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KIKOSOFIA
Francisco Moreira
número 18 fevereiro de 2024
FEVEREIRO
Por Francisco Moreira
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Dengue
O carnaval passou e, como costumamos dizer, agora começa o ano
Todas as para o brasileiro. Tempo de por contas e projetos em ordem e
faixas etárias seguir na esperança de que até dezembro tenhamos construído
um país melhor, com mais ordem, mais progresso e mais
são
equilíbrio. É tempo também de buscarmos nos informar e
igualmente conscientizar sobre a dengue e outra doenças provocadas pelo
suscetíveis à mosquito Aedes aegypt, as chamadas arboviroses, como a
Chikungunya e a ZIka.
doença,
porém as A doença que se caracteriza por febre alta que começa de maneira
pessoas mais abrupta, dores no corpo, dor de cabeça e surgimento de manchas
velhas e vermelhas pelo corpo, leva várias pessoas à morte todos os anos e
é considerada uma das doenças infecciosas mais frequentes no
aquelas que País. Apesar da maioria dos óbitos poder ser evitado com
possuem tratamento de qualidade adequado.
doenças
Após passar pelo período febril, a pessoa deve-se ficar atento a
crônicas, sinais que podem indicar uma piora no estado do indivíduo, tais
como como:
diabetes e dor abdominal (dor na barriga) intensa e contínua;
vômitos persistentes;
hipertensão
acúmulo de líquidos em cavidades corporais;
arterial, têm hipotensão postural (sensação de tontura, desmaio e fraqueza
maior risco ao levantar);
letargia e/ou irritabilidade; e
de evoluir
sangramento de mucosa;
para casos
graves e Apesar do Brasil ser, agora, o primeiro do mundo a criar uma
outras vacina contra a doença (recomendada para faixa etária de 10 a 14
nos de idade), a principal forma de prevenção da doença continua
complicações sendo o controle do vetor de transmissão, o mosquito Aedes
que podem aegypt, que deve ser feito ao longo de TODO O ANO.
levar à
O mosquito se reproduz em locais de água parada (principalmente
morte.
limpa, mas já há subespécies que se proliferam mesmo em água
suja). Portanto é fundamental a manutenção de locais limpos, sem
acúmulo de lixo, fechar caixas de água e outros reservatórios,
evitar água empoçada, etc. além de, nos períodos de infestação,
utilizar telas contra mosquitos em casa e loções repelentes
aprovadas pela ANVISA.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
TRATAMENTO
O transmissor:
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
O QUE É A VIDA?
João Marcos
Eis a vida, ela dura de forma diferente para os seres vivos, humanos
ou não; que diga os nordestinos que moram no semiárido, o que nos
faz lembrar o livro Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo
Neto.
Assim, uns vivem mais, outros menos, uns chegam à velhice, outros
não alcançam a adolescência, alguns têm poucos minutos de vida,
pois não tem cérebro, já tantos outros nascem sem vida, pois a
morte misturou-se com vida ainda no ventre da mãe... E nós que
pensamos da vida? Somos privilegiados por ser algo, por ter algo?
Por termos uma família feliz? Mas será apenas nesses ângulos que a
vida deve ser analisada. Uns falam que a vida é um sopro, alguns
que é como uma chama que de repente se apaga... e assim vemos
amigos, parentes, vizinhos, pessoas conhecidas e desconhecidas
sendo desconectadas dessa vida para um outro plano, é claro, para
aqueles que acreditam que existam essa alternativa.
Ora, a vida é uma dádiva, ela foi-nos dada, por quem? Para muitos,
por um Ser Maior que fez o homem do barro e soprou em suas
narinas dando-lhe um espírito, alma e corpo; mas para outros, não
passa de um processo de amadurecimento que passamos, até
atingirmos um grau elevado de desenvolvimento como ser vivente
(questão de fé), mas as diversas formas de pensar a vida refletem o
que é a vida. E o que vem a ser a morte? Quem já esteve do outro
lado? Ah! soube que pessoas já experimentaram passar para o outro
lado, mas, de repente, foram trazidas de volta para esse plano.
Pergunta a elas se sentiram a paz lá ou cá.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
CLANDESTINO
Kiko Moreira
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
DIVERGÊNCIAS
Indo na contramão de certas "correntes" - Francisco Moreira
KIKOSOFIA
Número 13 fevereiro de 2024
KIKOSOFIA
Número 13 fevereiro de 2024
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Estante
DICAS DE LEITURA PARA SEUS MOMENTOS
Pois são as histórias que fazem o mundo
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Pleonasmos da Vida
Um dia pensei um pensamento,
De repente, para esquecer
Entrei para dentro de uma casa,
Percebi que estava preso
Sem conseguir sair para fora.
Então vi uma ladeira,
não sabia se subia para cima ou descia para baixo.
Daí, uma surpresa inesperada,
Baseada em fatos reais
Não era mentira, tampouco sonhos que sonhei,
Era tudo fato verídico. Fato de muitos anos atrás.
Mas na minha opinião pessoal,
Ah! se pudesse repetir de novo,
Iria encarar de frente a mesma situação,
viver a vida, como se fosse uma pessoa humana,
Em duas metades iguais,
Mas quem dera ser um Parnasianista.
Versos sem defeito.
Poético, sem fim, um relatório final.
E, sem preferir mais
E sem abusar demais das palavras,
Sem dar de graça o conhecimento dos pleonasmos.
Sem defeito, estilo Acabamento final.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Jorge L Oliveira
Psicoterapêuta/Psicanalista
Dessa maneira, bem como as outras instâncias o (SØ) também tem níveis e ao alcançar a
fase adulta o (SØ) exerce sua função com mais força, tendo a capacidade de avaliar,
observar e julgar a partir dos seus próprios critérios. O método não tem por objetivo a
sua reprogramação e sim neutralizar suas investidas contra o Ego.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Outra instância chamada de (id) parte importante da estrutura psíquica formada pelos
representantes mentais e seus impulsos instintuais que também é uma fonte de energia
para todo aparelhamento mental. Alem disso, em nossa linguagem agregamos o (NA+O)
que são os Núcleos de Apoio + Objeto, que se referem a tudo aquilo que devotamos apego
e que, se por ventura do indivíduo for tirado inevitavelmente elaborará muito sofrimento
(luto). Uma vez eliminados os (OEx) Objetos Externos deixarão o caminho do Ego aberto
para ser livre e gozar de uma consciência capaz de se ajustar e alinhar-se com o (NAE) que
é o Núcleo de Apoio do Ego, Núcleo de Autoestima e que terá função autônoma e coerente
mantendo este último sempre com sua autoestima elevada.
O Ego tem como tarefa principal de sua existência a auto-preservação. Entretanto, para
que haja um melhor entendimento por parte do leitor, iremos facilitar o conceito sobre o
Ego de forma simplificada, pois este é o objetivo da psicossíntese, visto que, é no Ego que
tudo acontece, exemplo: se após uma péssima noite de sono você acorda mal humorado
mesmo sem ter tido contato algum com outra pessoa, será possível avaliar que estímulos
internos são os responsáveis pela agressão sofrida pelo Ego. Os estímulos externos são
aqueles percebidos do mundo existente fora do Ego podendo ele ajustar-se a estas ou
aquelas situações para não ser agredido.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Nossa metodologia vem sendo muito utilizada no Brasil não só na clínica, pois suas
aplicabilidades transcendem vários campos: o cientifico, o não cientifico, o pedagógico, o
religioso, o filosófico, o acadêmico, bem como em todas as áreas que têm a seus cuidados
a saúde mental. Contudo, ainda é possível fazer um questionamento: Quem pode utilizar-
se dos benefícios da psicossíntese na clínica?
Analisando-se a atual conjuntura da Psicanálise no Brasil, podemos dizer que esse método
pode ser utilizado em pacientes que se apresentam com baixíssima autoestima, por
exemplo: o homem de negócios, atormentado e nervoso, a dona de casa preocupada e
agitada, a criança exasperada por contínuos acessos de raiva, o homem e a mulher que
não conseguem deixar de beber, em suma, pessoas em estados deprimentes, entre outros.
A abordagem inicial como terapia de apoio no tratamento elege com meta a promoção do
processo de crescimento contínuo, integrando o corpo aos sentimentos, fazendo com que
a mente leve o indivíduo harmoniosamente à plenitude de sua vida, acessando com isso
em maiores níveis, suas capacidades e talentos e assim sua potencialização. Sendo assim,
o processo terapêutico da psicossíntese é na verdade uma forma diferente do indivíduo
ser conduzido a ver o outro lado do muro, o muro que o coloca do lado de dentro e o faz
medroso, lhe dando a falsa impressão de protegido. E do lado de fora um verdadeiro e
autêntico modo de viver, hostil, agressivo e competitivo, contudo verdadeiro e autêntico
como todo ser humano por natureza o é, e por formação não se permite assumir.
Destarte, na terapia em Psicossíntese o processo dar início com o que é tônico na história
da pessoa e acorçoa o cliente na direção do esclarecimento mais melhorado de sua
própria potencialidade. O que somos significativamente em toda a nossa exterioridade,
nossa dádiva e características, nossa finalidade efetiva na vivência e nossa concepção da
inteligência e do desenvolvimento compassivo.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Publique na Kikosofia
A Kikosofia é um espaço de vozes, consonantes,
dissonantes, de livre e respeitosa expressão e opinião. Um
local que se pretende divertido, reflexivo, por vezes louco,
mas sempre acolhendo o outro, independente de diferenças,
somos todos iguais, e isso é o que de mais belo existe no
viver, saber que não somos cópias de outro ser.
Colabore, discorde, concorde, opine. Boa jornada.
kikosofia@gmail.com
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
grandes autores
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Os primeiros meninos que viram o volume escuro e silencioso que se aproximava pelo
mar imaginaram que era um barco inimigo. Depois viram que não trazia bandeiras nem
mastreação, e pensaram que fosse uma baleia. Quando, porém, encalhou na praia,
tiraram-lhe os matos de sargaços, os filamentos de medusas e os restos de cardumes e
naufrágios que trazia por cima, e só então descobriram que era um afogado. Tinham
brincado com ele toda a tarde, enterrando-o e o desenterrando na areia, quando alguém
os viu por acaso e deu o alarme no povoado. Os homens que o carregaram à casa mais
próxima notaram que pesava mais que todos os mortos conhecidos, quase tanto quanto
um cavalo, e disseram que talvez tivesse estado muito tempo à deriva e a água
penetrara-lhe os ossos. Quando o estenderam no chão viram que fora muito maior que
todos os homens, pois mal cabia na casa, mas pensaram que talvez a capacidade de
continuar crescendo depois da morte estava na natureza de certos afogados. Tinha o
cheiro do mar e só a forma permitia supor que fosse o cadáver de um ser humano,
porque sua pele estava revestida de uma couraça de rêmora e de lodo. Não tiveram que
limpar seu rosto para saber que era um morto estranho. O povoado tinha apenas umas
vinte casas de tábuas, com pátios de pedra sem flores, dispostas no fim de um cabo
desértico. A terra era tão escassa que as mães andavam sempre com medo de que o
vento levasse os meninos, e os poucos mortos que os anos iam causando tinham que
atirar das escarpas. Mas o mar era manso e pródigo, e todos os homens cabiam em sete
botes. Assim, quando encontraram o afogado, bastou-lhes olhar uns aos outros para
perceber que nenhum faltava. Naquela noite não foram trabalhar no mar. Enquanto os
homens verificavam se não faltava alguém nos povoados vizinhos, as mulheres foram
cuidando do afogado. Tiraram-lhe o lodo com escovas de esparto, desembaraçaram-lhe
os cabelos dos abrolhos submarinos e rasparam a rêmora com ferros de descamar
peixes. À medida que o faziam, notaram que a vegetação era de oceanos remotos e de
águas profundas; e que suas roupas estavam em frangalhos, como se houvesse
navegado entre labirintos de corais. Notaram também que carregava a morte com
altivez, pois não tinha o semblante solitário dos outros afogados do mar, nem tampouco
a catadura sórdida e indigente dos afogados dos rios. Somente, porém, quando
acabaram de limpá-lo tiveram consciência da classe de homens que era, e então ficaram
sem respiração. Não era só o mais alto, o mais forte, o mais viril e o mais bem servido que
jamais tinham visto, senão que, embora o estivessem vendo, não lhes cabia na
imaginação.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Não encontraram no povoado uma cama bastante grande para estendê-lo, nem uma
mesa bastante sólida para velá-lo. Não lhe serviram as calças de festa dos homens mais
altos, nem as camisas de domingo dos mais corpulentos, nem os sapatos do maior
tamanho. Fascinadas por sua desproporção e sua beleza, as mulheres decidiram então
fazer-lhe umas calças com um bom pedaço de vela carangueja e uma camisa de cretone
de noiva, para que pudesse continuar sua morte com dignidade. Enquanto costuravam,
sentadas em círculo, contemplando o cadáver entre ponto e ponto, parecia-lhes que o
vento não fora nunca tão tenaz nem o Caribe estivera tão ansioso quanto naquela noite,
e supunham que essas mudanças tinham algo a ver com o morto. Pensavam que, se
aquele homem magnífico tivesse vivido no povoado, sua casa teria as portas mais largas,
o teto mais alto e o piso mais firme, e o estrado de sua cama seria de cavernas mestras
com pernas de ferro, e sua mulher seria a mais feliz. Pensavam que tivera tanta
autoridade que poderia tirar os peixes do mar só os chamando por seus nomes, e pusera
tanto empenho no trabalho que fizera brotar mananciais entre as pedras mais áridas, e
semear flores nas escarpas. Compararam-no, em segredo, com seus homens, pensando
que não seriam capazes de fazer, em toda uma vida, o que aquele era capaz de fazer
numa noite, e acabaram por repudiá-los, no fundo de seus corações, como os seres mais
fracos e mesquinhos da terra. Andavam perdidas por esses labirintos de fantasia, quando
a mais velha das mulheres, que por ser a mais velha contemplara o afogado com menos
paixão que compaixão, suspirou: __ Tem cara de se chamar Estêvão.Era verdade. À
maioria bastou olhá-lo outra vez para compreender que não podia ter outro nome.As
mais teimosas, que eram as mais jovens, mantiveram-se com a ilusão de que, ao vesti-
lo,estendido entre flores e com uns sapatos de verniz, pudesse chamar-se Lautaro. Mas
foi uma ilusão vã. O lençol ficou curto, mal cortadas e pior costuradas, ficaram apertadas
e as forças ocultas de seu coração faziam saltar os botões da camisa. Depois da meia
noite diminuíram os assobios do vento e o mar caiu na sonolência da quarta feira. O
silêncio pôs fim às últimas dúvidas:era Estêvão. As mulheres que o vestiram, as que o
pentearam, as que lhe cortaram as unhas e barbearam não puderam reprimir um
estremecimento de compaixão quando tiveram de resignar-se a deixá-lo estendido no
chão. Foi então quando compreenderam quanto devia ter sido infeliz com aquele corpo
descomunal, se até depois de morto o estorvava. Viram-no condenado em vida a passar
de lado pelas portas, a ferir-se nos tetos, a permanecer de pé nas visitas, sem fazer o que
fazer com suas ternas e rosadas mãos de boi marinho, enquanto a dona da casa
procurava a cadeira mais resistente e suplicava-lhe, morta de medo, sente-se aqui
Estêvão, faça-me o favor, e ele encostado nas paredes, sorrindo, não se preocupe
senhora, estou bem assim, com os calcanhares em carne viva e as costas abrasando de
tanto repetir o mesmo, em todas as visitas,não se preocupe senhora, estou bem assim,
só para não passar pela vergonha de destruir a cadeira, e talvez sem ter sabido nunca
que aquele que lhe diziam não se vá, Estêvão, espere pelo menos até que aqueça o café,
eram os mesmos que, depois, sussurravam já se foi o bobo grande,que bom, já se foi o
bobo bonito. Isto pensavam as mulheres diante do cadáver um pouco antes do
amanhecer.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Mais tarde, quando lhe cobriram o rosto com um lenço para que não o
maltratasse a luz, viram-no tão morto para sempre, tão indefeso, tão
parecido com seus homens, que se abriram as primeiras gretas de
lágrimas nos seus corações. Foi uma das mais jovens que começou a
soluçar. As outras, consolando-se entre si, passaram dos suspiros aos
lamentos, e enquanto mais soluçavam, mais vontade sentiam de
chorar, porque o afogado estava se tornando cada vez mais Estevão,
até que o choraram tanto que ficou sendo o homem mais desvalido da
Terra, o mais manso, o mais serviçal, o pobre Estêvão. Assim que,
quando os homens voltaram com a notícia de que o afogado também
não era dos povoados vizinhos, elas sentiram um vazio de júbilo entre
as lágrimas. __ Bendito seja Deus __ suspiraram: __ é nosso! Os homens
acreditaram que aqueles exageros não eram mais que frivolidades de
mulher. Cansados das demoradas averiguações da noite, a única coisa
que queriam era descartar-se de uma vez do estorvo do intruso, antes
que acendesse o sol bravo daquele dia árido e sem vento.
Improvisaram umas padiolas com restos de traquetes e espichas, e as
amarraram com carlingas de altura, para que resistissem ao peso do
corpo até as escarpas. Quiseram prender-lhe aos tornozelos uma
ancora de navio mercante para que ancorasse, sem tropeços, nos
mares mais profundos, onde os peixes são cegos e os búzios morrem
de saudade, de modo que as más correntes não o devolvessem à
margem, como acontecera com outros corpos. Porém, quanto mais se
apressavam, mais coisas as mulheres lembraram para perder tempo.
Andavam como galinhas assustadas, bicando amuletos do mar nas
arcas, umas estorvando aqui porque queriam pôr no afogado os
escapulários do bom vento, outras estorvando lá para abotoar-lhe uma
pulseira de orientação; e depois de tanto sai daí mulher, ponha-se
onde não estorve, olhe que quase me faz cair sobre o defunto, aos
fígados dos homens subiram as suspeitas e eles começaram a
resmungar, para que tanta bugiganga de altar-mor para um forasteiro,
se por muitos cravos e caldeirinhas que levasse em cima os tubarões
iam mastigá-lo, mas elas continuavam ensacando suas relíquias de
quinquilharia, levando e trazendo, tropeçando, enquanto gastavam
em suspiros o que poupavam em lágrimas, tanto que os homens
acabaram por se zangar, desde quando aqui semelhante alvoroço por
um morto ao léu, um afogado de nada, um presunto de merda. Uma
das mulheres, mortificada por tanta insensibilidade, tirou o lenço do
rosto do cadáver e também os homens perderam a respiração.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Era Estêvão. Não foi preciso repeti-lo para que o reconhecessem. Se lhe tivessem chamado
Sir Walter Raleigh, talvez, até eles ter-se-iam impressionado com seu sotaque de gringo,
com sua arara no ombro, com seu arcabuz de matar canibais, mas Estêvão só podia ser
único no mundo e ali estava atirado, como um peixe inútil, sem polainas, com umas calças
que não lhe cabiam e umas unhas cheias de barro, que só se podia cortar à faca. Bastou que
lhe tirassem o lenço do rosto para perceber que estava envergonhado, de que não tinha
culpa de ser tão grande, nem tão pesado, nem tão bonito, e se soubesse que isso ia
acontecer, teria procurado um lugar mais discreto para afogar-se, de verdade, me amarraria
eu mesmo uma âncora de galeão no pescoço e teria tropeçado como quem não que nada
nas escarpas, para não andar agora estorvando com este morto de quarta-feira, como vocês
chamam, para não molestar ninguém com esta porcaria de presunto que nada tem a ver
comigo. Havia tanta verdade no seu modo de estar que até os homens mais desconfiados, os
que achavam amargas as longas noites no mar, temendo que suas mulheres se cansassem
de sonhar com eles para sonhar com os afogados, até esses, e outros mais empedernidos,
estremeceram até a medula com a sinceridade de Estêvão.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
Foi por isso que lhe fizeram os funerais mais esplêndidos que se podiam conceber para um
afogado considerado enjeitado. Algumas mulheres, que tinham ido buscar flores nos
povoados vizinhos, voltaram com outras que não acreditavam no que lhes contavam, e estas
foram buscar mais flores quando viram o morto, e levaram mais e mais, até que houve
tantas flores e tanta gente que mal se podia caminhar. Na última hora, doeu-lhes devolvê-lo
órfão às águas, e lhe deram um pai e uma mãe dentre os melhores, e outros se fizerem seus
irmãos, tios e primos, de tal forma que, através dele, todos os habitantes do povoado
acabaram por ser parentes entre si.Alguns marinheiros que ouviram o choro à distância
perderam a segurança do rumo, e se soube de que um se fez amarrar ao mastro maior,
recordando antigas fábulas de sereias. Enquanto se disputavam o privilégio de carregá-lo
nos ombros, pelo declive íngreme das escarpas, homens e mulheres perceberam, pela
primeira vez, a desolação de suas ruas, a aridez de seus pátios, a estreiteza de seus sonhos,
diante do esplendor e da beleza do seu afogado. Jogaram-no sem âncora, para que voltasse
se quisesse, e quando o quisesse, e todos prenderam a respiração durante a fração de
séculos que demorou a queda do corpo até o abismo. Não tiveram necessidade de olhar-se
uns aos outros para perceber que já não estavam todos, nem voltariam a estar jamais. Mas
também sabiam que tudo seria diferente desde então, que suas casas teriam as portas mais
largas, os tetos mais altos, os pisos mais firmes, para que a lembrança de Estevão pudesse
andar por toda parte, sem bater nas traves, e que ninguém se atrevesse a sussurrar no futuro
já morreu o bobo grande, que pena, já morreu o bobo bonito, porque eles iam pintar as
fachadas de cores alegres para eternizar a memória de Estêvão, e iriam quebrar a espinha
cavando mananciais nas pedras e semeando flores nas escarpas para que, nas auroras dos
anos venturosos,os passageiros dos grandes navios despertassem sufocados por um
perfume de jardins em alto-mar, e o capitão tivesse que baixar do seu castelo de proa, em
uniforme de gala, astrolábio, estrela polar e sua enfiada de medalhas de guerra, e,
apontando o promontório de rosas no horizonte doCaribe, dissesse em catorze línguas,
olhem lá, onde o vento é agora tão manso que dorme debaixo das camas, lá, onde o sol
brilha tanto que os girassóis não sabem para onde girar, sim, lá é o povoado de Estêvão.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
REFULGIR URBANO
Voz para os pobres e oprimidos
É difícil não se render ao ritmo e as letras das músicas de Bob Marley, ainda
que estas reverberem muito mais nas camadas mais básicas da sociedade e
que ainda haja muitos preconceitos em relação ao estilo. O reggae exalta
tranquilidade e paz, reflexão e calmaria, promovendo a paz e a
conscientização social através de uma revolução musical que busca mostrar
problemas e mazelas sociais numa mensagem de luta, esperança e sobretudo
amor.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
REDEMPTION SONG
CANÇÃO DE REDENÇÃO
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
CINEOLHAR
O filme é um recorte específico de um período
de três anos da vida do cantor jamaicano, cujo
país estava as beiras de uma guerra civil, o
que o motivou a deixar a Jamaica, após uma
tentativa de assassinato. O exílio (ou fuga)
auto imposto marcou um dos períodos mais
criativos artisticamente de Bob, com a criação
de uma de suas maiores obras, o álbum
“Exodus” que levaria sua música a se espalhar
ao redor do mundo em turnês pela Europa e
EUA, até finalmente ocorrer seu retorno a
terra natal, onde foi figura importantíssima
para ajudar a firmar a paz entre os grupos que
Bob Marley, One Love
disputavam o controle político da pequena 2024 - 1h 47 min
nação insular. Direção de Reinaldo Marcos Green
Com: Kingsley Be-Adir, Lashana Lynch
SEÇÃO HQ
As dicas de quadrinhos do mês, com recomendações de obras consagradas e excelentes opções
para uma boa e garantida diversão, um momento de descobrir novas terras, novos mundos e
aventuras em tempos e lugares diferentes. Uma forma de arte que mistura desenhos, cores e
literatura: Quadrinhos!
Blueberry
Esta é uma série de quadrinhos franco-belga criada no
ano de 1963 e até hoje uma das mais influentes obras de
quadrinhos do gênero faroeste. Com argumento de Jean-
Michel Charlie e desenhos de Jean Giraud, a história conta
a saga do tenente Mike Steve Donovan, o Blueberry, numa
recriação muito realista do cenário americano pós guerra
de secessão, no qual o personagem vive suas aventuras
como membro do exército, pistoleiro, defensor de causas
perdidas; um anti herói que nem sempre consegue salvar
o dia, um viciado em jogo e bebidas, que não é
especialmente atraente ou bonito, mas possui um senso
de honra e dever muito apurado. O personagem foi
publicado originalmente entre 1963 e 1971 e rende
adaptações e revistas derivadas até hoje. A editora
Pipoca e nanquim iniciou a coleção definitiva que compila
os albuns originais no formato ômnibus, com previsão de
4 volumes com aproximadamente 500 páginas cada.
https://pipocaenanquim.com.br/
Torpedo 1936
Publicado inicialmente na versão espanhola da revista
Creepy, Torpedo dos hispânicos Enrique Sanchez Abuly e
Jordi Bernet conta as aventuras do assassino de aluguel
Luca Torreli, com textos fantásticos que misturam humor,
policial e máfia juntos com um personagem impiedoso,
por vezes trapalhão e muito canalha, mas que consegue
nos atrair pelo seu charme e pelas situações inusitadas
em que se envolve. Um imperdível clássico noir das HQs,
reconhecido internacionalmente pela qualidade e agora
compilado em três álbuns publicados pela editora Figura,
que traz todas as aventuras clássicas do personagem.
https://www.figuraeditora.com/
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
RESENHA HQ
Angola Janga - Uma história de
Palmares
O quadrinista e historiador Marcelo D’Salete, em suas obras
procura realizar um resgate da trajetória do Brasil negro e
escravizado, cujas consequências ainda podem ser vistas em
nossa sociedade até dos dias de hoje. Seus heróis são
pessoas comuns, negros, mulatos, indígenas e brancos que
fizeram a nossa trajetória enquanto país.
Descobrimos facetas inexploradas pela narrativa oficial que mostram as relações entre os
quilombolas e os fazendeiros donos de terra das cercanias, que incluíam relações de comércio e
algumas vezes até proteção. As motivações de brancos, mestiços e negros que caçavam outros
negros, motivados por um senso deturpado de liberdade e superioridade. As traições que
precipitaram o fim daquela quase utopia que durou cerca de 100 anos. A lealdade que o líder
Zumbi inspirava em seus seguidores e a inteligência deste, que nascido “livre”, escolheu viver a
sua cultura e resgatar seu povo dos algozes colonialistas.
Angola Janga reverbera suas revelações, que nos perseguem mesmo nos dias atuais, quando
percebemos que apesar de tantos anos e tantas conquistas depois, ainda permanecemos
excluídos e apartados de tantos direitos; que oportunismos, enganos e traições são tão comuns
quanto eram na época. A luta por igualdade de direitos e mesmo pelo simples direito de estar
aqui, presentes; ainda causa resistências hercúleas daqueles que preferem a negação do
respeito ao ser humano, independente de sua etnia, religião ou gênero.
Quadrinhos como esse, mais do que uma narrativa gráfica, trazem uma aula de reflexão sobre
temas importantíssimos e que deveriam estar sob constante revisão, aprimoramento e
discussão. Em salas de aula sim, mas principalmente no dia a dia de nossas rotinas, uma pausa
para pensar quem somos e quais os momentos históricos que ajudam a contar a nossa
trajetória enquanto povo que busca ainda uma identidade como Nação.
A obra de 430 páginas foi publicada pela editora Veneta em 2017, é ganhadora de 4 HQ MIx, do
prêmio Jabuti de 2018 e já foi traduzida para seis idiomas. No final do livro há extras que trazem
maior contextualização sobre Palmares como mapas, linhas dos tempo e um glossário.
KIKOSOFIA
número 18 fevereiro de 2024
MATEUS 6, 9 -15
Monge em oração,
J. Ferrer y Pallej (1846 - 1946),
Óleo sobre tela,
Pintado em 1899
KIKOSOFIA