra- Público, que, já de posse da docu-
vés da sua prática, contribuir para a mentação entregue pela delegacia,
construção de uma sociedade mais realiza a oitiva. Depois é levado ao
tolerante e inclusiva, concretizando corpo técnico (psicóloga / assistente
os avanços contidos nas legislações. social), seguindo-se a audiência de
Além disso, pretende desen- apresentação, na qual o juiz deter-
volver um trabalho com base nos mina a liberação com entrega aos
princípios de interlocução ativa e responsáveis e/ou liberação com
participativa, que possibilite um encaminhamento ao abrigo, caso
melhor atendimento às necessi- os responsáveis não estejam pre-
dades de adolescentes em conflito sentes, ou internação provisória
com a lei e de suas famílias. Visto com audiência de continuação
que somos parte de um corpo marcada para data posterior e,
social, procuramos contribuir, pro- nesse caso, o adolescente é enca-
piciando ao adolescente o acesso a minhado ao Degase pelos agentes
direitos e a oportunidades de supe- do PI para acautelamento até a
ração de sua situação de exclusão, data da audiência designada.
tornando mais digna a sua passa- Agentes do Plantão Interinsti-
gem na instituição e mobilizando tucional (PI) precisam:
esforços para que os prazos legais • Acautelar os adolescentes
sejam cumpridos. entregues pela DPCA;
O adolescente em conflito • Fazer o transporte entre as P
com a lei, ao ser apreendido pelas unidades do Degase e a VIJ dos ado-
Delegacias locais, deverá ser enca- lescentes com audiência marcada,
minhado à Delegacia de Proteção à que pode ser: audiência de apresen-
Criança e ao Adolescente (DPCA), tação, continuação, especial e reava-
que também pode efetuar apreen- liação, procedendo também o seu
sões e proceder com sua autuação, acautelamento enquanto se encon-
encaminhando-o para o Núcleo trarem nas dependências da VIJ;
de Audiência de Apresentação • Atualizar periodicamente
(NAAP), criado em junho de 2016 a planilha de atendimento ela-
em consonância com o ECA art. borada pelo PI, contendo dados
88, inciso V e ratificado pela Lei quantitativos que permitem o con-
12594/12 (SINASE). trole do atendimento fornecido,
O adolescente é recebido pelos assegurando a transparência e tor-
agentes do PI que os encami- nando público o funcionamento e
nham para uma entrevista com a os resultados obtidos;

291
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

• Garantir maiores infor- • Marcar atendimento dos


mações aos responsáveis sobre a adolescentes e dos seus responsáveis
situação jurídico-processual do para o serviço social ou psicologia
adolescente mediante consulta ao do judiciário, quando necessário;
sistema de informática; • Encaminhar o adolescente e
• Assessorar as unida- a família para o Centro de Referência
des quanto aos procedimentos a Especializado da Assistência Social
serem tomados no que tange aos do Município (CREAS), para cumpri-
incidentes processuais através de mento das medidas Socioeducativas
comunicação permanente; (MSE) de Liberdade Assistida (LA) e
• Encaminhar documentos Prestação de Serviço à Comunidade
da Vara da Infância e Juventude (ofí- (PSC), de acordo com o SINASE;
cios, solicitações, guia de execuções • Entregar os encaminha-
e outros) às unidades do Degase mentos determinados em audiência
mediante uma guia de remessa; ao cartório para que procedam à
• Receber e protocolizar realização dos ofícios às unidades
documentos das unidades do do Degase, tornando, assim, mais
Degase nos setores da VIJ e devol- rápido o andamento do processo.
vê-lo com o devido recebimento;
• Acompanhar o adolescente e “A única história que vale alguma
também sua família, desde sua aco- coisa, é a história que fazemos hoje”.
lhida (quando da entrada do sistema) (Henry Ford)
até o seu desligamento, visando à
humanização do atendimento;
• Garantir espaços de encon-
tro coletivo para a discussão de
assuntos relevantes para melhoria REFERÊNCIAS
organizacional do trabalho e para
sua avaliação a partir de critérios BRASIL. Lei nº 8.069, de 13
consensuais, constituídos pelo de julho de 1990. Dispõe sobre
coletivo, que sejam indicadores de o Estatuto da Criança e do
qualidade do trabalho; Adolescente (ECA) e dá outras pro-
• Atender a família pós-au- vidências. Disponível em: <http://
diência. A equipe técnica deve www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
desenvolver ações visando a ofe- L8069.htm>. Acesso em: 20 jun. 2016.
recer um espaço de informações, _______. Lei nº 12.594, de 18
orientações e reflexões, estimu- de janeiro de 2012. Institui o
lando, assim, a participação da Sistema Nacional de Atendimento
família no processo socioeducativo; Socioeducativo (Sinase), regula-

292
POLÍTICAS SOBRE DROGAS

menta a execução das medidas ABDALLA, J. F. S.; SILVA S. P.;


socioeducativas destinadas a VELOSO, B. R. Curso de Operadores
adolescente que pratique ato infra- do Sistema Socioeducativo. In:
cional. Disponível em: <http:// Ações Socioeducativas, Formação
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ e Saberes Profissionais: A psi-
ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm>. cologia no PI, A Importância do
Acesso em: 20 jun. 2016. Primeiro Acolhimento à Família
de Susan Lemos Gibson. Rio de
Projeto Político Pedagógico
Janeiro: Degase, p.177-186, 2015.
do PI. Rio de Janeiro: 2006.

POLÍTICAS SOBRE DROGAS

Renato Athayde Silva (Renato Cinco)1

A política sobre drogas con- 1998, e posteriormente transferida


siste no conjunto de concepções, para a estrutura do Ministério
convenções, práticas e equipamen- da Justiça pelo Decreto nº 7.426,
tos públicos ou em parcerias pú- de 7 de janeiro de 2011), assim
blico-privadas direcionados a lidar como pelo Conselho Nacional de
com o uso de substâncias psico- Políticas sobre Drogas - CONAD P
ativas tornadas ilegais pelas con- - e pela gestão do Fundo Nacional
venções internacionais e/ou pela Antidrogas – FUNAD.
legislação nacional. Segundo a Organização
A política pública brasileira Mundial de Saúde (OMS), droga
sobre drogas é comandada pela é toda a substância que, introdu-
SENAD, Secretaria Nacional de zida no organismo vivo, modifica
Políticas Sobre Drogas (criada pela seu funcionamento. Esta definição
medida provisória nº 1669, de junho engloba substâncias ditas lícitas e

1 Sociólogo, vereador e conhecido ativista pela legalização da maconha. É forma-


do em ciências sociais pela UFRJ. Foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo PSOL,
em 2012 e está em sua primeira legislatura. Membro fundador do movimento
MLM – movimento pela legalização da maconha e participa da organização
da Marcha da Maconha desde 2005. Em 2009, Renato Cinco foi um dos subs-
critores da Representação dirigida à Procuradoria-Geral da República que deu
origem à Adpf 187. Nesta ação o STF reconheceu a legalidade das manifestações
públicas em defesa da legalização das drogas.

293
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

substâncias ilícitas. Dentre as dro- dadeiros exércitos contra usuários


gas, são considerados medicamen- e comerciantes. O resultado ao
tos aquelas que possuem eficácia longo dos anos não aponta para o
terapêutica reconhecida. fim do uso e do comércio de dro-
Ainda segundo a OMS, depen- gas, mas sim para o extermínio
dência é um estado psíquico ou de jovens e pobres, quando não
físico, caracterizado por comporta- são presos e engrossam a enorme
mentos e respostas compulsivas de população carcerária.
uso da droga, de forma contínua ou A partir do completo fracasso
periódica, em busca de efeitos físi- da guerra às drogas e da certeza
cos ou psíquicos e/ou para evitar o de que cada indivíduo é livre
desconforto da sua abstinência. para fazer suas próprias escolhas
Existem diferentes correntes sobre seu corpo e consciência, o
de aporte ao tema, dentre elas antiproibicionismo surge como
destacam-se a proibicionista e a contraponto ao discurso moralista
antiproibicionista. da proibição. Na tentativa de frear
Com origem na moralidade o número elevadíssimo de mortos
de grupos religiosos, o proibicio- e encarcerados por conta do proi-
nismo inicia-se com a busca pelo bicionismo, uma das alternativas
fim do consumo de certos entorpe- é desmistificar a relação pessoal
centes, a partir da proibição pela lei com as drogas. Nesse sentido, a
penal. O uso de drogas, entendido política de redução de danos tem
como desvio de conduta, passa a um papel fundamental no empo-
ser combatido pelo Estado através deramento individual sobre os
das leis, criminalizando usuários e efeitos gerados pelo uso de cada
comerciantes, marginalizando os substância, diferenciando situ-
usos das substâncias consideradas ações de uso e abuso de drogas,
ilegais. Assim, recursos humanos de uso seguro ou de risco, mas
e materiais são mobilizados na sempre pautando a liberdade do
tentativa de “purificar” a socie- indivíduo sobre suas escolhas.
dade de uma prática milenar. Dessa maneira, diferentemente
Não bastasse a inexistência do proibicionismo, pela ótica anti-
de argumentos sólidos a favor proibicionista não há interferência
do proibicionismo, ele tem sido o sobre essa decisão, que deve ser
responsável por uma verdadeira individual e autônoma, do mesmo
guerra cotidiana. Com o objetivo modo que se entendem descabidas
de exterminar as drogas, as polí- tantas mortes e prisões pautadas
cias são cada vez mais e melhor em um discurso moralista, que
armadas, funcionando como ver- vem sendo superado.

294
POLÍTICAS SOBRE DROGAS

O uso de drogas pela huma- porto de Cantão para adquirir


nidade é, segundo a arqueologia, produtos chineses de alto valor
pré-histórico e anterior às civiliza- comercial na Europa e pagava por
ções que surgiram no Paleolítico eles com ópio adquirido na Índia.
Tardio e na Idade do Bronze. São O uso da droga como moeda de
encontrados usos medicinais e ceri- pagamento derrubava o valor da
moniais também nos mais antigos prata e o governo chinês proibiu
registros escritos da humanidade. A e confiscou estoques britânicos de
mais antiga farmacopeia conhecida ópio no país. O império britânico
é a publicação chinesa Pen-Ts’ao reagiu usando sua força militar e,
Ching, de 2723 a.C. (ZUARDI, 2006). assim, obrigou os chineses a con-
As drogas foram um tema sumirem ópio em 1860.
precioso na cultura helênica Não havia um debate público
clássica. Os pharmakón não eram sobre drogas até o final do século
vistos como benignos ou malig- XIX. Foi como resultado do advento
nos. As substâncias e seu modo do positivismo, do cientificismo,
do uso eram avaliados em fun- do racionalismo, do evolucio-
ção do propósito que se buscava nismo, da eugenia, e das teses de
alcançar e esse sim era passível de Lombroso. Naquele momento, o
questionamento ético. saber médico se impôs como
Os interditos ao uso de drogas discurso de verdade, sendo requi-
estiveram sob a esfera da moral sitado nos tribunais para atestar a
religiosa e até o fim da Idade sanidade dos acusados, definindo
Moderna raramente eram assunto a possibilidade de lhes atribuir P
de legislação do poder temporal. ou não responsabilidade por seus
As grandes navegações possibi- atos e, portanto, sua culpa. Essa
litaram que as nações europeias preponderância do saber médico
entrassem em contato com uma no controle do Estado sobre os cor-
imensa quantidade de substâncias pos da população tem o nome de
psicoativas e as integrassem em medicalização da vida.
seus interesses comerciais. A mer- Surgiu, também nesse perí-
cantilização em larga escala das odo, a figura do criminoso como
substâncias retiraram as drogas de um tipo natural, com uma trajetó-
seus contextos culturais e as trans- ria pré-definida, de uma natureza
formaram em bens de consumo individual anômala. Com as pri-
compulsivo, portanto, mercadorias sões e a seletividade do sistema
extremamente lucrativas. penal, focado nas classes popula-
Em meados do século XIX, res urbanas, o processo histórico
o império britânico utilizava o de construção do criminoso como

295
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

um “tipo social” constitui aquilo mais notadamente da população


que chamamos de criminalização. de imigrantes mexicanos.
Como resultado dos processos O Brasil foi pioneiro em legisla-
de medicalização e criminalização ções de proibição à cannabis quando,
no debate sobre drogas, a Liga das em 1830, a Câmara Municipal do
Nações (predecessora da ONU) Rio de Janeiro, por meio do Código
realizou, em 23 de janeiro de de Posturas Municipais, criou res-
1912, a Convenção Internacional trições ao comércio e ao consumo
do Ópio, em Haia, na Holanda. do “pito do pango”.
O congresso (e a convenção assi- Atualmente, vigoram as con-
nada a partir dele) debruçou-se venções da Organização das
principalmente sobre as molécu- Nações Unidas (ONU), notada-
las de princípios ativos isolados mente a Convenção Única sobre
de seus extratos naturais, como Estupefacientes de 1961 (emen-
a morfina, a heroína e a cocaína. dada pelo Protocolo de 1972),
A proposta de atuação seguia o o Convênio sobre substâncias
modelo repressivo proibicionista. Psicotrópicas de 1971 e a Con-
Em 1920, nos EUA, começou venção contra o Tráfico Ilícito de
a vigorar a legislação de proibi- Estupefacientes e Substâncias
ção ao álcool, conhecida como Psicotrópicas de 1988.
“lei seca”, que durou até 1933. Durante os anos da Ditadura
Esse período atestou a incapaci- Militar no Brasil, os movimentos
dade da proibição em cumprir da saúde começaram a se organizar
seu objetivo de eliminar a produ- em torno do que ficou conhecido
ção, o comércio e o consumo das como Reforma Sanitária. Essa
drogas tornadas ilegais. Ficaram expressão refere-se ao conjunto
evidentes o efeito corruptor sobre de ideias que seguiam no sentido
os agentes do Estado e o fortale- de transformação da forma de se
cimento das organizações que pensar saúde. Esse movimento
atuam ao arrepio da lei. sanitarista iniciou-se no começo
O fracasso retumbante da dos anos 70 e seguiu fazendo dis-
“Lei seca” não resultou na des- cussões políticas e desenvolvendo
moralização do modelo proi- teses. Um grande marco dessas
bicionista. Na verdade, todo o discussões foi a 8ª Conferência
aparato público voltado à repres- Nacional de Saúde, que contou com
são ao álcool foi redirecionado, a presença de 4.000 pessoas e pro-
ao fim da “lei seca”, para a re- duziu um relatório final, que ainda
pressão ao uso da cannabis e dos hoje é fundamental para quem
grupos sociais a ela relacionados, quer se aproximar do tema do SUS.

296
POLÍTICAS SOBRE DROGAS

As décadas onde foi gestionada foi mais longe na proposição do


a Reforma Sanitária também foram que significa ter saúde. As ações
anos de intensa luta e organização de saúde passaram a ser transdis-
da população brasileira. O processo ciplinares e a pensar a saúde da
de resistência ao regime ditatorial população como um conceito que
influenciou tanto um levante de vai para além do saber médico.
massas que, quando o regime caiu, Passa-se a pensar a saúde como
manteve acesa a luta pela democra- uma ação integrada entre educa-
cia. Desse processo, resultou-se a ção, cultural, economia etc.
construção da Constituição de 88, Dentro desse mesmo pro-
que vigora até hoje, e que contém cesso de movimentação da saúde,
em seus textos diversos avanços da os trabalhadores de saúde mental
classe trabalhadora em direção a começaram a fazer o seu movi-
um governo que garantisse direitos mento. Essa separação deu-se tanto
básicos à população. Nessa cons- com a separação física dos locais
tituição foi afirmado o direito de de trabalho - a saúde mental ainda
acesso universal à saúde. ficava restrita aos manicômios -
Durante os dois anos seguin- quanto com as especificidades de
tes, foi construído o projeto de lei reivindicações da área de saúde
que viria a ser conhecido, em 19 mental. Apesar das necessidades
de setembro de 1990, como a lei táticas da época, devemos nos
8080, a qual institui o Sistema questionar ainda hoje se realmente
Único de Saúde - o SUS. Esse é saudável essa separação da saúde
modelo de atenção à saúde foi mental com a saúde como um todo. P
revolucionada em diversos sen- O movimento da luta antima-
tidos. A atenção dos serviços nicomial, como ficou conhecido
passaria a se dar de maneira ter- mais tarde, organizou-se primeiro
ritorial, ou seja, respeitando a em torno dos trabalhadores e tra-
necessidade de atenção à popu- balhadoras que estavam nos mani-
lação em seus locais de moradia, cômios e surgiu em 1987, durante
e respeitando os costumes e a o Encontro de Trabalhadores da
cultura local. Além disso, o SUS Saúde Mental. Com o lema “Por
organizou os diferentes níveis de uma sociedade sem manicômios”, o
atenção, desde a atenção básica movimento foi às ruas e continuou
até a atenção hospitalar. Mas, crescendo nos anos seguintes. Ele
além de organizar os processos deixou de ser um movimento só de
e o fluxo dentro dos serviços de trabalhadores, quando incorporou
saúde e de garantir que todos pos- os usuários dos serviços e os fami-
sam ter acesso ao serviço, o SUS liares. A discussão foi avançando

297
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

na sociedade, conforme o movi- o aparecimento das Comunidades


mento foi sendo bem sucedido em Terapêuticas como política pública
denunciar os diversos absurdos de cuidado de usuários de drogas.
contra os direitos humanos que Esses espaços de “acolhimento a
eram cometidos nos manicômios. dependentes químicos” foram ins-
Em 2001, após um longo pro- pecionados pelo Conselho Federal
cesso de tramitação no Congresso de Psicologia e por outras institui-
Nacional, foi aprovada a lei 10.216, ções de defesa dos direitos humanos
a lei da Reforma Psiquiátrica. e os resultados foram os piores.
Essa lei trouxe um novo olhar As diversas violações de direitos
sobre a saúde mental. Ela trazia humanos fundamentais e a orienta-
como sua pedra fundamental a ção religiosa desses serviços fazem
progressiva extinção dos mani- deles analogias dos manicômios.
cômios e a criação de uma rede Em oposição a esse pensa-
substitutiva aberta e de base terri- mento, onde a abstinência é ne-
torial. A lei é pequena, pouco mais cessária para qualquer tipo de
de uma página, mas ela abre as tratamento do problema de dro-
portas para todo um mundo novo. gas, foram desenvolvidas outras
Hoje, 15 anos depois de sua apro- experiências. Na Holanda, em
vação, os manicômios ainda não 1984, usuários de heroína começa-
foram completamente extintos, ram a reivindicar o direito de ter
mas a maior parte já. Nesses ser- acesso a seringas descartáveis para
viços substitutivos, ao longo dessa minimizar os riscos de contamina-
última década, foram sendo expe- ção da AIDS. Essa experiência re-
rimentadas diversas tentativas e plicou-se em outros países e ficou
formas de cuidar. Isso resultou conhecida como redução de danos.
numa produção teórica sobre Redução de danos é uma ética e
o tema da loucura muito rica e um conjunto de práticas para abor-
potente. Porém, a luta antimanico- dar o uso de drogas numa pers-
mial ainda segue com o desafio de pectiva menos preconceituosa. O
romper as barreiras que separam, objetivo é claro: reduzir os danos
não mais fisicamente, os loucos que podem estar associados ao
dos ditos “normais”. consumo de drogas da população
Apesar dos manicômios esta- sem tornar uma imposição a absti-
rem sendo gradualmente fechados, nência do uso de drogas.
hoje nos deparamos com um retro- Apesar dessa orientação geral,
cesso exatamente no que se refere à a prática de redução de danos se
política de drogas. Tem sido viven- desenvolveu de formas diferentes
ciado nos últimos anos, no Brasil, em cada local onde foi aplicada.

298
POLÍTICAS SOBRE DROGAS

Aqui no Brasil, a experiência histó- aplicadas pelo juiz competente.


rica mais marcante foi a de Santos, Assim, o menor infrator pode
em que os agentes redutores de sofrer desde advertência, prestação
danos foram contra várias barreiras de serviço e liberdade assistida até
e desenvolveram uma experiência a internação em estabelecimento
muito potente de cuidado. Hoje, dito educacional. Nesse sentido,
redução de danos pode ser com- uma política de drogas proibicio-
preendida até no sentido de que a nista, estigmatizante e baseada
proibição das drogas se configura em intensa repressão termina por
como o maior dano à saúde do usu- justificar a grande incidência de
ário. Mas a melhor definição ainda internação de adolescentes que
é da redução como uma ética do cometem atos infracionais relacio-
cuidado ao usuário de drogas. nados à lei 11.343/06.
A orientação proibicionista da No ano de 2006, o Congresso
política de drogas se reflete tam- Nacional aprovou uma alteração
bém no modelo de educação que na lei de drogas do nosso país. Até
propomos às crianças e aos ado- então, era crime o ato de portar
lescentes. O direito à educação é maconha e qualquer um que fosse
garantido pela Constituição Federal pego era levado como cúmplice.
e pelo Estatuto da Criança e do Com a nova lei, foram estipulados
Adolescente. Todavia, a reboque da os critérios subjetivos de distinção
atual lei de drogas, o que observa- entre usuário e traficante. Apesar
mos é uma educação verticalizada. de poder ser comemorada em um
Ao contrário da educação para primeiro momento, as estatísticas P
autonomia, que propõe um diálogo hoje nos mostram o quão desas-
entre educador e educando, o que trosa essa lei se tornou. Houve
temos é a orientação direta para o um aumento de 400% da popu-
não uso de drogas, sem qualquer lação carcerária, nos últimos 20
reflexão ou espaço para o debate. anos2, em sua maioria formada
Definido como “correta”, a lógica por jovens negros e pobres. Esse
proibicionista mitiga o potencial de aumento deu-se em grande parte
reflexão dos jovens sobre suas vidas pelo crime de tráfico de drogas e
e a política de drogas adotada. a maioria dos presos foi flagrada
O ECA estabelece que o com uma quantidade inferior a
menor que infringe a Lei de dro- 100g de maconha.
gas comete ato infracional, e não Hoje, o mundo já começa a
crime, estando sujeito a medidas rever sua posição em relação à
socioeducativas, as quais serão proibição das drogas. O Uruguai

2 Ministério da Justiça, 2016.

299
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

legalizou a maconha, com uma REFERÊNCIA


proposta de produção estatal de
maconha. Diversos países, como BRASIL. População Carcerária
Israel, Holanda e Espanha, permi- brasileira chega a mais de 622
tem o uso medicinal e os estudos mil detentos, 2016. Disponível em
com a maconha. O uso recreativo http://www.justica.gov.br/radio/
está legalizado em alguns esta- mj-divulga-novo-relatorio-sobre-
dos dos Estados Unidos. Apesar -populacao-carceraria-brasileira.
de, por um lado, a conjuntura Acesso 20 em julho de 2016.
estar avançando para a legaliza-
ZUARDI, Antônio Waldo.
ção, ainda há muitos dissensos.
História da Cannabis como medi-
Em sua última reunião sobre dro-
camento: uma revisão. Revista
gas, a UNGASS (United Nations
Brasileira de Psiquiatria, São
Drug Control)3, a ONU se viu
Paulo, vol. 28, nº 2, jun. de 2006.
diante de um impasse. Enquanto
Disponível em: http://www.scielo.
países legalizaram a maconha no
br/scielo.php?script=sci_arttex-
último período, outros exigiram
t&pid=S1516-44462006000200015.
a permanência da pena de morte
para o crime de tráfico. Alguns
países devem começar agora gra-
dualmente a abrir suas políticas
de drogas a novas perspectivas,
menos preconceituosas e mais
pautadas pelos direitos humanos.

3 Controle de Drogas das Nações Unidas

300
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Camila Meireles1
Livia Vidal2
Paula Vargens3
Thaís Vargas Menezes4

O processo de privação de li- belecer outro tipo de vínculo com


berdade dentro do sistema socio- a equipe técnica e os agentes.
educativo ocorre de três formas O modo de organização das
distintas: pela triagem e recepção unidades considera as especifi-
(ver verbete CENSE GCA); nas cidades do público atendido, lo-
unidades de internação provisó- calização geográfica e a própria
ria; e nas unidades de internação. infraestrutura. Em comum, nas
Cada uma destas tem uma especi- unidades de internação provisória
ficidade própria, que demanda um e internação, considera-se também
trabalho diferenciado da equipe a presença de um colégio esta-
técnica e dos agentes socioeducati- dual dentro das unidades; ativida-
vos. O tempo de permanência dos des profissionalizantes, de cultura,
adolescentes nestes diferentes mo- esporte e lazer; além da garantia
mentos de privação de liberdade da visita dos familiares aos ado-
P
influi nas relações estabelecidas. lescentes, ao menos uma vez por
A privação de liberdade nas uni- semana. Nestas visitas, é possibili-
dades de triagem e provisórias são tada ao adolescente a manutenção
marcadas pela alta rotatividade e (ou resgate) do vínculo familiar,
trabalham com adolescentes que além da possibilidade da família
não têm medida determinada. Por levar para os adolescentes os per-
sua vez, a internação garante um tences (objetos de uso pessoal).
tempo de permanência maior dos
adolescentes, sendo possível esta-

1 Psicóloga Degase. Mestranda em Psicologia PUC-Rio.


2 Pedagoga Degase. Mestranda em Educação UFF.
3 Pedagoga Degase. Mestre em Educação, UERJ.
4 Psicóloga Degase. Psicóloga Secretaria de Serviço Social Prefeitura de Itaguaí.
Mestre em Psicologia UFRJ.

301
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Internação Provisória centes em internação provisória


espalhadas pelo estado. A princi-
O período da internação pro- pal unidade de internação provi-
visória corresponde ao tempo en- sória do Departamento é o extinto
tre a audiência de apresentação Instituto Padre Severino, renome-
que pode determinar a interna- ado como CENSE Dom Bosco, que
ção provisória do adolescente e a é exclusivamente de internação
determinação da medida socio- provisória e, portanto, tem a maior
educativa que o mesmo deverá capacidade, atendendo adolescen-
cumprir. Segundo o ECA (Estatuto tes do sexo masculino provenien-
da Criança e do Adolescente), a de- tes de todo o território estadual.
terminação da internação provisó- O Instituto Padre Severino foi
ria ocorreria apenas nos casos em inaugurado em 1954, ainda sob a
que seria possível a aplicação da égide do Sistema de Atendimento
medida de internação, observando ao Menor, estabelecendo-se como
sua excepcionalidade, e conside- a principal unidade para atendi-
rando os casos em que o processo mento aos adolescentes autores
exigisse um procedimento espe- de ato infracional. Ainda hoje é a
cífico para apuração de materia- unidade de referência do sistema
lidade e autoria. Esta etapa deve socioeducativo do Rio de Janeiro.
durar até 45 dias e pode resultar Outra unidade histórica é a
na aplicação de qualquer medida Escola João Luiz Alves, que tanto
socioeducativa ou mesmo na ex- acautela os adolescentes em inter-
tinção do processo. Neste período, nação provisória, como executa a
o jovem fica privado de sua liber- medida de internação, separan-
dade ainda sem estar cumprindo do-os em dois prédios. No caso
nenhuma medida, ou seja, sem da Internação Provisória desta
que tenha sido comprovada a au- unidade, são atendidos priorita-
toria do ato. Dentro desse prazo, riamente os adolescentes do sexo
poderão ocorrer tantas audiên- masculino, de até 15 anos, prove-
cias quantas forem necessárias ao nientes da comarca da capital.
esclarecimento dos fatos que en- Assim como na Escola João
volvem o ato infracional em julga- Luiz Alves, nas unidades de
mento avaliando se ele cometeu ou Campos, Volta Redonda e Belford
não ato infracional e, em caso po- Roxo, há uma parte destinada es-
sitivo, determina a medida socioe- pecificamente para o atendimento
ducativa a ser cumprida. da internação provisória e outra
O DEGASE possui atualmente para o cumprimento da medida de
6 unidades que abrigam adoles- internação. Nestas unidades, con-

302
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

tudo, a prioridade não se dá em menor em cumprimento da inter-


decorrência da idade, mas sim do nação provisória, não sendo co-
local da prática do ato infracional. mum a permanência por 45 dias.
Vale observar, que diante do alto Por sua vez, as peculiaridades
número de apreensões registradas de cada Comarca proporcionam
nos últimos anos, a demanda por um tempo maior na provisória.
internação provisória é significati- Considerando as diferenças, em
vamente mais alta do que o número média permanecem duas semanas
de vagas ofertadas, de onde decorre nas unidades, os adolescentes de
que nem sempre os critérios, geo- processo da Capital, enquanto os
gráfico e de idade, são respeitados, adolescentes vindos de Comarca
sendo os adolescentes transferidos do interior costumam permane-
para o Cense Dom Bosco. cer por um período maior. Com
A internação provisória femi- isso, as unidades de internação
nina é realizada no antigo Educan- provisória geralmente gozam de
dário Santos Dumont, renomeado menor oferta de atividades peda-
para Centro de Socioeducação gógicas em comparação àquelas
Professor Antônio Carlos Go- ofertadas para os que cumprem a
mes da Costa, ou CENSE PACGC, medida de internação. No que diz
atualmente a única unidade que respeito à escolarização, os jovens
executa as medidas de privação frequentam turmas multisseriadas
de liberdade de adolescentes do nos Colégios Estaduais em funcio-
sexo feminino, o que a faz conju- namento dentro das unidades, de
gar tanto a internação provisória, matrícula obrigatória. Ressalvando P
quanto as medidas de internação, a particularidade de cada unidade,
além de ser a porta de entrada no os adolescentes têm ainda acesso à
Sistema para todas as adolescentes. assistência religiosa e algumas ofi-
Pela característica diferen- cinas oferecidas por parceiros do
ciada da internação provisória em DEGASE, como teatro, horta, e ati-
relação ao tempo de permanên- vidades esportivas, dentre outras.
cia dos adolescentes e pela situa- Em relação à equipe técnica,
ção processual, observamos uma o trabalho tem especial importân-
grande rotatividade. Vale obser- cia por ser o primeiro momento
var que há uma diferença entre em que é possível estabelecer
os procedimentos da Capital e das algum vínculo com o adolescente,
Comarcas, de modo que a dinâ- iniciando uma reflexão sobre o
mica estabelecida naquela faz com ato. Seria ainda um momento
que os adolescentes apreendidos importante de buscar contato
na Capital permaneçam um tempo com a rede de garantia de direitos

303
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

(SUAS, SUS, Conselhos Tutelares, tratamento na rede. Essas equipes


etc.) no território de moradia do desenvolvem trabalhos específi-
adolescente, considerando que todo cos de acordo com a realidade e a
trabalho realizado com o adoles- demanda de cada unidade.
cente em quaisquer das medidas Apesar de todas essas possi-
deve estar voltado para seu retorno bilidades de trabalho, a relação
ao convívio social e ao acesso à rede com o judiciário e a superlotação
de proteção e garantia de direitos. das unidades compromete a qua-
No caso da Internação Provisória, lidade do trabalho e as possibilida-
em que, na prática, grande parte des de atuação. Assim, os jovens
dos adolescentes sairão para cum- são atendidos por profissionais da
primento de medidas em meio equipe técnica e essa produz rela-
aberto (liberdade assistida e pres- tório de apresentação, com a histó-
tação de serviço à comunidade), a ria de vida do jovem, sua trajetória
articulação com outros atores do escolar, composição familiar e rea-
sistema de garantia de direitos se lidade socioeconômica, com vistas
faz ainda mais necessária. a subsidiar o judiciário. A atuação
O atendimento com as famí- das equipes técnicas deve se dar
lias, orientando-as, contatando as de forma transdisciplinar, onde
famílias que desconhecem a apre- todos os saberes possam voltar o
ensão do adolescente, buscando olhar para o adolescente, sua famí-
um trabalho de fortalecimento ou lia e uma análise da conjuntura so-
manutenção dos vínculos é outra cioeconômica, histórica e cultural.
característica muito marcante do É importante que o adoles-
trabalho da equipe na internação cente seja convidado a refletir sobre
provisória. Todos os adolescentes as relações, que possa compreen-
passam por atendimento de saúde, der o sentido da medida socioe-
em uma equipe composta por ducativa, contribuindo para outro
médicos, enfermeiros e dentistas. modo de inserção social. A carên-
As unidades contam com cia de profissionais, entretanto,
Equipes de Referência em Saúde aparece em equipes incompletas,
Mental, composta minimamente, além do alto número de adolescen-
por psiquiatra e psicóloga, que tes atendidos pelos profissionais,
buscam dar apoio e avaliar os ado- reduzindo a frequência de ativida-
lescentes com questões de uso/ des e espaços de contato educati-
abuso de drogas ou que apresentem vos. A falta de compreensão sobre
necessidade de atendimento psiqui- o trabalho multiprofissional tam-
átrico, sinalizando os casos em que bém limita as possibilidades de in-
precisam de encaminhamento para tervenção e de construção.

304
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Medida Socioeducativa de técnica multidisciplinar para am-


Internação pliar a percepção sobre o caso, e
através destes tem conhecimento
De acordo com o Estatuto da do trabalho realizado junto ao ado-
Criança e do Adolescente, a me- lescente durante a medida.
dida socioeducativa mais grave, Os relatórios são enviados ao
é considerada a medida de inter- judiciário a cada seis meses, de
nação, podendo durar de 6 meses acordo com as prerrogativas le-
ao prazo máximo de 3 anos. Cabe gais de reavaliação de medida.
observar ainda que nos casos de Acompanha o relatório técnico o
descumprimento reiterado e injus- Plano Individual de Atendimento
tificável da medida anteriormente (ver verbete PIA), uma ferramenta
imposta, pode ser aplicada a cha- interdisciplinar de avaliação do
mada “internação sansão”, com desenvolvimento do adolescente.
prazo de até 3 meses. A medida Nesta reavaliações pode o adoles-
socioeducativa de internação de- cente receber uma determinação
verá ser cumprida em “local dis- de progressão, remissão ou ma-
tinto daquele destinado ao abrigo, nutenção de medida.
obedecida a rigorosa separação Como sabemos, é a medida
por critérios de idade, compleição mais grave e sendo assim deve ser
física e gravidade da infração” aplicada excepcionalmente, ou seja,
(ECA, 1990: Art. 123). Vale espe- em consequência da gravidade do
cificar que internação dentro do ato infracional cometido ou em
Sistema Socioeducativo corres- função de recorrentes reincidên- P
ponde à privação de liberdade por cias, o jovem ter cometido diversos
cometimento de ato infracional. atos e/ ou descumprir medidas
A internação deve seguir os anteriormente a ele atribuídas.
princípios de brevidade, excep- No caso da internação, o jovem
cionalidade e respeito à condição permanece na unidade durante
peculiar da pessoa em desenvol- todo o período de duração da me-
vimento, não apresentando tempo dida, saindo excepcionalmente da
pré-determinado de duração. As- unidade para atividades externas,
sim, durante o cumprimento da para audiência ou algumas situa-
medida, o judiciário a reavalia, a ções pontuais. A rotina dos adoles-
cada 6 meses, considerando o his- centes fica marcada pela fronteira
tórico infracional do adolescente, entre a educação e a segurança.
a natureza do ato infracional pelo Tendo em vista a peculiaridade do
qual ele responde e conta com os adolescente, é garantido a todos
relatórios produzidos pela equipe o acesso à escolarização, a cursos

305
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

profissionalizantes e oficinas, além Os adolescentes recebem


de atividades de esporte e cultura. ainda atendimento jurídico para
A avaliação da medida so- defesa técnica, estando presente
cioeducativa é baseada, de modo semanalmente, nas unidades, uma
significativo, na participação e de- equipe de defensoria pública, além
sempenho dos jovens nestas ativida- de gozar de atendimento religioso.
des. Assim, dentro das unidades de Atualmente, no Novo DEGASE,
internação que compõe o DEGASE existem seis unidades de internação:
existem Colégios Estaduais, sob co-
ordenação da Secretaria de Estado
• CENSE Professor Antônio
de Educação pela DIESP (Diretoria
Carlos Gomes da Costa (PACGC)
Especial de Unidades Escolares Pri-
(antigo Educandário Santos
sionais e Socioeducativas) e parce-
Dummont). Localizada na Ilha do
rias estabelecidas pela Coordenação
Governador. A unidade é a única
de Educação, Cultura, Esporte e La-
do Estado que realiza o atendi-
zer (CECEL - Novo DEGASE).
mento feminino e foi inaugurada
O adolescente é acompanhado
ainda na época da Funabem (sig-
por uma equipe técnica mínima,
nificado?). Nela se localiza a Escola
composta por profissionais da psi-
Estadual Luiza Mahin.
cologia, pedagogia e serviço social
• Escola João Luiz Alves
podendo ser enriquecida com
(EJLA). Localizada na Ilha do
outros profissionais de acordo com
Governador, Rio de Janeiro, atende
o projeto de intervenção proposto
prioritariamente adolescentes de
pelo Projeto Político Pedagógico
até 16 anos, de diferentes regiões
da unidade. A equipe de saúde
do Estado, notadamente da Capital
também está presente nestas uni-
e Região Metropolitana II (Niterói,
dades atuando com prevenção e
São Gonçalo, Itaboraí, Magé). A
acompanhamento de saúde dos
unidade foi inaugurada em 1926,
adolescentes internados.
como escola de reforma, já sob a
As equipes de saúde mental
lógica menorista que iria se estabe-
acompanham adolescentes indica-
lecer com o Código Mello Mattos.
dos pela equipe técnica e ou pelo
Os adolescentes são atendidos pela
judiciário com uma proposta de
Escola Estadual Mestre Candeia.
acompanhamento diferenciado da
• Educandário Santo Expe-
equipe técnica, também conhecida
dito (ESE). Localizado próximo
como equipe de medida, já que
Complexo Penitenciário de Geri-
não possui o compromisso da pro-
cinó, teve seu funcionamento ini-
dução de relatório técnico.
ciado em 1997, após o episódio de
uma grande rebelião na EJLA. Os

306
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

adolescentes foram encaminha- crescimento institucional a cons-


dos para a unidade penitenciária truções dessas unidades favorece a
desativada Muniz Sodré, tempo- manutenção dos vínculos familia-
rariamente para que as instala- res, um investimento que ampliou
ções da EJLA fossem refeitas. Ao a capacidade do atendimento socio-
longo dos anos, tem sofrido adap- educativo para a medida de inter-
tações em sua estrutura, embora nação nos últimos anos. Realizam
sua arquitetura permaneça mar- o atendimento de triagem, interna-
cada pela lógica prisional tendo ção provisória e internação, e nessas
se tornado uma unidade socioe- unidades também existe a oferta es-
ducativa. Na unidade, encontra-se colar (C. E. Rui Barbosa e C.E Irmã
a Escola Estadual Gildo Cândido Therezinha de Barros, respectiva-
da Silva. Atende prioritariamente mente), além de cursos e oficinas
os adolescentes e jovens com 16 com parceiros locais.
anos ou mais em cumprimento de
medida de internação.
Na tabela abaixo trazemos um
• Centro de Atendimento
resumo das unidades de privação
Integrado (CAI - Belford Roxo).
de liberdade e a disponibilidade
A unidade foi inaugurada em
de vagas. Conforme é possível
1998, inicialmente com capacidade
observar, há um processo de des-
para 80 adolescentes, mas após a
centralização das unidades, de
reforma de 2008 a unidade passou
modo a favorecer a participação e
a ter capacidade para 124 adoles-
o acompanhamento das famílias
centes. Atende prioritariamente a
ao longo do período de privação P
Baixada Fluminense, tendo sido
de liberdade do adolescente.
criada visando a descentralização
das unidades. Dentro da uni-
dade localiza-se o C. E. Jornalista
Barbosa Lima Sobrinho.
• CENSE Profª Marlene
Henrique Alves (Campos) e
CENSE Irmã Assunción de La
Gándara Ustara (Volta Redonda)
duas unidade inauguradas em 2013,
construídas de acordo com as nor-
mas estabelecidas pelo SINASE,
vêm responder a necessidade de
proximidade com o local de moradia
dos jovens. Fruto de um processo de

307
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

TABELA UNIDADES E VAGAS DAS UNIDADES DE PRIVAÇÃO DE LI-


BERDADE - DEGASE
CAPACIDADE
UNIDADE DE ATENDI-
MENTO
CENSE GCA Porta de Entrada Masc. 64 adolescentes
Internação Provisória e Por-
20 adolescentes
PACGC (FEM) ta de entrada Fem.
Internação 24 adolescentes
CENSE Dom Bosco Internação Provisória 233 adolescentes
Internação Provisória 21 adolescentes
EJLA
Internação 112 adolescentes
ESE Internação 232 adolescentes
Internação Provisória 19 adolescentes
CAI - Belford Roxo
Internação 124 adolescentes
CENSE Profª Marlene Internação Provisória 20 adolescentes
Henrique Alves (Campos) Internação 60 adolescentes
CENSE Irmã Assunción Internação Provisória 20 adolescentes
de La Gándara Ustara
(Volta Redonda) Internação 60 adolescentes

Fonte: Dados DEGASE / CEMSE. Agosto de 2016.


Ao final da produção deste dimento da internação provisória
verbete, em decorrência da super- no CENSE Dom Bosco.
lotação, as unidades de internação
provisória da EJLA e do CAI foram
fechadas, para dar espaço à inter- REFERÊNCIAS
nação. Cumpre observar que no 1º
semestre de 2016 havia sido fechado BRASIL. Lei Federal nº
o CENSE Ilha, unidade também de 8.069/1990. Estatuto da Criança e
atendimento de internação provisó- do Adolescente. Brasília, 1990.
ria, destinada a atender adolescentes
de primeira passagem, com atos BRASIL. Lei Federal nº
sem violência, dando o lugar ao 12.594/2012. Lei do SINASE.
CRIAAD Ilha. Deste modo, houve Brasília, 2012.
um retorno à centralização do aten-

308
RAÇA

R
RAÇA

Andreia Gomes Cruz1

O debate sobre ações afirma- fruto do processo de expansão eu-


tivas nas universidades brasileiras ropeia iniciado ainda no século
trouxe à tona, inevitavelmente, fe- XV, período que marca os “desco-
ridas ainda não cicatrizadas sobre brimentos”, ou seja, um período
a questão de raça no Brasil. Nesse em que ainda não encontraremos
sentido, é necessário ampliar o menções a “negros”, “brancos”,
contexto das relações raciais no “amarelos” e sim a “gregos”, “cel-
plano internacional para mais bem tas”, “hunos” etc. Essa distinção
compreendermos essa problemá- passa a existir somente no mo-
tica, pois, apesar dos distintos mento da “descoberta” da América
processos, existem algumas singu- e do estabelecimento, pela Europa,
laridades nesse campo, principal- de relações militares e comerciais
mente para aqueles que sofreram regulares com a África e a Ásia. A
o impacto do processo colonial. partir de então, os europeus “[...]
Portanto, concordamos com Wolfe começarão a estabelecer distinções R
ao afirmar que “raça é endêmica à sistemáticas entre eles próprios e os
modernidade” (WOLFE, 2001 apud povos que lhes eram fisicamente di-
MEDEIROS, 2004, p.33). ferentes” (MEDEIROS, 2004, p.33).
Entretanto, o conceito de raça É importante destacar que
como o compreendemos hoje é essa concepção moderna de raça

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em


Educação pela UFF, Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Professora do Curso de Pedagogia na Universidade Estácio
de Sá (UNESA). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
Superior (NEPES) da UFF, atuando na linha de pesquisa de políticas públicas
de educação superior. Integrou como bolsista de extensão e auxiliar de pesquisa
no Programa Políticas da Cor na Educação (PPCOR) do Laboratório de Políticas
Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

309
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

prevalece somente no senso co- para a classificação de espécies da


mum e não mais na ciência. flora e da fauna. O dicionário Hou-
Ainda dentro dessa discussão, aiss2 define que “Etnologicamente,
Guimarães (2013, p.2-3) vai apon- a noção de raça é rejeitada por se
tar que “a ideia de raça, que, na considerar a proximidade cultu-
verdade, é uma construção pseu- ral de maior relevância do que
docientífica, política, mobilizada o fator racial; certas culturas de
à época da institucionalização raças diferentes estão muito mais
da sociologia para a consolidação próximas do que outras da mesma
dos impérios e sua expansão ul- raça”. Assim, como a maioria dos
tramarina, foi rejeitada sistemati- conceitos, este também é neces-
camente pela teoria sociológica”. sário ser localizado na dimensão
Munanga (2004) vai apontar espaciotemporal.
que, no século XVIII, a cor da pele No Brasil, o conceito de raça
foi considerada um divisor de águas foi introduzido a partir de 1870,
entre as chamadas raças, sendo por tendo sido tomado de empréstimo
isso que a espécie humana ficou das ciências naturais, pois era
dividida em três raças estanques: necessária uma orientação cien-
a raça branca, a negra e a amarela; tífica sobre a cultura, ao mesmo
porém, devemos atentar para o fato tempo em que era importante um
de que a cor da pele é definida pela programa de desenvolvimento
concentração de melanina, ou seja, político para uma nação pós-escra-
quanto maior ou menor for essa vista. Guimarães (2011) expõe que
concentração, esta vai ser a medida essa absorção do conceito de raça,
do que vai definir a cor dos cabelos, como era utilizado pela biologia
dos olhos e da pele. do século XIX, foi importante para
Assim, a palavra raça etimolo- a geração de 1870, pois explicava as
gicamente deriva do italiano razza diferenças culturais entre os povos
(séc. XV) que, por sua vez, vem e, consequentemente, os modos de
do latim ratio que significa causa, subordinação com que foram in-
categoria, espécie. Munanga (2004) corporados ao sistema mercantil
expõe que o conceito de raça foi uti- global, em virtude da expansão e
lizado primeiramente na área das das conquistas europeias.
Ciências Naturais, mais especifica- É importante apontar que a te-
mente na Botânica e na Zoologia, oria racial esteve atrelada a uma

2 Divisão tradicional e arbitrária dos grupos humanos, determinado pelo con-


junto de caracteres físicos hereditários (cor da pele, formato da cabeça, tipo
de cabelo etc.). Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=ra%-
25C3%25A7a>. Acesso em: fev.2015.

310
RAÇA

motivação imperialista, já que os -guerra a “problemática racial”


cientistas, ao incorporarem a teoria deixa de ser utilizada como ins-
de raças, tinham apenas uma mo- trumento de atraso do país, sendo
tivação política – a nova nação, ou privilegiados como foco de análise
seja, que seria o “resultado do entre- os aspectos econômicos e, em es-
cruzamento entre três raças (a cau- pecial, as desigualdades presentes
casoide, a africana e a americana), entre o centro e a periferia.
mas que tal produto resultaria num Outra questão importante
povo homogêneo, de cultura la- relacionada ao conceito de raça,
tina” (GUIMARÃES, 2011, p.265). conforme aponta Gomes (2012,
Ainda de acordo com esse pesqui- p.45), é que as pessoas vão rea-
sador, tal processo ficou conhecido gindo de maneira diversa ao termo
como embranquecimento que propa- raça, uma vez que esse conceito
gava a perspectiva de que, para o serve para nomear ou identificar
Brasil alcançar “um estágio mais pessoas negras. Além disso, “a
elevado de progresso, seria neces- ‘raça’ nos remete ao racismo, aos
sário que, ao elemento humano na- ranços da escravidão e às imagens
cional, marcadamente negro, fosse que construímos sobre ‘ser negro’ e
adicionado o elemento europeu, ‘ser branco’ em nosso país”. Desse
branco” (THEODORO, 2009). modo, é de fundamental impor-
A ideologia do embranqueci- tância, ainda, problematizarmos e
mento expõe a ideia de que o de- esclarecermos os embates em torno
senvolvimento da nação brasileira, do conceito de raça em nossa socie-
em grande parte, dependeria da dade, uma vez que esse conceito
qualidade e dos atributos gené- nos aproxima da discriminação que
ticos da população, sendo forte- negros sofrem ou, melhor dizendo,
mente defendida pelos principais é o racismo que mais afeta as pes-
R
pesquisadores e pensadores nacio- soas negras em nosso meio.
nais no final do século XIX. Nesse Na realidade, isto ocorre por-
sentido, Guimarães (2011, p.265) que “raça” ainda é o termo que
vai apontar que a ideologia do em- consegue dar a dimensão mais
branquecimento e da mestiçagem próxima da verdadeira discrimi-
foram utilizadas como verdadeiras nação contra os negros, ou melhor,
políticas raciais, mesmo quando “o é a definição do racismo que mais
conceito de raça e as teorias que a afeta as pessoas negras da nossa
utilizavam caíram em total des- sociedade. Entretanto, é impor-
crédito no mundo científico e inte- tante chamar atenção para o fato de
lectual”. Teodoro (2009), por outro que, quando falamos de raça, seja
lado, lembra que somente no pós- no Brasil ou no exterior, temos de

311
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

compreender quem fala e quando lações étnicas e raciais em nosso


fala, pois, quando o conceito é país”. Entretanto, Fernandes (1978,
usado [...] “usam-no com uma p.51-52) vai apontar que o “[...] o
nova interpretação, que se baseia regime escravista não preparou o
na dimensão social e política do escravo (e, portanto, também não
referido termo”. E, ainda, usam- preparou o liberto) para agir ple-
-no porque a discriminação racial namente como ‘trabalhador livre’
e o racismo existentes na socie- ou como ‘empresário’”. Assim, a
dade brasileira se dão não apenas população negra acabou ocupando
devido aos aspectos culturais dos as posições mais subalternas da
representantes de diversos grupos sociedade brasileira, uma vez que
etnorraciais, mas também “devido o trabalho livre não permitiu sua
à relação que se faz na nossa socie- inserção em cargos da economia
dade entre esses aspectos físicos competitiva. Aprofundando suas
observáveis na estética corporal” críticas à sociedade brasileira clas-
e os indivíduos pertencentes a tais sista, Fernandes (Idem, p.20) expõe
grupos (GOMES, 2012, p.45). que “a sociedade brasileira largou
Sendo assim, as discussões em o negro ao seu próprio destino,
torno do termo raça não estão fun- deitando sobre seus ombros a res-
damentadas na ideia de raças su- ponsabilidade de reeducar-se e se
periores ou inferiores conforme foi de transformar para corresponder
utilizado no século XIX, ou atrelado aos novos padrões e ideais de ho-
ao conceito biológico de raças hu- mem, criados pelo advento do tra-
manas, cujo exemplo clássico desta balho livre, do regime republicano
utilização foi o caso do nazismo na e capitalista”. O racismo é, nesse
Alemanha de Hitler. As discus- sentido, um desses aspectos sociais
sões relacionadas ao termo raça na que causa severos prejuízos em
atualidade buscam uma nova in- nossa sociedade, uma vez que “ele
terpretação que englobam aspec- afirma-se através da sua própria
tos sociais e políticos desse termo, negação” (GOMES, 2012, p.46).
usado, muitas vezes, para também A partir do que foi exposto
justificar ideias separatistas de na- aqui, afirmarmos que é de funda-
tureza político-geográficas. mental importância refletir sobre
Na década de 1950, Florestan o conceito de raça, principalmente
Fernandes e Roger Bastiste par- sobre o que é ser negro em um país
ticiparam de uma pesquisa pro- que nega a existência do racismo e
movida pela UNESCO que tinha do preconceito racial. E, também,
como objetivo compreender o su- sobre a necessidade de políticas
posto “caráter democrático das re- e ações que permitam a negros,

312
RAÇA

brancos e a outros grupos étnicos gia%20e%20raca%2019032014.pdf>


que tenham acesso à educação, à Acesso em 26 fevereiro de 2015.
moradia e a um trabalho digno.
GUIMARÃES, Antonio Sérgio.
Diante disso, diante de tal reali-
Raça, cor, cor da pele e etnia. Revista
dade, precisamos nos reeducar a
Cadernos de Campos. São Paulo,
nós mesmos, renovando nossos
2011, v.20, n.º 20, p.265-271. Dispo-
ideais e nossa subjetividade.
nível em: <http://www.fflch.usp.
br/ sociologia/asag/Raca%20cor%20
cor%20da%20pele%20e%20etnia.
REFERÊNCIAS pdf> Acesso em 26 fevereiro de 2015.

FERNANDES, Florestan. A MEDEIROS, Carlos Alberto.


integração do negro na socie- Na lei e na raça: legislação e rela-
dade de classes. São Paulo: Ática, ções raciais Brasil-Estados Unidos.
1978, vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

GOMES, Nilma Lino. Alguns MUNANGA, Kabengele.


termos e conceitos presen- Uma abordagem conceitual das
tes no debate sobre as relações noções de raça, racismo, identi-
raciais no Brasil: uma breve dis- dade e etnia. Cadernos PENESB
cussão. Ação Educativa. 2012. (Programa de Educação sobre o
Disponível em: <http://www.acao- Negro na Sociedade Brasileira).
educativa.org.br/fdh/wp-content/ UFF, Rio de Janeiro, n.º 5, p.15-34,
uploads/2012/10/Alguns-termos- 2004. Disponível em: http://www.
e-conceitos-presentes-no-debate- uff.br/penesb/images/ publicacoes/
sobre-Rela%C3%A7%C3%B5es- Penesb%205%20- %20Texto%20
Rac ia is-no -Brasi l-u ma-breve- Kabeng uele%20Mu na nga.pdf. R
discuss%C3%A3o.pdf> Acesso em Acesso em 26 fevereiro de 2015.
10 de fevereiro de 2014. TEODORO, Mário. Questões
GUIMARÃES, Antonio Sérgio. do desenvolvimento. O desen-
Sociologia e Raça. Fala na mesa- volvimento e a questão racial.
-redonda Raça e Etnicidade nas In: Revista Desafios do desen-
ciências sociais e na política da volvimento. Brasília: IPEA/Ed.
América Latina, XVI Congresso Qualidade. Ano 6, edição 51, jun.
da Sociedade Brasileira de Socio- 2009. Disponível em: http://www.
logia, Salvador, 13 de setembro de ipea.gov.br/desafios/ index.php?op-
2013. Disponível em: <http://www. t ion=com_content&view=art i-
fflch.usp.br/sociologia/asag/Sociolo- cle&id=2257:catid=28&Itemid=23.
Acesso em 26 fevereiro de 2015.

313
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RESTRIÇÃO DE LIBERDADE

Carmelita Leal Ballado1

Com a promulgação da e ao adolescente, como parte da


Constituição Federal em 1988, a Fundação Centro Brasileiro para a
posterior extinção da Fundação Infância e Adolescência (FCBIA),
Nacional do Bem Estar do Menor que era uma fundação pública fede-
- FUNABEM – regida pelo Código ral responsável pela execução da
de Menores – observou-se “não ser Política Nacional do Bem Estar do
possível defender sistemas con- Menor (Sardinha, 1987, p.5).
centrados e segregados ou ainda No plano legal, essa substitui-
impor aos órgãos oficiais respon- ção concebeu uma opção pela inclu-
sabilidades exclusivas pelo des- são social do adolescente em conflito
tino de crianças e adolescentes, com a lei enquanto sujeito de direi-
privadas nas suas origens, dos tos, e não mais um mero objeto de
benefícios das políticas públicas” intervenção como anteriormente no
(Sardinha, 1987, p.3) acarretando Código de Menores. Neste sentido
em mudanças de referenciais e pa- percebeu-se a necessidade premente
radigmas com reflexos inclusive de regularização do quadro funcio-
no trato da questão infracional. nal, haja vista os recursos humanos
Nessa perspectiva, ainda dos CRIAMs basearem-se em pro-
em 1988, dezesseis CRIAMs fissionais contratados por convênios
(Centro de Recursos Integrados de firmados entre a FCBIA e mante-
Atendimento ao Menor) foram inau- nedoras. Em 1993, com a estadua-
gurados e divididos entre a região lização da execução das Medidas
metropolitana e interior do Estado Socioeducativas (MSE), e a extin-
do Rio de Janeiro, “como estratégia ção da FCBIA, titulou-se o DEGASE
para projetos táticos, definição de como responsável pelo sistema so-
programas e concepção operacio- cioeducativo, promovendo-se o pri-
nal, política e social de cada região”. meiro concurso público.
Surge então o projeto de descentra- Em 1990, com a implantação
lização no atendimento a criança do Estatuto da Criança e do Ado-

1 Socioeducadora - Formação em psicologia; Especialização em psicologia clíni-


ca; Pós graduação em Analise Transacional. Diretora por 14 anos do CRIAAD
Menina Ricardo de Albuquerque Atual assessora na Coordenação de Saúde

314
RESTRIÇÃO DE LIBERDADE

lescente (ECA) viu-se a necessi- tura e capacidade de atendimento


dade da criação de novas Políticas padronizada para trinta e dois ado-
de Atendimento Integral à Criança lescentes, constituídos por uma
e ao Adolescente. O ECA, institu- quadra esportiva, um pátio interno
ído pela Lei 8069 em 13 de Julho de e cinco anexos: um compõe a ofi-
1990, regulamenta os direitos da cina; dois outros anexos dividem-
criança e do adolescente, inspirado -se em dois alojamentos, A e B com
pelas diretrizes fornecidas pela quatro quartos contendo quatro
Constituição Federal de 1988, inter- beliches cada, banheiros e chuvei-
nalizando uma série de normativas ros para cada alojamento. Em outro
internacionais – Declaração dos Di- anexo, funciona a sala de atendi-
reitos da Criança em 1959, Regras mento técnico e secretaria técnica,
de Beijing em 1985, Diretrizes das sala de revista e pertences pesso-
Nações Unidas para Prevenção da ais dos adolescentes e alojamento
Delinquência Juvenil, normas estas da equipe de agentes. Já o último
que instrumentalizavam uma nova anexo, é constituído de cozinha,
concepção sobre o cuidar destas sala para refeição, sala da adminis-
crianças e adolescentes, contrapon- tração, sala da direção, almoxari-
do-se historicamente a um passado fado, dois banheiros, um masculino
de controle e reclusão, e uma tra- e outro feminino e área de serviço.
dição assistencial repressiva prin- Até 1999, os CRIAMs eram res-
cipalmente em se tratando dos ponsáveis também pela execução
adolescentes em conflito com a lei. da medida de Liberdade Assistida
Em suma, o ECA representa um di- e, em alguns casos, da Prestação
visor de águas na história da infân- de serviços à comunidade. Neste
cia e da adolescência brasileira ao ano, na Capital, são criados os
substituir a lógica da Doutrina da polos de atendimento de medi-
R
Situação Irregular pela Doutrina da das em meio aberto, em Bangu e
Proteção Integral. na Ilha, retirando dos CRIAMs a
Até 1996 todos os CRIAMs responsabilidade da execução das
atendiam ambos os sexos, poste- mesmas. Nas unidades do inte-
riormente esse padrão foi sendo rior, contudo, somente no ano de
substituído devido à crescente 2009, com o investimento na polí-
afluência de jovens do sexo mas- tica de municipalização, passam a
culino, impondo demandas de atender exclusivamente a adoles-
atendimento diferenciado para centes em cumprimento de me-
meninos e meninas. dida de semiliberdade.
Todos os CRIAMs se caracteri- É nesse ano, também, que a
zavam por apresentar uma arquite- denominação CRIAM foi alterada

315
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

para CRIAAD – Centro de Recursos captar, entender e atender as neces-


Integrados de atendimento ao Ado- sidades de cada uma das meninas
lescente, pelo decreto Nº 41983/2009, que cumpriam a medida socioedu-
pelo Governador Sergio Cabral, que cativa. Concebendo o que preco-
destaca essa alteração como “neces- niza o SINASE (2006) com relação à
sária à singularidade dos serviços diversidade étnico-racial, gênero e
prestados pelo Novo DEGASE, e a orientação sexual enquanto nortea-
“necessidade de adequação da ter- dora da prática pedagógica. E mais,
minologia adotada em unidades de a representação para as adolescen-
atendimento ao adolescente em con- tes daquilo que lhes é repassado
flito com a lei, de forma a não utilizar socialmente enquanto papel femi-
o termo “menor”, como recomenda a nino nos dias atuais.
legislação infanto-juvenil”2. Assim, Assim, o CRIAAD possuía
os Centros de Recursos Integrados toda uma ornamentação aconche-
de Atendimento ao Adolescente gante, onde havia a preocupação
(CRIAADs) compõem unidades em proporcionar um ambiente hu-
do DEGASE de cumprimento de manizado, organizado e decorado
medida socioeducativa de SEMILI- de forma a atender da melhor ma-
BERDADE, que tem por finalidade neira possível ao bem estar das ado-
orientar, assistir, acompanhar e lescentes. Entretanto, esta atenção
avaliar as adolescentes durante o externa não se esgotava somente
processo socioeducativo. nesse aspecto. Também eram re-
No bojo desta perspectiva era forçados os cuidados com a beleza:
ressaltada a peculiaridade da ado- cabelos, unhas, pele, depilação,
lescência feminina que se diferencia maneira de se portar e comportar,
em aspectos significativos, conside- assim como os encaminhamentos
rando que cada geração possui ca- médicos voltados exclusivamente
racterísticas próprias, construídas ao sexo feminino: ginecologista,
pelas mudanças sociais e culturais. exames de preventivos, mamogra-
E dentro desta compreensão, foi es- fia, pré-natal, além das especialida-
tabelecido, já em 1996, Ricardo de des comuns aos dois sexos.
Albuquerque como uma unidade Em 2015, esta unidade foi
de atendimento exclusivamente temporariamente fechada. Atu-
feminino (CR IAAD Meninas) almente, a unidade de Nilópolis
abrangendo todo o Estado do Rio realiza o atendimento feminino.
de Janeiro em atendimento a todas Observando que, em Nova Fri-
as comarcas. Buscava-se garantir burgo e em Barra Mansa, o aten-
as especificidades do gênero para dimento segue sendo misto. As

www.jusbrasil.com.br/politica/3129659/decreto-troca-o-termo-criam-por-criaad

316
RESTRIÇÃO DE LIBERDADE

demais unidades do sistema fazem BRASIL Lei Federal nº


atendimento exclusivamente aos 8.069/1990. Estatuto da Criança e
adolescentes do sexo masculino. do Adolescente. Brasília, 1990.
Apesar das especificidades
BRASIL SINASE- Sistema
de cada unidade, a dinâmica da
Nacional de Atendimento
semiliberdade é marcada pela
Socioeducativo. Brasília: Conselho
possibilidade de realização de ati-
Nacional do Direito da Criança e
vidades em meio aberto. Assim, os
do Adolescente, 2006.
adolescentes estudam em escolas
regulares, fora da unidade, bem BRASIL. Constituição da
como participam de cursos, ati- República Federativa do Brasil.
vidades culturais e esportivas na Brasília, 1988.
comunidade. Outra característica Declaração dos Direitos
da medida de semiliberdade é a da Criança em 1959, Regras de
possibilidade de passarem finais Beijing em 1985, Diretrizes das
de semana e feriados fora da uni- Nações Unidas para Prevenção da
dade, em casa. Disto decorre ser Delinquência Juvenil
uma medida que exige extrema
responsabilidade e comprometi- ESTADO DO RIO DE
mento por parte dos adolescentes JANEIRO. Decreto CRIAAD.
e seus responsáveis. Disponível em: http://governo-rj.
Atualmente estão em funcio- jusbrasil.com.br/politica/3129659/
namento 16 C R I A A D S, sendo decreto-troca-o-termo-criam-por-
eles: Ilha do Governador; Penha; -criaad-no-novo-degase, acesso 10
Bangu; Santa Cruz; Nilópolis; de junho de 2016.
Nova Iguaçu; Duque de Caxias; MINISTÉRIO DA PREVIDÊN-
Niterói; São Gonçalo; Barra
R
CIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL
Mansa; Volta Redonda; Teresó- – FUNABEM - Documento pre-
polis; Nova Friburgo; Cabo Frio; liminar de Descentralização do
Campos; e Macaé. Sistema de Atendimento a menores
do Estado do Rio de Janeiro / 1987.
Projeto Pedagógico Institucio-
REFERÊNCIAS
nal, Novo Degase, RJ, 2010.
BRASIL Lei 6.697 de 1967 Regras Mínimas das Nações
Código de Menores, 1979. Unidas para a Administração da
Justiça de Menores - REGRAS DE
BRASIL Lei Federal nº BEJJING, ONU, 1985.
12.594/2012. Lei do SINASE.
Brasília, 2012.

317
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

S
SAÚDE MENTAL

Lourdes Trindade1

O conceito de socioeduca- aplicadas ao adolescente autor de


ção envolve o aprendizado para ato infracional. Interessa-nos, em
o convívio social e o preparo do particular, o que diz o art. 60º, in-
adolescente para o exercício da ciso III do SINASE:
sua cidadania, considerando-o
sujeito de direitos, numa perspec-
Art. 60. A atenção integral
tiva de proteção integral.
à saúde do adolescente no
A partir do ECA (Estatuto da
Sistema de Atendimento
Criança e do Adolescente), o Sis-
Socioeducativo seguirá as
tema Nacional de Atendimento
seguintes diretrizes:
Socioeducativo (SINASE)2 é a polí-
tica pública que organiza e orienta III - cuidados especiais em
o Sistema Socioeducativo, tendo saúde mental, incluindo os
como objetivo articular, em ter- relacionados ao uso de álcool
ritório nacional, as políticas seto- e outras substâncias psicoati-
riais básicas, bem como assegurar vas, e atenção aos adolescentes
a efetividade e a eficácia na execu- com deficiências;
ção das Medidas Socioeducativas

1 Mestranda em Psicologia (UFF). Pós-graduação em Teoria Geral dos Sistemas


(1998) e Pós-graduação em Terapia Sistêmica de Família e Casal (2000) pelo
Instituto de Terapia de Família do Rio de Janeiro. Graduação em Serviço
Social pela Universidade Gama Filho (1980) e Graduação em Psicologia pela
Universidade Gama Filho (2013). Assistente Social do Departamento Geral de
Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro desde 1994. Professora vi-
sitante da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de
Servidores Públicos do RJ - CEPERJ.
2 Lei Federal 12.594/2012

318
SAÚDE MENTAL

A atenção em saúde mental envolvem o fato de ter cometido


aos socioeducandos, autores de ato um ato delituoso. Essas diferentes
infracional, põe em evidência al- peculiaridades combinam ques-
guns desafios do trabalho com essa tões diversas, pertinentes a vários
parcela de adolescentes, bem como campos de intervenção, resultando
aponta para o necessário desenvol- numa complexa relação entre os
vimento de uma assistência mais sistemas de justiça, saúde e assis-
eficaz em direção à promoção e efe- tência social, os quais funcionam
tivação de direitos sociais. num processo sistêmico de recam-
Os adolescentes que apre- biar competências e adversidades,
sentam transtorno mental e/ou produzindo desatenção e aban-
comprometimentos psíquicos de- dono na necessária atenção a esses
correntes do uso de drogas são al- adolescentes (VINCENTIN, 2006).
vos das políticas de saúde mental Hoje, a política de saúde men-
e de assistência à infância e ado- tal infanto-juvenil integra um con-
lescência na esfera do sistema so- junto de ações de saúde pública.
cioeducativo. O desafio está em Tal política apresenta especificida-
promover uma política orientada des voltadas para o atendimento
pela singularidade de cada su- aos usuários, que se efetivam prio-
jeito e oferecer um lugar para os ritariamente através dos disposi-
socioeducandos, tanto no sistema tivos de base territorial, os CAPSi
socioeducativo como na rede de (Centros de Atenção Psicossocial
atenção psicossocial. infantis). No entanto, é necessário
A Reforma Psiquiátrica veio que esses dispositivos de cuidado
produzir significativas mudanças em saúde mental sejam suficien-
no modo de se entender o cuidado tes para atender a demanda. Além
às pessoas que se encontram em disso, para que as ações sejam efi-
sofrimento psíquico, mostrando cientes é necessário que haja maior
a importância de sua inserção na articulação intersetorial entre as S
família, no ambiente de trabalho, no políticas de assistência em saúde
território. Apesar disso, ainda per- mental infanto-juvenil e as polí-
manecem, na atualidade, práticas ticas de assistência à criança e ao
de reclusão que objetivam corrigir adolescente, integrando educação,
as anormalidades (Foucault, 1987). direitos, atenção básica em saúde e
Torna-se necessário conside- justiça, entre outras, a fim de que se
rar a vulnerabilidade de pessoa possa garantir a doutrina de prote-
em situação peculiar de direito, ção integral proposta pelo ECA.
os necessários cuidados em saúde Outros entraves se colocam
mental e as particularidades que para a inserção dos adolescentes

319
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

autores de ato infracional nesses O trabalho dessas equipes, lo-


serviços, conforme afirmam Couto, tadas nas Unidades executoras da
Delgado e Duarte (2008): medida socioeducativa de Inter-
nação, se desenvolve a partir do
Há muitos obstáculos a esta inte-
reconhecimento do sofrimento
gração, como o estigma, a falta de psíquico que o próprio encarce-
qualificação profissional, dentre ramento produz na vida dos ado-
outros. Só uma direção publica- lescentes, no qual o afastamento
mente afirmada, que se constitua da família e do convívio social, a
como eixo organizador da inter- institucionalização e o padrão de
setorialidade, pode produzir rigidez das normas e regras im-
diferenças nessa realidade. A postas acabam acarretando ou
intersetorialidade, portanto, não agravando as demandas de cui-
se reduz à simples presença de
dado em saúde mental.
serviços, mas efetiva-se quando
uma linha de ação comum pode
A proposta está em desenvol-
ser pactuada, partilhada e verifi- ver um trabalho que se volte para:
cada entre diferentes programas a possibilidade de oferecer escuta
(COUTO, M.C.V; DELGADO, subjetiva, a partir do reconheci-
P.G.G; DUARTE, C.S, 2008, p.396). mento da necessidade de atenção
singular que possibilite o apare-
cimento do sujeito; desenvolver
Vemos, então, que o distan- ações de prevenção de agravos
ciamento entre os serviços de em saúde mental aos adolescen-
saúde mental e esses adolescen- tes em sofrimento psíquico que
tes se mantém não apenas pela ali estão internados por determi-
escassez de oferta de dispositivos nação judicial, incluindo aqueles
ou pela desarticulação interseto- com demandas decorrentes do uso
rial, mas também pelo estigma de prejudicial de álcool e drogas; e,
periculosidade que eles carregam ainda, favorecer o acesso desses
(VINCENTIN, M.C; GRAMKOW, adolescentes à rede de serviços de
G., 2010).No que se refere à medida atenção em saúde mental de base
socioducativa privativa de liber- territorial. Isso exige um novo
dade, as Unidades executoras da arranjo institucional para tratar
medida de Internação do Rio de dessas questões, repensando con-
Janeiro contam com equipe mul- ceitos e posturas no modo de lidar
tiprofissional de referência em com o socioeducando com deman-
saúde mental, formada por pro- das de atenção em saúde mental.
fissionais das áreas de psicologia, A escuta subjetiva, especial-
serviço social, terapia ocupacio- mente para o adolescente que
nal e musicoterapia.

320
SAÚDE MENTAL

cumpre medida privativa de liber- No que se refere à saúde men-


dade e está em sofrimento mental, tal, a referida lei pretende garantir
é direito ao exercício da sua sin- ações de atenção psicossocial e de
gularidade. Pela descoberta de promoção em saúde e redução de
Freud, o que se deve escutar no danos provocados pelo consumo
discurso é essa palavra manifesta de álcool e outras drogas para
através ou apesar do sujeito, pois esses adolescentes, conforme o
é essa a dimensão do inconsciente. anexo I da PNAISARI:
Como postula Lacan (1988) o
inconsciente é estruturado como ANEXO I
linguagem. Pela linguagem o
homem se coloca em relação com o Nesse sentido, ainda que haja
outro. Ele o faz de modo singular e equipe de saúde lotada e atu-
ando somente dentro da unidade
o endereçamento do seu discurso
socioeducativa, é de fundamental
é, geralmente, o próprio sujeito. importância que se garanta uma
Cada ser humano, independen- referência na rede de atenção à
temente da estrutura psíquica na saúde pública externa a fim de
qual seja classificado, com seu garantir, mesmo de forma com-
modo de ser e de se colocar no plementar, a realização de ações
mundo, tem o direito de ser iden- coletivas de promoção e de edu-
tificado como pessoa, como sujeito cação em saúde na lógica do SUS.
com direito a sua singularidade. Essa estratégia favorece a per-
Recentemente publicada, a meabilidade da instituição
Portaria nº 1.082 referente à Polí- socioeducativa à comunidade
tica Nacional de Atenção Integral à e atende aos princípios previs-
Saúde de Adolescentes em Conflito tos no Estatuto da Criança e do
com a Lei em Regime de Internação Adolescente de incompletude
e Internação Provisória (PNAI- institucional e reinserção social
SARI), de 23 de maio de 2014, “
dos adolescentes em situação de S
privação de liberdade.
redefine as diretrizes e estabelece
novos critérios e fluxos para ade-
são e operacionalização da atenção Cabe destacar também o que
integral à saúde de adolescentes diz seu art. 12:
em situação de privação de liber-
dade, em Unidades de internação, Parágrafo 1º. Todas as unidades
de internação provisória e de semi- socioeducativas terão como refe-
liberdade”. (BRASIL. Portaria nº rência uma equipe de saúde da
1.082 – PNAISARI, 2014, p.1). Atenção Básica.

321
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Parágrafo 2º. Nas situações em Faz-se necessário analisar tais


que houver equipe de saúde den- questões em profundidade, buscar
tro da unidade socioeducativa, referenciais e indicadores que ad-
a equipe de Atenção Básica de venham da experiência prática co-
referência articular-se-á com a
tidiana nesse campo de trabalho,
mesma para, de modo comple-
mentar, inserir os adolescentes
que poderão orientar o debate so-
na Rede de Atenção à Saúde.
bre o tema e a complexidade das
questões o que envolve. Cabem
aqui discussões sobre direitos so-
Como estratégia de operacio- ciais e sobre a atenção em saúde
nalização da PNAISARI há, no mental no campo sociojurídico,
estado do Rio de Janeiro, um inves- que sirvam de base para orientar
timento na implementação dos novas e mais eficientes políticas de
Planos Operativos3, o qual propõe atenção aos adolescentes autores de
ações de integração intersetorial, ato infracional com demandas de
incluindo parcerias, acordos ou atenção em saúde mental, reque-
convênios, como mecanismos rendo dos diversos setores envol-
de cooperação entre os gestores vidos a articulação necessária na
municipais e estaduais de saúde execução de uma política orientada
e o gestor do sistema socioedu- pela singularidade de cada sujeito,
cativo, para a “implantação de tomando por base os direitos dos
ações de prevenção e cuidados adolescentes em conflito com a lei.
específicos à saúde(...) em particu-
lar à saúde mental, a atenção aos
agravos psicossociais e atenção R E F E R ÊNC I A S
aos agravos associados ao uso de
álcool e outras drogas, sob a pers- BRASIL. ECA - Estatuto da
pectiva da redução de danos(...)” Criança e do Adolescente. Lei
(Portaria Interministerial MS/ federal nº 8.069, de 13 de Julho de
SEDH/SEPM 1.426/2004). 1990. Brasília, DF.
Há muitos desafios no que
se refere à atenção ao adoles- _______. Lei da Reforma
cente autor de ato infracional, Psiquiátrica. Lei federal nº 10.216,
especialmente quando este é 6 de abr. de 2001. Brasília, DF.
portador de transtorno mental _______. Lei federal nº 12.594,
ou apresenta comprometimen- de 18 de janeiro de 2012. Sistema
tos de saúde em decorrência do Nacional de Atendimento Socio-
uso prejudicial de drogas. educativo (SINASE). Brasília, DF.

3 Portaria Interministerial MS/SEDH/SEPM 1.426/2004

322
SEXUALIDADE

_______. Portaria nº 1.082 - de VICENTIN, M. C; A ques-


23 de maio de 2014. Política Nacio- tão da responsabilidade penal
nal de Atenção Integral à Saúde juvenil: notas para uma pers-
de Adolescentes em Conflito com pectiva ético-política. In: ABMP,
a Lei em Regime de Internação ILANUD, Secretaria Especial de
e Internação Provisória (PNAI- Direitos Humanos. (Org.). Justiça,
SARI). Brasília, DF. Adolescente, e Ato infracional:
socioeducação e responsailização.
FOUCAULT, M; Vigiar e
São Paulo: ILANUD, 2006.
Punir: nascimento da prisão.
Petrópolis: Vozes, 1987. ______; GRAMKOW, G. Que
Desafios os Adolescentes Autores
COUTO, M.C.V; DELGADO,
de Ato Infracional Colocam ao
P.G.G; DUARTE, C.S; A Saúde
SUS? Algumas notas para pensar
Mental Infantil na Saúde Pública
as relações entre saúde mental,
Brasileira: situação atual e desa-
justiça e juventude. In: RIBEIRO,
fios. Rev. Brasileira de Psiquiatria.
E. L; TANAKA, O. Y. (Org.).
V.30, n.4, 2008.
Saúde Mental de Crianças e
LACAN, J; [1953] Função e Adolescentes: contribuições ao
Campo da Fala e da Linguagem. SUS. São Paulo: Huciter, 2010.
In: Escritos, São Paulo: Perspec-
tiva S. A, 1988.

SEXUALIDADE

Anna Paula Uziel1


S
Os anos 70 estiveram povoa- tóricas que moldam a sexualidade, e
dos de questionamentos sobre sexo tantos outros pontos (UZIEL, 1996).
oriundos de movimentos sociais O desenvolvimento tecnoló-
como os movimentos gay, hippie, fe- gico, a entrada maciça da mulher
ministas. Os debates versavam sobre no mercado de trabalho, a difusão
liberação sexual, relações entre capi- da pílula e outros métodos contra-
talismo e diferenças entre os sexos, ceptivos foram fundamentais para
seus vieses de opressão, forças his- mudanças nos padrões que regiam

1 Professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

323
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

as relações afetivo-sexuais. Os anos na nossa cultura e como tem sido


80 e 90 viram a epidemia de HIV/ um processo social complexo.
Aids introduzir o debate sobre o Um olhar cuidadoso sobre a
uso mais consistente do preser- forma como se experimenta hoje
vativo, em uma geração que dava a sexualidade revelaria o foco
início à vida sexual marcada por produtivo em que se transformou
uma doença sem cura e com tra- esse objeto tão precioso. Segundo
tamento ainda bastante incipiente. Foucault, a sexualidade é muito
Na primeira década do novo milê- mais um processo que se inscreve
nio, os medicamentos para a Aids na necessidade nossa, hoje em
trouxeram a possibilidade de uma dia, de criar uma nova vida cul-
vida longa e saudável, recolocando tural sob nossas escolhas sexuais
os sentidos da doença e alterando do que portadora de um segredo,
comportamentos: já não parecia tão como é concebida no cotidiano.
grave arriscar-se à contaminação A sexualidade é algo que cria-
de um vírus passível de controle. mos, não um aspecto secreto de
Ainda que restrita a uma parcela nosso desejo. O sexo não é uma
da população, em função dos al- fatalidade, é uma “possibilidade
tos custos, a reprodução assistida de aceder a uma vida criativa”,
ganha espaço: a possibilidade de afirma Foucault (1994, p. 735).
gerar filhos sem relação sexual re- Segundo Weeks (1986), a sexu-
força a separação entre reprodução alidade passa por três momentos
e sexo, já conquistada parcialmente fundamentais em seu desenvolvi-
com a pílula nos anos 1970 e oferece mento: a regulação do sexo através
a casais do mesmo sexo a possibili- do casamento, no século 1 d.C.; a
dade de uma filiação com caracte- incorporação, nos séculos XII e
rísticas genéticas, o que passa a ser XIII, da discussão sobre a vida se-
regulado de forma clara através da xual dos casais, não apenas como
resolução 2121/2015 do Conselho exercício intelectual, mas como
Federal de Medicina. prática de controle moral e, nos
Se, no século XVI, “sexo” tra- séculos XVIII e XIX, a definição
tava da divisão da humanidade de sexualidade “normal” como
entre duas partes, a feminina e a aquela exercida com o outro sexo.
masculina, desde o século XIX, o Hoje, a sexualidade é concebida
significado corrente é o de relação como aspecto do “eu” que conecta
sexual. Isto mostra a mudança corpo, identidade e normas so-
que a compreensão de sexuali- ciais, adquirindo importância so-
dade – termo abstrato que aponta cial e política, além da moral. Se na
a qualidade de “sexual” – sofreu época vitoriana o erotismo envol-

324
SEXUALIDADE

via relacionamentos sociais, hoje a Sexo é tomado, em geral, como


sexualidade envolve a identidade um imperativo biológico, locali-
pessoal (SENNETT, 1974). zado misteriosamente na região
Uma vez que a sexualidade é, genital, com predicados intrans-
hoje, peça fundamental na cons- poníveis para cada uma de suas
trução da individualidade – valor partes, feminina e masculina, cuja
máximo nas sociedades ocidentais união é hierarquicamente supe-
pós século XVIII –, cabe perguntar rior a qualquer outra, tomada
que práticas promoveram seu des- como perversa. Se a sexualidade
locamento, quase homogêneo, para se situa no plano da moral desde a
o centro de preocupações e projetos, Grécia Antiga, seu significado tem
por que assume tal lugar e que des- variado: na cultura ocidental, o que
lizamentos provoca (UZIEL, 1996). define a verdade de cada um é seu
Cada vez mais distante da na- desejo sexual. Nos últimos sécu-
tureza enquanto determinante, a se- los, o sexo tem sido fundamental
xualidade se situa - a partir de um para fixar o lugar do indivíduo na
referencial foucaultiano – enquanto cultura (WEEKS, 1995).
processo histórico, no campo da
política e da história, uma vez que Parece-me importante explodir
formada por práticas que se en- noções generalizantes e grosseiras
gendram no tempo. Várias apro- como as de mulher, homossexual...
ximações entre política e história As coisas nunca são tão simples
têm sido ensaiadas, de acordo com assim. Quando as reduzimos a ca-
Weeks (1991). Uma delas seria to- tegorias branco/preto ou macho/
mar o passado como lição para se fêmea, é porque estamos com uma
compreender o presente e prever o ideia de antemão, é porque es-
futuro, desprezando possíveis des- tamos realizando uma operação
redutora-binarizante e para nos
continuidades. Outro caminho se-
ria o entendimento da história como
assegurarmos de um poder sobre S
elas. (GUATTARI, 1987, p.36).
advertência: significaria observar
batalhas, perdas e danos, e tomá-las
como exemplo moral. Uma terceira A essa perspectiva preten-
via, que parece mais interessante e demos agregar a concepção de
apropriada à linha de raciocínio que Foucault da sexualidade como dis-
estrutura este texto, concebe Política positivo. Foucault (1989) não busca
e História como uma combinação fazer uma descrição dos comporta-
inextricável, onde entender o pre- mentos sexuais através dos tempos,
sente é buscar a constelação de for- mas compreender o que vem asso-
ças históricas que o constituem. ciando, em nossa sociedade, sexo e

325
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

busca da verdade. Sexualidade, para algumas pessoas – que, em geral,


Foucault, compreende, enquanto se identificam como transexuais
dispositivo histórico, estimulação de – sentem necessidade de modifi-
corpos, intensificação de prazeres, car seu sexo biológico, anatômico,
reforço de controles e resistências, quando, na maior parte dos casos,
participação em discursos segundo se identificam com o outro gênero.
mecanismos de saber e poder, No entanto, mesmo sem desejar
ou aceder à mudança de seu sexo
um conjunto decididamente he-
biológico, é possível se identificar
terogêneo que engloba discursos, com outro gênero diferente da-
instituições, organizações arqui- quele que em geral é associado à
tetônicas, decisões regulamenta- anatomia. Neste caso, estamos tra-
res, leis, medidas administrativas, tando de identidade de gênero. É
enunciados científicos, proposi- importante que se atente para a
ções filosóficas, morais, filantrópi- identidade de gênero da pessoa,
cas” (FOUCAULT, 1990, p.244). checando sempre com a própria. A
orientação sexual se refere à atra-
Apesar de não existir um refe- ção, ao desejo por pessoas, sejam
rente único ou exclusivo da sexu- de mesmo sexo (homossexuali-
alidade, Costa (1995) afirma que a dade), sejam de sexos opostos (he-
evocação de tal termo gera a ilusão terossexualidade) ou ainda dos
de uma compreensão totalizadora dois sexos (bissexualidade). Cabe
e hegemônica, dispensando qual- ressaltar, no entanto, que cada vez
quer aposto. Sexo seria, simples- menos as pessoas têm escolhido
mente, um conjunto de objetos, declarar sua identidade sexual,
comportamentos, sentimentos, ex- que se refere à orientação sexual.
pressões que aprendemos a adjeti- Diferentemente de afirmar identi-
var dessa forma: sexuais. dades, muitas pessoas, em especial
No campo da sexualidade, é as novas gerações, têm procurado
fundamental discernir entre: o descrever suas práticas e desejos,
sexo biológico; a identidade de gê- ao invés de encontrar um rótulo
nero e a orientação sexual. O sexo que dê conta de suas experiências
biológico é identificado ao nascer, afetivas e sexuais. Este movimento
e cada vez mais cedo, através de corrobora a ideia de que anatomia,
exames de ultrassonografia que desejo, práticas e identidades não
permitem enxergar a existência ou são redutíveis uma à outra, tam-
não de um pênis ou de sangue, que pouco andam juntas.
identificam o sexo através de aná- A suposição de uma heteros-
lises cromossomiais. No entanto, sexualidade que acompanha nosso

326
SEXUALIDADE

cotidiano e podemos nomear como mortes denominamos homofobia:


heteronormatividade carrega de- “A homofobia é a atitude de hos-
terminadas concepções de mas- tilidade para com os homossexu-
culinidades e feminilidades como ais. (...) Assim como a xenofobia, o
hegemônicas e desejáveis, dese- racismo ou o antissemitismo, ela é
nhando um contorno e excluindo uma manifestação arbitrária que
quem dele escapa. A homosse- consiste em qualificar o outro como
xualidade deixou de ser conside- contrário, inferior ou anormal.
rada transtorno mental em 1973, Devido a sua diferença, esse outro
quando sai do Manual Diagnóstico é posto fora do universo comum
e Estatístico de Transtornos Men- dos humanos” (BORRILLO, 2010,
tais (DSM) e em 1990 deixa de ser p. 15). Além da homofobia, chama-
considerada doença na Classifica- -se a atenção para a existência da
ção Internacional de Doenças (CID- lesbofobia e da transfobia, em geral
10). No entanto, ainda é bastante cobertas pela primeira definição.
entendida como patologia ou des- É importante ressaltar que,
vio pelo senso comum, perspectiva
reforçada pelo discurso religioso, quer se trate de uma escolha
cada vez mais presente na socie- de vida sexual, quer se trate de
dade brasileira, inclusive em ins- uma característica estrutural do
tituições do Estado, apesar de sua desejo erótico por pessoas do
laicidade, presente na Constituição mesmo sexo, a homossexuali-
Federal. Em 1999, o Conselho Fede- dade deve ser considerada tão
ral de Psicologia publicou a resolu- legítima quanto a heterossexu-
ção 001/99 que interdita tratamento alidade. De fato, ela não é mais
e/ou cura da homossexualidade. que a simples manifestação do
pluralismo sexual, uma variante
Trata-se de um documento funda-
constante e regular da sexuali-
mental não apenas para o exercício
da psicologia como profissão, mas
dade humana. Na condição de S
atos consentidos entre adultos, os
para pautar a compreensão da ho- comportamentos homoeróticos
mossexualidade como expressão devem ser protegidos como qual-
de desejo, identidade, práticas, quer outra manifestação da vida
como outras quaisquer. privada. (BORRILLO, 2010, p.16)
Apesar das mudanças sociais,
científicas e legais, ainda morrem
Na luta pela conquista de di-
pessoas em diversas partes do
reitos no campo da sexualidade,
mundo – e no Brasil não é dife-
nos anos 1990, começou-se a falar
rente – por conta de sua orientação
em direitos sexuais, expressão que
sexual. A este fenômeno que gera
ganhou o texto da IV Conferência

327
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Mundial sobre a Mulher, em 1995, No entanto, esse debate em


em Beijing. Até 1993, 1994, era pra- torno dos direitos sexuais é mais
ticamente inexistente a garantia da tímido quando se trata de adoles-
autonomia dos direitos sexuais e re- centes. A necessidade de regulação
produtivos em documentos gover- da fertilidade e do corpo das e dos
namentais, sequer estas expressões adolescentes pobres, muito mar-
existiam. Uma marca da consoli- cada no discurso dominante por
dação dos direitos sexuais está na uma espécie de prevenção à cri-
publicação, em 2006, dos Princípios minalidade, costuma tomar conta
de Yogyakarta, que são os “princí- do debate. Quando esta mesma
pios sobre a aplicação da legislação população está encarcerada, novos
internacional de direitos humanos matizes aparecem.
em relação à orientação sexual e à
identidade de gênero”2. Para Roger
Raupp Rios (2006), é preciso desen- Sexualidade e Socioeducação
volver a ideia de direitos sexuais na
perspectiva dos direitos humanos, Ao tematizar sexualidade e
o que “aponta para a possibilidade adolescência, em geral a discussão
do livre exercício responsável da se resume a dois assuntos: pre-
sexualidade” (p.72). venção a DSTs/Aids e prevenção
Entre os eixos que estruturam à gravidez. O direito ao prazer, à
os direitos sexuais, estão: regulação do próprio corpo e a ex-
perimentações raramente aparece.
as questões identitárias vincula- Em situações de cumprimento de
das à expressão da sexualidade medidas socioeducativas, o direito
(onde se inserem, principal- ao exercício da sexualidade parece
mente, os temas das homosse- um luxo. Em meio à precariedade
xualidades), as relações sexuais do sistema e à difícil garantia de
propriamente ditas e suas con- direitos, que sofre com a dificul-
sequências (campo que alcança dade de implementação do ECA,
matérias diversas como consen-
marcada pelo descaso estatal, pela
timento, violência e aborto) e a
busca da fundamentação dos falta de recursos de toda ordem,
direitos sexuais (historicamente por resistências de parte de pro-
atada à ideia de saúde sexual). fissionais envolvidos, entre outras,
(RIOS, 2006, p. 73) abordar a sexualidade tem sido um
desafio. No entanto, a necessidade
de implementação da visita íntima

Para acesso ao documento, ver http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/prin-


cipios_de_yogyakarta.pdf

328
SEXUALIDADE

nas unidades de socioeducação DINIZ, Debora (orgs.). Homofobia


prevista no Sinase, no art. 68, para & Educação: um desafio ao silên-
adolescentes casados ou em união cio. Brasília: LetrasLivres / EdUnB,
estável, tem exigido discussões e 2009, p. 15 a 46.
ações em torno da sexualidade.
COSTA, Jurandir Freire A
A visita íntima coloca em
Face e o Verso: Estudos sobre
pauta a vida sexual ativa que ado-
o Homoerotismo 2, São Paulo:
lescentes levam desde muito cedo
Escuta, 1995.
e instaura, também no sistema so-
cioeducativo, um debate sobre: o FOUCAULT, Michel. História
exercício da sexualidade como um da sexualidade 1. A vontade de
privilégio ou como um direito; a saber. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
homossexualidade e a transexu- FOUCAULT, Michel. Não ao
alidade, presentes nas unidades, sexo rei. In: Microfísica do Poder.
mas muitas vezes desconsideradas Rio de Janeiro: Graal, 1990, p. 229-242.
ou não reconhecidas; a violência
como acesso aos corpos confinados FOUCAULT, Michel. Michel
nas celas. A conversa sobre o uso Foucault, une interview: sexe, pou-
de preservativos, seja feminino, voir et la politique de l’identité. In:
seja masculino, no Sistema não Defert, Daniel et Ewald, François
inaugura nem estimula práticas (eds.), Dits e Écrits par Michel
sexuais, mas contribui para a pro- Foucault, 1954-1988, Vol. IV, Paris:
teção, em alguma medida, desses Gallimard, 1994, p. 735-746.
e dessas jovens de doenças sexu- GUATTARI, Felix. Devir
almente transmissíveis. A entrada mulher. In: Revolução Molecular.
nos muros das unidades fechadas Pulsações Políticas do Desejo. São
do Sistema não garante que a sexu- Paulo: Brasiliense, 1987, p. 34-37.
alidade, em suas mais variadas ex-
pressões, seja deixada do lado de
RIOS, Roger Raupp. Para um S
direito democrático da sexuali-
fora. Este exercício, tão valorizado
dade. Horizontes Antropológicos.
em nossa sociedade contemporâ-
Porto Alegre, ano 12, n. 26, p.
nea, acompanha homens e mulhe-
71-100, jul./dez. 2006.
res, de diferentes faixas etárias.
SENNETT, Richard. (1976) O
declínio do homem público. As
REFERÊNCIAS tiranias da intimidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
BORRILLO, Daniel. A homo- UZIEL, Anna Paula. Exal-
fobia. In: LIONÇO, Tatiana e tação da diferença: um elogio à

329
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

sedução. Reflexões sobre a sexu- WEEKS, Jeffrey. Histories,


alidade contemporânea. Disser- Desires and Identities. In:
tação de Mestrado (Psicologia PARKER, Richard and GAGNON,
Clínica) PUC-Rio, 1996. John (eds.). Conceiving Sexuality.
Approaches to Sex Research in a
WEEKS, Jeffrey (1986) Sexu-
Postmodern World. Nova York e
ality. Londres e Nova York:
Londres: Routledge, 1995. p. 33-50.
Routledge, 1991.

SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

Damiana de Oliveira1

O Sistema de Garantia de série de direitos, sendo dever da


Direitos, na área da infância e família, da sociedade e do Estado
da juventude, constitui-se numa assegurar para que estes sejam
articulação e integração entre cumpridos. Posteriormente, o Es-
diferentes instâncias públicas go- tatuto da Criança e do Adolescente
vernamentais e da sociedade civil, (ECA), Lei Federal promulgada em
visando à promoção, à defesa e à 13/07/1990, veio a se estabelecer
plena efetivação dos direitos hu- como marco normativo da garan-
manos de crianças e adolescentes, tia de direitos a crianças e adoles-
através de um controle eficaz e efe- centes no Brasil, conferindo uma
tivo, em níveis Federal, Estadual, atenção especial ao adolescente em
Distrital e Municipal. conflito com a lei, a quem “são des-
O processo de construção e tinadas medidas de caráter socioeduca-
formação do Sistema de Garantia tivo (que visam punir o ato e reparar o
de Direitos teve início com a Cons- dano social) e ainda medidas protetivas
tituição Federal de 1988, a qual, em (que visam a assegurar direitos viola-
seu artigo 227, já estabelecia que dos)”. (GONÇALVES, 2005, p. 50).
crianças e adolescentes têm priori- O ECA, assim, se propõe a
dade absoluta na garantia de uma garantir direitos a todas as crian-

1 Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atuando na Vara


da Infância, da Juventude e do Idoso do Fórum de Madureira, Especialista em
Psicologia Jurídica pela UERJ e Mestre em Psicologia pela UFF, na área de
Estudos da Subjetividade.

330
SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

ças e adolescentes, não excluindo que estejam sendo ameaçados ou


aqueles que cometeram ato infra- violados. Nesse sentido, as ins-
cional. Isso significa dizer que o tâncias jurídicas em conjunto com
fato de ter cometido uma infração organizações da sociedade civil
não faz com que o adolescente organizada, fazendo uso dos ins-
deixe de ser detentor de direitos, trumentos normativos nacionais e
os quais devem ser assegurados, internacionais, dos quais o Brasil
inclusive, durante a vigência da é signatário, devem zelar para
medida socioeducativa. Tendo que a lei saia do papel e cumpra
a doutrina da proteção integral de fato seu papel social produ-
como sua maior premissa, o ECA zindo transformações na vida de
inovou ao conceber crianças e crianças e adolescentes, através da
adolescentes como sujeitos de efetivação de seus direitos.
direitos e não mais como meros Dentre os principais órgãos
objetos da intervenção estatal. que atuam na linha de defesa dos
Não obstante a Constituição direitos das crianças e adolescen-
Federal e o Estatuto da Criança tes estão o Conselho Tutelar (que
e do Adolescente estabeleçam é uma espécie de guardião do
as diretrizes para a garantia dos ECA, cujas atribuições, competên-
direitos de crianças e adolescen- cias, composição e funcionamento
tes, foi somente com a Resolução estão previstas nos artigos 131 a
Nº 113/2006 do Conselho Nacio- 140 do ECA), o Ministério Público,
nal dos Direitos da Criança e do especialmente as Promotorias de
Adolescente (CONANDA) que o Justiça e as Procuradorias Gerais
Sistema de Garantia de Direitos de Justiça, as Varas da Infância
infanto-juvenil se consolidou e di- e da Juventude e suas equipes
ferentes atores despontaram no ce- multiprofissionais, a Defensoria
nário nacional, visando garantir a Pública, as Polícias e Delegacias
efetivação de tais direitos. Especializadas, a Advocacia Geral S
O Sistema de Garantia de da União e as Procuradorias
Direitos da Criança e do Adoles- Gerais dos Estados, os Centros de
cente se sustenta em três eixos Defesa da Criança e do Adoles-
estratégicos de atuação, a saber, cente (Cedecas), entre outros.
defesa, promoção e controle. Os Órgãos que integram o
O eixo da Defesa dos Direitos campo da defesa devem não só
se caracteriza pela garantia do garantir o acesso à Justiça de crian-
acesso à Justiça, de modo que crian- ças, adolescentes e suas famílias,
ças e adolescentes possam buscar mas também são responsáveis
a proteção legal de seus direitos por fiscalizar e aplicar as sanções

331
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

cabíveis sempre que observarem o artigo 86 do ECA. Tal Política se


descumprimento das leis de prote- desenvolve de forma transversal
ção à criança e ao adolescente. e intersetorial, articulando-se com
Todavia, quando se trata de todas as demais políticas públicas e
adolescente em conflito com a lei, o integrando suas ações, com parce-
acesso à justiça, como forma de ga- ria entre o poder público e a socie-
rantir-lhes o devido processo legal dade civil, visando à garantia total
e a defesa técnica por advogado, dos direitos de crianças e adoles-
tem se revelado bastante deficitário, centes. Nesse eixo, encontram-se
pois a falta de investimentos nas todos os atores responsáveis por
Defensorias Públicas de todo o país fazer valer o direito, executando-o,
deixa muitas vezes sem defesa es- transformando-o em ação. É nesse
ses adolescentes que, sem recursos campo que encontramos direitos
para arcar com os custos de um ad- como saúde, educação, esportes,
vogado particular, não conseguem cultura, alimentação, trabalho pro-
se fazer ouvir. Segundo Hamoy tegido, profissionalização, entre
(2005), o que se observa na maior outros, cuja promoção visa satis-
parte das vezes nos processos dos fazer as necessidades básicas de
adolescentes autores de ato infra- crianças e adolescentes, sendo de-
cional é a falta ou deficiência de ver do Estado, da família e da so-
defesa técnica, defensores públicos ciedade assegurá-los.
com função meramente figurativa No eixo da promoção de direi-
e negação das garantias processu- tos, estão inseridos os serviços e
ais aos adolescentes. Nesse quadro os programas das políticas públi-
desalentador, os Centros de Defesa cas, com destaque para as polí-
da Criança e do Adolescente (CE- ticas sociais de atendimento aos
DECAs ou CEDEDICAs) surgem direitos humanos de crianças e
como importantes alternativas adolescentes, os quais têm como
para fazer frente à ineficiência do propósito assegurar acesso aos ser-
Estado na defesa técnica dos direi- viços oferecidos a todas as crianças
tos de crianças e adolescentes, tor- e adolescentes, especialmente para
nando-se seus principais aliados aqueles que tiveram seus direitos
na busca por justiça social e pela violados ou se encontram em con-
garantia dos direitos humanos. flito com a lei. Incluem-se também
O eixo da Promoção de Direi- nesse eixo os serviços e progra-
tos se caracteriza pela implemen- mas de execução de medidas de
tação da Política de Atendimento proteção de direitos, cujo caráter
dos Direitos da Criança e do Ado- emergencial tem como propósito
lescente, conforme preconizado no desenvolver ações que objetivem

332
SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

a prevenção da ocorrência de ame- A resolução nº 113/2006 do


aças ou de violação de direitos de Conselho Nacional da Criança e
crianças e adolescentes, bem como do Adolescente estipula, ainda,
prestar o pronto atendimento, tão que o Controle da efetivação dos
logo o desrespeito a esses direitos direitos humanos de crianças e
ocorram. Por fim, têm-se os pro- adolescentes se dará também pe-
gramas e serviços de execução de los órgãos de controle interno e
medidas socioeducativas destina- externo, tais como, o Ministério
dos ao atendimento aos adoles- Público, os Conselhos Tutelares, as
centes autores de atos infracionais, Varas de Infância e de Juventude,
que estejam em cumprimento de as Defensorias Públicas, o Poder
medida socioeducativa, aplicada Legislativo, os Centros de Referên-
na forma da lei, assegurando-lhes cia em Assistência Social (CRAS),
o devido processo legal. os Fóruns de discussão e controle
O eixo do Controle da Efetiva- social, entre outros.
ção dos Direitos é responsável pela
avaliação, pelo acompanhamento e
pela monitoração das ações de pro- REFERÊNCIAS
moção e de defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes, através BRASIL. Constituição da
das instâncias públicas colegiadas República Federativa do Brasil:
com a participação da sociedade promulgada em 05 de outubro de
civil, que tem um papel funda- 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
mental na cobrança da execução
das políticas públicas, além de afe- BRASIL. Lei nº 8.069, de
rir a qualidade das que já existem. 13 de julho de 1990. Dispõe
Busca-se, assim, que essas políticas sobre Estatuto da Criança e do
possam ser aprimoradas e coloca- Adolescente e dá outras provi-
das a serviço do público a que se dências. Brasília, DF: DOU, 1990. S
destinam, fazendo a diferença na BRASIL. Resolução Nº 113, de
vida de crianças, adolescentes e 19 de abril de 2206. Dispõe sobre
de suas famílias. Incluem-se nesse os parâmetros para a institucio-
campo os Conselhos de Direitos da nalização e fortalecimento do
Criança e do Adolescente nas esfe- Sistema de Garantia de Direitos
ras municipal (CMDCA), estadual da Criança e do Adolescente.
(CEDCA) e federal (CONANDA) e Brasília, DF: DOU, 2006.
os Conselhos Setoriais, tais como,
GONÇALVES, Hebe Signorini.
Conselhos de Saúde, de Assistência
Medidas Socioeducativas: avanços
Social, de Educação, entre outros.
e retrocessos no trato do adoles-

333
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

cente autor de ato infracional. IN: prática de ato infracional: o acesso


ZAMORA, Maria Helena (Org.). à justiça, ampla defesa e o con-
Para além das grades: Elementos traditório. In: FRASSETO, Flávio
para a transformação do sistema (Org.). Apuração de ato infra-
socioeducativo. Rio de Janeiro: PUC; cional e execução de medida
São Paulo: Loyola, 2005. p. 35-61. socioeducativa: Considerações
sobre a defesa técnica de adoles-
HAMOY, Ana Celina Bentes.
centes. São Paulo: ANCED, 2005.
A garantia do devido processo
legal ao adolescente acusado da

SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)

Ana Lucia da Silva Garcia1

A configuração da Assistên- (Tancredo Neves e José Sarney),


cia Social como política pública até a instalação de um Congresso
no Brasil é bastante recente. Com Constituinte, resultando na ela-
a extinção da LBA, várias pro- boração de uma Nova Constitui-
postas são elaboradas no sentido ção (1988), a qual refletiu, em seu
de se criar uma nova concepção conteúdo, a intensa disputa entre
de Assistência, que se instituísse uma perspectiva democratizante
enquanto política pública, com e instauradora de uma cultura de
todo o aparato legal necessário. cidadania e o projeto conserva-
A primeira delas foi a criação da dor e neoliberal em curso no país.
Comissão de Apoio à Reestrutu- Incluída pela primeira vez
ração da Assistência Social (por- no tripé da Seguridade Social, a
taria nº 3.764 de 21 de maio de Assistência Social passa a ser tra-
1986). Cabe destacar que a década tada como política pública, sendo
de 80 foi marcada pelo movi- regulamentada pela Lei Orgânica
mento de luta pela redemocrati- da Assistência Social (LOAS), pro-
zação do país, que culminou com mulgada em dezembro de 1993.
o fim da ditadura militar, pas- Porém, apenas entrou em vigora
sando por governos de transição partir de 2004, com o Presidente

1 Assistente social, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Coordenadora Geral do


Sistema Municipal de Assistência Social da Secretaria Municipal de Desenvolvi-
mento Social /Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

334
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)

Luiz Inácio Lula da Silva, pois nem A implementação desse sis-


o governo do Presidente Fernando tema em todo território nacio-
Collor de Mello (1990 a 1992), nem nal vem seguindo as diretrizes da
a gestão de Fernando Henrique Norma Operacional Básica do Sis-
Cardoso adotaram as medidas ne- tema Único de Assistência Social
cessárias para sua implementação. (NOB/SUAS), conforme a Resolução
A construção da Política nº 33/2012 do Conselho Nacional de
Pública de Assistência Social, Assistência Social, e um conjunto de
como direito do cidadão e dever outras regulamentações do Conse-
do Estado, teve como momento lho Nacional de Assistência Social,
forte a realização, em dezembro de órgão formulador da política.
2003, da IV Conferência Nacional Através de um conjunto de
de Assistência Social, em comemo- normativas, foram definidos os
ração aos 10 anos da aprovação da componentes do Sistema Único,
Lei Orgânica da Assistência Social tais como a forma do cofinan-
(Lei nº 8.742, de dezembro de 1993), ciamento dos serviços entre
para que finalmente a Política as esferas de governo (União,
Nacional de Assistência Social Estados e Municípios), as respon-
(PNAS) fosse publicada em 2004, sabilidades dos entes, os objetivos,
conforme relata Yazbeck: as diretrizes, os instrumentos de
gestão, entre outros elementos.
Em 2004, a criação do Ministério
É através do SUAS que começa a
do Desenvolvimento Social e ser ordenado em nível nacional
Combate à Fome(MDS), e em seu o funcionamento da Assistência
âmbito, a instituição da Secretaria Social como Política Pública a ser
Nacional de Assistência Social implementada obrigatoriamente
(SNAS), aceleraram, e fortalece- em todo o território nacional, de
ram o processo de construção do forma padronizada.
SUAS, numa relação comparti- São funções da Política de S
lhada com a CIT e o CNAS. Em Assistência Social: (i) a Proteção
dezembro deste mesmo ano, após
Social, (ii) a Vigilância Socioassis-
ampla mobilização nacional, o
CNAS editou a Política Nacional
tencial e (iii) a Defesa de Direitos,
de Assistência Social (PNAS/2004). através de um sistema público não
Tal documento apresenta as bases contributivo, descentralizado e
e referências necessárias para a participativo. São princípios fun-
implantação e gestão do SUAS damentais da lógica da proteção
em todo o território nacional social: (i) a matricialidade sociofa-
(YAZBECK, 2008, p. 79) miliar, compreendendo as novas
configurações familiares e que o

335
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

núcleo familiar deve ser fortale- A Proteção Social Básica é for-


cido em suas funções protetivas mada pelo conjunto de serviços,
pela política pública; e (ii) a territo- programas, projetos e benefícios
rialização, pois os serviços devem da assistência social, que visam
a prevenir situações de vulnera-
estar localizados nos territórios
bilidade e risco social por meio
onde vive a família, sendo funda- do desenvolvimento de poten-
mental conhecer os fatores de risco cialidades e aquisições, e do
e vulnerabilidade de cada territó- fortalecimento de vínculos fami-
rio (vigilância socioassistencial). liares e comunitários. Destina-se
O sistema prevê as seguin- à população que vive em situ-
tes garantias de segurança a ação de vulnerabilidade social
serem oferecidas a população: (a) decorrente de pobreza, provação
Segurança de acolhida nos ser- (ausência de renda, precário ou
viços próprios da Assistência nulo acesso aos serviços públicos,
entre outros) e /ou fragilização
Social; (b) Segurança de renda; (c)
de vínculos afetivos. Este nível
Segurança de convívio ou vivên- de proteção é operado por meio
cia familiar, comunitária e social; de: 1) Centros de referência de
(d) Segurança do desenvolvimento Assistência Social (CRAS), ter-
da autonomia individual, familiar ritorializados de acordo com a
e social; (e) Segurança de sobrevi- demanda do município; 2) rede
vência a riscos circunstanciais de serviços socioeducativos dire-
O SUAS prevê, no seu desenho cionados para grupos geracionais
operacional, dois níveis de atenção e intergeracionais, grupos de
social: a Proteção Social Básica, ofe- interesse, entre outros; 3) bene-
fícios eventuais; 4) benefícios de
recida através dos Centros de Refe-
prestação continuada e 5) servi-
rência de Assistência Social (CRAS), ços e projetos de capacitação e
e a Proteção Social Especial, que se inserção produtiva.” 2
divide em dois níveis: de Média
Complexidade, cujos serviços são
oferecidos nos Centros de Referên- Os serviços da Proteção
cia Especializada de Assistência Social Básica são: (a) Serviço de
Social (CREAS), e de Alta Comple- Proteção e Atendimento Inte-
xidade, oferecidos nas Unidades de gral à Família- PAIF; (b) Serviço
Acolhimento institucional . de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos (por faixa etária), (c)
Serviço de Proteção Social Básica

2 Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro: O Ministério Público na


Fiscalização do Sistema Único de Assistência Social – cartilha de orientação,
Centro de Apoio Operacional Cidadania, 2014. p,18.

336
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)

no domicílio para pessoas com c) Serviço de proteção Social a


deficiência e idosas. Adolescente em cumprimento
de Medidas Socioeducativa e
de Liberdade Assistida – LA
A Proteção Social Especial, é e de Prestação de Serviços à
formada pelo conjunto de ser- Comunidade – PSC;
viços, programas e projetos que
têm por objetivo contribuir para d) Serviço de Proteção Social
a reconstrução de vínculos fami- Especial para Pessoas com Defi-
liares e comunitários, a defesa ciência, Idosos e suas Famílias; e)
de direito, o fortalecimento das Serviço Especializado para Pes-
potencialidades e aquisições, a soas em Situação de Rua;
proteção de famílias e indiví-
duos para o enfrentamento das
situações de violação de direitos.
Tem por referência a ocorrência 2. Alta Complexidade:
de situações de risco ou violação
a) Serviço de Acolhimento Institu-
de direitos. Os serviços podem
cional nas seguintes modalidades:
ser classificados em dois níveis,
Abrigo Institucional, Casa-lar, Casa
de acordo com a complexidade: a
de Passagem, Residência Inclusiva;
proteção social especial de média
complexidade e a de alta com- b) Serviço de Acolhimento em
plexidade. A primeira destina-se República;
às situações em que os vínculos c) Serviço de Acolhimento em
familiares e comunitários, apesar Família Acolhedora,
da violação de direitos existir, con-
tinuam preservados; a segunda, d) Serviço de Proteção em Situ-
aos casos em que esses vínculos ação de Calamidades Públicas e
estão rompidos.3 Emergências

Como menciomado, os ser- Em 2006 o Conselho Nacional S


viços de Proteção Especial são de de Assistência Social, através
dois níveis de complexidade: da Resolução nº269, de 13 de
Dezembro de 2006 (DOU 26/12/06),
art. 1º, aprova a Norma Operacional
1. Média complexidade (CREAS):
Básica de Recursos Humanos do
a) Serviço de proteção e atendi-
mento especializado a famílias e Sistema Único de Assistência Social
indivíduos – PAEFI; – NOB/SUAS (NOB-SUAS 2006),
que define os níveis de gestão do
b) Serviço especializado de abor-
SUAS, instâncias de articulação,
dagem social;
pactuação e deliberação que com-
3Idem, p. 27

337
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

põe o processo democrático de apenas para receber recursos, mas


gestão do SUAS, financiamento e para analisar e aprovar o plano de
regras de transição. assistência social, tornando “pú-
Uma das inovações propostas blicos” o planejamento de ações e
pelo SUAS é a descentralização ad- a destinação dos recursos.
ministrativa e financeira, entendida O Controle Social sobre a
como o repasse de financiamentos Política de Assistência Social é
da política para as instâncias esta- realizado pelos Conselhos de
duais e municipais. A gestão finan- Assistência Social, instância paritá-
ceira se materializa na instituição e ria e deliberativa, composta por 50%
funcionamento dos Fundos de As- de representantes governamentais
sistência Social, nos três níveis de e 50% de organizações sociais elei-
governo, de acordo com a legisla- tas para esta função. Objetivou-se,
ção específica. Assim, os três níveis com a implantação dos Conselhos,
de governo ficam responsáveis pelo o exercício democrático de delibe-
cofinanciamento e pela definição ração, acompanhamento da gestão
das fontes orçamentárias. e avaliação da política, do Plano
O Fundo de Assistência So- Plurianual de Assistência Social e
cial passa a ser o instrumento de dos recursos financeiros destina-
gestão de todos os recursos desti- dos a sua implementação.
nados ao financiamento das ações Outro eixo inovador que surge
assistenciais, os quais só podem a partir da PNAS/2004 é a estrutura-
ser repassados aos Estados e mu- ção de um Sistema de Informação,
nicípios que tivessem instituído monitoramento e avaliação, com-
oficialmente o tripé “Conselho de preendido como o caminho ne-
Assistência Social, o Fundo de As- cessário para o acompanhamento,
sistência e o Plano de Assistência a avaliação e o aperfeiçoamento
Social”. A transferência de recur- das ações desenvolvidas. O SUAS
sos federais deixa de ser executada assume a responsabilidade de for-
pela via dos convênios e passa a mular e implementar uma política
ser realizada fundo a fundo para de monitoramento e avaliação que
os municípios habilitados, e na permita a utilização de dados e in-
forma de piso para as instituições formação na retroalimentação das
prestadoras de serviços devida- políticas, melhorando seu desem-
mente cadastradas nos Conselhos penho e tornando mais eficiente
de Assistência Social. Nesta ló- e eficaz a aplicação dos recursos,
gica, os conselhos têm atribuições para que cheguem aos que real-
específicas no que tange ao Fundo, mente necessitam.
pois os mesmos não são criados

338
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)

A estruturação de sistemas Universidade Católica de São


com critérios e parâmetros que Paulo. Brasília: MDS, 2008.
permitam monitorar e avaliar
YAZBEK, Maria Carmelita.
políticas públicas nos remete à
Estado, Políticas Sociais e
questão da democratização das
Implementação do SUAS. In:
mesmas, as quais deixam de ser
BRASIL, Capacita SUAS, vol.
consideradas como impenetrá-
I - Configurando os eixos
veis e de domínio dos políticos e
de mudança. Ministério do
funcionários especializados, pas-
Desenvolvimento e Combate
sando a uma concepção de gestão
à Fome. Instituto de Estudos
pública com transparência nas in-
Especiais da Pontifícia
formações através de sistemas de
Universidade Católica de São
informação, com processos e flu-
Paulo. Brasília: MDS, 2008.
xos, definidos nacionalmente.
RIO DE JANEIRO, O
Ministério Público na Fiscalização
REFERÊNCIAS do Sistema Único de Assistência
Social – cartilha de orientação.
BRASIL, Lei Orgânica da Centro de Apoio Operacional
Assistência Social – LOAS. Brasília, Cidadania, Ministério Público do
1996. Estado do Rio de Janeiro, 2014.

BRASIL, Política Nacional de


Assistência Social. Brasília, 2004.
BRASIL, Norma Operacional
Básica da Assistência Social –
NOB/SUAS. Brasília, 2005.
BRASIL, Resolução n. 269, de S
13 de dezembro de 2007. Norma
Operacional Básica de Recursos
Humanos – NOB-RH/SUAS.
Brasília, MDS.
BRASIL, Capacita SUAS, vol.
2 – Desafios da Gestão do SUAS
nos Municípios e Estados.
Ministério do Desenvolvimento
e Combate à Fome. Instituto de
Estudos Especiais da Pontifícia

339
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

Ana Rosa Vieira Oliveira1

O Sistema Único de Saúde O sistema adquiriu mate-


(SUS) configura-se como o sistema rialidade jurídico-formal com a
nacional de saúde brasileiro e tem promulgação da Constituição Fe-
como princípios doutrinários a deral de 1988, instrumento que
Universalização, que garante a concedeu à saúde um capítulo
saúde como direito de todos, além próprio, fato que em si mesmo já
de dever do Estado; a Integrali- se constituiu como um dos prin-
dade, que preconiza a organiza- cipais avanços para o setor. Foi
ção do sistema de modo integrado regulamentado pela Lei 8080/90,
no que se refere às ações e serviços a Lei Orgânica da Saúde, de 19 de
de saúde; e a Equidade, que propi- setembro de 1990, e está em vigor
cia a prestação de ações e serviços no país desde então.
em todos os níveis de acordo com Historicamente, a confor-
a complexidade exigida por cada mação do SUS tem basicamente
caso, sem entraves ou privilégios. início com o evento da Reforma
O SUS é organizado a partir Sanitária Brasileira, deflagrada a
de três diretrizes constitucionais: partir das lutas dos movimentos
a Descentralização, com ênfase sociais que surgiram em paralelo
para os municípios; a Integrali- às mobilizações de críticas rela-
dade das ações, que determina cionadas às crises e reformas que
sua oferta em todos os níveis de permearam o país nos anos 1980.
atenção à saúde, enfatizando as Os movimentos da Reforma Sani-
ações de Atenção Primária; e a tária culminaram com a convoca-
Participação Popular, que garante ção, em 1986, da VIII Conferência
o exercício do controle social so- Nacional de Saúde (VIII CNS),
bre as ações e serviços de saúde. que contou com a participação de
representantes da população ci-

1 Doutora em Saúde Coletiva (UERJ), Mestre em Saúde Coletiva (UERJ),


Especialista em Docência Superior (FABES) e Fisioterapeuta (UNISUAM). É
Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Segurança no Trabalho
(Faculdade Gama e Souza), professora da graduação (UNICARIOCA e UCAM) e
professora da Pós-Graduação/MBA (UNESA e Faculdade São Camilo).

340
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

vil e de profissionais e intelectu- Nesse sentido, o SUS repre-


ais da área da saúde. senta um relevante avanço para o
Durante a Conferência, rea- setor saúde no Brasil, garantindo
lizada no início do período de direitos ao cidadão/usuário que
redemocratização no Brasil, foram nunca tinham sido considerados
discutidos os temas e propostas pelos sistemas anteriores. Em es-
para a conformação de um sistema pecial, destacam-se o inédito di-
de saúde que pudesse atender reito universalizado ao acesso à
às grandes demandas reformis- saúde e o pleno entendimento e
tas, incluindo dimensões como a aceitação de seu conceito, na me-
universalização do acesso aos ser- dida em que o texto constitucio-
viços, o desenvolvimento de ações nal associa diretamente a garantia
integradas, a hierarquização e a da saúde da população ao equa-
regionalização, entre outros. cionamento das questões econô-
O texto final da Conferên- micas e sociais, em conjunto com
cia versou principalmente sobre as ações próprias do setor.
três questões essenciais à nova Embora desde sua implanta-
proposta: saúde como direito uni- ção venha sofrendo com diversos
versal, reformulação propriamente e sérios problemas que necessitam
dita do sistema e financiamento do de soluções eficazes e urgentes,
setor (fundamental para permitir incluindo reformulações que per-
a nova conformação). Foi encami- mitam sua melhor adequação às
nhado ao Congresso Nacional e, necessidades sociais e econômicas
naquele momento histórico espe- do país, o SUS é um sistema que
cífico, analisado pela Assembleia se fundamenta em características
Nacional Constituinte, eleita para muito bem estruturadas e em total
elaborar e desenvolver a Constitui- consonância com o bem-estar social,
ção Federal, que deveria se adequar além de ter respaldo constitucional.
à nova realidade do país. Assim, é fundamental para S
Após as discussões necessá- o país que o sistema seja ampla-
rias, e apesar de divergências no mente preservado em sua essência
aspecto referente ao financiamento, e todos os esforços precisam ser
a quase totalidade das propostas direcionados no sentido de asse-
foi apreendida pela Assembleia. gurar seu funcionamento efetivo,
Assim, o texto constitucional aca- como é demandado pelas amplas
bou por incluir as propostas da VIII e reais necessidades da população
CNS, refletindo todo o pensamento e como é determinado pela legis-
reformista do setor saúde. lação correspondente.

341
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

R E F E R ÊNC I A S Constitucional promulgado em 05


de outubro de 1988.
BRASIL. Constituição da BRASIL. Lei 8080, de 19 de
República Federativa. Texto setembro de 1990.

SITUAÇÃO DE RUA

SITUANDO AS CATEGORIAS: DE “MENOR ABANDONADO”


A “CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA”

Márcia Gatto1

Ao longo da história brasi- como se existissem duas infân-


leira, levamos algum tempo para cias: políticas para as “crianças”
se pensar a criança e o adoles- privilegiadas, filhos de “homens
cente enquanto sujeito de direitos. de bem”, geralmente com direitos
Inicialmente vistos como objetos, sociais garantidos; e políticas para
ou mesmo como “adultos peque- os “menores” marginalizados,
nos”, não existia uma visão ou filhos da classe subalterna, geral-
legislação que os diferenciasse mente com seus direitos negados.
dos adultos, ou de leis e dispositi- Ateremos-nos a esses últimos.
vos que garantissem direitos. Isso Os autores Rizzini e Pilotti
veio de forma gradual. (2009) observaram que “de mão
A preocupação com as crianças em mão”, essas crianças foram
pobres e abandonadas foi tratada passando desde o período colo-
de diversas maneiras e a respon- nial, quando estiveram sob a res-
sabilidade foi atribuída a vários ponsabilidade dos jesuítas, quem
segmentos e instituições. Em se tinham o papel de evangelizá-las;
tratando de políticas públicas, passando pelas mãos dos senho-
clara é a diferenciação feita entre res de escravos que, na verdade,
as crianças das diferentes classes, consideravam-nas um fardo, pois

1 Márcia Gatto é Jornalista, Doutoranda em Políticas Públicas e Formação


Humana (UERJ); Coordenadora da Rede Rio Criança.

342
SITUAÇÃO DE RUA

pouco era a sua produção e muitas crianças que eram livres e pobres
morriam devido às péssimas con- e que perambulavam pelas ruas?
dições em que viviam; posterior- Começava-se a dizer que aquelas
mente passaram pelas mãos das crianças pelas ruas estavam aban-
Santas Casas de Misericórdia, que donadas material e moralmente, ou
dos expostos e desvalidos se res- seja, abandonadas à própria sorte,
ponsabilizavam, como exemplo, as podendo assim se tornar possíveis
crianças deixadas na famosa Roda criminosos. A categoria “menor
dos Expostos, geralmente filhos in- abandonado” surge, assim, após o
desejáveis, de senhores com suas advento da Lei do Ventre Livre. As
escravas, ou de jovens solteiras. crianças pobres, negras, nas ruas,
Segundo Ester Arantes (2008), consideradas órfãos de pais vivos e
durante os primeiros séculos da futuros delinquentes, deveriam ser
colonização portuguesa, não exis- encaminhados às instituições pre-
tia àquela época a “criança”, pen- ventivas em regime de internato,
sada enquanto categoria genérica. ou às casas de correção, quando da
O que existiam eram categorias di- prática de ato infracional. Este foi
ferenciadas de crianças como “os um sistema que diferenciou o aten-
filhos de família”, “os meninos da dimento às crianças, uma vez que,
terra”, os filhos dos escravos”, “os enquanto o Código Civil de 1916
órfãos”, “os expostos”, “os desva- tratava dos “filhos de família”, o
lidos”, “os negrinhos”. Durante o Código de Menores de 1927 tratava
sistema caritativo, século XVII, fo- dos menores “abandonados” ou
ram adotadas categorias distintas “delinquentes” (ARANTES, 2008).
às do sistema não-caritativo, es- O “menor abandonado” era
pecialmente para aquelas crianças uma categoria jurídica que impli-
que eram vistas pelas ruas da ci- cava nas ações do Juiz de Menores
dade, supostamente provenientes e do Código de Menores de 1927.
de famílias “desestruturadas” ou A adoção do termo “menor” passa S
mesmo abandonadas. a ser uma nomenclatura jurídica e
Com a Lei do Ventre Livre social, adotada na virada do século
(1871) surge uma grande inquie- XX, classificando a infância pobre,
tação: o que fazer com aquelas distinguindo-a de outros segmen-
crianças fruto do Ventre Livre? Elas tos infantis da época.
não eram órfãs, não eram expos-
tas, nem tinham cometido crime O menor era visto como uma ame-
algum e, sobretudo, deixariam aça social, e o atendimento a ele
de ter um dono que as tutelas- dispensado pelo Poder Público
sem. Ou seja, o que fazer com as tinha por fim corrigi-lo, regenerá-

343
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

-lo, reformulá-lo pela reeducação, histórica e desumana diferenciação


a fim de devolvê-lo ao convívio entre “crianças” e “menores”, enten-
social desvestido de qualquer dendo que ela era incabível. No
vestígio de periculosidade, cida- bojo das lutas pelo fim da Ditadura
dão, ordeiro, respeitador da lei,
Militar e pela redação de uma nova
da ordem, da moral e dos bons
costumes (COSTA, 1993, p.27).
Constituição Federal, através de
processo Constituinte, tem início
uma grande mobilização do movi-
A categorização estigmatizante mento social pela mudança na lei e
do “menor”, “menor abandonado”, no atendimento a essas crianças.
“pervertido” ou em “perigo de o Com a aprovação da Consti-
ser” foi criada nessa época e efetiva- tuição Federal de 1988, que traz a
mente passou a ter uma conotação relevante contribuição do movi-
pejorativa. O Código de Menores mento social em seu artigo 2272, e
de 1979 já trabalha com a categoria em 1990 da Lei 8.069/90, o Estatuto
de “menor em situação irregular”, da Criança e do Adolescente (ECA),
distinguindo-a da categoria “me- há uma quebra de paradigma não
nor em situação regular”. Todo esse apenas nas concepções, mas tam-
período fortaleceu muito a visão bém no sentido e aplicação da lei,
criminalizadora das crianças e dos que dispõe sobre a proteção integral
adolescentes que estavam nas ruas, à criança e ao adolescente (art. 1º), e
fortalecendo o estigma do “menor”, na condição peculiar de pessoas em
se perpetuando até nossos dias. desenvolvimento (art. 6º). Crianças
A categoria “meninos de rua” e adolescentes3 passam a ser consi-
surge na década de 1980, época de derados como sujeitos de direitos.
criação do Movimento Nacional Isso representou uma grande vitória
dos Meninos e Meninas de Rua, em para o movimento social e, princi-
1985. Naquela época, tem início uma palmente, para esse segmento da
grande discussão nacional quanto à população, pois, além de titulares de

2 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. O Artigo 227 da CFB teve o peso de um milhão e meio de assina-
turas, a partir da emenda popular denominada “Criança prioridade nacional”,
liderada pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR)
e Pastoral do Menor, que mobilizou a sociedade brasileira de norte a sul.
3 ECA, Artigo 2º - Considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até 12
anos incompleto, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

344
SITUAÇÃO DE RUA

uma série de direitos, o ECA também A categoria “crianças e adolescen-


prevê a constituição de dispositivos tes em situação de rua” surge por
políticos, como os Conselhos de volta do ano 2000, a partir de dis-
Direitos das Crianças e dos Adoles- cussões também nacionais, res-
peitando o Estatuto da Criança e
centes, os Conselhos Tutelares, bem
do Adolescente que os constitui
como mudanças importantes em como sujeitos de direitos. No âm-
relação ao ato infracional do ado- bito interno da Rede Rio Criança,
lescente e regulamentação quanto a desde a sua constituição, em me-
idade e inserção no mercado de tra- ados de 2001, esta categoria foi
balho, dentre outros. alvo de muitas discussões e deba-
Até o final da década de 1990, tes. Pesquisadores do tema, como
parte da literatura sobre o tema Ricardo Luccini e Daniel Stocklin
costumava dividir as crianças e os (2003), sociólogos suíços, foram
adolescentes em situação de rua convidados pela Fondation Terre
des hommes para um Seminário da
de acordo com dois amplos perfis,
Rede Rio Criança, em 2002, para
considerando como um dos prin- apresentarem seus estudos so-
cipais fatores em sua descrição a bre esse grupo na Guatemala e na
existência ou não de vinculação China, nos quais ressaltaram “que
com a família: (i) “meninos(as) o mais importante a ser levado em
na rua” (aqueles que estavam na consideração é o processo de rela-
rua, mas tinham ainda o vínculo cionamento entre um ator e a rua,
familiar) e (ii) “meninos(as) de rua” entre um ator e sua família, entre
(aqueles que permaneciam na um ator e a polícia, entre outros”
rua, supostamente perdido o vín- (RIZZINI; CALDEIRA; RIBEIRO e
CARVANO , 2010, p. 19)4.
culo familiar) (Rizzini, Caldeira,
Ribeiro e Carvano, 2010).
De “menores abandonados”, O termo “em situação de rua”
passando por “menores em situa- era usado, mas ainda faltava um
ção irregular” e “meninos/as de/na conceito que conseguisse abarcar S
rua”, chegamos ao conceito crianças a complexidade que envolvia esta
e adolescentes em “situação de rua”: questão. Para a Rede Rio Criança5,
4 www.ciespi.org.br/publicacoes/livros-e-periodicos?task...file...pdf. Acessado
em janeiro de 2016.
5 Rede Rio Criança é uma articulação de ONGs de referência que atuam de for-
ma articulada no trabalho e em defesa dos direitos humanos de crianças e ado-
lescentes em situação de rua no RJ. Instituições que integram a Rede Rio Criança:
Associação Beneficente Amar, Associação Beneficente São Martinho, Associação
Brasileira Terra dos Homens – ABTH, Associação Childholpe, Associação Excola,
Banco da Providência, CEDECA RJ, Centro de Teatro do Oprimido – CTO,
Movimento Moleque, Pastoral do Menor e Se Essa Rua Fosse Minha.

345
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

era necessário dar movimento, De acordo com este conceito,


fluidez à categoria, pois a relação os meninos(as) que estão em situ-
com a rua é processual, heterogê- ação de rua não são apenas os que
nea, individual, diferenciada, mas, dormem nas ruas ou os que tra-
ao mesmo tempo, para cada uma balham nas ruas, mas também
dessas crianças e adolescentes, aqueles que estando abrigados
em determinado(s) momento(s) de temporariamente, ou em cumpri-
suas vidas, a rua tinha uma refe- mento de medidas socioeducati-
rência muito forte. vas, ou fazendo parte de projetos
Depois de muitas discussões, sociais em sua família ou comuni-
especialmente entre 2008 e 2009, dade, reiteradas vezes retornam às
época de formulação da Política ruas, pois essa ainda é uma refe-
Municipal de Atendimento às rência forte em suas vidas.
Crianças e Adolescentes em Situa- O conceito mais recente para
ção de Rua, no âmbito do Grupo de “Crianças e Adolescentes em Situ-
Trabalho constituído no Conselho ação de Rua” foi elaborado, coleti-
Municipal dos Direitos da Criança vamente, ao longo do processo de
e do Adolescente (CMDCA Rio), construção das propostas de dire-
chegou-se ao seguinte conceito, trizes para uma Política Nacional
adotado na referida Política: de Atendimento às Crianças e
Adolescentes em Situação de Rua,
Situação de rua é uma complexa
pelo Comitê Nacional da Rede de
relação dinâmica que envolve Atenção às Crianças e Adolescen-
“casa – rua – abrigo – rua – pro- tes em Situação de Rua6, formado,
jetos sociais / instituições – rua em 2013, por Redes e Instituições
– família / comunidade – rua”, de referência nessa temática das
em que a rua, em diferentes cinco regiões do Brasil, e dos ado-
graus, ocupa um lugar de refe- lescentes. Devido à abrângência do
rência predominante e um papel termo o grupo optou por definir o
central em suas vidas. conceito e desenvolver também
tipificações para “situação de rua”.
6 Instituições que compõem o Comitê Nacional: Campanha Nacional Criança Não
é de Rua, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Rede Rio Criança
(RJ), Rede Inter-Rua (RS), Rede Amiga da Criança (MA), Projeto Meninos de Rua
(SP). Desde meados de 2015, este grupo veio a compor o GT Criança e Adolescente
em situação de rua do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA),deliberado pela Resolução 173, de abril de 2015, também formado pela
representação de Ministérios (Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Saúde,
Educação, e pelo Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da
Política Nacional para População de Rua - CIAMP).

346
SITUAÇÃO DE RUA

De acordo com o documento: sível transitoriedade e efemeri-


dade dos perfis desta população.
Crianças e Adolescentes em situ-
Ou seja, as crianças e adolescentes
ação de rua, são crianças e ado- que estão em situação de rua po-
lescentes com direitos violados, dem mudar por completo o perfil
caracterizados por sua heteroge- repentina ou gradativamente, em
neidade (diversidade de gênero, razão de um fato novo.
orientação sexual, étnico-racial, Ocorre uma forte interseção das
religiosa, geracional, territorial, várias situações de rua. A situação
de nacionalidade, de opção polí- de pernoite ou moradia nas ruas é a
tica, entre outros), pela interrup- que mais se associa a outros perfis
ção ou fragilidade dos vínculos
de maneira permanente. As inter-
familiares, em situação de po-
breza ou pobreza extrema, com
seções podem ocorrer também de
dificuldade de acesso às políticas maneira circunstancial. É possível
públicas, utilizando logradouros identificar uma correlação entre os
públicos e/ou áreas degradadas vários perfis, na qual uma situação
de forma permanente ou intermi- levará à outra, o que torna o exer-
tente. (Comitê Nacional da Rede cício de categorizar a situação de
de Atenção às Crianças e Adoles- rua entre vários perfis uma tarefa
centes em situação de rua, 2016) complexa, a qual requer muita
observação. Entretanto, a tipifica-
A tipificação das situações de ção das várias situações de rua é
rua é dada da seguinte forma: necessária para orientar que tipo
a. Situação de trabalho nas ruas. de abordagem e qual encaminha-
b. Situação de pedir nas ruas. mento serão mais efetivos.
c. Situação de abuso e explo- Podem existir outras tipifica-
ração sexual nas ruas. ções possíveis para situação de rua,
d. Situação de uso abusivo de de menor incidência que as ante-
riores ou existentes em contextos S
álcool e outras drogas nas ruas.
e. Situação de ameaça de regionais diversos. A situação de
morte que foram para as ruas. imigrantes ilegais, desabrigados em
f. Situação de pernoite ou razão de catástrofes, desalojados de
moradia nas ruas de crianças e ocupações, entre outros, podem
adolescentes. ser considerados provisoriamente
g. Situação de pernoite ou como parte desta população.
moradia nas ruas de crianças e ado-
lescentes acompanhados da família.
Utiliza-se o termo “situação”
exatamente para enfatizar a pos-

347
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

REFERÊNCIAS COSTA, A. C. Brasil criança


urgente. Belo Horizonte: Colum-
ARANTES, Esther M. M. A bus Cultural, 1993.
reforma das prisões, a Lei do RIZZINI, Irma; RIZZINI,
Ventre Livre e a emergência no Irene. A institucionalização de
Brasil da categoria de “menor crianças No Brasil. Rio de Janeiro:
abandonado”.2008. Disponível em: Loyola, 2004.
http://www.pol.org.br/pol/export/
sites/default/pol/noticias/noticiaDo- RIZZINI, Irene; PILOTTI,
cumentos/A_reforma_das_prisxes. Francisco (Orgs). A arte de gover-
pdf. Acesso em: 12 de agosto de 2011. nar crianças. São Paulo: Editora
Cortez, 2009.
Comitê Nacional da Rede de
Atenção às Crianças e Adolescentes RIZZINI, Irene; CALDEIRA,
em situação de rua, 2016 - P.; RIBEIRO, R. ; CARVANO, M.
Propostas de Diretrizes para uma Crianças e adolescentes com direitos
Política Nacional de Atenção às violados: situação de rua e indicadores
Crianças e Adolescentes em situ- de vulnerabilidade no Brasil urbano.
ação de rua, ainda em construção Rio de Janeiro: PUC, 2010.

SOCIOEDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO SOCIAL

Janaina de Fátima Silva Abdalla1

O princípio da ação socioe- centes e jovens envolvidos e/ou


ducativa tem seu caráter pedagó- em conflito com a lei.
gico e eminentemente educacional Durante o processo socioedu-
segundo o Estatuto da Criança e do cativo, busca-se práxis pedagógica a
Adolescente (ECA, Lei no 8.069/1990) partir de objetivos e critérios meto-
e o SINASE (Resolução no 119/2006 e dológicos próprios de um trabalho
a Lei Federal no 12.594/2012). social reflexivo, crítico e construtivo.
A política de socioeducação Como desdobramento, há promo-
é responsável por proporcionar ção pessoal e social através de um
a ação socioeducativa aos adoles- trabalho de orientação de educação

1 Pedagoga no DEGASE. Diretora da Escola de Gestão Socioeducativa Paulo


Freire – Novo Degase. Mestre em Comunicação, imagem e formação (UFF).
Doutora em Educação (UFF). Professora na Faculdade Gama e Souza.

348
SOCIOEDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO SOCIAL

formal, de atividades pedagógicas, para o desenvolvimento e o forta-


de lazer, esportivas, culturais e de lecimento da identidade pessoal,
educação profissional, bem como cultural e social de cada indivíduo.
demais questões inerentes ao desen- A educação social é uma prá-
volvimento do sujeito frente aos de- xis política que entende o sujeito
safios da vida em liberdade. como ser que pensa, age, sente e
Segundo Silva (2012): se relaciona com as pessoas e seu
contexto social, de forma a pro-
A busca do rompimento com os
mover a formação de sujeitos da
ciclos de violência vivenciados his- educação e a transformação social.
toricamente pelos adolescentes e Para a Souza e Müller (2009), o
jovens e a construção de meios para trabalho na e da educação social é
educação destes para a vida em entendido como:
liberdade, a partir de um padrão
de sociabilidade ético e saudável,
é, portanto, o desafio da política de Derecho del ciudadano que se con-
socioeducação. (SILVA, 2012, p. 105) creta en el reconocimiento de una
profesión de carácter pedagógico,
generadora de contextos educa-
O conceito de socioeducação tivos y acciones mediadoras y
ou educação social, no entanto, des- formativas, que son ámbito de com-
taca e privilegia o aprendizado para petencia profesional del educador
social, posibilitando: La incorpo-
o convívio social e para o exercício
ración del sujeto de la educación a
da cidadania. Trata-se de uma pro- la diversidad de las redes sociales,
posta que implica uma nova forma entendida como el desarrollo de la
do indivíduo se relacionar consigo sociabilidad y la circulacion social;
e com o mundo (COSTA, 2004b). La promoción cultural y social,
Deve-se compreender que edu- entendida como apertura a nuevas
cação social é educar para o coletivo, posibilidades de la adquisición de
no coletivo e com o coletivo. É uma bienes culturales, que amplío en S
tarefa que pressupõe um projeto las perspectivas educativas, labo-
social compartilhado, em que vários rales, de ocio y participación social.
(SOUZA & MÜLLER, 2009, p. 3)2.
atores e instituições concorrem
2 Direito do cidadão tal como consagrado no reconhecimento de uma profis-
são de caráter pedagógico , gerando contextos educativos e de mediação e ações
de formação , que são âmbito da competência profissional do educador social ,
permitindo : A incorporação do tema da educação para a diversidade de rede so-
cial, entendido como o desenvolvimento da sociabilidade e do movimento social;
Promoção cultural e social , entendida como a abertura a novas possibilidades
para a aquisição de bens culturais , que se expandiu no , trabalho, perspectivas
educacionais de lazer e participação social. ( SOUZA & MÜLLER , 2009, p. 3).

349
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Portanto, a educação social / pode-se falar de uma socioedu-


socioeducação prevê um processo cação de caráter protetivo e outra
de construção orientado pelo qual de caráter socioeducativo. Essa
o jovem, situado no mundo e com o última voltada para a prepara-
ção de adolescentes e jovens para
mundo, concretamente, transforma
o convívio social, de forma que
a si mesmo e o que está em sua volta, atuem como cidadãos e futuros
tornando-se sujeito de sua história. profissionais, que não reincidam
A socioeducação como prá- na prática de atos infracionais
xis pedagógica propõe política e (crimes e contravenções), e asse-
um trabalho social reflexivo, crí- gurando-se, ao mesmo tempo, o
tico e construtivo, mediante os respeito aos seus direitos funda-
processos educativos orientados à mentais e a segurança dos demais
transformação das circunstâncias cidadãos. (COSTA, 2004a, p. 33)
que limitam a integração social,
a uma condição diferenciada de Ao dar ênfase a esta forma-
relações interpessoais e, por exten- ção, a socioeducação se torna a
são, à aspiração por uma maior tarefa primordial dos Sistemas
qualidade de convívio social. Socioeducativos para adolescentes
De acordo com Antônio Carlos em conflito com a lei. O trabalho
Gomes da Costa (2004a), a socioe- socioeducativo, nesse sentido, é
ducação se bifurca, por sua vez, em uma resposta às premissas legais
duas grandes modalidades: de cará- do Estatuto da Criança e do
ter protetivo, voltada para a criança, o Adolescente, bem como às deman-
jovem e o adulto em circunstâncias das sociais do mundo atual.
especialmente difíceis em razão da
ameaça ou violação de seus direitos
por omissão da família, da socie- REFERÊNCIAS
dade, do Estado ou até mesmo da
sua própria conduta, o que os levam
ASEDES, Asociación Estatal de
a se envolver em situações que
Educación Social, 2008. In: SOUZA,
implicam risco pessoal e social; e
Cléia Renata Teixeira MÜLLER,
outra socioeducativa, voltada espe-
Verônica Regina Educador Social
cificamente para o trabalho social e
: conceitos fundamentais para
educativo, que tem como destinatá-
sua formação – XI Congresso
rios os adolescentes e os jovens em
Nacional de Educação – PUC PR ,
conflito com a lei em razão do come-
outubro de 2009 Disponível: http://
timento de ato infracional.
www.pucpr.br/eventos/educere/
Segundo o autor,
educere2009/anais/pdf/2658_1385.
pdf . Acesso em 16 Julho de 2016

350
SOCIOEDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO SOCIAL

COSTA, Antonio Carlos Gomes SOUZA, Cléia Renata Teixeira


da. As Bases Éticas da Ação Sócio- & MÜLLER, Verônica Regina.
educativa. Manuscrito impresso. Educador Social: conceitos fun-
Belo Horizonte: abril/2004a. damentais para sua formação.
In:VOSGERAU, Dilmeire Sant’Anna
__________, Antonio Carlos
Ramos; ENS, Romilda Teodora;
Gomes da. Sócio-educação – Estru-
CASTELEINS, Vera Lúcia. Anais do
tura e Funcionamento de uma
IX Congresso Nacional de Educação
Comunidade Educativa. Manuscrito
(EDUCERE) / III Encontro Sul
impresso. Belo Horizonte: abril/2004b
Brasileiro de Psicopedagogia –
__________, Antonio Carlos PUC PR. Curitiba: Ed. Champagnat,
Gomes da. Um histórico do aten- 2009. Disponível em: http://www.
dimento socioeducativo dos pucpr.br/eventos/educere/edu-
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infracionais no Brasil. Brasília: Acesso em:16 julho de 2016.
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SILVA, Silmara Carneiro. Socio-
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sobre a educação de adolescentes
e jovens para a vida em liberdade.
In: Serviço Social Rev. v. 14, nº 2.
Londrina, junho de 2012. p. 96-118.
Disponível em: http://www.uel.br/
revistas/uel/index.php/ssrevista/
article/view/8398/11639. Acesso em:
16 julho de 2016. Acesso em

351
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

T
TRABALHO INFANTIL

Elizabeth Serra Oliveira1

O trabalho é uma catego- com tais atributos, o trabalho con-


ria fundante da ontologia do ser verte-se em meio de subsistência e
social, por ser uma realização assume um papel central na vida
essencialmente humana, cuja cen- das crianças das classes populares
tralidade determina a vida e, por e, assim, segue se reproduzindo
isto deve ser um eixo mobilizador historicamente de modo diverso
dos processos educativos. Se a em cada sociedade. O trabalho, em
vida humana necessita do trabalho sua forma alienada, deixa de ser
e de seu potencial emancipador, emancipatório e torna-se mutila-
ela deve combater o trabalho que dor do presente e do futuro. Desse
aliena e explora o ser social. No modo, o envolvimento precoce da
entanto, a natureza do trabalho, criança no mundo do trabalho, não
tal como se apresenta, na maioria raro, é utilizado como exploração
das sociedades mundo a fora, evi- econômica e como elemento de
dencia uma contradição, se por um disciplina e controle.
lado podemos afirmar o trabalho Consideramos o trabalho como
como fundante da vida humana, atividade fundamental da vida
por outro, sob o capitalismo, tor- humana, que existirá enquanto
na-se mercadoria, produto da existirmos. Ele assume caracte-
acumulação de capitais e de merca- rísticas históricas diferenciadas,
dorias, transformando em trabalho associadas aos modos de produ-
assalariado, alienado, fetichizado. ção escravista, feudal, capitalista,
Como tal, enquanto mercadoria e socialista. O que muda é a natu-

1 Pedagoga e Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Doutora


em Políticas Públicas e Formação Humana-Programa de pós-graduação e for-
mação humana- Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Professora do
Departamento de Educação Superior do Instituto Nacional de Educação de Surdos.

352
TRABALHO INFANTIL

reza do trabalho, as formas de patrões e empregados (chamados


trabalhar, os instrumentos de tra- de “colaboradores”) os mesmos
balho, as formas de apropriação do interesses na produtividade e na
produto do trabalho, as relações competitividade da empresa.
de trabalho e de produção, que se Marx (1980) fala sobre o tra-
constituem de modo diverso ao balho das mulheres e das crianças
longo da história da humanidade. em O Capital, considerando que,
O trabalho humano materia-
liza-se em coisas, objetos, formas, Na medida em que torna
gestos, palavras, cores, sons, em supérflua a força muscular, a
realizações materiais e espiritu- maquinização transforma-se em
ais. O ser humano cria e recria os um meio de empregar operá-
elementos da natureza que estão rios sem força muscular, ou com
ao seu redor e lhes confere novas desenvolvimento físico incom-
formas, novas cores, novos signi- pleto, mas dotados de grande
ficados. De modo que o trabalho é destreza de movimentos. Faça-
o fundamento da produção mate- mos trabalhar as mulheres e as
crianças! Eis o que diz de si e
rial e espiritual do ser humano
para si o capital, quando come-
para sua sobrevivência e reprodu- çou a servir-se das máquinas.
ção (IANNI, 1984). Este poderoso substituto do tra-
Na cidade, conforme a herança balho e dos operários tornou-se
do início do século passado, pelo assim um meio de aumentar o
taylorismo e o fordismo, com a divi- número de assalariados, englo-
são de tarefas e a administração bando neles todos os meios da
científica do trabalho, acontecem família operária, sem distinção
as linhas de montagem e o traba- de sexo nem de idade. Todos
lho mecanizado. Mais tarde, com foram diretamente submetidos
ao capital. O trabalho forçado
o toyotismo e a automação, surgem
em proveito do capital substi-
a microeletrônica, a cooperação e tui os brinquedos da infância e
o modelo “flexível” de produção até mesmo o trabalho livre que
e de relações de trabalho. Em um o operário realizava para a sua T
caso ou em outro, os trabalhadores família no círculo doméstico e
perdem a visão do todo, destinam- nos limites duma sã moralidade
-se a cumprir tarefas coordenadas (MARX, 1980, p.77, grifo nosso)
de trabalho. Na produção flexível,
são estimulados a socializar seu
Nesse sentido, compreende-
saber sob a ideologia de terem
mos o trabalho precoce2 como o
2 O termo trabalho infantil e trabalho precoce aqui apresentado se inter-rela-
cionam em seus significados.

353
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

conjunto de atividades realizadas Segundo definição do governo


por crianças, portanto, como a brasileiro, no Documento Orienta-
inserção da criança no trabalho, dor da III Conferência Global sobre
que visa a possibilitar-lhe sobrevi- o trabalho infantil (2013: p.32), “o
vência ou a de outros, bem como trabalho infantil pode ser defi-
sua exploração econômica. nido como todo tipo de atividade
O artigo 32 da Convenção laboral realizada por crianças e
Internacional sobre os Direitos da adolescentes em desacordo com
Criança, ratificada em 1989 pela a idade estabelecida por lei para
grande maioria dos países3 (com a permissão da entrada no mer-
exceção dos EUA e da Somália), cado de trabalho”. Assim sendo,
e pelo Brasil em 1990, serve-nos constitui forma de exploração que
de um instrumento de referência viola direitos fundamentais de
para reflexão, ao discorrer sobre os crianças e adolescentes, qualquer
direitos de crianças e adolescentes atividade laboral desempenhada
da seguinte forma: para o mercado ou não, seja habi-
tual ou mesmo esporádico, sendo
1. Os Estados partes reconhecem
remunerada ou não.
o direito da criança de estar pro- É assegurado que crianças e
tegida da exploração econômica e adolescentes devem ter respon-
de qualquer trabalho que possa sabilidades compatíveis com sua
ser perigoso ou interferir na sua faixa etária, como parte do pro-
educação, ou seja nocivo para a cesso de socialização e desen-
sua saúde ou para o seu desenvol- volvimento do indivíduo. Faz-se
vimento físico, mental, espiritual, necessário compreender a asso-
moral ou social.4 ciação que vai sendo produzida

3 A necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada


na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança, e na Declaração
dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de
1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos artigos 23 e 24), no
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no
artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas
e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança.
Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano
com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei
aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
4 Decreto nº 99.710. de 21 de novembro de 1990, que promulga a Convenção so-
bre os direitos da criança http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/
D99710.htm, acessado em 10 julho de 2013.

354
TRABALHO INFANTIL

no capitalismo, entre trabalho, O trabalho infantil no Brasil, ao


ocupação e emprego. Em relação longo da sua história, nunca foi
à categoria trabalho, já vimos an- representado como um fenômeno
teriormente que o mesmo assume negativo na mentalidade da
sociedade brasileira. Até a década
diferentes formas, de acordo com
de 80, o consenso em torno desse
a realidade histórico social, dos tema estava consolidado no sen-
modos de produção. Em relação ao tido de entender o trabalho como
termo ocupação, para os gregos, sendo um fator positivo no caso
ocupações eram entendidas como de crianças que, dada sua situa-
atividades que visavam à satis- ção econômica e social, viviam
fação pessoal e eram desenvolvi- situações de pobreza, de exclu-
das por escolha própria. Na Idade são e de risco social. Tanto a elite
Moderna, a ocupação distingue-se como as classes mais pobres com-
de trabalho (prática de esforço ou partilhavam plenamente dessa
forma de encarar o trabalho
mera atividade subordinada às
infantil (FILHO&NETO& GROF,
necessidades do processo de pro- 2007, p.13-14, p.).
dução) e de carreira (sequência
ou progressão de posições dentro
da mesma ocupação, que levam A inserção precoce da criança
de um status inferior a um status no mundo do trabalho está asso-
superior). Atualmente, predomi- ciada a uma multiplicidade de
nantemente o termo ocupação é condicionantes. Entre eles os que
associado a trabalho e emprego. colocam o trabalho infantil como
Desse modo, é considerado sendo consequência e não causa
trabalho infantil as atividades que da pobreza. Segundo Rizzini
comprometam o desempenho esco- (1996, p. 30), “a relação imediata
lar, o tempo de estudo, de descanso, que geralmente se estabelece no
de convivência familiar e comu- senso comum é alternativa de
nitária ou que acarretem riscos e ocupar dignamente a infância no
danos ao processo de desenvolvi- trabalho quando a ela só parece
mento físico, psicossocial, mental restar a trilha e a criminalidade”, T
ou moral de crianças e adolescen- No entanto, a ideologia do traba-
tes (BRASIL/OIT, 2013, p. 04). lho, na forma de emprego visando
No entanto, no Brasil, a com- ao lucro, tem sido bastante enrai-
preensão do trabalho infantil zada em nossa sociedade. Ainda
como forma de exploração econô- de acordo com autora “o trabalho
mica não é uma unanimidade. tornou-se valor inquestionável,
mesmo o trabalho exercido em
condições indignas e humilhan-
tes. Ao pobre, o trabalho, desde a

355
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

mais terna idade, como elemento Essas argumentações nos per-


educativo, formador e reabilitador mitem fazer a distinção entre duas
(RIZZINI; RIZZINI, I., 1996, p. 31). formas fundamentais de trabalho:
Sabemos que não é apenas o trabalho como relação criadora,
a questão etária que garante o do homem com a natureza, pro-
direito à infância. Não existe uma duzindo a existência humana, o
relação linear entre criança e infân- trabalho como atividade de auto-
cia, a definição de criança difere desenvolvimento físico, material,
de um país para outro. Enquanto, cultural, social, político, estético,
em algumas áreas, a criança e a o trabalho como manifestação de
infância são relacionadas à idade vida; e o trabalho nas suas formas
cronológica e suas fases de desen- históricas de sujeição, servidão
volvimento, em outras, fatores ou de escravidão ou do trabalho
sociais e culturais também são moderno, assalariado, alienado na
considerados, para garantir à sociedade capitalista.
criança seu tempo de infância. A história tem nos mostrado
Em relação ao conceito de in- que o trabalho infantil vem acom-
fância, pretende-se discutir o sen- panhando a história da humani-
tido não unívoco de infância. dade, assumindo diversas formas,
Mormente, esse conceito tem con- revelando diferentes intensidades,
siderado a criança como sujeito de acordo com cada processo sócio
histórico incapaz de modificar o histórico e assume novas especifi-
mundo e ser dialeticamente por ele cidades sob a égide da sociedade
modificado, cabendo-lhe somente de mercadorias. Neste modelo
a assimilação passiva dos conteú- societário, ocorre uma “supressão
dos culturais produzidos histori- da infância na vida das crianças”
camente pelo homem adulto. Para (MARTINS, 1993, p. 17).
nós, “crianças não constituem ne- Com o surgimento do sistema
nhuma comunidade separada, mas capitalista, a inserção precoce da
são partes do povo e da classe a criança no mundo do trabalho
que pertencem” (BENJAMIN, 1985, se intensifica, pois, ultrapassa
p. 247-248). Desse modo, Benjamin sua dimensão familiar artesanal,
(2007), compreende a infância, transformando-se numa proble-
como um tempo em que a criança mática social, uma vez que as
é reconhecida como ser social his- crianças passaram a ser explora-
tórico, o qual, “as crianças for- das comercialmente, com base em
mam seu próprio mundo de coisas, regras do sistema capitalista. Essa
um pequeno mundo inserido no inserção, em sua grande maioria,
grande” (BENJAMIN, 2007, p.58). torna-a mercadoria e ocupa ou-

356
TRABALHO INFANTIL

tros condicionantes na vida da infantil e a ação imediata sobre


criança e do adolescente. sua eliminação, concluídas em
A inserção precoce da criança Genebra, em 17 de junho de 1999.
no trabalho capitalista, do mesmo Diário Oficial da União, Poder
modo que para o adulto, se dá sob Executivo, Brasília, DF, 13 set.
a forma do trabalho alienado, por- 2000. Disponível em http://www2.
que também o trabalho infantil planalto.gov.br/presidencia/legis-
está absolutamente dissociado da laca. Acesso em 22 abril de 2013.
condição autônoma de transfor-
______. Decreto no 4.134,
mação da natureza, bem como do
de 15 de fevereiro de 2002 -
seu princípio educativo.
Promulga a Convenção no 138
e a Recomendação no 146 da
Organização Internacional do
REFERÊNCIAS Trabalho - OIT sobre idade mínima
de admissão ao emprego. Diário
BENJAMIN, Walter. Obras Oficial da União, Poder Executivo,
escolhidas I: Magia e técnica, arte Brasília, DF,18 fev. 2002. Disponível
e política (S. P. Rouanet, Trad.) São em http://www2.planalto.gov.br/
Paulo: Brasiliense, 1985 (Original presidencia/legislacao. Acesso em
publicado em 1974). 22 abril de 2013.
______. Reflexões sobre a FILHO, Raimundo Coelho
criança, o brinquedo e a edu- de Almeida; NETO, Wanderlino
cação. São Paulo: Livraria Duas Nogueira; GROF, Rogério. Guia
Cidades, 2007. Metodológico para Implementação
BRASIL. Ministério do Desen- de Planos de Prevenção e Erradica-
volvimento Social e Combate à ção do Trabalho Infantil. Brasília:
Fome (MDS). Organização Inter- OIT, 2007. 52 p.
nacional do Trabalho (OIT). III IANNI, Octavio. A era do
Conferência Global sobre Trabalho globalismo. Rio de Janeiro, Civili-
Infantil: relatório final. -- Brasília, zação Brasileira, 1984. T
DF: Secretaria de Avaliação e Ges-
tão da Informação, 2014. MARX, Karl. . O Capital (crítica
da economia política). Rio de Ja-
BRASIL. Decreto no 3.597, de neiro: Civilização Brasileira, 1980. 2 v.
12 de setembro de 2000 - Promulga
a Convenção 182 e a recomendação MARTINS. José de Souza. O
190 da Organização Internacional Massacre dos Inocentes: a criança
do Trabalho - OIT sobre a proibi- sem Infância no Brasil. 2. ed. São
ção das piores formas de trabalho Paulo: Editora Hucitec, 1993.

357
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

OLIVEIRA. Elizabeth Serra. RIZZINI, Irene. RIZZINI,


Exploração do trabalho infan- Irma. A Criança e o Adolescente
til, a violação do direito de ser no Mundo do trabalho. Rio de
criança e adolescente no Brasil. Janeiro: Ed.USU, 1996.
In: OLIVEIRA, Elizabeth Serra;
VARGENS, Paula W. (org.). Desafios
Educativos do fazer cotidiano,
Diferentes Olhares. Rio de Janeiro:
Imperial novo Milênio, 2012.

358
UNIDADE DE REINSERÇÃO SOCIAL

U
UNIDADE DE REINSERÇÃO SOCIAL

Ida Cristina Rebello Motta1


Tania Mara Trindade Gonçalves2

A Unidade de Reinserção cias psicoativas, cumprimento de


Social (URS) é uma modalidade de medida socioeducativa, dentre ou-
acolhimento institucional de famí- tras, visando a garantir proteção
lias e indivíduos que se encontram integral a esses cidadãos.
em situação de risco pessoal e so- No âmbito do município do
cial, provocados por situações de Rio de Janeiro, a Secretaria Mu-
violação de direitos, como aban- nicipal de Desenvolvimento So-
dono, maus tratos físicos e/ou psí- cial (SMDS) executa o programa
quicos, diversas formas de abuso, de acolhimento institucional nas
situação de rua, uso de substân- Unidades de Reinserção Social, vi-

1 Assistente Social do DEGASE desde 1994, atuando na Escola de Gestão


Socioeducativa Paulo Freire. Assistente Social da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SMDS desde 1987,
lotada na 7ª Coordenadoria de Desenvolvimento Social. Apresentando experiên-
cia na Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, Proteção Social
Básica e na área Sociojurídica. Experiência em gestão (Gerência, Assessoria
e Coordenação) na Política de Assistência Social nos períodos de 1993 a 2006
e 2010 a 2016. Graduada pela UERJ e Mestranda em Políticas Sociais pela UFF.
Pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos e Sociais, UFF.
2 Assistente Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro - Secretaria Municipal U
de Desenvolvimento Social – SMDS, desde 1987, lotada na 7ª Coordenadoria de
Desenvolvimento Social e Assistente social do DEGASE desde 1998, com lota-
ção na Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire. Possui experiência na área
Sociojurídica, na Proteção Social Básica e na Proteção Social Especial de Média
e Alta Complexidade. Com experiência em gestão (Coordenação, Gerência e
Assessoria) na Política de Assistência Social nos períodos de 1993 a 2002 e de 2009
a 2016. Graduada pela UERJ, com Pós-Graduação em Políticas Sociais pela UERJ.

359
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

sando ofertar serviços de proteção a importância do acesso a direitos


e cuidado. Historicamente, entida- e à inserção social, que se fazem
des não governamentais também necessárias e prementes, além de
realizam este tipo de atendimento. encaminharem para a reinserção
O Sistema Único de Assistên- familiar, comunitária e social.
cia Social é um sistema público Neste sentido, o trabalho aponta
não contributivo, destinado à ges- para a perspectiva da ampliação da
tão da assistência social, enquanto cidadania e para a garantia dos direi-
política pública, que deve garantir tos humanos, conforme preconiza a
as seguranças de sobrevivência, de Política Nacional de Assistência So-
acolhida e de convívio ou vivência cial. A Tipificação Nacional de Servi-
familiar e comunitária. Possui como ços Socioassistenciais, aprovada em
um dos objetivos afiançar a vigilân- 2009, promoveu normas de padroni-
cia socioassistencial e a garantia de zação dos serviços de proteção social
direitos. Neste sentido, organiza as básica e especial, em âmbito nacional.
ações por níveis de complexidade. Considerando tal organização
As Unidades de Reinserção dos serviços, as unidades de aco-
Social integram o Sistema de lhimento institucional, segundo a
Proteção Social Especial (PSE) de Tipificação Nacional de Serviços
Alta Complexidade, que estabe- Socioassistenciais deverão:
lece como diretriz o acolhimento
personalizado de indivíduos e/ou Garantir privacidade, o respeito
famílias, em pequenos grupos, afas- aos costumes, às tradições e à
tados temporariamente do núcleo diversidade de: ciclos de vida, ar-
familiar e/ou comunitário de origem ranjos familiares, raça/etnia, reli-
e o resgate do convívio. Atendendo gião, gênero e orientação sexual;
aos objetivos da PSE, atuam na funcionar em unidade inserida
construção e/ou no fortalecimento na comunidade com característi-
de vínculos familiares e comunitá- cas residenciais, ambiente acolhe-
rios, no destaque de potencialidades dor e estrutura física adequada,
visando o desenvolvimento de
e na proteção dos usuários aten-
relações mais próximas do am-
didos, para que possam enfrentar biente familiar. As edificações
as situações de risco a que estão devem ser organizadas de forma
submetidos. Com centralidade na a atender aos requisitos previs-
família e incentivo ao processo de tos nos regulamentos existentes
mudança de vida dessas pessoas, e às necessidades dos usuários,
realizam intervenções referentes oferecendo condições de habi-
à subjetividade, às relações fami- tabilidade, higiene, salubridade,
liares e comunitárias, ressaltando segurança, acessibilidade e pri-
vacidade (CNAS, 2009, p. 40).

360
UNIDADE DE REINSERÇÃO SOCIAL

Assim, os serviços de prote- É importante ressaltar que


ção especial deverão cuidar dos está previsto na legislação o regis-
cidadãos em sua integralidade e tro das entidades governamentais
de forma conjunta com as demais e não governamentais, no Con-
políticas públicas, destacando-se a selho Municipal da Criança e do
importância da articulação com a Adolescente e no Conselho Muni-
Saúde e a Previdência Social, visto cipal de Assistência Social, assim
que a Assistência Social compõe a como a inscrição de seus progra-
Política de Seguridade Social. mas de acolhimento institucional
Os serviços ofertados na Pro- nos referidos conselhos, de modo
teção Social Especial têm uma a favorecer o controle e a fiscaliza-
relação direta e próxima com o ção dos serviços oferecidos.
Sistema de Garantia de Direitos, No que se refere a crianças e
exigindo, muitas vezes, uma ges- adolescentes, o acolhimento insti-
tão mais complexa e compartilhada tucional se configura como uma
com o Poder Judiciário, o Ministério medida de proteção prevista no
Público e outros órgãos e ações do artigo 98 do Estatuto da Criança
executivo, especialmente quando e do Adolescente (ECA), a qual,
se tratam de crianças, adolescentes, com base no artigo 92, deverá
idosos e pessoas com deficiência. assegurar, resguardando o caráter
O conceito de incompletude ins- provisório e excepcional da lei:
titucional, associado às demandas
postas pelos usuários dos serviços I- Preservação dos vínculos
que compõem a alta complexidade, familiares;
apontam para a importância da
articulação intersetorial enquanto II- Integração em família
substituta, quando esgotados os
estratégia de potencialização do
recursos de manutenção na famí-
atendimento e de melhor orga- lia de origem;
nização dos recursos existentes.
Neste sentido, para além da articu- III- Atendimento personalizado
lação com a rede socioassistencial, e em pequenos grupos;
ressaltamos a urgência no estabele- IV- Desenvolvimento de ativi-
cimento de um diálogo mais efetivo dades em regime de coeducação; U
entre as duas proteções afiançadas V- Não desmembramentos de
pela Assistência Social (Básica e grupos de irmãos;
Especial), tendo em vista as ações
VI- Evitar, sempre que possí-
limites que se colocam no cotidiano vel, a transferência para outras
do trabalho, pela própria política. entidades de crianças e adoles-
centes abrigados;

361
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

VII- Participação na vida da realização de estudo social e de


comunidade local; relatórios, alimentação de dados
VIII- Preparação gradativa para o no sistema da justiça destinado
desligamento; a informações do atendimento a
crianças e adolescentes – Módulo
IX- Participação de pessoas da co-
munidade no processo educativo. Criança e Adolescente (MCA),
(ECA, 1990, p. 44) visitas domiciliares, atendimentos
em grupos (reflexivos e temáti-
cos), realização de assembleias,
Destacamos a estreita relação orientações e encaminhamentos
existente entre a PNAS e o Sistema (Varas da Infância e Juventude,
Nacional de Atendimento Socio- Conselhos Tutelares, Promoto-
educativo (SINASE) no âmbito rias, instituições que compõem
do atendimento de adolescentes a rede de serviços socioassisten-
a quem se atribui autoria de ato ciais, entre outros), promoção de
infracional, que necessitam de atividades e eventos comemora-
acolhimento institucional durante tivos, inserção dos usuários em
o cumprimento da MSE e ainda atividades oferecidas no território
no acompanhamento das medidas (escolas, cursos, oficinas, serviços
em meio aberto, municipalizadas de convivência ofertados nos Cen-
no ano de 2009. Ressalta-se aqui tros de Referência de Assistência
a importância das equipes de Social – CRAS), articulação com os
profissionais dialogarem entre si profissionais das instituições que
no sentido de construírem, con- compõem o Sistema de Garantia de
juntamente, referências para um Direitos (SGD), estudos de casos,
atendimento mais qualificado e dentre outras. As ações menciona-
eficaz, que atenda as demandas das devem estar direcionadas ao
postas para ambas as políticas. fortalecimento dos usuários e ao
Para o atendimento direto nas empoderamento de suas famílias,
URS, levando-se em considera- a fim de que possam conquistar
ção a referência de unidade com a proteção e a segurança social
até 20 (vinte) usuários, a Norma necessárias ao convívio familiar,
Operacional Básica de Recursos comunitário e social.
Humanos, NOB-RH / SUAS, define É importante ressaltar que a
o quantitativo mínimo de profis- implementação das diretrizes aqui
sionais, sendo um coordenador, apresentadas se constitui como
um cuidador, um assistente social um grande desafio para as equi-
e um psicólogo. Assim, as ações pes profissionais, tendo em vista
desenvolvidas por essas equipes, a complexidade das expressões
referem-se a: acolhimento, escuta,

362
UNIDADE DE REINSERÇÃO SOCIAL

das questões sociais vivenciadas BRASIL. Resolução nº 109,


no cotidiano do trabalho e das de 11 de novembro de 2009.
contradições presentes nas rela- Tipificação Nacional de Serviços
ções que se estabelecem no espaço Socioassistenciais. Diário
político institucional. Oficial da União, Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate
à Fome, Conselho Nacional de
REFERÊNCIAS Assistência Social. Brasília: 25 nov.
2009. Seção 1, nº 225, p. 1 - 43.
BRASIL. Estatuto da Criança
e do Adolescente: Lei 8.069/90,
de 13 de julho de 1990. Brasília:
Senado Federal, 1993.

363
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

V
VIOLÊNCIA

Roberto Marques1

Violência é uma palavra de como os significados das palavras


origem latina (violentia) e se rela- e os sentidos que carregam podem
ciona ao sentido de “veemência” ou ser relativos e precisam ser contex-
“impetuosidade”. Tem a ver com a tualizados para compreendermos
palavra “violar”, que, por sua vez, como elas se inserem em deter-
também vem do latim violare e sig- minados momentos históricos e
nifica “não respeitar”, “maltratar”, como se articulam com elementos
“exercer força ou abuso”. Ambas constitutivos da cultura e das ela-
se formam a partir da palavra la- ções de poder em uma sociedade.
tina vis, que significa “força”, mais Quer dizer, mais do que uma ex-
especificamente exercida sobre al- plicação ou definição do termo, é
guém. Essas significações iniciais importante identificarmos os seus
nos levam a uma concepção de sentidos, usos e desdobramentos
violência que assume um caráter na cultura e na sociedade.
que nos acostumamos a conside- Por exemplo, em 2013, no Brasil,
rar negativo – o exercício da força as manifestações populares de rua
sobre o outro, o abuso da força. No trouxeram ao cenário nacional um
entanto, a mesma raiz etimológica coro que se repetiu várias vezes,
nos leva a outras palavras, como nas ruas e nos meios de comuni-
“viril” e “virtuoso”. A primeira cação de massa: “sem violência!”.
ligada ao masculino como um Uma multidão de cerca de um mi-
elemento constituído de força. A lhão de pessoas, em protesto, en-
segunda nos leva às ideias de valor, toando palavras de não violência
virtude, força ou potência intrín- é, ao mesmo tempo, contraditório
seca a algo ou alguém. Esse curto e sintomático. Contraditório por-
exercício etimológico nos mostra que um ato de protesto que reúne

1 Professor da Faculdade de Educação da UFRJ. Doutor em Educação pela UFF.

364
VIOLÊNCIA

tantas pessoas pode ser compre- cado, identificado como vanda-


endido como uma manifestação lismo, mal educado, incivilizado.
de violência em si, uma vez que A objetificação e fetichização da
se trata da demonstração de força violência também nos levam a cair
contra determinados sujeitos ou em três eixos de interpretação que
grupos. É sintomático do simbo- ocultam as relações de poder e os
lismo da ideia de violência que se conflitos inerentes às relações sociais
torna dominante nessa sociedade e humanas. O primeiro é a associa-
ou nessa cultura. Uma violência ção direta entre violência e sujeito
fetiche e de significado seletivo, violento. Ao tratarmos a violência
orientado a comportamentos e su- como uma manifestação individual
jeitos. Ou seja, costumamos identi- (ainda que de um grupo ou outro),
ficar como violência determinadas perdemos de vista as relações e pas-
manifestações e como violentos samos a tratar o assunto como algo
determinados sujeitos sociais. subjetivo ou marca de uma cultura,
Voltando às manifestações, a preo- grupo social ou pessoa. Ou seja, é o
cupação em não haver agências de indivíduo violento, o lugar violento,
bancos quebradas ou depredações o grupo violento, a cultura violenta
pelo caminho não impediu que o etc. O segundo diz respeito a des-
aparato policial utilizasse da força considerar as relações de poder, de
e de armas para conter e dissipar dominação e os conflitos, tratando
os manifestantes. a violência como um fenômeno
A necessidade de seguir um em si. Falamos, então, em violên-
comportamento padrão, identifi- cia como algo endêmico, como um
cado como “pacífico” ou “não vio- mal dos tempos atuais, ou, ainda,
lento”, se insere em um contexto violências específicas (doméstica,
de domínio de concepções liberais escolar, urbana, etc.). Como uma
que prezam pela harmonia e pela doença que pode ser controlada ou
manutenção da ordem. Por isso, extirpada com ações preventivas.
desdobrando as ideias de Slavoj Ela se torna, assim, em problema a
Žižek, a recusa a priori da violência ser resolvido e não é compreendida
insere as pessoas em um pacto de como uma produção ou uma ação.
manutenção da ordem, por mais Por fim e associado ao segundo
injusta e opressiva que ela seja. eixo de interpretação, a violência
Portanto, as pessoas que concla- como ideia encerrada e pronta, con-
maram “sem violência” o faziam siderada como objeto, permite que
V
para não perderem a legitimidade seja discursivamente manipulada
da manifestação. Não queriam e associada a outras manifestações,
que o protesto fosse desqualifi- como o medo ou a segurança.

365
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O medo da violência e a busca A questão da violência, as-


pela ideia de segurança pautada sim, mais do que uma discussão
no controle de uma determinada de definição ou etimologia, passa
ideia de violência funcionam como também por buscar identificar e
dispositivos importantes para o compreender os ordenamentos, as
exercício do controle em prol da demandas por manutenção da or-
manutenção de uma ordem. dem e os movimentos cotidianos e
A discussão sobre a violência, estruturais, subjetivos e coletivos
mais do que a necessidade de defi- de enfrentamento ruptura ou re-
nição do significado da palavra, é produção da ordem.
importante para compreender-
mos os seus desdobramentos e o
que ela representa. REFERÊNCIAS
Franz Fanon, observando o
processo de independência e des- FANON, Frantz. Os condenados
colonização da Argélia, escre- da terra. Salvador: EDUFBA, 2005.
veu um longo capítulo intitulado
“Sobre a violência”, em seu livro ŽIŽEK, Slavoj. Violência. São
Os condenados da terra. Nele, dis- Paulo: Boitempo, 2014.
cute a colonização e a coloniali-
dade como ações violentas, ainda
que não consideradas como tal –
e, por isso mesmo, qualifica como
violência –, ao contrário da força
empreendida pelos colonizados
no processo de emancipação.
Žižek, na mesma linha, declarou
que Gandhi foi muito mais vio-
lento do que Hitler, porque de-
safiou a ordem colonial inglesa,
enquanto o último pretendeu a
manutenção da ordem capitalista
ocidental. Pierre Bourdieu, em
boa parte da sua obra, tratou do
tema da violência simbólica e da
naturalização das regras e modos
de pensar, agir e conviver dentro
de um sistema e da sociedade.

366
VIOLÊNCIA SEXUAL

VIOLÊNCIA SEXUAL

Patrícia Castro de Oliveira e Silva1

Violência sexual diz respeito a Violência Sexual:visão geral


qualquer atitude ou prática sexual
realizada sem o consentimento A violência sexual faz parte
da ou das pessoas envolvidas ou da historia da humanidade e aflige
cujo consentimento não foi dado diferentes grupos de pessoas em
de maneira livre e autônoma, mas todo o mundo. No entanto, ape-
sim sob quaisquer formas de co- nas a partir da década de 90, este
erção. Existem diferentes tipos tipo de violência passou a receber
de violência sexual, que podem destaque e visibilidade por parte
envolver contato físico ou não, tal de órgãos governamentais, enti-
como nos casos de abuso sexual dades civis, movimentos sociais e
verbal, assédio sexual, voyerismo, organizações não governamentais
exibicionismo e pornografia in- (SOUZA; ADESSE, 2005). Tal visi-
fantil. Qualquer pessoa pode vi- bilidade se deve aos movimentos
venciar ou perpetrar violência feministas, que inicialmente fo-
sexual, no entanto, historicamente caram seus esforços no enfrenta-
são mulheres, crianças e adoles- mento da violência doméstica, em
centes que mais têm sido afligidas função da magnitude dos casos
por este tipo de violência. Nestes de violência conjugal e do grau
casos, os(as) perpetradores(as) de violência envolto nos mesmos
costumam ser pessoas conhe- (D´OLIVEIRA, 1997). Mas, poste-
cidas: familiares (pai, mãe, pa- riormente, passaram a atuar so-
drasto, madrasta, dentre outros), bre outras formas de violência,
namorados(as), companheiros(as), dentre elas a violência sexual. Por
amigos(as), vizinhos(as), pessoas isso, estudos e políticas públicas
de referência em suas vidas. mundiais e nacionais voltadas
para o enfrentamento deste tipo
de violência são mais recentes. V

1 Psicóloga, Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia


Social (PPGPS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutora em
Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS/UFRJ), em 2012.

367
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Somente em 2002, a Organização proteção às pessoas em situação de


Mundial de Saúde (OMS) definiu violência, especialmente mulheres
a violência sexual como todo ato e adolescentes. Por exemplo, o Brasil
sexual não desejado, ou ações de é signatário da CEDAW (Conven-
comercialização e/ou utilização ção sobre a Eliminação de Todas as
da sexualidade de uma pessoa Formas de Discriminação contra as
mediante qualquer tipo de coer- Mulheres), da Convenção de Belém
ção. Essa postergação na visibili- do Pará, da Conferência Mundial
zação e enfrentamento deste tipo sobre a Mulher (Beijing, 1995) e da
de violência parece remeter a uma Conferência Internacional de Popu-
dificuldade em se trabalhar com lação e Desenvolvimento (Cairo,
“dimensões mais problemáticas 1994), dentre outras. No Brasil, são
da sexualidade, possivelmente em frutos fundamentais dessa histó-
função de nossa cultura e sociali- rica luta contra as diversas formas
zação sexual” (SOUZA; ADESSE, de violência contra as mulheres: a
2005, pag. 11). No entanto, a vio- criação da Secretaria de Políticas
lência sexual em verdade faz para as Mulheres (SPM), a Lei de
parte de uma rede de violências. Notificação Compulsória das vio-
Conforme Domenach (1981:40), “a lências contra mulheres, crianças,
violência dos indivíduos e gru- adolescentes e pessoas idosas aten-
pos tem que ser relacionada com didos em serviços de saúde públicos
a do Estado”. Assim, enquanto ou privados (Lei nº 10.778/2003, art.
cidadãs e cidadãos, somos todos 13 da Lei nº 8.069/1990, art. 19 da
sujeitos(as) e objetos das diversas Lei nº 10.741/2003), a Lei Maria da
formas de violência. A violência Penha (Lei nº 11.340/2006), e ainda
sexual precisa ser compreendida as Varas Especializadas em Vio-
a partir de uma análise intersec- lência Doméstica e Familiar contra
cional2 que considere os diversos a Mulher, as Delegacias Especia-
aspectos de sua produção e re- lizadas no Atendimento à Mulher
produção, a partir de dimensões (DEAMs) e as Delegacias da Criança
como gênero, raça/etnia e geração, e Adolescente Vítima (DECAVs).
aspectos relacionados à hetero- Apesar dos avanços, ainda
normatividade3, dentre outras. existem muitas lacunas no que diz
A luta dos movimentos femi- respeito ao conhecimento sobre a
nistas resultou na consolidação de violência sexual. Existe subnotifi-
instrumentos jurídicos e sociais de cação dos casos, seja por questões

2 Sobre o conceito de “interseccionalidade”, ver: Crenshaw (1989); Combahee


River Collective (2008); Hirata (2014).
3 Sobre heteronormatividade, ver o verbete Sexualidade nesta publicação.

368
VIOLÊNCIA SEXUAL

culturais vinculadas ao gênero, ções de superioridade, que comete


nas quais a vítima da violência dano, seja corporal, psicológico
tende a ser culpabilizada pela ou sexual, contrariamente à von-
violência sofrida e, assim, muitas tade da criança e/ou adolescente
mulheres acabam por não buscar ou, mesmo após consentimento
ajuda ou denunciar a violência - desta, quando tal consentimento
o que também aflige os homens for obtido por indução ou sedução
vítimas de violência, adultos ou enganosa (De LORENZI, 2001).
adolescentes, os quais tendem a Muitas vezes, a violência sexual
não revelar a violência temendo contra adolescentes é crônica, ou
que sua masculinidade seja ques- seja, é um tipo de violência que
tionada. Além disso, existem vem ocorrendo há muito tempo,
problemas para identificação e provavelmente dentro da própria
notificação dos casos nos setores casa ou praticada por algum/a
saúde e educação. Unidades de conhecido/a, amigo/a ou parente.
saúde não especializadas no aten- Especificamente, no caso de vio-
dimento das violências, bem como lência sexual contra adolescentes
instituições educacionais tendem é comum o pensamento de que a
a não identificar e notificar os ca- adolescente seduziu o violador,
sos que, em verdade, estão pas- ou o levou a praticar a violência.
sando por estas instituições. Tudo Em relação aos e às adolescentes,
isso contribuiu para que as di- ao contrário do que ocorre com
mensões do fenômeno não sejam crianças, existe forte culpabiliza-
realistas, e, portanto, estratégias ção pela violência sofrida, pois
de prevenção e atenção não sejam costuma-se ter o entendimento
tão eficazes atingindo as popula- de que eles(as) têm consciência
ções mais vulneráveis, como mu- do que estavam fazendo. Quanto
lheres, crianças e adolescentes. a isso, é importante observar que
adolescentes estão em desenvol-
vimento e cabe à sociedade, ou
Violência Sexual contra crianças seja, a todos/as nós, possibilitar
e adolescentes que se desenvolvam adequada-
mente e que tenham seus direitos
A violência contra crian- garantidos. Educadores(as), além
ças e adolescentes manifesta-se de familiares, são os adultos que
possuem maior possibilidade de
V
de múltiplas formas ao longo de
história humana. Podemos carac- verificarem quaisquer modifica-
terizá-la como uma situação em ções no estado físico e psicológico
que existe um sujeito em condi- de crianças e de adolescentes,

369
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

tendo em vista a proximidade e por prover, proteger, defender,


o convívio diário. Setores como cuidar e aplicar medidas socio-
o de educação, saúde e assis- educativas. Pode se perpetrada
tência social onde crianças e por profissionais da instituição
ou entre as próprias crianças ou
adolescentes estão inseridos têm
adolescentes. No caso da violên-
papel fundamental na prevenção, cia ser cometida por funcioná-
identificação e atenção deste tipo rios da instituição, revela-se aí
de violência (ADESSE; CASTRO; como uma atividade do poder
MOTA, 2010). De modo geral, a instituído, que submete a ví-
violência sexual contra crianças e tima àqueles(as) que detêm esse
adolescentes pode ser compreen- poder. Quando ocorre entre as
dida em duas categorias: o Abuso próprias crianças e adolescentes,
Sexual e a Exploração Sexual. os(as) recém-chegados(as) são
forçados a se submeter sexual-
mente a grupos de adolescentes
mais velhos(as) e/ou antigos(as)
Abuso Sexual na instituição e que domi-
nam o território e o poder local
Caracteriza-se pela utilização (SANTOS, 2009);
de criança ou de adolescente em • Violência Sexual Intrafamiliar ou
uma relação de poder desigual, Doméstica: tipo mais frequente de
geralmente praticada por pessoas abuso sexual cometido em nosso
muito próximas, que podem ou país contra crianças e adolescentes,
não ser da família. Adultos(as) que também pode ser denominada
ou adolescentes mais velhos(as), incesto. A conceituação de incesto
geralmente, estão em um estágio implica também a conceituação de
de desenvolvimento psicossexual família. Correntes atuais compre-
endem família de modo ampliado,
mais adiantado e se aproveitam
para além da consanguinidade ou
dessa relação desigual de poder e
de modelos tradicionais familia-
confiança para satisfazer seus dese- res baseados na família nuclear e
jos sexuais. Pode ocorrer com ou heterossexual. Assim, o incesto
sem violência física, mas a violência seria o relacionamento sexual
psicológica está sempre presente entre membros de uma família,
(ADESSE; CASTRO; MOTA, 2010). compreendida também pela afi-
nidade e pela função social de pa-
rentesco (COHEN, 1993). Uma das
• Abuso sexual em instituições maiores consequências desse tipo
de atenção a crianças e adolescen- de violência é a saída de muitas
tes: ocorre em espaços como crianças e adolescentes para a rua,
unidades de saúde, escolas, e ficando mais expostos às redes de
outras instituições responsáveis exploração sexual.

370
VIOLÊNCIA SEXUAL

Exploração Sexual adolescente violentada não tem o


dever legal de noticiar o fato à polí-
Trata-se da utilização sexual cia. Deve-se orientá-la a tomar as
de crianças e adolescentes com fins providências policiais e judiciais
comerciais e de lucro. Implica o en- cabíveis, mas, caso ela não o faça,
volvimento destes(as) em praticas não lhe pode ser negado o aborta-
sexuais coercitivas ou persuasivas, mento (BRASIL, 2012).
o que configura uma transgressão Para o atendimento às adoles-
legal e uma violação de direitos à centes solicitantes ao aborto legal
liberdade individual de crianças e nas unidades de saúde, devem ser
adolescentes. A exploração sexual seguidas as orientações da Portaria
comercial de crianças e adolescen- 1508 de 2005, de Procedimento
tes é uma relação de poder e de ao Aborto Legal: (a) menores de
sexualidade mercantilizada, que 18 anos grávidas com direito ao
visa à obtenção de proveitos por aborto legal devem ser acolhidas
adultos, que causa danos biopsi- e esclarecidas sobre o seu direito à
cosssociais aos(as) explorados(as), escolha da opção do abortamento,
que são pessoas em processo de sendo necessária a autorização
desenvolvimento (FALEIROS, de responsáveis ou tutores para a
2000). Ainda que a violência sexual solicitação do procedimento; (b)
acometa crianças e adolescentes, menores de 14 anos necessitam
homens e mulheres, pertencentes adicionalmente de uma comu-
a diferentes camadas socioeconô- nicação ao Conselho Tutelar e
micas, o perfil das crianças e ado- acompanhamento do processo,
lescentes exploradas sexualmente com solicitação de agilização do
aponta para a exclusão social de mesmo (BRASIL, 2012).
determinados grupos sociais. A Em caso de divergência entre
maioria são meninas e adolescen- a vontade da adolescente e a dos
tes mulheres, negras e pertencen- responsáveis, deve prevalecer a
tes às camadas populares. vontade da adolescente e não ser
realizado procedimento que se
oponha a sua vontade. Segundo
Violência Sexual e Aborto a Norma Técnica de Prevenção e
previsto em lei Tratamento dos Agravos Resul-
tantes da Violência Sexual contra
Mulheres e Adolescentes (2012), em
V
O Código Penal não exige
qualquer documento para a prá- casos em que haja posicionamentos
tica do abortamento nos casos de conflitantes, em que a adolescente
violência sexual, e a mulher ou deseja a interrupção da gravidez e a

371
DICIONÁRIO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

família não deseja, e estes não este- das e capacitadas para desenvolver
jam envolvidos na violência sexual, ações de prevenção, identificação
deve ser buscada a Promotoria de e realização do atendimento/enca-
Justiça da Infância e Juventude. minhamento necessário aos casos
de violência sexual. Profissionais
devem estar atentos à amplitude
Violência Sexual e Sistema do conceito e às especificidades
Socioeducativo dos(as) adolescentes, estando ap-
tos(as) a trabalhar de forma a ga-
É fundamental que as uni- rantir direitos básicos à dignidade,
dades do sistema socioeducativo à liberdade, à saúde e à segurança
atuem na prevenção, identifica- pessoal, contribuindo para a pre-
ção e atenção à violência sexual, venção da violência sexual. Sensi-
que pode fazer parte do histórico bilização, informação e educação
dos(as) adolescentes recebidos(as) participativa contínua dentro da
ou pode ser perpetrada por fun- perspectiva de Direitos Sexuais
cionários(as) contra adolescentes e Direitos Reprodutivos são fun-
e/ou entre os(as) adolescentes na damentais, devendo incluir as
própria unidade. Existem situ- famílias e, especialmente, os pró-
ações em que é necessária uma prios(as) adolescentes, informando-
especial atenção. Estudos mos- -os(as) e empoderando-os(as) para o
tram que pessoas LGBT4 estão enfrentamento desse tipo tão cruel
em situação de maior vulnerabili- de violação de seus direitos.
dade dentro do sistema prisional, A violência sexual tem efeitos
tendo uma probabilidade 15 vezes devastadores nas esferas física,
maior de sofrer violência sexual emocional e psicológica. Crianças
no ambiente prisional em compa- e adolescentes com história de
ração a pessoas heterossexuais e/ violência sexual têm maior vulne-
ou cis (cuja identidade de gênero rabilidade para transtornos psiqui-
é compatível com a anatomia cor- átricos, principalmente depressão,
poral de nascimento) (CENTER OF pânico, tentativa de suicídio, abuso
AMERICAN PROGRESS, 2013). e dependência de substâncias psi-
coativas (FACURI, 2013). Assim, é
necessário que o sistema de socio-
Prevenção educação esteja atento para a iden-
tificação deste tipo de violência
que aflige tantos(as) adolescentes
É importante que as equipes de
no mundo e em nosso país.
socioeducação estejam sensibiliza-
4 LGBT = lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais.

372
VIOLÊNCIA SEXUAL

REFERÊNCIAS de capacitação para o atendimento a


mulheres em situação de violência –
ADESSE, L.; CASTRO, P; MOTA, coletânea de textos. Departamento
A. Orientações para a atenção inte- de Medicina Preventiva da FMUSP
gral à saúde de adolescentes, de e Coletivo Feminista Sexualidade e
ambos os sexos, vítimas de violên- Saúde. São Paulo, 1997.
cia sexual: Atenção Básica. Rio de DOMENACH, J. M.,. La vio-
Janeiro: Ipas Brasil e Ministério da lencia. In: La Violencia y sus
Saúde, Área Técnica da Saúde do Causas (A. Joxe, org.), pp. 33-45,
Adolescente e Jovem, 2010. Paris: Unesco, 1981.
BRASIL, Ministério da FACURI, C.de O. et al .
Saúde. Aspectos Jurídicos do Violência sexual: estudo descritivo
Atendimento às Vítimas de sobre as vítimas e o atendimento
Violência Sexual: perguntas e res- em um serviço universitário de
postas para profissionais de saúde. referência no Estado de São Paulo,
2ª Edição, Série Direitos Sexuais e Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de
Direitos Reprodutivos – Caderno Janeiro , v. 29, n. 5, p. 889-898, 2013.
nº 7 Série F. Comunicação e
Educação em Saúde, 2012. FALEIROS, Eva T. (Org). O
abuso sexual contra crianças e
CENTER OF AMERICAN adolescentes: os (dês) caminhos da
PROGRESS. Dignity Denied: denúncia. Brasília: Presidência da
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Doméstica: fronteiras do conhe- Paulo: Childhood - Instituto WCF-
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211-225,1993. Paulo. Secretaria de Educação, 2009.
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D’OLIVEIRA, A.F.P. Violência,
gênero e saúde. In: D’OLIVEIRA,
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373

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