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EDIÇÃO DE FEVEREIRO DE 2023

KIKOSOFIA

Francisco Moreira
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

FEVEREIRO
Por Francisco Moreira

Janeiro é mês de férias, de viagens pra render


histórias inesquecíveis e paixões passageiras. Um
mês pra descobrir novos destinos, novos sabores,
novos amores. O ano mudou e as esperanças foram
todas renovadas, lavadas nas ondas do mar do
tempo, no qual as emoções se agitam como as
marés que vêm e vão. Esse número deveria ter
saído em janeiro, porém tivemos uma série de
problemas, mas aqui estamos firme e
perseverantes.

Fevereiro se inicia e a democracia no País enfrenta


ainda um de seus maiores desafios . Nunca se viu
uma polarização tão grande e um processo eleitoral
que insiste em ainda estar presente em atos de
protestos antidemocráticos (?), em retaliações
retóricas ou não e na sempre presente proposição
do endurecimento legal comum nesses momentos.

Certo é que os desafios para o novo governo já se


iniciam na obrigação de mostrar que representa a
totalidade do povo, governando em favor da
democracia e da igualdade. Veremos onde iremos
chegar. Sigamos juntos nessa jornada.

Kikosofia nº 7. © 2023 Este trabalho está licenciado por Francisco


Moreira sob CC BY-NC-ND 4.0. Para ver uma cópia desta licença, visite
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Capa - Igreja do Bonfim -Ba. Foto por Kiko Moreira

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KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

DEMOCRACIA
entre golpes e contragolpes
O dia 5 de janeiro de 2023 marca o ápice de uma
série de trapalhadas, maluquices, extremismos,
conspirações, erros, omissões e manipulações que
ficará marcada na história do país como um dos
momentos mais marcantes da nossa democracia. Uma
manifestação que se pretendia pacífica assumiu uma
narrativa golpista marcada por uma rápida resposta
dos poderes constitucionais, com afastamentos de
governantes eleitos (baseada unicamente em
suposições), prisão de manifestantes, cobertura
apaixonada da mídia, intervenção federal, operações
policiais, documentários, etc. Nunca a democracia
nacional esteve tão forte e ao menos tempo tão
fragilizada.
Nada justifica
Forte pela rápida ação dos poderes legitimados, que o extremismo,
de imediato conseguiram se mobilizar e dar respostas
fortes, buscando chegar aos organizadores dos atos, o preconceito,
seus financiadores e mobilizar a maior parte da mídia
numa verdadeira cruzada em defesa da democracia,
o racismo, a
mesmo que para isso fosse preciso passar por cima discriminação
de certos direitos, esconder a semelhança da
ocorrência de atos similares no passado recente de
nossa história e popularizar a palavra terrorismo,
como se fosse preciso colocar na consciência popular
o asco e a repulsa pelo que ocorreu aquele domingo.

Nada justifica o extremismo, o preconceito, o


racismo, a discriminação. Mas quando nossa
democracia precisa a todo momento ser “validada”,
“lembrada”, “imposta” é sinal do quanto enfraquecida
ela está. Os anos recentes foram palco de um
protagonismo cada vez maior de um órgão que deveria
ser o último recurso, a última palavra, o guardião
maior de nossa Carta Constitucional, aquele que
deveria esclarecer duplos sentidos, iluminar trechos
obscuros, aclarar dúvidas, mas que se tornou
simplesmente um ente a serviço da politica nacional.
Basta que um partido queira conturbar ou contestar
algo, aciona o Supremo Tribunal Federal, cuja
decisões deveriam ser perenes, duradouras,
propensas a revisões apenas após décadas ou fatos
sociais e culturais relevantes.
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Número 7 FEVEREIRO DE 2023
No entanto, se tornou ordinário recorrer ao STF, que
muitas vezes assumiu posturas questionáveis, por
entendimentos modificados em pouco espaço de
tempo ou cuja decisão causou estranheza e
discordância entre juristas renomados (inclusive
ministros aposentados da própria corte), dessa
forma, o que antes era tido como definitivo passou a
ser visto e disseminado como duvidável.

O 8 de janeiro marca um dia torpe em nossa história e não


apenas pelos atos de vandalismo extremista de quem
questionava como ilegítimo o processo eleitoral,
manipulados por pessoas que certamente nem estavam em
Brasília aquele dia. Mas também pela adjetivação dada a
quem ali estava de boa fé, a quase metade da população
que votou em outro projeto político e agora teme
expressar isso por medo de retaliações morais e legais.

Devemos lembrar que o diálogo e não a imposição é a


base da Democracia, que todos têm direito de discordar
de algo e se fazer ouvir, claro que de forma ordeira,
pacífica e legal. Criminalizar protestos e percepções não
é correto. Como dito acima, se há a necessidade de
intervenções judiciais de forma permanente, não estamos
fortalecendo a Democracia e aplaudir e incentivar tal
postura pode a médio prazo se revelar uma armadilha
fatal até para quem hoje se sente beneficiado por isso. O
STF deve ser a última instância, aquele lugar ao qual só
se tem acesso depois que cumprimos todos os desafios da
jornada, depois que superamos todos os desafios,
cumprimos todas as etapas da aventura e, ainda assim,
não conseguimos chegar a um consenso, a um fim
pacificador, a um entendimento permanente. Não dá pra
fazer do STF um local de acusação, investigação e
punição.

No 8 de janeiro houve uma série de crimes, descalabros,


omissões, manipulações. Isso é incontestável e deve ser
devidamente esclarecido e punidos os responsáveis, mas
não dá pra se aproveitar do momento sensível, esquecer
direitos fundamentais, deixar a emoção prevalecer e
promover uma caça as bruxas, elas sempre acabam em
fogueira e quem se queima geralmente são os mais fracos,
a história sempre mostrou exatamente isso.

A hora é de pacificar a nação, mas não a pacificação que


advêm da guerra, se há tanto motivo pra discórdia é
preciso entender que motivos são esses e buscar legitimar
pelo diálogo e transparência uma comunhão, se não de
ideias, ao menos de construção conjunta.

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Número 7 FEVEREIRO DE 2023

OMISSÕES, CONSPIRAÇÕES E VERGONHA

O ex-presidente da República, tão logo saiu o resultado das eleições, calou-se.


Mostrou-se amuado e, tal qual menino mimado, fez birra. Já vinha dando indícios de
que não aceitaria ser derrotado na urnas. A frustação maior certamente veio porque
faltou pouco, muito pouco mesmo, o que prova que quase metade da população ou
aderia a seu projeto político ou abominava mais ainda o de seu opositor. Qualquer um
sairia dessa derrota fortalecido com o aval de milhões de pessoas que, devidamente
respeitados poderiam até mesmo o reconduzir futuramente ao cargo ou manter uma
oposição coerente, vigilante, presente.

Preferiu, o capitão, ficar calado, aguardando o frustrante relatório sobre as eleições


feito pelo Exército, que demonstrou mais uma vez que o sistema de urnas não foi
fraudado e é seguro, embora... Cheio de conjecturas sobre possibilidades "em caso de"
ou "se houvesse isso ou aquilo". Uma vergonha que já se anunciava pela demora na
divulgação dos resultados. Como suas teorias conspiratórias não se sustentaram, ficou
em silêncio. Não parabenizou o eleito e se recusou a entregar a faixa presidencial
(entendo, coerente com o pensamento exarado ao longo de todo mandato).Mas o
simples fato de não reconhecer publicamente o resultado das urnas, de não se
pronunciar se mostrou algo antipático, chato e antipolítico. Antidemocrático.

Tal postura atiçou as mais estapafúrdias teorias e


fomentou conspirações que envolveram até mesmo
intervenção extraterrestre. Junto a ações
atabalhoadas de aliados (?) às vésperas do 2º turno,
com tiros e granadas em policiais, ou perseguições em
ruas públicas que lembraram cenas de um seriado de
TV foram o tiro no coração que transformaram o que
poderia ser uma oposição forte em uma caricatura
ridícula.

Perdeu força qualquer projeto de futuro que pudesse


existir. A oportunidade de consolidar o "jogo dentro
das quatro linhas" tão apregoado pelo ex-presidente
foi jogada na lama. Culpa de sua vaidade descabida
que não aceitava conselhos nem de aliados próximos,
acreditando que sua "espontaneidade" em falar de
improviso, sem freios na língua ou no comportamento
politicamente incorreto seriam suficiente para manter
sua chama acessa, ledo engano.

Tivesse ele admitido, como fazia durante a campanha,


que não sabe tudo e ouvido os técnicos do próprio
governo, sua assessoria ou aliados mais moderados,
talvez a história fosse outra, mas já dizia minha avó,
"quem não ouve conselho, ouve coitado". Se já não
havia uma direita no país, Bolsonaro foi a pá de cal de
um projeto que morreu por asfixia.

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Número 7 FEVEREIRO DE 2023

GUARDA NACIONAL
Uma proposta a serviço de quê?

A criação de uma guarda nacional permanente é uma das propostas colocada em


pauta após os atos do 8 de janeiro, apresentada como uma resposta a estes, na
verdade era algo já planejado e debatido antes mesmo da campanha presidencial,
como mostram algumas reportagens a exemplo da publicada pela coluna
Cotidiano do jornal o Estadão de 29 de setembro de 2022, que afirmava que a
criação da guarda serviria para “atuar em crises ligadas a segurança pública (...),
além da busca de alianças regionais para a dissuasão de ameaças
extrarregionais”.

O Brasil já teve sua guarda nacional, nascida durante o período regional do


império, sob a égide do então Ministro da Justiça, Diego Feijó, era formada por
cidadãos em uso de seus plenos direitos, não recebiam salários e estavam
subordinados aos juízes de paz ou criminais nas províncias, além de seus
presidentes. Era uma força civil, armada cujo objetivo era o de debelar motins,
rebeliões, capturar escravos, fazer patrulhamento de cidades. A estrutura era
militarizada, podendo se chegar ao “posto” de coronel, daí muitos proprietários
rurais terem adquirido a patente, dando início ao que é chamado de coronelismo
até hoje pelos rincões desse país.

A guarda surgiu pela desconfiança dos regentes em relação ao exército, que se


viu enfraquecido, embora a guarda fosse tida como força reserva deste. Na
prática, sua criação deu origem a várias milícias regionais comandadas por donos
de terra que mantinham o controle da população segundo suas próprias regras. A
Guarda Nacional participou de diversas campanhas militares – a cabanagem, a
guerra dos farrapos, a sabinada, entre outros – ganhando grande experiência de
combate.

Da mesma forma que surgiu, pela desconfiança, ela passou a ser vista como uma
força a ser temida e diante de movimentos pela independência e sendo uma força
poderosa sob liderança das províncias foi sendo gradativamente desmobilizada,
até que com a proclamação da república foi sendo desmontada e definitivamente
extinta em 1918, passando sua tropas a integrar o exército.

Hoje, setores das forças armadas vêm como um desperdício de recursos a


criação de tal nova força, porém, politicamente, a predisposição de sua criação
demonstra a vontade explicita do governo em deter sob seu controle uma força
de dissuasão armada e alinhada a seu projeto político. E esse é justamente o
problema da proposição, há tempos alguns governos alegam a utilização política
dos braços armados do estado, hora questionando (como agora) o controle das
Polícias pelos governadores, hora questionando a fidelidade das Forças Armadas
ao Estado. A guarda nacional serviria então como uma espécie de força
presidencial, resguardando interesses de governo quando e se os atuais órgãos
de segurança pública e defesa nacional não atenderem a determinações e se
rebelarem.

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Número 7 FEVEREIRO DE 2023

A proposta parece tão clara nesse sentido que tanto a rapidez com que formulada,
quanto a própria fala do ministro da justiça declarando que “Vai que, em algum
momento, haja um governador extremista no Distrito Federal. Então, a segurança do
Congresso, do Supremo, do Palácio do Planalto, ficaria submetida aos problemas da
política local? Não pode. E esse é um erro que agora o presidente Lula quer
corrigir”. A guarda então já nasceria para conter, intervir quando algum governador
fosse considerado “extremista” pelo governo (esse ou futuro)? Basta lembrar que já
temos instrumentos existentes hoje para conter casos extremos onde haja
necessidade de intervenção federal nos estados e que esses casos são exceções bem
definidas na lei.

Vale lembrar que a Polícia Militar do Distrito Federal sempre cumpriu de forma
competente e exemplar a proteção dos prédios federais em Brasília, sendo esse o
único ato de visível falha e que ocorreu, ao que tudo indica, por um conluio entre
omissões, inações e conspirações, que deve ser apurado e punido dentro da lei, mas
que não representa um fator em si para criação de tal guarda. Ainda segundo
ministro, a guarda poderia também ser utilizada “em áreas de fronteira, territórios
indígenas e unidades de conservação.” A exemplo do que é feito hoje com a Força
Nacional (convocada em casos específicos e formada por tropas oriundas das
diversas PM do País). Aí sim, talvez fosse o caso de regularizar de forma
permanente a Força Nacional, aproveitando parte de seus quadros e recrutando
homens que atuariam em todo território, recrutamento esse que poderia ser feito
dentro das próprias polícias, dos dispensados após cumprir período de alistamento
militar ou mesmo através de concurso público.

Fato é que a Segurança Pública precisa de uma


reformulação, de uma política voltada não
apenas para investimento em equipamentos,
mas na melhoria dos treinamentos, no
aperfeiçoamento de processos, no
aprimoramento das corregedorias e
principalmente no foco na inteligência policial,
para evitar, essa sim uma prioridade, a grave
crise que há anos está estabelecida, que torna
nosso país um dos mais letais para cidadãos e
policiais, que ceifa a vida de nossos jovens,
que cada vez mais atrai jovens para o uso e
tráfico de drogas, em que milícias se
proliferam e traficantes se beneficiam de
hiatos jurídicos ou interpretações
benevolentes de magistrados. Não, a
prioridade da nossa Democracia não está na
formulação de mais uma força de segurança,
mas sim no aprimoramento do que temos, na
discussão sobre o ciclo completo de polícia, na
diminuição de recursos protelatórios, no
aprimoramento dos inquéritos policiais, na
requalificação de presídios, na melhor
formação e acompanhamento dos policiais e
na transparência do sistema de justiça.

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Número 7 FEVEREIRO DE 2023

Menino - homem
Menino inseguro
Não sabe o que quer
Me enche de prazer
Vem me fazer mulher

Menino faceiro
Tua indecisão me maltrata
Corrói com força meu imaginário
Que clama por uma alma menos ingrata.

Menino atrevido
Imploro por seu carinho
Teus beijos agressivos e molhados
Me dizem que preciso de um ninho

Menino volúvel
Tumultua sem dó minha razão
Arranca minhas certezas
Toma conta do meu coração.

Menino malvado
Chega devagar e sem pedir
Invade meus sonhos
Transforma o meu existir

Menino inquieto
Provoca meus pensamentos
Aumenta meus desejos...
Não te esqueco um só momento

Menino sonhador
Teus encantos Iludem o meu ser
Já não sou mais nada
Minha vida é somente te querer

Homem - menino
Que a vida me ofertou de presente
Teu desatino me domina
Sem você sou tão carente.

Meu sempre menino


Homem a quem venero
Os anos não passam
Para os que tem amor etéreo.

Sueli Magalhães
KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

REFULGIR URBANO
Entre Secos e Molhados; Ney

Eu já não sei se sei


De tudo ou quase tudo
Eu só sei de mim
De nós
De todo o mundo

Ney Matogrosso é daqueles cantores ao qual é impossível se manter insensível, aos 81 anos de idade é
capaz de se agigantar em cima de um palco, sua presença e voz marcantes, considerada pela revista
Rolling Stones uma das três melhores vozes masculinas entre os cantores brasileiros, capaz de encantar
desde jovens até senhores de idade. Seu jeito sexualizado e exótico são uma marca presente desde que foi
revelado como cantor da banda Secos e Molhados nos anos 70, formada pelo músico e compositor João
Ricardo, entretanto esta se desfez após 2 anos de formação com a saída de Ney e Gerson Conrad em razão
de brigas por conta de dinheiro, desentendimento que permanece até hoje. A banda até tentou se reerguer
depois de alguns anos, tentou outros vocalistas mas apesar de ter lançado mais alguns álbuns, a exceção
da música "Que Fim Levaram Todas as Flores?" (com Lili Rodrigues, que tinha voz muito parecida com a de
Ney, mas que no entanto, após a gravação do disco e clipe, simplesmente sumiu do cenário musical e teria
morrido em 2010), não alcançou mais o sucesso arrebatador dos álbuns de estreia, quando, apesar do
regime militar ousavam cantar "Mas Guarda Belo não acredita na cor assim. Ele decide no terno velho
assim assim. Porque ele quer um velho assado. Porque ele quer um velho assado. Mas mesmo assim o velho
morre assim assim. E o Guarda Belo é o herói assim assado. Por que é preciso ser assim assado."

A banda se foi, mas Ney Matogrosso segue em sua transgressão ousada; ator, cenografista, escritor,
cantor, produtor e cineasta. Um ícone da Música Popular Brasileira.

KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

Festas populares da Bahia


O Capitão Teodósio Rodrigo de Faria era um
mercador de coisas e de gente, porém um
homem de fé, devotado ao Senhor Bom Jesus do
Bonfim (de Portugal), atribui ao Santo a
sobrevivência a um quase naufrágio ocorrido
em 1742, do qual escapou com sua tripulação.
Em 1745, ele vem para a Bahia e traz na
bagagem uma cópia da imagem existente em
Setúbal, cidade natal do capitão, que fica
hospedada na igreja da Penha por 9 anos, até
ser concluída a construção da Basílica
mandada construir numa colina em uma
fazenda conhecida então como Alto de Mont
Serrat, a qual fica pronta em 1754, quando então
é feito o translado em procissão até local. A
partir de 1773, um ano após o enceramento das
obras com a adição das torres, os membros da
Devoção ao Senhor do Bonfim mandam os
escravos lavarem a igreja para os festejos, os
negros sincretizam a lavagem com a cerimônia
das “águas de Oxalá” e acabam dando início a
tradição que se mantém até hoje como a maior
festa religiosa da Bahia. Em 1809, Manoel Antônio
Servo, tesoureiro da Devoção tem a ideia de
criar as fitinhas para arrecadar doações para
festa, eram então chamadas de “medidas” por
terem a exata medida entre a mão esquerda e o
coração da imagem do Senhor do Bonfim (50
cm), hoje, claro as fitas são menores e
assumiram outro papel na religiosidade do povo.

Os festejos ao Senhor do Bonfim integram o ciclo


de festas populares da Bahia, que se iniciam já
no mês de dezembro com a festa de Santa
Bárbara, seguindo com a Festa de Nossa
Senhora da Conceição da Praia, a procissão do
Bom Jesus dos navegantes, a festa de Iemanjá
no bairro do Rio Vermelho e terminam na
celebração da maior festa popular do planeta
que é o Carnaval. fazendo do estado um dos
maiores celeiros culturais e festivos do País,
gerando renda e emprego para milhares de
pessoas.
KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

Festas de Santa Bárbara, Bom Jesus dos navegantes e Iemanjá - Imagens : IPAC, Arquisdocese de
Salvador (Sara Gomes) e Correio da Bahia (Marina Silva).

KIKOSOFIA
NUMERO 7 FEVEREIRO DE 2023

A LEALDADE É PRINCÍPIO A SE CULTUAR


Estrategista do silêncio

A maturidade que se alcança com o avançar da idade é


ingrediente que se encontra na qualidade dos nossos atos,
gestos e pensamentos, e que por sinal molda para o mundo, a
nossa qualidade ética e moral. Nossa compostura deve ser a
mesma no ambiente familiar ou profissional, o que facilita o
oferecimento e obtenção da lealdade das pessoas. Ser “um” é
sinal de decência, mas ser “vários” é comprometimento moral.

As dificuldades que o mundo de hoje experimenta tem muito


a ver com a questão da lealdade, seja a pessoas ou a
princípios. Não se pode duvidar que a frequência e força de
nossas frustrações tem muito a ver com “o que” e “o quanto”
depositamos no outro e nas coisas, sobretudo quando frente a
elas não temos o pleno conhecimento ou domínio. É sabido
que há momentos na vida em que se faz necessário adotarmos
alguma postura, sob pena de sermos alcançados por
infortúnios graves, capazes de nos trazer sérias implicações,
mas resta saber se o que realmente percebemos como ameaça
é real ou não, se precisamos do que buscamos ou não, porque
a vida tem provado que sofrimentos são construídos quando
se almeja coisas ou sentimentos desnecessários. Caso não
consigas conquistar o que desejou, terás dificuldades em viver
em paz? Eis a questão, pois lealdade exige vínculo a uma
causa e a princípios.

Em uma de suas reflexões, Maquiavel dizia que “não se pode


definir como virtude a matança dos próprios concidadãos, a
traição aos amigos e a demonstração de falta de lealdade, de
piedade, de consciência e de ideal moral: essas práticas
podem conquistar poder ao príncipe, nunca a glória”. Isso nos
remete a necessidade de sermos leais uns aos outros, procurar
ajudar uns aos outros, pois é assim que o mundo avança em
direção a patamares seguros e felizes. Nas famílias precisamos
ser assim, nas empresas também, em todo lugar. A partir do
instante em que não se pode praticar a lealdade por alguma
forte e concreta razão, é chegada a hora de se retirar do
ambiente, posto ser impossível uma vida sadia em cenários
onde nobreza não possa ser praticada. A vida tem dito de
forma silenciosa que a lealdade não se compra.

KIKOSOFIA
NUMERO 7 FEVEREIRO DE 2023

A vida dá a cada um as oportunidades, e não é a traição a forma mais rápida e


segura a conseguir o que se quer. A lei de retorno tem dado lições: deixar de ser
leal, sobretudo a quem se tem obrigação, é caminho em direção à solidão. Não
percamos tempo. Vamos cumprir nossos compromissos e acordos, e para isso
não precisa ser amigo do outro, só leal. Ao menor sinal de inconformidade com
o outro, sinalize logo, posicione-se, a fim de não dar chance para que a lealdade
pegue a pista e vá embora.

Ter lealdade não é dizer amém a tudo, mas sim concordar e discordar com a
mesma serenidade, visando sempre a construção do que é bom. Ficar silente a
situações vexatórias é sinal claro de deslealdade para com o outro, típico de
pessoas apequenadas, que são incapazes de iniciar uma boa construção com
suas próprias mãos. Sólidas famílias, sólidas amizades e sólidas instituições se
formam e se mantem com um alto grau de lealdade em suas composições.

A inteligência está para todos, mas a lealdade infelizmente não. A primeira é


um misto de nascença e exercício diário, mas a última é de mera escolha, que
independe de raça, classe social, ideologia política ou escolha religiosa da
pessoa. Façamos nossa escolha, na certeza de que a qualidade de nossa paz
dependerá muito desse atributo.

Uma vida leal a todos!

KIKOSOFIA
NUMERO 7 FEVEREIRO DE 2023

EM FACE DO QUE SE VÊ

EM FACE DO QUE SE VÊ,

QUEBRA-SE A CONFIANÇA,

FOMENTA-SE A DESTEMPERANÇA,

DESFAZ-SE A ALIANÇA.

PORÉM, NÃO PERCAS A ESPERANÇA!

EM FACE DO QUE SE VÊ,

DESTRAMBELHA-SE DE VEZ,

ALQUEBRA-SE A ALTIVEZ,

AMARELA-SE A TEZ.

MAS, NÃO PERCAS A SENSATEZ!

EM FACE DO QUE SE VÊ,

ENSURDECE-NOS O BARULHO,

PRATICA-SE O ESBULHO,

COMPARA-NOS A ENTULHO.

SÓ NÃO DIMINUAS O ORGULHO!

EM FACE DO QUE SE VÊ,

DESEJA-SE O DESTERRO,

PLANEJA-SE O ENTERRO,

ADORA-SE O BEZERRO.

CONTUDO, NÃO COADUNES COM O ERRO!

EM FACE DO QUE SE VÊ,

ABALA-SE A COMUNIDADE,

SUBLEVA-SE A CIDADE,

DUVIDA-SE DA HUMANIDADE.

ENTÃO, NÃO PERMITAS A CONTINUIDADE!

The Cast

KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

Estante
DICAS DE LEITURA PARA SEUS MOMENTOS
Pois ler nos faz entender quem
somos no mundo

O racismo é mal que está sempre presente em


nossa sociedade, seja de forma escancarada ou
disfarçado sob o conceito de democracia racial,
que tanto tentaram nos fazer existir aqui no Brasil.
"Racismo Estrutural" de Sílvio Almeida discute o
tema a partir da visão do racismo enquanto fator
estrutural sobre o qual nossa sociedade está
construída e que entender isso é fundamental
para combater as desigualdades que
normatizamos no dia-a-dia. Além disso é uma
ótima oprtunidade para entender o pensamento
do novo Ministro dos Direitos Humanos.

O racismo é algo com que milhões de brasileiros


ttem que conviver, a infância geralmente é o
momento qm que percebemos certas atitudes que
nos mostram que há algo de errado na sociedade
e que nós sofremos por isso. "Pele" é a primeira
revista protagonizada pelo Jeremias, um dos mais
antigos pernonagens de Maurício de Souza, e essa
estréia se dá com uma história cheia de
sensibilidade e descobertas sobre o preconceito
cotidiano que o preto enfrenta desde cedo. De
como o racismo entranhado em nós se naturaliza e
precisamos nos descobrimos e nos aceitarmos
enquanto negros que somos e essa aceitação
geralmente é dolorosa.
KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

Tem gente com fome


Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer Solano Trindade
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer Solano Trindade (Recife, 24 de julho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de
se tem gente com fome fevereiro de 1974) foi um poeta brasileiro, folclorista, pintor, ator,
dá de comer teatrólogo, cineasta e militante do Movimento Negro e do Partido
se tem gente com fome Comunista. Morou e trabalhou em Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e
dá de comer Embu das Artes, onde lança seu livro "Cantares de meu povo" e
Mas o freio de ar transforma a cidade num centro de cultura com seu coletivo TPB
todo autoritário (Teatro Popular Brasileiro) obtém grande relevância, atraindo diversos
manda o trem calar artistas, é considerado o criador da poesia assumidamente negra no
Pisiuuuuuuuuu Brasil.

KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

CINEOLHAR
O julgamento retratado em "Os 7 de Chicago" chega
a ser tão absurdo que, as vezes, duvidamos de que
aquilo ali representado tenha realmente acontecido.
Em pleno ano de 1969, após uma manifestação
contra a guerra do Vietnã, alguns manifestantes são
presos e levados a um julgamento tão cheio de
violações aos direitos humanos e a democracia que
por vezes soa cômico, réus amarrados durante a
sessão, advogados hospitalizados tidos como
presentes, etc. Violações gritantes cometidas pelo
juiz do caso, que mostram como preconceito,
racismo e diferenças ideológicas podem perverter o
conceito de democracia criando uma farsa sinistra e
perversa. Com direção de Aaron Sorkin, o filme de
2018 é uma boa oportunidade para refletir sobre as
fragilidades ainda existentes até mesmo em regimes
democráticos consolidados. Disponível na Netflix.

Um filme de Clint Eastwood, com Leonardo di Caprio


sobre uma das personagens mais marcantes da
história americana. O diretor do FBI que por cinco
décadas foi temido e admirado por muitos. Obsessivo
por controle, J. Edgar Hoover conduziu com mãos de
ferro o FBI, não se importando em chantagear,
manipular e usar de qualquer meio necessário para
proteger a sua visão de democracia e de proteção ao
modo de viver americano, lutando contra "radicais e
comunistas" por qualquer meio que fosse possível.
Hoover tornou o FBI uma força impressionante, que se
destaca pelo uso da ciência e de coleta de informações
para solucionar crimes e conspirações.
KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

ATÉ QUANDO?
FRANCISCO MOREIRA

Mais uma vez protestos em razão da morte de um jovem negro desarmado mobilizam os Estados
Unidos, mais uma vez a polícia está a frente de tal morte. Impressiona, entretanto o fato de
terem sido cinco policiais também negros, que espancaram Tyre Nichols, supostamente por ele
ter dirigido pela contramão, o que até o momento foi contradito por câmeras de trânsito
existente no trajeto.

O racismo se vale de mecanismos que moldam a sociedade para se perpetuar enquanto


característica fundamental dessa mesma sociedade, claro que procura não se mostrar parte da
engrenagem que sustenta nosso modo de viver, mas seja de forma mais ou menos pública como
nos Estados Unidos ou escondido e desmentido como no caso brasileiro, o racismo existe e é
preciso muito mais do que educação e políticas de valorização racial para tentar minimizar os
seus efeitos e quiçá um dia exterminar esse aspecto terrível de nosso vivência.

O fato de cinco policiais negros terem espancado um jovem negro ao ponto dele morrer em
consequência disso em parte se explica nos dizeres de Sílvio Almeida em "Racismo estrutural" de
que numa sociedade que "vê o negro como suspeito (...) é de se esperar que pessoas negras
também achem negros suspeitos, especialmente quando fazem parte de instituições estatais
encarregadas das repressão, como é o caso de policiais negros."

Nichols se junta a uma enorme lista de negros vítimas do racismo estrutural da sociedade, com
uma diferença gritante porém, de nossa realidade, lá ele será lembrado e relembrado pela
comunidade negra, como mais um símbolo e fator de conscientização na luta contra a
discriminação racial, fosse aqui, logo seria apenas mais um número da estatística que mostra que
a maior parte de nosso mortos violentamente são jovens negros com idade entre 15 e 24 anos.
Não vale o discurso da falta de oportunidade e facilidade de envolvimento em delitos por causa
das condições sociais, não vale dizer que falta educação. Isso é repetir aquilo que "todo mundo
sabe". O problema vai muito além disso e parte da necessidade de primeiro reconhecer que
vivemos numa sociedade racista, de nos reconhecer como negros, de aperfeiçoar nossos
mecanismos de fiscalização estatal de nossas forças, reformularmos as instituições de
ressocialização e qualificarmos a nossa educação. Políticas inclusivas são necessárias e
importantes, mas não são uma solução perene e que eliminará a estrutura racial na qual estamos
inseridos. A discussão sobre racismo passa por uma lenta, gradual e essencial mudança no
pensamento vigente em nosso pensamento coletivo que envolva olhar para o cerne social e
perceber que não basta se apropriar do discurso político, mas encarar o preconceito e o
radicalismo presentes em nosso cotidiano.

KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

PELE

Eu ouço os murmúrios enquanto passo


Vejo os olhares de desaprovação.
Pior! sinto a dor de seu pensar lasso
cheio de fúria em minha direção.

Mas minha pele te desperta desejos


que te enfurecem em sua depravação
e escondes teus sentimentos pejos
pois, sem admitir, me quer a benção.

E te afogas em teu ódio idealizado


que te impede sentir o fulgor
que em teu peito devia ter cultivado,
sentimento de paz, alegria e amor.

Segue tua utópica palidez


de superioridade emburrecida,
sigo eu com minha negra tez,
cada vez mais enaltecida.

Kiko Moreira

KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

O necessário silêncio dos juízes *


"É absolutamente inconveniente, para dizer o mínimo, que um ministro
do STF se considere autorizado a tecer comentários a respeito de
casos sob sua jurisdição, avaliando se a manobra golpista era factível,
se estava bem estruturada, se foi bem pensada. (...)
Esse protagonismo fora dos autos de ministros do Supremo não faz
bem ao País. Fora dos limites da lei não há caminho saudável. Não há
construção de soluções. A Lei Orgânica da Magistratura é cristalina. “É
vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação,
opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou
juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos
judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no
exercício do magistério” (art. 36, III).
O País não precisa que ministros debatam publicamente sobre a vida
nacional; precisa, sim, que eles exerçam seu trabalho de modo
silencioso, eficiente, dentro dos prazos e cumprindo as regras de
competência. (...)
Não se trata aqui de duvidar do caráter deste ou daquele ministro;
trata-se de lembrar das razões pelas quais a Justiça é retratada como
uma senhora vendada.
É tempo de maturidade. Assim como a liberdade de crítica não dá
direito de ameaçar os integrantes do Supremo, o reconhecimento de
eventuais equívocos por parte de ministros, com a consequente e
necessária mudança de atitude pública, não significa anuência com os
detratores do STF. É antes a melhor defesa da Corte. O compromisso é
com a Constituição, não com os erros."

*Extrato do editorial do jornal Estadão publicado em 06/02/2023

KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

A Kikosofia é um espaço de vozes, consonantes, dissonantes, de livre e


respeitosa expressão e opinião. Um local que se pretende divertido, reflexivo,
por vezes louco, mas sempre acolhendo o outro, independente de diferenças,
somos todos iguais, e isso é o que de mais belo existe no viver, saber que não
somos cópias de outro ser. Quando a Criação do homem é expressa na Bíblia é
dito "Façamos o homem a nossa imagem e semelhança..." e como bem sabemos
semelhança não é igualdade, portanto, celebremos a diversidade de ser
humanos. E não esqueça colabore, discorde, concorde, opine. Boa jornada.

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KIKOSOFIA
Número 7 FEVEREIRO DE 2023

SE SOUBESSE QUE O MUNDO SE


DESINTEGRARIA AMANHÃ, AINDA
ASSIM PLANTARIA A MINHA
MACIEIRA. O QUE ME ASSUSTA NÃO
É A VIOLÊNCIA DE POUCOS, MAS A
OMISSÃO DE MUITOS.TEMOS
APRENDIDO A VOAR COMO OS
PÁSSAROS, A NADAR COMO OS
PEIXES, MAS NÃO APRENDEMOS A
SENSÍVEL ARTE DE VIVER COMO
IRMÃOS.
Martin Luther King

Jean-Baptiste Debret
Escravos calceteiros
aquarela sobre papel, 17 X 21 cm (1824)

KIKOSOFIA

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