Você está na página 1de 169

INTRODUÇÃO

O livro de Ester é um texto bem peculiar em toda a


Sagrada Escritura, a tal ponto que, ao longo dos tempos, e
de forma repetida, muitas pessoas, movidas pelo sério
desejo de ver a Bíblia com toda a seriedade, chegaram a
questionar sua canonicidade ou estudar o texto com ares
desconfiados. Mas, quando lemos a narrativa, simplesmente
nos encantamos. Uma trama particular, uma tentativa de
genocídio, vinganças pessoais, guerras, impérios, reis e
rainhas. E escrava virando rainha... Não faltava mais nada
para que a história fosse uma das mais interessantes de
toda a Bíblia.
E, não bastassem o enredo, a fina ironia e o descaso em
relação aos inimigos opressores, o autor do livro nos deixa
todo um rastro para percebermos como Deus age em favor
daqueles que lhe são preciosos, daqueles que lhe
pertencem. Em meio à trama externa da história, há o
desenvolver de uma verdade doutrinária que nos mostra a
doutrina da Providência como uma das mais belas
declarações de amor de Deus por seu povo.
Enquanto tudo parece conspirar a favor de Deus, o que
vemos, em verdade, é o Deus eterno fazendo com que
todas as coisas andem de acordo com sua santa e perfeita
vontade. Ele não se engana nem perde o rumo da história,
mas nela intervém e se faz presente em toda a sua
extensão.
Nestas páginas, veremos uma abordagem histórica do
cenário do mundo no momento em que o livro de Ester se
encaixa; também percorreremos as páginas da Escritura
enquanto nos apropriamos da sequência, para ver como a
doutrina da Providência se descortina ao longo do texto.
Para isso, as estações serão as festas, ou banquetes, que
vemos ao longo no livro, num total de oito.
Nossa oração é que a doutrina da Providência, tão
importante quanto esquecida por tantos, salte aos olhos e
corações, a fim de fortalecer os filhos de Deus que se
mantêm em sua eterna dependência. E, nos melhores ou
piores momentos de nossa peregrinação, que seja essa
bendita doutrina que nos ajude a olhar para o alto e esperar
o socorro do Senhor!
PARTE 1 A ESCRAVA-RAINHA
UMA BAITA HISTÓRIA
A fé, entretanto, deve penetrar mais fundo, isto é,
que imediatamente conclua ser aquele sobre quem
aprendeu ser o criador de todas as coisas também o
perpétuo governador e preservador de tudo. Não
significa apenas acionar, mediante determinado
movimento universal, tanto a máquina do orbe quanto a
cada uma de suas partes, como também a sustentar,
nutrir, assistir, com determinada providência singular, a
cada uma dessas coisas que criou até o mais
insignificante pardal.
João Calvino

Ester não é uma narrativa qualquer, mas um texto dos


mais belos e intricados, com uma enorme dose de humor e
de sarcasmo que envolve um drama de ordem pessoal e
étnico. Se não tivesse o final que teve, esse drama
representaria o fim de toda uma linhagem e tornaria a
história humana totalmente diferente do que é hoje. Não
seria tão fácil imaginar nossa história sem as participações
de nomes como Albert Einstein, Anne Frank, Charlie Chaplin,
Franz Kafka, Harrison Ford, Isaac Asimov, Karl Marx, Marc
Chagall, Marcel Proust, Sigmund Freud e Steven Spielberg,
sem falar de uma infinidade de musicistas, cientistas,
desportistas, artistas, estilistas etc. Podemos concordar ou
não com o que foram e fizeram, mas é fato que eles
interferiram na história humana. E o que falar de Jesus
Cristo? Até mesmo a nossa história é dividida em antes e
depois de Cristo!
Para entendermos melhor o que aconteceu, vamos
começar com a história em si. Melhor, começaremos com a
história que veio antes e com as circunstâncias que
envolveram a história de Ester, embora seja bom
lembrarmos que esta não é uma obra historiográfica, e toda
a narrativa histórica só tem por fim nos situar na narrativa
do texto bíblico. Então, temos duas boas fontes: a narrativa
bíblica e a narrativa histórico-arqueológica, com especial
atenção ao período que trata dos aquemênidas até o final
do tempo em que Xerxes I esteve em seu trono sobre a
Pérsia. Com ambas se juntando, vamos ver se nossa
imaginação, juntamente com a informação recebida, forma
uma bela história dentro de nós, com muita emoção, ação
interior e reação em forma de correta aplicação para nossas
vidas.

A história, seus dramas e personagens


Ester é um livro absolutamente singular entre todos os
demais da Bíblia, a começar pelo fato peculiar de não fazer
sequer uma menção direta ao nome de Deus, Javé, o que
seria totalmente natural, pois se trata de um livro da
biblioteca de Deus. Em alguns momentos da história cristã,
inclusive, houve discussões a respeito da validade ou da
canonicidade do livro como palavra inspirada de Deus. E
isso a tal ponto que uma discussão se arrasta desde os
tempos da Reforma, com alguns afirmando que o próprio
Martinho Lutero se teria oposto de forma brusca ao livro,
dizendo que não deveria sequer constar entre os livros da
Bíblia, enquanto outros dizem que tal episódio se deu com
relação ao terceiro livro de Esdras. Seja como for, há muito
tempo há celeuma em torno desse pequeno trecho das
Escrituras.
Ester começa de forma intensa, situando-nos no tempo
e no espaço, com informações bastante precisas,
principalmente se levarmos em consideração que a Bíblia,
embora narre história, não é um livro de história no sentido
moderno, sem ter, portanto, obrigação alguma de revelar
fatos comprováveis pelos estudos de outras ciências.
Mesmo assim, Ester é um dos livros mais precisos nesse
aspecto em toda a Bíblia. Diz o texto em seu começo:

Foi no tempo de Xerxes, que reinou sobre cento e


vinte e sete províncias, desde a Índia até a Etiópia:
naquela época, o rei Xerxes reinava em seu trono na
cidadela de Susã e, no terceiro ano do seu reinado, deu
um banquete a todos os seus nobres e seus oficiais.
Estavam presentes os líderes militares da Pérsia e da
Média, os príncipes e os nobres das províncias.[1]

O trato literário de Ester é bem interessante e prende o


leitor, inclusive o que não for afeito aos princípios bíblicos
ou tiver preocupações espirituais. Andamos por certa parte
da história humana no Oriente enquanto conhecemos
personagens enigmáticos e não menos interessantes,
alguns, inclusive, bastante conhecidos e divulgados em
textos fora da literatura bíblica. Assim, de forma sucinta,
vemos que o livro inteiro se pauta em quatro figuras
principais: duas conectadas aos persas e duas como seus
servos, fazendo parte dos judeus que serviam como
estrangeiros que haviam imigrado forçadamente, algum
tempo antes. São eles o rei do Império Persa, Xerxes I, e seu
principal assessor, um correlato a primeiro-ministro
contemporâneo, Hamã; do outro lado, um homem mais
velho, Mardoqueu, servidor de segundo escalão no início da
narrativa e que criou sua prima mais nova ao vê-la órfã,
uma jovem de nome Ester, posteriormente coroada rainha
da Pérsia.

Pelas informações do início do livro bíblico, sabemos que


o governo estava nas mãos de Xerxes (Xerxes I, 519–465
a.C.), conhecido, na maior parte das versões mais clássicas
da Bíblia em português, pelo nome de Assuero.
Encontramos algumas variantes textuais para seu nome,
como Aasvero ou Ahasuerus, que seriam provenientes da
transliteração do hebraico Ahashverôsh, geralmente aceito
como Xerxes I, que, por sua vez, viria da transliteração do
persa Khshayarsha. Sabemos também que, em seu tempo,
o Império Persa ia da Índia à Etiópia, compreendendo 127
povos diferentes, às vezes denominados de “províncias”,
numa extensão territorial de cerca de cinco mil quilômetros
de largura em linha reta. Além disso, o texto bíblico nos
situa de forma precisa no tempo, pois sabemos que Xerxes
começou a reinar em 486 a.C. e ficou no poder até ser
assassinado, em 465 a.C.
Ele era o rei da Pérsia, cujo centro é o atual Irã. Xerxes
passou para a história por se haver mostrado truculento e
muito cheio de si, bem como pela tentativa de conquistar a
Grécia como meio de vingar a derrota sofrida anos antes por
seu pai, derrotado pelos gregos, em um grande esforço de
batalha. Após herdar um enorme império e uma força
militar singular, seu desejo de vingança e expansão fez com
que ele formasse uma das maiores e mais bem-sucedidas
forças militares de todos os tempos, capaz de conquistar
quase todos os povos e de derrotar quase qualquer força
militar combinada que ousasse postar-se em seu caminho.
Esse era o Império Persa Aquemênida, cujo nome deriva da
família, e que teve em Xerxes I, também conhecido apenas
por Xerxes, sua última grande expressão de liderança. Ao
final de seu governo, já se observava enfraquecimento do
império, o que em muito pode ser atribuído aos seus
caprichos pessoais. Mesmo assim, deixou um legado de
reformas políticas e grandes obras, aliado ao fato de haver
prosseguido na política persa de tolerância e, em parte, até
mesmo de incentivo a alguma medida de liberdade política
e social nos povos dominados, bem como a uma notável
liberdade religiosa.
Xerxes era filho de Dario, o Grande (Dario I, 550–486
a.C.), e neto de Ciro, o Grande (Ciro II, ?–530 a.C.), que fora
o fundador do Império Persa e inaugurador do vasto poderio
herdado por Xerxes anos depois. Na Bíblia, os livros de
2Crônicas, Esdras, Isaías e Daniel mencionam Ciro,
enquanto os livros de Esdras, Neemias, Daniel, Ageu e
Zacarias mencionam Dario. Embora tenhamos de prestar
atenção, pois alguns nomes podem aparecer de forma
desencontrada ou intercambiável, significando outro rei —
por exemplo, Dario I ou Dario II aparecendo apenas como
Dario em ambos os casos —, o fato é que a Bíblia os
conhece e os registra para nosso conhecimento.
Nessa época, o reino do Norte, Israel, já não existia. No
ano 722 a.C., ele desapareceu com a queda de Samaria
diante da Assíria de Tiglate-Pileser, e sua população foi
totalmente espalhada e absorvida pelos povos que os
haviam conquistado e seus vizinhos mais próximos. Ciro, o
Grande, que reinou de 559 a 530 a.C., é o que aparece nas
Escrituras como o libertador dos judeus do cativeiro
babilônico em 539 a.C. Foi bastante misericordioso para
com os judeus e ordenou que voltassem em segurança para
Jerusalém. A narrativa desse episódio é bem descrita em
Esdras 1 e 2Crônicas 36, a partir do versículo 22. Após uma
intricada rede de rebeliões, assassinatos e trocas de poder,
incluindo usurpações e falsos reis, Dario assume o posto
deixado por Cambises, logo depois de Ciro, o iniciador da
dinastia aquemênida. Inicialmente, a história é contada pelo
historiador grego Heródoto (por volta de 465–420 a.C.). Ele
assegura que Dario chegou ao trono em 421 a.C. com a
ajuda de famílias nobres que invadiram o palácio para
destronar um mago impostor, que se fazia passar por
Esmerdis, secretamente morto, e que seria o legítimo
ocupante do trono. Ao chegar ao poder, Dario se sustenta
pelo fato de ser descendente direto de Aquêmenes (705–
675 a.C.), de quem vem o nome da dinastia.
Durante todo esse tempo, o império esteve dividido em
satrapias, espécie de regiões de governo que faziam com
que a descentralização limitada gerasse maior mobilidade e
agilidade gestora, dando, ao mesmo tempo, a ideia de
maior liberdade aos povos dominados, de forma a minimizar
suas eventuais intenções de insubordinação. Seja como for,
o fato é que a administração sobre um vasto império
ganhou maior capacidade dessa forma. Os livros de Esdras
e Daniel mencionam os sátrapas, que eram os responsáveis
pelas satrapias. Em Daniel 6.1, vemos que Dario nomeia
120 sátrapas, o que nos aproxima bastante do número de
127 instâncias ou províncias citadas em Ester. Podemos
supor que cada povo representava uma satrapia, ou que
cada grupo de povos compunha uma satrapia em termos de
administração. Heródoto nos diz, falando de uma das mais
ricas delas, a Babilônia, que

o governo dessa província (os persas dão o nome de


satrapias a tais governos) era o melhor de todos.
Mantinha ela ainda para o rei, em caráter particular e
sem contar os cavalos de guerra, um haras de
oitocentos reprodutores e dezesseis mil éguas, de
maneira que a cada reprodutor cabiam vinte éguas.
Criava-se também ali grande quantidade de cães
indianos. Quatro grandes burgos situados na planície
estavam encarregados de alimentá-los e isentos, por
isso, de qualquer outro tributo. Tais os proventos que o
rei retirava de Babilônia (Heródoto, 1950, I, CXCII).

Ainda no livro de Daniel, temos a informação de que


esses sátrapas, espécie de governadores, prestavam
relatório e obediência a apenas três supervisores de
sátrapas, entre os quais estava o próprio Daniel.[2] E Dario,
impressionado com seu desempenho, planejava colocá-lo
como uma espécie de governador-geral ou, modernamente
falando, como um primeiro-ministro, a quem todos os
sátrapas e supervisores deveriam prestar relatório. Isso
incomodou por demais os outros sátrapas, e foi essa a razão
pela qual Daniel foi alvo das maquinações e manipulações
que o levaram à cova dos leões.
Em 519 a.C., nasceu Xerxes, personagem que é o rei no
livro de Ester. Ele via em seu pai, Dario, uma espécie de rei
divino. Xerxes foi criado com a rígida exigência da realeza,
com muitos estudos e vasto treinamento em prática de
guerra, como era comum entre os príncipes e governantes
de seu tempo. Segundo relatos, ele estudou história,
geografia, política, administração, economia, comércio,
direito e filosofia. Falava e escrevia em outras línguas
conhecidas à época, inclusive aramaico, considerada a
língua nobre daquele tempo, o que também ocorreu com
outros monarcas, como Nabucodonosor,[3] Artaxerxes[4] e os
emissários assírios de Senaqueribe.[5] Xerxes não era o filho
mais velho, mas era muito dedicado e era o que mais se
aproximava do pai em sua juventude. Além disso, o sangue
de Ciro, que ele trazia nas veias, conferia-lhe excepcionais
condições de prestígio e dominação. Heródoto registra que
era hábil ginete e condutor de bigas, além de bom lutador
com adagas e lanças; que tinha pernas fortes e que era
mais alto que a maioria de seus conterrâneos persas. Usava
cabelos e barba grandes, de acordo com o uso dos nobres
na época. Em outras palavras, Xerxes estava pronto para o
trono.
Entre 492 e 490 a.C., Dario teve problemas com sua
política externa. Os gregos, que eram uma vasta
comunidade de cidades-estados, com governos
independentes entre si, mas que comungavam língua,
religião e costumes semelhantes, estavam, havia quase
uma década, se insubordinando contra a hegemonia persa.
Várias dessas cidades-estados tinham colônias espalhadas
pela Ásia Menor, as quais, por sua vez, não aceitavam ser
subjugadas por tabela, principalmente em razão dos
elevados tributos cobrados, tornando-se verdadeiro
problema para os persas — em particular, nesse tempo,
para Dario. Para os persas, a Ásia Menor era a região da
Lídia, a qual era reconhecida por seus arqueiros, como
podemos confirmar no final de Jeremias 46.9.[6] Com o
problema por resolver, Dario enviou suas tropas para
combater os insubordinados, com Atenas e Eritreia
apoiando o levante. Chipre, então, caiu diante das tropas
persas em 490 a.C., tornando-se a base de ações militares
de onde partiram os comandantes Artafenes e Danis, para a
conquista-relâmpago da ilha de Naxos, de Eubeia, onde se
localizava a Eritreia. Confiantes, após desembarcarem e
seguirem pelos 42 quilômetros da planície de Maratona,
eles partiram para a elevação de Atenas.
Ao perceber a iminência de um ataque persa, o general
ateniense Milcíades, o Jovem (550–490 a.C.), reuniu uma
força de combate corpo a corpo de cerca de nove mil
atenienses e mil plantenses, todos hoplitas bem adestrados.
Os gregos, então, abriram caminho pelo centro das tropas
persas, que contavam com cerca de vinte mil homens, e
cortaram suas comunicações. O massacre foi desalentador:
cerca de duzentas baixas gregas contra quase sete mil
baixas persas.[7] Os invasores, acostumados a grandes
batalhas, porém não a confrontos diretos daquela forma,
bateram em retirada, e muitos conseguiram retornar aos
seus navios. Segundo Heródoto, os persas imaginaram que
os gregos fossem insanos, tamanha a violência com que se
abateram contra um exército muito mais numeroso e com
armas bem mais pesadas. Os gregos dispunham apenas de
artilharia leve contra a impetuosidade militar dos persas.
Segundo Heródoto,

os dois exércitos ficaram separados por uma


distância de oito estádios. Ao primeiro sinal, as tropas
atenienses avançaram velozmente ao encontro dos
persas, e estes, vendo-as aproximarem-se, prepararam-
se para recebê-las, considerando-as, ao atentar para o
pequeno número delas, que nem dispunham do apoio
da cavalaria, insensatas e marchando ao encontro de
uma morte certa. Os atenienses, porém, cerrando
fileiras, lançaram-se sobre eles, praticando feitos
memoráveis. Foram esses bravos, ao que pudemos
apurar, os primeiros de todos os gregos a enfrentar
impetuosa e desassombradamente os medos quando,
até então, o simples nome de medos inspirava terror
aos gregos (Heródoto, 1950, VI, CXII).

Milcíades, de forma paradoxal, foi um dos poucos mortos


do lado grego, mas tornou-se um grande herói, “depois de
haver combatido com bravura e desprendimento”
(Heródoto, 1950, VI, CXIV). Seu elmo foi depositado como
oferenda no templo de Zeus, em Olímpia, local da disputa
dos Jogos Olímpicos. Devido a essa vitória, teve início a
construção do templo de Atena, a deusa padroeira da
cidade. Desse episódio, nasceu a narrativa de Fidípedes, o
jovem que teria corrido por toda a planície para dizer, quase
sem fôlego, que haviam vencido para, em seguida, cair
morto.
Relatos dão conta de que Dario acreditava que a derrota
frente aos gregos decorrera de mero acaso, por causa de
decisões erradas tomadas pelo general Danis. Verdade ou
não, o fato é que ele, por volta de 486 a.C., fez uma nova
investida contra os gregos a partir de seu acampamento na
Lídia e, dessa vez, assumiu o posto de general das tropas,
pretendendo ir pessoalmente à batalha. No entanto, outra
rebelião, agora no Egito, desviou seu curso, e foi nesse
trânsito que ele adoeceu e morreu. Larcher, em sua
introdução ao livro de Heródoto, comenta o episódio:

Os persas foram batidos em Maratona. Com essa


notícia, Dario, furioso, fez preparativos ainda mais
consideráveis. Nestes entretantos, tendo o Egito se
sublevado, era necessário reduzi-lo. A revolta do Egito
apenas suspendeu a vingança de Dario. Logo que este
país foi submetido, retomou o desejo de castigar os
atenienses; mas sua morte, que sobreveio logo depois,
suspendeu sua execução (Larcher, 1950, p. 24).[8]

Poucos dias depois de o corpo de Dario, embalsamado,


ser sepultado em Persépolis, Xerxes, então com 32 anos, em
486 a.C., com famílias (sim, no plural) e filhos, é guindado
ao trono em seu lugar. Nessas circunstâncias, frente aos
gregos e à visão geral de que os persas não eram
invencíveis, Xerxes assumiria o trono, o que nos ajuda a
entender sua posterior obsessão em acabar com os gregos,
segundo aquilo que nos informa Heródoto.[9] Sua campanha
militar contra a Grécia ainda demoraria um pouco, pois ele
dava prioridade a aniquilar o levante egípcio, razão do
desvio de Dario e de sua consequente morte. Ainda naquela
década, ele derrotou os babilônios que intentavam libertar-
se da dominação persa. Com Egito e Babilônia pacificados e
sem mais revoltas em tempos imediatos, Xerxes se dedicou
à Grécia e planejou sua invasão. No ano 481 a.C., Xerxes foi
pessoalmente para a frente de batalha, no que passou a ser
chamado por alguns de “segunda fase das guerras greco-
persas”, levando consigo várias de suas esposas e filhos,
além de um grande aparato de Estado, preparando-se para
uma longa campanha militar. A primeira fase seria aquela
de Dario, cerca de dez anos antes. Segundo alguns
historiadores mais realistas, as tropas persas dispunham de
algo em torno de duzentos mil homens de quase cinquenta
etnias diferentes, todos bem treinados e equipados. O relato
de Heródoto, contudo, é muito mais elástico, chegando a
considerar forças com cerca de milhares de homens, sem
contar toda a logística envolvida.[10] Toda a corte e as tropas
se reuniram próximo a Sardes (provavelmente a mesma
cidade onde havia uma igreja que foi destinatária de uma
das cartas do Apocalipse[11], [12]), atravessaram a Trácia e a
Macedônia, a mesma cidade para onde Paulo se dirigiu após
ter uma visão[13] e na qual os irmãos tinham alegria em
contribuir financeiramente para ajudar os pobres da igreja
em Jerusalém.[14] Ao que tudo indica, a igreja do Senhor dos
tempos de Paulo, então sob domínio romano, tinha os
macedônios em alta estima.[15]
Embora Dario tenha começado a campanha, agora era
Xerxes quem seguia em frente contra os gregos. Enquanto o
tempo passava e os persas se recompunham, os gregos
também se preparavam, e o melhor que fizeram foi
estabelecer alianças a partir das cidades-estados maiores,
principalmente aquelas que certamente seriam atacadas,
como Esparta e Atenas. Nesta última, coube ao general
Temístocles (524–459 a.C.) convencer tanto a liderança
como o povo de que os persas voltariam a atacar — e dessa
vez poderiam ter pior resultado. Em Esparta, coube a
Leônidas I (por volta de 540–480 a.C.), seu rei, a campanha
pelo ajuntamento de forças e o estabelecimento de
estratégias para fazer frente a uma inevitável invasão
persa. No decorrer dos intensos preparativos, Xerxes
enviava mensagens a inúmeras cidades gregas,
aconselhando-as a se render diante dele.
Com o franco desejo de dominar Esparta e todo o seu
território, Xerxes resolveu tomar a iniciativa, o que provocou
um conflito de proporções extremamente desiguais e com
resultados inusitados em relação ao que se poderia esperar,
pelo menos até certo ponto. Leônidas tomou conhecimento
da aproximação das tropas de Xerxes e tentou organizar
rapidamente a sua defesa, mas toda a Grécia estava
mergulhada em festejos, e Esparta, por sua vez, estava em
celebrações locais ao deus Apolo. Com isso, Leônidas não
conseguiu reunir tropas de defesa, o que o fez tomar a
decisão de levar consigo apenas a sua guarda pessoal,
composta por 300 homens, uma espécie de tropa de elite à
sua disposição.
Foi um conflito absolutamente desproporcional de 300
espartanos contra cerca de 300 mil persas. Os 300, na
verdade, simbolizam a pequena força de defesa, mas eles
eram mais que isso: Leônidas ainda dispunha de alguns
téspios, tebanos, coríntios e arcadianos, mas não passavam
de 4 mil homens, mas nenhum deles se comparava aos 300
em preparo militar e vontade de lutar. Os espartanos
lograram êxito na defesa das primeiras investidas dos
persas tendo em vista seu bom conhecimento do relevo[16]
e de sua disposição aguerrida de luta, com entrega da
própria vida, se fosse necessário. Além da enorme
desproporção, Leônidas ainda teve contra si um caso
drástico de traição, quando Efialtes, que tinha tido rusgas
com Leônidas por causa da proibição de ele combater ao
seu lado, foi até Xerxes e lhe mostrou os caminhos
desconhecidos aos persas com a intenção de conduzi-los a
uma passagem por trás de Termópilas e destruir Leônidas.
Sabendo da traição, Leônidas dispersou a maior parte de
seus homes e permaneceu com cerca de 1,2 mil homens,
liderados pelos 300.
Depois de apenas alguns dias de terríveis batalhas,
Leônidas foi finalmente cercado e morto, tendo seu corpo
exposto em empalamento, com a cabeça cortada,[17] como
demonstração da vitória persa. Mas o herói conhecido da
batalha não é a força persa com sua supremacia: até hoje
há dizeres em Termópilas que exaltam o heroísmo com que
Leônidas e os seus 300 homens lutaram até o fim. A vitória
persa foi alcançada, mas com tantas perdas que o exército
persa precisou se recompor, o que deu tempo aos gregos de
reunirem suas forças e impedirem que os persas chegassem
a Atenas, que era a sua intenção final. Essa é a conhecida e
singular Batalha de Termópilas, cujo nome toma emprestado
o nome de um desfiladeiro na Grécia central.
Esses eventos estão por se tornar quase paralelos ao
que lemos nas Escrituras a respeito de Ester e da corte
reunida em Susã. E talvez a demonstração de poder e glória
de Xerxes, que, “durante cento e oitenta dias [...] mostrou a
enorme riqueza de seu reino e o esplendor e a glória de sua
majestade”,[18] se devesse mais a uma necessidade de fixar
sua posição de soberano dentro dos vastos limites do
império. Não podemos perder de vista que a narrativa de
Ester se desenvolve a partir de seu terceiro ano de reinado,
ou seja, por volta de 483 ou 482 a.C.
Os gregos continuariam a ser a grande pedra no
caminho dos persas e, após uma sucessão de derrotas e da
implantação do temor entre suas tropas com relação aos
gregos, que se fortaleciam cada vez mais, e principalmente
após o reinado de Xerxes, o Império Persa foi declinando
sucessivamente. Depois de Artaxerxes, filho e sucessor de
Xerxes, o império declinou a tal ponto que, cerca de cem
anos após a sua morte, em 336 a.C., Alexandre, o Grande,
rei da Macedônia e da Grécia, derrotou militarmente os
persas e seu rei, Dario III, eliminando o Império Persa
definitivamente da história.
O grande rei Xerxes I, que viveu entre 519 e 465 a.C.,
governante do maior império conhecido, ostentador de
poder e riquezas, mandou inscrever numa tábua de pedras
em Gandj Nameh (atual Irã): “Eu sou Xerxes, o grande rei,
rei dos reis, rei dos países que contêm todos os tipos de
homens, rei nesta grande terra longe, filho do rei Dario, um
aquemênida” (Heródoto, 1950, VII, CXXXVI). Heródoto
chegou a dizer que a corte exigia adoração, como se ele
fosse um deus. Mesmo assim, com tanto a seu favor, teve
seu filho mais velho, Dario II, assassinado, e ele mesmo
morreu, ao que tudo indica, por um complô de seu outro
filho, que assumiu seu lugar, Artaxerxes. Antes, no entanto,
aprouve a Deus usá-lo para que seu povo, cativo dos
persas, se livrasse da extinção e, assim, por meio dos
decretos de um soberano iníquo, idólatra e pagão, os
eternos decretos de Deus se cumprissem.
Xerxes reinou entre 486 a.C. e 465 a.C., quando foi
assassinado em Persépolis, localizada atualmente a cerca
de 890 quilômetros da cidade de Teerã, capital do Irã.
Persépolis fica nas proximidades de Pasárgada, a cerca de
840 quilômetros de Teerã e de Shiraz, a 935 quilômetros,
importantes cidades no contexto da história e da atualidade
do Oriente Médio. Xerxes foi morto provavelmente a mando
de um dos comandantes de sua guarda pessoal, o
hircaniano Artabano, que contou com a obediente execução
de um eunuco palaciano de nome Aspamitres. As fontes
clássicas têm desencontros de informações e de datação,
mas as duas principais linhas dizem que a culpa foi lançada
sobre o filho mais velho de Xerxes, Dario II, o que teria
levado Artaxerxes a se vingar do parricídio, assumindo o
trono em seguida; outra linha diz que os assassinos primeiro
mataram Dario II e, em seguida, assassinaram Xerxes I,
deixando vago o caminho rumo ao trono para Artaxerxes.
Esta última é a opinião de Aristóteles.
Quanto às outras personagens de destaque, Hamã,
Mardoqueu e Ester, nós as veremos com mais detalhes ao
longo do texto.
TRÊS FESTAS, MUITA POMPA,
CIRCUNSTÂNCIA E CONFUSÃO
Com efeito, tomar Deus como um Criador
momentâneo, que haja realizado sua obra de uma vez
por todas, seria fútil e de nenhum proveito. [...] No
entanto, por mais que as causas nos sejam ocultas e
fujam, deve-se ter por certo que estão ocultas nele, e
daí ser melhor exclamar-se com Davi: “Muitas são, ó
Senhor meu Deus, as maravilhas que tens operado para
conosco e teus pensamentos não se podem contar
diante de ti; se eu os quisesse anunciar, e deles falar,
são mais do que se podem contar” (Sl 40.5).
João Calvino

Após termos uma noção do que estava acontecendo no


mundo nos dias de nossos heróis Ester e Mardoqueu, vamos
entender melhor a narrativa do livro bíblico que leva o nome
de nossa heroína. Os persas eram um povo festivo, e lemos
que nos dias em que transcorria o terceiro ano de seu
reinado, o rei Xerxes estabeleceu um longo período de
festas públicas e particulares, com a finalidade de mostrar
seu poderio e sua riqueza, impressionando ainda mais seus
súditos, seus nobres e, quem sabe, demonstrando aos
inimigos sua capacidade de domínio e intimidação.
Segundo lemos no livro de Ester e conforme
identificamos na história geral, os impérios da antiguidade
tinham por hábito fazer longas festas, o que não era
diferente com os persas. No entanto, não há registros que
igualem outros banquetes em duração e ostentação ao
primeiro dos descritos em Ester. Ao todo, encontramos oito
banquetes no livro[19] e, somente no primeiro capítulo,
temos três dessas festas mencionadas, todas com muita
pompa, ostentação e riquezas, esbanjando comidas e
bebidas, e servindo aos mais diversos propósitos da corte.

As duas festas de Xerxes (1.1-8)


Os versículos 3 e 4 narram a primeira festa, o primeiro
banquete de Xerxes. Nele, aparentemente o rei desejava
mostrar aos mais poderosos quem detinha de fato o poder
em todo o vasto Império Medo-Persa, que ia desde a Índia
até a Etiópia, ou Cuxe, em algumas versões da Bíblia. O
momento era de “planejamento da campanha contra a
Grécia” (Mears, 1993, p. 149). Nessa primeira festa, que
durou incríveis seis meses ininterruptos, o rei mostrou seu
poderio e abriu as portas de seu império, deixando que
todos vissem sua riqueza; cercou-se de ricos e poderosos,
expondo “a enorme riqueza de seu reino e o esplendor e a
glória de sua majestade”,[20] de tal sorte que se tornou,
também, vulnerável em sua privacidade.
O texto bíblico mostra que, após algum tempo, cujo
intervalo desconhecemos, o rei resolveu dar mais uma festa
grandiosa, dessa feita em seu palácio, na cidade de Susã.
Os convidados agora seriam tanto os ricos como os pobres
da cidade, angariando simpatia e popularidade daquele que
era um rei considerado rude e impetuoso. A generosidade, a
fina decoração e a riqueza em todos os seus detalhes são
narrados em minúcias nos versículos 5 a 8. Os servos do
palácio receberam ordens diretas do rei para servir tudo que
as pessoas quisessem comer e beber, sem que houvesse
imposição de limites.

A festa de Vasti (1.9-12)


Enquanto isso — e, pelo texto, entendemos que
aconteceu em paralelo à segunda festa de Xerxes —, a
rainha Vasti reuniu as mulheres no palácio do rei e ofereceu
uma festa somente para elas. Ao final de ambas as festas, a
de Xerxes, de um lado, e a de Vasti, de outro, já no sétimo
dia, o rei teve a ideia de mostrar a todos os comensais a
última peça de sua decoração: sua rainha. Segundo lemos,
o rei queria que Vasti aparecesse “usando a coroa real, para
mostrar sua beleza aos súditos e aos nobres, pois ela era
muito bonita”.[21] O que talvez Xerxes não previsse é que
ela não iria querer desempenhar o papel de objeto
pertencente ao rei e, na sequência, lemos que ela se negou
a aparecer, o que gerou enorme descontentamento no rei.
Ela sequer respondeu ao rei, enviando mensagem pelos
mesmos oficiais que foram chama-la por ordem de Xerxes.

A confusão (1.13-22)
A confusão estava formada: em tempos de reinado
absoluto, era preciso obedecer, sem questionamento, à
ordem real, fosse qual fosse. De modo paradoxal e por sorte
de Vasti, a Pérsia era bastante evoluída em termos de
direito e leis estabelecidas, o que levou o rei a chamar seus
conselheiros jurídicos e lhes pedir opinião a respeito do que
deveria fazer com a rainha, uma vez que ela havia
desafiado sua autoridade e as próprias relações na
monarquia e na estrutura familiar persa.
O conselho acatado foi o de que Vasti fosse deposta,
pois sua deposição reforçaria duas peças de valor para os
persas: a monarquia, que teria seu poder resguardado
diante de um desafio sofrido pelo rei por parte de sua
consorte, e a família, que seria preservada caso as mulheres
persas resolvessem seguir o exemplo de sua rainha e
passassem a desobedecer aos seus maridos.
O episódio da decepcionante negativa de Vasti e de
suas consequências mostra a forma jocosa e até irreverente
com que o autor sagrado aborda as instituições persas,
mostrando claramente, e com forte ironia, que o rei de um
império tão vasto não mandava nem mesmo em sua mulher
e que, assim como ele, os homens de todo o império
precisavam de uma lei para que suas mulheres não
tomassem as rédeas das famílias persas. Uma das intenções
parece ser a de menosprezar a força e a governança dos
homens persas diante dos leitores, principalmente ao ter
em vista que o texto data de uma época em que as
sociedades eram completamente patriarcais e tinham as
mulheres em papéis secundários nas questões familiares e
públicas.

O desenrolar
O livro de Ester pode ser resumido, em sua ideia
principal, pelo que está contido na mensagem de
Mardoqueu enviada a Ester, a fim de que ela se
posicionasse diante dos acontecimentos sobre os quais ele
mesmo lhe remetera aviso:

Não pense que, pelo fato de estar no palácio do rei,


de todos os judeus só você escapará, pois, se você ficar
calada nesta hora, socorro e livramento surgirão de
outra parte para os judeus, mas você e a família de seu
pai morrerão. Quem sabe se não foi para um momento
como este que você chegou à posição de rainha?[22]

É um texto raro nas Escrituras, em que o trato teológico


e a mensagem de Deus são passados de forma
absolutamente literária, numa construção de belas
passagens, com estilo muito plástico, bom humor e ironia,
mesmo cercando fatos tão dramáticos quanto a tentativa de
aniquilamento de toda uma nação. O resultado é a
explicação da “origem da festa de Purim”, sendo “seu
propósito maior identificar a divina mão da providência nos
detalhes fortuitos da vida” (Kaiser Jr., 2011, p. 242). O
mesmo sentido é compartilhado por outros autores que
afirmam, por exemplo, que “o objetivo do livro em sua
forma atual é claramente narrar a origem da festa judaica
do Purim”, asseverando ainda que “o nome da celebração
deriva da palavra acádia puru, ‘sorte’” (Dillard e Longman
III, 2006, p. 181), em alusão direta às sortes lançadas pela
personagem Hamã, conforme veremos mais adiante. Tudo
isso nos mostra que a soberania de Deus se alia a outros de
seus atributos e doutrinas que lhe são atinentes com o firme
propósito de guardar o quinhão dos que lhe são caros,
daqueles que são seus filhos.

Aprendemos:
O primeiro capítulo do livro de Ester nos mostra o ser
humano em sua habilidade mais vil, comendo e bebendo,
jactando-se de seu poder e de sua fortuna, demonstrando
que, por seus meios, conseguirá tudo que almeja. Em
poucos meses e apenas três festas, temos:

Um rei beberrão que mostra mais de seu poder e


de seus segredos do que deveria;
Um rei que esbanja e gasta acima do normal e
que quer transformar sua esposa em objeto de
apreciação pública;
Uma rainha que usa os recursos reais para
organizar uma festa paralela e que rejeita o
chamado de seu rei e marido;
Um homem que domina praticamente o mundo
inteiro, mas não domina sua casa;
Uma mulher que perde seu marido, sua posição e
sua coroa por causa de sua insubmissão;
E Deus, ainda em segredo, agindo na História,
para o bem de seus amados filhos.
O PERIGO RONDA O TRONO
Deve-se ter em conta que a providência de Deus,
como ensinada na Escritura, é o oposto de sorte e dos
acontecimentos atribuídos ao acaso. Ora, uma vez que,
em todos os tempos, geralmente se deu a crer, e ainda
hoje a mesma opinião avassala quase todos os mortais,
a saber, que tudo acontece por obra do acaso, aquilo
que se devera crer acerca da providência, certo é que
não só é empanado por esta depravada opinião, mas
inclusive é quase sepultado em trevas.
João Calvino

O capítulo anterior termina com algumas lições


importantes para nós. A principal delas é: sempre devemos
fazer o que é certo da maneira certa. Vasti perdeu o trono e
seus privilégios — e poderia ter perdido a cabeça se a Pérsia
não tivesse um código de leis relativamente moderno para
seus dias — por ter feito o que lhe parecia certo, embora o
tenha feito à revelia dos costumes e leis de seu tempo. E
talvez fosse mesmo. Ela não queria ser mais uma peça do
mostruário real, sendo apresentada como mais um objeto
tomado por Xerxes em meio a suas vitórias. Fazer o que é
certo, mas sempre da maneira certa. Sempre há meios de
buscar fazer o que é certo da forma correta. Via de regra,
fazer o que é certo de forma errada suscita ira e resistência;
e, a bem da verdade, levanta oposição cerrada contra as
boas intenções.

A escrava se torna rainha (2.1-17)


O capítulo 2 começa com uma interrupção à narrativa do
capítulo 1. E, ao lermos desavisadamente, parece que tudo
aconteceu num estalar de dedos e que a história terminou
tão rapidamente quanto começou. No entanto, há algumas
revelações de tempo ao longo do livro que nos mostram que
a história toda levou pelo menos dez anos, uma vez que a
narrativa começa “no terceiro ano do seu [de Xerxes]
reinado”[23] e termina em algum momento do décimo
terceiro ano de seu reinado, pois Hamã lança as sortes no
“primeiro mês do décimo segundo ano do reinado do rei
Xerxes”.[24] As referências seguintes a datas são
sequenciais, e a última, que indica o ano seguinte, diz que o
“decreto entrou em vigor nas províncias do rei Xerxes no
décimo terceiro dia do décimo segundo mês”,[25] o que
sabemos tratar-se do décimo terceiro ano de seu reinado.
Podemos utilizar as seguintes notas para ilustrar:[26]

Ref. Dia, mês e


Calendário
bíblica ano no reinado Episódio
gregoriano
em Ester de Xerxes I

Xerxes I (Assuero) se torna


---- 486 a.C. ----
imperador da Pérsia

Início dos acontecimentos do


1.3 483 a.C. ?/?/3 livro de Ester, com os banquetes
de Xerxes e Vasti
29/09/480 Xerxes é derrotado pelos gregos,
---- ----
a.C. em Salamina

2.16 479 a.C. ? / 10 / 7 Ester é levada para Xerxes


Hamã pede o extermínio dos
3.7-9 474 a.C. ? / 1 / 12
judeus e lança as sortes

Xerxes promulga o decreto


3.12 473 a.C. 13 / 1 / 13
criado por Hamã
Data programada para a
3.13 473 a.C. 13 / 12 / 13 execução do decreto de
extermínio

7.10 473 a.C. ---- Enforcamento de Hamã


8.9 473 a.C. 23 / 3 / 13 Xerxes promulga decreto contra
o decreto criado por Mardoqueu
Data programada para a
8.12 473 a.C. 13 / 12 / 13
execução do novo decreto

13 / 12 /
9.6 473 a.C. Morte dos inimigos dos judeus
13[27]
9.21- 13-15 / 12 / Instituição da celebração do
473 a.C.
26 13[28] Purim
---- 465 a.C. ---- Morte de Xerxes I

Os tempos não eram tranquilos no reino da Pérsia.


Embora a rainha Vasti tenha sido deposta por volta do
terceiro ano do reinado de Xerxes, somente no sétimo ano
de seu reinado é que Ester foi escolhida sua sucessora. A
razão de tamanha demora pode concentrar-se no fato de
que, logo após a deposição de Vasti, Xerxes dirigiu-se à
difícil campanha contra os gregos, em particular à batalha
de Salamina, onde viu sua frota ser dizimada, o que ocorreu
em torno do quarto ao quinto ano de seu reinado. Ao
retomar suas atribuições palacianas, com enormes perdas
de território e poderio militar, Xerxes, então, voltou a se
dedicar à política interna, construindo Persépolis e seus
magníficos palácios, e a se preocupar em preencher o trono
consorte.
Nessa época, por indicação das leis persas, moças
jovens, solteiras e virgens procedentes de todo o império
foram conduzidas até Susã a fim de ter um período de
preparo até se apresentarem ao rei. Quando soube disso,
Mardoqueu, um dos judeus levados cativos de Jerusalém,
teve sua prima, a quem havia criado como se fosse sua
filha, levada pelos recrutadores. Confiada aos cuidados do
responsável pelo harém real, de nome Hegai, Ester deu
início à sua fase de preparação e final recrutamento. Três
características chamam nossa atenção a essa altura: Ester
passa muito tempo sem se pronunciar a respeito de sua
origem; parece ser uma pessoa muito agradável; e
consegue seguir as orientações que lhe são dadas sem
questionamento.
Em primeiro lugar, Ester era uma mulher obediente às
instruções. Ela não disse de qual povo era, nem mesmo a
que família pertencia — e não omitiu isso por vergonha ou
por medo. O fato é que, naquele momento, essa atitude era
estratégica, pois a futura revelação dessas informações se
daria no momento certo. Vemos que isso não partiu dela;
ela agiu assim em obediência à orientação dada por
Mardoqueu,[29] mais velho e mais experiente, pessoa que
sabia exatamente as razões pelas quais as informações de
sua origem pessoal não deveriam ser reveladas
prematuramente. A obediência preserva nossa vida, assim
como foi a causa de ter preservado Ester e toda a nação dos
judeus do perigo e da morte certa. A Bíblia nos mostra que
a obediência é uma das coisas que mais agradam a Deus,
exortando-nos a ela ao longo das Escrituras. Numa das
primeiras orientações nacionais com fundo mais exortativo,
Moisés ensina ao povo que os resultados da obediência vão
além de alegrar o coração de Deus, ou mesmo de ser
abençoado por ele, incidindo diretamente sobre o
testemunho, pois somente assim os de fora do povo da
aliança teriam noção do que realmente seriam capazes os
filhos de Deus, os quais, então, seriam percebidos como
grandes, sábios e inteligentes.[30] Por inferência,
entendemos que aqueles que não obedecem às
determinações do Deus da Bíblia tornam-se apequenados,
tolos e faltos de inteligência, ou seja, totalmente incapazes
de discernir seu tempo e sua real situação humana. É por
esse motivo que, ao final do mesmo livro, o povo recebe
uma orientação muito direta a respeito da importância da
obediência, fato que era conhecido por Ester, Mardoqueu e
todos os judeus da diáspora ou do exílio — até mesmo
quando incorriam em desobediência.[31]
A ideia proposta e ordenada por Deus é bastante
simples: não é difícil obedecer às suas determinações, pois
elas não são rituais nem demandam algo exterior, como os
demais povos tinham em mente no culto aos seus deuses. A
viabilidade no obedecer a Deus encontra-se na boca e no
coração de seus filhos, ou seja, no conhecimento de Deus e
no testemunho que damos a respeito dele. A conversão e a
santificação brotam dessas orientações ainda como
metáforas práticas que, mais tarde, seriam plenamente
reveladas e dadas a conhecer pelo próprio Deus. Em outras
palavras, só obedece à Palavra de Deus quem tem sua vida
regenerada — quem é salvo da vida de pecados — e quem
é capaz de se manter em constante santificação, contando
sempre com o suporte do próprio Deus. O resultado da
obediência é vida, abundância e bênção, como registra o
versículo 16.
Em segundo lugar, Ester também era uma pessoa
agradável, simpática, o que nos ajuda a quebrar o estigma
de que os crentes precisam ser chatos para mostrar que são
santos. Pessoas muito chatas no que se refere à vida e, em
particular, às coisas da fé em geral são mascaradores de
uma falsa santidade. Os versículos 9 e 15 nos mostram que
Ester era agradável,[32] e isso lhe valeu mais que sua
beleza. Sabemos que a palavra “agradar” pode abraçar
muitas possibilidades de interpretação, mas o fato é que a
regra do jogo[33] do concurso para descobrir e coroar a nova
rainha não era explicitamente a beleza, mas algo que talvez
fosse mais subjetivo, embora provavelmente conectado à
sua estética física. Por ser agradável, Ester conquistou
favores e cuidados especiais de Hegai, o eunuco
responsável pelo harém real, e ele lhe concedeu tratamento
de beleza e comida especial, providenciou sete moças para
que atuassem como suas auxiliares durante o tempo de
preparação, transferiu-a, junto com as moças, para um
lugar privilegiado no harém e, ao final de tudo, antes de
Ester se apresentar ao rei, Hegai lhe deu instruções precisas
a respeito de como ela deveria ir até Xerxes.[34] É
indiscutível que a forma da narrativa bíblica também aponta
para a aparência, porém o faz mais no que diz respeito a
uma aparência agradável, decorrente do que vem de dentro
da pessoa, mais em relação à demonstração de intensa
alegria do que em virtude de simples beleza estética. Ora,
beleza por beleza, o início da história nos revela que Vasti
era detentora de grande beleza,[35] mas não era isso que
dava a Ester os contornos de agradabilidade.
Chegando ao final da Bíblia, o apóstolo Pedro estabelece
interessante relação entre a busca fugaz pela beleza
puramente estética e a beleza real, interior, aquela que
deve ser buscada pelos filhos de Deus. De modo
interessante, Pedro fala diretamente às mulheres cristãs
quando diz que

do mesmo modo, mulheres, sujeitem-se a seus


maridos, a fim de que, se alguns deles não obedecem à
palavra, sejam ganhos sem palavras, pelo procedimento
de sua mulher, observando a conduta honesta e
respeitosa de vocês. A beleza de vocês não deve estar
nos enfeites exteriores, como cabelos trançados e joias
de ouro ou roupas finas. Pelo contrário, esteja no ser
interior, que não perece, beleza demonstrada num
espírito dócil e tranquilo, o que é de grande valor para
Deus. Pois era assim que também costumavam adornar-
se as santas mulheres do passado, que colocavam a sua
esperança em Deus.[36]

De forma concorrente ao ponto anterior, Pedro começa a


falar da obediência como ato deliberado quando diz que as
mulheres da igreja devem submeter-se aos seus maridos
(obediência a uma estrutura de ordem de Deus), mesmo
que esses homens ainda não obedeçam à Palavra de Deus,
pois o simples ato de obediência da mulher cristã pode
conduzir os maridos impenitentes a Deus! Somente depois
de falar em obediência é que Pedro ingressa no assunto da
beleza, a qual ele diz claramente que procede da docilidade
e da tranquilidade do espírito delas, e que essa seria a
forma encontrada pelas mulheres de Deus para se enfeitar
desde sempre, pondo, finalmente, sua esperança no Senhor.
Em terceiro lugar, Ester foi alguém capaz de seguir
instruções. Deus tinha colocado soberanamente pessoas em
pontos vitais da trajetória de Ester. Quando lemos os
versículos 10 e 15, seguindo-se o 20, vemos que Ester
simplesmente sabia seguir instruções, o que lhe valeu a
própria vida. Seguir instruções, claro, só é possível a quem
desenvolve o hábito de obedecer, e isso já vimos que Ester
sabia fazer. Duas conquistas foram consequência direta
desse modo de vida de Ester: de um lado, ela teve sua vida
preservada por ter seguido as instruções de Mardoqueu[37]
e, por outro, conquistou favores especiais e chegou de
forma correta diante do rei, pois seguiu as instruções de seu
tutor no harém, o eunuco Hegai.[38]
O livro de Provérbios é cheio de instruções e orientações
preciosas, mas há uma em especial que fala da própria
instrução, dizendo ao interlocutor: “Apegue-se à instrução,
não a abandone; guarde-a bem, pois dela depende a sua
vida”.[39] Foi exatamente isso que ocorreu com Ester: a vida
dela e a vida de toda a nação dependiam exclusivamente
de ela conseguir seguir e guardar as instruções recebidas, e
isso lhe serviu de conduto para a vida e a libertação. A tal
ponto a instrução é importante aos olhos de Deus que a
própria Escritura é mostrada como apontando para a
instrução, o que o apóstolo Paulo coloca em pé de igualdade
com ensino, repreensão e correção. Sem esses atributos,
incluindo a instrução, o homem de Deus não está apto nem
será totalmente preparado para o desempenho de seu
chamado.[40]

A festa para Ester (2.18)


Sete anos depois de estar sob o reinado de Xerxes I e
quatro anos após ficar sem uma rainha no trono, a Pérsia
ganhava uma nova soberana. O que ainda não se havia
divulgado era o fato de ela não ter nascido de alguma
família nobre da capital persa, mas ter sua origem entre um
dos povos escravizados pelo imenso poderio do império da
época. Com isso, chegamos a mais uma das muitas festas
apresentadas no livro de Ester, a quarta delas, sendo que
essa foi dada pelo rei em honra a Ester. Segundo lemos, “o
rei deu um grande banquete, o banquete de Ester, para
todos os seus nobres e oficiais. Proclamou feriado em todas
as províncias e distribuiu presentes por sua generosidade
real”.[41] Segundo Flávio Josefo, a festa se estendeu por
bastante tempo. Diz ele que “o povo deveria festejar seu
matrimônio e tratou magnificamente durante um mês os
principais cidadãos, quer dos persas, como dos medos e de
outras nações que lhe estavam sujeitas” (Josefo, 1990, XI,
VI). Alguns estudiosos creem que a palavra “presentes”
representaria uma forma de isenção de tributos, ou mesmo
perdão de dívidas para com a coroa, o que foi parte
integrante da alegria contagiante daqueles dias. Além disso,
os persas precisavam de momentos mais felizes, uma vez
que haviam perdido território e poderio por causa das
recentes campanhas contra os gregos. Assim, bem no meio
de uma convulsão, alguns anos depois daquelas três festas
iniciais, o livro de Ester narra mais um banquete digno de
reis: uma grande festa para todos os nobres e oficiais da
corte.

O perigo mora ao lado (2.19-23)


Enquanto a festa acontecia, exatamente no instante em
que as candidatas se reuniam pela segunda vez, algumas
coisas menos nobres ocorriam do lado de fora do palácio.
Não sabemos se aconteceu exatamente durante as
celebrações de coroação de Ester, mas diz o texto bíblico
que Mardoqueu, que costumava frequentar a vizinhança do
palácio,[42] estava agora sentado próximo à porta da
residência real. Exatamente nesse momento, Mardoqueu
ouve dois homens que eram oficiais próximos ao rei
conspirando para assassinar Xerxes. Quando ouviu isso, ele
fez com que a nova rainha, Ester, tomasse conhecimento
dos fatos, e pediu que ela contasse ao rei sobre as
intenções de morte daqueles oficiais. Confirmada a história
levada por Ester em nome de seu primo e pai adotivo,
ambos os oficiais foram enforcados, salvando-se o rei e
preservando-se sua coroa.
Mardoqueu pode ter-se movido por alguns princípios,
mas o fato é que ele fez o que era certo. Ele pode ter agido
assim para preservar Ester no trono consorte, pois, se
Xerxes caísse ou morresse, ela também perderia seu posto.
Pode também ter feito isso simplesmente porque teve a
oportunidade de impedir um assassinato gratuito, evitando
alguma forma de vingança pessoal daqueles dois homens. O
fato foi registrado nos anais da corte, e os registros ficaram
para a posteridade. Em momento oportuno, tais registros
seriam devidamente lembrados e usados por Deus, em seus
atos soberanos, para salvar Mardoqueu e seu povo da morte
por extermínio.

Um plano mortal (3.1-15)


Algumas narrativas bíblicas parecem isoladas,
desprovidas de razão para aparecer como histórias
importantes. Mas não é certo pensar assim, pois todos os
eventos bíblicos são interconectados na história da
redenção e na progressão do plano eterno de Deus. No
capítulo 3, surgem informações que complementam outras,
às quais já tínhamos acesso anteriormente. A Escritura nos
diz que Mardoqueu era “da tribo de Benjamim, filho de Jair,
neto de Simei e bisneto de Quis”,[43] e agora ficamos
sabendo que o grande inimigo dos judeus na história de
Ester, Hamã, é “filho de Hamedata, descendente de
Agague”.[44] Mas que importância há nisso? E por qual razão
isso poderia influenciar a decisão de Hamã, no sentido de
ampliar seu ódio e iniciativa genocida de um indivíduo —
Mardoqueu — para todo um povo?
Algumas gerações antes, ainda no tempo de Moisés, o
povo em peregrinação pelo deserto sentiu grande sede, e o
Senhor lhe proviu água de forma sobrenatural. Na
sequência, os hebreus estavam em Refidim quando os
amalequitas vieram atacá-los, seguindo-se a famosa
batalha em que Moisés, cansado, precisou do amparo de
Arão e Hur para manter as mãos levantadas enquanto Josué
comandava a batalha, pois, nessa posição, os hebreus
prevaleciam e venciam a luta. Ao terminar a batalha, há
uma palavra da parte de Deus que diz a Moisés que os
amalequitas estavam na mira de uma guerra feita pelo
próprio Deus contra eles:

“Escreva isto num rolo, como memorial, e declare a


Josué que farei que os amalequitas sejam esquecidos
para sempre debaixo do céu”. Moisés construiu um altar
e chamou-lhe “o Senhor é minha bandeira”. E jurou:
“Pelo trono do Senhor! O Senhor fará guerra contra os
amalequitas de geração em geração”.[45]

E quem eram os amalequitas, de quem Hamã era


descendente? A história volta a se cruzar em Ester.
Mardoqueu era bisneto de Quis, o pai do rei Saul. Ou seja,
de alguma forma, nosso herói era neto de Simei, um dos
irmãos de Saul, que era da tribo de Benjamim. Talvez seja o
mesmo Simei mencionado em 2 Samuel 16, uma vez que ali
se diz que esse era um benjamita do clã de Saul. Por sua
vez, Hamã é mencionado como um descendente de Agague,
exatamente o rei amalequita que Saul deveria ter matado
por ordem divina, mas a quem poupou, como lemos em
1Samuel 15. Deus dissera explicitamente que castigaria “os
amalequitas pelo que fizeram a Israel, atacando-os quando
saíam do Egito”,[46] e esse castigo viria sob a forma de
morte por extermínio, numa guerra de interdito divino,
quando tudo que fosse vivo deveria ser morto, e tudo que
fosse de valor material deveria ser levado para dedicação
exclusiva ao uso religioso na casa de Deus.
O texto bíblico aponta esse episódio como o responsável
final pela derrocada de Saul do trono, deixando claro que a
desobediência de Saul permitiu que a guerra contra os
amalequitas se prolongasse por muito mais tempo. As
guerras deviam ter fim ali mesmo, se ele tivesse obedecido
à ordem de Deus. Diz o texto:

Capturou vivo Agague, rei dos amalequitas, e


exterminou o seu povo. Mas Saul e o exército pouparam
Agague e o melhor das ovelhas e dos bois, os bezerros
gordos e os cordeiros. Pouparam tudo que era bom, mas
a tudo que era desprezível e inútil destruíram por
completo. Então o Senhor falou a Samuel: “Arrependo-
me de ter constituído a Saul rei, pois ele me abandonou
e não seguiu as minhas instruções”. Samuel ficou irado
e clamou ao Senhor toda aquela noite.[47]

“O conflito entre os descendentes de Saul e Agague,


portanto, é uma continuação da antiquíssima antipatia entre
Israel e os amalequitas. Muitos detalhes da história de Ester
podem ser entendidos nesse contexto histórico” (Dillard e
Longman III, 2006, p. 187), o que explica por que Hamã não
se contenta apenas em matar Mardoqueu, buscando
também extinguir todo o povo de Israel. Explica também, é
claro, as razões pelas quais Mardoqueu se negou, de forma
tão afrontosa, a se curvar em reverência diante de Hamã. O
fato de Mardoqueu ser judeu já não era mais segredo, pois,
a essa altura, os demais que serviam ao rei e ficavam junto
à porta do palácio por onde Hamã passava já sabiam que
ele era judeu, pois “ele não lhes dava atenção e dizia que
era judeu”.[48]
Hamã não foi descuidado: informado do fato de que
Mardoqueu não lhe prestava reverência publicamente, como
era indicado que fizesse, percorreu o caminho da lei de seu
tempo e fez com que o rei Xerxes autorizasse o extermínio
dos judeus por causa da denúncia de desobediência civil
feita pelo próprio Hamã.[49] Ele recebeu autoridade
suficiente para mandar notificação em nome do rei “a todas
as províncias do império, com a ordem de exterminar e
aniquilar completamente todos os judeus, jovens e idosos,
mulheres e crianças [...] e de saquear os seus bens”.[50] Isso
lhe conferia poder de destruição total: além de matar todos
os judeus, todos os bens deles seriam saqueados, o que
insuflava o desejo de muitos no império em fazer parte dos
atos de aniquilação, nem que fosse por força de querer
enriquecer à custa de tomar os bens dos mortos na
operação. Hamã não tinha conseguido apenas a ordem de
matar todos os hebreus; ele tinha até mesmo agendado
quando isso aconteceria, ou seja, “num único dia, o décimo
terceiro dia do décimo segundo mês, o mês de adar”,[51] por
volta de fevereiro ou março de 473 a.C.
Vasti falhou ao querer fazer o que poderia ser certo,
mas agindo de forma impulsiva e incorreta. Agora, vemos
em Saul o contrário, ou seja, deixando de fazer o que é
certo! Toda a posteridade e os objetivos divinos poderiam
perder-se, não fosse a garantia da plenipotência de Deus,
por causa de um ato impensado de Saul, que resolveu
desobedecer a uma ordem clara e objetiva da parte de
Deus.
Tristeza e medo (4.1-3)
A notícia não poderia ter tido pior acolhida no coração de
Mardoqueu. A descrição em 4.1 parece reunir todas as
demonstrações públicas de tristeza da tradição judaica: ele
“rasgou as vestes, vestiu-se de pano de saco e cinza”, e
chorou “amargamente em alta voz”. Parece que o medo e o
pavor tomaram conta de todos os hebreus do império afora,
à medida que as correspondências iam chegando e os
governos locais iam tomando ciência dos fatos e das
ordens. Devemos lembrar que os persas foram o primeiro
povo a montar uma eficiente malha de correios, com
cavaleiros bem treinados que utilizavam cavalos do rei,
animais muito velozes, para entregar correspondências em
todos os rincões do império, o que nos faz pensar que, em
pouco tempo, todos estavam a par de um genocídio com
data marcada que estava por vir. Mardoqueu ficou do lado
de fora do palácio real enquanto pranteava, pois, naquela
condição e com aquelas roupas rasgadas, não poderia
entrar.

Responsabilidade e esperança (4.4-17)


A notícia chegou a Ester, que pediu detalhes dos motivos
de tamanha consternação. Através do enviado de Ester,
Mardoqueu lhe contou tudo que estava acontecendo e como
todo o povo estava prestes a morrer, caso algo não
acontecesse de forma rápida. A rainha, então, ficou em uma
situação difícil, pois não deveria pedir audiência ao rei a
menos que fosse por ele chamada, o que não acontecia
havia mais de trinta dias. Foi exatamente nesse ponto, em
que Ester não sabia o que fazer, que Mardoqueu lhe enviou
o recado já transcrito, o mote principal desse texto:

Não pense que pelo fato de estar no palácio do rei,


de todos os judeus só você escapará, pois, se você ficar
calada nesta hora, socorro e livramento surgirão de
outra parte para os judeus, mas você e a família de seu
pai morrerão. Quem sabe se não foi para um momento
como este que você chegou à posição de rainha?[52]

Essa fala de Mardoqueu acendeu o temor e a sensação


de urgência em Ester. Desse modo, ela se posicionou
imediatamente, e a contraordem transmitida através do
emissário foi para que Mardoqueu reunisse os judeus de
Susã em jejum, enquanto ela própria, com suas servas,
fariam o mesmo. Esse jejum era um preparativo espiritual
para uma batalha que estava prestes a ser travada e cuja
realidade repousava não só na esfera visível e natural, mas
também no mundo invisível e sobrenatural, a exemplo do
que nos ensinaria, séculos mais tarde, o apóstolo Paulo, ao
nos instar a viver conscientes de que “a nossa luta não é
contra pessoas, mas contra os poderes e autoridades,
contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as
forças espirituais do mal nas regiões celestiais”.[53]
Em sua coroação, Ester recebera um banquete. Nesse
momento, em que as trevas pairavam sobre os judeus, um
antibanquete era convocado por ela mesma, com a clara
finalidade de preparar o campo de batalha em terrenos
menos humanos e mais espirituais. Nossa prioridade deve
ser sempre a espiritualidade, mas há ocasiões em que o
banquete espiritual deve prevalecer aberta, visível e
claramente sobre o banquete natural e humano. Diante das
festas do mundo, era necessário haver uma festa diferente,
baseada na espiritualidade dos filhos de Deus.

Aprendemos:

Do segundo ao quarto capítulos do livro de Ester,


aprendemos algumas preciosas lições. Em alguns poucos
anos e mais uma festa, temos mais novidades:
A desobediência deixa rastros, e alguém, ou você
mesmo, vai colher seus frutos lá na frente;
Se você está onde está, é para cumprir o papel
de filho de Deus. Se não o fizer, Deus poderá
remover você, a fim de cumprir seus desígnios;
Prepare-se para a luta. Jejum e oração foram
usados em Ester e devem ser usados em sua vida;
Descanse em Deus, mas não pare de agir;
Deus, mesmo em segredo, age na História para o
bem de seus filhos amados.
CONTRA-ATAQUE EM TRAJE DE
GALA
Que os leitores apreendam de início que não se
chama providência aquela através da qual Deus
observa passivamente do céu as coisas que se passam
no mundo; ao contrário, é aquela pela qual, como que a
suster o leme, governa a todos os eventos. Portanto, ela
se estende, por assim dizer, tanto às mãos quanto aos
olhos.
João Calvino

No capítulo anterior, tivemos mais algumas lições


importantes para nossa vida com Deus. Já tínhamos visto
que é preciso fazer a coisa certa da forma certa, a fim de
evitar perdas e confusões desnecessárias ao longo de nossa
jornada. A nova rainha está no trono e, agora, ela está
diante da mesma escolha que a rainha anterior precisou
fazer: como fazer o que é certo? Além de precisarmos fazer
o que é certo do jeito certo, devemos estar atentos para
jamais deixar de fazer o que é certo, e isso rapidamente.
Quando a oportunidade, ou a necessidade, se apresentar a
nós, a letargia, o temor e a resistência interior podem nos
conduzir a deixar para depois o que precisa ser feito
imediatamente. Mas, se assim procedermos, pode ser tarde
demais quando resolvermos agir. Portanto, precisamos
lembrar sempre: é preciso fazer a coisa certa do jeito certo,
e é preciso fazer sempre a coisa certa o mais rapidamente
possível.

O vestido, o convite e a festa de Ester


(5.1-5)
Ester não estava bem. Após ser chamada à
responsabilidade por seu primo-padrasto, ela tomou a
decisão de fazer alguma coisa antes que fosse tarde
demais. Como sabemos, de início Ester pediu que se fizesse
um jejum enquanto ela preparava sua tentativa de dar a
volta por cima e promover uma reviravolta nos planos
maldosos de Hamã. Sabendo que não podia simplesmente
invadir o recinto real e falar com o rei, ela resolveu vestir-se
da melhor maneira possível, com seus trajes de rainha, e se
colocou no pátio que ficava de frente para a entrada da sala
do rei. Não casualmente, o rei estava ali dentro, em seu
trono, sentado bem na direção da abertura que lhe permitia
visualizar o pátio. Era Deus conspirando a favor dos planos
de Ester, que iniciava seus movimentos em prol do
livramento de seus irmãos judeus.
Com um sinal, Xerxes I, que, como já sabemos, era o
grande rei do maior império de seu tempo e um dos maiores
de todos os tempos, convidou Ester a entrar em sua sala e,
deduzindo que ela quisesse algum favor, perguntou a ela o
que poderia lhe dar. Ele deve ter ficado surpreso, pois, em
vez de lhe pedir coisas materiais, joias e outros bens, Ester
pediu a presença do rei em uma festa que gostaria de lhe
oferecer. Parecendo cada vez mais gentil e hospitaleira,
Ester convidava também, junto com o rei, seu mais
importante assessor, Hamã. É bom lembrar que Xerxes dera
a ele uma posição no império acima de qualquer outra,[54] a
não ser a do próprio rei, o que deixava o convite de Ester
fora de qualquer suspeita. Os detalhes sutis desse momento
da história confirmam, mais uma vez, aquilo que temos
notado até aqui no texto de Ester, ou seja, que as “fontes
clássicas e cuneiformes demonstram em geral a
familiaridade do autor com as tradições e a vida na corte
persa” (Dillard e Longman III, 2006, p. 182).
Mexendo com a curiosidade real: o novo
convite (5.6-10)
Terminado o suspense inicial, tanto o rei como Hamã
compareceram à festa de Ester. A metáfora superlativa de
Xerxes se repete, pois, no meio do banquete, pela segunda
vez, ele pergunta à rainha qual seria seu pedido, com a
promessa de que até a metade do reino seria dada a Ester,
caso ela pedisse isso. Parecendo uma das passagens das mil
e uma noites, Ester responde, de forma enigmática, que,
para saberem do que se tratava e qual seria seu pedido,
ambos — Xerxes e Hamã — deveriam retornar para um
novo banquete na noite seguinte. A promessa de Ester era
de que, naquela ocasião, o pedido seria oficialmente feito
ao rei.
Aceito o convite, a festa termina e cada qual volta à sua
rotina. Hamã tinha ficado muito lisonjeado com a insistência
da rainha em relação à sua presença nas festas, uma vez
que somente ele e o rei eram individualmente convidados
de forma tão incisiva. “Naquele dia Hamã saiu alegre e
contente”,[55] mas alguma coisa aconteceu logo à saída do
palácio que o fez chegar à sua casa irado, contrastando sua
alegria inicial com um sentimento nocivo em seu coração.
Mas ele conseguiu controlar-se ao longo do trajeto e seguiu
para sua casa, onde reuniu em torno de si a família e os
amigos mais chegados, demonstrando enorme afago em
seu ego com as grandes descrições de sua alegria, sua
pompa e as circunstâncias favoráveis que o cercavam. Mas
talvez os confusos sentimentos de Hamã fossem um
profético prenúncio da realidade que o cercava, em que,
aparentemente, boas coisas escondiam mudanças radicais
e de consequências terríveis para ele.

Para o grande inimigo, uma forca bem


alta (5.11-14)
Em casa, rodeado de gente querida, ele começa a
retomar seu estado de alegria, mas sempre por motivos
fúteis e superficiais. De início, ele se gaba de sua fortuna
pessoal e dos muitos filhos. O historiador Heródoto nos
ajuda novamente a entender melhor a razão pela qual o
detalhe do grande número de filhos é citado na Bíblia, o
que, mais uma vez, confirma a intimidade do autor sagrado
com a cultura persa. Diz ele a respeito das personalidades
persas:

Depois das virtudes guerreiras, encaram como


grande mérito o ter muitos filhos. O rei gratifica todos os
anos os casais mais prolíficos. A razão dessa tendência
para uma prole numerosa está em considerarem os
persas que a força viril é demonstrada pelo grande
número de filhos. Estes eles começam a instruir aos
cinco anos de idade, e daí até os vinte só lhes ensinam
três coisas que consideram as mais importantes: montar
a cavalo, atirar com o arco e dizer a verdade (Heródoto,
I, CXXXVI).

No entanto, a ira que se apossara do coração de Hamã


era mais forte e compulsiva que sua alegria fugaz. A
imagem de Mardoqueu sentado à porta do palácio sem lhe
prestar reverência o incomodava de forma plena e ele
simplesmente perdia a razão. Em um de seus rompantes de
ira, a mulher e os amigos presentes lhe sugeriram que
mandasse fazer uma forca bem alta e que, pela manhã,
enforcasse Mardoqueu. Assim, devem ter pensado eles, o
motivo da ira seria aplacado e a alegria no banquete da
noite seguinte seria pleno, sem mais nada capaz de impedir
sua felicidade. Ele gostou da ideia das pessoas e realmente
mandou preparar a forca, bem alta, com cerca de 22 metros
de altura. Pendurado a essa altura, certamente seu inimigo
ficaria exposto ao vexame público e sua honra seria
vingada. Além disso e como fator de confirmação, vemos
que “a altura exagerada da forca (50 côvados) está em
consonância com a grande escala com que eram feitas as
construções persas” (Carson et al., 2009, p. 682). Resta
alguma dúvida sobre a forma de execução, a despeito de
termos a forca aqui descrita, talvez por falta de uma palavra
melhor para identificar algum outro instrumento de suplício
capital. Os persas tinham tradição do uso tanto do
escafismo como do empalamento como meios de execução,
ambos desprezíveis e profundamente atormentadores,
sendo contados entre as piores torturas de execução já
praticadas na história humana. Não sabemos ao certo, mas
é possível que o texto trate de empalamento e que, por
falta de um termo exato para tradução, tenhamos o termo
forca por aproximação. Não importando demais esse fato, é
certo que Hamã se preparava para ver Mardoqueu
executado de forma pública e vergonhosa, e ele estava
certo de que Xerxes decretaria a morte de Mardoqueu tão
logo amanhecesse.

Não fizeram nada? (6.1-3)


Antes de a manhã chegar, no entanto, Xerxes teve uma
noite agitada de sono. Mais uma vez, a providência se
mostra no fato de que, por não conseguir dormir, o rei
mandou que lessem para ele as crônicas, ou seja, os atos da
corte. Em dado momento, leu-se que Mardoqueu havia
impedido um ato de conspiração com tentativa de
assassinato do próprio rei. Talvez incomodado com seu
esquecimento do ocorrido, o rei perguntou o que haviam
feito para reconhecer os atos de Mardoqueu, exatamente o
homem que impedira a conspiração que o teria levado à
morte. Ou seja, Xerxes estava vivo por causa da atitude de
Mardoqueu! Mas a resposta foi seca e direta: “Nada lhe foi
feito”.[56] Isso perturbou o rei, que, na sequência da
narrativa, iniciou um processo para recompensar
Mardoqueu por seu feito heroico. A noite maldormida e o
incômodo gerado pela consciência de que algo precisava
ser feito para desfazer o aparente descaso foram o modo
pelo qual Deus providenciou o início de todas as derrocadas
do inimigo e da vitória final, com a sobrevivência de seu
povo. O episódio aponta para o fato de que não há acaso
que nos reja; existe, sim, um Deus soberano que cuida de
nós e interfere diretamente em nossa história com o
propósito de ver cumpridos seus desígnios.

Honra e tristeza (6.4-14)


Em algum outro lugar de Susã, Hamã acordou feliz diante
da possibilidade de ver seu inimigo mais odiado pendurado
bem alto, em vergonha pública, para sua alegria privada.
Mal sabia ele que o rei Xerxes havia passado a noite
ouvindo relatos que concediam a Mardoqueu um brilho
diferente na história. Dillard e Longman comentam que o
“entusiasmo do autor pela ironia é visível nos constantes
relatos de reversão do destino. As ações ou situações
particulares resultam, com frequência, no oposto do
resultado esperado”, ao mesmo tempo que completam
dizendo que “esse dispositivo literário é chamado de
peripécia” (Dillard e Longman III, 2006, p. 185), que é um
recurso pelo qual o autor demonstra a inversão nos eventos
narrados, mas de uma forma totalmente plausível e realista,
embora às vezes pouco comum. Aristóteles já falava sobre
tal recurso:

Peripécia é a mutação dos sucessos no contrário,


efetuada do modo como dissemos; e esta inversão deve
produzir-se, também o dissemos, verossímil e
necessariamente. Assim, no Édipo, o mensageiro que
viera no propósito de tranquilizar o rei e de libertá-lo do
terror que sentia nas suas relações com a mãe,
descobrindo quem ele era, causou o efeito contrário
(Aristóteles, 1991, Poética, XI, LX).
Da honra na qual esperava ansiosamente deleitar-se,
Hamã passou subitamente a um sentimento de angústia
profunda. Pela manhã, ao chegar ao palácio, quando ainda
estava no pátio, ele recebeu o recado de que o rei o
esperava. Xerxes, então, começou a lhe fazer várias
perguntas a respeito do reconhecimento devido a quem
merecia grande honra pública em nome do rei por atos em
favor do soberano. A pergunta feita pelo rei foi direta: “O
que se deve fazer ao homem que o rei tem o prazer de
honrar?”, ao que se seguiu o pensamento imediato de
Hamã, que estava absolutamente certo de ter a resposta
como axiomática: “A quem o rei teria prazer de honrar,
senão a mim?”.[57] Na jactância e no orgulho de Hamã,
combinados com sua arrogância e ira contra Mardoqueu, ele
estava completamente convencido de que o rei queria
demonstrar sua gratidão a ele. Como consequência dessa
convicção cega, Hamã não hesitou em fazer uma lista
complexa de honrarias públicas que deveriam cobrir o tal
homem — as quais ele mesmo gostaria de receber.
O rei concordou na íntegra e ordenou que Hamã fizesse
tudo conforme havia mencionado, mas em relação a outra
pessoa: “Vá depressa apanhar o manto e o cavalo, e faça ao
judeu Mardoqueu o que você sugeriu. Ele está sentado junto
à porta do palácio real. Não omita nada do que você
recomendou”.[58] O desespero de Hamã deve ter sido
horrível, ainda mais porque ele foi à frente do cavalo em
que Mardoqueu ia montado, proclamando em alta voz: “Isto
é o que se faz ao homem que o rei tem o prazer de
honrar!”.[59] A honra que Hamã queria para si teve de dar
pessoalmente ao seu inimigo. A alegria que ele queria sentir
com o enforcamento teve de ficar para outro momento,
pois, àquela altura, ele simplesmente não teria condições de
pedir a ordem do rei para enforcar Mardoqueu. As coisas
estavam se invertendo de forma muito perigosa para Hamã,
que, profundamente desolado, deixou a cena pública e
voltou para casa.
Diante de sua família e dos amigos, Hamã desabafou e
contou tudo que lhe havia ocorrido. Tanto sua mulher como
seus amigos lhe fizeram uma advertência bastante séria,
dizendo-lhe: “[já] que Mardoqueu, diante de quem começou
a sua queda, é de origem judaica, você não terá condições
de enfrentá-lo. Sem dúvida, você ficará arruinado!”.[60] Mas
ele não teve tempo sequer de pensar naquilo, pois,
“enquanto ainda conversavam, chegaram os oficiais do rei
e, às pressas, levaram Hamã para o banquete que Ester
havia preparado”.[61] Uma segunda festa estava
aguardando aquele homem confuso e angustiado. Ele mal
fazia ideia do que o aguardava pela frente, nos próximos
tempos de sua vida, principalmente porque ainda não tinha
conhecimento de que Ester era da mesma origem que
Mardoqueu.

Aprendemos:
Nos capítulos 5 e 6 de Ester, temos lições maravilhosas
da parte de Deus para nós. Mais uma festa acontece, e tudo
fica arrumado para mais um banquete, que promete muita
novidade:

Diante dos fatos mais terríveis da vida, é preciso


tomar decisões precisas com o auxílio de Deus;
Não se preocupe se, ao longo da vida, não
reconhecerem seu esforço e sua dedicação: há um
tempo certo em que Deus move as coisas;
A oração é uma grande ferramenta do cristão.
Mas ore para ter vida com Deus; então, as demais
coisas virão como consequência natural;
Descanse em Deus enquanto ora, e não pare de
agir (relembrando!);
Deus é totalmente soberano, mas quer nos ver
orando diante dele. Isso faz toda a diferença!
FISGADO NO PRÓPRIO ANZOL
Digam agora que o homem é movido por Deus
segundo a inclinação de sua natureza, mas ele próprio
dirige o movimento para onde bem quiser. Ora, se isso
realmente fosse assim, com o homem estaria o arbítrio
de seus caminhos. Talvez o negarão, porquanto o
homem nada pode sem o poder de Deus.
João Calvino

Encerramos o trecho dos capítulos 5 e 6 de Ester com a


sensação de que ainda há muito por acontecer no coração
do Império Persa. A história está tensa e a reviravolta já é
sentida no ar, mas ainda há muito suspense, o que nos
deixa ansiosos para continuar até o desfecho. Novas lições
nos foram deixadas nos episódios que mais recentemente
visitamos na história dessa judia que se tornou rainha de
um dos maiores impérios de todos os tempos. Aprendemos
até aqui, por exemplo, que temos de fazer o que é certo e
da forma certa. Além disso, precisamos fazer isso o mais
rapidamente possível. Mas nem sempre é fácil distinguir
como e quando fazer as coisas acontecerem, o que nos
remete ao ambiente da história: embora vejamos e vivamos
na esfera natural e material, é importante não nos
esquecermos de que o que vemos é apenas a ponta de algo
muito maior, que é a dimensão espiritual. Por isso, nós,
como filhos de Deus, jamais devemos esquecer as preciosas
lições do livro de Ester e, na jornada da vida, em especial
em tempos de grande angústia e necessidade de tomadas
sérias de decisão, temos de nos lançar em sincera vida de
busca do Deus Todo-poderoso, por meio da prática de
oração, muitas vezes acompanhada de jejum. Assim, em
meio a tantos aprendizados, soubemos da quinta festa na
narrativa e nos aproximamos da sexta festa, na qual Ester
oferecerá um intrincado banquete, do qual dependerá o
destino de toda uma nação.

Uma bela festa e um pedido-denúncia


(7.1-6)
Não deu tempo de Hamã fazer nada. Quando ele estava
sendo advertido por sua mulher a respeito do perigo que o
cercava, os guardas do rei chegaram para escoltá-lo até a
festa de Ester, a segunda que ela oferecia ao rei e ao seu
braço direito. No meio da recepção, talvez em meio às mais
agradáveis iguarias de um banquete real, o rei Xerxes
repete a pergunta que havia feito a Ester na noite anterior,
no último banquete. Novamente veio aquela oferta quase
irrecusável de que Ester poderia lhe pedir o que quisesse,
pois até metade do reino lhe seria dada. Já vimos que essa é
uma forma de expressão elástica, uma metáfora
superlativa, a sugerir o enorme apreço do rei pelo que a
rainha estava fazendo naquele momento. Mas dessa vez o
suspense termina e Ester faz seu pedido.
Xerxes, dono de quase tudo no mundo daqueles dias,
deve ter ficado intrigado com o pedido de Ester. Ela não
pediu nada material, nem mesmo poder ou destaque, coisas
tão almejadas nos tempos antigos e, infelizmente, até hoje
em dia. O pedido da rainha foi por sua própria vida e pela
vida de seu povo. Até aqui ainda oculta, a origem de Ester
cai como uma bomba na mesa em torno da qual estavam
reunidos os convivas. Hamã deve ter ficado sem ter o que
dizer, perplexo diante de sua revelação, o que podemos
entender ao lermos que Ester disse ao rei com todas as
letras e palavras que “o adversário e inimigo é Hamã, esse
perverso”. E, naturalmente, o que vemos é que “Hamã ficou
apavorado na presença do rei e da rainha”.[62] O pedido de
Ester tinha ido direto ao ponto quando ela solicitou a
misericórdia e o socorro do rei, dizendo:
Se posso contar com o favor do rei, e se isto lhe
agrada, poupe a minha vida e a vida do meu povo; este
é o meu pedido e o meu desejo. Pois eu e meu povo
fomos vendidos para destruição, morte e aniquilação.
Se apenas tivéssemos sido vendidos como escravos e
escravas, eu teria ficado em silêncio, porque nenhuma
aflição como essa justificaria perturbar o rei.[63]

O que talvez Hamã não esperasse no momento que


antecedeu sua angústia e o prenúncio de sua desgraça
maior é que o rei perguntaria diretamente quem era o
culpado de toda essa desgraça. Ao ser inquirida,
percebendo o momento certo, Ester faz o que precisa ser
feito e denuncia Hamã diante dele, sem subterfúgios.

Azarado e... tarado? (7.7-9)


Piorando ainda mais a sua situação, Hamã tenta
remendar as coisas junto a Ester, pois havia percebido
claramente que o rei tomaria alguma decisão grave contra
ele. Ao aproveitar que o rei tinha saído até o jardim, Hamã
tenta fazer com que Ester interceda por sua vida, mas ele o
faz de forma imprópria, recostando-se sobre o assento de
Ester. Certamente, vendo a situação ao longe, com Hamã se
jogando reclinado em direção a Ester, o rei não pestanejou
em pensar que Hamã estava passando de todos os limites e
disse em alto e bom som: “Chegaria ele ao cúmulo de
violentar a rainha na minha presença e em minha própria
casa?”.[64] Mal isso acontece, os guardas prendem Hamã,
cobrindo seu rosto, enquanto um deles lembra ao rei algo
interessante: “Há uma forca de mais de vinte metros de
altura junto à casa de Hamã, que ele fez para Mardoqueu,
que intercedeu pela vida do rei”,[65] ao que o rei deve ter-se
lembrado não apenas das palavras de acusação de Ester,
mas do fato recente da honraria prestada a Mardoqueu sob
sua ordem direta, a mesma pessoa para quem Hamã tinha
preparado aquela enorme forca. Hamã, então, foi levado
sob a ordem direta do rei de pendurar o malfeitor na própria
forca que fizera com o intuito de matar um inocente. Depois
de tanta intenção maligna, a ordem parece querer voltar ao
reino, e o povo de Ester e Mardoqueu parece ganhar nova
esperança. Além disso, parece que os velhos inimigos do
povo de Deus, descendentes de Agague, seriam finalmente
eliminados, como fora sentenciado anos atrás pelo próprio
Deus.

Hamã é pendurado: pelo pescoço, pelo


bolso e pelo dedo (7.10–8.2)
Hamã foi enforcado! Fisgado pelo próprio anzol, agora
estava morto. Pendurado pelo pescoço até a morte, Hamã,
mesmo depois de morto, causa problemas, agora para sua
família e para os que serviam a ele na estrutura de poder.
Sua família ficou financeiramente quebrada, pois os bens de
Hamã foram tomados e entregues a Ester. Enquanto isso,
por causa da fala anterior da rainha, o rei havia convocado
Mardoqueu para se apresentar diante dele no palácio.
Quando ele chegou, talvez ainda sem saber o que estava
acontecendo, foi surpreendido com o recebimento do anel
de Hamã, o que significava que a autoridade e o poder na
estrutura pública que Hamã ostentava agora estavam sob a
responsabilidade de Mardoqueu, que, ainda por cima,
recebeu de Ester a incumbência de administrar os bens de
Hamã, recentemente recebidos da parte do rei. Aqui tudo se
consolida: Hamã havia perdido a vida, o dinheiro e o poder.
Quando o maligno foi derrotado, todos os que dependiam
dele na família e no trabalho caíram junto. Andar com gente
de caráter duvidoso sempre define queda e prejuízo,
quando não finda na própria morte. Tudo isso está de acordo
com a história narrada a respeito dos persas, o que mostra,
mais uma vez, o conhecimento que o autor do livro tinha
dos entremeios da cultura desse povo. Heródoto confirma,
em um dos episódios de disputa entre persas e gregos, que,
uma vez tomada a autoridade, os bens eram confiscados e
tudo era tirado do traidor sentenciado. Sob ordens
expressas de Dario a respeito de Orestes, por exemplo,
lemos em Heródoto que, “imediatamente, os guardas,
sacando da cimitarra, foram em busca do governador,
matando-o no próprio local onde o encontraram. Assim foi
vingada a morte de Polícrates de Samos”. O que se
completa com o fim de tudo, ao chegarem de volta à cidade
real: “Os bens de Orestes foram confiscados e transportados
para Susã” (Heródoto, 1950, III, CXXVIII–CXXIX). A queda
final de alguém tão orgulhoso e altivo como Hamã foi
desoladora e vergonhosa. Isso nos lembra a advertência
proverbial do próprio Oriente registrada nas Escrituras: “O
orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da
queda”.[66]

Lei e contralei: Ester em ação (8.3-8)


O problema não era mais pessoal. Agora era necessário
resolver uma questão legal. Como já dito, os persas
contavam com um código de leis avançado para seu tempo,
e respeitavam sua lei a ponto de o próprio monarca, de
certa forma, submeter-se às leis do império. A solução foi
bastante política e parece que até hoje se pratica isso em
alguns lugares: fazer uma lei que sobrepujasse a lei
anterior. Ao pedido de revisão da lei de Hamã, que
sentenciava à morte os judeus residentes no império, Ester
ouve a resposta de Xerxes, no sentido de que havia uma lei
a esse respeito, a qual, inclusive, estava em vigor. O que
poderia ser feito, segundo ele próprio declarou, era redigir
uma nova lei que desse uma contraordem, a fim de que os
efeitos da lei anterior não surtissem efeito. O rei deu a
seguinte orientação a Ester: “Escrevam agora outro decreto
em nome do rei, em favor dos judeus, como melhor lhes
parecer, e selem-no com o anel-selo do rei, pois nenhum
documento escrito em nome do rei e selado com seu anel
pode ser revogado”.[67] Seguido à risca, o último decreto
prevaleceria sobre o anterior. Mas havia urgência: o império
era muito grande e a nova lei precisava chegar a todos os
rincões, uma vez que havia judeus em toda parte, e a
matança antes ordenada tinha dia marcado. Ademais,
devemos lembrar que os tempos eram outros e que a
comunicação era demorada e nem sempre eficiente.
Comparando Ester 8.12 com 8.9, veremos que dispunham
de apenas cerca de nove meses para reverter toda a
situação que havia sido planejada e ordenada por Hamã. A
execução da ordem de Hamã estava marcada para o
décimo segundo mês (v. 12), e eles estavam diante de
Xerxes, promulgando a nova lei no terceiro mês (v. 9). Não
havia tempo a perder!

A notícia se espalha: a alegria antecipa


mais uma festa (8.9-14)
Não havia volta nem tempo a perder. Mardoqueu
orientou os secretários, os quais, então, redigiram as cartas
dirigidas aos governadores e sátrapas de todas as
províncias do império, num total de 127, num vastíssimo
território, mesmo pensando em termos atuais, pois ia da
Índia, na Ásia, à Etiópia, no norte da África, passando por
todo o Oriente Médio. Sabemos que o correio persa data de
aproximadamente 500 a.C., constituindo o primeiro correio
eficiente de que se tem notícia no mundo. Havia estações
espalhadas por todo o império e cavaleiros reais com
cavalos reais destinados exclusivamente a essa tarefa,
revezando-se pelas estradas que cortavam os principais
trechos do território. As mensagens eram levadas com
relativa segurança e rapidez. Inicialmente, o sistema foi
chamado de angarion[68] e destinava-se, antes de
estabelecer e modernizar a comunicação postal, a
investigar o império (serviços de inteligência da corte) e a
coletar impostos. Avançando, chegamos aos conceitos e
usos mais atuais de as pessoas se corresponderem. Isso se
confirma ao lermos o trecho que diz que Mardoqueu
mandou as cartas “por meio de mensageiros montados em
cavalos velozes, das estrebarias do próprio rei”,[69] e que
“os mensageiros, montando cavalos das estrebarias do rei,
saíram a galope, por causa da ordem do rei”.[70]
Temos a notícia de que

os aquemênidas foram déspotas com algum


esclarecimento que permitiram uma certa quantidade
de autonomia regional, na forma do sistema de
satrapias, que era uma unidade administrativa
geralmente organizada numa base geográfica. O
sátrapa (espécie de governador) administrava a região,
um general supervisionava o recrutamento militar e
assegurava a ordem, e um secretário de Estado
mantinha os registros oficiais. O general e o secretário
de Estado se reportavam diretamente ao governo
central. As vinte satrapias eram ligadas por uma estrada
de cerca de 2.500 quilômetros de extensão, cujo trecho
mais impressionante é a estrada real de Susã a Sardes,
construída sob as ordens de Dario. Um revezamento de
correios montados poderia alcançar as áreas mais
remotas em quinze dias. Apesar da relativa
independência local proporcionada pelo sistema de
satrapias, no entanto, os inspetores reais eram os “olhos
e ouvidos do rei” e percorriam o império para informar
sobre as condições locais. O rei mantinha uma unidade
pessoal de guarda-costas composta de dez mil homens,
chamados de Imortais.
A língua mais utilizada no império era o aramaico. O
persa antigo era a “língua oficial” do império, mas era
usado apenas para inscrições e proclamações reais.[71]
Mesmo assim, tendo o aramaico como língua oficial do
império, Mardoqueu pede a redação do édito nas línguas de
cada povo componente do Império Persa, com a clara
finalidade de acelerar e aclarar a compreensão do que tinha
sido ordenado em nome do rei.[72]
O conteúdo do documento era simples e objetivo: os
judeus deveriam preparar-se e estavam legalmente
autorizados a: a) se organizar em milícias; b) defender sua
vida; c) combater forças militares que tentassem matá-los
— inclusive aquelas oficialmente estabelecidas; e d)
saquear os bens dos agressores.[73]
A alegria resultante da vingança de Deus estava prestes
a tomar conta de todo o povo judeu. Algo novo e gostoso
estava no ar. E mais festa vinha por aí, com sabores novos e
com louvores que explodiriam em gratidão à libertação de
Deus. Seis festas depois e muito aperto no coração, o livro
de Ester ainda nos reserva festas nas quais o povo celebra
alegremente os feitos do Senhor.

Aprendemos:
Nos capítulos 7 e parte do 8 de Ester, Deus nos ensina
mais algumas preciosas lições para nossa vida. A sexta
festa ocorre, e o que vemos é uma tremenda reviravolta,
com as circunstâncias mudando radicalmente de direção:

Quando tudo parecer bem, sem Deus aprovar a


situação, tenha cuidado: as coisas podem
degringolar e tudo acabar muito mal;
Quando tudo parecer perdido, mas Deus estiver
do seu lado, descanse: ele próprio dará conta de
resolver tudo e colocar você num caminho de
segurança;
Deus é um Deus de aliança com seu povo, e ele
fará tudo que for necessário: podemos até falhar,
mas ele não falha nem permite que sua aliança
fracasse!
Deus nos preserva de todo mal. Mesmo quando o
mal temporal nos assola, em última instância o bem
eterno está reservado para seus filhos.
REVIRAVOLTA NA CORTE: NOVA
SORTE É LANÇADA
Afirmo ainda que os eventos particulares são, em
geral, testemunhos da providência especial de Deus.
Este suscitou no deserto um vento sul que levasse ao
povo abundância de aves (Êx 16.13; Nm 11.31). Quando
quis que Jonas fosse lançado ao mar, enviou um vento,
suscitando para isso um furacão (Jn 1.4, 6). Os que não
creem que Deus sustenta o leme do universo dirão que
isso se processou fora do curso natural das coisas. Daí,
porém, concluo que vento algum jamais surge ou se
desencadeia a não ser por determinação especial de
Deus.
João Calvino

Os capítulos 7 e 8 de Ester nos mostram claramente que


Deus está no comando da história e que nada se interpõe
ao rumo de seus desígnios. Sob a ótica humana, uma parte
dos eventos, se não todos, pode aparentar que Deus não se
envolve no trânsito da vida comum, mas o que entendemos
das Escrituras é que Deus cria e rege a criação, sem jamais
deixá-la por si mesma. Parte dos problemas dos judeus
daqueles dias começa a se resolver, uma vez que a
personagem principal que se levantava contra eles agora
está morta. Certo senso de sarcasmo se faz bem presente
quando o algoz, Hamã, é morto em lugar de Mardoqueu, e
da forma vexatória mais letal de seu planejamento. Isso
completa o sentimento de inversão demonstrado a partir do
momento em que Hamã se vê obrigado a desfilar em
honrarias a Mardoqueu sob ordem real. Mas a história não
acaba com a morte do anti-herói: ainda há muito por
acontecer, o que veremos mais adiante. Não devemos nos
esquecer do que aprendemos até aqui: temos de fazer o
que é certo, da forma certa e o mais rapidamente possível.
A prática da busca a Deus será nosso norteador: em jejum e
oração, devemos buscar a direção e o socorro de Deus. É
nessa busca que somos guiados pelo Senhor a tomar as
decisões certas e a perceber o tempo certo de fazer as
coisas. Passamos da sexta festa e agora chegamos à
penúltima festa do livro de Ester. Desta vez, os ares serão
diferentes: há alegria no ar, há vida preservada, há derrota
do inimigo. Deus dá a vitória, e a alegria se derrama sobre
seus filhos. E não esqueçamos que as aparências podem
enganar nossos olhos naturais: quando tudo parecia
perdido, a salvação veio, pois Deus estava ao lado de seus
filhos.

Uma festa de pura alegria em toda


parte (8.15-17)
Hamã estava morto. O ícone da malignidade contra o
povo de Deus estava morto da exata forma como havia
planejado matar o ícone da fidelidade, Mardoqueu. A lei que
mandava matar todos os judeus em toda a extensão do
Império Persa havia recebido outra lei para torná-la inócua,
faltando agora apenas aguardar o dia exato em que a nova
lei seria cumprida. E isso se daria, mais uma vez de forma
irônica, no mesmo dia da execução da primeira sentença. A
vingança, portanto, se daria no dia anteriormente
programado para a matança, o que a tornaria ainda mais
significativa e peculiar no contexto geral.
Em termos de literatura, vale ressaltar o fato,
anteriormente mencionado em parte, de que o texto no livro
de Ester traz pontadas de fina ironia, o que podemos
perceber claramente em alguns episódios marcantes:
O rei do maior império da face da terra em seus
dias, querendo demonstrar seu poder e autoridade,
se vê diante do desafio e da desobediência de sua
rainha e esposa, Vasti, e promulga um édito real
para todo homem tomar conta de sua casa;
Hamã quer destruir os judeus, mas destrói a si
mesmo e sua família;
Hamã manda fazer uma forca especial para
Mardoqueu, mas é ele quem é executado nela;
Hamã promulga uma lei pela qual os bens dos
judeus seriam pilhados, mas é seu patrimônio que
cai nas mãos dos judeus;
Hamã descreve a honra que achava que
receberia do rei, mas o rei manda que ele cumpra
tudo isso publicamente em relação a Mardoqueu;
O dia marcado para a morte dos judeus, o dia de
pur (sorte), torna-se o dia da morte de seus
inimigos.

Há muitos outros sinais de ironia e de várias outras


formas de expressão literária que reforçam a enorme
riqueza na escrita do texto de Ester. Os textos de Dillard e
Longman, e de Fee e Stuart, trazem uma rica e boa
explanação a esse respeito.[74] De certa forma, a própria
alegria que começa a ser descrita nesta parte da narrativa
contrasta, de forma peculiar, com o clima tenso que se
revelava até então.
A alegria era geral: assim que as coisas começam a se
definir, há uma explosão de alegria descrita no texto, por
três vezes mencionada somente no trecho de Ester 8.15-17:
“E a cidadela de Susã exultava de alegria”, “Para os judeus
foi uma ocasião de felicidade, alegria, júbilo e honra” e “em
cada província e em cada cidade, onde quer que chegasse o
decreto do rei, havia alegria e júbilo entre os judeus”.
Podemos entender uma alegria especial que se derramava
sobre judeus e não judeus, pois a primeira menção a esse
surto de alegria está sobre a cidadela de Susã, a cidade na
qual o soberano residia naquele tempo. Ora, uma sensação
boa parece ter tomado conta do coração do império por
uma razão que talvez eles não identificassem, que era a
ação direta de Deus em favor de seu povo. Ao que tudo
indica, a cidadela inteira explodia de alegria pela
conjugação de dois fatos: os judeus estavam salvos e
Mardoqueu era reconhecido publicamente, o que se
demonstra pelo trecho do versículo 15, que diz que ele “saiu
da presença do rei usando vestes reais em azul e branco,
uma grande coroa de ouro e um manto púrpura de linho
fino”. As vestes reais parecem refletir as cores do próprio rei
ou do império, o que vemos ao comparar esses dados com
os do início do livro,[75] talvez demonstrando sua aprovação
e sua proximidade com o rei, enquanto a coroa e o manto
claramente nos remetem a autoridade e poder, o que já
havia sido exposto, embora não em público como agora,
pelo fato de o anel-selo de Hamã ter sido dado a
Mardoqueu.[76]
Uma resultante inesperada nesse trecho é que a alegria
contagiante do povo de Deus por causa de seu livramento
se transforma em inexplicável alegria do povo comum, de
fora da aliança com Deus, e muitos dos habitantes de toda
a extensão do império se convertem a Deus, numa das
ações mais extensas de conversão a Deus registradas no
Antigo Testamento. O Império Persa, já o sabemos, era um
vastíssimo ajuntamento de povos dominados, os quais
viviam com certa liberdade, inclusive religiosa, no território
do império. Conforme as notícias chegavam aos rincões
mais distantes, a alegria dos judeus contagiava as demais
pessoas, e o texto nos diz claramente que “muitos que
pertenciam a outros povos do reino tornaram-se judeus,
porque o temor dos judeus tinha se apoderado deles”.[77]
Mas nós precisamos ver as possibilidades para a sentença
“tornaram-se judeus”.
Falsa conversão. A primeira possibilidade é de uma falsa
conversão, apenas estética e visível, com a finalidade de
aproveitar o barco da história. A popularidade de
Mardoqueu e a nova lei, que permitia que os judeus
matassem seus inimigos e se apropriassem de seus bens,
podem ter resultado em uma conversão “da boca para
fora”, em que pessoas comuns e não judias começavam a
se apresentar como convertidas ao judaísmo apenas por
razões temporais, e não espirituais. A opinião de
Schlesinger é nesse sentido. Rabino, ele não é da opinião de
que houve real conversão entre os gentios naquele período
e compara o fato ao período dos hasmoneus, em que os
moabitas foram mortos por não permitirem a circuncisão à
força, numa demonstração de submissão religiosa ao
judaísmo, embora isso não representasse submissão à fé do
judaísmo. Ele começa o texto dizendo que, “durante o
período bíblico, converter-se ao judaísmo significava unir-se
a um povo ou se tornar cidadão de um Estado. O aspecto
religioso vinha como uma consequência natural de
pertencer ao novo grupo” (Schlesinger, 2011, p. 71).[78] O
autor defende a ideia de que “havia vozes potentes em
favor da conversão, tais como o Livro de Rute” (Ibid., p. 72),
o que é demonstrado em especial no “Livro de Ester, em
cujo clímax muitos não judeus decidem se unir ao judaísmo”
(idem). Mais adiante, quando ele menciona o fato de a
narrativa de Ester ser pouca coisa anterior ao período dos
hasmoneus, ele completa dizendo claramente que, em sua
opinião,

as pessoas só professavam ser israelitas ou fingiam


se tornar judias para salvar suas próprias vidas. Embora
seja possível ver os primórdios da ideia de que alguém
poderia se unir ao povo de Israel por acreditar no Deus
de Israel, não é possível, contudo, falar sobre conversão
de fato (idem).
Como apoio bíblico a essa ideia, ele defende que seria
possível interpretar o Salmo 118.10 dessa forma. Nesse
mesmo trecho, na NVI, temos “todas as nações me
cercaram, mas em nome do Senhor as destruí”. A tradução
que Schlesinger propõe seria “todas as nações irão me
sitiar; em nome do Eterno, porém, amilám (os cortarei/os
forçarei a serem circuncidados)”. Isso realmente está de
acordo com a interpretação dada por Strong, o que torna
possível esse ponto de vista na história. Ainda segundo ele,
essa não era a prática corrente entre os judeus:

A palavra amilám, normalmente traduzida como “eu


os cortarei”, foi interpretada nesse caso como “eu os
forçarei a serem circuncidados”. O hasmoneu Alexander
Yanai (103–76 a.C.) massacrou os moabitas pela recusa
destes a se submeterem à conversão. As conversões
forçadas, muito atípicas na história judaica, foram
atacadas com severas críticas pelos escritos talmúdicos
(Schlesinger, 2011, p. 73).

Para um autor como ele, essa seria a explicação mais


plausível para o episódio, e a repulsa por parte dos escritos
talmúdicos encontraria eco no formato da fé dos judeus. Um
escravo poderia ser circuncidado contra sua vontade,[79]
mas não uma pessoa livre. Além disso, de acordo com o
Talmude, como mencionado por ele,

Todo aquele que se converter por uma mulher, por


amor ou por temor, não é um convertido. E assim
costumavam dizer Rabi Iehuda e Rabi Nechemia:
“Todos aqueles que se converteram nos tempos
de Mordechai e Ester não são convertidos,[80]
conforme está escrito: “E muitos dos povos da terra
tornaram-se judeus, porque o temor aos judeus caiu
sobre eles” (Et 8.17), e todo aquele que não se converte
em nome dos céus não é um convertido (Schlesinger,
2011, p. 84).

A conclusão a que chegamos é que essa primeira


possibilidade é real e nada improvável. É preciso ter em
mente que a posição judaica não é a mesma posição cristã,
que a análise de um rabino nada tem a ver com a posição
da igreja, mas é certo que essa mesma posição é defendida
por pessoas do meio cristão. Essa também parece ser a
posição de comentaristas cristãos conceituados, como
podemos ler em: “o povo de outras nações, prevendo que
seria vantajoso ser judeu, ‘judaizava-se’, uma completa
reviravolta de atitude por parte do público quase de um dia
para o outro, e um sinal encorajador para o futuro dos
judeus” (Carson et al., 2009, p. 685). O mesmo
pensamento, denominado “dissimulação” motivada por
medo de morte e violência por parte dos judeus, é apoiado
por Schultz quando afirma que “não poucos apelaram para
as formalidades externas da religião judaica, a fim de evitar
a violência” (Schultz, 1990, p. 251).
Quando olhamos para a igreja contemporânea, vemos
boa parte dessa possibilidade voltando à cena. Nas
sociedades em que há um cristianismo emergente em
volume e características peculiares, mas geralmente
desprovido de real compromisso com Deus, é comum haver
conversões apenas estéticas, por razões particulares,
apenas para que tais pessoas obtenham algum tipo de
benefício ao serem tidas como cristãs naquele momento.
Artistas, cantores, políticos, autores, presidiários,
empresários e toda a sorte de gente aparecem, de uma
hora para outra, com a alcunha de cristãos, falando e dando
palavra de confirmação a esse respeito. Não que Deus não
tenha poder para salvar essas pessoas, mas a
generalização, aliada a um testemunho público de
desequilíbrio contextual, mostra que talvez elas não tenham
realmente se encontrado com o Deus salvador. Afinal, os
frutos depõem a respeito da árvore! Alertando a respeito
dos falsos profetas, Jesus nos dá essa correlação como
parâmetro identificador.[81]

Conversão real. A segunda possibilidade é a conversão


real, motivada por um despertamento surgido no coração
daqueles que descobrem a presença de Deus a partir do
testemunho visível do seu poder agindo em seu povo e
através dele. A história da igreja de Cristo, em especial nos
momentos registrados de avivamento real, tem-nos
mostrado que há tempos em que a exposição visível do
poder de Deus através da igreja faz com que algumas
pessoas sejam estremecidas pelos seus atos soberanos,
tornando-se essas oportunidades casos particulares de
muitas conversões. Essa posição parece ser compartilhada
por outros pensadores cristãos, como na sentença que
chama a atenção do leitor para o fato de o decreto ser
“’enviado a todas as províncias, em suas respectivas
línguas, e que o resultado final é a conversão de muitos
gentios’, continuando a cumprir a aliança abraâmica (Gn
12.3)” (Fee e Stuart, 2013, pp. 138-39). Da mesma forma,
parece posicionar-se o texto que lembra os feitos anteriores
à conversão citada no versículo 17, com a aparição pública
de Mardoqueu em trajes reais e ostentando visivelmente ser
apoiado pelo próprio rei, com todos os indícios de que a
realidade estava tomando outros rumos, dizendo-nos
claramente que “um desenrolar tão providencial dos
eventos em favor dos judeus convenceu a muitos do poder
de seu Deus, e fez com que eles se tornassem prosélitos”
(Guthrie e Motyer, 1989, p. 419). A conversão é possível
nesse trecho de Ester.
Grudem (2001) fala de conversão e arrependimento,
deixando claro o que a quase totalidade dos cristãos pensa
a esse respeito, ou seja, que arrependimento e fé andam
juntos em direção à conversão do impenitente, tornando-o
convertido ao senhorio de Deus. Ele estabelece que
somente o arrependimento genuíno pode gerar a
transformação pessoal a tal ponto que a pessoa esteja
totalmente arrependida, o que ele classifica como a forma
de internalizar a compreensão de que o pecado não condiz
com a perspectiva de Deus; o arrependido também é
alguém que se afeiçoa aos ensinamentos das Escrituras a
respeito do pecado, passando a nutrir ódio pelo pecado e
tristeza quando o comete; finalmente, o verdadeiro
arrependido, ou convertido, resolve abandonar o pecado,
sabendo que essa direção o faz caminhar necessariamente
em direção a Cristo, a quem passará a obedecer (Grudem,
2001, p. 340). No entanto, é preciso ficar claramente
estabelecido que isso não representa mera desistência de
atos nefastos, ou mesmo remorso — ações humanas que
não conduzem a arrependimento genuíno. A partir desse
pressuposto, e quando nos remetemos ao Novo Testamento,
vemos que a possibilidade de que os gentios do Império
Persa se tenham convertido de fato é que a demonstração
prática de conversão tenha sido antecedida do verdadeiro
arrependimento da condição de pecado e afastamento de
Deus, o que, por si só, gera ânsia de mudança. A verdadeira
fé encontra aí terreno fértil para a ação do Espírito de Deus,
o qual processa a salvação que reside somente na pessoa
de Deus, o doador da vida.

Virada de mesa: a caça vira caçador


(9.1-10)
Esse trecho do livro de Ester se destina a mostrar que
aquilo que se levanta contra Deus e seu povo prevalece
apenas durante o tempo em que Deus permite. Os inimigos
do povo de Deus queriam vê-lo destruído e totalmente
aniquilado da face da terra, sem dispor de quaisquer meios
para sobreviver ao ímpeto fatal, com dia e hora marcados
para o genocídio. Em verdade, após toda a inversão dos
fatos, os sátrapas, governadores e demais líderes das
províncias, bem como todo o povo comum, estavam com
receio de que coisa pior acontecesse. Com isso, começaram
a facilitar o avanço dos judeus em direção ao alvo de defesa
e vingança.
Mardoqueu cresceu no cenário político e se mostrou, ao
mesmo tempo, equilibrado e forte, enquanto os objetivos
eram paulatinamente alcançados. O texto nos diz
claramente que ele “era influente no palácio; sua fama
espalhou-se pelas províncias, e ele se tornava cada vez
mais poderoso”.[82] Assim, província após província, os
planos de Deus eram estabelecidos sob a ilustração do
livramento do povo de Israel, enquanto a palavra de Deus a
respeito do julgamento dos amalequitas era executada.
Dessa vez a representação daquele povo recaía sobre Hamã
e todos os descendentes daquela etnia hostil, a qual jazia
sob a palavra de juízo de Deus. Pessoalmente, no que diz
respeito a Hamã, o golpe final e fatal sobre sua
descendência mostra-se no fato de os judeus terem matado
“os dez filhos de Hamã, filho de Hamedata, o inimigo dos
judeus”.[83] No entanto, em meio a tudo isso, a toda a
conturbação que se fazia presente no império, às portas da
vingança final dos judeus, uma sentença chama nossa
atenção, e isso vai se prolongar no trecho seguinte: “mas
não se apossaram dos seus bens”.[84]

Completa-se a vingança: a guerra é


santa! (9.11-15)
O dia da vingança continuava. Após ouvir aquilo que fora
feito no dia em que os judeus mataram seus agressores, o
rei disse à rainha Ester que ela poderia lhe pedir ainda mais
coisas, tendo sido prontamente atendido. Seu pedido foi no
sentido de ampliar as ações dos judeus por mais um dia, a
fim de finalizar sua demanda contra os inimigos de seu
povo. No dia seguinte, os filhos de Hamã, mortos na
véspera, foram pendurados na forca, e mais inimigos foram
mortos, completando a vingança até seu número final.
Podemos dizer que a guerra era santa! Hamã podia não
saber disso, e muito provavelmente nem mesmo Mardoqueu
ou Ester o sabiam. Mas todos eles estavam sob a regência
de Deus, com vistas ao cumprimento de seus planos
eternos e perfeitos. O trecho começa e termina com a
mesma sentença, escrita da mesma forma, como se fossem
parênteses, ao final dos versículos 10 e 15: “mas não se
apossaram dos seus bens”. Mas por qual razão essa ênfase
teria sido dada em tão pouco espaço de tempo literário?
Precisamos aprender um pouco mais sobre um conceito
bastante peculiar dentro do espectro da guerra santa: o
interdito divino.
As guerras santas eram mais comuns na antiguidade do
que podemos imaginar, e isso se aplicava também a Israel.
Um dos bons exemplos disso pode ser visto na narrativa de
Josué, ao entrar militarmente em Canaã. Quando a primeira
grande batalha é nominada como tendo sido dedicada ao
interdito, surge para nós algo totalmente inusitado e
algumas vezes nem mesmo sabido, mas que está presente
no texto. Os povos da antiguidade tinham como algo natural
dedicar às suas divindades os resultados das primeiras
batalhas ou, em alguns casos, das batalhas mais
importantes. Os bens obtidos como despojos de guerra,
exclusivamente nesses casos, não ficavam com os
guerreadores, sendo integralmente conectados aos seus
deuses, depositados nos templos e locais sagrados,
conforme a orientação das classes sacerdotais. No caso de
Israel, isso também era visto, por ordem de Deus, e tudo
que estivesse contido no território a ser derrotado (bens,
pessoas, animais etc.) deveria ser obrigatoriamente
entregue a Deus, uma espécie de primícias das terras e dos
bens obtidos a partir do favor de Deus. O não cumprimento
disso comprometia a relação de culto e fidelidade entre toda
a nação e o Deus de Israel, o que nos explica melhor o
episódio de Saul, que, ao poupar a vida de Agague e dos
melhores exemplares do gado, enfurece a Deus.[85] Da
mesma forma, no livro de Josué, Acã, ao esconder pertences
encontrados na invasão a Jericó, provoca a ira de Deus, e
esta se volta sobre toda a nação de Israel.[86] No fundo,
tanto Saul como Acã apropriaram-se de bens que não
pertenciam a eles, mas, sim, a Deus, e que, por sua própria
orientação, deveriam ser integralmente destinados aos
locais de culto, para uso exclusivo, ou como vidas dedicadas
a ele. Trocando em palavras mais contemporâneas, o ensino
se aplica, por exemplo, à infidelidade que pode haver entre
alguns de nós no tocante aos bens materiais ou financeiros
que Deus requer para sua obra, como, por exemplo, dízimos
e ofertas, além da própria vida, sem entrarmos aqui nas
possibilidades de interpretação sobre como poderiam ou
deveriam ser processados.
Richard Hess diz que “Josué 2.10, com suas referências
a como Israel destruiu completamente Siom e Ogue,
introduz o verbo ‘dedicar ao interdito’ (heb. ḥrm) ao
vocabulário de Josué” (Hess, 2010, p. 41), e a surpresa de
Hess se dá pelo fato de que o mesmo verbo não foi utilizado
no relato paralelo do mesmo evento em Números 21.21-35,
embora, completa ele na mesma página de sua obra, “a
conduta na guerra seja semelhante ao ‘interdito’”. Segundo
ele, esse mesmo verbo volta à tona conforme a exigência
de Deus se faz presente ao longo das narrativas, no sentido
de que ele próprio requer para si os bens e as pessoas que
advêm das conquistas assinaladas. Israel não praticava o
interdito por causa da guerra santa, mas, por motivos
divinos, trazia para as motivações da guerra santa o
interdito. Assim, quando Israel praticava o interdito divino,
destinava ao Deus verdadeiro aqueles bens, pessoas e
animais, tornando-os integralmente dedicados a ele.
A diferença entre Israel e os demais povos começa a ser
notada em sua forma prática, pois, se Israel, por um lado,
dispunha de práticas semelhantes por razões meramente
histórico-culturais, por outro lado, guardava distanciamento
em seus motivos e nos fins a serem alcançados. O livro de
Deuteronômio relata várias vezes que as nações de Canaã
deveriam ser totalmente varridas, e a questão do interdito é
mencionada diversas vezes, à guisa de instrução, para o
que deveria ser feito quando Israel chegasse à Terra
Prometida. Parece que Israel era a única nação da
antiguidade que poderia poupar vidas durante a invasão do
interdito: em primeiro lugar, seria poupado qualquer povo a
ser combatido que oferecesse paz a Israel[87] ou a
aceitasse, mesmo que se tornasse servo de Israel; em
segundo lugar, o mesmo se aplicaria a qualquer pessoa que
se voltasse para o Deus de Israel e a ele se convertesse,
conforme ocorreu, por exemplo, com Raabe. Sobre esse
último caso, Hess ainda nos alerta que a falta de
demonstração de juramentos quanto à vida de Raabe e de
seus familiares “indica que a misericórdia para aqueles que
se unissem a Israel era considerada apropriada à aliança
com Deus” (Hess, 2010, p. 43), ao mesmo tempo que
lembra que, enquanto Josué ordena que Raabe fosse
realmente poupada, “ordena que o restante de Jericó seja
dedicado ao interdito” (idem). Dessa forma, Israel
reconhecia que as guerras eram do Senhor, e que ele
entregava os inimigos em suas mãos, razão mais que
suficiente para creditar a Deus as honras e os bens obtidos
nas batalhas. As primeiras honras, advindas das primeiras
batalhas, sob a formatação de primazia dos bens,
funcionava como dedicação de exclusividade ao Senhor,
identificando todas as demais batalhas como também do
Senhor, embora ele permitisse que, nelas, o povo tivesse
benefícios próprios.

Aprendemos:
Nos capítulos 8 e 9 de Ester, Deus nos ensina mais
algumas preciosas lições para nossa vida. A sétima festa
ocorre, e o que vemos é uma tremenda reviravolta, com as
circunstâncias mudando radicalmente de direção:

Mesmo quando tudo parecer perdido, com Deus


ao seu lado, descanse: ele próprio dará conta de
resolver tudo e colocar você num caminho de
segurança;
A providência divina dará conta de todas as
maiores agruras desta vida, bastando a consonância
da vontade soberana de Deus;
A providência de Deus dará conta, acima de
tudo, de levar você ao seu lado por toda a
eternidade;
Há paz entre Deus e você! O juiz está satisfeito!
Você faz parte da família de Deus, de quem recebe
o nome![88]
CELEBRANDO A VIDA
Porventura nada acontece por acaso? Nada ocorre
contingentemente? Respondo com o que foi dito por
Basílio, o Grande, com muita verdade, que sorte e acaso
são termos dos pagãos de cujo significado não devem
ocupar-se as mentes dos piedosos. Afinal de contas, se
todo bom êxito é bênção de Deus, toda calamidade e
adversidade são sua maldição, já não se deixa nenhum
lugar à sorte ou ao acaso nas coisas humanas.
João Calvino

No capítulo que lemos há pouco, ocorre a penúltima festa


do livro. Tudo está ao contrário do que parecia, e as coisas
tomam rumos totalmente diferentes, permitindo-nos ver
onde as coisas chegam quando Deus promove a mudança
de tudo. Antes, toda a situação parecia tenebrosa e com
ares de morte. De repente (será mesmo?), tudo muda e a
morte parece tornar-se vida.
A salvação aparece no texto como algo concreto da
parte de Deus, que estava apenas pouco visível
anteriormente aos seus filhos, os quais pareciam beirar a
trilha da morte. Deus, um juiz absolutamente justo,
demonstra, mais uma vez, que há paz entre ele e seus
filhos, pois todas as pendências deles já foram resolvidas no
seu tribunal.
Nossa família é mesmo a família de Deus, a tal ponto
que ele dá seu nome aos que lhe pertencem, não apenas
para os alegrar, como também para afirmar legalmente que
eles foram adotados como parte de sua família. Felizes,
somos seus filhos, todos membros de uma só família, um só
corpo e um só Espírito.
A oitava festa de Ester: a primeira Festa
do Purim (9.16-22)
A oitava festa descrita no livro de Ester acontece depois
de todas as lutas e provações, com ameaças e vitórias, e a
inconteste ação de Deus em favor de seus filhos, além de
uma franca e perceptível ação dele no sentido de fazer valer
sua antiga sentença a respeito dos amalequitas e de toda a
sua descendência. Essa festa, que foi também a última do
livro, é a primeira das festas do Purim, sendo celebrada, até
os dias atuais, anualmente entre os judeus.
Os erros do passado haviam deixado um rastro de
destruição e ameaças de aniquilação, em especial os erros
cometidos no episódio em que o rei Saul poupa a vida de
Agague, rei dos amalequitas à época, conforme lemos no
relato do profeta Samuel.[89] A desobediência foi atroz para
Saul, que teve a interrupção de sua dinastia, e para todo o
povo de Israel, que sofreu inúmeras ameaças ao longo de
sua história, sendo a descrita em Ester uma das mais
intensas. O que vemos é que, nessa ocasião, os judeus não
fizeram como Saul e seus soldados, mas resolveram atentar
à palavra do Senhor e destruir por completo aqueles que
ameaçavam sua posteridade, uma vez que o “descanso de
Israel em relação a seus inimigos está ligado à destruição
dos amalequitas (Dt 25.19). Com essa tarefa concluída, os
judeus desfrutam o ‘sossego dos seus inimigos’ (9.22)”
(Dillard e Longman III, 2006, p. 188).
A Festa do Purim é a celebração em que os judeus
perpetuam sua esperança de que Deus os livrará sempre,
enquanto vemos que eles, mesmo em estado de servidão,
“não precisavam ser servis”, mesmo que estivessem “num
mundo dominado por gentios, sendo possível viver vidas
prósperas permanecendo fiéis ao judaísmo” (idem). Dessa
forma, o texto de Ester é de suma importância, tanto para
os judeus daqueles dias como para os cristãos de todos os
tempos, pois uma leitura com aplicação, mesmo que um
tanto metafórica em sua tipologia, dá-nos a clara intenção
de condução de vida e caráter como servos de Deus em
sobrepujança à servidão humana e espiritual quando em
oposição a Deus.
Para os cristãos, os eventos daquela história não se
aplicam apenas a perceber que Deus interveio na história
em favor de seu povo, mas que ele manteve vivas as
condições de que tudo seria cumprido segundo seu
propósito e seu santo desejo. Muitos séculos e muita terra
separavam o cumprimento de algo que, para nós e para
toda a raça humana, seria fundamental: da raiz da mulher
(raça) e a partir de Israel (povo eleito como nação da
semente de Abraão), viria o Salvador para todo aquele que
nele cresse. Os planos de Deus são superiores e
infinitamente mais poderosos que quaisquer formas de
oposição e ataques. Ao longo da narrativa de nossa espécie,
temos um sem-fim de tentativas de aniquilação da
genealogia que nos traria o Messias, o que jamais foi
permitido por Deus. Novamente, a providência divina se
mostrou totalmente atuante, a fim de preservar os filhos do
Senhor e de fazer cumprir suas santas e eternas decisões.
Assim, a última festa de um período de trevas e sustos
passa a ser a primeira festa de um período de livramento e
esperança: é Deus, por sua soberania e providência,
tornando novas todas as coisas e fazendo da maldição uma
bênção!

Amaleque some, e a Festa do Purim


aparece, até hoje (9.23-32)
Desde o início, a Festa do Purim tem sido uma das mais
populares celebrações entre os judeus. A festa em si
começou como uma grande ameaça dos gentios,
especialmente dos gentios inimigos, ao povo judeu.
Interessante notar que, vários séculos depois, um judeu,
morto pelos próprios judeus, veio a pôr um fim à separação
entre judeus e gentios, alargando o conceito de aliança e
permitindo que todos passássemos a fazer parte do mesmo
povo, agora sem distinção de raça ou origem, bastando que
se busque sinceramente pelo Deus Todo-poderoso, como
Paulo fez questão de abordar, dizendo: “Deus é Deus
apenas dos judeus? Ele não é também o Deus dos gentios?
Sim, dos gentios também”,[90] e “não há diferença entre
judeus e gentios, pois o mesmo Senhor é Senhor de todos e
abençoa ricamente todos os que o invocam”.[91] Ele
completa isso de forma intensa e ampliada, lembrando que,
em Cristo, “não há judeu nem grego, escravo nem livre,
homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus”.[92]
Assim, Deus agiu invertendo tudo que o inimigo havia
planejado: há um claro paralelo de inversões estabelecido
entre Ester 3.13 e Ester 8.11 e parte do versículo 12:

Ester 3.13 Ester 8.11-12


As cartas foram O decreto do rei
enviadas por concedia aos judeus
mensageiros a todas as de cada cidade o
províncias do império direito de se reunir e
com a ordem de de se proteger, de
exterminar e aniquilar destruir, matar e
completamente todos aniquilar qualquer
os judeus, jovens e força armada de
idosos, mulheres e qualquer povo ou
crianças, num único província que os
dia, o décimo terceiro ameaçasse, a eles,
dia do décimo segundo suas mulheres e seus
mês, o mês de adar, e filhos, e de saquear
de saquear os seus os bens de seus
bens. inimigos.
Quem todas as províncias todos os judeus de
recebeu a do império, ou seja, cada cidade
todos os não judeus
lei
promulgada
qualquer força
Quem seria armada de qualquer
todos os judeus, jovens
morto povo ou província que
e idosos, mulheres e
durante a os ameaçasse, ou
crianças
ação seja, todos os
inimigos dos judeus
O que seria os bens de todos os os bens dos inimigos
dos bens judeus seriam dos judeus seriam
dos mortos saqueados saqueados
Qual foi o décimo terceiro
décimo terceiro dia
dia dia do décimo
do décimo segundo
marcado segundo mês, o mês
mês, o mês de adar
para isso de adar
[ano 473 a.C.][93]
acontecer [ano 473 a.C.][94]
exterminar e proteger-se,
Qual a
aniquilar destruir, matar e
finalidade
completamente todos aniquilar os inimigos
dessa lei
os judeus dos judeus

Exatamente por causa desses episódios é que podemos


concordar com a fala de que a “tranquilidade foi restaurada
sem tardança [...] e os judeus instituíram uma celebração
anual em comemoração ao seu livramento. Purim foi o
nome dado a esse feriado, porque Hamã havia determinado
tal data mediante o lançamento de sortes, ou Pur” (Schultz,
1990, p. 251). Em todos os episódios que cercam o
momento em que Deus permite a defesa e a subsequente
vingança dos judeus, o que estava de fato ocorrendo no
plano divino era o cumprimento da palavra de Deus a
respeito dos amalequitas. Toda a descendência desse povo
foi aniquilada por causa dos atos soberanos de Deus, cujo
limite para suportar os pecados se esgotara quanto a esse
povo. Deus age dessa forma nas Escrituras com relação a
Sodoma, Gomorra, os povos que habitavam Canaã etc. O
pecado aborrece Deus de tal maneira que sua ira, que é
justa, se volta para destruir esses povos. O capítulo 1 de
Romanos nos dá uma percepção de como Deus enxerga
nossa sociedade, já que os tempos de Paulo são muito mais
próximos de nossa realidade que os tempos da antiguidade
mais remota. O furor de Deus se lança contra a impiedade e
a pecaminosidade, contra o desafio que o homem lança
diante da face do Deus Todo-poderoso, como se ele fosse
um semelhante seu. Apenas Jesus Cristo pode poupar-nos
de tal ira, uma vez que ele foi até a cruz do Calvário para
receber sobre si a paga que era devida a cada um de nós,
pecadores. Na impossibilidade de pagarmos as dívidas do
pecado, Jesus assumiu nosso lugar, recebendo sobre si o
peso da ira do Pai.

Sofreu o mal, mas promoveu o bem


(10.1-3)
Ao final de sua vida, Mardoqueu, que, inicialmente, fora
alvo da ira de Hamã, tornou-se a pessoa de quem se fala ser
importante e amada pelos judeus, pois continuou a ser o elo
e a referência para o povo de Deus. É comum vermos as
pessoas que ascendem ao poder sendo caracterizadas por
corrupção e uso indevido de poder e autoridade, mas o caso
de Mardoqueu mostra que é possível estar numa elevada
posição política e ser um incansável promotor do bem
comum, aliviando a carga dos menos favorecidos e
salvaguardando os que estão em perigo iminente, como
deve ser a posição daqueles a quem Deus permite o acesso
a algum nível de poder temporal.
Quanto aos registros arqueológicos, ou de escritos
persas, não há conhecimento de menções diretas a
Mardoqueu, mas há lacunas indicando que outras pessoas
estiveram na posição de Mardoqueu mais para o final do
tempo de Xerxes I. Há menção a um certo Mardukaya;
também sabemos que havia uma divindade persa de nome
Marduque, ou Merodaque, como aparece transcrito na
Bíblia. Essa divindade era bastante popular, sendo
considerada o deus supremo entre todas as divindades, e
alguns reis da Babilônia são mencionados na Bíblia com
parte de seus nomes em homenagem ao deus, como Evil-
Merodaque[95] e Merodaque-Baladã. [96] Pode ser que
Mardoqueu tenha recebido esse nome em homenagem à
divindade pagã, como ocorrera com Daniel e seus amigos,
mas o fato é que, a exemplo daqueles, Mardoqueu se
manteve fiel ao seu Deus, e desempenhou até o fim sua
missão.
O livro de Ester se encerra com uma declaração
inspirada de Deus a respeito de sua intervenção na história
do homem. As nações e seus interesses, a humanidade e
sua trajetória: tudo está sob a ação direta de Deus.
Podemos ter a impressão de que o mundo está sob controle
do que é maligno e contrário a Deus, mas o que temos das
Escrituras é o oposto, uma vez que Deus é totalmente
soberano, e nada na criação consegue fugir de sua ação
direta. Os filhos de Deus são por ele conduzidos até o final
de sua jornada: alguns com maior, outros com menor grau
de dificuldade e luta, mas todos são conduzidos na história
e através dela até o destino final dos que são filhos de
Deus.
Precisamos absorver as lições do livro de Ester e confiar
mais em Deus, em sua soberania e em sua providência.
Deus intervém na história, levanta pessoas e move
corações a fim de ver seus eternos desígnios satisfeitos,
para que haja perpétuo testemunho de seu nome e eterna
glória ao seu ser. Mardoqueu, antes condenado à morte,
termina a narrativa como o segundo homem no poder da
Pérsia; os judeus, fadados ao extermínio, têm a vingança
dos opressores; Ester, antes uma escrava, torna-se rainha e
interfere no destino de seu povo. Não podemos desistir
daquilo que Deus nos propõe que realizemos em favor dele
e de sua causa, por mais que soframos perigos e lutas
intensas, por mais que os momentos sejam intensos e que
nos remetam quase à morte. Deus sempre será conosco!

Aprendemos:
Nos capítulos finais de Ester, Deus nos apresenta mais
alguns ensinamentos para nossa vida. A oitava e última
festa ocorre, e as lições finais do livro saltam das páginas
sagradas ao nosso coração:

A última festa não é uma festa política como as


primeiras, nem uma festa em que tramavam a
morte de inocentes. Foi uma festa de alegria e júbilo
pela salvação do Senhor: a primeira festa do Purim
marca a vitória de Deus e nunca mais deixou de ser
celebrada entre os judeus;
Deus transforma mal em bem. A providência
divina não nos deixa ao longo da caminhada, mas
nos assegura uma poderosa perpetuação dos
desígnios de Deus. Mesmo quando tramarem o mal
contra nós, o bem sempre triunfará;
Deus não nos deixa pelo caminho; ele nos
conduz com mão forte e poderosa até que seja
satisfeito com o número de seus eleitos;
Ele haverá de nos conduzir nesta terra, e
também nos conduzirá até ele, na eternidade;
Estamos em trânsito, estamos indo para o lar
eterno. Estamos sendo guiados pelo Bom Pastor,
que jamais nos deixa e cujo desejo é nos ter com
ele pelos séculos dos séculos!
PARTE 2 UM DEUS QUE SOCORRE
SEU POVO
A GRANDE MENSAGEM: A
PROVIDÊNCIA DO DEUS SOBERANO
Soberania e providência. Duas doutrinas sobre as quais
precisamos nos debruçar a fim de acalmar nossa alma e
sossegar nossa ansiedade enquanto peregrinamos.
Ninguém pode impor qualquer coisa a Deus. Deus é
totalmente soberano em seus atos e decretos, e a História é
palco de suas ações de acordo com sua vontade, que é
“santa, boa, agradável e perfeita”.[97] Nada acontece fora
de seus desígnios e nem uma só ação ou circunstância
ocorre fora de sua aprovação. Ao homem natural, isso soa
como repugnância, pois seu desejo natural seria
simplesmente o de gerir seu próprio destino, o que se
mostra impossível de acordo com a doutrina da soberania
de Deus.
A soberania de Deus tem sido uma das marcas mais
significativas e distintivas do pensamento cristão,
particularmente o reformado. Soberania nos remete a
governo; então, a soberania de Deus nos leva a pensar que
Deus governa, que ele detém todo o poder e que ele é o
único soberano possível na regência de todo o universo, de
todas as coisas criadas, as quais, a propósito, foram criadas
por ele próprio. Sua soberania também nos leva a pensar
em sustentação e preservação de tudo aquilo que é dele,
sua criação, mesmo que tenha sido intensamente
manchada pelo ato de rebeldia e pecado contra ele.
O poder de Deus é absoluto, total e inconteste. Assim,
nada o colhe de surpresa; ele jamais será frustrado, nem
mesmo ficará sem saber o que fazer em face de qualquer
situação. As circunstâncias e adversidades decorrem do
pecado e do levante dos seres criados diante de sua
presença. Devemos lembrar que Deus é absolutamente
soberano na criação, na providência e na salvação, e que
isso é pressuposto básico e inegociável à crença cristã
baseada na revelação do próprio Deus. O domínio de Deus é
total, a ponto de ele determinar não só o que escolhe, mas
também como escolhe, tornando real tudo que determina,
pois nada pode frustrar seus desígnios. Ele exerce seu poder
e autoridade tanto nos eventos habituais e comuns da vida
como nas mais elevadas e transcendentes manifestações
de seu poder, interferindo diretamente na natureza e na
História. E Deus gere soberanamente todas as coisas de
forma deliberada e planejada, com fins determinados.
Mesmo assim, também por sua soberana decisão, as
criaturas humanas de Deus têm a garantia do exercício de
sua livre agência, que é o meio pelo qual tomamos nossas
decisões de cunho pessoal e nos manifestamos quanto ao
que pretendemos e planejamos fazer. Podemos concordar
integralmente com o fato de que, como seres morais diante
do criador, somente somos responsáveis diante de nosso
Deus se exercermos adequadamente essa habilidade
distintiva que nos foi legada pelo próprio Deus, por meio da
qual podemos elencar e delimitar os propósitos do coração
humano, que, sendo naturalmente maus, podem ser
transformados por outro gesto soberano de Deus, que é a
eleição de seus filhos, os quais um dia, em sua história
pessoal, haverão de reconhecer o chamado do bom Pastor.
Mas, nas palavras de Packer, enquanto tratava da livre
agência em pontos nos quais seu vislumbre ainda não passa
de mistério, “o controle de Deus sobre nossas atividades
livres e autodeterminadas é tão completo quanto o é sobre
qualquer outra coisa, e como isso pode ser assim é algo que
escapa ao nosso conhecimento”. E completa dizendo que,
costumeiramente, “Deus exerce sua soberania, permitindo
que as coisas tomem seu curso natural, em lugar de intervir
miraculosamente, causando um tipo de ruptura” (PACKER,
2004, p. 39).
Da mesma sorte que Deus é totalmente soberano, seus
atos demonstram, durante todo o tempo, sua providência.
Se ele cria e governa por sua soberania, preserva todas as
coisas por sua providência. Assim, da mesma forma que
criou todas as coisas, ele “(a) mantém todas as criaturas
como seres; (b) envolve-se em todos os eventos; e (c) dirige
todas as coisas a seu fim determinado” (PACKER, 2004, p.
55). É pela providência de Deus que todas as coisas se
mantêm e que nada sucumbe sequer diante da assolação
do pecado, aguardando pacientemente o dia do Senhor,
consoante seu eterno desígnio. A mão do Senhor jamais
está encolhida, para que estejamos entregues a nosso parco
destino, mas o testificar de sua soberania é tremendamente
abrangente, sendo que a Palavra de Deus não nos permite
pensar em limitações e derivações menores de sua
providência.
Por causa daquilo em que cremos, não nos é possível
aceitar um mundo governado por meios casuais, ou que o
destino, como se fosse uma entidade viva, possa regê-lo.
Louis Berkhof demonstra, em sua Teologia sistemática, que
a Bíblia ensina claramente o governo (que tem a ver com
soberania) providencial de Deus
(1) sobre o universo em geral, (2) sobre o mundo
físico, (3) sobre a criação inferior, (4) sobre os negócios
das nações, (5) sobre o nascimento do homem e sua
sorte na vida, (6) sobre as vitórias e os fracassos que
sobrevêm às vidas dos homens, (7) sobre coisas
aparentemente acidentais ou insignificantes, (8) na
proteção dos justos, (9) no suprimento das
necessidades do povo de Deus, (10) nas respostas à
oração e (11) no de mascaramento e castigo dos ímpios
(BERKHOF, 1990) .

De forma intensa, somos levados pelas Escrituras a crer


que as ordens naturais, humanas e até mesmo espirituais
podem concorrer de forma favorável ou contrária em
relação a qualquer ser ou obra, mas o que prevalece ao final
é a ação de Deus. Assim, se alguém “pratica uma ação, ou
um evento é desencadeado por causas naturais, ou Satanás
se manifesta — entretanto, Deus prevalece” (PACKER, 2004,
p. 56). Em paralelo a isso, cabe aos filhos de Deus saber
com plena convicção de fé que nenhum dos regenerados
está sob as intempéries da vida ou das circunstâncias que
se abatem sobre nós, ou da própria sorte, ou mesmo de
influências espirituais malignas, mas que estamos
totalmente debaixo do domínio e da bondade do Deus
soberano e providente, cuidador de seus filhos em todos os
aspectos.
João Calvino dedicou parte de sua magistral obra,
Institutas, ao assunto da providência divina. Sua perspectiva
é de plena soberania e total providência de Deus em todos
os aspectos humanos, a tal ponto que ele nos diz:

Se alguém cai nas garras de assaltantes, ou de


animais ferozes; se do vento a surgir de repente sofre
naufrágio no mar; se é soterrado pela queda da casa ou
de uma árvore; se outro, vagando por lugares desertos,
encontra provisão para sua fome; arrastado pelas
ondas, chega ao porto; escapa milagrosamente à morte
pela distância de apenas um dedo; todas essas
ocorrências, tanto prósperas quanto adversas, a razão
carnal as atribui à sorte. Contudo, todo aquele que foi
ensinado pelos lábios de Cristo de que todos os cabelos
da cabeça lhe estão contados (Mt 10.30) buscará causa
mais remota e terá por certo que todo e qualquer
evento é governado pelo conselho secreto de Deus
(CALVINO, 1984, p. 199)

Nada foge ao controle de Deus: nem o que é ruim e


pesaroso, nem o que é bom e prazeroso. Esse tipo de
interpretação dos fatos da vida, que os suprime dos eventos
fortuitos e casuais, lança sobre Deus todos os fatos e todas
as concorrências possíveis da vida. Ao mesmo tempo,
Calvino suprime a possibilidade de uma postura tal em que
a sorte seria a regente de todas as coisas. O reformador
reforça o governo e a vontade de Deus, e faz ressalva a
pessoas de todos os tempos que tentam subtrair de Deus a
capacidade volitiva nas ações de sua providência, deixando
claro que ele crê que Deus tanto ordena como promove a
realização de tudo, em oposição ao que ele fala de pessoas
que “querem que o universo, as coisas humanas e os
próprios homens sejam governados pelo poder de Deus,
porém não por sua determinação”, bem como insiste em
que sequer deve continuar falando daqueles “que
imaginaram Deus, outrora, governando a região
intermediária do ar, deixando as partes inferiores entregues
à sua sorte” (CALVINO, 1984, p. 203). A explícita posição
bíblica de Calvino é bem notada no comentário de Ferreira e
Myatt, que afirmam que ele “ofereceu um entendimento
radicalmente bíblico e pastoral da doutrina da providência”
(FERREIRA & MYATT, 2007, p. 303), o que torna ainda mais
clara a percepção de que o reformador estava, de fato,
postulando algo que jamais deveria ter sido sequer
questionado nos círculos cristãos em quaisquer tempos e
formas particulares de pensamento.
Ferreira e Myatt identificam cinco importantes áreas em
que Calvino trafegou em sua defesa da soberania de Deus e
de sua clara providência. Esses temas não serão tratados
aqui, mas são bastante relevantes para uma compreensão
mais acurada do tema.[98] São elas:

A crítica que Calvino faz ao fatalismo e ao


deísmo;
A ideia combatida por Calvino, de que Deus
pudesse ter sido o criador, mas não o sustentador
da criação, deixando-a seguir por si mesma;
A responsabilidade humana enquanto Deus se
mantém providente, e o uso divino das causas
secundárias;
A vontade revelada de Deus e a defesa de
Calvino de que Deus, a despeito das ideias em
contrário, não é o criador do mal;
A demonstração de Calvino a respeito do cuidado
particular de Deus para com tudo que ele criou.

Neste ponto concentra-se a mensagem no livro de


Ester: se, por um lado, o nome de Deus não é mencionado
em suas páginas, por outro lado sua soberania é
demonstrada e sua providência é testemunhada com primor
tanto no aspecto literário como no aspecto conceitual por
trás das letras da composição escrita. A impossibilidade de
que o acaso tenha sido o regente dos episódios narrados é a
garantia de que a fé inabalável em Deus e em seus
predicados eternos é de fato centrada nas Escrituras e que
nelas o Senhor Deus se revelou, bem como revelou seu
caráter e seu modus operandi. Apenas aquilo que ele não
nos quis demonstrar é que permanece guardado para ele
até que ele queira nos mostrar, se quiser fazê-lo, como está
em sua Palavra,[99] sabendo nós que até isso faz parte de
sua soberana providência, sem nos esquecermos de que
tudo que Deus nos revela é para ser observado por nós.
Assim, lemos que Deus foi o doador da vida dos hebreus e,
pelas contínuas gerações de hebreus, soberanamente
estabeleceu que, de sua linhagem, nos viria o Salvador. Foi
por seus atos providentes que a linhagem foi mantida e,
séculos depois, o Senhor Jesus despontou encarnado para
tabernacular entre nós.
David Calhoun, durante uma exposição no Covenant
Seminary, estabelece um interessante paralelo da doutrina
da providência no contexto em que José, aparentemente,
deixa de ser preservado por Deus. Mas a leitura
subsequente de sua trajetória mostra que tudo ocorreu com
o propósito de que, posteriormente, ele próprio, sua família,
o povo de Israel, o Salvador e, por conseguinte, todos os
filhos de Deus fôssemos preservados nos planos eternos e
soberanos de Deus. Trata-se de uma leitura que ele faz do
trecho a seguir:

Os irmãos de José tinham ido cuidar dos rebanhos do


pai, perto de Siquém, e Israel disse a José: “Como você
sabe, seus irmãos estão apascentando os rebanhos
perto de Siquém. Quero que você vá até lá”. “Sim,
senhor”, respondeu ele. Disse-lhe o pai: “Vá ver se está
tudo bem com os seus irmãos e com os rebanhos, e
traga-me notícias”. Jacó o enviou quando estava no vale
de Hebrom. Mas José se perdeu quando se aproximava
de Siquém; um homem o encontrou vagueando pelos
campos e lhe perguntou: “Que é que você está
procurando?”. Ele respondeu: “Procuro meus irmãos.
Pode me dizer onde eles estão apascentando os
rebanhos?”. Respondeu o homem: “Eles já partiram
daqui. Eu os ouvi dizer: ‘Vamos para Dotã’”. Assim José
foi em busca dos seus irmãos e os encontrou perto de
Dotã.[100]

E a grande questão que ele levanta é: por qual razão


essa narrativa, tão sucinta e tão ligeiramente descritiva, se
encontra na Bíblia, mostrando certo embaraço de um dos
principais personagens das Escrituras, ainda jovem, perdido
num deserto? Calhoun faz um escalonamento em sua
descrição, da seguinte forma:

Se José não tivesse encontrado o estrangeiro, ele


teria retornado a casa e não teria sido vendido à
escravidão: o que quer dizer que ele não se teria
tornado um grande homem no Egito; o que quer dizer
que ele não teria conseguido suprir sua família com
grãos durante a fome em Israel; o que quer dizer que os
filhos de Israel não teriam sido perseguidos no Egito; o
que quer dizer que Deus não teria enviado Moisés para
livrá-los da casa de servidão com mão poderosa e braço
estendido com muitos sinais e maravilhas e, ao longo de
quarenta anos de peregrinações pelo deserto, dar-lhes
uma terra que manava leite e mel; o que quer dizer que
não teria existido o reino de Israel sob Saul, Davi e
Salomão, que veio a construir o templo em Jerusalém; o
que quer dizer que ele não teria sido destruído pelos
babilônios, os quais levaram cativos muitos dentre o
povo; o que quer dizer que não teria havido um retorno
para se assentarem nos montes e cidades da Judeia; o
que quer dizer que não teria existido uma moça judia
chamada Maria, pela qual Jesus, o Salvador, nasceu; o
que quer dizer que não teria existido cristianismo para
os apóstolos e outros levarem ao mundo; o que quer
dizer que não teria existido Igreja Católica para Martinho
Lutero, João Calvino e John Knox reformarem; o que quer
dizer que não teriam existido presbiterianos para virem
para a América; o que quer dizer que o Covenant
Seminary não teria sido fundado; o que quer dizer que
eu não estaria hoje aqui pregando a vocês sobre como a
Bíblia nos conta de um estrangeiro que casualmente
encontra José andando atrás dos irmãos pelo campo e
que sabia aonde seus irmãos tinham ido.[101]

Fazendo a devida paráfrase, poderia concluir que, se a


sequência fosse nossa, a partir do ponto de vista dos
reformadores, poderíamos concluir com algo como: “o que
quer dizer que não teriam existido presbiterianos para virem
para o Brasil; o que quer dizer que nossa linha de
comunicação não teria sido realizada; o que quer dizer que
eu não estaria hoje aqui escrevendo a você sobre como a
Bíblia nos conta de um estrangeiro que casualmente
encontra José andando atrás dos irmãos pelo campo e que
sabia aonde seus irmãos tinham ido”. Ora, o que ele
ressalta nessa linha de sucessão de ideias é que as coisas
ocorrem ou não em decorrência de um fator inicial. E, ao
analisar os atos soberanos de Deus e sua providência, o que
temos diante de nossos olhos é a cadeia de sucessões pela
qual ele, soberanamente, interfere nos atos e fatos, a fim de
que seus santos e eternos desígnios se desenvolvam
segundo sua vontade.
Não há dúvida de que, assim como se dá com a
narrativa de Ester, o trecho que narra a jornada de José é
altamente propício para estudarmos os atos da providência
divina, uma vez que, no desenvolvimento da própria vida,
os episódios se sucedem de tal forma que o acaso, a sorte
ou infortúnio casuais simplesmente perdem seu referencial
e sua razão de crédito. Não apenas os meios, mas os inícios
e os finais são celebrações dos atos eternos e soberanos de
um Deus que intervém no curso da história e em seus
eventos.
Os aparentes incidentes ou acidentes da vida muitas
vezes são atribuídos ao acaso. Este, por sinal, outras tantas
vezes ao longo da jornada humana ganha ares de ente vivo
e deliberativo, sendo interessante notar que as mentes
afastadas de Deus tendem a explicar os fatos da vida —
bons ou não — a partir de entidades que parecem animar-se
em gestar a vida humana e seu destino. Assim, o cosmo, a
natureza, os animais, os seres invisíveis e um sem-fim de
possíveis elementos, tudo isso passa a comandar o ser
humano a partir de sua credulidade e fé, mesmo quando
declara peremptoriamente não ter fé em qualquer dessas
coisas. Na verdade, o que as Escrituras fazem, durante todo
o tempo, é nos lembrar, em severa advertência, que até
nossos cabelos precisam dobrar-se diante do senhorio
absoluto de Deus, inclusive quando nos encontrarmos sob
perseguição.[102]
O termo em si não aparece mencionado nas Escrituras
como algo sistematizado, como ocorre com outros termos
que foram posteriormente cunhados para a explanação de
doutrinas contidas explicitamente na Bíblia. Porém, quando
nos debruçamos sobre a doutrina da providência, temos um
enorme benefício da parte de Deus, uma vez que a correta
compreensão dessa doutrina nos poupa pelo menos de
quatro desvios de nosso conhecimento e de nosso exercício
de fé. Acima falamos do acaso como gestor da vida humana
por uma simples razão: os dias contemporâneos, em que o
ser humano se afasta abertamente do cristianismo, o
levam, paradoxalmente, a abraçar expressões de fé que
pareciam ter sucumbido no tempo e na história, mas o fato
é que uma nova paixão por misticismo e espiritualismo tem
abraçado o coração do homem, em especial o do ocidental,
antes baseado numa construção cristã de mundo. Wayne
Grudem começa seu capítulo intitulado “A providência
divina” mostrando os quatro aspectos que não compõem a
doutrina bíblica da providência, mas que podem ser
elementos de confusão na mente de muitas pessoas. Diz
ele:

A doutrina bíblica não é o deísmo (que ensina que


Deus criou o mundo e depois, essencialmente,
abandonou-o) nem o panteísmo (que prega que a
criação não tem uma existência real e distinta em si
mesma, mas meramente faz parte de Deus), mas a
providência, que ensina que, embora Deus, em todos os
momentos, se relacione e se envolva diretamente com a
criação, esta é distinta dele. Além disso, a doutrina
bíblica não ensina que os acontecimentos da criação
são determinados pelo acaso (ou casualidade). Nem são
eles determinados por um destino impessoal (ou
determinismo), mas por Deus, que é o criador e senhor
pessoal, porém infinitamente poderoso (Grudem, 2001,
p. 247).[103]
A plena certeza do comando soberano de Deus nos salta
aos olhos ao lermos a respeito da providência no Breve
Catecismo de Westminster, que, em resposta à pergunta de
número 11, “Quais são as obras da providência de Deus?”,
nos diz que “as obras da providência de Deus são a sua
maneira muito santa, sábia e poderosa de preservar e
governar toras as suas criaturas, e todas as ações delas”.
Isso nos garante que, a despeito de nossas labutas e
dúvidas, jamais seremos furtados da hábil mão de Deus,
sempre estendida em nosso favor, e pela qual somos
completamente resguardados de cair em mãos que não as
dele mesmo. Assim, o descanso e a tranquilidade devem
apossar-se de nossa alma, uma vez que nada existe que
seja capaz de nos arrebatar dos cuidados soberanos de
Deus, que, através de sua providência, sempre nos será o
aio de segurança e paz.
Como ilustração, o mesmo Calhoun utiliza uma
metáfora citando o puritano John Flavel, o qual teria dito
que a doutrina da providência seria semelhante ao texto
hebraico, que precisa ser lido de trás para frente, mas que,
infelizmente, nem sempre é possível decifrar integralmente
tudo o que ali se encontra registrado, pois há termos
hebraicos cuja essência simplesmente não se consegue
traduzir. Nesse caso, entendemos que, ao lidar com a
providência, podemos acompanhar seu desenvolvimento
até certo ponto, até o ponto em que nossas limitações não
nos permitam avançar. Após isso, somente por fé resta
agradecer a Deus e saber que, fielmente, ele tem cumprido
sobre nós seus atos soberanos.
Voltando ao texto de Ester, vemos a íntima conexão
entre soberania e providência a tal ponto saltando do texto
que seria impossível fazer uma leitura criteriosa da história
sem a percepção de que algo maravilhoso e transcendente
ocorre durante todo o tempo.
Aprendemos:
Muita gente passa toda a sua vida em desesperança e
temor de tudo que lhe possa acontecer. Quando
aprendemos mais de Deus e de seus atributos, entendemos
que nada precisamos temer, pois ele é totalmente poderoso
e cuida de nós enquanto rege e preserva todas as coisas:

Se Deus é soberano e preserva todas as coisas,


devemos descansar nele de todas as formas: ele
jamais será omisso no que diz respeito a seus filhos;
Não temos como aceitar que a sorte seja a regente
de nossa história. Então, precisamos descansar no
fato de que Deus é quem nos governa;
Já que incidentes ou acidentes da vida não podem
ser atribuídos ao acaso, não podemos pensar como
se não conhecêssemos quem é Deus: precisamos
manter firme nossa perspectiva de que tudo está
sob o governo de Deus;
Mesmo lutando duramente contra fatos fortuitos e
inesperados, durante todo o tempo estaremos
resguardados pela soberana mão de Deus.
SOBERANIA E PROVIDÊNCIA DE
DEUS NOS FATOS ESTRANHOS DA
VIDA
Deus é totalmente soberano. Isso é verdadeiro mesmo
diante dos fatos estranhos e de difícil aceitação na vida.
Assim como ele é totalmente soberano, também é
inteiramente providente. Ester, de forma contundente,
mostra que havia um povo que era alvo da misericórdia
ímpar de Deus, um Deus soberano que cuida
providentemente do que é seu por uma simples e única
razão: seu eterno desejo de ver seu povo arrebanhado e
cuidado ao longo da história até que se cumpra seu tempo e
seja definitivamente recolhido ao lar eterno. O livro de Ester
não menciona o nome de Deus, mas nós vemos em sua
leitura que Deus está presente em todos os fatos descritos.
Seria impossível que as narrativas fossem naturais e que
Deus não estivesse agindo por trás de tudo aquilo,
ajustando os detalhes, a fim de que seu eterno desígnio se
cumpra através de gestos de seu povo, mesmo enquanto
este não o percebe.
Há vantagem em termos o livro de Ester no meio da
Bíblia. Além de ser um texto canônico, mesmo com tantas
querelas históricas a esse respeito, o livro está impregnado
de revelações relativas ao cuidado extremo de Deus para
com seu povo. Do meio da narrativa, começamos a
perceber nas entrelinhas que Deus haveria de cumprir parte
de seus desígnios em meio a estranhos acontecimentos que
beiravam a própria aniquilação nacional. Talvez o medo
pairasse sobre os judeus daqueles dias, pois eles sabiam
que, cerca de duzentos anos antes, o reino de Israel, ao
norte, havia desaparecido, e que seus irmãos haviam sido
absorvidos pelos povos dominadores. Algumas décadas
antes do que estava acontecendo, o reino do Sul, Judá, tinha
sido dominado militarmente e agora vivia espalhado em
cativeiro. Mas havia uma esperança, pois a noção de
pertencimento a Deus estava viva no coração dos judeus,
mesmo que não tivessem fronteiras geográficas.
Muito tempo atrás, Deus havia determinado o
extermínio dos amalequitas, e Saul teve toda a
oportunidade de cumprir essa ordem, mas não o fez por
capricho pessoal, resolvendo, por sua conta e risco,
desobedecer à ordem de Deus e tomando atitudes diante do
rei Agague que lhe custaram a coroa e a casa real. Uma vez
que Deus jamais é enganado e que jamais deixa de cumprir
seus desígnios, toda a história de Ester aponta para
algumas questões da soberania do Senhor: ele mesmo
permitiu que os fatos envolvendo Hamã surgissem e que os
judeus fossem encurralados para a morte; ele mesmo
estava comandando a história e dirigindo os eventos que
culminariam no livramento dos judeus; agora, ele mesmo
assumia a dianteira e promovia os meios para a destruição
dos amalequitas, e aquilo que seus filhos não fizeram antes
os gentios pagãos seriam levados por Deus a fazer.

A providência de Deus e as ações


humanas
A responsabilidade é fato destacado na história da
redenção, uma vez que Deus nos chama soberanamente
segundo seu próprio desejo, mas os atos naturais, aquilo
que podemos chamar de livre ação, ou livre agência, é de
nosso alvitre. Deus dirige a história e comanda o universo
desde a eternidade anterior ao tempo, mas não criou
máquinas para si. Ele criou seres vivos e pensantes para o
adorarem e lhe prestarem culto sincero, que é o fim do
homem, conforme nos reportamos à primeira pergunta do
Breve Catecismo de Westminster: “Qual o fim principal do
homem?”, ao que temos como resposta: “O fim principal do
homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Como
isso poderia ocorrer se o homem fosse simplesmente
fadado a experimentar programações anteriormente
instaladas nele? Logo, o fatalismo não faz parte da relação
entre Deus e seus filhos, nem entre ele e a criação.
“Às vezes esquecemos que Deus opera por meio de
nossas ações em seu governo providencial no mundo. Se
nos esquecemos disso, então começamos a pensar que
nossa ações e escolhas não fazem diferença nenhuma”
(Grudem, 2001, p. 161). Essa é a forma como, em geral, o
homem de nossos dias costuma ver as coisas, como se
Deus não existisse ou, na melhor das hipóteses, entre os
cristãos, como se ele existisse apenas num plano
metafísico, de onde não faz mais que contemplar o
desenrolar da história humana. Mas o fato é que Deus
determinou que, enquanto é totalmente soberano e
providente, caberia ao homem agir de forma responsável, a
fim de que nossos atos o glorifiquem. Não é preciso muito
para percebermos que não temos, como raça, glorificado o
criador, e isso aumenta o nível da justa ira de Deus contra o
pecado e contra seus agentes.
Nossas ações produzem resultados eternos, e nós
somos totalmente responsáveis pelo que fazemos nesta
vida. Nem sempre paramos para ver isso, mas somos
peregrinos em trânsito fugaz e doloroso por um deserto
pedregoso e sem ânimo, tudo por causa do pecado. Toda a
nossa esperança está depositada no porvir, mesmo nos
alegrando pontualmente enquanto seguimos com as gotas
de bênção que Deus derrama sobre nós, uma espécie de
lampejo do que realmente será nosso na eternidade. E
nosso agir aponta sempre para a eternidade, quer a pessoa
seja salva, quer não. Aquilo que fazemos em vida produz
resultados concretos que se espelharão na eternidade e
tudo que fazemos precisa ser significativo enquanto
estivermos nesta vida. Vejamos Grudem, que diz:
Em todos os seus atos providenciais, Deus
preservará essas características de responsabilidade e
de importância. Se fizermos o que é certo, obedecendo
a Deus, ele nos recompensará, e tudo irá bem conosco
tanto nesta presente era como na eternidade. Se
agirmos de forma errada, desobedecendo a Deus, ele
vai nos disciplinar e talvez nos punir, e as coisas não
irão bem conosco (Grudem, 2001, p. 162).

É exatamente quando percebemos a simplicidade dessa


relação de obediência com a providência que nos tornamos
hábeis a construir uma relação de filhos com o Pai celeste,
ao mesmo tempo que cumprimos mais um de seus
desígnios, qual seja, o de sermos sábios ao apontar Deus
para os demais ao nosso redor, bem como a encorajar a
jornada de homens e mulheres que precisam juntar-se ao
grupo dos que obedecem à Palavra de Deus, sendo
submissos a ele em todas as ações e decisões.
Quando meditamos a respeito da soberania de Deus,
somos levados a descansar nele. Mas isso pode gerar uma
letargia da qual precisamos nos desvencilhar. Descansar no
Senhor significa saber que ele cuida de nós e que jamais
seremos deixados na caminhada sem seu amparo e
proteção, até chegarmos ao lar celeste. Enquanto isso, ele
espera que sejamos operosos na caminhada. Nossas ações
produzem resultados reais, e o curso das coisas realmente
muda enquanto agimos. Talvez não seja claro para nossa
mente, mas o próprio Deus determinou que nossas ações
transformassem coisas e que o rumo dos acontecimentos
mudasse de acordo com nossos gestos. Não sabemos o que
Deus planejou desde a eternidade, nem mesmo como ele
quer que aquilo se torne concreto em determinado tempo
da história, mas o fato é que ele o fez. E nós somos seus
agentes para a concretização de seus desígnios eternos. O
que realmente precisamos entender e saber no mais
profundo de nós é que confiar e obedecer em Deus é o meio
pelo qual vamos descobrir, na prática, que ele planejou
boas coisas e que elas haverão de se cumprir sobre nossas
vidas — por causa da obediência, que é a chave para
andarmos em sintonia entre a soberania, a providência e o
ato cumprido na história.
Compreender isso significa sair da letargia, deixar a
preguiça espiritual, tornar-se operoso, ser realmente
obediente a Deus. Entender a providência não nos permite
ficar parados, esperando que as coisas aconteçam quase
por conta própria, mas nos conduz à ação. É certo que
precisamos confiar em Deus e esperar nele antes de agir, a
fim de operarmos em consonância com a direção de seu
Espírito, mas não podemos prosseguir numa jornada cristã
dizendo que confiamos em Deus sem agir em Deus, pois
isso seria atentar contra o próprio Senhor, que nos ordena e
capacita a prosseguir enquanto nos abre os caminhos à
frente.
No entanto, é quase certo que jamais
compreenderemos totalmente a doutrina que trata da
providência divina. Somos seres finitos em relação íntima
com um Deus infinito, com pensamentos distantes dos dele.
Por isso o apóstolo Paulo nos insta a lutar e destruir ideias
que se levantem contra o conhecimento de Deus, e a levar
cativos nossos pensamentos diante dele, somente assim
tornando-os obedientes a ele.[104] Ao mesmo tempo, mais
adiante, ele nos diz para mantermos “o pensamento nas
coisas do alto, e não nas coisas terrenas”.[105] Em suma,
precisamos crer em cada doutrina das Escrituras, incluindo
a da providência de Deus, por uma simples razão: porque
ela é claramente ensinada na Bíblia, mesmo que não a
entendamos clara e totalmente.

Aprendemos:
Muita coisa estranha ocorre a todos nós ao longo da vida.
Mas quem disse que coisa estranha representa sempre o
que é ruim ou difícil? Ora, se tivermos consciência plena de
quem é Deus, tudo isso terá lugar secundário em nossos
pensamentos.

É natural termos medo em face do desconhecido


ou diante de situações dramáticas. Mas, como
aconteceu com os hebreus do tempo de Ester, se
tivermos clara noção de pertencimento a Deus, o
medo é trocado por esperança e certeza de
livramento;
Um dos modos mais comuns de Deus agir na
sociedade, na família etc. é através de nós, seus
filhos;
Exatamente pelo fato de o governo de Deus se
utilizar de nós é que devemos ter em mente que
nossas ações fazem diferença;
Aprendemos que confiar e descansar em Deus,
bem como entender que temos de agir durante todo
o tempo, levam-nos a uma vida útil e operosa,
jamais preguiçosa ou sem iniciativa.
A PROVIDÊNCIA E A ORAÇÃO
Ester, Mardoqueu e os demais judeus estavam em
apuros naquele instante. Com a descoberta de Mardoqueu e
o aviso que fez a Ester, um gatilho foi deflagrado. Ester,
tomando a iniciativa, conclama o povo a jejuar e orar,
enquanto ela própria tomaria algumas decisões tanto de
ordem prática como na estrutura e no trânsito de governo.
Sua posição de rainha agora estava revelando mais uma
etapa do plano eterno e soberano de Deus, por meio do
qual seus desígnios eternos e perfeitos seriam cumpridos.
Ora, estamos diante de intrigas palacianas e conluios que
poderiam levar à morte toda uma etnia, os judeus, o que,
humanamente falando, seria um enorme atentado contra a
vinda do Salvador. E, nesse momento da narrativa de Ester,
a oração toma vulto de grande e incomparável importância.
Quando lemos as considerações de pensadores cristãos
do passado, por exemplo, como as de Calvino, aprendemos
com ele que talvez tenhamos desviado em alguma
proporção o curso de nosso conhecimento e da prática de
nossas orações, o que pode influenciar diretamente as
dúvidas que eventualmente tenhamos. Muitos cristãos,
incluindo-se, entre eles, os de tradição reformada, podem
ter aprendido que a oração cumpre apenas o papel de falar
com Deus para lhe dar louvor e ações de graças, enquanto
confessamos pecados e dedicamos a ele nossas súplicas.
Sim, tudo isso é verdadeiro e de grande utilidade e
pertinência em nossa jornada espiritual, mas não configura
o fim em si da oração. Oração, como nos ensina Calvino a
partir de sua observação da Bíblia, é muito mais que isso: é
uma vida de intimidade e comunhão sincera com Deus, o
autor e sustentador de todas as coisas, portanto com o
Deus que é em tudo soberano e provedor de todas as
coisas.
Em suas Institutas, ele nomeia todo um capítulo, Da
oração — o principal exercício de fé. Os benefícios diários
que dela procedem.[106] E começamos a ver algo que talvez
tenha ficado esquecido em nós, que é o fato de a oração ser
uma resposta àquilo que, graciosamente, recebemos da
parte de Deus, numa clara resposta que somente o Espírito
Santo pode nos capacitar a dar, em nome de Cristo, uma
vez que de nós mesmos teríamos apenas esquecimentos e
ingratidões. É por causa da fé que o Espírito Santo produz
em nós que temos, em nosso interior, o despertar do amor
pelo próprio Deus e pelo próximo, bem como o despertar do
sentimento de piedade em nosso íntimo. Respondemos a
Deus, pela oração, porque ele nos amou primeiro e fez
brotar em nós a forma de resposta em amor por ele, a qual
vem pela oração. Assim, a oração precisa ser tratada como
um exercício espiritual que nos empurra para Deus, em
busca de intimidade com ele, por causa de sua própria obra
graciosa em nosso favor, uma vez que a oração, em si, é
um meio de graça disponível para a igreja de Cristo.
É pela oração que temos a possibilidade de uma intensa
comunhão com o Deus regente de todo o universo, o que é
um privilégio especial e específico daqueles que são seus
filhos. Por isso, é apenas e exclusivamente pela oração que
penetramos “até essas riquezas que nos foram reservadas
por nosso Pai celeste”.[107] Enquanto oramos, podemos nos
aproximar tanto de Deus que somos convidados a nos
derramar diante dele, mostrando nossos desejos,
dificuldades, anseios e pensamentos, abrindo de fato nosso
coração diante dele. A diferença quando vemos assim é que
tudo isso é consequência natural de andar em intimidade
com Deus, e não orar para conseguir coisas dele, mesmo
que essas coisas sejam lícitas e dignas. Por isso, é pela
oração que nosso coração é conduzido em despertamento
diante de Deus,[108] e nós somos guiados por ele a
compreender que a oração nos compraz como um gesto de
doçura que somente a figura da mãe pode demonstrar
quando aproxima seu filho ao seio, em terno carinho. Por
essa razão, e por nossa própria fraqueza, “Deus nos provê a
direção do Espírito em nossas orações, a fim de ditar o que
é certo, bem como regular nossas afeições”.[109]
Ao longo desse trecho de suas instruções sobre a fé
cristã, Calvino estabelece como algo saudável que, antes de
mais nada, precisamos preparar mente e coração para que
entremos de forma adequada numa íntima conversa com
Deus, levando nossas preocupações ao seio de Deus como a
criança as leva ao seio de sua mãe. Isso quer dizer que os
sentimentos e pensamentos estranhos à conversa com
Deus devem ser deixados de lado, e precisamos ter firme
em nossas mentes que estamos ali para contemplar Deus
em sua intimidade. Isso feito, é preciso vir a Deus com
emoções corretas, com afetos sinceros, entregando aos pés
de Deus aquilo que realmente está fervilhando em nosso
íntimo. Além desses gestos diante de Deus, é preciso
chegar a ele em humildade, sabendo da total dependência
que temos da graça e da misericórdia de Deus, motivo mais
que suficiente para nos colocar em nosso devido lugar. A
esperança, no entanto, deve ser vigorosa e confiante,
sabendo que é de Deus a resposta, mas que chegamos a
ele com autoridade: não a nossa, mas a de Cristo, em nome
de quem oramos, sendo ele mesmo nosso intercessor,
mediador, advogado e supremo guia. Aliemos a isso o fato
de que a oração deve ser constante e permanente em
nossas vidas, e que devemos orar sem cessar ao longo de
nossa peregrinação, o que significa manter nosso
pensamento cativo diante de Deus, em constante conversa
com ele, mesmo durante nossos afazeres diários. Isso, no
entanto, não nos isenta de termos momentos separados
para orar mais dedicadamente ao longo de nossos dias.[110]
Uma vez que pensamos um pouco sobre oração,
vejamos mais pontos que a relacionam com a providência
divina, a exemplificar pela regência dos povos. “O princípio
por trás das ações destas nações se encontra em Provérbios
21.1. Deus inclina o coração dos líderes das nações como se
fossem ribeiros de águas.”[111] Isso quer nos dizer
abertamente que as tramas que os Estados e governos
parecem fazer por sua conta, inclusive aqueles que
intentam contra Deus, são livres e despreocupadas, mas,
em verdade, são conduzidas pelos planos soberanos de
Deus. Podemos inferir o mesmo dos episódios que se
desenrolaram a fim de que se desse a saída de Israel do
Egito, algumas gerações antes. Os autores lembram que
“Deus disse a Moisés, antes que tivesse falado com Faraó,
que ele endureceria o coração de Faraó. O endurecimento
do coração de Faraó é mencionado 18 vezes nos textos
seguintes”,[112] e o dizem citando Êxodo 4.21.[113] O que
entendemos disso tudo é que Deus, conforme cremos pelas
Escrituras, não é um Deus que simplesmente criou tudo —
ou que não fez nada — e que passou depois a assistir,
impassível, ao desenrolar da história humana. O Deus que
se mostra ao ser humano nas Escrituras é um Deus agente
e que intervém soberanamente nos atos humanos e
interfere diretamente em sua história.
Desde tempos antigos, os pensadores cristãos têm-se
preocupado em demonstrar que Deus não apenas intervém
na História, como também tem especial cuidado para com
seus filhos. Dá-se um escalonamento: Deus zela pela
criação, mais ainda pelo homem, e particularmente por seus
filhos. Algumas vezes, vemos as Escrituras afirmarem coisas
que parecem até tendenciosas em favor dos filhos de Deus
e, de fato, o que podemos inferir é que Deus cuida com zelo
especial e diferenciado daqueles por quem ele enviou seu
Filho amado. Claro que só soubemos disso depois da
revelação encarnada do Messias. Por exemplo, o salmista
diz que Deus não permite que seus filhos caiam ao dizer
claramente ao filho de Deus: “entregue suas preocupações
ao Senhor, e ele o susterá; jamais permitirá que o justo
venha a cair”.[114]
Sabendo da soberania e do governo de Deus, que
interfere e age diretamente em nossa história, e sabendo
que seus planos e desígnios não se frustram,[115] e sabendo
que nenhum de seus planos se desfaz e que, ao final, ele
não se arrepende de seus planos,[116] chegamos a um
conflito na esfera humana: diante de tal soberania e de sua
total providência, por qual razão deveríamos orar? Wayne
Grudem elenca pelo menos três razões pelas quais
precisamos nos dobrar diante de Deus em oração: em
primeiro lugar, porque a “oração exprime a nossa confiança
em Deus, e é um meio pelo qual nossa confiança nele pode
crescer”,[117] para dizer em seguida que Deus quer que
tenhamos relação com ele e que é a oração que “nos leva a
uma comunhão mais profunda com Deus, e ele nos ama e
se deleita com nossa comunhão com ele”,[118] concluindo,
em terceiro lugar, que é na oração que “Deus permite que
nós, criaturas, nos envolvamos em atividades revestidas de
importância eterna”.[119]
Algo que nos deve vir à mente é que Deus decretou, da
mesma forma, as coisas que devem acontecer, como devem
ocorrer e aquilo que nos é dado fazer. Assim como tudo é
ordenado, também é ordenado ao ser humano agir com
liberdade, o que chamamos de livre agência ou livre ação, e
os filhos de Deus, além dos atos naturais, recebem a ordem
de orar, e isso é de forma livre. Como podemos ver, a
“providência de Deus sobre a terra e a História não nega
que a capacidade do ser humano de agir como agente livre
seja significativa”,[120] o que é salientado por Ferreira e
Myatt em referência aos textos de Deuteronômio 30.19[121]
e Josué 24.15,[122] nos quais o próprio Deus exige do povo
uma decisão, uma escolha que incidiria eternamente sobre
sua condição. Os textos apontam, nas palavras dos autores
em sua referência, que isso “mostra que o fato de poder
escolher é um fato concreto e verdadeiro”.[123]
Em um retorno à questão, temos uma pergunta
recorrente, que se faz mais frequentemente a cristãos
históricos e reformados, por sua forte ênfase doutrinária na
soberania de Deus. Se a providência é o que é, e se tudo é
ordenado por Deus, por que devemos orar? Num primeiro
instante, podemos até imaginar que Deus nos quer orando
apenas para desenvolver um espírito de resignação e
disciplina, mas, se olharmos com atenção, as Escrituras nos
ordenam a orar de forma enfática e concreta, mostrando
que há utilidade prática na oração e mostrando também
que Deus nos quer orando de forma sistemática e viva.
Ainda em Calvino, veremos que ele nos fala a respeito
da relação de governo de Deus quando trata de sua
soberania e de sua providência, em particular dos benefícios
delas advindos sobre seus filhos. Por isso, ele inicia um
discurso no qual elenca deméritos naqueles que pensam
que podem reger a si mesmos sem o governo de Deus. Diz
ele:

E Salomão, em outra parte, censura elegantemente


esta temeridade dos homens, de estabelecerem planos
para si sem buscarem a Deus, como se não fossem
conduzidos por sua mão. “Ao homem pertencem os
planos do coração, mas do Senhor vem a resposta da
língua” (Pv 16.1). Certamente essa é uma presunção
estranha para míseros homens, que nada podem fazer
ou sequer falar, exceto aquilo que ele quiser (Calvino,
2009, p. 118, I.16, 6). [124]

Ademais, ele diz algo surpreendentemente atual e


confortador, num dos mais belos trechos das Institutas:
Não! Eu afirmo em geral que os eventos particulares
são testemunhos da providência especial de Deus. No
deserto ele fez um vento sul soprar para que levasse
abundância de aves ao povo (Êx 19.13).[125] Quando ele
desejou que Jonas fosse lançado ao mar, enviou um
vento muito forte. Aqueles que negam que Deus detém
as rédeas dos governos dirão que isso se processou fora
de um curso natural, donde eu infiro que vento algum
jamais surge ou se desenvolve a não ser por seu
comando especial. De nenhuma outra forma poderia ser
verdadeiro que Deus “faz das nuvens a sua carruagem e
cavalga nas asas do vento”, e que ele “faz dos ventos
seus mensageiros e dos clarões reluzentes seus servos”
(Sl 104.3, 4), a menos que, por sua vontade, interviesse
tanto nas nuvens quanto nos ventos e ali manifestasse
a presença especial de seu poder. Da mesma forma,
somos ensinados em outra parte que, sempre que ao
sopro dos ventos o mar se agita, tais agitações
comprovam a presença especial de Deus. “Deus falou e
provocou um vendaval que levantava as ondas. Reduziu
a tempestade a uma brisa e serenou as ondas” (Sl
107.25, 29). [...] De tudo isso inferimos que a
providência geral de Deus a continuar a ordem natural
vai além das criaturas e, por seu maravilhoso desígnio,
aplica-se a propósitos especiais e definidos (Calvino,
2009, p. 119, I.16, 7).[126]

Deus, que decreta todas as coisas, é satisfeito em sua


própria essência. Por isso, nossas orações não acrescentam
qualquer coisa a ele, nem mesmo o nível de sua alegria
aumenta por causa da adoração que lhe prestemos na
oração. “O louvor e a adoração de suas criaturas, embora
ele declare que lhe agradam, não são coisas que ele exige
para sua própria realização divina” (Sproul, 2006, p. 230), o
que nos remete ao fato de que nada que façamos diante de
Deus pode acrescentar qualquer coisa que seja, pois ele é
eterno, sempre existiu e existe desde a eternidade, muito
antes de suas criaturas existirem. Ou seja, ele é satisfeito
em si mesmo, sem nós. Outras lembranças: Deus não
precisa de nossas informações, a mente de Deus não muda
quando oramos, nem somos orientadores das ações de
Deus pela oração.[127] Para esse ponto em particular e
possíveis pontos de vista com nuanças de interpretações,
sugiro a leitura de Grudem (1999). No capítulo 18, intitulado
A oração, ele faz uma série de análises sobre os princípios e
os processos desse exercício espiritual. Num dos pontos, ele
assevera que a oração muda o modo pelo qual Deus age.
Contudo, diz ele que, se “estivéssemos realmente
convencidos de que a oração muda o modo como Deus age,
e de que Deus de fato causa notáveis mudanças no mundo
em resposta à oração [...], então oraríamos muito mais do
que o fazemos hoje” (Grudem, Teologia Sistemática, 1999,
p. 306). E, embora alguns possam criticar e justapor
contradições, entendo que Calvino fala da imutabilidade de
Deus inclusive diante da oração, enquanto Grudem fala de
uma possível mudança dos meios de ação pelos quais Deus
agiria a partir da oração. Ele conclui nesse mesmo trecho
que, se “oramos pouco, é provavelmente porque não
cremos realmente que a oração consegue de fato muita
coisa” (Idem). Ao comparar ambas as posições, alguns
poderão ver contradição ou divergência, embora tenhamos
pontos de partida diferentes. Calvino está falando de Deus e
de seu caráter, referindo-se aos seus atributos, que são
perfeitos e imutáveis, enquanto Grudem está se referindo a
uma possível flexibilidade de Deus em responder à oração
de seus filhos, alterando modelos e formatos, não a sua
essência.
Uma interessante forma de encarar a questão da
conjunção providência e oração é olhar a oração pela
perspectiva de que ela nos permite discernir, pela
intimidade alcançada com Deus, a providência como
instrumento da graça de Deus em nosso favor. Assim, se
orarmos de forma superficial e apenas preocupados em
cumprir um ritual de espiritualidade, a visão e o
discernimento que teremos da providência também serão
superficiais e desprovidos de maior significado para nós. Por
outro lado, se orarmos de forma mais profunda, buscando
intimidade com Deus, como aprendemos anteriormente,
“começamos a nos sentir cobertos pelas respostas
específicas à nossa oração que, nitidamente, nos mostram a
mão de Deus. Por meio disso, nossa fé se fortalece e nossa
convicção na sua providência aumenta” (Sproul, Verdades
essenciais da fé cristã, 2006, p. 236).

Aprendemos:
Os exercícios espirituais são a chave para mantermos
nossa vida no prumo desejado por Deus para seus filhos.
Infelizmente, é comum nos lembrarmos de alguns deles
apenas nos momentos de crise. Mesmo assim, que isso nos
ajude!

Muitas vezes nos vemos em apuros, como os


hebreus no tempo de Ester. Nas horas dramáticas, a
Escritura nos recomenda parar tudo por algum
tempo e nos dedicar à oração e ao jejum;
Tão logo nos fortaleçamos espiritualmente, é
preciso agir. Dessa forma, entendemos que Deus,
sim, é nosso provedor e sustentador, mas que a nós
cabe termos vida de responsabilidade e ação;
Lembre-se de orar para ter uma vida de
comunhão e intimidade com Deus. Lembre-se
também de que Deus conhece todas as coisas e não
precisa que nós as contemos a ele. O benefício de
uma vida de constante oração recai sobre nós
mesmos;
Pela oração, nossa confiança em Deus tende a
crescer, pois aprofundamos a comunhão e a relação
que temos com ele. E podemos estar certos de que
o Deus que rege todas as coisas está com seus
ouvidos atentos à oração que fazemos;
Deus não deixa de ser providente quando
oramos: pelo contrário, muitas vezes ele nos revela
seus atos de providência enquanto nos
aproximamos dele por meio da oração.
A PROVIDÊNCIA E O PRINCÍPIO DA
PRESERVAÇÃO DIVINA[128]
O livro de Ester nos revela uma mensagem intensa a
respeito da providência divina, o suporte gracioso pelo qual
Deus nos preserva a partir de suas ação e vontade
soberanas. Os fatos mais estranhos e as ações humanas
menos pensadas podem esconder a maravilhosa
providência em nosso favor; também temos a garantia de
continuar a ter a esperança conectada à responsabilidade
durante nossa peregrinação nesta terra. Nesse sentido,
enquanto revíamos a narrativa de Ester, fomos lembrados
de que uma das partes mais importantes, se não a crucial,
de nossa vida é a oração, por meio da qual Deus é instado a
nos socorrer e acompanhar. Chegamos, então, a ver que,
por tudo isso, há um princípio pelo qual somos, humana e
espiritualmente falando, preservados, o que, por si só, é
maravilhoso e inunda nossa existência com alegria
incontida.
Um dos aspectos mais belos da providência divina é o
princípio ou aspecto da preservação, que nos remete ao fato
de que Deus criou todas as coisas, mas não apenas o fez,
como também prossegue em preservar tudo que foi criado,
com o propósito gracioso de dar continuidade aos seus atos
soberanos e aos seus desígnios eternos. É pela preservação
divina que Deus faz com que sua criação seja mantida da
forma como ele criou todas as coisas sem que elas percam
sua propriedade inicial, mesmo quando há possibilidade de
mudança ou adaptação ao longo da história, desde que isso
não represente que algo criado se torne outra coisa, uma
vez que isso significaria não a preservação, mas a
transformação da coisa criada, a extinção de um caráter
inicial para o surgimento mutacional de outro caráter. Como
sabemos, o Deus das Escrituras não é um Deus passivo que
fez as coisas e depois permitiu que tudo tomasse seu rumo
independente e aleatoriamente. Pelo contrário, nós cremos
que o Deus que se revela nas páginas da Bíblia é um Deus
agente e interveniente, que faz com que os atos da História
sejam concorrentes com sua soberana vontade. Quer os
homens creiam ou não nesse princípio, essa é a verdade, e
não deixará de ser simplesmente porque alguém a
questiona. Em Deus e por causa dele, tudo existe e tudo
continua existindo.
No livro dos Salmos, há um trecho composto por Davi
que depõe a respeito das maravilhas da preservação de
Deus. Diz ele:

Fazes jorrar as nascentes nos vales e correrem as


águas entre os montes; delas bebem todos os animais
selvagens, e os jumentos selvagens saciam a sua sede.
As aves do céu fazem ninho junto às águas e entre os
galhos põem-se a cantar. Dos seus aposentos celestes
ele rega os montes; sacia-se a terra com o fruto das
tuas obras! É ele que faz crescer o pasto para o gado, e
as plantas que o homem cultiva, para da terra tirar o
alimento: o vinho que alegra o coração do homem; o
azeite que faz brilhar o rosto e o pão que sustenta o seu
vigor. As árvores do Senhor são bem regadas, os cedros
do Líbano que ele plantou; nelas os pássaros fazem
ninho, e nos pinheiros a cegonha tem o seu lar. Os
montes elevados pertencem aos bodes selvagens, e os
penhascos são um refúgio para os coelhos. Ele fez a lua
para marcar estações; o sol sabe quando deve se pôr.
Trazes trevas, e cai a noite, quando os animais da
floresta vagueiam. Os leões rugem à procura da presa,
buscando de Deus o alimento, mas ao nascer do sol eles
se vão e voltam a deitar-se em suas tocas. Então o
homem sai para o seu trabalho, para o seu labor até o
entardecer. Quantas são as tuas obras, Senhor! Fizeste
todas elas com sabedoria! A terra está cheia de seres
que criaste.[129]

A sabedoria do salmista é contrastada com as palavras


de incredulidade ou de fé em outros deuses que não o Deus
da Bíblia, o que, de fato, em nada interfere no ser divino.
Ao se referir a Hebreus 1.3,[130] Grudem diz que a
“palavra grega traduzida como ‘sustentando’ é pherō,
‘carregar, suportar’. É usada comumente no Novo
Testamento com o sentido de carregar algo de um lugar
para outro” (Grudem, Teologia Sistemática, 1999, p. 248),
citando-se o exemplo de um paralítico sendo carregado, em
Lucas 5.18;[131] o vinho sendo levado ao encarregado pela
festa de casamento, em João 2.8;[132] e as capas e os livros
que Paulo pede que lhe levem em 2 Timóteo 4.13.[133] A
isso, o autor conclui que a ideia do termo grego nos remete
não a algo que é simplesmente transportado, mas a algo
sobre o qual há “controle ativo e deliberado”. Dessa forma,
cremos que a preservação divina não é algo em que apenas
nos apoiamos para desenvolver nossa fé, mas uma ação
clara e concreta de Deus, em que ele não apenas faz
permanecer em existência sua criação e promove a
continuidade de seus planos, como também, de fato, torna
sustentada sua vontade, “carregando” a criação até o ponto
em que sua vontade seja integralmente realizada e
concretizada. A preservação de Deus perpassa todos os
aspectos da relação com Deus, desde a criação visível até a
esperança de redenção de seus filhos, ainda intangível e
visível apenas aos olhos da fé.
Criação. Deus preserva a criação, ou seja, todas as
coisas, e, sem ele, nada do que existe existiria. Por essa
razão, o que foi criado continua sendo criação divina e, em
vez de vivermos em constante criação, o que vemos é a
continuidade de tudo que uma vez ele criou, e isso ocorre
por causa de sua preservação. A previsibilidade é uma das
resultantes da criação e da preservação de Deus, e é o que
permite ao homem pensar os fatos e as consequências da
existência como elas são. A matemática, a física, a biologia,
a filosofia, tudo tem razão de ser porque a criação não é
mutante; ela tem sua preservação gerada pelos atos
soberanos de Deus, pois os elementos são analisáveis e
compreensíveis, a ponto de nos gerarem certezas básicas,
como, por exemplo, entender que água é água, ou mais
abrangentes, como, por exemplo, a energia nuclear e toda a
sua complexa análise.
Como ele criou tudo a partir de seu desejo soberano,
sendo Deus, ele preserva todas as coisas criadas, a fim de
que sua criação não se perca e a fim de que tudo deponha a
respeito de sua glória. Em um dos primeiros artigos da
Confissão de Fé de Westminster (CFW), podemos ler que
todo o “conselho de Deus concernente a todas as coisas
necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida
do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou
pode ser lógica e claramente deduzido dela”.[134] Isso nos
remete ao fato concreto de que as Escrituras por vezes nos
dizem coisas claras e objetivas e, outras tantas vezes, que
somos guiados pelas mesmas páginas da Bíblia a entender
verdades subjetivamente expressas. Há todo um aparato
que cerca tais interpretações a fim de evitarmos ilações
errôneas, mas esse é assunto para outro momento. Com
base nessa declaração da CFW, por exemplo, podemos
claramente entender um texto como o que nos diz que Jesus

é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda


a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos
céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos
ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas
foram criadas por ele e para ele. Ele é antes de todas as
coisas, e nele tudo subsiste.[135]

Quando lemos, no texto de Paulo, que nele foram criadas


todas as coisas, lemos a respeito da doutrina da criação;
quando lemos que nele tudo subsiste, lemos a respeito da
doutrina da preservação, particularmente, nesse caso, da
preservação metafísica. Nossa percepção da Bíblia é que
tudo existe por causa de Deus e continua a existir por causa
do mesmo Deus. Isso nos refrigera a alma e faz descansar
nosso coração, pois sabemos que estamos repousados nas
mãos poderosas do Deus que gerencia aquilo que fez e que
não foi leviano em relação à sua obra, mesmo quando esta
se mostrou infiel para com o Criador, o que nos remete a
João, o apóstolo. João nos afirma que Deus é fiel e justo até
mesmo para nos perdoar os pecados, o que, logicamente
falando, é uma intercorrência em nossa história. É na base
da soberania de Deus que reside seu desejo, expresso por
sua permissão para que tudo seja como é e continue a ser o
que é. Caso Deus resolvesse retirar de sobre a criação sua
vontade de preservar todas as coisas, tudo sucumbiria
imediatamente.
Ester, Mardoqueu e todos os judeus foram alvo da
preservação de Deus. De fato, o Deus que tinha criado
todas as coisas e escolhido o povo de Israel para sua
possessão estava também preservando sua obra e seu
povo.
Redenção. Deus tem especial atenção nos fatos e na
história da redenção de seus eleitos, aqueles pelos quais
Cristo morreu na cruz. Enquanto a história humana se
desenvolve, Deus preserva toda a raça juntamente com sua
criação, por uma razão clara e bem destacada em seus
princípios: Deus haverá de arregimentar seus escolhidos em
todos os tempos e em todas as sociedades. Para que isso
aconteça, uma vez que muitos de seus escolhidos ainda
estão no futuro, Deus preserva a raça, a fim de que todos os
seus escolhidos sejam alcançados, de modo que nem um só
deles se perca. A morte é fruto do pecado, o que se seguiu
à Queda, conforme registrado em Gênesis. A morte entra
como um fim de nossa existência temporal, o que somente
foi vencido na cruz, quando nosso Senhor e Salvador a
vence em si e para nós, filhos de Deus, que somos
preservados da morte eterna a fim de que possamos entrar
na alegria celeste com o Pai. A morte física, no entanto,
recai sobre a humanidade como fruto de nosso pecado, mas
já não nos afeta como antes, visto que a morte física, para
nós, passa a ser, de fato, o meio mais objetivo de ingressar
na vida eterna. Os temores e as dúvidas sobre o que nos
aguarda após a morte passam a não mais nos importar: a
alegria de saber que residimos no coração do Deus eterno,
que a tudo preserva, inclusive a nós, supera todas as coisas.
Na história da relação entre Deus e o homem, no momento
em que pecou, o homem merecia de fato a morte. Tanto a
espiritual como a natural. O fato de não termos
desaparecido como raça naquele instante é uma clara
demonstração da graça de Deus, o que aponta diretamente
para sua providência, pela qual nos tem preservado até
hoje.

A mulher sofreria dores no parto (Gn 3.16), mas


haveria filhos. Deus não apenas preservaria a vida do
primeiro casal, mas também lhe daria descendentes. E,
ainda mais maravilhosamente, um desses descendentes
esmagaria a cabeça da serpente (3.15). Assim,
imediatamente depois da Queda, Deus foi
misericordioso para com a humanidade, com base na
sua intenção de redimir seu povo por meio de Cristo.
[...] Desse modo, teve início a preservação, assegurada
por Deus, do mundo e da raça humana na história da
redenção (Frame, 2013, p. 222).

É bem verdade que, ao longo da História, o homem não


deu a devida atenção aos cuidados de Deus e, inúmeras
vezes, abusou em rebelião e pecado, desafiando as ordens
do Senhor e mostrando-se totalmente distante daquilo que
o criador tinha estabelecido como elemento de
prosseguimento natural da raça. Isso fica claramente
demonstrado de forma global no episódio do dilúvio, e de
modo mais localizado no episódio da destruição das cidades
de Sodoma e Gomorra. As renovações sucessivas da aliança
de Deus para com seu povo são o demonstrativo contrário,
de que Deus, a despeito de nossa infidelidade, mantém-se
fiel a nós, e o faz por ter como penhor a si mesmo.
Dessa forma, o compromisso de Deus, pelo qual somos
preservados como raça (pela graça comum) e como filhos
(pela graça comum e especial), mostra, de modo
inconteste, que ele, além de Todo-poderoso e criador de
todas as coisas, aquele que a tudo preserva com vistas à
redenção de seus escolhidos, mantém-se como soberano
Senhor da aliança que ele próprio estabeleceu, com base
exclusivamente em seu ser e em seus desígnios, que são
perfeitos e eternos. Porque Deus não pode ser tocado ou
maculado, a história da redenção tampouco pode ser tocada
ou maculada, sendo, dessa forma, a base de nossa
esperança do porvir.
Aliança. Deus estabeleceu conosco sua aliança e, uma
vez que Deus preserva os eventos para que seus filhos
sejam preservados e cheguem ao conhecimento de Deus,
passando a tê-lo como Senhor e Salvador de suas almas, o
mesmo Deus que de tudo cuida também estabelece a
preservação de seus filhos e da própria igreja do Senhor. Ele
preserva seus filhos durante toda a jornada de
peregrinação, não permitindo que seus passos os afastem
da centralidade de Cristo.[136] Também preserva a igreja
como noiva do cordeiro, tendo ele mesmo se entregado por
ela, a fim de “apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa,
sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e
inculpável”[137] naquele dia em que haveremos de nos
encontrar com o Senhor, ouvindo a voz de seu último
chamado para nós. A preservação da aliança tem íntima
relação com a preservação na história e na redenção, mas
de forma muito peculiar e particular, uma vez que essa é
uma forma de preservação que Deus gera e estende
exclusivamente para aqueles que são seus.
A Bíblia traz uma série de menções especiais aos
cuidados de Deus direcionados aos seus filhos, como, por
exemplo, ser ele nosso refúgio e nossa fortaleza,[138] aquele
que nos preserva a vida e cuida de nossa trilha,[139] que nos
dá longevidade,[140] que nos tira do perigo e nos protege
em meio às lutas,[141] que nos sustenta e dá vida,[142] que
abençoa e alegra os seus filhos,[143] que livra seus filhos da
tribulação[144] e tantas outras ocorrências a respeito do
cuidado de Deus para com os seus pequeninos. Tudo isso
envolve a preservação divina para a sustentação integral de
sua aliança eterna para com seus eleitos.
Mas isso não significa uma vida de triunfos desmedidos
nesta vida material. Em verdade, toda a preservação da
aliança aponta diuturnamente para o fiel e final
cumprimento de tudo, o que somente virá após nosso
encontro eterno com Deus. Dessa forma, prevenimos nosso
coração de abolir algumas advertências bíblicas, como a
que nos lembra que um dia morreremos, mas que a vida de
fato e a alegria eterna representam o prazer final e total do
filho de Deus, como lemos nas palavras do salmista:

Por isso o meu coração se alegra e no íntimo exulto;


mesmo o meu corpo repousará tranquilo, porque tu não
me abandonarás no sepulcro, nem permitirás que o teu
santo sofra decomposição. Tu me farás conhecer a
vereda da vida, a alegria plena da tua presença, eterno
prazer à tua direita.[145]

Na verdade, as Escrituras nos advertem para o fato de


que passaremos dificuldades neste mundo. São muitos os
que sofrem com enfermidades e perseguições, mas aquele
que perseverar até o fim, esse será salvo, e em sua
salvação verá o cumprimento da preservação de Deus. O
próprio Jesus adverte a esse respeito ao dizer: “odiarão
vocês por minha causa; mas aquele que perseverar até o
fim será salvo”.[146] De toda forma, o resultado de nossa
existência glorificará a Deus, o que nos remete à
consonância com a primeira questão do Breve Catecismo de
Westminster, que indaga: “Qual o fim principal do
homem?”. E, em seguida, vem a resposta: “O fim principal
do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.
Aquilo que temos aprendido como perseverança divina
em muito pode ser considerado parte da providência, na
qual o Deus Todo-poderoso nos sustenta e preserva por
causa de seu imenso amor e para o cumprimento de seus
eternos desígnios.
Vida eterna. O Senhor aponta diante de nós a vida
eterna, e ele mesmo nos tem preservado por todos os meios
e tem demonstrado seu cuidado para conosco quando, a
despeito de nosso total demérito, continuarmos a usufruir
de sua presença e da esperança que aponta para a glória
eterna que nos aguarda ao final desta jornada. Não
teríamos meios de chegar à salvação eterna se não fosse a
preservação do Senhor em nossa direção. Deus tem sido e
será bondoso e maravilhoso para com seu povo — mesmo
quando uma parte considerável sofre algum tipo de
perturbação em sua jornada —, mas sua grande e maior
demonstração de extrema bondade e amor se dará quando
chegarmos diante dele, no lar celeste, e formos obrigados a
reconhecer diante dele, face a face, que somente chegamos
até ali por sua misericórdia e graça, pelo ato vicário de
Cristo, após uma peregrinação cheia de falhas e pecados,
mas totalmente preservados pelo amor de Deus.
Deus chama seus eleitos ao longo da História. E ele
trata deles como indivíduos e como coletividade, cuidando
da pessoa e cuidando da igreja. Ao mesmo tempo que os
chama, ele também os preserva, e os preserva para a
salvação, para a vida eterna. As formas gerais de
preservação também recaem sobre os santos, mas, para
estes, há formas de preservação divina que cuidam de
forma específica, encaminhando-os para o lar celestial.
Jesus diz claramente que aquele que não crê nele não crê
porque não é sua ovelha: “Vocês não creem porque não são
minhas ovelhas”,[147] mas o oposto também é verdadeiro.
Jesus prossegue:

As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as


conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna,
e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da
minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior do
que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu
Pai.[148]

Nesse trecho, Jesus fala do ser ovelha, do chamado


irresistível e da preservação dos santos: ninguém pode tirar
a ovelha da mão de Deus, tanto do Pai como do Filho. É por
causa desse princípio de cuidado divino que nós, cristãos da
linha reformada, damos tanta ênfase à doutrina da
perseverança dos santos, aquela doutrina que nos permite
descansar no Senhor enquanto trilhamos nossa jornada.
Nossa caminhada é de imperfeições, tropeços,
inconstâncias e dificuldades ímpares; mas nossa jornada é
um trilhar de perseverança com base na preservação divina,
até o grande dia em que seremos perfeitos e glorificados,
findando nossas limitações de agora: lá, a preservação
cessará, pois jamais seremos levados novamente pelas
circunstâncias desta vida.
Não é suficiente ter uma vida de igreja, ir
dominicalmente aos cultos, ter um cadastro numa igreja
qualquer, pertencer à tradicional família cristã ou mesmo
ter-se batizado e feito a pública profissão de fé. Tudo isso
pode representar um engano aos outros ou a si mesmo. O
que a Bíblia nos admoesta é a seguir uma vida de fato
íntima com Deus, cuidando de nossa santificação, sem a
qual não é possível estar eternamente com Deus, seguindo
à risca a exortação do apóstolo Pedro, que diz: “assim como
é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também
em tudo o que fizerem”.[149]
A preservação é, portanto, um dos muitos aspectos da
providência de Deus para com seu povo, o que ele faz por
nos amar e ter misericórdia de nós. Compreendemos pelas
Escrituras que Deus não apenas criou todas as coisas, mas
a tudo guarda e a tudo permite continuar sua existência,
cumprindo, assim, seus eternos e perfeitos planos. Todas as
coisas animadas e inanimadas, sejam do mundo natural,
sejam do mundo espiritual, tudo está debaixo do comando
da voz poderosa da autoridade do Deus das Escrituras.
Nada do que existe continua a existir se Deus não sustentar
e der prosseguimento a tal coisa.
Por causa de sua providência, ele estabelece as
sucessões de fatos que perpetuam seus desígnios e, por
causa de sua preservação, nada se esvai ou deixa de existir,
a menos que ele próprio demande e ordene. E, caso assim o
faça, nada prosseguirá à revelia de sua voz. As leis naturais,
o contorno do universo, as estações do ano, o mover dos
astros, os microrganismos, desde as minúsculas formas de
vida até os gigantes que singram os mares: tudo existe por
causa dele e por ele, e sem ele nada teria vindo à
existência. E é essa criação que testemunha vividamente a
respeito daquele que a tornou real,[150] sendo arrazoador
dos que creem no dia de hoje e algoz dos impenitentes no
amanhã final,[151] os quais, não sendo inocentes diante de
tal revelação, vão-se distanciando de seu santo ser, o que
se torna especialmente hediondo contra Deus, uma vez que
ele continua a preservá-los, o que aumenta ainda mais seu
abismo existencial diante do Senhor.
Quanto a nós, seus filhos, cabe-nos entender que a
preservação que vem de sua providência intensifica a
necessidade de nossa adoração sincera e profunda a Deus.
A nós, ele não se revelou apenas pela natureza, mas o fez
direta e intimamente ao nosso coração, o que nos torna
devedores eternos de sua bondade, graça e misericórdia.
Assim nos diz o apóstolo Paulo:

Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o


perdão dos pecados, de acordo com as riquezas da
graça de Deus, a qual ele derramou sobre nós com toda
a sabedoria e entendimento. E nos revelou o mistério da
sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que
ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em
Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na
dispensação da plenitude dos tempos. Nele fomos
também escolhidos, tendo sido predestinados conforme
o plano daquele que faz todas as coisas segundo o
propósito da sua vontade, a fim de que nós, os que
primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da
sua glória. [152]

Aprendemos:
Deus não apenas criou todas as coisas, como também
prossegue em preservar tudo que ele criou. Por meio da
preservação divina, ele faz com que sua criação seja
mantida como ele quis criar todas as coisas, sem que
percam a propriedade inicial com que Deus as quis criar.

É pela preservação que ele nos sustenta:


podemos dizer que ele nos “carrega” por meio
desse gesto divino. Então, o que temer, já que o
Deus criador nos carrega desse jeito?
As coisas que nos cercam não perdem o sentido
por causa da preservação de Deus. Se ele não
cuidasse de tudo e as coisas mudassem
aleatoriamente, nem mesmo as ciências poderiam
ser estudadas;
Se Deus preserva tudo, precisamos entender que
o fará ainda mais amorosamente conosco: confiar
nos cuidados de Deus é descansar em meio ao caos
da vida;
Não, a vida não é fácil. Mas não vamos esquecer
que o Deus Todo-poderoso fez uma aliança conosco
e ele jamais se engana, mente ou volta atrás em
sua palavra;
Podemos confiar plenamente que ele sempre
manterá firme sua aliança com cada um de seus
filhos. Está difícil demais? Espere no Senhor e ele
ouvirá seu clamor!
A PROVIDÊNCIA E A ELEIÇÃO
DIVINA
Nem tudo que gostaríamos de saber a respeito de Deus e
de seus santos e eternos desígnios está nas páginas das
Escrituras Sagradas, mas tudo que precisamos saber para
nos relacionarmos com ele e para alcançarmos a vida ao
seu lado nesta peregrinação e na eternidade vindoura está
contido ali. Talvez precisemos nos contentar em ver as
coisas ainda embaçadas, ou turvas, como se olhássemos a
imagem desejada numa superfície de metal polido,
certamente com ondulações e distorções, como nos
descreve Paulo quando encerra sua fala aos coríntios.[153]
Por essa razão, muitas vezes a verdade nos soa como
loucura, enquanto, aos olhos de Deus, a loucura reside
exatamente no não entendimento de sua verdade. Nessa
linha de pensamento, Ester e todo o povo de Deus em seus
dias foram salvos por meios que parecem loucura, mas,
dado o caráter providente de Deus, tais meios foram a
expressão da mais correta postura do cumprimento da
verdade de Deus.
Paulo nos mostra, no início de sua carta aos irmãos de
Éfeso, crer que realmente tudo está sob a eterna e soberana
vontade do Deus Todo-poderoso. Vejamos que, em todo
esse arcabouço, ele inclui o tema de nossa eleição como
pertencente ao conjunto de questões relacionadas à eleição
dos salvos:

Em amor nos predestinou para sermos adotados


como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom
propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa
graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado. Nele
temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão
dos pecados, de acordo com as riquezas da graça de
Deus, a qual ele derramou sobre nós com toda a
sabedoria e entendimento. E nos revelou o mistério da
sua vontade, de acordo com o seu bom propósito que
ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em
Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na
dispensação da plenitude dos tempos. Nele fomos
também escolhidos, tendo sido predestinados
conforme o plano daquele que faz todas as coisas
segundo o propósito da sua vontade, a fim de que
nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos
para o louvor da sua glória.[154]

Se nos detivermos no versículo 11 (negrito acima),


veremos um grande resumo de toda a obra de Deus, de
modo que ele criou todas as coisas porque quis criá-las,
bem como nos escolheu em Cristo simplesmente porque
quis fazê-lo. Ambas as coisas destacam o caráter soberano
de Deus, e é nesse exato momento que vemos o saltar da
doutrina da providência em relação à eleição divina, uma
vez que, no eterno plano de Deus, está embutida a salvação
de seus filhos, encravados em Cristo (em quem fomos
escolhidos), sendo, pelo propósito de seu próprio desejo,
preparados, chamados, salvos e preservados até o final.
Esse processo requer que a providência esteja em ação,
resguardando e provendo os meios para que toda a
extensão do plano de Deus aconteça segundo seu alvitre —
que é totalmente livre e santo. Concordando com isso,
lemos que a “providência de Deus, segundo Paulo, pode ser
resumida na declaração de que Deus ‘faz (ἐνεργέω
[energeō]) todas as coisas (τα παντα [ta panta]) conforme o
conselho (βουλή [boulē]) da sua vontade (θέλημα
[thelēma])” (Ferreira; Myatt, 2007, p. 317), em referência a
esse mesmo versículo, transcrito da versão Almeida Revista
e Atualizada da Bíblia (ARA). A palavra boulē, traduzida, na
Nova Versão Internacional (NVI), por propósito, denota
aquilo que precisamos entender no texto de Paulo, qual
seja, a ideia de um desejo profundo de forma reflexiva, ou
seja, tendo em seu íntimo o desejo de tornar aquilo
concreto. O conselho, ou profundo desejo, ou propósito
inabalável, com que a vontade de Deus estabeleceu todas
as coisas, se reflete diretamente na providência da
salvação, o que se mostra claramente através da eleição
divina. Na sequência da mesma obra, é interessante notar o
comentário de que ta panta inclui “tudo que acontece, mas,
no contexto, é claramente incluída a eleição dos que creem
em Cristo” (idem). Quando nos reportamos ao termo
energeō, temos o veículo motriz para a consolidação das
ações de Deus: a energia ativa de Deus nos remete a uma
ação totalmente eficiente e ativa, poderosa em si, um
trabalho efetivo e profundo, como se Paulo quisesse nos
demonstrar, de forma absolutamente clara, que Deus não
reside apenas em sua transcendência, mas que ele torna
reais e concretos seus desejos e suas decisões.
O versículo 12 fala de nós como “os que primeiro
esperamos em Cristo”, o que lemos em outra versão como
“os que de antemão esperamos em Cristo”. A partir do texto
grego, temos uma noção clara de que aqueles que primeiro
esperam ou que de antemão esperam (προελπίζω
[proelpizō]) são aqueles que creem mesmo antes de terem
qualquer tipo de confirmação numa verdade que lhes é
inicialmente apresentada. Entendemos que isso se dá
exclusivamente com aqueles que são providencialmente
chamados, para os quais o chamado da cruz é totalmente
eficaz, produzindo, nos chamados, o irresistível senso de
seguimento àquele que os chamou. O plano de Deus é
perfeito, pois ele é perfeito. Seu chamado é decorrente de
sua escolha, e sua eficácia é pertinente à cruz, como
sacrifício substitutivo único e perfeito, não havendo outro
meio pelo qual o chamado dos eleitos se torne real em sua
história individual, o que, com frequência, chamamos de
conversão. Devemos lembrar que, acima de tudo, o plano
eterno de Deus é para que haja glória e louvor depositados
diante dele, nos salvos, nos perdidos e em tudo que foi
criado. O final do trecho de Efésios 1.12 nos diz que até
nossa salvação é para o louvor de sua glória.
Somos filhos de Deus, mas não somos filhos à revelia do
desejo ativo de nosso Pai celeste. Isso está diretamente
conectado ao início do trecho destacado da carta a Efésios,
na qual lemos, no versículo 5, que, em amor, Deus “nos
predestinou para sermos adotados como filhos”. É
importante termos em mente que o termo predestinar — e
cremos que somos predestinados por Deus, uma vez que é
assim que sua Palavra nos relata que ele operou em nosso
favor — nos remete a duas circunstâncias: uma se relaciona
ao tempo, a partícula prefixal pré, enquanto a outra se
relaciona a lugar, o verbo destinar. Assim, o termo nos
remete ao fato de que fomos, num tempo anterior,
escolhidos por Deus para irmos a certo lugar, que é o nosso
destino final ao lado do próprio Deus. “O que a
predestinação significa [...] é que nossa destinação final [...]
é decidida por Deus, não só antes de chegarmos lá, mas
antes mesmo de havermos nascido. Ensina que nosso
último destino está nas mãos de Deus” (Sproul, Eleitos de
Deus, 2002, pp. 13-14), sendo, portanto, algo que compete
exclusivamente a ele.
Há uma forte e total conexão entre soberania,
providência e eleição dos santos de Deus. Devido à
complexidade do tema para nossa visão, que, em geral, é
afastada da visão de Deus, em que temos a maior
preocupação posta em direção à liberdade e à natureza
autogestora do ser humano, a ideia do homem sempre o
obriga a perguntar a si mesmo e ao próprio Deus se o
Senhor, sendo conhecedor por toda a eternidade de todas
as coisas, levou seu prévio conhecimento em conta para
predestinar aqueles que deveriam ser salvos no tempo da
história. O que nem sempre nos preocupamos em ver e
pensar é que, quando falamos de nossa liberdade, isso é
posto em detrimento da soberana liberdade do próprio
Deus. Em suma, se queremos defender nossa liberdade de
escolha quanto à predestinação, estamos querendo
defender a não liberdade de Deus em relação a esse tema.
Mas a liberdade de Deus é suprema, perfeita e totalmente
soberana, e, quando “falamos de soberania divina, estamos
falando sobre autoridade de Deus e sobre poder de Deus”
(Sproul, Eleitos de Deus, 2002, p. 15). Ora, autoridade e
poder são indiscutivelmente atributos que repousam de
forma infinita e perfeita nas mãos de Deus, e é por meio
dessas características que ele perpetua providencialmente
suas decisões e obras. Conforme diz ainda o mesmo autor,
“a palavra autoridade contém em si a palavra autor” (idem),
remetendo-nos ao fato de que a autoridade de Deus, além
de nos conduzir a uma questão de detenção de poder, fala-
nos claramente que ele é o autor supremo de todas as
coisas e, por essa autoria, a predestinação dos eleitos se faz
corrente e verdadeira na História.
Se cremos que Deus é totalmente soberano, cremos no
Deus da Bíblia. O contrário se faz verdadeiro se colocarmos
algum tipo de senão na soberania de Deus, imaginando que
ele poderia não ser soberano em relação a algum episódio
ou a algum ato de sua vontade. Se Deus sofre alguma
restrição imposta por falta de soberania, esse Deus não é o
mesmo apresentado nas Escrituras. O ser de Deus é
apresentado de tal forma soberano na Bíblia que toda a
criação se rende diante dele em submissão total, e até
mesmo os impenitentes, um dia, serão forçados a se dobrar
diante dele, conforme Paulo registra: “Por minha vida, diz o
Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho, e toda língua
dará louvores a Deus”.[155] A alusão é à primeira parte de
Isaías 45.23, passagem na qual podemos ler que, além de
estabelecer esse veredicto, Deus, pela pena do profeta, diz
que é por causa do que ele mesmo diz, em juramento sobre
si mesmo, como penhor de sua palavra, que isso realmente
acontecerá, completando que sua palavra jamais voltará
atrás.[156]
Por outro lado, precisamos definir o que é o homem e
qual é seu papel nesse pormenor. Se o homem não é
soberano, temos de perceber que ele é o objeto da
soberania de Deus e que ele próprio não tem condições de
definir suas escolhas eternas, aquelas que se referem à sua
condição de salvo, porque não tem autonomia para fazê-lo.
Se o homem não é soberano, tampouco é autônomo. Ora,
numa primeira leitura, poderíamos entender autonomia
como simples ato de exercício de liberdade, mas a
construção da palavra nos leva a entender que autonomia
tem a ver com a livre definição da regência de vida, pois a
palavra autonomia (αυτονομία) é composta a partir de
elementos gregos que nos permitem uma aproximação do
significado de lei (νομία) própria (αυτο), ou lei de si próprio,
levando-nos, em última instância, à autorregência, o que é
incompatível com a Palavra de Deus quando fala de nós.
Portanto, a soberania de Deus e todos os seus atos
providentes nos falam que a liberdade do homem jamais
poderá restringir em qualquer grau a plenipotente soberania
de Deus e, no sentido amplo, tampouco temos como limitar
sua autonomia. Para entender melhor essa correlação,
nosso “eu” precisa perceber que “Deus é livre. Eu sou livre.
Deus é mais livre que eu. Se a minha liberdade colidir com a
liberdade de Deus, eu perco. Sua liberdade restringe a
minha; minha liberdade não restringe a dele” (Sproul,
Eleitos de Deus, 2002, p. 31). Essa verdade está
intimamente conectada ao fato de toda autoridade residir
nas mãos de Deus e que, por ela, a decisão final sempre
repousará sobre Deus, assim como ocorre em instâncias
sociais em que variados níveis podem experimentar
liberdade, mas a alguns cabem os esforços decisórios em
caso de conflito de interesse, principalmente no caso de
intenções e propósitos diferentes diante da mesma classe
de escolha.
Quando voltamos à pergunta a respeito do prévio
conhecimento de Deus e se isso teria influenciado sua
decisão a respeito da predestinação, precisamos nos
lembrar, mais uma vez, de seus atributos e do fato de que é
com base na providência que temos a resposta de nossa
salvação. Partimos de uma visão mais particular da
predestinação para uma visão mais ampla de providência,
na qual as respostas de nossa salvação se encontram.

A providência que nos salva


Uma vez que entendemos todas essas questões iniciais,
precisamos entender que somos salvos porque Deus foi e é,
acima de tudo, um Deus providente. Mas, antes de mais
nada, temos de entender que podemos nos encontrar em
pelo menos quatro situações quando falamos de salvação
pessoal:[157]

Alguém pode NÃO SER salvo e SER CONSCIENTE


disso
Alguém pode SER salvo e NÃO SER CONSCIENTE
disso
Alguém pode SER salvo e SER CONSCIENTE disso
Alguém pode NÃO SER salvo e NÃO SER
CONSCIENTE disso

Uma das coisas que apontam o caminho para uma falsa


percepção da salvação pessoal é uma doutrinação errada
sobre a própria salvação. Aqueles que creem nos méritos
pessoais para a salvação (sinergismo) ou na salvação de
todos ao final dos tempos (universalismo) terão enorme
dificuldade em perceber as falhas do processo de salvação,
a não salvação, portanto. O fato de sermos salvos,
estejamos conscientes disso ou não, torna-nos privilegiados
pelo alcançar de uma providência eterna exercida sobre nós
a despeito de nossas virtudes e méritos, os quais nada
representam para o conjunto da escolha de Deus em nossa
direção.
Mas há uma pergunta que não cala em nosso coração
quando conhecemos o amor de Deus por nós, seus filhos.
Por que será que Deus tomou nosso lugar e veio para
morrer por nós? Ele não teria poder suficiente para nos
perdoar de todos os pecados sem precisar encarnar num
corpo humano e viver entre nós com a clara intenção de
morrer, e de forma terrivelmente dolorosa e vexatória? Seu
sacrifício e sua substituição voluntários seriam de fato
necessários? Para responder a essas perguntas de nosso
coração, precisamos nos lembrar de termos bíblicos que nos
expliquem melhor e nos façam compreender um pouco mais
daquilo que Cristo, o Deus encarnado, fez por nós. Nossa
salvação, operada pela misericórdia de Deus, e por causa
de sua providência, completa-se em nós por meio da
propiciação, operando a redenção, tornando-nos justificados
e fazendo-nos reconciliados com ele, como membros
amados da mesma família. Com isso, a ira de Deus contra o
pecado e o pecador é satisfeita nele mesmo, num sacrifício
que, por um lado, perdoa os pecados e, por outro, aplaca a
ira justa de Deus. Assim, de forma icônica, “a ‘propiciação’
nos introduz nos rituais de um sacrário; a ‘redenção’, às
transações do mercado; a ‘justificação’, aos procedimentos
de um tribunal de lei; e a ‘reconciliação’, às experiências de
casa ou familiares” (Stott, 2006, p. 171). Nesse ponto,
interessa-nos saber que não havia como sermos tirados da
condição eterna em que nos encontrávamos antes que
Cristo nos estendesse a mão e nos içasse até ele. A
misericórdia de Deus em nosso favor apresenta termos e
meios bastante complexos que as Escrituras demonstram
em nossa direção, mas o fato é que Deus quer de nós uma
aproximação relacional, o que nem sempre percebemos de
imediato.
A enorme necessidade em que nos encontramos é
análoga às necessidades de alguém ou de uma comunidade
inteira que está a um passo da morte, com sentença
estabelecida e dia marcado para perder vida, bens e tudo
que ama e preza. O inimigo está constantemente a postos,
de boca aberta, para tragar impiedosamente os menos
favorecidos, os fracos, os desprovidos de condições mínimas
de sobreviver aos ataques malignos. Dessa forma, na
história do livro bíblico que estamos estudando, estavam o
povo judeu e, em particular, os heróis Mardoqueu e Ester.
De outra forma, assim está toda a raça humana, com a
perdição disposta em sua direção, sem paz ou esperança,
rumando, de modo ávido e irreversível, a uma eterna
desesperança e afastamento de Deus, em tristeza e
profundo arrependimento, mas sem chance de voltar e
reaver a comunhão com o Salvador.
Assim como se deu com os judeus, sobrenaturalmente
salvos pela mão poderosa de Deus, também se dá com os
salvos, os eleitos de Deus que, por causa do plano eterno de
Deus e de seus eternos desígnios, resolveu, por sua própria
vontade, salvar aqueles que ele mesmo havia escolhido
para ser seu povo nesta terra. De forma reduzida, Deus agiu
de forma providencial através de alguns passos para
conosco:

Propiciação. No meio do caos, Deus oferece a si mesmo


como única forma sacrificial de apaziguar a si mesmo
conosco, seus filhos, já que não haveria outros meios de
dispor de sua santidade em nosso favor sem que sua ira nos
vencesse, a menos que ele satisfizesse a si mesmo por
nossa causa, a fim de que a causa maior, seu amor, fosse
completada no sacrifício de Cristo, o próprio Deus
encarnado. Assim, Deus satisfaz a Deus e o homem a quem
ele escolhe ter a ira de Deus retirada de sobre si, porque
algo muito mais poderoso, o amor salvífico totalmente
suficiente de Deus, aplaca sua própria ira. Por essa razão,
Deus exigia sacrifícios no Antigo Testamento: para que sua
ira fosse aplacada, mas somente o sacrifício total e perfeito
levaria o homem além do apaziguar a ira de Deus, o que
veio com Cristo na cruz do Calvário. Essa verdade é
entendida em relação a Cristo quando lemos “Deus o
ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé,
pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua
tolerância, havia deixado impunes os pecados
anteriormente cometidos”, [158] e nisto “consiste o amor:
não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele
nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos
pecados”.[159] A propiciação, portanto, traz paz, tranquiliza
a parte santa que estava irada com o pecado e com o
pecador. Deus fez isso por seus filhos, cumprindo em si
mesmo, sendo ele mesmo a propiciação por nós!
Redenção. Paulo diz sobre nós que, “sendo justificados
gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há
em Cristo Jesus”,[160] enquanto conclui em outro trecho,
falando de Jesus, “em quem temos a redenção, a saber, o
perdão dos pecados”.[161] Com tamanho sacrifício, e com
sua total aceitação aplacando a ira de Deus, aqueles a
quem ele chama são redimidos, o que traz em si a ideia de
compra, de aquisição. O sacrifício da cruz teve o papel
adicional de adquirir para Deus aqueles que ele havia
determinado para si e para seu eterno propósito. Por esse
motivo Lucas registra as palavras de Paulo dizendo:
“cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho sobre o qual
o Espírito Santo os colocou como bispos, para pastorear a
igreja de Deus, que ele comprou com o seu próprio sangue”,
[162] reforçando a ideia de mercado, ou seja, o sacrifício de

Cristo foi preço suficiente para comprar para o Pai aqueles


que ele havia designado para serem seus.
Justificação. A legalidade de todo o processo pelo qual
fomos adquiridos por Deus jamais deixou de existir. Como
justo juiz, ele se satisfaz completamente, e o preço pago por
si mesmo em razão do amor por seus filhos se encarrega de
honrar as dívidas resultantes do pecado diante do tribunal.
Como preço altíssimo, Jesus “foi entregue à morte por
nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação”,[163]
meio pelo qual a exigência legal se cumpriu. É por isso que
alcançamos a paz com Deus, pois, de outra forma, seria
impossível obtê-la. Sem que a dívida fosse paga e sem que
houvesse a satisfação pública, ou seja a justificação dos
filhos de Deus pela fé, jamais teríamos nossa relação com
Deus como a temos hoje. Por isso lemos nas Escrituras que,
“tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus,
por nosso Senhor Jesus Cristo”.[164]
Reconciliação. Chegamos ao descanso em família!
Comprados, lavados, remidos no sangue do Cordeiro de
Deus: somente assim, justos diante do justo Juiz, é que
somos chamados à família, somos inseridos numa casa,
numa comunidade, numa nova esfera, na qual temos
muitos irmãos e amigos. Esses são os que também foram
alvo da providência salvadora de Deus e que agora, junto
conosco, desfrutam os benefícios da salvação divina. Por
isso Paulo diz: “não apenas isso, mas também nos gloriamos
em Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, mediante
quem recebemos agora a reconciliação”,[165] e que “tudo
isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo
por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação”.
[166] Com seu plano eterno em cumprimento, Deus congrega

para si multidões que são filhos espalhados por toda parte,


mas todos eles integrando a enorme família da fé. Ninguém
pode oferecer-se para fazer parte dessa família: somente
aqueles em quem a providência tocou poderão louvar a
Deus cantando e vendo o cumprimento da vontade de
Deus, como lemos no Apocalipse:

e eles cantavam um cântico novo: “Tu és digno de


receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto,
e com teu sangue compraste para Deus homens de toda
tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e
sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a
terra”. Então olhei e ouvi a voz de muitos anjos,
milhares de milhares e milhões de milhões. Eles
rodeavam o trono, bem como os seres viventes e os
anciãos, e cantavam em alta voz: “Digno é o Cordeiro
que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria,
força, honra, glória e louvor!” Depois ouvi todas as
criaturas existentes no céu, na terra, debaixo da terra e
no mar, e tudo o que neles há, que diziam: “Àquele que
está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a
honra, a glória e o poder, para todo o sempre!” Os
quatro seres viventes disseram: “Amém”, e os anciãos
prostraram-se e o adoraram.[167]

A providência divina nos conduziu à salvação. Ela não


apenas nos livra nesta vida das coisas mais comuns, como
também, acima de tudo, é por ela que somos cuidados e
conduzidos à salvação de nossas almas, ao caminho eterno
ao lado de Deus por toda a eternidade.

Aprendemos:
Gostaríamos de saber muitas coisas a respeito de Deus,
porém ele mesmo não quis nos contar tudo sobre si. Mas
aprendemos que tudo que precisamos conhecer dele nos foi
revelado por ele pelas Escrituras Sagradas, o que, sem
dúvida, nos basta. Por isso entendemos a necessidade e a
urgência de nos apegar às páginas da Bíblia, buscando
conhecer o máximo possível de Deus: isso nos será um
enorme ganho.

Lembre-se de que Deus é totalmente soberano e,


por isso mesmo, não é possível que ele sofra
qualquer tipo de restrição ou derrota. Se você é filho
de Deus, então faz parte dos planos eternos e
soberanos de Deus. Logo, nada nem ninguém
conseguem tirar você de Deus;
Sim, você estava afastado de Deus. Mas, pela
providência salvadora dele, você foi reconciliado
com o criador. Não se deixe levar novamente por
pensamentos contrários a ele;
Desfrute o privilégio de estar sob a guarda de
Deus. Os filhos de Deus vivem em paz com Deus, o
que ninguém mais consegue. Isso quer dizer que,
mesmo em meio ao burburinho da vida, você estará
na mais perfeita paz: com tudo, com todos e,
principalmente, com Deus;
Peça a Deus para ajudar você a conhecê-lo mais
e melhor: esteja certo de que ele vai se revelar a
você e vai conduzir sua vida cada vez mais para
perto dele.
A PROVIDÊNCIA E A CONDUÇÃO
DOS SANTOS
Nossa jornada, desde uma situação de afastamento de
Deus, passando por uma vida com ele e chegando à
eternidade, parece ter sido resumida pelo apóstolo Paulo
quando disse: “Agora que vocês foram libertados do pecado
e se tornaram escravos de Deus, o fruto que colhem leva à
santidade, e o seu fim é a vida eterna”.[168] E, com isso,
temos mais dois aspectos de suma importância em nossa
observação da providência divina: há frutos por termos
“mudado de dono”, esses frutos são eternos, mas afloram
viçosamente nesta vida. Uma vez livres das amarras do
pecado, o meio pelo qual éramos gerenciados por nosso
antigo dono, passamos a viver para um novo dono, sendo
seus escravos.[169] Por ele também somos conduzidos de tal
forma que obtemos resultados, aqui chamados de frutos. De
forma inversa à pecaminosidade de outrora, tais frutos nos
levam à santidade e, finalmente, à vida eterna.
Assim, abordar o tema santidade é de suma
importância. Não apenas abordá-lo, mas, acima de tudo,
viver uma vida de conhecimento, busca e experiência da
santidade. Vivendo assim, apontamos nossa jornada para a
glória eterna, quando, então, poderemos, finalmente, ver
nosso Deus face a face. A providência de Deus que cobre
seus filhos se mostra claramente a nós quando somos
conduzidos nesta vida em santidade para o futuro lar
eterno.

Condução em santidade
“Receio que o tema da santificação seja excessivamente
repelido por muitos. Alguns chegam a evitá-lo com
menosprezo e desdém” (Ryle, 2009, p. 43). Com essa
sentença, tem início o segundo capítulo da excelente e
clássica obra Santidade, do bispo anglicano J. C. Ryle.[170]
Lembrado pelo mesmo autor, há três coisas sem as quais
não há possibilidade de salvação: justificação, regeneração
e santificação, o que torna o tema da santidade
extremamente relevante para todo aquele que espera ser
contado entre os que gozarão da vida eterna ao lado de
Deus.
Uma parte considerável de nossas dificuldades em
progredir na vida cristã tal como nos está proposto é a
dificuldade paralela com que nos temos debruçado sobre o
tema da santidade. O mundo em que nos encontramos
oscila em uma reserva de individualismo, em que a
relativização dos conceitos toma o lugar de tudo que
demonstra ter espaço de definição, principalmente se as
definições propostas disserem respeito a pecado ou
salvação. Inclusive no meio dito cristão, uma parcela
considerável dos fiéis se debate com o fato de que o Deus
da Bíblia é um Deus que tem normas e princípios pelos
quais ele rege todas as coisas. Não é possível servir a Deus
sem que o façamos consoante a vontade dele. A relação é
clara, mesmo que não queiramos reconhecê-la: somos e
seremos sempre escravos, e a questão remanescente é tão
somente saber de quem somos escravos: de Satanás ou de
Deus? Uma vez que vimos que o salvo “muda de dono”, é
preciso viver como escravos de Deus, pois, se não o
fizermos, os frutos não serão os da santificação, mas do
pecado, em clara demonstração de que o indivíduo não
mudou de dono, permanecendo escravo de Satanás.
No mundo contemporâneo, além de uma imensa
aversão pelas definições de certo e errado, o que inclui
pecado e santidade, a humanidade adquiriu forte tendência
a uma prática constante e virulenta de hedonismo, sendo
este de característica individualista e egocêntrica. Por causa
dessas tendências, a fé cristã em nossos dias é alvo de
intensa luta, mesmo que nos debrucemos sobre a realidade
das igrejas locais, em que nossa esperança seria encontrar
uma realidade diferente daquela do mundo desprovido da
regeneração. Ao pleitear o louvor de si mesmo, a
humanidade se esquece de que toda honra deve ser
devotada exclusivamente a Deus e a extensão de nossa
vida deve ser para o louvor de sua glória.[171] Nesse quadro,
lembramos que, sem santidade, não é possível haver fé
genuína, nem salvação, tampouco a alegria da vida com
Deus.

Sem santidade, não há fé genuína. É intrigante a


realidade de nossos dias, em que a fé cristã é negada de
forma veemente, mas não se nega o fato de ter fé. A fé, no
entanto, assume novos contornos, mais próximos do centro
humano, e não do centro divino, uma vez que o desejo e o
objetivo da fé em questão não é mais a aproximação de um
Deus santo para a salvação, mas a apropriação da fé para
que os anelos pessoais sejam atingidos. Esse mesmo
princípio pode ser levado para dentro dos arraiais cristãos,
em que a fé genuína em Cristo é trocada por uma fé
espúria, em que Cristo nada mais é que o meio pelo qual as
pessoas intentam chegar aos seus benefícios almejados.
Dessa forma, tanto faz se a pessoa é cristã ou professa
qualquer outra fé, pois as intenções não se casam com o
desejo divino de nos ter como filhos santos, separados para
ele e vivendo integralmente para sua vontade. A fé que
advém dessa forma de pseudocristianismo é uma fé doente
que não toca o ser de Deus nem atinge a necessidade mais
interior de socorro divino. É uma fé que muitas vezes reflete
apenas, no meio cristão, o fato de a pessoa crer que Deus
existe e que nutre por ele alguma dose de temor.
Tiago, ao falar sobre a relação de fé e obras na epístola
que leva seu nome, pergunta claramente: “Você crê que
existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios
creem — e tremem!”.[172] De certa maneira, Tiago está nos
dizendo que crer de forma errada ou incompleta em Deus é
exercer crença pior que a dos demônios! E isso tem tudo a
ver com o fato de precisarmos entender bem a ideia de
santificação e sua aplicação na vida do cristão. Cristo não
morreu na cruz por seus eleitos a fim de que tivéssemos
uma vida feliz e próspera. Embora a Bíblia não se oponha a
esses itens, a promessa de Deus em Cristo é nos livrar da
ira de Deus, que foi totalmente depositada sobre Cristo na
cruz do Calvário. Por essa razão, crer em Cristo como
salvador de nossa alma e não buscar a santificação é o
mesmo que crer apenas em parte da obra da cruz e
desmerecer a completude daquilo que Cristo veio fazer por
nós. Uma vez que Cristo veio não apenas para nos livrar da
culpa do pecado, mas também para nos livrar do domínio
dele, temos de entender que há uma sequência
enriquecedora e libertadora de perdão seguido de
santidade, justificação e santificação, sem a qual não
vivemos em completa harmonia com o propósito de Deus
para seus filhos. Ser santo é viver no corpo, é fazer parte de
Cristo. Se não há santidade, não se está em Cristo, não há
compreensão da fé, não há fé genuína.
Essa é a razão pela qual a Escritura afirma que, sem a
santificação, não haverá salvação. Quando a Palavra diz aos
crentes em Deus que devem esforçar-se “para viver em paz
com todos e para ser santos”, completa imediatamente com
a frase: “sem santidade, ninguém verá o Senhor”.[173] É
pela progressão da vida com Deus, o que se reflete no
processo da santificação, que temos a percepção de nossas
mudanças, de nossa libertação das amarras antigas, de
nosso novo viver em Cristo. Após ser salvo das mazelas do
pecado, o crente em Deus passa de forma natural a buscar
a separação das coisas temporais, de tudo aquilo que
constrange a presença do Espírito Santo na vida do cristão,
passando a desenvolver a inequívoca vontade de se afastar
cada vez mais de seus desejos carnais e de práticas
passadas. Esse caminho se mostra natural na vida de quem
trilha a santificação.
Por outro lado, se a pessoa não se percebe disposta a
caminhar em nova direção, a mudar de atitude em face do
pecado, e pretende permanecer como era antes, apenas
crendo em Deus, essa é uma pessoa que percebeu a luz,
mas não saiu da escuridão. Santificar-se é andar para longe
de tudo que não agrada a Deus e ficar separado dessas
coisas por causa de e para ele. Ryle explica em outra
passagem:

Além disso, a santificação é o único sinal seguro da


eleição divina. Sem dúvida, os nomes e o número dos
eleitos são segredos, os quais Deus, sabiamente,
reservou para sua própria autoridade, não os revelando
ao homem. Não nos é concedido neste mundo estudar
as páginas do livro da vida a fim de verificar se os
nossos nomes estão ali. Mas, se há algo claro e
indubitavelmente ensinado acerca da eleição, é o
seguinte: as mulheres e os homens eleitos podem ser
conhecidos e distinguidos por suas vidas santas. Está
expressamente escrito que eles foram “eleitos segundo
a presciência de Deus Pai, em santificação no Espírito”;
“desde o princípio para a salvação, pela santificação do
Espírito”; “também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho”; “nos escolheu nele
antes da fundação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis perante ele”. Por conseguinte, quando o
apóstolo Paulo percebeu a “fé” atuante, o “amor”
operante e a “esperança” paciente dos crentes de
Tessalônica, disse “reconhecendo, irmãos, amados de
Deus, a vossa eleição” (1Pe 1.2; 2Ts 2.13; Rm 8.29; Ef
1.4; 1Ts 1.3-4) (Ryle, 2009, p. 47).
Logo, se alguém vive na prática da ausência da
santificação, esse alguém não pode ser contado entre os
salvos. Por essa razão, a Bíblia assegura que, “sem
santidade, ninguém verá o Senhor”, o que equivale a dizer
que, sem santidade, não há salvação, entendendo ainda
que a santificação é um processo que deve durar toda a
nossa jornada nesta terra. E é preciso estar no processo,
mesmo com as dificuldades e limitações de nossa
humanidade, e mesmo sabendo que a perfeição não é a
meta alcançável nesta etapa, mas persegui-la é totalmente
desejável e honra a Deus, além de responder com amor ao
que Cristo fez por nós. Ryle termina o trecho dizendo que,
“onde não há pelo menos alguma aparência de santificação,
podemos ter boa margem de certeza de que também não
há eleição” (idem).
Também somos levados a perceber na Escritura que,
sem santificação, não é possível ter acesso a qualquer
estágio de alegria. Muitos podem se perguntar quais são as
razões para sermos o “povo mais feliz da terra”, expressão
que já foi impressa como título de livros, músicas e tudo o
mais. Vivemos imersos num mundo totalmente secularizado
e avesso às coisas de Deus, seus encantos, suas belezas,
suas propostas, sua aparente liberdade: tudo no mundo
parece querer nos dizer que não somos livres porque
estamos em Cristo. O mundo nos vê como pessoas que
negam a liberdade porque seguimos as pegadas de nosso
Mestre.
Para as pessoas do mundo não bíblico, não temos
liberdade, alegria nem prazer. Mas o que tais pessoas não
alcançam é que somos totalmente livres porque fomos
libertos por Cristo, e que não queremos voltar às práticas
anteriores à salvação porque as conhecemos e sabemos
que não são libertadoras, mas aprisionadoras. Por isso Paulo
diz aos irmãos da Galácia que “foi para a liberdade que
Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se
deixem submeter novamente a um jugo de escravidão”.[174]
As mesmas pessoas tampouco compreendem que sentimos
profunda alegria em nosso ser, mesmo quando as coisas
aparentemente vêm contra nós com dificuldade extremada.
Nossa alegria não se baseia em circunstâncias
momentâneas; ela é permanente, já que é obra de Deus em
nós, e não apenas resultado de coisas que nos ocorrem ao
longo da vida. Entendendo a estreita ligação entre eleição e
justificação, e entre esta e a alegria, fica mais fácil
entendermos também as palavras de Cristo quando diz:
“contudo, alegrem-se, não porque os espíritos se submetem
a vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céus”,
[175] o que, em outras palavras, associa a alegria ao fato de

sabermos que somos eleitos de Deus. Sem santidade,


então, não há meios de ter uma vida cristã alegre. O mundo
parece ignorar o fato de que temos prazer, mas que o
temos em relação a coisas elevadas para os padrões do
mundo e, por isso, ele não alcança que tenhamos tal
sentimento. O prazer para o mundo representa a expressão
de hedonismo e de autorrealização, sem que isso signifique
vida ou caráter, apenas momentos fugazes em que a
pessoa se debruça e pelos quais passa a lutar,
degenerando-se dia após dia, numa queda constante e
progressiva em direção ao juízo e à perdição eterna, como
nos adverte o apóstolo Pedro.[176] Nosso prazer provém de
outra esfera, em especial de sabermos quem é nosso Deus
e que é nele e em sua lei que reside nossa alegria, como
podemos ler se destacarmos apenas os seguintes versículos
do Salmo 119: “Tenho prazer nos teus decretos; não me
esqueço da tua palavra”; “Sim, os teus testemunhos são o
meu prazer; eles são os meus conselheiros”; “Tenho prazer
nos teus mandamentos; eu os amo”; “O coração deles é
insensível, eu, porém, tenho prazer na tua lei”; “Alcance-me
a tua misericórdia para que eu tenha vida, porque a tua lei é
o meu prazer”; “Se a tua lei não fosse o meu prazer, o
sofrimento já me teria destruído”; “Tribulação e angústia me
atingiram, mas os teus mandamentos são o meu prazer”;
“Anseio pela tua salvação, Senhor, e a tua lei é o meu
prazer”.[177]
Encerrando, ainda segundo Ryle, há parâmetros práticos
pelos quais se percebe a verdadeira santificação. Ele
trabalha com aspectos negativos e positivos que, se bem
observados, ajudam a perceber a verdadeira santificação.

Negativamente:

1. A verdadeira santificação não consiste em


conversar sobre a fé,
2. Nem em expor os sentimentos religiosos,
3. Nem em formalismo externo ou devoção interior,
4. Nem em nos afastarmos de ocupações comuns,
ligando-nos apenas a atividades religiosas,
5. Nem na realização de boas ações.

Positivamente:

1. Manifesta-se no esforço por respeitar a lei de


Deus e por manter vida de obediência,
2. Por querer sempre fazer a vontade de Cristo e
viver segundo sua prática de fé,
3. Por manter o padrão de vida das igrejas
conforme vemos no Novo Testamento,
4. Por dar a devida atenção às graças ativas
exemplificadas por Cristo —especialmente o amor,
5. Por dar a devida atenção às graças passivas —
como o fruto do Espírito, por exemplo.[178]

Sendo nossa responsabilidade buscar a santidade, cabe-


nos entender que temos direito à liberdade, à alegria e ao
prazer oriundos da vida com Deus. Quanto mais próximos
de Deus andarmos em santidade, mais intensos serão nossa
alegria e nosso prazer nas coisas que Deus preparou para
nosso deleite. A providência nos conduz em santidade. A
mesma providência nos dá ânimo e condições de andar em
santidade. A providência ordena e dá os meios para a
santidade!

Condução à eternidade
A providência que nos permite a condução em santidade
também nos permite esperar com toda certeza em outra
promessa de Deus para seu povo: a condução à eternidade.
Sem santidade, a eternidade ao lado de Deus não é
possível, o que nos insere num modelo de vida que só faz
real sentido ao termos clara em nós a ideia bíblica da
eleição. Olhando do final da carreira do salvo para seu início
de vida como indivíduo, de forma absolutamente simplista,
vemos que o eleito estará eternamente na glória com
Cristo; antes, porém, precisou andar em santidade de vida;
ainda antes disso, precisou ser salvo e ter seus pecados
perdoados, o que torna a cruz de Cristo totalmente
indispensável; antes de sua própria existência, na
eternidade antes do tempo, precisou ser eleito por Deus. O
desencadear de todos os processos, mesmo que a pessoa
não os tenha percebido claramente, faz com que o eterno
plano de Deus seja devidamente cumprido na história do
indivíduo e da humanidade.
A tal ponto essa questão é importante para os filhos de
Deus que, por vezes, até nos confundimos e colocamos a
vida eterna como alvo central da obra de Cristo para os
eleitos, quando, na verdade, a vida eterna é a resultante, ou
seja, o fato de nos tornar redimidos em Cristo, a fim de
termos a ira de Deus desviada de nós, seus filhos eleitos.
Mesmo antes, no Antigo Testamento, quando a teologia
começa a se tornar mais próxima do que compreendemos
na era cristã, já se ouvia a fala a respeito da cisão futura e
eterna como lemos em Daniel, por exemplo, que “multidões
que dormem no pó da terra acordarão: uns para a vida
eterna, outros para a vergonha, para o desprezo eterno”,
[179] algo que era uma preocupação latente nos
contemporâneos do ministério terreno de Jesus, que, por
diversas vezes, lhe perguntam como fariam para “herdar a
vida eterna”, em terminologia correntemente vista nas
traduções, além das menções de Jesus, de forma direta, a
esse respeito.[180] Mas não podemos nos esquecer de que a
obra principal da cruz foi nos fazer sair de sob a justa ira de
Deus, a fim de que, comprados pelo precioso sangue de
Cristo, pudéssemos chegar ao Pai como filhos e amigos, e
não mais como estranhos a ele, ainda seus inimigos.
Nessa perspectiva, a vida eterna é o resultado
aguardado dos salvos em Cristo, mesmo que tenha ares de
uma espécie de premiação, o que talvez seja a raiz de nossa
inversão de valores. Em outras palavras, não somos salvos
para ir ao céu, mas, sim, para satisfazer a vontade de Deus
e glorificar seu nome por seus atos soberanos. O que vier
depois disso, ou junto com isso, é pura graça e benefício
imerecido que recebemos de Deus.
Horatius Bonar (1808–1889)[181] foi um pastor
presbiteriano escocês contemporâneo e ativo participante
de O Grande Rompimento.[182] Ele nos diz que

somos justificados a fim de sermos santos. A posse


dessa justiça legítima é o início de uma vida santa. Nós
não vivemos uma vida santa para ser justificados, mas
somos justificados a fim de viver uma vida santa. Aquilo
que o homem chama de santidade pode ser encontrado
em quase todas as circunstâncias — no temor ou nas
trevas, na escravidão, na fadiga e no sofrimento da
autojustiça; mas aquilo que Deus chama de santidade
somente pode ser desenvolvido sob condições de
liberdade e luz, de perdão e paz com Deus. O amor,
como motivação, é muito mais forte que a lei, muito
mais influente que o medo ou que a ira, ou que o perigo
do inferno. O terror pode fazer um homem se curvar
como um escravo e obedecer a um senhor severo, antes
que algo pior venha sobre ele; mas apenas um senso de
um amor perdoador pode trazer tanto o coração quanto
a consciência a um estado em que a obediência é
igualmente agradável para a alma e aceitável a Deus
(BONAR, 2012, p. 151) .

O autor nos fala das motivações pelas quais deveremos


nos voltar para a jornada em direção à eternidade com Deus
e, como visto anteriormente, também aponta para a
interpretação linear de que a conquista da salvação eterna
é algo dado por Deus, algo sem méritos pessoais e algo que
é consequência — e não finalidade ou meio — de uma vida
que foi justificada por Deus e que, por essa razão, se tornou
uma vida livre da ira de Deus. Nós ficamos de pé, e não
caímos na caminhada, por causa do sustento de Cristo, com
base exclusivamente em sua misericórdia. Somos
escudados na perfeição de Cristo, atrás de quem se
escondem nossas imperfeições e nossos pecados, nossa
injustiça e nossa traição contra o Perfeito. Por causa do
Senhor, justiça nossa, como o chama Jeremias,[183] não
precisamos ter qualquer tipo de temor a respeito da ira de
Deus, nem aqui e agora, nem depois, no porvir. Por causa
de Cristo, podemos dizer ao Pai: “não olhe para mim, mas
olhe para o Substituto; não trate comigo, mas com Aquele
que carrega os meus pecados; não contenda comigo, mas
contenda com ele, ele responderá por mim” (Bonar, 2012,
p. 150). Isso nos remete à total segurança do crente, uma
das mais belas leituras da teologia cristã que temos ao
nosso dispor para o descanso de nossa alma e o apoio de
nossa consciência.
Desse modo, nossa jornada em direção à eternidade
pode ser simplificada da seguinte forma: Deus nos comprou
por elevado preço para sermos novas criaturas, ou nova
criação,[184] em Cristo Jesus, glorificando a Deus com nossos
corpos e para que, livres, não nos tornemos escravos
novamente de homens.[185] A compra a que a Palavra de
Deus se refere desemboca no perdão de nossos pecados,
tornando-nos o “novo homem”, em contraste com o “velho
homem”, e a razão disso é que somos perdoados com uma
clara finalidade, que é a de nos tornarmos semelhantes a
Cristo, aquele que nos perdoa. Ele se fez semelhante a
nós[186] para que, nele, sejamos semelhantes ao próprio Pai.
[187] Por sermos perdoados e sermos semelhantes ao Pai e
ao Filho que nos libertou, somos totalmente livres, tirados
de uma prisão que nos impedia de trilhar o caminho da
santidade, por causa do amor ilimitado de Deus em direção
aos seus filhos, que, exatamente por serem seus filhos,
passam a viver em santidade. A santidade aponta
objetivamente para o final de nossa peregrinação, nas
palavras do apóstolo Paulo, no final de sua doxologia aos
tessalonicenses, falando sobre Deus: “Que ele fortaleça os
seus corações para serem irrepreensíveis em santidade
diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus
com todos os seus santos”.[188] Irrepreensíveis em
santidade: essa é a condição final da jornada do verdadeiro
filho de Deus. E como será possível vermos essas condições
em seres pecadores e imperfeitos como nós? Ora, aqui
voltamos ao início de tudo, quando fomos comprados por
Deus e escondidos em Cristo!
Embora aprendamos que os santos gozam de alegria
durante um tempo intermediário, após a morte física e
antes da vinda de Cristo, entendemos nas Escrituras que
isso nos fala de uma alegria também intermediária e
passageira, transitória, uma vez que a verdadeira e eterna
alegria está reservada ao lar celestial, onde somente a
santidade completa e total poderá ter ingresso.
A providência de Deus é a estrada sobre a qual
trafegamos até chegar ao eterno porvir ao lado de Cristo,
contemplando a face do criador e adorando nosso Deus por
toda uma incontável e incompreensível eternidade. A
alegria do crente em Deus será completada — e somente ali
o será — na presença daquele por quem vivemos e
morremos como igreja do Senhor. Ele nos conduziu por sua
mão poderosa, nos poupou da morte eterna e, por isso,
soberana e providentemente, nos fez entrar em sua
presença santa e gloriosa. Diante dessa imagem que a
Bíblia nos faz ter em nossos sonhos eternos, somente
podemos almejar que isso ocorra logo, orando ao Senhor dia
e noite, como lemos ao final da Escritura: “Amém. Vem,
Senhor Jesus!”.[189]
A igreja não tem mais se lembrado tanto quanto deveria
de pregar as bênçãos do porvir. Isso enfraquece o povo de
Deus e lhe furta parte da capacidade de compreender as
instâncias desta terra pela qual passamos como peregrinos.
Muitas vezes somos tentados a nos apropriar e guerrear
pelas coisas deste mundo como se fôssemos dele, mas a
verdade é que não somos daqui. Somos de outro país, com
outro governo, outras regras, outra espiritualidade, outro
Deus. Somos cidadãos da pátria celestial vivendo numa
espécie de diáspora espiritual, mas já estamos viajando de
volta, a caminho, para matar as saudades de nossa
verdadeira terra, de nossa gente e de nosso Senhor e Deus.
Como igreja do Senhor, precisamos voltar a viver pela fé,
sabendo que, pela providência do Pai, estamos seguros no
caminho eterno. Conforme aprendemos em Hebreus,[190] os
antigos viveram pela fé sem saber exatamente o que
representavam as promessas eternas, vislumbrando apenas
parte da promessa, aquela que tinham como verificar no
aspecto terreno. Mesmo assim, sem compreender
perfeitamente, eles sabiam que havia algo mais. O texto
nos faz pensar: nós, que temos a revelação completada a
partir de Cristo, sabemos que, um dia, teremos uma pátria
muito mais excelente, que é a pátria celestial, para onde
vamos e onde encontraremos a cidade que nosso Deus nos
foi preparar.
A doutrina da providência de Deus nos faz perceber
que, por seu cuidado, fomos escolhidos desde antes da
fundação do mundo, salvos, perdoados, justificados,
preservados, conduzidos, santificados, e seremos um dia
inseridos em estado de grande e eterna alegria.

Aprendemos:
A providência que nos cria, guarda e salva é a mesma
que nos conduz em segurança ao longo da vida e, o mais
importante, em segurança até o dia final, quando estaremos
seguros para sempre ao lado de Deus.

Por causa de Deus, precisamos buscar menos de


nosso próprio prazer e focar nossas energias na
busca de uma vida que agrade a ele. Então,
teremos mais alegria e prazer!
Não é possível ter fé genuína sem ter vida de
santidade, mesmo que isso seja deixado de lado por
muita gente em nosso tempo. Mas, dando crédito à
Escritura, vamos manter uma vida piedosa aos pés
de Cristo e buscar a santidade nele: isso tornará
cada vez mais intensa nossa fé;
As pessoas podem pensar que o cristão não tem
liberdade. Mas nós somos livres em Cristo e
simplesmente temos alegria em não querer mais
voltar a práticas antigas. Vale a pena manter o
esforço até o final;
Mesmo que a coisa aperte, temos a lembrança
de que o Senhor é o Deus da providência e por ela
nos conduz e preserva até chegarmos à eternidade
ao lado de Cristo. Com isso, temos plena certeza da
fé nas promessas de sustentação da parte de Deus;
De qualquer jeito, se você leu até aqui e não
consegue saber se é filho de Deus ou não, chegou a
hora de conversar honestamente com ele. Quer
tentar? Se não sabe como, experimente contar a ele
quais são as tribulações que enfrenta, quais são
seus medos e o que gostaria de experimentar dele.
Pode começar dizendo a ele que gostaria, de
verdade, de conhecer o Deus que livrou Ester e
todos os hebreus. Sim, o Deus da providência estará
ao seu lado e vai lhe responder!
E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE
Embora frequentemente reluza em todo o curso da
providência ou o paterno favor e a beneficência de
Deus, ou a severidade de seu juízo, entretanto às vezes
as causas dessas coisas que acontecem são ocultas, de
sorte que sutilmente se insinue o pensamento de que as
coisas humanas volvem e giram ao cego impulso da
sorte, ou a carne nos contradiz solicitamente, como se
Deus, atirando os homens como bolas, se entregasse a
um jogo!
João Calvino

Moral da história
Gostamos de ler romances e contos em que o mocinho
termine bem, com a mocinha, após muitas aventuras e
lutas, suando a camisa e saindo vencedores, para,
finalmente, viverem felizes para sempre. Se não for o caso
de mocinhos e mocinhas, povos inteiros submetidos a
maus-tratos e vergonha histórica sendo libertados também
nos atraem a atenção e despertam as emoções. Mas
sabemos que a vida real raramente é assim, o que nos
convida tão intensamente para a vida imaginária. É bem
verdade que as narrativas reais podem nos surpreender
com algumas exceções, em que as histórias mais
fantásticas parecem saltar do sonho ou da imaginação para
a vida cotidiana.
No entanto, podemos dizer que essa vida que
chamamos de real não é real. Mas a vida que parece um
sonho em que, após as lutas e dificuldades, os ares mudam
drasticamente, sugerindo felicidade eterna, essa, sim, é
real: real para aqueles que se inserem no plano divino que
percorre os tempos e as gerações, ouvem o chamado do
Bom Pastor e o seguem, perseveram durante toda a jornada
e, ao final, passam aos braços do Senhor com seu coração
convertido e entregue em suas mãos.
Por isso é possível dizer que Mardoqueu, Ester e todos
os judeus de seus dias viveram felizes para sempre. Não
como veríamos nos contos de fadas ou nos concorridos
romances de Jane Austen, nas intricadas linhas de Voltaire
ou nas estonteantes vielas do Rio antigo num Machado de
Assis. Mas tudo se torna possível por ser a promessa de
Deus para aqueles que servem a ele e perseveram até o
final, cujas histórias, ao fim de tudo, sempre são felizes.
Conforme vimos, a narrativa de Ester é um belo apoio
para entendermos algo mais profundo que a história em si,
que é a ação sobrenatural de um Deus que não se satisfaz
apenas em ser Criador de todas as coisas, mas em reger e
sustentar toda a sua criação, sendo ele próprio agente na
história da criação e da redenção. Nesse contexto, esse
mesmo Deus tem planos que são eternos e perfeitos, dos
quais não escapamos por causa de sua graça e de seu
amor. Ele nos escolheu em seu amor na eternidade
pretérita, se assim a podemos classificar, mesmo antes de
haver criado todas as coisas, nas quais o tempo se inclui.
Ao longo destas páginas, passeamos de forma não
exaustiva pela doutrina da providência de Deus. Mas o que
precisamos de verdade é descansar em sua vontade e em
sua soberana ação em favor da criação e, especialmente,
em favor de seus filhos. Muitas vezes nos debatemos contra
as circunstâncias sem lembrar que Deus jamais deixará de
ser Deus, e que ele é totalmente soberano em todos os seus
atos. Sua vontade é perfeita,[191] seus propósitos se
cumprem,[192] nada foge ao seu controle, ele não dorme
nem cochila,[193] ele não se cansa:[194] frases feitas ou de
efeito que encontramos na Bíblia? Não. Apenas a verdade a
respeito de um Deus que é totalmente perfeito e que, por
isso mesmo, não alcançamos compreender sequer em parte
razoável.
A providência divina, com seus desdobramentos,
quando entendida e reconhecida, pelo menos na parte que
nos é possível, nos conduz a uma vida de peregrinação em
paz. Estaremos tão profundamente descansados na certeza
de que Deus está no total controle de todas as coisas que o
mais intenso ataque contra nós será absorvido. Isso não
quer dizer que não teremos momentos complicados,
sofrimentos ou dissabores. Mas significa, em essência, que
estaremos diante dessas circunstâncias com outra postura,
sabendo que estamos, ainda assim, sob a égide de um Deus
que não nos permitirá ver ultrapassados os limites de nossa
capacidade de suportar.
Ester nos ensina que as adversidades também estão
sob controle de Deus. Mesmo as mais complexas continuam
controladas, o que nos garante a paz de que precisamos
para nossa jornada. A doutrina da providência nos ensina
que os feitos naturais e corriqueiros também estão sob
olhar atento do Deus Todo-poderoso. Mesmo assim, tanto a
narrativa de Ester como a doutrina da providência
continuam nos mostrando que temos de agir: o fato de
Deus ser soberano, reger tudo e nos prover todo o tempo
não nos isenta de sermos agentes em nossa jornada.
Por tudo isso podemos dizer que os judeus Mardoqueu e
Ester viveram felizes para sempre! Mais ainda, podemos
dizer que, pelos mesmo motivos, nós também viveremos
felizes para sempre: nosso Deus é o mesmo que
encontramos em toda a Escritura, imutável e poderoso, o
mesmo apresentado, mesmo sem menção nominal, ao
longo das poucas, porém belas e intensas páginas do livro
de Ester.
REFERÊNCIAS
BERKHOF, L. (1990). Teologia Sistemática. (O. Olivetti,
Trad.) Campinas, SP, Brasil: LPC.
BONAR, H. (2012). A justiça eterna: como o homem
será justo diante de Deus? (W. d. Coicev, Trad.) São
José dos Campos, SP, Brasil: Fiel.
CALVINO, J. (1984). As Institutas ou Tratado da Religião
Cristã: Edição clássica (latim) (1 ed., Vol. 1). (W. C.
LUZ, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: CEP.
CARSON, D. A., FRANCE, R. T., MOTYER, J. A., &
WENHAM, G. J. (Eds.). (2009). Comentário bíblico
Vida Nova. (V. tradutores, Trad.) São Paulo, SP,
Brasil: Vida Nova.
DILLARD, R. B., & LONGMAN III, T. (2006). Introdução ao
Antigo Testamento. (S. d. Saraiva, Trad.) São Paulo,
SP, Brasil: Vida Nova.
FEE, G. D., & STUART, D. (2013). Como ler a Bíblia livro
por livro: um guia de estudo panorâmico da Bíblia.
(T. N. LIMA, & D. H. KROKER, Trads.) São Paulo, SP,
Brasil: Vida Nova.
FERREIRA, F., & MYATT, A. (2007). Teologia sistemática:
uma análise histórica, bíblica e apologética para o
contexto atual. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova.
FRAME, J. (2013). A doutrina de Deus. (O. OLIVETTI,
Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Cultura Cristã.
GRUDEM, W. (2001). Manual de teologia sistemática:
uma introdução aos princípios da fé cristã. (H. C.
Campos, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Vida.
GRUDEM, W. A. (1999). Teologia Sistemática. (V.
tradutores, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova.
GUTHRIE, D., & MOTYER, J. A. (Eds.). (1989). New Bible
Commentary. Leicester and Grand Rapids, UK and
USA: Inter-Varsity Press and Wm. B. Eedermans.
HESS, R. (2010). Josué, introdução e comentário. São
Paulo, SP, Brasil: Vida Nova.
KAISER JR, W. C. (2011). O plano da promessa de Deus:
teologia bíblica do Antigo e Novo Testamentos. (G.
Chown, & A. Mendes, Trads.) São Paulo, SP, Brasil:
Vida Nova.
MEARS, H. C. (1993). Estudo panorâmico da Bíblia. (W.
Kaschel, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Vida.
PACKER, J. I. (2004). Teologia concisa. (R. Castilho,
Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Cultura Cristã.
RYLE, J. C. (2009). Santidade sem a qual ninguém verá
o Senhor. (J. BENTES, & W. COICEV, Trads.) São José
dos Campos, SP, Brasil: FIEL.
SCHLESINGER, M. (nd de julho-dezembro de 2011).
Judeus por opção: a conversão ao judaísmo desde
os tempos bíblicos até nossos dias. WebMosaica:
Revista do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall,
Vol. 3(2), pp. 73-96. Acesso em 07 de 07 de 2014,
disponível em WebMosaica:
http://www.seer.ufrgs.br/index.php/webmosaica/arti
cle/view/26239
SCHULTZ, S. J. (1990). A história de Israel no Antigo
Testamento. (J. M. Bentes, Trad.) São Paulo, SP,
Brasil: Vida Nova.
SPROUL, R. C. (2002). Eleitos de Deus. (G. C. Cury,
Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Cultura Cristã.
SPROUL, R. C. (2006). A invisível mão de Deus. (V. L.
Delgado, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Bompastor.
SPROUL, R. C. (2006). Verdades essenciais da fé cristã
(Vol. 2). (J. Ribeiro, Trad.) São Paulo: Cultura Cristã.
STOTT, J. R. (2006). A cruz de Cristo. (J. BATISTA, Trad.)
São Paulo, SP, Brasil: Vida.
[1] Ester 1.1-3.
[2] “Dario achou por bem nomear 120 sátrapas para governar todo o reino;

e colocou três supervisores sobre eles, um dos quais foi Daniel. Os sátrapas
tinham de prestar contas a eles para que o rei não sofresse nenhuma perda.
Ora, Daniel se destacou tanto entre os supervisores e os sátrapas por suas
grandes qualidades que o rei planejava colocá-lo à frente do governo de todo o
império” (Dn 6.1-3).
[3] “No segundo ano de seu reinado, Nabucodonosor teve sonhos; sua

mente ficou tão perturbada que ele não conseguia dormir. Por isso o rei
convocou os magos, os encantadores, os feiticeiros e os astrólogos para que lhe
dissessem aquilo com que ele havia sonhado. Quando eles vieram e se
apresentaram ao rei, Nabucodonosor lhes disse: ‘Tive um sonho que me
perturba e quero saber o que significa’. Então, os astrólogos responderam em
aramaico ao rei: ‘Ó rei, vive para sempre! Conta o sonho aos teus servos, e nós
o interpretaremos’” (Dn 2.1-4).
[4] “E, nos dias de Artaxerxes, rei da Pérsia, Bislão, Mitredate, Tabeel e o

restante dos seus companheiros escreveram uma carta a Artaxerxes. A


carta foi escrita em aramaico, com caracteres aramaicos” (Ed 4.7).
[5] “Então Eliaquim, Sebna e Joá disseram ao comandante: ‘Por favor, fala
com os seus servos em aramaico, pois entendemos essa língua. Não
fales em hebraico, pois assim o povo que está sobre os muros
entenderá’” (Is 36.11).
[6] “Ao ataque, cavalos! Avancem, carros de guerra! Marchem em frente,

guerreiros! Homens da Etiópia e da Líbia, que levam escudos; homens


da Lídia, que empunham o arco!”
[7] “Na batalha de Maratona, pereceram cerca de 6.400 homens do lado
dos bárbaros e 192 do lado dos atenienses” (Heródoto, 1950, VI, CXVII).
[8] LARCHER apud HERÓDOTO, História, 1950, p. 24, Introdução.
[9] “Dario, declarando Xerxes seu sucessor, dispôs-se a marchar para a

guerra; mas a morte o surpreendeu em meio aos preparativos, no ano


seguinte ao da sublevação do Egito, depois de haver reinado trinta e seis
anos sem ter tido a satisfação de punir os egípcios e vingar-se dos
atenienses” (Heródoto, VII, IV).
[10] Embora o número dos guerreiros fosse assaz considerável, penso que
o dos criados que os seguiam, dos tripulantes dos navios de
abastecimento e dos outros serviços da frota era maior ainda, ou pelo
menos igual. Xerxes, filho de Dario, conduziu, assim, até Sépias e as
Termópilas, cinco milhões, duzentos e oitenta e três mil duzentos e vinte
homens” (Ibid., VII, CLXXXVI)
[11] “(...) Escreva num livro o que você vê e envie a estas sete igrejas:
Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia” (Ap
1.11).
[12] “Ao anjo da igreja em Sardes, escreva: Estas são as palavras daquele

que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas. Conheço as suas


obras; você tem fama de estar vivo, mas está morto. Esteja atento!
Fortaleça o que resta e que estava para morrer, pois não achei suas
obras perfeitas aos olhos do meu Deus. Lembre-se, portanto, do que
você recebeu e ouviu; obedeça e arrependa-se. Mas, se você não estiver
atento, virei como um ladrão e você não saberá a que hora virei contra
você. No entanto, você tem aí em Sardes uns poucos que não
contaminaram as suas vestes. Eles andarão comigo, vestidos de branco,
pois são dignos” (Ap 3.1-4).
[13] “Durante a noite Paulo teve uma visão na qual um homem da

Macedônia estava em pé e lhe suplicava: ‘Passe à Macedônia e ajude-


nos’” (At 16.9).
[14] “Pois a Macedônia e a Acaia tiveram a alegria de contribuir para os

pobres dentre os santos de Jerusalém” (Rm 15.26).


[15] “E, de fato, vocês amam a todos os irmãos em toda a Macedônia.

Contudo, irmãos, insistimos com vocês que cada vez mais assim
procedam” (1Ts 4.10).
[16] “A passagem mais estreita que há no país é a que fica à frente e atrás

das Termópilas, pois atrás, perto de Alpenes, não pode passar senão
uma carroça, e à frente, perto do riacho de Fênix e da cidade de Antela,
não há passagem senão para uma pequena viatura. A oeste das
Termópilas encontra-se uma montanha escarpada e inacessível, que se
estende até o monte Eta.” (Heródoto, VII, CLXXVI).
[17] “Quando Leônidas tombou gloriosamente nas Termópilas, Mardônio e

Xerxes mandaram cortar-lhe a cabeça e dependurar-lhe o corpo num


poste.” (Ibid., IX, LXXVII)
[18] Ester 1.4.
[19] Banquete 1: Ester 1.3; Banquete 2: Ester 1.5; Banquete 3: Ester 1.9;

Banquete 4: Ester 2.18, Banquete 5: Ester 5.5; Banquete 6: Ester 7.1;


Banquete 7: Ester 8.17; Banquete 8: Ester 9.18.
[20] Ester 1.4.
[21] Ester 1.11.
[22] Ester 4.13b-14.
[23] Ester 1.3.
[24] Ester 3.7.
[25] Ester 8.12.
[26] Consultas a Dillard e Longman III, 2006, p. 182; e a
http://goo.gl/3FDGix. Acesso em 21 out. 2017. Adaptações foram feitas,
aproveitando-se os dados centrais.
[27] O décimo segundo mês do calendário judeu, o mês de adar,
corresponde geralmente ao período intermediário de partes de fevereiro
e março do calendário gregoriano.
[28] Idem.
[29] “Ester não tinha revelado a que povo pertencia nem a origem da sua

família, pois Mardoqueu a havia proibido de fazê-lo. Ester havia mantido


segredo sobre seu povo e sobre a origem de sua família, conforme a
ordem de Mardoqueu, pois continuava a seguir as instruções de
Mardoqueu, como fazia quando ainda estava sob sua tutela” (Et 2.10,
20).
[30] “Eu lhes ensinei decretos e leis, como me ordenou o Senhor, o meu

Deus, para que sejam cumpridos na terra na qual vocês estão entrando
para dela tomar posse. Vocês devem obedecer-lhes e cumpri-los, pois
assim os outros povos verão a sabedoria e o discernimento de vocês.
Quando eles ouvirem todos estes decretos dirão: ‘De fato esta grande
nação é um povo sábio e inteligente’” (Dt 4.5-6).
[31] “O que hoje lhes estou ordenando não é difícil fazer, nem está além

do seu alcance. Não está lá em cima no céu, de modo que vocês tenham
que perguntar: ‘Quem subirá ao céu para consegui-lo e vir proclamá-lo a
nós a fim de que lhe obedeçamos?’. Nem está além do mar, de modo
que vocês tenham que perguntar: ‘Quem atravessará o mar para
consegui-lo e, voltando, proclamá-lo a nós a fim de que lhe
obedeçamos?’. Nada disso. A palavra está bem próxima de vocês; está
em sua boca e em seu coração; por isso vocês poderão obedecer-lhe.
Vejam que hoje ponho diante de vocês vida e prosperidade, ou morte e
destruição. Pois hoje lhes ordeno que amem o Senhor, o seu Deus,
andem nos seus caminhos e guardem os seus mandamentos, decretos e
ordenanças; então vocês terão vida e aumentarão em número, e o
Senhor, o seu Deus, os abençoará na terra em que vocês estão entrando
para dela tomar posse” (Dt 30.11-16).
[32] “A moça o agradou e ele a favoreceu. Ele logo lhe providenciou

tratamento de beleza e comida especial. Designou-lhe sete moças


escolhidas do palácio do rei e transferiu-a, junto com suas jovens, para o
melhor lugar do harém. Quando chegou a vez de Ester, a moça adotada
por Mardoqueu, filha de seu tio Abiail, ela não pediu nada além daquilo
que Hegai, oficial responsável pelo harém, sugeriu. Ester agradava a
todos os que a viam” (Et 2.9, 15).
[33] “A moça que mais agradasse o rei seria rainha no lugar de Vasti. Esse

conselho agradou o rei, e ele o acatou” (Et 2.4).


[34] Cf. Ester 2.9, 15.
[35] Cf. Ester 1.11.
[36] 1 Pedro 3.1-5a.
[37] Cf. Ester 2.10, 20.
[38] Cf. Ester 2.15.
[39] Provérbios 4.13.
[40] “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a

repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o


homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”
(2Tm 3.16-17).
[41] Ester 2.18.
[42] Cf. Ester 2.11.
[43] Ester 2.5
[44] Ester 3.1
[45] Êxodo 17.14b-16
[46] 1 Samuel 15.2b.
[47] 1 Samuel 15.8-11 .
[48] Ester 3.4b.
[49] Cf. Ester 3.8.
[50] Ester 3.13.
[51] Idem.
[52] Ester 4.13b-14.
[53] Efésios 6.12.
[54] “Depois desses acontecimentos, o rei Xerxes honrou a Hamã, filho de
Hamedata, descendente de Agague, promovendo-o e dando-lhe uma
posição mais elevada do que a de todos os demais nobres. Todos os
oficiais do palácio real curvavam-se e prostravam-se diante de Hamã,
conforme as ordens do rei” (Et 3.1-2a).
[55] Cf. Ester 5.9a.
[56] Cf. Ester 6.3b.
[57] Cf. Ester 6.6.
[58] Cf. Ester 6.10.
[59] Cf. Ester 6.11b.
[60] Cf. Ester 6.13b.
[61] Cf. Ester 6.14.
[62] Ester 7.6.
[63] Ester 7.3, 4.
[64] Ester 7.8.
[65] Ester 7.9.
[66] Provérbios 16.18.
[67] Ester 8.8.
[68] Da raiz latina desse termo (pelo verbo latino angariare), temos o

vocábulo português angariar, que carrega, em sua raiz semântica, a


ideia de juntar, atrair para si, tanto pessoas como recursos, mas com
certa dose de pressão.
[69] Ester 8.10b.
[70] Ester 8.14a.
[71] Disponível em
http://ancienthistory.about.com/cs/persianempir1/a/persiaintro_2.htm.
Acesso em julho de 2014. Tradução livre.
[72] “Essas ordens foram redigidas na língua e na escrita de cada província

e de cada povo, e também na língua e na escrita dos judeus” (Et 9.9b).


[73] Cf. Ester 8.11, 13
[74] Cf. Fee e Stuart, 2013, pp. 135-37; e Dillard e Longman III, op. cit., pp.

185-86.
[75] “O jardim possuía forrações em branco e azul, presas com cordas de

linho branco, tecido vermelho ligado por anéis de prata em colunas de


mármore. Tinha assentos de ouro e prata num piso de mosaicos de
pórfiro, mármore, madrepérola e outras pedras preciosas” (Et 1.6).
[76] “O rei tirou seu anel-selo, que havia tomado de Hamã, e o deu a

Mardoqueu” (Et 8.2a).


[77] Cf. Ester 8.15.
[78] Disponível em:
http://www.seer.ufrgs.br/index.php/webmosaica/article/view/26239/1534
2. Último acesso: 16/01/2017.
[79] Cf. “o escravo comprado poderá comer da Páscoa, depois de

circuncidado” (Êx 12.44).


[80] Grifo do autor.
[81] Cf. Mateus 7.15-20.
[82] Cf. Ester 9.4
[83] Cf. Ester 9.10
[84] (Idem)
[85] Cf. 1 Samuel 15
[86] Cf. Josué 7
[87] “Quando vocês avançarem para atacar uma cidade, enviem-lhe

primeiro uma proposta de paz. Se os seus habitantes aceitarem, e


abrirem suas portas, serão seus escravos e se sujeitarão a trabalhos
forçados” (Dt 20.10-11).
[88] “Por essa razão, ajoelho-me diante do Pai, do qual recebe o nome toda

a família nos céus e na terra” (Ef 3.14-15).


[89] “Mas Saul e o exército pouparam Agague e o melhor das ovelhas e

dos bois, os bezerros gordos e os cordeiros. Pouparam tudo que era bom,
mas a tudo que era desprezível e inútil destruíram por completo. Então,
o Senhor falou a Samuel: ‘Arrependo-me de ter constituído a Saul rei,
pois ele me abandonou e não seguiu as minhas instruções’. Samuel ficou
irado e clamou ao Senhor toda aquela noite. De madrugada Samuel foi
ao encontro de Saul, mas lhe disseram: ‘Saul foi para o Carmelo, onde
ergueu um monumento em sua própria honra, e depois foi para Gilgal’.
Quando Samuel o encontrou, Saul disse: ‘O Senhor o abençoe! Segui as
instruções do Senhor’. Samuel, porém, perguntou: ‘Então que balido de
ovelhas é esse que ouço com meus próprios ouvidos? Que mugido de
bois é esse que estou ouvindo?’ Respondeu Saul: ‘Os soldados os
trouxeram dos amalequitas; eles pouparam o melhor das ovelhas e dos
bois para o sacrificarem ao Senhor seu Deus, mas destruímos totalmente
o restante’. Samuel disse a Saul: ‘Fique quieto! Eu lhe direi o que o
Senhor me falou esta noite’. Respondeu Saul: ‘Diga-me’. E Samuel disse:
‘Embora pequeno aos seus próprios olhos, você não se tornou o líder das
tribos de Israel? O Senhor o ungiu como rei sobre Israel e o enviou numa
missão, ordenando: Vá e destrua completamente aquele povo ímpio, os
amalequitas; guerreie contra eles, até que os tenha eliminado. Por que
você não obedeceu ao Senhor? Por que se lançou sobre os despojos e
fez o que o Senhor reprova?’” (1Sm 15.9-19).
[90] Romanos 3.29
[91] Romanos 10.12
[92] Gálatas 3.28
[93] Como o décimo segundo mês do calendário judeu, o mês de adar,

corresponde geralmente ao período intermediário de partes de fevereiro


e março do calendário gregoriano, temos uma data aproximada em 13
de março de 473 a.C.
[94] Idem.
[95] 2 Reis 25.27; Jeremias 52.31.
[96] 2 Reis 20.12; Isaías 39.1.
[97] Romanos 12.2b.
[98] Para aprofundamento dessas questões, sugiro a leitura de FERREIRA,
F.; MYATT, A. A providência de Deus. In: Teologia sistemática: uma
análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo:
Vida Nova, 2007, pp. 295-348. Sugiro também a leitura de CALVINO, J.
Capítulo XVI. In: As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Tradução de
Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: CEP, v. 1, 1984, pp. 198-210.
[99] “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, ao nosso Deus, mas as

reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que
sigamos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29).
[100] Gênesis 37.12-17.
[101] Para ler o artigo completo: Calhoun, David. “His Bright Designs: The
Doctrine of Providence”. In: Presbyterion: Covenant Seminary Review,
24/1, 1998, pp. 3-8.
[102] “Contudo, nenhum fio de cabelo da cabeça de vocês se perderá” (Lc

21.18).
[103] Itálicos do texto.
[104] “Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o

conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo


obediente a Cristo” (2Co 10.5).
[105] Cf. Colossenses 3.2.
[106] CALVIN, 2009, p. 559, III.20. Tradução livre.
[107] Ibid., p. 564, III.20, 2). Tradução livre.
[108] Cf. Ibid. p. 588, III.20, 29).
[109] Ibid., p. 566, III.20, 5). Tradução livre.
[110] Tais instruções estão ao longo do Livro III, Capítulo 20, das Institutas.
[111] FERREIRA e MYATT, op. cit., p. 315. Citação de Provérbios 21.1: “O

coração do rei é como um rio controlado pelo Senhor; ele o dirige para
onde quer”.
[112] Ibid., p. 311.
[113] “Disse mais o Senhor a Moisés: “Quando você voltar ao Egito, tenha

o cuidado de fazer diante do faraó todas as maravilhas que concedi a


você o poder de realizar. Mas eu vou endurecer o coração dele, para não
deixar o povo ir”.
[114] Salmos 55.22.
[115] “Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode

ser frustrado” (Jó 42.2).


[116] “Aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende, pois

não é homem para se arrepender” (1Sm 15.29).


[117] (Grudem, Teologia Sistemática, 1999, p. 305)
[118] Ibid., p. 306.
[119] Idem.
[120] Ferreira e Myatt, op. cit., p. 313.
[121] “Hoje invoco os céus e a terra como testemunhas contra vocês, de
que coloquei diante de vocês a vida e a morte, a bênção e a maldição.
Agora escolham a vida, para que vocês e os seus filhos vivam.”
[122] “Se, porém, não lhes agrada servir ao Senhor, escolham hoje a quem
irão servir, se aos deuses que os seus antepassados serviram além do
Eufrates, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra vocês estão
vivendo. Mas, eu e a minha família serviremos ao Senhor.”
[123] Idem.
[124] Tradução livre.
[125] “No final da tarde, apareceram codornizes que cobriram o lugar onde
estavam acampados; ao amanhecer havia uma camada de orvalho ao
redor do acampamento.”
[126] Tradução livre.
[127] Para mais detalhes, cf. Sproul, 2006, p. 229-31.
[128] Para maior aprofundamento, sugiro a leitura de FRAME, J.
“Providência”. In: A doutrina de Deus. Tradução de Odayr Olivetti. São
Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 218-28.
[129] Salmos 104.10-24.
[130] “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu

ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter
realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da
Majestade nas alturas.”
[131] “Vieram alguns homens trazendo um paralítico numa maca e

tentaram fazê-lo entrar na casa, para colocá-lo diante de Jesus.”


[132] “Então lhes disse: ‘Agora, levem um pouco do vinho ao encarregado

da festa’. Eles assim o fizeram.”


[133] “Quando você vier, traga a capa que deixei na casa de Carpo, em

Trôade, e os meus livros, especialmente os pergaminhos.”


[134] Confissão de Fé de Westminster, I, VI.
[135] Colossenses 1.15-17.
[136] Por exemplo, “os meus pés estão firmes na retidão; na grande

assembleia bendirei o Senhor” (Sl 26.12).


[137] Efésios 5.27.
[138] Cf. Salmos 46.1.
[139] Cf. Salmos 66.9.
[140] Cf. Êxodo 20.12.
[141] Cf. Josué 24.17.
[142] Cf. Salmos 119.116.
[143] Cf. Salmos 109.28.
[144] Cf. Salmos 34.6.
[145] Salmos 16.9-11 .
[146] Marcos 13.13.
[147] João 10.26
[148] João 10:27-29
[149] 1 Pedro 1.15
[150] “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e

da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é
servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele
mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas. De um só, fez ele
todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os
tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que
deveriam habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e
talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de
cada um de nós. ‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’, como
disseram alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendência
dele’” (At 17.24-28).
[151] “Portanto, a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e

injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que
de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de
Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos
claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma
que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus,
não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus
pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se
obscureceram” (Rm 1.18-21).
[152] Efésios 1.7-12.
[153] “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho;

mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então,


conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente
conhecido” (1Co 13.12).
[154] Efésios 1.5-12.
[155] Romanos 14.11
[156] “Por mim mesmo eu jurei, a minha boca pronunciou com toda

integridade uma palavra que não será revogada: Diante de mim todo
joelho se dobrará.”
[157] Para melhor ilustrar esse ponto, sugiro a leitura de (SPROUL,

Verdades essenciais da fé cristã, 2006, pp. 88-89)


[158] Romanos 3.25.
[159] 1 João 4.10.
[160] Romanos 3.24.
[161] Colossenses 1.14.
[162] Atos 20.28.
[163] Romanos 4.25.
[164] Romanos 5.1.
[165] Romanos 5.11.
[166] 2 Coríntios 5.18.
[167] Apocalipse 5.9-14.
[168] Romanos 6.22.
[169] Da raiz grega δοῦλος, doulos, que remete a escravo (voluntário ou
involuntário).
[170] John Charles Ryle, 1816-1900. Para conhecer mais sobre ele e sua

obra, indica-se acessar o sítio www.projetoryle.com.br.


[171] Sobre os temas de pós-modernidade e hipermodernidade, em que

relativização e hedonismo, como citados, são debatidos, sugiro a leitura


das obras de Terry Eagleton, Ronaldo Lima Lins, Gilles Lipovetsky, Albert
Mohler Jr. e Gene Edward Veith Jr.
[172] Tiago 2.19.
[173] Hebreus 12.14
[174] Gálatas 5.1.
[175] Lucas 10.20.
[176] “Vemos, portanto, que o Senhor sabe livrar os piedosos da provação

e manter em castigo os ímpios para o dia do juízo, especialmente os que


seguem os desejos impuros da carne e desprezam a autoridade.
Insolentes e arrogantes, tais homens não têm medo de difamar os seres
celestiais; contudo, nem os anjos, embora sendo maiores em força e
poder, fazem acusações injuriosas contra aqueles seres na presença do
Senhor. Mas eles difamam o que desconhecem e são como criaturas
irracionais, guiadas pelo instinto, nascidas para serem capturadas e
destruídas; serão corrompidos pela sua própria corrupção! Eles
receberão retribuição pela injustiça que causaram. Consideram prazer
entregar-se à devassidão em plena luz do dia. São nódoas e manchas,
regalando-se em seus prazeres, quando participam das festas de vocês.
Tendo os olhos cheios de adultério, nunca param de pecar, iludem os
instáveis e têm o coração exercitado na ganância. Malditos!” (2Pe 2.9-
14).
[177] Salmos 119.16, 24, 47, 70, 77, 92, 143, 174.
[178] Para o aprofundamento desses temas, ler (RYLE, 2009, pp. 53-60)
[179] Daniel 12.2.
[180] Cf. Mateus 19.16, 29; 25.46; Marcos 10.17, 30; Lucas 10.25; 18.18,

30; João 3.15-16, 36; 4.14, 36; 5.24, 39; 6.27, 40, 47, 54; 10.28; 17.2-3.
[181] Além de ter sido um respeitado ministro por sua teologia e piedade,

Horatius Bonar foi exímio compositor de hinos, com mais de seiscentos


títulos deixados para a posteridade. Em português, temos como
exemplos o hino “A chegada do Messias”, número 54 do Hinário Novo
Cântico (IPB), que também aparece sob o título “Cantai e Folgai!”,
número 200 de Hinos do Povo de Deus (IECLB) e, no mesmo hinário, sob
o número 450, o hino “Ouvi o Salvador dizer — Convite do Salvador”.
Este aparece até no Hinário Adventista sob o número 187.
[182] The Disruption, ou O Grande Rompimento, foi o movimento que, em
1843, originou a Free Church of Scotland, ou Igreja Livre da Escócia
(http://freechurch.org), de viés mais conservador e evangélico, que
rompeu com a Igreja Oficial do Estado, também presbiteriana,
denominada Church of Scotland, ou Igreja da Escócia
(http://www.churchofscotland.org.uk) e que trilhou caminhos teológicos
menos ortodoxos, além de ser obviamente mais imergida e influenciada
pelas questões políticas do Estado, sendo que uma das mais intensas
divergências com a antiga igreja era o que se chamava de Patronage, ou
Patronato, que facultava a proprietários de terras a apresentação e, em
alguns casos, até a instalação de ministros em congregações sob sua
influência, sem qualquer preocupação com a teologia do ministro ou se a
congregação o desejava como seu pastor. O sítio da Igreja Livre contém
mais informações.
[183] Cf. Jeremias 23.6.
[184] “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas

antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas! (2Co 5.17). “De
nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser uma nova
criação” (Gl 6.15).
[185] “Vocês foram comprados por alto preço. Portanto, glorifiquem a Deus

com o corpo de vocês” (1Co 6.20). “Vocês foram comprados por alto
preço; não se tornem escravos de homens” (1Co 7.23).
[186] “Mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se
semelhante aos homens” (Fp 2.7). Por essa razão era necessário que ele
se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se
tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus e fazer
propiciação pelos pecados do povo” (Hb 2.17).
[187] “Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-

se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem


renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado
para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da
verdade” (Ef 4.22-24).
[188] 2 Tessalonicenses 3.13.
[189] Apocalipse 22.20
[190] Todos estes ainda viveram pela fé, e morreram sem receber o que

tinha sido prometido; viram-nas de longe e de longe as saudaram,


reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Os que
assim falam mostram que estão buscando uma pátria. Se estivessem
pensando naquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Em
vez disso, esperavam eles uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial.
Por essa razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles,
pois preparou-lhes uma cidade. Hebreus 11.13-16
[191] Cf. Romanos 12.1.
[192] Cf. Jeremias 30.24.
[193] Cf. Salmos 121.4.
[194] Cf. Isaías 40.28.
AGRADECIMENTOS
Além do nosso Senhor e Deus, a quem devoto toda a
minha gratidão e existência, há pessoas que precisam ser
lembradas quando realizamos algo, desde as coisas mais
simples às mais elaboradas. Ao longo da caminhada, na
verdade, dificilmente alguém sobe degraus se outro alguém
não o estiver ajudando, orientando e estimulando.
Agradeço a irmãos preciosos que Deus colocou em meu
caminho, como George Camargo e Renata Santos, casal
muito especial em nossa caminhada. Louvo ao Senhor pelas
famílias de José Roberto e Ana Reis, e Paulo e Andrea
Peixoto, gente muito querida, despertada para missões
muito particulares. Agradeço efusivamente aos que
editaram esta obra, particularmente ao João Guilherme e ao
Yago Martins, que a fizeram com esmero acima da média.
Quero me lembrar dos tantos alunos em cursos de
graduação e pós-graduação nos seminários Presbiteriano
Simonton, no Rio de Janeiro (RJ), Martin Bucer, em São José
dos Campos (SP) e SETECEB, em Anápolis: é um privilégio
estudarmos juntos as Sagradas Letras. Cito, grato ao
Senhor, as muitas vidas que acompanhei no meu pastorado,
em particular as pessoas que me ouvem semanalmente no
púlpito da Igreja Presbiteriana do Bairro Imperial, no Rio de
Janeiro, RJ.
Lembro-me, ainda, daqueles que me deram apoio ao
longo da vida: meus pais Joel (in memoriam) e Marta
Fonseca e minhas queridas irmãs Margareth Ribeiro e
Raquel Cantarino, que tanto torcem e oram por mim.
Finalmente, os meus amores, aos quais declaro minha
especial gratidão: minha esposa Roberta Leonardo Fonseca,
companheira fiel desde 1992, e nossos filhos Gabriel
Leonardo Theodoro da Fonseca (1993) e Rafaela Leonardo
Theodoro da Fonseca (1996), todos vivendo na esperança
da divina providência que nos encaminhará sãos e salvos
até a presença eterna do nosso Senhor e Deus.

Você também pode gostar