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MATERIAL

COMPLEMENTAR
SELEÇÃO DE MATERIAIS
SOBRE PONTOS
RELEVANTES DA
LEI Nº 14.133/2021
Não deixe de acompanhar
a Zênite
Agradecemos sua
participação no Zênite
Online
E, para aprimorar seus estudos, disponibilizamos este material
complementar, que envolve uma série de artigos doutrinários,
além de perguntas e respostas divulgadas na ferramenta
eletrônica Zênite Fácil, tratando de aspectos relevantes da nova
lei de licitações, apresentando as polêmicas e desafios do novo
regime legal e caminhos para solução.

Esperamos que o conteúdo aqui exposto, o material da apostila, a


apresentação e solução dos casos práticos e os ensinamentos dos
professores contribuam para seu aperfeiçoamento profissional,
bem como para a resolução das dificuldades vividas no exercício
de sua atividade.

julho/2023
Zênite Editora
Doutrina

Lei nº 14.133/21: A nova lei de licitações está vigente e é


aplicável..........................................................................................................................9

Dever de pagamento e ordem cronológica na nova Lei de


Licitações.....................................................................................................................14

Nova lei de licitações: o princípio do planejamento .........................30

Lei nº 14.133/21 e “jornal diário de grande circulação”: pode ser


eletrônico?..................................................................................................................33

A polêmica da singularidade como condição para a


inexigibilidade de licitação que visa à contratação de serviço
técnico especializado de natureza predominantemente
intelectual...................................................................................................................38

Alterações contratuais na nova Lei de Licitações ..............................48

Nova lei de licitações: algumas inovações................................................56

“Virada de chave” para a nova Lei de Licitações: qual a


responsabilidade do gestor público?..........................................................64
Pergunta e Resposta
Em sede de diligência, é permitida a inclusão de documento
com data de emissão posterior ao início da sessão do pregão?
A solução será a mesma nas Leis nºs 8.666/1993 e 10.520/2002,
Decreto nº 10.024/2019 e na Lei nº 14.133/2021? O que tem
orientado o TCU? ..................................................................................................68

Qual o conteúdo do estudo técnico preliminar e do termo de


referência e a distinção entre eles, de acordo com a nova Lei de
Licitações? Na prática, percebe-se uma tendência de repetição
no conteúdo desses documentos. Isso faz sentido?..........................72

Considerando que o Poder Executivo de outra esfera tenha


adotado a IN SEGES/ME nº 67/2021 para regulamentar a
dispensa eletrônica, deverá observar as alterações promovidas
pela IN SEGES/MGI nº 8/2023? O novo critério eleito para análise
envolvendo “mesmo ramo de atividade” é melhor
que a classificação CNAE?................................................................................75

Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a


inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades
em relação a esse tema?....................................................................................79

Em relação à instrução das contratações diretas, o que prevê


a nova Lei de Licitações?....................................................................................82
Nas dispensas em razão do valor na nova Lei de Licitações, como
avaliar a ocorrência de fracionamento indevido nos contratos
cujas vigências ultrapassem o crédito orçamentário ou quando
admitida a prorrogação?....................................................................................86

Quais as diretrizes da Orientação Normativa AGU nº 69/2021,


que trata da dispensa de parecer jurídico?.............................................90

Considerando o que dispõe o art. 75, § 7º da Lei nº 14.133/2021,


será possível realizar várias contratações de até R$ 8.000,00
para manutenção de veículos automotores, incluído o
fornecimento de peças, sem que se caracterize parcelamento
indevido? ...................................................................................................................94

O que são contratações correlatas e interdependentes, com


indicação de exemplos, de acordo com a Lei nº 14.133/2021?.......99

Que aspectos merecem destaque no Decreto nº 11.430/2023,


que regulamentou a Lei nº 14.133/2021 quanto à mão de obra
constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e
ações de equidade entre mulheres e homens no trabalho?......101

Município pode realizar licitações com base na Lei nº 14.133/2021


sem a conclusão dos trabalhos de regulamentação? Pode
adotar as regulamentações federais? Exige-se a edição de ato
específico para tanto?........................................................................................106
É possível prever no edital a desnecessidade de
apresentação de amostra de produto já conhecido da
Administração?.........................................................................................................111

Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação


à ordem da fase de habilitação e apresentação da
proposta? Qual o impacto dessa novidade no pregão e na
concorrência?...........................................................................................................114

É possível incluir documento novo, quando da análise da


habilitação, no regime da nova Lei de Licitações? Qual o
entendimento do TCU? .....................................................................................116

É possível a formalização de termo aditivo a contratos


com efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de
Licitações?.................................................................................................................121

Com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em abril de


2023, um contrato de serviço continuado pode ser prorrogado
de acordo com o art. 57, inc. II, da citada lei?........................................125
Orientação Zênite

Nova Lei de Licitações: designação do agente de


contratação..............................................................................................................128

Nova lei de licitações: atos normativos do ministério da


economia e a não obrigatoriedade de aplicação pelos
órgãos do poder judiciário..............................................................................144
DOUTRINA
LEI Nº 14.133/21: A NOVA LEI DE LICITAÇÕES ESTÁ VIGENTE E É
APLICÁVEL1-2

EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

Uma questão tem gerado discussões nos últimos dias, desde que a nova Lei de Licitações
nº 14.133/2021 foi sancionada: a nova lei já seria aplicável?

A Lei entrou em vigor no dia 1º de abril último (art. 194). Ainda, nos artigos 190 e seguintes
criou algumas regras de transição: (i) contratos firmados antes do dia 1º.04.2021 continuarão
sendo regidos pela Lei nº 8.666/1993 (art. 190); (ii) até o dia 1º.04.2023 a Administração poderá
optar por licitar/contratar diretamente conforme o regime da legislação até então vigente
ou a nova, cumprindo indicar, uma dessas 2 opções, na instrução pertinente (art. 191 c/c art.
193, inc. II); (iii) a seção “Dos crimes e das Penas” prevista na Lei nº 8.666/1993 ficou revogada
em 1º.04.2021 (art. 193, inc.I); e (iv) as Leis nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002, e os arts. 1º a 47-A
da Lei nº 12.462/2011 estarão revogados em 1º.04.2023 (art. 193, inc. II).

1 Artigo publicado originalmente no Blog Zênite. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/lei-no-14-133-21-a-nova-lei-de-lici-


tacoes-esta-vigente-e-e-aplicavel/.

2 Zênite, Equipe Técnica. Lei nº 14.133/21: a Nova Lei de Licitações está vigente e é aplicável. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 22 mai.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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Ao definir que a nova Lei passou a viger em 1º.04.2021 e que em 2 anos, a contar dessa data
(até 1º.04.2023, portanto), a Administração poderá optar pelo regime jurídico que observará
em cada processo de contratação, fica muito clara a intenção do legislador no sentido de:

1º – anunciar a existência de um novo regime jurídico para as licitações e contratos da


Administração Pública, que já está vigente; e,

2º – definir um período para “exercitar” esse novo regime jurídico, para um adequado
aprendizado e internalização correspondente pelos agentes públicos, de modo que, entre
1º.04.2021 e 1º.04.2023 estes poderão, mediante aposição expressa em cada processo
administrativo de contratação, optar pelo novo regime ou pelo regime até então vigor.

Um argumento que tem sido colocado como óbice à possibilidade de aplicar o novo regime,
desde o dia 1º.04.2021, tem em vista o disposto no art. 94, caput, da Lei nº 14.133/2021, segundo
o qual a “divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição
indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”.

A nova Lei cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), enquanto sítio eletrônico
oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela Lei (art. 174,
inc. I, da Lei nº 14.13320/21), a exemplo dos avisos de contratação direta e editais de licitação
e respectivos anexos, bem como minutas contratuais.

Por ser uma Lei muito preocupada com governança, fica bastante clara a intenção do
legislador pela transformação num governo fortemente digital e com mecanismos de
centralização. O PNCP compreenderá, sem sombra de dúvida, importante instrumento
nesse sentido.

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Agora, não se pode confundir o “instrumento” com a “norma”, esta subjacente ao dispositivo.

E a “norma”, ao tratar do uso do PNCP como instrumento de publicidade dos atos praticados
nos processos de contratação, antes de qualquer outro fator, pretendeu materializar o dever
de publicidade dos atos praticados nos processos de contratação, e todos os reflexos a ele
inerentes (transparência, controle, prestígio à competitividade etc.).

Logo, até que seja criado o PNCP, cabe aos órgãos e entidades que optarem por já adotar o
regime da Lei nº 14.133/2021 (conforme expressamente autorizado no art. 191 c/c art. 193, inc.
II e art. 194) observarem, enquanto instrumento de publicidade, os veículos de divulgação
oficial atualmente existentes e que têm cumprido a finalidade normativa, inclusive o próprio
sítio eletrônico oficial do órgão ou entidade.

E há outro aspecto que não pode passar despercebido. A Lei nº 8.666/1993 perderá a
vigência apenas em 1º.04.2023. Portanto, enquanto o PNCP não estiver disponível, continua
regendo a publicidade dos atos praticados nos processos de contratação, em termos legais
e materiais, o disposto no art. 6º, inc. XIII, da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual, é a “Imprensa
Oficial – veículo oficial de divulgação da Administração Pública, sendo para a União o Diário
Oficial da União, e, para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o que for definido nas
respectivas leis”.

Sabe-se que, na forma do art. 191 c/c art. 193, inc. II, da Lei nº 14.133/2021, cumprirá à
Administração optar, em cada processo de contratação, por um dos 2 regimes (Lei nº
14.133/2021 ou Lei nº 8.666/1993 e legislações correlatas), não sendo possível mesclá-los.
Contudo, frise-se, não se deve confundir o “instrumento” com a “norma”. O que ambas as
legislações pretendem, com os dispositivos da Lei nº 14.133/2021 que tratam do PNCP e o art.

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6º, inc. XIII, da Lei nº 8.666/1993, é indicar, no que tange à publicidade dos atos praticados
nos processos de contratação, qual será o veículo oficial de divulgação da Administração
Pública, ou seja, qual deve ser o instrumento por meio do qual ocorrerá a divulgação oficial
da Administração Pública.

Se o instrumento indicado pelo novo regime – PNCP – não existe, até que seja criado e esteja
disponível, para cumprir a norma, deve-se empreender a divulgação pelos instrumentos de
divulgação oficial em vigor e disponíveis (dever de publicidade), na forma do art. 6º, inc. XIII,
da Lei nº 8.666/1993, somado à divulgação no sítio eletrônico oficial.

Não fosse assim, daqui a um ano, ao lançar um pregão, por exemplo, adotando o regime da
Lei nº 8.666/1993, ainda que já disponível e operante o PNCP, este instrumento não poderia
ser utilizado para divulgação do procedimento, o que seria completamente questionável.
Eventual raciocínio nesse sentido colocaria em xeque um dos objetivos de criação do
PNCP, não somente enquanto veículo de divulgação oficial das contratações públicas, mas
igualmente de centralização, transparência e controle.

Portanto, a partir do instante em que o PNCP estiver disponível, a veiculação nele será
obrigatória, conforme disposto no art. 54 da Lei nº 14.133/2021. Até lá os atos praticados nas
licitações e contratos serão publicados nos órgãos oficiais de publicidade, como Diário
Oficial e sítios eletrônicos oficiais dos órgãos e entidades da Administração Pública.

Reforça esse alinhamento o disposto no art. 8º, parágrafo 1º, inc. IV, e parágrafo 2º, da Lei de
Acesso à Informação, segundo o qual, ao tratar do dever dos órgãos e entidades públicas de
promover a divulgação de informações de interesse coletivo ou geral, citam as “informações
concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados,
bem como a todos os contratos celebrados”, de modo que, para o cumprimento desse

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dever, “deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo
obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).”
(Grifamos.)

Importante reforçar: adotar racionalidade diversa, além de ir de encontro à autorização


expressa na Lei que possibilita, desde logo, adotar o novo regime que inaugura, seria
desarrazoado, uma vez que é possível cumprir a norma (finalidade de publicidade) pelos
veículos de Imprensa oficial/sítio eletrônico oficial, e legítimos, até que o PNCP seja criado
e esteja disponível.

Em suma, para a Zênite a Lei nº 14.133/2021 está vigente e já pode ser aplicada.

Aspectos que dependem de regulamentação (sendo, nessa medida, normas de eficácia


contida), serão tratados em novo post, em breve.

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DEVER DE PAGAMENTO E ORDEM CRONOLÓGICA NA NOVA LEI
DE LICITAÇÕES3

JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS


Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito
Administrativo pela UFPR.

Uma das relevantes inovações produzidas no sistema jurídico pela Lei nº 14.133 de 01 de
abril de 2021 são as regras relativas ao dever de pagamento em ordem cronológica de
exigibilidade:

Art. 141. No dever de pagamento pela Administração, será observada a ordem cronológica
para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de
contratos:
I - fornecimento de bens;
II - locações;
III - prestação de serviços;
IV - realização de obras.
§ 1º A ordem cronológica referida no caput deste artigo poderá ser alterada, mediante
prévia justificativa da autoridade competente e posterior comunicação ao órgão de
controle interno da Administração e ao tribunal de contas competente, exclusivamente
nas seguintes situações:

3 SANTOS, José Anacleto Abduch. Dever de pagamento e ordem cronológica na Nova Lei de Licitações. Zênite Fácil, categoria
Doutrina, 27 mai. 2023. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 27 jun. 2023.

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I - grave perturbação da ordem, situação de emergência ou calamidade pública;
II - pagamento a microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor
rural pessoa física, microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde que
demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;
III - pagamento de serviços necessários ao funcionamento dos sistemas estruturantes,
desde que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do
contrato;
IV - pagamento de direitos oriundos de contratos em caso de falência, recuperação
judicial ou dissolução da empresa contratada;
V - pagamento de contrato cujo objeto seja imprescindível para assegurar a integridade
do patrimônio público ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do
órgão ou entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de
serviço público de relevância ou o cumprimento da missão institucional.
§ 2º A inobservância imotivada da ordem cronológica referida no caput deste artigo
ensejará a apuração de responsabilidade do agente responsável, cabendo aos órgãos
de controle a sua fiscalização.
§ 3º O órgão ou entidade deverá disponibilizar, mensalmente, em seção específica de
acesso à informação em seu sítio na internet, a ordem cronológica de seus pagamentos,
bem como as justificativas que fundamentarem a eventual alteração dessa ordem.

As normas legais acerca do dever de pagamento por parte da Administração Pública levam
às seguintes ponderações de cunho jurídico/material:

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1. DEVER DE PAGAMENTO

A norma consagra o dever jurídico de pagamento pela execução contratual efetivamente


realizada. O núcleo da norma revela que, em tendo havido a correta e integral execução
contratual é devido o pagamento. Este é o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal
de Justiça, inclusive (“na hipótese dos autos, verifico que o acórdão recorrido adotou
entendimento pacificado nesta Corte no sentido de que, apesar da exigência de regularidade
fiscal para a contratação com a Administração Pública, não é possível a retenção de
pagamento de serviços já executados em razão do não cumprimento da referida exigência,
sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e violação do princípio da legalidade,
haja vista que tal providência não se encontra abarcada pelo artigo 87 da Lei 8.666/93 -
AgRg no AREsp 67265 / DF”).

Evidente que podem ser realizadas retenções de pagamento devido para garantia de multas
e reparação de prejuízos causados e decorrentes da execução do contrato. Esta possibilidade
legal está consagrada na Lei Geral de Licitações:

Art. 139. A extinção determinada por ato unilateral da Administração poderá acarretar,
sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei, as seguintes consequências:
IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à
Administração Pública e das multas aplicadas.
Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta
Lei as seguintes sanções:
§ 8º Se a multa aplicada e as indenizações cabíveis forem superiores ao valor de pagamento
eventualmente devido pela Administração ao contratado, além da perda desse valor, a
diferença será descontada da garantia prestada ou será cobrada judicialmente.

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Pode também haver retenção de pagamento devido a título de garantia de recolhimento de
contribuições previdenciárias ou cumprimento de encargos trabalhistas relativos ao pessoal
alocado na execução de contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de
mão de obra, como já decidiu o Tribunal de Contas da União por intermédio do Acórdão nº
1.214/2013.

2. FORMAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO DEVER DE PAGAMENTO

O dever de pagamento é derivado de um processo de constituição legalmente previsto.

A Lei nº 14.133/2021 não prevê, taxativamente, o prazo para pagamento devido ao contratado
pela execução do contrato. Há previsão de que a fase preparatória da contratação deverá
contemplar avaliação sobre “a definição das condições de execução e pagamento” (art. 18,
III); de que “o edital deverá conter regras relativas à entrega do objeto e às condições de
pagamento (art. 25); e que “são clausulas necessárias dos contratos as que estabeleçam
o preço e as condições de pagamento, os critérios, e os critérios de atualização monetária
entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento (art. 92).

Atente-se que a Lei faz referência, para apontar o termo inicial da mora administrativa em
relação ao pagamento, à “data do adimplemento das obrigações”.

É preciso buscar na interpretação sistêmica da Lei Geral de Licitações o adequado momento


processual em que surge e se constitui o dever de pagamento.

Tal avaliação sistêmica demanda, em princípio, considerar as normas previstas na Lei nº


4.320/1964, em especial na parte que trata do processo de realização de despesa pública.
Com efeito, dita Lei preceitua que:

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Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular
liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor
tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por
base:
I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente,
determinando que a despesa seja paga.
Parágrafo único. A ordem de pagamento só poderá ser exarada em documentos
processados pelos serviços de contabilidade.

O primeiro aspecto relevante das regras relativas à realização da despesa é que o dever
de pagamento somente surge ou se constitui após a liquidação da despesa. Antes desta
liquidação, nos termos da Lei, não é juridicamente possível o pagamento.

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Por seu turno, a liquidação da despesa consiste na verificação e comprovação de que todas
as obrigações contratuais, principal e acessórias, foram devida e corretamente cumpridas.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o processo de liquidação de despesa relativa


a uma contratação pública, entre outros aspectos de ordem administrativa, financeira e
contábil, se perfaz por intermédio da gestão e fiscalização da execução contratual e pelos
recebimentos provisório e definitivo do objeto contratado.

No que tange aos aspectos inerentes às obrigações contratuais, é o ato de recebimento


definitivo que encerra a etapa da liquidação (ressalvadas as condutas eventuais antes
apontadas de cunho administrativo, contábil, financeiro e orçamentário relacionadas ao
contrato celebrado) – afinal, registre-se que além das obrigações materiais do contratado,
para que sejam reputadas cumpridas as obrigações contratadas, pode ter havido exigência
de produção e entrega de documentos, como faturas, notas fiscais, certidões entre outras,
a título de obrigações acessórias que devem ser cumpridas pelo contratado como condição
para a formação e constituição do dever de pagamento.

Assim, antes do recebimento definitivo do objeto, e cumprimento de todas as obrigações


assumidas pelo contratado não há dever de pagamento.

Neste aspecto, há que se distinguir os institutos do recebimento provisório e do recebimento


definitivo.

Por intermédio do recebimento provisório, o contratado, na percepção subjetiva de ter


cumprido satisfatoriamente a sua parte de obrigações contratuais, entrega o objeto e
transfere sua guarda para a Administração Pública (a depender do caso). A Administração
Pública contratante o recebe, provisoriamente, mediante juízo perfunctório de aceitabilidade,
sem uma avaliação completa e exaustiva da qualidade do objeto contratado e entregue.

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O recebimento definitivo é a etapa do processo da liquidação da despesa na qual a
Administração Pública realiza um exame completo e exaustivo de controle final, para
aferir se o objeto executado está em plena e adequada consonância com os termos do
contrato celebrado, em todos os seus aspectos: qualidade, prazo, condições, cumprimento
de obrigações acessórias, entre outros.

A Lei nº 14.133/2021 não fixa prazo para o recebimento definitivo. Este prazo será o necessário,
à luz dos princípios da celeridade, da razoabilidade e da proporcionalidade, para o exercício
deste controle final de execução contratual.

Nesta medida, o dever de pagamento de que trata o art. 141 da Lei nº 14.133/2021 surge e se
constitui apenas após o recebimento definitivo do objeto contratado. Esta conclusão tem
amparo também na regra prevista no art. 11, II da Lei Geral de Licitações, que fixa que um dos
objetivos do processo da contratação é o de evitar o superfaturamento (que, nos termos do
disposto no art. 6º da dita Lei, é dano provocado ao patrimônio da Administração Pública).

Explica-se: sem o recebimento definitivo do objeto contratual a Administração Pública não


formou a certeza no que tange ao fiel cumprimento das obrigações contratadas. Qualquer
pagamento realizado antes do recebimento definitivo do objeto contratual se dará sob
o risco de haver pagamento de parcela não executada ou de parcela mal executada do
respectivo contrato.

Pode-se afirmar, assim, que o pagamento somente será exigível (i) após o cumprimento das
formalidades administrativas legalmente previstas e relativas ao processo de liquidação de
despesa; e (ii) após o cumprimento das obrigações acessórias por parte do contratado como,
por exemplo, entrega de documentos legal e contratualmente exigidos.

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3. ASPECTOS JURÍDICOS RELEVANTES SOBRE ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTO

A previsão normativa de que o pagamento deve ocorrer de acordo com uma ordem
cronológica já constava da Lei nº 8.666/1993:

Art. 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão
monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei,
devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao
fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer,
para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de
suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e
mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

Pelo marco legal da Lei nº 8.666/1993, a ordem cronológica era estabelecida em razão da data
da exigibilidade. A Lei nº 14.133/2021 é omissa no que tange a este marco definidor de uma
ordem cronológica, o que não impede concluir, por conta da interpretação sistemática antes
apontada, que será definida de acordo com a data da constituição do dever de pagamento,
no que juridicamente converge com a noção de exigibilidade de pagamento prevista no
regime anterior.

Nos termos da Lei, será observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada de
recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos: I - fornecimento de bens; II -
locações; III - prestação de serviços; IV - realização de obras.

O dever de observância da ordem cronológica de pagamento não é absoluto.

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A ordem cronológica definida legalmente poderá ser alterada mediante prévia justificativa
da autoridade competente e posterior comunicação ao órgão de controle interno da
Administração e ao tribunal de contas competente, exclusivamente nas seguintes situações:

I - grave perturbação da ordem, situação de emergência ou calamidade pública;

II - pagamento a microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor


rural pessoa física, microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde que
demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;

III - pagamento de serviços necessários ao funcionamento dos sistemas estruturantes, desde


que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;

IV - pagamento de direitos oriundos de contratos em caso de falência, recuperação judicial


ou dissolução da empresa contratada;

V - pagamento de contrato cujo objeto seja imprescindível para assegurar a integridade do


patrimônio público ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou
entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de serviço público
de relevância ou o cumprimento da missão institucional.

Fundamental e indispensável é que, no caso de subversão da ordem cronológica, seja


realizada a devida e circunstanciada justificativa por parte da autoridade responsável pela
sua observação.

Importante destacar que a ordem cronológica de pagamento de um determinado exercício


financeiro precede aquela de exercício financeiro subsequente, observadas as normas de
direito orçamentário aplicáveis – uma vez que a fonte orçamentária de custeio neste caso será
diversa (empenhos ordinários do exercício e empenhos incluídos na rubrica de restos a pagar).

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4. ORDEM CRONOLÓGICA E UNIDADES GESTORAS FINANCEIRAS

Impensável concluir que a ordem cronológica de que trata a Lei tenha aplicação ao conjunto
de contratações de um determinado ente público. Parece evidente que tal ordem cronológica
tenha que ser observada no plano de atuação de uma certa e determinada unidade gestora
financeira, dotada de prerrogativas de ordenação de despesas.

Em outros termos, a observação da ordem cronológica de pagamentos se dará em face


de cada unidade gestora financeira, ainda que integrantes de uma mesma organização
pública. Por exemplo: no plano municipal, cada secretaria ou órgão gestor financeiro terão
uma ordem cronológica de pagamentos devidos por contratos que tenham celebrado.

5. RESPONSABILIDADE PELA VIOLAÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTO

A Lei preceitua que “a inobservância imotivada da ordem cronológica referida no caput


deste artigo ensejará a apuração de responsabilidade do agente responsável, cabendo aos
órgãos de controle a sua fiscalização” (art. 141, § 2º).

É assim, nos termos da Lei, imune de responsabilização a inobservância motivada ou justificada


da ordem cronológica de pagamento. Esta motivação deve ser explícita, clara e congruente,
expondo com objetividade e suficiência as razões de fato e de direito que autorizam a violação
da ordem. A falta de motivação insuficiente vicia o ato e pode ensejar a responsabilização
pessoal do gestor. E, lembre-se, as razões de fato que autorizam a modificação da ordem
cronológica de pagamento estão antecipadamente estabelecidas na Lei.

A responsabilização pode se dar no plano das responsabilidades civil, penal, administrativa


ou de improbidade administrativa, de acordo com a qualidade e gravidade da conduta
praticada. Por exemplo, se a violação da ordem cronológica se der para obter enriquecimento

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ilícito do agente público (mediante recebimento de propina) restará tipificado o crime de
corrupção passiva e o ato de improbidade por enriquecimento ilícito). Caso a violação da
ordem cronológica produza prejuízos materiais para terceiros, que vierem a ser cobrados da
Administração Pública, o agente que lhe deu causa pode responder civilmente a reparar os
danos produzidos ao Poder Público, como outro exemplo.

Tem aplicação neste caso, por expressa previsão normativa contida no art. 5º da Lei nº
14.133/2021, a regra prevista no artigo 28 do Decreto-Lei nº 4.657/1942, que preceitua que
o agente público só responde pessoalmente por suas condutas em caso de dolo ou erro
grosseiro (culpa grave).

No plano criminal, o Código Penal Brasileiro estabelece que a violação da ordem cronológica
de pagamento pode tipificar crime em licitações e contratos administrativos:

Art. 337-H. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem,


inclusive prorrogação contratual, em favor do contratado, durante a execução dos
contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no edital
da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com
preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade;

O tipo penal somente se evidencia por conduta dolosa, registre-se.

6. CONTROLE DA ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTOS

Importante destacar que a Lei nº 14.133/2021 atribui à alta administração a responsabilidade


pela governança das contratações, que deve implementar processos e estruturas, inclusive
de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos
licitatórios e os respectivos contratos (art. 11, parágrafo único).

24
Nesta medida, compete à alta administração, no exercício da governança dos contratos,
editar normas e instituir sistemas de controle para a fiel observância da ordem cronológica
dos pagamentos devidos.

Não parece correto afirmar que a alta administração deverá controlar, em concreto e caso
a caso, a ordem cronológica de pagamentos, eis que se trata de conduta administrativa da
alçada de agentes administrativos a ela subordinados, que atuarão sob sua supervisão.

O dever de governança da alta administração é de liderança, estratégia e controle, para avaliar,


monitorar e direcionar as condutas dos agentes que atuam em concreto na formalização
dos processos de realização de despesas.

A alta administração, com poderes e prerrogativas de ordenação de despesas e de autorização


de pagamentos procederá de acordo com informações e documentos fornecidos por
agentes que lhe sejam subordinados, e atuará sob o manto do princípio da confiança.

Embora trate de matéria diversa, há precedente do Tribunal de Contas da União apontando


a inexistência de responsabilidade de gestor que pratica ato com base em informações
produzidas por agentes que lhe sejam subordinados, quando envolver fatos, erros ou
ilegalidades de difícil detecção:

Não é cabível imputar débito a gestor que homologou processo de compra em que o
superfaturamento das aquisições era de difícil percepção ao homem médio. Se a pesquisa
de preço foi elaborada pelo setor competente do órgão contratante, não há por que
responsabilizar o gestor, a menos que haja algum elemento no processo que indique que
ele tinha condições de questionar a pesquisa realizada. (TCU, Acórdão nº 378/2023 – Plenário,
Recurso de Reconsideração, Rel. Min. Aroldo Cedraz.)

25
Adotadas, pela alta administração, as ações de governança necessárias para orientar os
agentes públicos acerca da necessidade de observação da ordem cronológica de pagamentos
legalmente prevista, ressalvados os casos de dolo ou culpa grave por conduta própria
voltada ao descumprimento da regra, tem-se por inexistente o nexo causal necessário para
a imputação objetiva voltada à sua responsabilização pessoal por quebra desta ordem por
conduta de subordinado seu.

O fundamental, no que tange à responsabilidade da alta administração em relação à


observância da ordem cronológica de pagamento, é aferir se eventual violação desta ordem
decorre de conduta dolosa ou maculada por culpa grave – em outros termos, por grave
violação do dever de cuidado objetivo.

A competência direta para o controle da ordem cronológica de pagamentos é do agente


público ou do setor administrativo que tenha atribuição de certificar o recebimento definitivo
do objeto contratual e produzir as condutas administrativas, financeiras, orçamentárias e
contábeis necessárias e prévias ao pagamento.

7. O PAPEL DA ASSESSORIA JURÍDICA E DO CONTROLE INTERNO

O controle da observância da ordem cronológica de pagamento se insere no plano do


sistema de controle administrativo instituído pelo modelo de governança dos contratos
imposto pela Lei.

Cada órgão ou entidade deverá implementar estruturas e processos de controle de seus


pagamentos.

Com tal propósito de controle, as assessorias jurídicas têm o dever de orientação, fornecendo
subsídios e informações que possam auxiliar na efetivação do comando normativo.

26
A Lei conferiu atuação de destaque ao controle interno, ao determinar que a fiscalização
e o controle da ordem cronológica de pagamento competem a esta área de atuação
administrativa. Assim, resta evidenciada esta atribuição específica que foi dada para as
controladorias, órgãos de controle interno, auditorias internas e outros órgãos de controle
interno, seja qual for a sua designação formal.

8. VIOLAÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTOS SOB O ENFOQUE DOS


PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

Ao determinar uma ordem cronológica de pagamentos a Lei tem propósitos múltiplos de


interesse público.

Por primeiro, assegurar efetividade aos princípios da impessoalidade e da isonomia. Todos


os contratados devem ser tratados por iguais medidas e receber igual tratamento em
situações também similares. A impessoalidade demanda que a decisão de pagamento não
deve ser pessoal, do gestor, mas derivar de critérios objetivos, sem a mácula de preferências
pessoais do administrador público.

Por segundo, de fundo, o que se pretende evitar são favorecimentos ou preterições indevidas
e injustificadas.

É preciso considerar, assim, que no plano concreto, há órgãos e entidades públicas que
manejam simultaneamente inúmeros (por vezes centenas) de processos de contratação
pública em fase de liquidação e de pagamento. Tal significa que podem ocorrer certos
entraves burocráticos ordinários, naturais e normais no plano da regular gestão de recursos
destinados aos pagamentos devidos e decorrentes de relações jurídico-contratuais.

27
Nesta medida, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não
haverá violação ilegal da ordem cronológica de pagamento quando referida ordem não for
estritamente observada, por breves espaços de tempo e por força de particularidades de
gestão operacional.

9. CONCLUSÕES

9.1 A Lei nº 14.133/2021 expressamente consiga o dever de pagamento derivado de relações


jurídico-contratuais;

9.2 Os pagamentos devidos pela Administração Pública devem ocorrer em ordem cronológica
de exigibilidade, que será observada em relação a quatro espécies contratuais: fornecimento
de bens; locações; prestação de serviços e realização de obras;

9.3 O dever de pagamento não afasta o direito de sua retenção, por parte da Administração
Pública, na forma de Lei;

9.4 A exigibilidade de pagamento somente se evidencia após o cumprimento, por parte


do contratado, de todas as obrigações (principal e acessórias) que constituem o encargo
contratual e cumprimento de requisitos de natureza formal exigidos por Lei e que constituem
a efetiva liquidação da despesa;

9.5 A ordem cronológica de que trata a Lei será observada relativamente a cada unidade
gestora financeira do órgão ou entidade pública;

9.6 O descumprimento da ordem cronológica de pagamento pode gerar a responsabilização


pessoal (nas instâncias penal, civil, de improbidade administrativa ou administrativa) do
agente público, em caso de conduta dolosa ou maculada por erro grosseiro;

28
9.7 Compete à alta administração, no exercício da governança dos contratos, editar normas e
instituir sistemas de controle para a fiel observância da ordem cronológica dos pagamentos
devidos, não lhe assistindo, como regra, responsabilidade direta de controle de tal ordem
em concreto;

9.8 A competência originária e direta para o controle da ordem cronológica de pagamentos


é do agente público ou do setor administrativo que tenha atribuição de certificar o
recebimento definitivo do objeto contratual e produzir as condutas administrativas,
financeiras, orçamentárias e contábeis necessárias e prévias ao pagamento;

9.9 A assessoria jurídica do órgão ou entidade pública tem o dever de orientação acerca de
questões relacionadas à ordem cronológica de pagamentos;

9.10 A Lei conferiu especial destaque ao controle interno, ao determinar que a fiscalização
e o controle da ordem cronológica de pagamento competem a esta área de atuação
administrativa. Assim, resta evidenciada esta atribuição específica que foi dada para as
controladorias, órgãos de controle interno, auditorias internas e outros órgãos de controle
interno, seja qual for a sua designação formal;

9.11 Em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não haverá


violação ilegal da ordem cronológica de pagamento quando a referida ordem não for
estritamente observada por breves espaços de tempo e por força de particularidades de
gestão operacional.

29
NOVA LEI DE LICITAÇÕES: O PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO4

JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS


Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito
Administrativo pela UFPR.

“Não há bons ventos para quem não sabe para onde vai” (Sêneca). Para saber para onde
ir, é preciso planejar. Planejamento é o conjunto de providencias e de decisões adotadas
previamente à execução de uma determinada ação. Planejar uma contratação implica
uma pluralidade de providências preliminares, basicamente destinadas a identificar a
necessidade que deve ser satisfeita com a execução do contrato, a solução ou objeto que
seja o mais adequado para satisfazer esta necessidade pública e estimar o preço a ser pago
por esta execução, sempre com vistas à melhor relação custo-benefício (“value for Money”).

Embora tenhamos algumas normas infralegais tratando do planejamento das contratações


públicas, como a Instrução Normativa nº 05/07 da Secretaria de Gestão do Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, o trato substancial do planejamento não estava
previsto em uma Lei contendo normas gerais de licitações e contratos. O Projeto de Lei
(PL) nº 4.253/2020 aprovado no Senado Federal, que cria um marco legal para substituir as
Leis: 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 traz uma disciplina específica sobre o planejamento das
licitações e dos contratos públicos, e com ela, um dever legal de bem planejar as contratações
a partir do princípio do planejamento.

A nova lei passa a prever, no art. 5º, que o planejamento é um dos princípios que devem ser
observados na sua aplicação.
4 SANTOS, José Anacleto Abduch. Nova lei de licitações: o princípio do planejamento, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 18 dez. 2020.
Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

30
O princípio do planejamento tem duplo conteúdo jurídico.

Por primeiro, o de fixar o dever legal do planejamento. A partir deste princípio, se pode
deduzir que a Administração Pública deverá planejar toda a licitação e toda a contratação
pública. Mas não é só isso. Não é a realização de qualquer planejamento que atenderá dito
princípio. O planejamento que se exige é aquele que seja eficaz e eficiente, e que se ajuste
a todos os outros princípios, regras e valores jurídicos previstos na Constituição Federal e na
Lei.

O dever jurídico é de um planejamento adequado, suficiente, tecnicamente correto e


materialmente satisfatório.

Este planejamento adequado pressupõe a adoção de todas as providências técnicas e


administrativas voltadas a identificar com precisão a necessidade a ser satisfeita com a
execução do contrato, a correta definição do objeto ou solução técnica, e a precisa estimativa
do preço de referência, bem como todas as demais definições indispensáveis para configurar
de modo eficaz e eficiente a licitação e o contrato.

O segundo conteúdo jurídico extraível do princípio do planejamento diz respeito com a


responsabilidade por omissão própria. A omissão se evidencia quando “o agente não faz o que
pode e deve fazer, que lhe é juridicamente ordenado”.1 A ação determinada pela Lei, nesta
medida, é a de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e da contratação.
O descumprimento desta determinação legal, de bem planejar, pode caracterizar conduta
omissiva própria2.

Assim, não existindo justificativa para realizar o planejamento adequado da licitação e do


contrato, a falta ou insuficiência dele pode ensejar a responsabilidade

31
Nos termos do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/42, “o agente público responderá
pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

O Decreto nº 9.830/18 prevê que “considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente
e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado
grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

A omissão de planejamento, para ensejar responsabilização pessoal do agente público será


apenas aquela de maior gravidade, que supere a simples falta de diligência, de pequena
imprudência ou de imperícia que não seja grave.

A conduta descuidada, equivocada, incorreta, apressada, desidiosa, ineficiente, se não for


dolosa, somente ensejará responsabilidade pessoal se for grave de modo a caracterizar o
erro grosseiro.

32
LEI Nº 14.133/21 E “JORNAL DIÁRIO DE GRANDE CIRCULAÇÃO”:
PODE SER ELETRÔNICO?5

EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

Quando da edição da Lei nº 8.666/1993, que determinou inicialmente, no seu art. 21, a
publicação de aviso de licitações em jornal de grande circulação, somente o jornal físico
poderia atender a tal exigência legal, haja vista a inexistência, à época, de jornais eletrônicos.

Por conta do cenário vivenciado por várias décadas, onde havia-se tão-somente jornal
físico, construiu-se o entendimento de que, a grande circulação seria medida com base na
tiragem, somada à efetiva circulação e disponibilidade.

O STJ – Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 41969-7/DF, rel. Min. Costa Leite,
se posicionou exatamente nesse sentido:

“A quantificação da circulação de um jornal, para definir se ela é grande, média ou


pequena, repousa, em princípio, em um dado numérico, que é a sua tiragem, o número
de exemplares impressos a cada dia, algo distinto da perenidade ou longevidade do diário,
de serem seus leitores assinantes ou adquirentes avulsos do periódico, e mesmo do seu
público-alvo situar-se ou não no meio empresarial, dados incapazes, por si sós, de autorizar
seja um órgão da imprensa qualificado como de grande circulação.” (destacamos)

A diretriz existente por muitos anos voltava-se apenas para jornais impressos, portanto.

5 ZÊNITE, Equipe Técnica. Lei nº 14.133/21 e “jornal diário de grande circulação”: pode ser eletrônico? Zênite Fácil, categoria Doutri-
na, 03 jun. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago. 2022.

33
No entanto, não se pode desconsiderar a evolução tecnológica vivenciada no País nos
últimos anos, a qual, inclusive, já era sinalizada por Marçal Justen Filho ao indicar que, com
o tempo, a publicação em jornal de grande circulação seria objeto de substituição pela
divulgação eletrônica:

“O conceito de ‘grande circulação’ é avaliado em vista do número de exemplares da


edição física do jornal. Essa é uma característica que tende a ser superada em vista da
evolução tecnológica. A generalidade dos jornais apresenta versões físicas e digitais e a
circunstâncias tendem a eliminar a relevância daquelas primeiras. O grande problema é
que, na versão digital, os avisos de licitação são de visualização mais difícil. Portanto, pode-
se estimar que a alteração das características da vida social conduzirá, num momento
futuro, à eliminação da exigência da publicação do aviso em jornais comuns. Será muito
mais eficiente a divulgação dos avisos de licitação em sítios eletrônicos especializados,
que permitem aos possíveis interessados o conhecimento muito mais preciso quanto à
existência de licitações.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. 2. ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016. 14, 1 Mb; PDF – 2. edição
e-book baseada na 17 ed. impressa. Destacamos.)

A nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 se insere nesse cenário de evolução tecnológica.
E é sob essa perspectiva que o dispositivo que determina a publicação em jornal diário de
grande circulação havia sido objeto de veto quando da sanção presidencial da referida lei,
pelos seguintes fundamentos:

A determinação de publicação em jornal de grande circulação contraria o interesse público


por ser uma medida desnecessária e antieconômica, tendo em vista que a divulgação em
‘sítio eletrônico oficial’ atende ao princípio constitucional da publicidade. Além disso, tem-se
que o princípio da publicidade, disposto no art. 37, caput da Constituição da República, já seria

34
devidamente observado com a previsão contida no caput do art. 54, que prevê a divulgação
dos instrumentos de contratação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o qual
passará a centralizar a publicidade dos atos relativos às contratações públicas.

No entanto, como é sabido, o Congresso derrubou esse veto, retomando a obrigatoriedade


de os entes publicarem o extrato no Diário Oficial e em jornal diário de grande circulação.

Aliás, sem qualquer margem de dúvida, um grande retrocesso. Perdeu-se a oportunidade


de corrigir esse notório equívoco.

A questão é que, para a Zênite, embora haja a obrigatoriedade de divulgar o aviso de licitação
em jornal de grande circulação, por força do disposto no art. 54, § 1º da Lei nº 14.1333, o
conceito de jornal de grande circulação não está atrelado unicamente ao formato físico da
mídia, vale dizer, impresso, sendo plenamente aceitável para o atendimento da norma a
publicação em jornal eletrônico, desde que a divulgação seja de grande alcance e possibilite
o amplo acesso pelos interessados, de modo a não violar o caráter competitivo da licitação.

Aliás, esse já era o entendimento da Zênite em análise do tema no regime da Lei nº 8.666/93
(ILC 600/268/JUN/2016).

Dentro desse propósito, não pode ser ignorada a opção do legislador da Lei nº 14.133/21 em
privilegiar, de maneira muito clara, o uso de recursos da tecnologia como instrumentos de
divulgação oficial acerca da realização de licitações públicas. Tanto é assim que um dos
veículos de publicação obrigatória é justamente o PNCP, concebido como um sítio eletrônico
dirigido a promover a divulgação dos atos praticados na aplicação da Lei nº 14.133/2021 (art.
174 e seguintes). Some-se a isso que boa parte dos Diários Oficiais mencionados no art. 54,
§ 1º, nos quais também é obrigatória a divulgação do aviso de licitação, igualmente não
possuem versões físicas, mas apenas digitais.

35
Exemplo disso é o Diário Oficial da União. Confira a notícia:

Com a versão digital cada vez mais confiável e acessível ao público em geral, o DOU
deixou de circular em meio impresso em 30 de novembro de 2017. Nesse mesmo ano,
a publicação passou a ser disponibilizada, também, em dados abertos. A publicação do
DOU é regida pelo Decreto nº 9.215, de 2018, sendo o periódico editado em três seções, as
quais publicam: os atos normativos de interesse geral dos poderes da União (1); os atos
relativos aos servidores da administração pública federal (2); e os atos decorrentes das
contratações públicas e outros de particulares determinados pela legislação (3) (https://
www.in.gov.br/en/web/dicionario-eletronico/-/diario-oficial-da-uniao)

A divulgação em jornal eletrônico é a tendência não apenas no âmbito das licitações e


contratações públicas. Veja, como exemplo, que a Junta Comercial do Estado de Pernambuco
(JUCEPE) editou a Resolução nº 01/2021 no seguinte sentido:

CONSIDERANDO, ainda, que nos últimos anos, por razões econômicas, ambientais, de
inovação, de transformação digital ou de outra natureza, diversos jornais migraram
para plataformas eletrônicas, com a consequente descontinuidade das suas versões
em suporte físico (papel), inclusive o Diário Oficial da União, que passou a ser
exclusivamente eletrônico e publicado no sítio eletrônico da Imprensa Nacional, em
decorrência do Decreto nº 9.215/2017; (…) 1. No âmbito da competência desta JUCEPE,
nos atos inerentes ao registro ou dele decorrentes, em conformidade com os precisos
limites do mencionado artigo 32, inciso II, da Lei nº 8.934/94, as publicações determinadas
pelos artigos 1.152, § 1º, da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), 2895 da Lei nº 6.404/1976 e
386 da Lei nº 5.764/1971, poderão ser realizadas em jornais eletrônicos ou digitais, cujas
edições sejam necessariamente diárias e disponibilizadas ao público em geral, através
de plataformas eletrônicas organizadas e mantidas pela empresa jornalística, que
possibilitem a eventual impressão pelo interessado, e desde que o jornal eletrônico ou

36
digital contenha, cumulativamente, o nome, o número da edição e a data da publicação,
bem como haja a indicação das páginas sequencialmente numeradas, em perfeita
consonância com os respectivos Anexos IV (Manual de Registro de Sociedade Limitada),
V (Manual de Registro de Sociedade Anônima) e VI (Manual de Registro de Cooperativa)
da Instrução Normativa DREI nº 81/2020. (destacamos)

Portanto, em atenção à finalidade da norma, e eficácia pertinente, entende-se que o jornal


diário de grande circulação a que alude o art. 54, § 1º, da Lei nº 14.133/21 não se restringe
apenas aos periódicos físicos, abrangendo, também, aqueles exclusivamente eletrônicos,
desde que de amplo acesso, disponibilizados ao público em geral.

37
A POLÊMICA DA SINGULARIDADE COMO CONDIÇÃO PARA A
INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO QUE VISA À CONTRATAÇÃO
DE SERVIÇO TÉCNICO ESPECIALIZADO DE NATUREZA
PREDOMINANTEMENTE INTELECTUAL6

JOEL DE MENEZES NIEBUHR


Advogado, Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.

Armou-se uma bela controvérsia em torno da inexigibilidade de licitação contida no inciso III
do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, especialmente ao comparar a sua redação com a do inciso
II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993, que, de certa forma, lhe é equivalente, porque ambas
tratam da contratação de serviços técnicos prestados por notórios especialistas. Sucede
que o inciso II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993 exige, literalmente, que o serviço objeto da
inexigibilidade seja qualificado como singular. Por sua vez, o inciso III do artigo 74 da Lei
n. 14.133/2021, também literalmente, exige apenas que o serviço seja considerado técnico
especializado de natureza predominantemente intelectual e não menciona a expressão
singular nem algo do gênero. O dispositivo da nova Lei, pelo menos em sua literalidade, não
restringe a inexigibilidade ao serviço singular.

O mesmo ocorreu, é bom lembrar, com o inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016, que
trata da hipótese equivalente de inexigibilidade para as empresas estatais, cujo teor não
prescreve expressamente a singularidade como condição para a inexigibilidade, bastando
que o contratado seja notório especialista e que o serviço seja técnico especializado. A

6 NIEBUHR, Joel de Menezes. A polêmica da singularidade como condição para a inexigibilidade de licitação que visa à con-
tratação de serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 11 mai.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

38
controvérsia já se abriu diante da Lei n. 13.303/2016 e agora se se intensifica, pela semelhança,
na Lei n. 14.133/2021.

Leiam-se os dispositivos, lado a lado:


Lei nº 8.666/1993 Lei nº 13.303/2016 Lei nº 14.133/2021

Art. 25. É inexigível Art. 30. A contratação Art. 74. É inexigível a


a licitação quando direta será feita quando licitação quando inviável
houver inviabilidade de houver inviabilidade a competição, em
competição, em especial: de competição, em especial nos casos de:
[...] II - para a contratação especial na hipótese de: [...] III - contratação dos
de serviços técnicos [...] II - contratação dos seguintes serviços técnicos
enumerados no art. 13 seguintes serviços técnicos especializados de natureza
desta Lei, de natureza especializados, com predominantemente
singular, com profissionais profissionais ou empresas intelectual com
ou empresas de notória de notória especialização, profissionais ou empresas
especialização, vedada vedada a inexigibilidade de notória especialização,
a inexigibilidade para para serviços de vedada a inexigibilidade
serviços de publicidade publicidade e divulgação: para serviços de
e divulgação; (grifo [...] publicidade e divulgação:
acrescido) [...]

Em síntese, a questão é se, nas hipóteses do inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e do


inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, a inexigibilidade depende ou não da singularidade
do objeto do contrato.

39
Vozes gabaritadas da doutrina defendem que a inexigibilidade não depende da singularidade;
apenas da qualificação do objeto do contrato como serviço técnico especializado e do
contratado como notório especialista. Destacam-se, nessa direção, três argumentos:

i. Literalidade - O inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e o inciso III do artigo 74 da Lei


n. 14.133/2021 não prescrevem a singularidade como condição para a inexigibilidade, o
que decorre da vontade clara do legislador, especialmente se compararmos os referidos
dispositivos com o inciso II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993.1 As leis mais recentes, Lei n.
13.303/2016 e Lei n. 14.133/2021, não deveriam ser interpretadas com excessivo apego à
Lei n. 8.666/1993.
(ii) Indeterminação – O conceito de singularidade é indeterminado, bastante subjetivo
e, por via de consequência, de difícil aplicação, o que abre espaços para excessos dos
órgãos de controle que acabam por inviabilizar hipóteses de inexigibilidade legítimas
previstas pelo legislador e por responsabilizar agentes administrativos e pessoas
contratadas que atuam de boa-fé e em acordo com a legalidade.2
(iii) Distinção entre necessidade e objeto – O objeto do contrato não precisa ser singular,
porém a necessidade da Administração que motiva a contratação é que deve sê-lo, o
que demanda a caracterização da necessidade administrativa e da proporcionalidade
da solução dada.3

Refutam-se os argumentos, com a máxima deferência aos que os defendem.

i. Refutação do argumento da literalidade – A inexigibilidade pressupõe inviabilidade de


competição. Os próprios caput do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e caput do artigo 74 da
Lei n. 14.133/2021 condicionam as hipóteses previstas nos seus incisos à inviabilidade de
competição. O decisivo é que não há inviabilidade de competição para a contratação
de serviços que não sejam singulares, que sejam ordinários e comuns, ainda que

40
eventualmente se pretenda contratar profissional ou empresa de notória especialização.
Sucede que serviços ordinários e comuns, que não são serviços singulares, podem
ser prestados por quaisquer profissionais ou empresas e não necessariamente por
profissionais ou empresas de notória especialização. Portanto, todos os profissionais
ou empresas, qualificados para prestar tais serviços, por força do princípio da isonomia,
têm o direito de disputar os respectivos contratos com igualdade, o que depende da
licitação pública. A inviabilidade de competição somente se configura se o serviço
a ser contratado por meio da inexigibilidade requeira os préstimos de alguém que
possa ser qualificado como notório especialista, a ponto de recusar critérios objetivos
de julgamento. A existência de critérios objetivos para comparar propostas impõe a
obrigatoriedade de licitação pública, sendo que a inexigibilidade ocorre somente
nas hipóteses em que o serviço pretendido pela Administração Pública é apreciado
por critérios subjetivos. Logo, não basta que o profissional seja reputado notório
especialista, porque, antes de levá-lo em consideração, é essencial que o serviço visado
requeira os préstimos de alguém assim qualificado.4 Dito de outro modo, se o serviço
é ordinário ou comum e quaisquer profissionais ou empresas podem prestá-lo, não se
visualiza a inviabilidade de competição, que é a premissa lógica de qualquer hipótese
de inexigibilidade de licitação. Dessa forma, as hipóteses de inexigibilidade do inciso
II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e do inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021 são
sim condicionadas e dependem de serviços singulares, não encontrando lugar para a
contratação de serviços ordinários e comuns. O fundamento legal literal não reside no
inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 ou no inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021,
porém nas cabeças dos referidos artigos, que condicionam qualquer inexigibilidade à
inviabilidade de competição e, sendo assim, ainda que não o façam de forma expressa,
remetem à singularidade. De mais a mais, como sabido, a eventual e suposta vontade
do legislador não é o que deve prevalecer, porém sim o teor dos enunciados normativos,
sobremodo em acordo com a Constituição Federal, em que se destaca a parte inicial do

41
inciso XXI do seu artigo 37, cujo teor prescreve a licitação como regra e a contratação
direta como exceção.5
(ii) Refutação do argumento da indeterminação – O conceito de serviço singular é
sim indeterminado. Conceitos jurídicos indeterminados são frequentes e permeiam
o Direito Administrativo e o universo das licitações e contratações. O conceito de
interesse público, que corresponde à pedra de toque do Direito Administrativo, também
o é, da mesma forma que outros centrais para as licitações e contratos, como os de
normas gerais, emergência, e bens e serviços comuns. Alegar que um conceito jurídico
é indeterminado e que ele causa problemas em razão da sua indeterminação não é
razão suficiente para negá-lo e para defender o seu oposto. O problema, na verdade,
não é a indeterminação do conceito de singularidade, porém os supostos excessos dos
órgãos de controle, que, muitas vezes, não respeitam as competências dos agentes
administrativos e o atributo da presunção de legitimidade e da legalidade dos atos
administrativos. Esse é o verdadeiro problema que precisa ser enfrentado, de solução
difícil e complexa, e não o fato de a inexigibilidade depender da qualificação do objeto
do contrato como singular.
(iii) Refutação do argumento da distinção entre necessidade e objeto – Necessidade
(demanda) e objeto são sim coisas diferentes, porém diretamente ligadas. O objeto
singular depende da necessidade (demanda) singular. Dizendo de outra forma, a
necessidade (demanda) singular é o que justifica a contratação de um objeto singular,
sendo que a singularidade presente na necessidade (demanda) deve ser a mesma
presente no objeto, porque necessidade (demanda) e objeto andam juntos, não se
dissociam. Por exemplo, a Administração identifica a necessidade (demanda) singular
de contratar parecer jurídico sobre a matéria A, considerada de elevada complexidade.
Não seria plausível que, para atender a tal demanda, o objeto do contrato fosse parecer
jurídico sobre a matéria B, considerada de baixa complexidade. Por evidente, o objeto

42
precisa seguir a necessidade (demanda) e o cerne da questão continua o mesmo: a
singularidade. Mudar o endereço da discussão sobre a singularidade do objeto para
a da necessidade (demanda) não resolve problema prático algum. Afora não resolver,
não faz sentido, porque a discussão sobre a singularidade do objeto sempre trouxe
consigo a discussão sobre a singularidade da necessidade (demanda). E, nesse passo,
a necessidade (demanda) singular não justifica a contratação de objeto não singular,
dado que, insista-se, o objeto deve atender à necessidade (demanda). A singularidade
da necessidade (demanda) e a do objeto devem ser justificadas sob a mira do princípio
da proporcionalidade, nas suas facetas da adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito. Dar ênfase ao princípio da proporcionalidade é útil, mas, em sua
essência, não altera o fato que a inviabilidade da competição depende da singularidade
do objeto da contratação, o que pressupõe a singularidade da necessidade (demanda).

Convém frisar que o Tribunal de Contas da União já se posicionou acerca da controvérsia


com vistas ao inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016, exigindo para a configuração da
inexigibilidade a caracterização do serviço como singular. Por coerência, porque a redação
é praticamente idêntica, é de esperar que mantenha o entendimento em face do inciso III
do artigo 174 da Lei n. 14.133/2021. Leia-se:

A contratação direta de escritório de advocacia por empresa estatal encontra amparo no art.
30, inciso II, alínea “e”, da Lei 13.303/2016, desde que presentes os requisitos concernentes à
especialidade e à singularidade do serviço, aliados à notória especialização do contratado.6

O debate é bem-vindo e, em que pese as discordâncias, põe luz sobre aspectos relevantes,
notadamente os excessos dos órgãos de controle no tocante à análise das contratações
firmadas por inexigibilidade diante da indeterminação do conceito do vocábulo singular.
Infelizmente, é frequente que os órgãos de controle apenas substituam o juízo sobre a

43
singularidade empreendido pela Administração pelo seu próprio juízo, tudo impregnado por
grau elevado de subjetividade, causando insegurança jurídica, inviabilizando inexigibilidades
legítimas e penalizando agentes públicos e pessoas contratadas que atuam de boa-fé e
dentro da legalidade. A atuação dos órgãos de controle, nesse e em muitos outros assuntos,
precisa ser aprumada à presunção de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos,
com deferência aos juízos administrativos e em postura de autocontenção.

Os eventuais desacertos de órgãos de controle não justificam hipótese de inexigibilidade


que prescinda da singularidade, para a contratação de serviços que possam ser prestados
com técnica comum, julgados por critérios objetivos e que não dependam da intervenção
de notórios especialistas. A inexigibilidade, qualquer que seja, é fundada na inviabilidade de
competição e, por consequência, na singularidade do seu objeto. Não se trata de apego à
Lei n. 8.666/1993. O apego, bem intenso por sinal e com uma pitada de orgulho vintage, é à
parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

________________________________________
1
Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes enfatiza o tratamento distinto dispensado pelo legislador com mira na Lei n.
13.303/2016: “Na inexigibilidade, destaca-se a supressão da singularidade como condição para contratação do notório
especialista. Na Lei n. 8.666/1993, para a contratação de especialista, exigia-se tanto a notoriedade deste quanto a
singularidade do objeto. Para as estatais, a partir de agora, basta que o serviço se enquadre entre algum daqueles
trazidos no inciso II do artigo 30” (FERNANDES, Murilo Queiroz Melo Jacoby. Lei n. 13.303/2016: novas regras de
licitações e contratos para as Estatais. Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo, v. 12, n. 134, p. 9-15, fev. 2017).

2
É a opinião sempre abalizada e contundente de Ivan Barbosa Rigolin: “Uma importantíssima novidade desta
L. 13.303/16 nesta questão é a de que a lei não mais se refere à natureza singular do objeto como requisito para a
contratação direta. Eliminou-se um pesadelo da legislação, nunca compreendido nem por iminentes juristas, juízes
e estudiosos, nem por quem quer que seja - sobretudo por quem tem competência para ingressar com ações
civis públicas contra contratantes de objetos com ou sem natureza singular – quem sabe? –, e que o faz a torto e

44
a direito contra culpados e contra inocentes em igual medida, e que quanto aos últimos rouba a saúde, destrói a
economia e arruína reputações profissionais como um tornado que eclode sem aviso prévio. Ao não prestigiar essa
praga asquerosa que a lei de licitações denomina natureza singular do objeto e que ninguém jamais soube o que
significa nem com mínima nitidez – porque é um conceito abstrato, indeterminado, necessariamente impreciso
e inteiramente subjetivo, etéreo como o fogo de santelmo e na prática similarmente fantasmagórico -, exalçou-
se o legislador, nesse passo, a uma grandeza inesperada. Pode ter sido boa a intenção do legislador ao referir-se à
natureza singular do objeto, porém o que ensejou foi uma genuína desgraça na prática da lei, que dura ainda e não
se sabe por quanto tempo. Lei não é poesia nem discurso filosófico, e também o inferno legislativo está cheio de
boas intenções [...]. Cumpre entretanto, aqui novamente, dizer algo sobre aqueles específicos serviços. O primeiro a
repisar é que na lei das estatais não existe a figura da natureza singular do serviço, como requisito à sua contratação
direta. Assim, por exemplo, qualquer treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pode ser contratado diretamente,
desde apenas que o contratado seja notoriamente especializado nesse assunto” (RIGOLIN, Ivan Barbosa. As
licitações nas empresas estatais pela Lei n. 13.303, de 30 de junho de 2.016. Rigolin Advocacia. Disponível em: https://
rigolinadvocacia.com.br/artigos/detalhes/14. Acesso em: abril 2018).

3
Luciano Ferraz, um dos grandes nomes do Direito Administrativo nacional, sustenta: “Logo, qualquer cogitação
sobre se a Administração deveria ou não ter contratado um profissional notório especializado para a execução de
dado objeto (serviço) — juízo sobre a conveniência da contratação — não é uma discussão que reside no conteúdo
em si do objeto do contrato, senão no âmbito da necessidade administrativa a ser satisfeita por seu intermédio. Com
a previsão da hipótese de contratação por inexigibilidade baseada fundamentalmente em notória especialização do
prestador, o legislador democrático objetivou afastar o teste, a experimentação, o risco, optando pela qualificação
certa e comprovada de profissionais experts que se podem colocar a serviço da Administração Pública. O diferencial
subjetivo é que prepondera nesse caso, mercê da vinculação da atividade administrativa ao princípio da eficiência
(artigo 37, caput, da Constituição). [...] O que se quer significar, com o exemplo, é que discussões sobre a necessidade
da contratação vis-à-vis aos meios que se colocam à disposição da Administração para cumprir a finalidade pública
subjacente, com o mesmo grau de certeza, segurança e qualidade (eficiência), não dizem respeito à singularidade
do objeto (que no novo dispositivo legal encontra-se implicitamente pressuposta à hipótese de contratação direta
do artigo 74, III), reclamando embates de outra ordem (sobre a necessidade administrativa e a proporcionalidade
da solução dada). É que a identificação da necessidade pública e a definição quanto ao meio mais eficiente para o
seu provimento são, no exame das situações de inexigibilidade, um processo avaliativo de matriz qualitativa e não

45
quantitativa. A razão de ser é singela: nesse tipo de contratação predomina o aspecto subjetivo, a ver a balança pesar
em favor da garantia de qualidade e eficiência do serviço, que decorrem essencialmente do diferencial técnico do
executor.” (FERRAZ, Luciano. ‘The walking dead na Administração’ – temporada final (nova lei de licitações). https://
repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/222440/%5Bartigos%5D%20the%20walking%20dead%20na%20
administração%20pública%20-%20temporada%20final%20-%20conjur.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em:
maio 2021).

4
“E esse outro dado conceitual importante é o de que a notória especialização, que serviu para que determinado
contratante fosse selecionado com escudo e o manto da inexigibilidade da licitação, seja em si um dado essencial
para a satisfação do interesse público a ser atendido. Se o serviço é daqueles em que a notória especialização é
absolutamente acidental, apenas uma moldura que enfeita o prestador de serviços, mas não integra a essência
da realização, tal como desejada, do objeto contratual, nesse caso sua invocação será viciosa e viciada, e, portanto,
atacável através de todas as figuras de vício do ato administrativo, com a consequente apenação do administrador”
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle e FERRAZ, Sérgio. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
p. 46).

5
“Afinal, a legitimidade da contratação direta via inexigibilidade de licitação pressupõe a motivação quanto à
‘inviabilidade de competição’. E essa – a “inviabilidade de competição” -, se faz presente especialmente em duas
hipóteses: (i) diante de fornecedor ou prestador de serviço exclusivo – inviabilidade absoluta de competição; ou
(ii) diante da impossibilidade de definir critérios objetivos de comparação e julgamento entre propostas – a
chamada “singularidade do objeto” – inviabilidade relativa de competição. Portanto, afora as situações envolvendo
exclusividade da solução a ser contratada, bem como de credenciamento (em que o adequado atendimento da
demanda da Administração pressupõe a contratação de todos os possíveis interessados), os demais casos passarão
pela análise de singularidade”. (Disponível em: https://www.zenite.blog.br/nova-lei-de-licitacoes-inexigibilidade-e-a-
ausencia-da-expressao-singularidade/. Acesso em: maio 2021).

“Por decorrência lógica, ao vincular a ideia de singularidade à impossibilidade de fixação de critérios objetivos
de julgamento, é possível concluirmos que a exclusão do rótulo ‘de natureza singular’ em nada muda o cenário
e o campo de incidência do permissivo legal. Em outras palavras, a supressão do termo na Lei n. 13.303/2016 não
trouxe consigo qualquer nova hipótese apta a ser fundamentada no inciso II de seu art. 30, pois, caso a estatal

46
necessite contratar serviço técnico-profissional especializado outrora classificado como ‘não singular’, a situação
não culminaria em inexigibilidade de licitação, tendo em vista que não poderia escapar da verificação acerca da
possibilidade de definição de critérios objetivos para a disputa e, notadamente, da comprovação do pressuposto
comum a qualquer inexigibilidade: a inviabilidade de competição.” (BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles.
Licitações e Contratos nas empresas estatais. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 199).

“Ademais, precisamos deixar claro que não é qualquer serviço técnico profissional que pode ser contratado
diretamente com empresas ou profissionais notoriamente especializados. Em que pese à lei não fazer menção
expressa, é forçoso concluir que o serviço, além de técnico profissional espeicializado, deve ser de natureza singular,
ou seja, deve ser excepcional, incomum ao cotidiano administrativo, diferenciando-se de outros similares a ponto
de ser considerado peculiar” (GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais. Belo Horizonte:
Fórum, 2017. p. 83).

“Com efeito, parece óbvio que a contratacão direta de um profissional ou empresa notoriamente especializada para
execucão de serviço ordinário ou que não exija, por suas peculiaridades, a expertise própria de um especialista, nos
termos do § 3° do art. 74, não se justifica. Aparentemente, não há razões para entendimento diverso no caso da
Lei n° 14.133/2021”. (PERCIO, Gabriela. A inviabilidade de competição relativa na nova lei de licitações e contratos
administrativos (lei nº 14.133/2021): principais mudanças e proposta de interetação para maximizar a eficiência da
contratação direta. Diálogos sobre a nova lei e licitações e contratações. Coord. Julieta Mendes Lopes Vareschini.
Pinhais: JML, 2021. p. 151).

“Por tais razões, não obstante o texto legal da nova Lei de Licitacões não possua tal previsão (de observância da
singularidade), entendemos que a singularidade é requisito que deve ser mantido pela Administracão quando da
verificacão da contratacão direta por inexigibilidade em serviços técnicos executados por notórios especialistas,
mesmo porque, o que justifica a contratacão de um profissional que detenha qualificacão diferenciada é a
complexidade do objeto, ou seja, a singularidade” (ÁVILA, Diego. Inexigibilidade: serviços técnicos, notória
especialização e a ausência de singularidade. Diálogos sobre a nova lei e licitações e contratações. Coord. Julieta
Mendes Lopes Vareschini. Pinhais: JML, 2021. p. 165).

6
TCU, Acórdão nº 2.761/2020, Plenário. Rel. Min. Raimundo Carreiro. Julg. 14.10.2020.

47
ALTERAÇÕES CONTRATUAIS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES7

JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS


Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito
Administrativo pela UFPR.

A Lei nº 14.133/21 manteve sistema de alterações contratuais muito semelhante ao previsto


na Lei nº 8.666/93, contudo, com algumas alterações significativas.

Foi mantida a prerrogativa da Administração Pública de alterar unilateralmente os contratos.


As alterações podem ser, então, por consenso entre as partes, e por determinação unilateral
da Administração Pública.

A distinção entre alterações quantitativas e alterações qualitativas também foi mantida na


lei nova.

As inovações normativas mais relevantes são as seguintes:

1. LIMITES PARA AS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

O primeiro limite para as alterações contratuais fixado na Lei é o objeto da contratação. A


Lei expressamente prevê que as alterações unilaterais, a que se refere o inciso I do caput do
art. 124, não poderão transfigurar o objeto da contratação.

Este limite é também de natureza constitucional, na medida em que o art. 37, XXI da
Constituição Federal preceitua que as contratações públicas deverão ser precedidas de
7 SANTOS, José Anacleto Abduch. Alterações contratuais na nova Lei de Licitações. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 16 jun. 2022.
Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago. 2022.

48
licitação ou de processo de contratação direta. Na hipótese de uma alteração contratual
produzir um resultado que modifique substancialmente o objeto contratado, a Administração
receberá, com efeito, algo que não foi licitado.

Destaque-se que, ainda que a Lei faça referência a que “as alterações unilaterais” não
poderão transfigurar o objeto, é preciso dar ao dispositivo uma interpretação conforme à
Constituição. Evidente que as alterações contratuais consensuais, igualmente, não poderão
transfigurar o objeto da contratação.

A norma contida no art. 125 da Lei introduz, por seu turno, uma significativa modificação
em relação ao regime das alterações contratuais previsto na Lei nº 8.666/93.

Explica-se. A Lei nº 8.666/93 preconiza, no art. 65 § 1º, que “o contratado fica obrigado a
aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem
nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado
do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de
50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos”.

Estes limites legais não podem ser excedidos, seja por alteração unilateral, seja por alteração
consensual, consoante fixado pela norma do § 2º do art. 65: “nenhum acréscimo ou supressão
poderá exceder os limites estabelecidos” com exceção das supressões resultantes de acordo
celebrado entre os contratantes.

Pelo regime da Lei nº 8.666/93, então, as alterações unilaterais e as alterações consensuais


(ressalvada a exceção legal) estão submetidas aos limites percentuais delimitados.

49
A regra acerca de limites percentuais para as alterações contratuais prevista na Lei nº
14.133/21 é significativamente diversa.

O art. 125 da Lei preceitua que “nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do
art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais,
acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do
contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de
edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento)”.

Atente-se para que a lei, expressamente, indica que apenas as alterações unilaterais estão
submetidas aos limites percentuais, para acréscimos e supressões, em relação ao valor
original do contrato atualizado. Não há regra similar à do art. 65, § 2º da Lei nº 8.666/93.

Tal implica que as alterações contratuais consensuais, na dicção literal da Lei, não estão
sujeitas aos limites percentuais impostos pelo art. 125, mas tão somente ao limite previsto
no art. 126, em razão da necessária interpretação conforme à Constituição, antes referida.

A regra do art. 125 da Lei nº 14.133/21 propicia ampla margem de discussão. Mas, é inegável,
o legislador excluiu as alterações contratuais consensuais de qualquer limite percentual em
relação ao valor inicial do contrato atualizado.

Sugere-se uma interpretação da norma à luz dos princípios da razoabilidade, da


proporcionalidade e da segurança jurídica.

Não parece razoável ou proporcional, ou juridicamente seguro, admitir que uma alteração
contratual consensual possa produzir acréscimos ou supressões em montante tal que
desnature o contrato original.

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Não é correto, igualmente, que uma alteração contratual produza um resultado que, se
tivesse sido previsto no processo licitatório, poderia ter atraído potenciais licitantes diversos
– modificando significativamente o universo concorrencial original.

Uma interpretação segura indica que, diante da omissão legal no que tange a limites
percentuais para as alterações consensuais, sejam elas realizadas apenas no montante
necessário, e justificado, para adaptações da execução do contrato ao interesse efetivo e
legítimo da Administração, ainda que superiores àqueles limites previstos no art. 125.

2. RESPONSABILIDADE POR ALTERAÇÕES CONTRATUAIS DECORRENTES DE FALHA DE


PROJETO

Se forem decorrentes de falhas de projeto, as alterações de contratos de obras e serviços de


engenharia ensejarão apuração de responsabilidade do responsável técnico e adoção das
providências necessárias para o ressarcimento dos danos causados à Administração (art.
124, § 1º).

A situação administrativa ideal seria aquela em que a execução contratual, tal qual
originalmente configurada, pudesse resultar na satisfação integral da necessidade que deu
causa ao contrato.

Nesta linha, em caso de correto, adequado e suficiente o planejamento da contratação, por


hipótese, as necessidades de alterações contratuais se restringiriam a situações decorrentes
de fatos supervenientes, fatos novos, imprevisíveis e imprevistos.

Para evitar alterações contratuais que não sejam decorrentes de fatos supervenientes, é
preciso dar atenção ao princípio do planejamento previsto no art. 5º e à norma do art. 18 (ambos
da Lei nº 14.133/21), que dispõe que a fase preparatória da contratação é caracterizada pelo

51
planejamento. Há, assim, um dever jurídico de realizar o correto e adequado planejamento
do contrato, com precisa identificação da necessidade a ser satisfeita e descrição também
precisa do objeto contratual.

Contudo, não é incomum que alterações contratuais sejam necessárias em razão de defeitos
de planejamento.

De muito o Tribunal de Contas da União aponta que os defeitos de planejamento podem


ensejar a responsabilidade dos agentes públicos que lhes deram causa. A Lei, agora,
determina esta responsabilização e constitui a alta administração dos órgãos e entidades
públicas em dever jurídico inarredável.

O dever jurídico de instaurar processo administrativo para apuração de responsabilidade


por falha de projeto que tenha ensejado alteração de contrato de obra ou de serviço de
engenharia.

Podem ser responsabilizados, neste caso, os engenheiros, arquitetos, ou profissionais de


áreas afins, agentes públicos ou não, que tenham elaborado o anteprojeto, o projeto básico
ou o projeto executivo da obra ou do serviço de engenharia.

Esta responsabilização se dará nos limites do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/42.


Desta feita, somente responderá o agente público que tenha atuado com dolo – intenção de
realizar um projeto defeituoso -, ou erro grosseiro, vale dizer, culpa grave: grave negligência,
grave imprudência ou grave imperícia.

Evidenciado o dolo ou o erro grosseiro de que trata a Lei, o profissional responsável pelo
projeto defeituoso deverá ressarcir os danos causados, sem prejuízo de aplicação de outras

52
sanções legalmente previstas. Tudo somente após o curso do devido processo legal, com
garantias de contraditório e de ampla defesa, por óbvio.

3. DEFINIÇÃO DE PREÇOS UNITÁRIOS NO CASO DE INCLUSÃO DE INSUMOS, MATERIAIS,


OBRAS OU SERVIÇOS NOVOS

No curso da execução contratual pode ser identificada a necessidade de inclusão de materiais,


insumos, serviços, inclusive de engenharia, ou obras novas, imprevistos no contrato original.

Neste caso, o contrato certamente não contempla preços de referência para os novos itens
que devem ser incorporados à contratação.

A Administração Pública deverá identificar no mercado específico o preço de referência para


os insumos, materiais, serviços ou obras que pretende incluir no encargo contratual quando
da alteração. A referência para a definição destes preços serão os parâmetros fixados no art.
23 da Lei nº 14.133/21.

Identificados os preços de mercado dos itens que se pretende acrescer, a definição dos preços
a serem incorporados ao contrato será feita “por meio da aplicação da relação geral entre os
valores da proposta e o do orçamento-base da Administração sobre os preços referenciais
ou de mercado vigentes na data do aditamento, respeitados os limites estabelecidos no art.
125” da Lei.

Por exemplo: imagine-se que o valor do orçamento base da licitação foi de R$ 1.000.000,00,
e a proposta do licitante no certame foi de R$ 900.000,00. A relação entre orçamento e
proposta é de 10%. Este será o desconto que deve ser aplicado nos preços de mercado
encontrados para os itens novos para o fim de fixação dos preços no contrato alterado.

53
A Lei fixa, também, que a diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço
global de referência não poderá ser reduzida em favor do contratado em decorrência de
aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária.

Esta hipótese diz respeito à definição de preços para fins de acréscimos de insumos, materiais,
obras e serviços que já estão previstos no contrato. Assim, a cada alteração contratual, é
preciso identificar o preço atual de mercado daquilo que será objeto de acréscimo. Sobre
este preço atual de mercado, será aplicado o mesmo desconto dado pelo contratado, em
relação ao orçamento de referência, para se sagrar vencedor da disputa licitatória.

Trata-se de incorporação expressa do método do desconto, preconizado pelo Tribunal de


Contas da União por intermédio do Acórdão nº 1.755/2004, para manter, após cada alteração
contratual, o desconto original entre o valor global contratado e o valor estimado pela
Administração Pública.

4. TERMO ADITIVO COMO CONDIÇÃO PARA EXECUÇÃO DAS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

O art. 132 da Lei nº 14.133/21 fixa que “a formalização do termo aditivo é condição para a
execução, pelo contratado, das prestações determinadas pela Administração no curso da
execução do contrato, salvo nos casos de justificada necessidade de antecipação de seus
efeitos, hipótese em que a formalização deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês”.

Com efeito, qualquer execução material diversa daquela originalmente prevista no contrato
deverá ser precedida de formalização, mediante termo aditivo, afinal, é nulo todo contrato
verbal com a Administração Pública, ressalvada a exceção prevista no art. 95, § 2º. E, qualquer
execução material diversa daquela contratualmente prevista, caracteriza contratação verbal.

54
Inobstante, é bastante comum que gestores ou fiscais de contrato autorizem ou determinem
execuções contratuais a descoberto de termo aditivo contratual. Tal conduta é ilegítima,
irregular e pode ensejar a responsabilização pessoal.

Caso evidenciada situação de fato na qual a execução do contrato deva ser alterada de
imediato, sob pena de prejuízo para o interesse público, a Lei autoriza seja efetivada, mesmo
sem formalização prévia de termo aditivo ao contrato.

De modo impreciso, a lei faz referência a que esta autorização legal para execução de
alterações contratuais, sem termo aditivo prévio, seria uma espécie de antecipação dos
seus efeitos – do termo aditivo.

Não parece a expressão mais correta. De fato, o que é autorizado por pela lei é a postergação
da formalização da alteração contratual, que deve ocorrer no prazo máximo de um mês.

Não há antecipação de nenhum efeito de termo aditivo, mas antes, autorização legal para
imediata efetivação material da alteração contratual, que será objeto de formalização em
momento futuro. Registre-se que o prazo de um mês de que trata a Lei se conta data a data
(art. 183, II).

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no Instagram: @joseanacleto.


abduch.

55
NOVA LEI DE LICITAÇÕES: ALGUMAS INOVAÇÕES8

JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS


Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito
Administrativo pela UFPR.

Foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020, que cria um marco legal
para substituir as seguintes Leis: 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011.

Trata-se de uma importantíssima medida legislativa que produz profundas inovações no


regime jurídico das licitações e das contratações públicas.

Em síntese, se tratará de algumas das inovações significativas.

1ª inovação significativa: relativa ao planejamento das licitações

A nova lei incorpora de modo expresso alguns princípios que deverão nortear a aplicação da
legislação, como o do planejamento.

A previsão de que o planejamento é um princípio cria um correlato e imediato dever jurídico


para os administradores públicos, que descumprido ensejará a responsabilidade. Vale dizer,
agora é expresso o dever de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e do
contrato público.

8 SANTOS, José Anacleto Abduch. Nova lei de licitações: algumas inovações, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 12 dez. 2020. Dis-
ponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

56
Há, dentre outras, definições de serviços contínuos e serviços não contínuos, o que pode
auxiliar, em muito, o planejamento da licitação, seja no que tange às obrigações principal e
acessória, seja no que tange à definição do prazo contratual.

Desaparece a modalidade de convite, e é criada a modalidade de “dialogo competitivo”.

A contratação direta por intermédio do credenciamento passou também a ser expressamente


prevista, assim como a pré-qualificação, objetiva e subjetiva.

Foi aprimorada a figura do seguro-garantia. O seguro garantia, numa das hipóteses legais,
deverá garantir o fiel cumprimento das obrigações contratadas. O custo do seguro será
integrado ao preço ofertado.

A Administração Pública poderá prever a obrigação de a seguradora assumir a execução e


concluir o objeto do contrato.

A Lei prevê ainda que o contrato “poderá identificar os riscos de riscos, alocando-os entre
contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor
público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados” (art. 102).

A alocação de riscos considerará, em compatibilidade com as obrigações e os encargos


atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que
se vincula e a capacidade de cada setor para melhor gerenciá-lo. Serão preferencialmente
transferidos ao contratado os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras.

No que tange ao orçamento estimativo da contratação, a nova lei contém regras bem
interessantes. Prevê que o valor estimado da contratação deve ser compatível com o mercado
“considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem

57
contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de
execução do objeto (art. 23)” e oferece um protocolo administrativo para a obtenção do preço
de referência das contratações.

O orçamento estimado da contratação poderá ser sigiloso, tal qual já ocorre no plano das
licitações e contratações das empresas estatais, com a ressalva de que no âmbito da Lei nº
13.303/16 o orçamento estimativo deverá ser sigiloso, enquanto que no plano da nova lei, o
sigilo do orçamento deverá ser justificado (art. 24).

2ª inovação significativa: definição do prazo do contrato

Há previsão de que os contratos de serviços e de fornecimento contínuo poderão ser


celebrados por prazo de até cinco anos (lembre-se que este prazo era exclusivo para os
contratos de prestação de serviços contínuos). Os contratos de locação de equipamentos e
utilização de programas de informática também poderão ser celebrados por até cinco anos.

Estes contratos de prestação de serviços e de fornecimento contínuo podem ser


prorrogados até o limite máximo de dez anos “desde que haja previsão em edital e que a
autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para
a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem
ônus para qualquer das partes” (art. 106).

Os contratos de receita e os contratos de eficiência podem ser celebrados por até dez anos,
caso não tenham investimentos, e os contratos com investimento (aqueles que impliquem
a elaboração de benfeitorias permanentes, realizadas exclusivamente a expensas do
contratado, que serão revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao término do
contrato – art. 109) podem ser celebrados com prazo de até 35 anos.

58
3ª inovação significativa: fase de execução dos contratos

O retardamento imotivado da execução do contrato passa a ser expressamente vedado,


mesmo na hipótese de troca de chefia do Poder Executivo ou de novo titular do órgão ou
entidade contratante (art. 114).

Quando da contratação de obras a expedição da ordem de serviço será obrigatoriamente


precedida de depósito, em conta vinculada, dos recursos financeiros necessários para
custear as despesas relativas à etapa a ser executada, e estes recursos são impenhoráveis
(art. 114, § 2º).

A obtenção do licenciamento ambiental prévio, quando for de atribuição da Administração


Pública, obrigatoriamente se dará antes da divulgação do instrumento convocatório (art.
114, § 4º).

Há uma importante determinação de sustentabilidade social no que diz respeito as


contratações de pessoal pelo contratado: “ao longo de toda a execução do contrato, o
contratado deverá cumprir a reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência,
para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz, bem como as reservas de cargos
previstas em outras normas específicas” (art. 115).

De modo bastante suficiente, a nova lei disciplina a figura e as atribuições do “fiscal do


contrato”.

O fiscal do contrato “será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle


interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações
relevantes para prevenir riscos na execução contratual (art. 116, § 3º)”.

59
Há importante disciplina legal também para a contratação de terceiros para assistir e
subsidiar a fiscalização oficial da execução do contrato (art. 116, § 4º).

Restou pacificada a questão relacionada à responsabilidade subsidiária por encargos


trabalhistas do contratado quando da execução de contratos de prestação de serviços com
dedicação exclusiva de mão de obra. Na linha do entendimento já manifestado pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho, “exclusivamente nas contratações de
serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração
responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos
encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações
do contratado (art. 120, § 2º).

Para o fim de evitar o descumprimento de obrigações trabalhistas por parte do contratado,


nos casos de contratação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra “a
Administração, mediante disposição em edital ou em contrato, poderá, entre outras medidas:
I – exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para
verbas rescisórias inadimplidas; II – condicionar o pagamento à comprovação de quitação
das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato; III – efetuar o depósito de valores
em conta vinculada; IV – em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento
das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado; V –
estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais
e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos
serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do
fato gerador (art. 120, § 3º)”. Esta nova disposição legal contempla rotinas e exigências que
já vinham sendo implementadas por grande parte da Administração Pública, por força de
entendimento do Tribunal de Contas da União, ou de normas infralegais, como a Instrução

60
Normativa nº 05/17 da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento. Mas, se deve
reconhecer que a previsão legal delas constitui inegável avanço.

No que diz respeito às alterações contratuais, se deve salientar que (i) se forem decorrentes
de falhas de projeto, as alterações de contratos de obras e serviços de engenharia ensejarão
apuração de responsabilidade do responsável técnico e adoção das providências necessárias
para o ressarcimento dos danos causados à Administração (uma regra de fomento do
planejamento adequado das contratações!); e (ii) a elevação extraordinária do preço de
insumo específico que tenha impacto em todo o custo de produção, será avaliada mediante
novo exame de preço dos principais insumos do contrato, e pode ensejar a revisão do
contrato.

Há previsão de que o pedido de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato


(reajuste, revisão ou repactuação) deve ser formulado durante a vigência do contrato, antes
de eventual prorrogação, sob pena de preclusão. Trata-se de previsão expressa do instituto
da preclusão lógica de muito defendido pelo Tribunal de Contas da União.

4ª inovação significativa: meios alternativos de resolução de controvérsias

Avançou a nova lei para conferir segurança jurídica para a adoção de meios alternativos
de resolução de controvérsias, ao prever que “poderão ser utilizados meios alternativos de
prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de
resolução de disputas e a arbitragem”, e que tais meios alternativos podem ser aplicados às
controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas
ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento
de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações” (art. 150).

61
5ª inovação significativa: apuração de responsabilidade, tipicidade e aplicação de sanções

No plano da Lei nº 8666/93, um dos grandes desafios jurídicos é o da apuração da


responsabilidade e o da aplicação de sanções, especialmente por lacunas normativas acerca
da tipicidade.

De muito vinha se debatendo a doutrina acerca da validade e da legitimidade de sanções,


diante da falta de previsão legal de fatos típicos e da correspondente sanção.

A nova lei contempla um elenco de fatos típicos e de sanções a eles correspondentes,


bem como o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, ao dispor que “a
personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do
direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou
para provocar confusão patrimonial, e, nesse caso, todos os efeitos das sanções aplicadas
à pessoa jurídica serão estendidos aos seus administradores e sócios com poderes de
administração, à pessoa jurídica sucessora ou à empresa do mesmo ramo com relação de
coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado, observados, em todos os
casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia” (art.
159).

6ª inovação significativa: disposições sobre controle das contratações

A Lei nova estabelece determina a adoção de mecanismos de compliance e de integridade


nas contratações públicas, instituindo expressamente as denominadas “três linhas de
defesa do compliance”: “as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas
e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção
de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle
social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa: I – primeira linha de defesa, integrada

62
por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na
estrutura de governança do órgão ou entidade; II – segunda linha de defesa, integrada pelas
unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade; III
– terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração
e pelo tribunal de contas (art. 168)”.

São estas, dentre outras, algumas das muitas inovações legislativas produzidas pela nova lei
de licitações.

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no instagram: joseanacleto.


abduch.

63
“VIRADA DE CHAVE” PARA A NOVA LEI DE LICITAÇÕES: QUAL A
RESPONSABILIDADE DO GESTOR PÚBLICO?9

JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS


Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito
Administrativo pela UFPR.

A Lei nº 14.133 de 01 de abril de 2021, institui normas gerais de licitações e contratos


administrativos. Esta Lei entrou em vigência na data de sua publicação (art. 194). Entretanto,
havia previsão legal de que até abril de 2023 teriam vigência simultânea a nova Lei e as Leis
nº 8.666/1993 e 10.520/2002.

A Administração Pública, neste ponto, teve dois anos para a “virada de chave” e transição
entre o regime da Lei nova e os regimes das leis anteriores.

Entretanto, sobreveio a edição da Medida Provisória nº 1.167/2023, que prorrogou a vigência


da Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 10.520/2002 até 30 de dezembro de 2023. Esta prorrogação
de vigência das leis anteriores teve como justificativa a inexistência de capacidade técnica
da Administração Pública, em geral, para implantação e aplicação da nova Lei no prazo
originalmente fixado.

Este prazo adicional, se por um lado confere certa margem de tranquilidade operacional
aos gestores públicos, implica constituição de um relevantíssimo dever jurídico: o de adotar
todas as providências necessárias para a implantação e aplicação da nova Lei de Licitações
imediatamente, sob pena de responsabilização pessoal.
9 SANTOS, José Anacleto Abduch. “Virada de chave” para a nova Lei de Licitações: qual a responsabilidade do gestor público?
Zênite Fácil, categoria Doutrina, 06 mai. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 27 jun. 2023.

64
Explica-se.

A norma prevista no art. 11, parágrafo único da Lei nº 14.133/2021 estabelece que “a alta
administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e
deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos,
para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o
intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente
íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico
e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações”.

Por alta administração se deve compreender sejam os “gestores que integram o nível
executivo do órgão ou da entidade, com poderes para estabelecer as políticas, os objetivos
e conduzir a implementação da estratégia para cumprir a missão da organização”1. Em
outros termos, a alta administração é integrada pelos agentes públicos a quem compete a
prática de atos de gestão administrativa no plano da alta hierarquia administrativa (Chefes
de Poder, Ministros, Secretários, Diretores, etc).

No plano da responsabilidade, a Medida Provisória fixou para a alta administração o dever


jurídico de, no prazo adicional conferido, adotar todas as providências necessárias para a
implementação e aplicação da nova Lei na organização pública.

O descumprimento deste dever jurídico caracterizará conduta de omissão própria. A omissão


própria é caracterizada quando existe uma conduta determinada pela norma (no caso, a de
adotar todas as providências necessárias para a aplicação da nova Lei a partir de janeiro de
2024), e esta conduta não é cumprida quando poderia ter sido.

E a omissão própria é responsabilizável.

65
Atente-se para que a nova Lei contém duplo comando no plano deste dever jurídico:

1. Adotar todas as providências necessárias para que a nova Lei possa ser implantada e
aplicada na organização pública até 30 de dezembro de 2023;

2. As providências adotadas deverão atender os princípios da eficiência, da eficácia, da


celeridade, da proporcionalidade e da economicidade.

Logo, deve-se concluir que este dever jurídico de adotar providências administrativas para a
aplicação da nova Lei de Licitações não será cumprido se tais ditas providências não forem
adotadas com o cumprimento do dever objetivo de cuidado.

A falta de cumprimento do dever objetivo de cuidado se materializa pela prática de condutas


negligentes, imprudentes ou imperitas – elementos da conduta culposa.

Em outros termos, não basta a adoção de providências insuficientes e destituídas de rigor


técnico para afastar a culpa, e, por decorrência, a responsabilidade.

Assim, pode-se deduzir da Lei que (i) deixar de adotar imediatamente as providências
necessárias para a aplicação da nova Lei, ou, (ii) adotar providências insuficientes ou
inadequadas, caracterizará o famigerado erro grosseiro (conduta maculada por grave
negligência, grave imprudência ou grave imperícia) que atrai a responsabilização pessoal
do gestor, nos termos do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 e do art. 5º da Lei
nº 14.133/2021.

Lembre-se, ainda, que a Administração Pública teve dois anos para esta transição entre
os regimes jurídicos. Este prazo era mais do que suficiente para a preparação, desde que
as providências administrativas tivessem iniciado já em abril de 2021, o que não ocorreu

66
na maior parte das organizações. Este aspecto constitui uma agravante no que diz com a
responsabilidade do gestor em relação ao novo prazo fixado pela MP nº 1.167/2023.

Por fim, registre-se que a responsabilização pessoal por esta omissão própria pode se dar
na instância administrativa ou civil (por erro grosseiro), e na instância da improbidade
administrativa, se caracterizado o dolo específico na conduta omissiva.

Cuidado! A responsabilização pode ser evitada. Recomenda-se, para tanto, adotar


imediatamente as providências necessárias para a aplicação da nova Lei de Licitações.
Ainda que dezembro de 2023 pareça bem distante...

________________________________________

1 Portaria SEGES/ME nº 8.678, de 19 de julho de 2021, art. 2º, I.

67
Pergunta e Resposta
Em sede de diligência, é permitida a inclusão de documento
com data de emissão posterior ao início da sessão do pregão?
A solução será a mesma nas Leis nºs 8.666/1993 e 10.520/2002,
Decreto nº 10.024/2019 e na Lei nº 14.133/2021? O que tem
orientado o TCU?10
O Tribunal de Contas da União reconheceu a possibilidade de juntada extemporânea de
documento de habilitação em licitação processada pela modalidade pregão, na sua forma
eletrônica, sem que isso configure violação ao disposto no art. 43, § 3º da Lei nº 8.666/1993,
aplicado subsidiariamente no processamento dessa modalidade de licitação. Trata-se da
decisão adotada no Acórdão nº 1.211/2021– Plenário.

A interpretação do Tribunal de Contas da União, externada no Acórdão nº 1.211/2021 – Plenário


é a de que, caso o licitante não tenha entregue um dado documento de habilitação ou de
proposta no momento adequado (o Decreto nº 10.024/2019, em seu art. 26, caput e § 3º, exige
o envio até a data e horário estabelecidos para sessão pública, juntamente com a proposta
em si), poderá fazê-lo posteriormente, devendo ser requerido e aceito pela Administração,
desde que referido documento retrate condição material preexistente à abertura da sessão
pública do certame.

10 em sede de diligência, é permitida a inclusão de documento com data de emissão posterior ao início da sessão do pregão?
A solução será a mesma nas Leis nºs 8.666/1993 e 10.520/2002, Decreto nº 10.024/2019 e na Lei nº 14.133/2021? O que tem orientado
o TCU? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago.
2022.

68
Deixou assente que,

“o pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve


sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos
documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em
ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea “h”; 17, inciso VI; e 47
do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista
no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021),
não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante
quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes
de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e
avaliado pelo pregoeiro”. (Destacamos.)

Em outubro de 2021, o TCU novamente se manifestou sobre o tema, deixando muito claro
que, mesmo que o documento apresentado posteriormente, em sede de diligência, indique
data posterior à abertura do certame, caso ele retrate condição preexistente à referida
abertura, deve ser aceito. Abaixo, alguns trechos do Acórdão nº 2.443/2021 – Plenário, que
inclusive também estende essa interpretação às previsões contidas na Lei nº 14.133/21:

“ENUNCIADO
A vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993
e no art. 64 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos),
não alcança documento destinado a atestar condição de habilitação preexistente à
abertura da sessão pública, apresentado em sede de diligência.

69
RESUMO
Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão
Eletrônico para Registro de Preços 45/2020, promovido pelo Grupamento de Apoio do
Rio de Janeiro do Comando da Aeronáutica (GAP-RJ), cujo objeto era a contratação de
empresa especializada na prestação de serviços de coleta, transporte e destinação final
de resíduos para a Odontoclínica de Aeronáutica do Aeroporto Santos Dumont. Entre as
irregularidades suscitadas, o representante noticiou que, inicialmente, fora habilitado
para a execução dos serviços licitados, no entanto, quatro dias depois de o pregoeiro
haver indeferido recurso administrativo que questionava a sua habilitação, o GAP-RJ
entendeu necessária a comprovação da participação de engenheiro químico indicado
pelo representante, como responsável técnico, nos serviços elencados no atestado
apresentado pela empresa na licitação. Por considerar que o representante trouxera
documentação nova visando a essa comprovação, com data de emissão posterior
à abertura do certame, o órgão decidiu inabilitá-lo. Acompanhando a instrução
da unidade técnica, o relator entendeu, todavia, que a documentação trazida pela
empresa era apenas a atestação de situação anterior ao certame. Para ele, “apesar
de a CAT 24097/2021 ter sido emitida em 9/3/2021, esta se refere à participação do
Engenheiro Químico nos serviços descritos a partir de 3/6/2020, quando foi incluído no
quadro técnico da empresa”, portanto em momento anterior à realização do certame.
O relator também assinalou que os pareceres jurídicos que pautaram a decisão do
GAP-RJ ignoraram a jurisprudência mais recente do TCU, notadamente o Acórdão
1211/2021-Plenário, em que restou sumarizado o seguinte entendimento: “Admitir a
juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura
da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as
licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta

70
em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio)
sobre o resultado almejado (fim) “. Além disso, conforme o subitem 9.4 do mencionado
acórdão, transcrito na instrução da unidade técnica, o Tribunal deixou assente “que
a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e
no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente,
comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta,
que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por
equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”. Destarte, nos
termos da proposta do relator, o Plenário decidiu determinar ao órgão que promovesse
a anulação da decisão que inabilitou o representante no Pregão 45/2020, tendo em
vista que “a apresentação, em sede de diligência, do CAT 24097/2021, emitido em
9/3/2021, destinado a atestar condição preexistente à abertura da sessão pública, não
se configura motivo plausível para a inabilitação do licitante, conforme entendimento
firmado no Acórdão 1.211/2021-TCU-Plenário”. (Destacamos.)

Portanto, sem prejuízo às discussões envolvendo o tema, em que pese ser usual o licitante
apresentar em sede de diligência documento faltante expedido em data anterior à abertura
do certame, caso apresente documento com data posterior, mas que retrate condição
material preexistente ao certame, deve ser aceito, tal como trata e exemplifica o Acórdão
nº 2.443/2021, Plenário, TCU.

Interessante observar que, o TCU reforça a aplicação do racional acima, seja para os regimes
da Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002 e Decreto nº 10.024/2019, seja para a nova Lei de
Licitações nº 14.133/21.

71
Qual o conteúdo do estudo técnico preliminar e do termo de
referência e a distinção entre eles, de acordo com a nova Lei de
Licitações? Na prática, percebe-se uma tendência de repetição
no conteúdo desses documentos. Isso faz sentido?11
A Lei nº 14.133/2021 destinou atenção especial à fase de planejamento, ou preparatória dos
processos de contratação pública. E, dentre as etapas formadoras dessa importante fase,
previu a realização do Estudo Técnico Preliminar e a elaboração do Termo de Referência.

Trata-se de instrumentos voltados ao planejamento da contratação, mas que abrigam


finalidades distintas.

O Estudo Técnico Preliminar tem como objetivo evidenciar o problema a ser resolvido e a
solução mais adequada, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica
da contratação.

À luz do art. 18, §1º, da Lei nº 14.133/2021, possível indicar os seguintes elementos do ETP,
objetivamente, sendo os destacados compreendidos como indispensáveis (§2º): I –
descrição da necessidade, considerado o problema a ser resolvido; II – identificação da
contratação no plano de contratações anual; III – requisitos da contratação; IV – estimativas
das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos
documentos de suporte; V – levantamento de possíveis soluções de mercado; VI – estimativa
do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de
cálculo e dos documentos que lhe dão suporte; VII – descrição da solução como um todo,

11 Qual o conteúdo do estudo técnico preliminar e do termo de referência e a distinção entre eles, de acordo com a nova Lei de
Licitações? Na prática, percebe-se uma tendência de repetição no conteúdo desses documentos. Isso faz sentido? Zênite Fácil,
categoria Perguntas e Respostas, mai. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 02. jun. 2022.

72
inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o
caso; VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação; IX – demonstrativo
dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos
recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis; X – providências a serem adotadas
pela Administração previamente à celebração do contrato; XI – contratações correlatas e/ou
interdependentes; XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas
mitigadoras, bem como logística reversa, quando aplicável; XIII – posicionamento conclusivo
sobre a adequação da contratação.

Já o Termo de Referência é elaborado com amparo no Estudo Técnico Preliminar e


Gerenciamento de riscos, sintetizando as principais decisões e informações acerca do
objeto a ser contratado, a definição da estratégia para a seleção da melhor proposta (com
indicação da modalidade eleita, critério de julgamento e modo de disputa), bem como as
condições que regerão a futura contratação (art. 6º, XXIII, alíneas e art. 18, II).

Nos termos do art. 6º, XXIII, possível indicar os seguintes elementos para o TR, objetivamente:
I - definição do objeto (em natureza, quantitativos, prazos, inclusive a possibilidade de
sua prorrogação); II- fundamentação da contratação - referência aos estudos técnicos
preliminares; III - descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do
objeto; IV - requisitos da contratação; V - modelo de execução do objeto; VI - modelo de
gestão e fiscalização do contrato; VII- critérios de medição e de pagamento; VIII - forma e
critérios de seleção do fornecedor; IX - estimativas do valor da contratação, acompanhadas
dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão
suporte; X - adequação orçamentária.

A exemplo da Instrução Normativa nº 05/2017, a Lei nº 14.133/2021, ao enunciar os elementos e


parâmetros descritivos dos Estudos Técnicos Preliminares e do Termo de Referência, replica,

73
de fato, o conteúdo em alguns pontos, a exemplo da estimativa do valor da contratação,
acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos
que lhe dão suporte. Nesse sentido, a literalidade das regras levou à prática, recorrente, de
repetição no conteúdo desses documentos.

Porém, tal praxe não faz qualquer sentido. O importante é que cada instrumento de
planejamento – ETP e TR – cumpra adequadamente a finalidade a que se propõe.

Nesse sentido, por exemplo, partindo de um ETP bem elaborado, com identificação
adequada da necessidade, estudo de soluções de mercado e definição justificada da
opção mais eficiente, com amparo em descritivos detalhados, em termos quantitativos e
qualitativos, bem como uma ampla pesquisa de preços, detalhada, com memórias de cálculo
e documentos de suporte para a adequada compreensão do valor estimado definido, não
nos parece que, ao elaborar o TR, a Administração necessite replicar todo esse conteúdo.

Evidentemente, identificará de forma sintética o descritivo da solução, reportando os


detalhes ao ETP. E mais, no que diz respeito às estimativas de preço, se não for o caso de
atualizar ou refinar o levantamento de preços já realizado (devido ao tempo transcorrido/
dúvida fundada), possível indicar o valor estimado da contratação igualmente de forma
sintética, remetendo a análise dos detalhes a respeito para o ETP.

Portanto, o Estudo Técnico Preliminar e o Termo de Referência compreendem instrumentos


relacionados a etapas distintas da fase de planejamento ou preparatória, com finalidades
próprias. E ainda que a literalidade das disposições a respeito da Lei nº 14.133/2021 possa levar
à compreensão em torno da necessidade de replicar conteúdo em ambos os instrumentos,
não nos parece ser essa a melhor prática.

74
Considerando que o Poder Executivo de outra esfera tenha
adotado a IN SEGES/ME nº 67/2021 para regulamentar a dispensa
eletrônica, deverá observar as alterações promovidas pela
IN SEGES/MGI nº 8/2023? O novo critério eleito para análise
envolvendo “mesmo ramo de atividade” é melhor que a
classificação CNAE?12
A fim de evitar o fracionamento indevido de despesa por meio da contratação direta por
dispensa de licitação em razão do valor, a Lei nº 14.133/2021 estabeleceu o seguinte critério
para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II do seu
art. 75:

“Art. 75. É dispensável a licitação:


[...]
§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II
do caput deste artigo, deverão ser observados:
I - o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade
gestora;
II - o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como
tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade”. (Destacamos.)

12 Considerando que o Poder Executivo de outra esfera tenha adotado a IN SEGES/ME nº 67/2021 para regulamentar a dispensa
eletrônica, deverá observar as alterações promovidas pela IN SEGES/MGI nº 8/2023? O novo critério eleito para análise envolvendo
“mesmo ramo de atividade” é melhor que a classificação CNAE? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun. 2023. Dis-
ponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. mmm. aaaa.

75
No âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, inicialmente,
a Instrução Normativa nº 67/2021 definiu como critério para caracterização do “ramo de
atividade” visando a identificação de “objetos de mesma natureza” o nível de subclasse da
Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE:

“Art. 4º Os órgãos e entidades adotarão a dispensa de licitação, na forma eletrônica, nas


seguintes hipóteses:
[...]
§ 2º Considera-se ramo de atividade a partição econômica do mercado, identificada
pelo nível de subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE.”
(Destacamos.)
Ocorre que, no dia 23 de março de 2023, foi publicada a Instrução Normativa SEGES/MGI
nº 8, que promoveu a seguinte alteração na IN SEGES/ME nº 67/2021:
“Art. 1º A Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 8 de julho de 2021, passa a vigorar
com as seguintes alterações:
‘Art. 4º
....................................
§ 2º Considera-se ramo de atividade a linha de fornecimento registrada pelo fornecedor
quando do seu cadastramento no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores
(Sicaf), vinculada:
I - à classe de materiais, utilizando o Padrão Descritivo de Materiais (PDM) do Sistema
de Catalogação de Material do Governo federal; ou

76
II - à descrição dos serviços ou das obras, constante do Sistema de Catalogação de
Serviços ou de Obras do Governo federal.’ (NR)” (Destacamos.)

Vale registrar que essa alteração entrou em vigor no dia 02 de maio de 2023, conforme
dispõe o art. 2º da aludida Instrução Normativa SEGES/MGI nº 8/2023.

Considerando que o Poder Executivo de determinado município tenha expedido ato


normativo apenas remetendo a aplicação nos seus processos de contratação do regulamento
editado pelo Poder Executivo federal, no caso, a IN SEGES/ME nº 67/2021, caberá ao Poder
Executivo municipal se sujeitar às alterações promovidas neste ato.

De outra sorte, se ao regulamentar a matéria o Poder Executivo municipal expediu ato


com o mesmo teor da IN SEGES/ME nº 67/2021, mas sem prever a sua aplicação, para que
as alterações promovidas neste ato sejam aplicadas pelo Poder Executivo municipal será
preciso a expedição de ato promovendo idêntica alteração no regulamento municipal.

No que diz respeito ao mérito da alteração propriamente dito, em publicação na ferramenta


Zênite Fácil, ao nos referirmos à adoção da classificação CNAE, concluímos no sentido de
que, “trata-se de um critério objetivo, eleito pela IN nº 67/2021 para abordar a identidade dos
objetos quando da análise envolvendo fracionamento de despesas, mas para o qual ainda
não é possível afirmar a assertividade pertinente, ou seja, se de fato evitará contextos de
partição de despesas que cumpririam ser consideradas globalmente para fins de dispensa.”

E na “medida em que se busca evitar a fragmentação de despesas que deveriam ser


conjugadas para fins de análise envolvendo o cabimento da dispensa em razão do valor,
é essencial avaliar se as demandas/escopos em eventual análise envolvem um mesmo
segmento/ramo de mercado, de modo que, em tese, poderiam ser lançados conjuntamente

77
em disputa, sem qualquer prejuízo. Se a resposta for afirmativa, outra não será a conclusão
senão pela necessidade de somá-las, por configurarem ‘objetos de mesma natureza’.”1

Embora ambos os critérios citados possam ser considerados válidos e cogitáveis, em princípio,
entendemos que considerar como “ramo de atividade a linha de fornecimento registrada
pelo fornecedor quando do seu cadastramento no Sistema de Cadastramento Unificado de
Fornecedores (Sicaf)” se mostra mais “amigável”, haja vista os órgãos e entidades federais
estarem mais familiarizados com as linhas de fornecimento registradas pelos fornecedores
quando dos seus cadastramentos no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores
(Sicaf) do que com a partição econômica do mercado, identificada pelo nível de subclasse
da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE.

________________________________________

1 É O CASO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL adotar a melhor subclasse do CNAE para fins de controle de
fracionamento de despesas, tal como fez a IN nº 67/2021? Qual a relevância do CNAE da empresa? Zênite Fácil,
categoria Perguntas e Respostas, mai. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 24 abr. 2023.

78
Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a
inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades
em relação a esse tema?13
Dentre as hipóteses de inexigibilidade previstas no art. 74 da Lei nº 14.133/2021, tem-
se a contratação envolvendo “aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros
ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivo”.

O dispositivo abriga situação envolvendo inviabilidade absoluta de competição, na medida


em que a demanda da Administração – por materiais, equipamentos, gêneros ou serviços – é
atendida por solução comercializada por apenas um agente econômico (exclusividade).

E aqui um primeiro comentário relativamente à nova Lei, que dirimiu discussão que havia
relativamente ao art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666/1993, que trata apenas da contratação direta
de “fornecedor exclusivo”, portanto, ao menos textualmente, dirigia-se apenas às compras
da Administração. Eventuais contratações diretas de serviços prestados com exclusividade
vinham sendo fundamentadas no caput do art. 25, conforme orientação do TCU e AGU. Na
nova Lei de Licitações, tanto as compras como os serviços disponibilizados com exclusividade
podem ser contratados pelo art. 74, inc. I, da Lei nº 14.133/2021.

A outra novidade fica por conta da comprovação da condição de exclusividade. Conforme


o parágrafo primeiro do art. 74 da Lei nº 14.133/2021, “Para fins do disposto no inciso I do
caput deste artigo, a Administração deverá demonstrar a inviabilidade de competição
mediante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade, declaração do fabricante
13 Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades em relação
a esse tema? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06
ago. 2021.

79
ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por
produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca
específica.” (Grifamos.)

Aqui também o legislador dirimiu discussão envolvendo a parte final do inc. I do art. 25 da
Lei nº 8.666/1993, segundo o qual deveria “a comprovação de exclusividade ser feita através
de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a
licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou,
ainda, pelas entidades equivalentes”.

Ocorre que nenhuma das entidades indicadas pela Lei nº 8.666/1993 como aptas para
emitir o atestado em questão possui, dentre as suas competências, a de certificar que os
particulares fornecem bens em regime de exclusividade. No mais das vezes, o que essas
entidades fazem é simplesmente arquivar ou declarar informações prestadas pelos próprios
interessados.

Isso significava que a simples apresentação do atestado emitido pelas entidades em questão
não era capaz de, por si só, comprovar a existência de uma situação de inviabilidade absoluta
de competição. Daí porque, nesses casos, a orientação seguia no sentido de o processo
administrativo ser instruído com outros elementos capazes de demonstrar que a solução
pretendida era prestada em regime de exclusividade por esse ou aquele particular (vide
Súmula nº 255, TCU).

A nova Lei de Licitações recepcionou essa diretriz, na medida em que, para fins de justificar a
exclusividade, apenas citou exemplos de documentos – atestado de exclusividade, contrato
de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo –, contanto que

80
capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivos.

Portanto, de acordo com o art. 74, inc. I, da Lei nº 14.133/2021, a inexigibilidade de licitação,
decorrente da exclusividade de fornecedor causadora da inviabilidade absoluta de
competição, poderá envolver tanto o fornecimento de bens como a prestação de serviços.
Para justificar a condição de exclusividade do fornecedor/executor a Administração poderá
se valer de todo e qualquer documento, contanto que idôneo e, sobretudo, capaz de
comprovar, efetivamente, que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivos.

81
Em relação à instrução das contratações diretas, o que prevê a
nova Lei de Licitações?14
Diferente da Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações aborda em detalhes da instrução dos
processos de contratação direta.

O art. 72 da Lei nº 14.133/2021 indica que o processo administrativo deve ser instruído com
os seguintes atos:

1. documento de formalização de demanda;


2. se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto
básico ou projeto executivo;
3. estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 da
Lei;
4. parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento
dos requisitos exigidos;
5. demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o
compromisso a ser assumido;
6. comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação
mínima necessária;
7. razão da escolha do contratado;

14 Em relação à instrução das contratações diretas, o que prevê a nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Res-
postas, jul. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

82
8. justificativa de preço;
9. autorização da autoridade competente.

O primeiro passo na instrução do processo de contratação direta é oficializar a demanda.


Cabe ao setor requisitante formalizar a necessidade em torno da contratação, indicando a
justificativa pertinente, o quantitativo necessário de bens/serviços e indicar a data limite
para o atendimento da necessidade.

No que diz respeito aos estudos técnicos preliminares, análises de riscos, termo de referência
ou projeto básico e executivo, em que pese estejam presentes na instrução dos mais variados
processos de contratação, será necessário ponderar a pertinência de cada um deles no caso
concreto, sobretudo em razão das particularidades da hipótese de contratação direta a ser
realizada.

Uma fase prévia de estudos técnicos preliminares se justifica, por exemplo, em


contratações nas quais há necessidade de olhar para o mercado e ponderar soluções
disponíveis, para então definir a opção que melhor se ajusta aos objetivos da Administração.
Caso a contratação seja de baixo custo ou não envolva complexidade e riscos significativos
a serem geridos (o que pode ser verificado a partir da experiência da Administração em
contratações anteriores), é possível afastar a etapa de análise de riscos.

Já o termo de referência – ou Projeto básico e Projeto Executivo, na hipótese de obras e


serviços de engenharia – deverá ser observado. Afinal, é o instrumento que sintetiza as
principais decisões e informações acerca da contratação a ser realizada, inclusive no que diz
respeito à fundamentação legal da contratação direta.

83
Quanto à estimativa da despesa, conforme o parágrafo 4º do art. 23 da Lei nº 14.133/2021, nas
“contratações diretas por inexigibilidade ou por dispensa, quando não for possível estimar
o valor do objeto na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, o contratado deverá
comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em
contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de
notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à
data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.” (Grifamos.)

Com base na adequada aferição do valor estimado da contratação é que possível: (i)
demonstrar a compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso
a ser assumido; (ii) propiciar condições concretas para a autoridade competente autorizar a
contratação direta e (iii) justificar o preço frente à realidade de mercado.

Quanto ao particular/empresa a ser contratado diretamente, é necessário elencar os fatores


que determinaram a escolha. Deve-se verificar, ainda, se atende aos quesitos de habilitação
considerados indispensáveis à aferição da capacidade para assumir a execução contratual
(dentre aqueles previstos nos artigos 66 a 69 da nova Lei). Para essa análise, interessante
observar que a Lei nº 14.133/2021, no art. 70, inc. III, prevê a possibilidade de dispensar a
documentação de habilitação, total ou parcialmente: (i) nas contratações para entrega
imediata; (ii) nas contratações em valores inferiores a 1/4 (um quarto) do limite para dispensa
de licitação para compras em geral; (iii) e nas contratações de produto para pesquisa e
desenvolvimento até o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).

A adequada instrução do processo de contratação direta pressupõe, igualmente, o controle


prévio de legalidade mediante emissão de parecer pela assessoria jurídica, conforme o art. 53,
parágrafo 4º, da Lei nº 14.133/2021. A Lei dispensa “a análise jurídica nas hipóteses previamente
definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo

84
valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de
minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente
padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico” (art. 53, parágrafo 5º, grifamos).

Por fim, é necessário conferir a devida publicidade ao ato da autoridade competente que
autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato. E o meio eleito pela Lei nº
14.133/2021 para instrumentalizá-la compreende o sítio eletrônico oficial1 (art. 72, parágrafo
único). Note-se que, assim que disponível o PNCP, a Administração deverá providenciar a
publicação do contrato em 10 dias úteis da sua assinatura (art. 94, inc. II, da Lei nº 14.133/2021).
1
Na forma art. 6º, LII, da nova Lei de Licitações, trata-se do “sítio da internet, certificado digitalmente por autoridade
certificadora, no qual o ente federativo divulga de forma centralizada as informações e os serviços de governo digital
dos seus órgãos e entidades”.

85
Nas dispensas em razão do valor na nova Lei de Licitações,
como avaliar a ocorrência de fracionamento indevido nos
contratos cujas vigências ultrapassem o crédito orçamentário
ou quando admitida a prorrogação?15
A Lei nº 14.133/2021 tem previsão expressa acerca dos critérios que devem ser adotados para
afastar a configuração do fracionamento indevido de despesas.

Conforme o § 1º do art. 75, para fins de aferição dos valores que atendam aos limites para
dispensa em razão do valor (art. 75, inc. I e II), deverão ser observados:

“I - o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade


gestora;
II - o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como
tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.” (Destacamos.)

Na medida em que o legislador previu como critério “o somatório do que for despendido no
exercício financeiro”, uma primeira leitura do poderia indicar uma “opção” no sentido de
que, independentemente da vigência contratual (que ultrapasse o crédito orçamentário ou,
ainda que não ultrapasse, que permita prorrogações), o somatório a ser considerado para
fins de avaliar o cabimento da dispensa seria a despesa do exercício em que é celebrada a
contratação.

Adotada essa racionalidade, em contrato envolvendo a execução de serviços de reprografia,


por exemplo, com vigência inicial de jan/2022 a dez/2022, autorizada prorrogação por até
15 Nas dispensas em razão do valor na nova lei de licitações, como avaliar a ocorrência de fracionamento indevido nos contratos
cujas vigências ultrapassem o crédito orçamentário ou quando admitida a prorrogação? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Res-
postas, abr. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 02. jun. 2022.

86
5 anos, desde que a despesa, ao longo do exercício de 2022 apenas (exercício no qual
formalizada a contratação), observasse o limite de R$50.000,00, seria possível celebrar a
contratação direta por dispensa com fundamento no art. 75, inc. II, da Lei nº 14.133/2021.

Logo, o fato de o valor do contrato para vigência inicial ser de, por exemplo, R$45.000,00
(considerando o período de jan/2022 a dez/2022) e, mesmo podendo alcançar até R$
225.000,00 (em razão das prorrogações), não seria um impeditivo para a contratação direta
fundamentada em dispensa em razão do valor.

Uma segunda forma de compor a previsão legal seria, a depender do objeto pretendido,
sobretudo se a realidade de mercado não indicar outra solução como a mais econômica, optar
por não autorizar a prorrogação na minuta contratual. Nesse caso, cogita-se da celebração
de uma dispensa em razão do valor por exercício (de forma que a vigência observe o período
entre 1º/jan a 31/dez), desde que o valor pertinente, somado ao de outras despesas de mesma
natureza ao longo do mesmo exercício, observe o limite legal.

Agora, para ajustes cuja vigência irá abranger mais de um exercício (plurianuais) ou que
admitam prorrogação, até que tenhamos precedentes claros a respeito, não parece ser essa
a interpretação mais adequada e cautelosa.

Na nossa percepção, o legislador contemplou apenas “diretrizes gerais” envolvendo os


critérios a serem observados para configuração do fracionamento indevido de despesas. Não
tratou, portanto, dos contratos cujas vigências iniciais superassem o crédito orçamentário
ou que admitissem prorrogação. Para esses casos, necessário buscar a interpretação mais
consentânea à finalidade da norma.

Para tanto, cumpre ter em vista que os valores indicados como limite para dispensa não
compreendem um “crédito”, de modo que seria possível realizar tantas contratações quantas

87
fossem possíveis, de mesma natureza, até atingir o limite legal, a partir do qual deverá ser
observado o dever de licitar.

Pelo contrário, toda diretriz trabalhada ao longo dos últimos anos pelo TCU (a respeito, vide o
Acórdão nº 1.851/2018 – Plenário), incorporada agora na nova Lei de Licitações e Contratos nº
14.133/2021, com a previsão de um Plano de Contratações Anual (art. 12, caput, inc. VII, da Lei
nº 14.133/2021), tem em vista enfatizar o dever de planejamento.

Em outros termos, é necessário antever toda despesa de mesma natureza previsível a


ser alcançada “em princípio” no mesmo exercício para, a partir do somatório pertinente,
identificar a necessidade ou não de licitar.

Agora, dissemos “em princípio” no mesmo exercício. Afinal, na medida em que a vigência
plurianual (ou autorização para prorrogação) representa fator que impacta no resultado da
licitação, seja no interesse pelo certame, seja na produção de reflexos sobre as propostas
(economia de escala) em razão do potencial financeiro, é bastante racional e concatenado
aos reflexos do dever de planejamento que apenas será possível firmar contratos por
dispensa em razão do valor se o montante total a ser alcançado com o ajuste observar o
limite legal da dispensa.

Diversamente, se o potencial financeiro a ser alcançado é superior ao limite da dispensa,


deve-se respeitar o dever de licitar, priorizando a disputa pública e a seleção da melhor
proposta.

Interessante observar que essa racionalidade já está presente na jurisprudência do TCU1 e,


também, em orientação normativa da AGU2.

88
Portanto, sem deixar de destacar a polêmica que envolve o tema, quando o contrato admitir
prorrogação ou admitir duração inicial superior a um exercício orçamentário/contratação
plurianual (arts. 105 e seguintes da Lei nº 14.133/2021), em princípio, conforme orientação
jurisprudencial atual, a qual, parece-nos, pode subsidiar a interpretação do art. 75, §1º da Lei
nº 14.133/2021, a diretriz mais cautelosa é considerar todo o período da sua possível duração
para avaliar o cabimento da dispensa em razão do valor.

________________________________________

1 A respeito, vide os seguintes precedentes do TCU: Acórdão nº 2.080/2007 – Plenário, Acórdão nº 11.150/2011 – 2ª
Câmara, Acórdão nº 745/2011 – 2ª Câmara, Acórdão nº 159/2012 – Plenário, Acórdão nº 3.217/2014 – Plenário.

2 AGU - Orientação Normativa nº 10, de 1º de abril de 2009

“PARA FINS DE ESCOLHA DAS MODALIDADES LICITATÓRIAS CONVENCIONAIS (CONCORRÊNCIA, TOMADA DE


PREÇOS E CONVITE), BEM COMO DE ENQUADRAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PREVISTAS NO ART. 24, I e II, DA
LEI Nº 8.666/1993, A DEFINIÇÃO DO VALOR DA CONTRATAÇÃO LEVARÁ EM CONTA O PERÍODO DE VIGÊNCIA
CONTRATUAL E AS POSSÍVEIS PRORROGAÇÕES. NAS LICITAÇÕES EXCLUSIVAS PARA MICROEMPRESAS, EMPRESAS
DE PEQUENO PORTE E SOCIEDADES COOPERATIVAS, O VALOR DE R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS) REFERE-
SE AO PERÍODO DE UM ANO, OBSERVADA A RESPECTIVA PROPORCIONALIDADE EM CASOS DE PERÍODOS
DISTINTOS.” (Destacamos.)

89
Quais as diretrizes da Orientação Normativa AGU nº 69/2021, que
trata da dispensa de parecer jurídico?16
O art. 53 da Lei nº 14.133/2021 prevê que:

“Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento
jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise
jurídica da contratação”.

Ainda, de acordo com o disposto no § 4º do artigo citado:

“Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também


realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, (...), adesões a atas de
registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos”.

Fica claro, portanto, que nos termos da Lei nº 14.133/2021, independentemente do


procedimento adotado para seleção da proposta mais vantajosa – processo licitatório,
contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação adesão a ata de registro de
preços – os processos de contratação deverão ser precedidos de controle prévio de legalidade,
elaborado pelo órgão de assessoramento jurídico do órgão ou entidade contratante.

A orientação adotada pela nova Lei de Licitações reflete o entendimento consolidado na


jurisprudência do Tribunal de Contas da União.1

Contudo, importante ter em vista que o dever de submeter os processos de contratação


a prévio exame e controle de legalidade pelo órgão de assessoramento jurídico do órgão

16 Quais as diretrizes da orientação normativa AGU nº 69/2021, que trata da dispensa de parecer jurídico? Zênite Fácil, categoria
Perguntas e Respostas, nov. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. 02. jun. 2022.

90
ou entidade contratante não é absoluto. Essa conclusão encontra amparo na disciplina
instituída pelo § 5º do art. 53 da Lei nº 14.133/2021:

“Art. 53. (...)


§ 5º É dispensável a análise jurídica nas hipóteses previamente definidas em ato da
autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa
complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de
editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados
pelo órgão de assessoramento jurídico”. (Destacamos.)

No exercício dessa prerrogativa, o Advogado Geral da União expediu a Orientação Normativa


AGU nº 69, de 13 de setembro de 2021, publicada no Diário Oficial da União de 23 setembro
de 2021:

“NÃO É OBRIGATÓRIA MANIFESTAÇÃO JURÍDICA NAS CONTRATAÇÕES DIRETAS DE


PEQUENO VALOR COM FUNDAMENTO NO ART. 75, I OU II, E § 3º DA LEI Nº 14.133, DE 1º
DE ABRIL DE 2021, SALVO SE HOUVER CELEBRAÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO
E ESTE NÃO FOR PADRONIZADO PELO ÓRGÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO, OU
NAS HIPÓTESES EM QUE O ADMINISTRADOR TENHA SUSCITADO DÚVIDA A RESPEITO
DA LEGALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO. APLICA-SE O MESMO ENTENDIMENTO
ÀS CONTRATAÇÕES DIRETAS FUNDADAS NO ART. 74, DA LEI Nº 14.133, DE 2021, DESDE
QUE SEUS VALORES NÃO ULTRAPASSEM OS LIMITES PREVISTOS NOS INCISOS I E II DO
ART. 75, DA LEI Nº 14.133, DE 2021.”

A literalidade da Orientação acima, deixa claro que nas contratações por dispensa de
licitação em razão do valor (art. 75, incs. I e II e § 3º, da Lei nº 14.133/2021), não é obrigatória
manifestação jurídica. Exceção ocorrerá se a contratação direta por dispensa de licitação
em razão do valor exigir a celebração de contrato administrativo e este não for padronizado

91
pelo órgão de assessoramento jurídico ou nas hipóteses em que o administrador tenha
suscitado dúvida a respeito da legalidade da dispensa de licitação.

Ainda, de acordo com a Orientação Normativa AGU nº 69/2021, a obrigatoriedade será


afastada nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, firmadas com amparo
no art. 74 da Lei nº 14.133/2021, mas cujos valores não ultrapassem os limites previstos nos
incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021.

Ou seja, na hipótese de ser apontado como fundamento para a contratação direta a


inexigibilidade de licitação, caso o montante esteja dentro dos limites para a dispensa de
licitação em razão do valor (art. 75, incisos I e II), será aplicado o entendimento que afasta a
obrigatoriedade da análise de legalidade pela assessoria jurídica.

Enfrentada a questão sob o enfoque do princípio da simetria das formas, em se tratando


de contratação direta por dispensa de licitação com fundamento no art. 75, incisos III e
seguintes, desde que o valor não ultrapasse os limites previstos nos incisos I e II do art. 75
da Lei nº 14.133/2021, entendemos possível adotar a mesma solução.

Nesses termos, com base em interpretação finalística e sistemática que se extrai da


Orientação Normativa AGU nº 69/2021, conclui-se:

- não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas por dispensa de licitação
em razão do valor com fundamento no art. 75, I ou II, e § 3º da Lei nº 14.133/2021;

- não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas por dispensa de licitação
com base no art. 75, incisos III e seguintes da Lei nº 14.133/2021, desde que o valor praticado
observe os limites estabelecidos no art. 75, inciso I ou II da citada lei, conforme o caso;

92
- não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas por inexigibilidade de
licitação com base no art. 74 da Lei nº 14.133/2021, desde que o valor praticado observe os
limites estabelecidos no art. 75, inciso I ou II da citada lei, conforme o caso;

Caso seja necessário formalizar essas relações contratuais por meio de instrumento de
contrato que não tenha sido previamente padronizado pelo órgão de assessoramento
jurídico ou nas hipóteses em que o administrador tenha suscitado dúvida a respeito da
legalidade da contratação direta, a própria Orientação Normativa AGU nº 69/2021 prevê que
não está afastada a obrigatoriedade da análise de legalidade.

Diante do exposto, entendemos que a primeira cautela a ser adotada é observar o valor
praticado para a contratação direta. Atendidos os limites estabelecidos nos incisos I e II do
art. 75 da Lei nº 14.133/2021 e desde que não seja necessário formalizar a relação contratual
por meio de instrumento de contrato que não tenha sido previamente padronizado pelo
órgão de assessoramento jurídico e desde que o administrador não tenha suscitado dúvida
a respeito da legalidade da contratação direta, nos Orientação Normativa AGU nº 69/2021
fica dispensado o prévio exame e controle de legalidade do processo de contratação direta
pelo órgão de assessoramento jurídico.

________________________________________
1
Nesse sentido, citamos o Acórdão TCU nº 93/2008 – Plenário; Acórdãos TCU nº 2.203/2005 e nº 373/2012, ambos da 1ª
Câmara; e Acórdãos TCU nº 1.853/2012 e nº 112/2014, ambos da 2ª Câmara.

93
Considerando o que dispõe o art. 75, § 7º da Lei nº 14.133/2021,
será possível realizar várias contratações de até R$ 8.000,00
para manutenção de veículos automotores, incluído o
fornecimento de peças, sem que se caracterize parcelamento
indevido?17
A fim de evitar o fracionamento indevido de despesa por meio de contratação direta por
dispensa de licitação em razão do valor, a Lei nº 14.133/2021 define a seguinte regra no § 1º
do seu art. 75:

“Art. 75. É dispensável a licitação:


I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no
caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos
automotores;
II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
no caso de outros serviços e compras;”
(...)
§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II
do caput deste artigo, deverão ser observados:
I – o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade
gestora;

17 Considerando o que dispõe o art. 75, §7º da Lei nº 14.133/2021, será possível realizar várias contratações de até R$ 8.000,00 para
manutenção de veículos automotores, incluído o fornecimento de peças, sem que se caracterize parcelamento indevido? Zênite
Fácil, categoria Perguntas e Respostas, set. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. mmm. aaaa..

94
II – o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como
tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade”.1

Para efeito de identificar o cabimento da contratação direta por dispensa de licitação em


razão do valor, qualquer que seja o objeto, deve-se aferir o somatório a ser gasto ao longo
do exercício de financeiro com objetos da mesma natureza. Identificada previsão de valor
inferior aos limites estabelecidos pelos incisos I e II do art. 75, admite-se a celebração de
contratações diretas por dispensa de licitação em razão do valor. Do contrário, a contratação
com base nesse fundamento representará fracionamento indevido da despesa, implicando
em fuga do dever de licitar.

Atente-se, contudo, que o § 7º do art. 75 estabelece que:

“§ 7º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo às contratações de até R$ 8.000,00


(oito mil reais) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do
órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças”.

Em termos literais, a determinação contida no §7º do art. 75 possibilita promover, ao longo


do exercício orçamentário, inúmeras contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de
serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade
contratante, incluído o fornecimento de peças, de modo que somadas o limite de R$
100.000,00 (cem mil reais), previsto no inciso I do aludido art. 75, seja superado, sem que
isso caracterize o fracionamento indevido de despesa.

A opção da Lei tem causado reflexões entre os especialistas, uma vez que, em princípio, é
contrária à diretriz geral envolvendo a temática, que impõe o dever de planejamento das
contratações públicas como forma de evitar os efeitos danosos do fracionamento indevido
de despesas.

95
Ao abordar o ponto, Joel de Menezes Niebhur2, por exemplo, explica:

“Significa que a Administração foi autorizada pelo dispositivo a firmar diversos e


sucessivos contratos de manutenção, desde que cada um deles não ultrapasse os R$
8.000,00, pouco importando o valor total de todos os serviços havidos no exercício
financeiro. O dispositivo é casuístico e equivocado, pressuporia a impossibilidade de
planejar e modular licitação para tais serviços, o que não se verifica, tanto que, até o
advento da Lei n. 14.133/2021, os mesmos são licitados pela Administração Pública. E,
aliás, continuarão a ser licitados, haja vista que muitos destes serviços ultrapassam o
valor de R$ 8.000,00.

Ronny Charles Lopes de Torres, pontua:

“A interpretação que parece ser extraída desta disposição é que, mesmo quando
a unidade gestora já tenha alcançado o limite legal para a adoção de dispensa de
pequenos valores, no exercício financeiro, para a contratação de serviços de manutenção
de veículos automotores, caso surja, ainda neste exercício financeiro, a necessidade de
contratação deste serviço, com valor limitado a até R$ 8.000,00 (oito mil reais) e sendo
o veículo de propriedade do órgão ou entidade contratante, será possível a dispensa,
sem caracterização do fracionamento ilícito. É um dispositivo que merece críticas.
A solução para estas demandas administrativas não seria afastar a caracterização
do fracionamento ilícito, mas sim incentivar o escorreito planejamento e adotar
ferramentas previstas na própria Lei, como seu credenciamento.”3 (Destacamos.)

Por sua vez, outros especialistas indicam o nicho de mercado que pode justificar a solução
legal. Confira, a título de exemplo, a opinião de Marçal Justen Filho e Flávio Garcia Cabral,
respectivamente:

96
“O reconhecimento dos riscos decorrentes de soluções inflexíveis quanto ao tema
conduziu à consagração de ressalva quanto à manutenção de veículos automotores
(§7º). É evidente que as variáveis relativas a certos equipamentos, serviços ou situações
nem sempre comportam planejamento e controle pelos agentes públicos. Mas a solução
de excluir o somatório foi prevista apenas em relação a um segmento específico.
Quanto a serviços de manutenção de veículos automotores, o que inclui também o
fornecimento de peças, não se aplica o somatório. Em tal hipótese, caberá tomar em
vista o valor da despesa, de modo isolado, caso a caso.”4 (Destacamos.)
“O parágrafo trabalha sob a premissa de que veículos necessitam de reparos constantes
e com agilidade e presteza. Ademais, reconhece que órgãos públicos possuem diversos
veículos automotores (pense o número de veículos pertencentes à Polícia Militar de
um Estado, por exemplo). Caso se fizesse a limitação de valor para a dispensa, como
estipula o parágrafo primeiro, limitando por fracionamento e por exercício financeiro,
isso impediria a contratação direta de serviços de manutenção de diversos veículos
automotores. Trata-se, como se vê, de uma dispensa em um nicho setorial de
contratações específicas. O parágrafo, portanto, cria uma subespécie de dispensa, em
razão do objeto, que, até o montante de 8 mil reais, não se submete à limitação do
valor global da dispensa por exercício financeiro, nem é considerada fracionamento
indevido.”5 (Destacamos.)

À luz do exposto, considerando a literalidade do que dispõe o art. 75, § 7º da Lei nº 14.133/2021,
seria possível realizar várias contratações de até R$ 8.000,00 para manutenção de veículos
automotores ao longo do exercício, incluído o fornecimento de peças, sem que se caracterize
fracionamento indevido de despesa.

Para a Zênite, em especial tendo em vista as reflexões que o dispositivo tem gerado, a
recomendação é de cautela, ao menos até que tenhamos precedentes dos Órgãos de

97
Controle. Nesse sentido, sobretudo em realidades administrativas com frotas próprias
relevantes, talvez se apresente como solução mais eficiente planejar uma licitação,
franqueando a disputa a todos os possíveis interessados e potencializando a seleção da
proposta mais vantajosa.
1
Consoante dispõe o § 7º do aludido art. 74, “Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo para as contratações de
até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou
entidade contratante, incluído o fornecimento de peças”.

2
E-book Nova Lei de Licitações e Contratos, Zênite 2ª edição, 2021, p. 58.

3
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 12 ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. p.
416.

4
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei nº 14.133/21. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 1011.

5
Tratado da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14.133/21. Comentada por Advogados Públicos/
organizador Leandro Sarai - São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 944 e 945.

98
O que são contratações correlatas e interdependentes, com
indicação de exemplos, de acordo com a Lei nº 14.133/2021?18
Apesar de tratar do conteúdo mínimo que o estudo técnico preliminar deve contemplar
fazendo alusão a “contratações correlatas e/ou interdependentes” (art. 18, § 1º, inciso XI), a
Lei nº 14.133/2021 trouxe um conceito jurídico determinado para essa expressão. Ou seja,
ao definir o glossário de expressões técnicas para os fins de sua aplicação (art. 6º), a Lei
nº 14.133/2021 não estabeleceu um conceito ou definição para o que se deva entender por
“contratações correlatas e/ou interdependentes”.

Essa lacuna observada na Lei nº 14.133/2021 foi preenchida pela Instrução Normativa SEGES/
ME nº 58/2022, a qual dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares - ETP,
para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da Administração
Pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital.

De acordo com o disposto no art. 3º, incisos III e IV, para fins do disposto nesta Instrução
Normativa, considera-se:

“III - contratações correlatas: aquelas cujos objetos sejam similares ou correspondentes


entre si;
IV - contratações interdependentes: aquelas que, por guardarem relação direta na
execução do objeto, devem ser contratadas juntamente para a plena satisfação da
necessidade da Administração;”

18 O que são contratações correlatas e interdependentes, com indicação de exemplos, de acordo com a Lei nº 14.133/2021? Zênite
Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mai. 2023. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. mmm. aaaa.

99
Adotada a definição estabelecida pela IN SEGES/ME nº 58/2022, formam-se os seguintes
conceitos:

- contratação correlata é aquela que envolve objeto que guarda relação de similaridade
com o objeto pretendido ou com sua finalidade ou destinação, interligando-se a ele,
mas que não precisa, necessariamente, ser contratado em conjunto (lote); e
- contratação interdependente é aquela que envolve objeto que, necessariamente,
precisa ser contratado juntamente com o objeto pretendido (lote), a fim de assegurar a
adequada e plena satisfação da demanda que enseja a contratação.

Citamos como exemplo que pode ser considerado serviço correlato ao serviço de agenciamento
de passagens aéreas os de transportes terrestres e aquaviários, as contratações de aluguel
de veículos, de hospedagem, de seguro de viagem, dentre outros voltados ao atendimento
de finalidade ou destinação comum.

Já no caso de contratações interdependentes, oferecemos como exemplo a contratação do


café da manhã no hotel em que se contrata a hospedagem, quando não incluso nela e a
contratação de combustíveis como gasolina etanol e diesel.

100
Que aspectos merecem destaque no Decreto nº 11.430/2023,
que regulamentou a Lei nº 14.133/2021 quanto à mão de obra
constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e
ações de equidade entre mulheres e homens no trabalho?19
O § 9º do art. 25, inciso I da Lei nº 14.133/2021 traz a seguinte previsão:

“§ 9º O edital poderá, na forma disposta em regulamento, exigir que percentual mínimo


da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído
por:
I - mulheres vítimas de violência doméstica;”

Por sua vez, ao tratar dos critérios de desempate, o art. 60, no seu inciso III traz a seguinte
previsão:

“Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes
critérios de desempate, nesta ordem:
[...]
III - desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no
ambiente de trabalho, conforme regulamento;”

19 Que aspectos merecem destaque no Decreto nº 11.430/2023, que regulamentou a Lei nº 14.133/2021 quanto à mão de obra con-
stituída por mulheres vítimas de violência doméstica e ações de equidade entre mulheres e homens no trabalho? Zênite Fácil,
categoria Perguntas e Respostas, mai. 2023. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. mmm. aaaa.

101
Cumpre registrar que a Lei nº 14.133/2021 não traz conceitos jurídicos definidos para o
que se deve entender, para os seus fins, por “mulheres vítimas de violência doméstica” e
por “desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no
ambiente de trabalho”.

Justamente em razão disso, a aplicação dos dispositivos em exame possui eficácia limitada
que, conforme explica o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso pode
ser compreendido da seguinte forma:

“normas de eficácia plena são as que receberam do constituinte normatividade


suficiente à sua incidência imediata e independem de providência normativa ulterior
para sua aplicação. Normas de eficácia contida são as que receberam, igualmente,
normatividade suficiente para reger os interesses de que cogitam, mas prevêem meios
normativos (leis integradoras, conceitos genéricos etc.) que lhes podem reduzir a eficácia
e aplicabilidade. Por último, normas de eficácia limitada são as que não receberam do
constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador
ordinário a tarefa de completar a regulamentação das matérias nelas traçadas em
princípio ou esquema”.1

Em vista dessa classificação, tratando-se de norma de eficácia limitada, sua aplicação requer
a expedição de regulamento.

A fim de disciplinar esses dispositivos no âmbito das licitações processadas pelos órgãos e
entidades integrantes da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional foi
editado o Decreto nº 11.430/2023, o qual regulamenta o disposto no inciso I do § 9º do art. 25
e no inciso III do caput do art. 60 da Lei nº 14.133/2023.

102
De acordo com o disposto no regulamento em exame, para a sua aplicação, deve-se
considerar como violência doméstica qualquer “tipo de violação definido no art. 5º da Lei nº
11.340, de 7 de agosto de 2006”.

Ainda, conforme disciplina o Decreto nº 11.430/2023, nas licitações para contratação de


serviços com dedicação exclusiva de mão de obra no Administração Pública federal direta,
autárquica e fundacional, deverão ser observadas as seguintes condições:

“Art. 3º Os editais de licitação e os avisos de contratação direta para a contratação de


serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, nos termos do
disposto no inciso XVI do caput do art. 6º da Lei nº 14.133, de 2021, preverão o emprego de
mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica, em percentual
mínimo de oito por cento das vagas.
§ 1º O disposto no caput aplica-se a contratos com quantitativos mínimos de vinte e
cinco colaboradores.
§ 2º O percentual mínimo de mão de obra estabelecido no caput deverá ser mantido
durante toda a execução contratual.
§ 3º As vagas de que trata o caput:
I - incluem mulheres trans, travestis e outras possibilidades do gênero feminino, nos
termos do disposto no art. 5º da Lei nº 11.340, de 2006; e
II - serão destinadas prioritariamente a mulheres pretas e pardas, observada a proporção
de pessoas pretas e pardas na unidade da federação onde ocorrer a prestação do

103
serviço, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE.
§ 4º A indisponibilidade de mão de obra com a qualificação necessária para atendimento
do objeto contratual não caracteriza descumprimento do disposto no caput”.

A respeito da disciplina regulamentar para aplicação do critério de desempate previsto no


art. 60, inciso III da Lei nº 14.133/2021, destacam-se as seguintes disposições:

“Art. 5º O desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e


homens no ambiente de trabalho será critério de desempate em processos licitatórios,
nos termos do disposto no inciso III do caput do art. 60 da Lei nº 14.133, de 2021.
§ 1º Para fins do disposto no caput, serão consideradas ações de equidade, respeitada a
seguinte ordem:
I - medidas de inserção, de participação e de ascensão profissional igualitária entre
mulheres e homens, incluída a proporção de mulheres em cargos de direção do licitante;
II - ações de promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres
e homens em matéria de emprego e ocupação;
III - igualdade de remuneração e paridade salarial entre mulheres e homens;
IV - práticas de prevenção e de enfrentamento do assédio moral e sexual;
V - programas destinados à equidade de gênero e de raça; e
VI - ações em saúde e segurança do trabalho que considerem as diferenças entre os
gêneros”.

104
Importante também registrar que, conforme o § 2º do art. 5º do Decreto nº 11.430/2023, “Ato do
Secretário de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
disporá sobre a forma de aferição, pela administração, e sobre a forma de comprovação,
pelo licitante, do desenvolvimento das ações de que trata o § 1º”. Logo, é possível que novos
atos normativos sejam expedidos tratando do desenvolvimento, pelo licitante, de ações de
equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate
em licitações.

________________________________________

1 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 222.

105
Município pode realizar licitações com base na Lei nº 14.133/2021
sem a conclusão dos trabalhos de regulamentação? Pode
adotar as regulamentações federais? Exige-se a edição de ato
específico para tanto?20
A Lei nº 14.133/2021, em mais de 50 dispositivos sobre temas diversos, faz remissão a
matérias a serem regulamentadas. Em razão disso, faz-se necessário avaliar a eficácia
desses dispositivos, a fim de concluir se a sua aplicação requer ou não, como condição
indispensável, a edição preliminar do respectivo regulamento.

Sobre o assunto, interessante partir das lições de José Afonso da Silva acerca da aplicabilidade
das normas:

“Aplica-se a lei, interpretando, diz Cossio. Mas uma norma só é aplicável plenamente,
se estiver aparelhada para incidir, o que suscita várias questões, além da interpretação,
como: estará em vigor: será válida ou legítima; é apta para produzir os efeitos pretendidos,
ou precisará de outras normas que lhe desenvolvam o sentido, em outras palavras, tem,
ou não tem, eficácia? Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação
aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim,
como possibilidade de aplicação. Para que haja essa possibilidade, a norma há que ser
capaz de produzir efeitos jurídicos.1 (Destacamos.)

20 Município pode realizar licitações com base na Lei nº 14.133/2021 sem a conclusão dos trabalhos de regulamentação? Pode
adotar as regulamentações federais? Exige-se a edição de ato específico para tanto? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respos-
tas, mai. 2023. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. mmm. aaaa.

106
Por sua vez, Luís Roberto Barroso exemplifica situações envolvendo a eficácia da norma:

“normas de eficácia plena são as que receberam do constituinte normatividade


suficiente à sua incidência imediata e independem de providência normativa ulterior
para sua aplicação. Normas de eficácia contida são as que receberam, igualmente,
normatividade suficiente para reger os interesses de que cogitam, mas prevêem meios
normativos (leis integradoras, conceitos genéricos etc.) que lhes podem reduzir a eficácia
e aplicabilidade. Por último, normas de eficácia limitada são as que não receberam do
constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador
ordinário a tarefa de completar a regulamentação das matérias nelas traçadas em
princípio ou esquema.”2

Em vista dessa classificação, compreende-se que apenas as normas de eficácia limitada


exigem a expedição preliminar do regulamento como condição indispensável para serem
aplicadas, sendo as demais autoaplicáveis desde a entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021.

Assim, é necessário avaliar cada um dos mais de 50 dispositivos nos quais a Lei nº 14.133/2021
faz remissão a regulamentos, para formar a conclusão a respeito de já serem aplicáveis
desde logo, ou não.

Para a Consultoria Zênite, a rigor, temas que exigem regulamentação prévia são apenas
aqueles para os quais a Lei nº 14.133/2021 não conferiu um tratamento mínimo para assegurar
sua aplicação. Neste caso, a eficácia da lei é limitada, exigindo regulamentação para viabilizar
sua aplicação.

Para além disso, faz-se necessário também identificar a competência para edição de atos/
regulamentos, o que deverá ser feito tópico por tópico da Lei. Isso porque, ressalvados
os casos em que a própria Lei reserva competência exclusiva para os Poderes realizarem

107
individualmente sua regulamentação (a exemplo do art. 203), tratando-se de normas de
eficácia limitada, de acordo com o disposto no art. 84, inciso IV da Constituição Federal,
caberá ao Chefe do Poder Executivo expedir o regulamento necessário para viabilizar a fiel
aplicação da lei.4

Assim, para as normas de eficácia limitada, compete ao Chefe do Poder Executivo, enquanto
detentor do poder regulamentar no âmbito da pessoa jurídica de direito público interno,
expedir o regulamento, o qual deverá ser acatado no âmbito dos demais poderes, que
poderão, todavia, editar seus regulamentos específicos em casos de omissões.

Já para os dispositivos que aludem a regulamentos, mas a norma possui eficácia plena ou
contida, cada um dos Poderes no âmbito municipal (Executivo e Legislativo) será competente
para expedir o regulamento que será aplicado nas suas contratações.

É à luz desse cenário que deve ser interpretado o art. 187 da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual
os “Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados
pela União para execução desta Lei.”

Partindo da compreensão de que os regulamentos editados para a execução da Lei nº


14.133/2021 se relacionam com a eficácia limitada que algumas disposições legais apresentam
e que sua legitimidade se relaciona com a competência para tal regulamentação, tem-se
que a decisão pela adoção dos normativos da União, na forma do referido art. 187, exige a
edição de ato pela autoridade competente para regulamentar o assunto.

Marçal Justen Filho, quanto ao ponto, pontua que:

“Os demais entes federativos são titulares de competências insuprimíveis. Entre elas,
encontra-se o poder de regulamentar os assuntos de seu interesse. No exercício de

108
tal competência, os referidos entes podem optar por aplicar os regulamentos editados
pela União. Esta é uma faculdade abrangida na sua própria competência. A previsão
do art. 187 não acrescenta qualquer elemento normativo no sistema jurídico brasileiro.
Não implica a obrigatoriedade da aplicação dos regulamentos federais no âmbito dos
demais entes federativos, o que acarretaria a sua inconstitucionalidade. E não dispensa
a necessidade de ato regulamentar específico, a ser editado por cada um dos entes
federativos, caso reputem conveniente e satisfatório adotar a aplicação de regulamento
federal.”5 (Destacamos.)

Portanto, a Lei nº 14.133/2021 está vigente e é aplicável, desde 1º.04.2021. No entanto, algumas
disposições para as quais a Lei nº 14.133/2021 remete a regulamentação possuem eficácia
limitada, logo, a sua aplicação depende da expedição de regulamento.

A respeito dos principais pontos a serem regulamentados, não necessariamente com eficácia
limitada, sem a pretensão de esgotar o assunto, pode-se citar: atuação dos agentes (art. 8º,
§ 3º); plano de contratações anual (art. 12, inc. VII); catálogo eletrônico de padronização (art.
19, inc. II); processo de padronização e soluções baseadas em software de uso disseminado
(art. 43, § 2º); bens de consumo e de luxo (art. 20); pesquisa e estimativa de preços (art. 23,
§§ 1º e 2º); programa de integridade (art. 25, § 4º); utilização de percentual de mão de obra
(art. 25, § 9º); margem de preferência para bens reciclados (art. 26, inc. II); leilão (art. 31);
custos indiretos, ciclo de vida e menor dispêndio (art. 34, § 1º) e avaliação de desempenho
contratual (art. 36, § 3º e art. 88, § 3º).

Ainda, nada impede o Município adotar os regulamentos já editados em âmbito federal


para a aplicação da nova Lei de Licitações, para o que é necessária a expedição de ato
formalizando essa condição.

109
________________________________________

1 AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, pp.
41 e 50.

2 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 222.

3 “Art. 20. Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão
ser de qualidade comum, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a
aquisição de artigos de luxo. § 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites
para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo”. (Destacamos.)

4 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”; (Destacamos.)

5 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/21. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 1767.

110
É possível prever no edital a desnecessidade de apresentação
de amostra de produto já conhecido da Administração?
A exigência e a análise de amostras têm como objetivo permitir que a Administração se
certifique acerca da efetiva adequação do objeto oferecido pelo licitante em sua proposta,
frente às condições técnicas estabelecidas no edital.

Aliás, refletindo esse racional, o art. 17, §3º, da Lei nº 14.133/2021, previu que desde que
previsto no edital e na fase de julgamento “o órgão ou entidade licitante poderá, em relação
ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da
proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito,
entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às
especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.” (Destacamos.)

Evidentemente, a decisão em torno da exigência de amostras e quesitos de análise


correspondentes deve se dar à luz do art. 9º, I, “a” e “c”, da própria Lei nº 14.133/2021, e art. 37,
inc. XXI, da Constituição Federal. Ou seja, a exigência deve ser motivada, não recaindo em
previsão restritiva injustificadamente.

Seguindo esse alinhamento, a jurisprudência dos órgãos de controle vem reconhecendo a


possibilidade de exigir a apresentação da amostra do licitante mais bem classificado, desde
que se trate de medida indispensável para aferir a efetiva compatibilidade entre o objeto
descrito na sua proposta e as especificações estabelecidas no edital.

A dúvida reside na hipótese em que o objeto cotado já é conhecido da Administração. Ora,


quando se tratar de proposta que contemple objeto que já tenha sido contratado pela

111
Administração e, assim, já exista conclusão em torno da sua adequação para os fins a que
se destina a contratação, poderá ser afastada a exigência de apresentação de amostra.

Para tanto, cabe ao edital da licitação estabelecer os critérios que orientarão a análise,
inclusive com a indicação das marcas e modelos que não demandarão a apresentação de
amostras (pois já conhecidos e chancelados pela Administração).

Em certa medida, a Lei nº 14.133/2021 corrobora esse alinhamento ao admitir que o edital
indique marcas como referência, para ilustração do objeto que a Administração pretende
contratar (art. 41, inc. I, “d”). Se marcas e modelos podem ser indicados como referência, para
ilustrar a solução pretendida pela Administração, é porque tais marcas e modelos foram
tidos como adequados para satisfazer a necessidade administrativa.

Assim, é lógico entender que, em relação às marcas e aos modelos indicados no edital como
referência, não há que se falar em exigibilidade de amostras. Nesse sentido já se manifestou
Renato Geraldo Mendes, vejamos:

Planejamento – Objeto – Amostra – Exigência generalizada para todos os licitantes


independentemente do objeto cotado – Descabimento – Renato Geraldo Mendes
A exigência de amostra é uma condição que se insere na expressão “outras indicações
específicas ou peculiares da licitação”, prevista no inc. XVII do art. 40 da Lei nº 8.666/93.
É desarrazoado generalizar a exigência de amostra para todos que participam da
disputa, independentemente do objeto proposto. Ora, se um licitante, em sua proposta,
assume a obrigação de entregar um produto conhecido pela Administração, como,
por exemplo, caneta da marca BIC, não é razoável exigir que ele apresente amostra
dessa caneta para ser avaliada, pelo simples fato de outros licitantes cotarem marcas
de canetas desconhecidas. O razoável, nesse caso, é pedir amostra apenas para os

112
licitantes que cotaram produtos de marcas desconhecidas, pois são estas que precisam
ser avaliadas, não a do licitante que apresentou a da marca BIC. A exigência de amostra
de forma generalizada, ou seja, para todos os licitantes independentemente do tipo de
produto cotado, é feita sob o argumento de que, se fosse apenas para uns licitantes e
não para todos, haveria violação do tratamento isonômico, pois uns teriam de cumprir a
exigência e outros não. É lamentável que ainda não se tenha conseguido compreender
o conteúdo preciso do que se deve entender por igualdade ou tratamento isonômico.
A eventual exigência de que a amostra é uma condição que deve ser atendida por uns
e não, necessariamente, por todos não viola a igualdade, desde que tenha sido definida
no edital. Assim, se a Administração está licitando material de consumo e conhece uma
grande quantidade de marcas, tal como a caneta BIC ou a Kilométrica, pode consignar
no edital que os licitantes que cotarem canetas das referidas marcas não precisarão
apresentar amostras e que os licitantes que cotarem outras marcas não relacionadas
estarão obrigados a fornecer amostras para análise. Outra solução para evitar ou reduzir
a necessidade de apresentação de amostras e de análise pela Administração é estruturar
um processo prévio de homologação de produtos e suas marcas. Essa providência
preliminar facilitaria muito as contratações da Administração.1

Importante registrar que, tal análise tem como premissa a contratação envolvendo objeto
padronizado, em que se cote marca já conhecida no mercado pela Administração, existindo
clareza e segurança em torno da qualidade e durabilidade pertinentes.

________________________________________

1 Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/1993, nota ao art. 40,
Acesso em: 14 fev. 2022..

113
Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação à ordem
da fase de habilitação e apresentação da proposta? Qual o
impacto dessa novidade no pregão e na concorrência?21
Diferente da Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações e Contrato (Lei nº 14.133/2021) opta por
uma sequência de fases no processo licitatório semelhante à prevista no Regime Diferenciado
de Contratações - RDC (Lei nº 12.462/2011) e na Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002).

De acordo com o art. 17, o processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória; II – de divulgação do edital de licitação; III – de apresentação de propostas
e lances, quando for o caso; IV – de julgamento; V – de habilitação; VI – recursal; VII – de
homologação.

Portanto, a regra geral é licitar observando essa sequência de fases, de modo que a
habilitação será realizada depois do julgamento das propostas.

Porém, o § 1º do art. 17 autoriza antecipar a fase de habilitação, antecedendo as fases de


apresentação de propostas, lances e do julgamento, desde que expressamente previsto no
edital e, importante, mediante ato que explicite os benefícios decorrentes dessa decisão.

Com essa diretriz do novo regime, poderemos ter um cenário diferente do que estamos
acostumados.

21 Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação à ordem da fase de habilitação e apresentação da proposta? Qual o impacto
dessa novidade no pregão e na concorrência? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, fev. 2021. Atualizada em 09.04.2021, con-
siderando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

114
O rito procedimental do pregão - conforme art. 29 combinado com o art. 17 da Lei nº 14.133/2021
- permanecerá muito próximo do estabelecido atualmente pela Lei nº 10.520/2002. Porém, na
forma do citado § 1º do art. 17, será possível realizar um pregão, com a excepcional e motivada
inversão de fases, em que primeiro se realiza a habilitação e, depois, a apresentação de lances.

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a regra geral do art. 17 do nova Lei de Licitações prevê que
na concorrência1 primeiro serão avaliadas as propostas e, após, a habilitação. Lembrando
que o § 1º do art. 17 autoriza, mediante ato motivado, a inversão correspondente2.

Para a Zênite, embora a nova Lei de Licitações tenha definido o julgamento das propostas
como prioritário, é necessário cautela.

Em muitas contratações, nas quais a qualificação do contratado for determinante para a boa
execução do objeto, a estratégia de seleção em que a habilitação antecede a seleção das
propostas pode ser mais eficiente, calibrando e qualificando melhor a disputa entre os licitantes.

Lembrando que a próprio Lei nº 14.133/2021, no art. 18, inc. VIII, ao descrever a fase preparatória
do processo de licitação, ou seja, o planejamento da contratação, indica, como fatores a
serem observados: “a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e a
adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros, para os fins de seleção
da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração
Pública, considerado todo o ciclo de vida do objeto”.

115
Percebamos que o objetivo desse dispositivo é indicar a necessidade de a Administração
avaliar a estratégia de seleção – inversão de fases, as modalidades, o modo de disputa e
outros – apta a propiciar um resultado ótimo para a Administração.
1
Destinada à contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia.
2
Percebe-se um desvirtuamento da lógica procedimental do pregão, consolidada no regime jurídico, que
certamente levará a uma série de dúvidas e polêmicas sobre o cabimento das modalidades pregão e concorrência.

116
É possível incluir documento novo, quando da análise da
habilitação, no regime da nova Lei de Licitações? Qual o
entendimento do TCU?22
De acordo com o art. 64 da Lei nº 14.133/2021, após a entrega dos documentos para habilitação,
não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede
de diligência, para:

“I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos


licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do
certame; II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de
recebimento das propostas.” (Destacamos.)

Ainda, conforme o §1º do mesmo dispositivo:

“Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar


erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica,
mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes
eficácia para fins de habilitação e classificação.” (Destacamos.)

Apesar de o saneamento na documentação da habilitação gerar, regra geral, uma série


de polêmicas, é fato que a nova Lei de Licitações contemplou disciplina expressa quanto
à correção de falhas na documentação apresentada, desde que o caso concreto esteja
inserido nas hipóteses que elenca.

22 É possível incluir documento novo, quando da análise da habilitação, no regime da nova Lei de Licitações? Qual o entendimen-
to do TCU? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, ago. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 04.
out. 2021.

117
Ou seja, a Lei nº 14.133/2021 admite excepcionalmente a inclusão de documento novo, em
sede de diligência, contanto que vise complementar/esclarecer aspecto relacionado à
condição de habilitação pertinente do licitante e, sobretudo, que tenha em vista confirmar
um fato/capacidade já existente materialmente à época da abertura da sessão pública de
licitação.

O Tribunal de Contas da União abordou a questão, no recente Acórdão nº 1.211/2021 – Plenário,


sob a relatoria de Walton Alencar Rodrigues, envolvendo Representação, com solicitação
de adoção de medida cautelar para suspender pregão eletrônico fundado no Decreto nº
10.024/2019. Na oportunidade, o representante

“alegou que o pregoeiro concedeu irregularmente, aos licitantes, nova oportunidade


de envio da documentação de habilitação, após a abertura da sessão pública, o que
beneficiou um único licitante, ao fim, declarado o vencedor do certame, e afrontou o
disposto no Decreto 10.024/2019 e no edital de licitação.”

No que diz respeito à abrangência do saneamento, o Relator criticou a interpretação literal


do termo “[documentos] já apresentados” do art. 26, §9º, do Decreto 10.024/2019 e a vedação
à inclusão de documento “que deveria constar originariamente da proposta”, prevista no art.
43, § 3º, da Lei 8.666/1993, pontuando ser contrária ao entendimento da jurisprudência do
TCU. Apontou que o procedimento licitatório dever ter por objetivo assegurar a contratação
da proposta mais vantajosa para a Administração, garantindo igualdade de oportunidade
de participação aos interessados.

E continuou:

“Em alinhamento com esse entendimento, a vedação à inclusão de documento ‘que


deveria constar originariamente da proposta’, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993,

118
deve se restringir ao que o licitante não dispunha materialmente no momento da
licitação. Caso o documento ausente se refira a condição atendida pelo licitante quando
apresentou sua proposta, e não foi entregue juntamente com os demais comprovantes de
habilitação ou da proposta por equívoco ou falha, haverá de ser solicitado e avaliado pelo
pregoeiro. Isso porque admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar
condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios
da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do
licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de
habilitação, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).”

Ao final, citando o art. 64 da Lei nº 14.133/2021, destacou que, apesar de o dispositivo


reproduzir a vedação à inclusão de novos documentos, prevista no art. 43, §3º, da Lei
8.666/1993, “deixa salvaguarda a possibilidade de diligência para a complementação
de informações necessárias à apuração de fatos existentes à época da abertura do
certame, o que se alinha com a interpretação de que é possível e necessária a requisição
de documentos para sanear os comprovantes de habilitação ou da proposta, atestando
condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame.” (destaques no original) E
finalizou citando exemplo: “Assim, nos termos dos dispositivos citados, inclusive do art. 64
da Lei 14.133/2021, entendo não haver vedação ao envio de documento que não altere ou
modifique aquele anteriormente encaminhado. Por exemplo, se não foram apresentados
atestados suficientes para demonstrar a habilitação técnica no certame, talvez em razão
de conclusão equivocada do licitante de que os documentos encaminhados já seriam
suficientes, poderia ser juntado, após essa verificação no julgamento da proposta, novos
atestados de forma a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época
da entrega dos documentos de habilitação.”

119
Portanto, a Lei nº 14.133/2021 admite excepcionalmente a inclusão de documento novo,
em sede de diligência, contanto que vise complementar/esclarecer aspecto relacionado
à condição de habilitação em análise, e tenha em vista confirmar um fato/capacidade já
existente materialmente à época da abertura da sessão pública licitatória. E o TCU, no
Acórdão nº 1.211/2021 – Plenário, confere clara diretriz interpretativa ao art. 64 da Lei nº
14.133/2021, que confirma essa racionalidade.

O enfoque usualmente empregado, pela doutrina e jurisprudência, para permitir ou não o


saneamento decorria da diferença entre vícios formais e materiais e de uma análise bastante
restrita do princípio da isonomia. Na atualidade, inclusive conforme tese já defendida pela
Zênite há alguns anos, tal avaliação ganha um novo parâmetro, com ênfase para o objetivo
central da licitação: seleção da proposta mais vantajosa, observado procedimento isonômico
(conforme sequência dos incisos I e II do art. 11 da Lei nº 14.133/2021).

A respeito, confira post da Equipe Técnica da Zênite: <https://www.zenite.blog.br/tcu-nao-


cabe-interpretacao-literal-para-a-vedacao-a-inclusao-de-documento-novo/>. Acesso em
jul. 2021.

120
É possível a formalização de termo aditivo a contratos com
efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de Licitações?23
O art. 132 da Lei nº 14.133/2021 prevê que a “formalização do termo aditivo é condição para
a execução, pelo contratado, das prestações determinadas pela Administração no curso da
execução do contrato, salvo nos casos de justificada necessidade de antecipação de seus
efeitos, hipótese em que a formalização deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês”.

A partir desse dispositivo, fica claro que a formalização prévia do aditivo contratual é condição
para a modificação das cláusulas e condições previamente ajustadas entre as partes.

Assim, para promover alterações nos contratos, ainda que unilaterais, a Administração
contratante deve, antes da execução das alterações pretendidas, instruir o processo
administrativo com as justificativas necessárias para tanto, submetê-lo a controle prévio
de legalidade pelo órgão de assessoramento jurídico (art. 53, § 4º da Lei nº 14.133/2021),
providenciar a expedição do correspondente termo aditivo e, na forma do art. 94, atentar que
a “ divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável
para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”.

Em relação à publicidade, enquanto não instituído o PNCP: “para a Zênite, enquanto o


portal citado não for criado, a publicidade dos atos e contratos descritos deverá ocorrer nos
termos em que o são na atualidade, ou seja, nos órgãos oficiais de publicidade, como Diário
Oficial e sítios eletrônicos oficiais dos órgãos e entidades da Administração Pública1.

Contudo, a regra acima se aplica para as situações em que o aditamento pretendido


pela Administração não se reveste de urgência e essencialidade, a ponto de justificar a
23 É possível a formalização de termo aditivo a contratos com efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de Licitações? Zênite
Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

121
antecipação de seus efeitos. Para casos urgentes, o art. 132 da Lei nº 14.133/2021 admite que,
demonstrada a necessidade de antecipação dos efeitos do aditamento, a sua formalização
ocorra no prazo máximo de um mês.

A teoria da antecipação dos efeitos do aditamento contratual não era desconhecida. Pelo
contrário, Joel de Menezes Niebuhr já postulava sua aplicação quando da aplicação da Lei
nº 8.666/1993, nos seguintes termos:

“Como sabido por aqueles que militam na área, grande parte dos órgãos e entidades
administrativas não conseguem concluir os procedimentos para a formalização de
termo aditivo em prazo razoável. É bastante comum que a formalização completa, na
forma da lei, requeira meses. Sem embargo, muitas das demandas administrativas são
urgentes e não podem aguardar os meses que se leva até a publicação na Imprensa
Oficial do termo aditivo.

A título ilustrativo, suponha-se que para executar uma parcela da obra seja necessário
proceder a alterações no contrato, realizando ajustes na planilha inicial. A rigor jurídico, a
Administração deveria dar cumprimento ao procedimento descrito no tópico anterior com
o objetivo de firmar termo aditivo e publicá-lo na Imprensa Oficial. Depois disto, com a
publicação do termo aditivo na Imprensa Oficial, é que o contratado poderia dar execução
aos ajustes.

Em que pese o procedimento estabelecido para a formalização das alterações


contratuais, frisando-se o estatuído no parágrafo único do artigo 61 da Lei nº 8.666/93,
ocorre usualmente que a Administração, diante de situações urgentes, para não
paralisar a execução das obras, forma acordo de vontades com o contratado para
alterar o objeto do contrato e determina que o mesmo dê execução à alteração de
imediato, independentemente da devida formalização do termo aditivo.

122
(...)
Explicando melhor, o contrato existe a partir do momento que se forma o acordo
de vontades entre as partes. O instrumento de contrato é o modo que a legislação
administrativa prescreve para que o mesmo seja formalizado (parágrafo único do
artigo 61 da Lei nº 8.666/93). Daí que a ausência do instrumento de contrato não
significa ausência de contrato. A ausência de instrumento de contrato importa
vício procedimental, haja vista o desrespeito de formalidade prescrita em lei, que é
um dos pressupostos de validade do ato administrativo. Ou seja, o contrato existe
independentemente do modo como é formalizado.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação às alterações contratuais. Importa
dizer que a formação do acordo de vontades entre os Contratantes importa por si
na alteração contratual. Esta, a alteração contratual, deve ser formalizada por meio
de termo aditivo, como expressa o parágrafo único do artigo 61 da Lei nº 8.666/93. A
ausência do termo aditivo não significa ausência de alteração contratual. A ausência
de termo aditivo implica vício de formalidade.
(...)
A antecipação dos efeitos da alteração contratual é medida legítima e encontra
amparo na legalidade, desde que fundamentada nos princípios jus administrativos,
especialmente no princípio da proporcionalidade, evidenciando-se a necessidade da
imediata execução da alteração contratual sob pena de perecimento dos interesses
públicos e a impossibilidade de cumprir ao tempo as formalidades legais pertinentes
ao termo aditivo. Trata-se de espécie de tutela de urgência, que remete ao princípio
da razoável duração do processo, que é de alçada constitucional e estruturante para a
Teoria Geral do Processo”.2 (Grifamos.)

123
Considerando a previsão contida no art. 132, da Lei nº 14.133/2021, nos casos em que a
Administração demonstre, justificadamente, a necessidade de antecipação dos efeitos do
aditivo contratual, a formalização deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês e será
atribuído efeito retroativo.

Sugerimos, como boa prática, a formalização mínima da alteração antes da execução como,
por exemplo, por troca de mensagem eletrônica entre gestor e contratado, indicando que
a formalização do termo aditivo ocorrerá oportunamente, conforme previsão do dispositivo
legal acima comentado.

________________________________________
1
Confira post de autoria da Equipe Técnica Zênite: https://www.zenite.blog.br/pode-a-administracao-licitar-pela-lei-
no-8-666-1993-e-realizar-dispensas-em-razao-do-valor-pela-lei-no-14-133-2021/

2
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e contrato administrativo. 4. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum,
2015, págs. 992-998.

124
Com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em abril de 2023,
um contrato de serviço continuado pode ser prorrogado de
acordo com o art. 57, inc. II, da citada lei?24
A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, estabelece normas gerais de licitação e contratação
para os órgãos e entidades dos 3 Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios e determina a revogação da Lei nº 8.666/1993, da Lei nº 10.520/2002, e dos arts. 1º
a 47-A da Lei nº 12.462/2011, após decorridos 2 (dois) anos da sua publicação (art. 193).

Desde a data da sua publicação, a Lei nº 14.133/2021 está em vigor e, conforme dispõe seu
art. 191, durante o prazo de dois anos contado a partir desta data a nova Lei de Licitações
coexistirá com a legislação anterior que disciplina o assunto. Assim, a Lei nº 14.133/2021
autoriza a Administração optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com o novo
regime ou de acordo com as leis do regime antigo. Qualquer que seja a opção escolhida,
ela deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação
direta, sendo vedada a aplicação combinada dos regimes.

Importante ressaltar, no entanto, que de acordo com o disposto no parágrafo único do art.
191 da Lei nº 14.133/2021, optando por licitar de acordo com a legislação antiga, o contrato
celebrado será regido pelas regras do regime escolhido durante toda a sua vigência.

A mesma condição é aplicada aos contratos celebrados com base no regime jurídico
anterior antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, pois conforme estabelece seu art.
190: “O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei
continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada”.
24 Com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em abril de 2023, um contrato de serviço continuado pode ser prorrogado
de acordo com o art. 57, inc. II, da citada lei? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jul. 2022. Disponível em: http://www.
zenitefacil.com.br. Acesso em: 03 ago. 2022.

125
Desse modo, tanto os contratos celebrados com fundamento na Lei nº 8.666/1993 antes da
entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021, quanto os contratos firmados com base na Lei nº
8.666/1993 no prazo de até 2 anos após a entrada em vigor da nova Lei de Licitações, serão
regidos pelas regras neles previstas durante toda a sua vigência, ou seja, serão regidos
exclusivamente pelas regras fixadas pela Lei nº 8.666/1993.

Essa condição decorre da garantia prevista no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal,
segundo a qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada” e, no caso, considera-se ato jurídico perfeito o contrato celebrado de acordo com a
norma vigente ao tempo em que se efetuou o ato.

Com base nesses fundamentos, uma vez celebrado contrato de prestação de serviço de
natureza continuada de forma regular, com base na Lei nº 8.666/1993, deverá observar as
disposições da referida lei durante toda sua vigência. E, nesse caso, como a Lei nº 14.133/2021
não impõe a extinção dos contratos firmados com base na Lei nº 8.666/1993 quando da
revogação desta lei, entende-se que, desde que atendidos os requisitos exigidos pelo art.
57, inciso II da Lei nº 8.666/1993, o ajuste poderá ser prorrogado por até 60 (sessenta) meses,
mesmo depois da revogação da Lei nº 8.666/1993.

Agora, não obstante a possibilidade de mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/1993, em


abril de 2023, um contrato de prestação de serviço continuado ser prorrogado na forma do
art. 57, inciso II, não se deve perder de vista que essa prorrogação envolve uma competência
discricionária. Significa dizer, a autoridade competente deverá optar entre prorrogar o
contrato mantendo o ajuste submetido às regras da Lei nº 8.666/1993 ou celebrar um novo
contrato, com base na Lei nº 14.133/2021, devendo escolher a opção que no caso em exame
se revelar mais conveniente e oportuna.

126
Disso decorre, então, que com o término da vigência da Lei nº 8.666/1993 em abril de 2023,
eventual prorrogação de contrato de prestação de serviço continuado com base no art.
57, inciso II exigirá demonstração, no respectivo processo administrativo de contratação,
de que, no caso concreto, essa opção é a mais vantajosa para o atendimento do interesse
público, especialmente quando comparada com a celebração de um novo contrato, nos
moldes da Lei nº 14.133/2021.

127
Orientação Zênite
NOVA LEI DE LICITAÇÕES: DESIGNAÇÃO DO AGENTE DE
CONTRATAÇÃO

Questão apresentada à Equipe de Consultores Zênite:

“No tocante ao ‘agente de contratação’ de que trata a Lei nº 14.133/21, perguntamos: 1 -


Somente os servidores do quadro permanente poderão ser agentes de contratação (art.
8º)? 2 - O art. 8º é norma geral ou seria específica (invasão de competência)? 3 - Qual o
entendimento da consultoria, da melhor doutrina e dos Tribunais (se houver)?”

ORIENTAÇÃO ZÊNITE

As dúvidas da Administração versam, essencialmente, sobre as condições que devem ser


observadas para a designação do agente de contratação de que trata a Lei nº 14.133/21 e se
o art. 8º da referida Lei tem caráter de norma geral.

De acordo com o art. 6º, LX, da nova Lei de Licitações, o agente de contratação é a “pessoa
designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos
dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o
trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras
atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação” (destacamos).

A mesma regra consta do art. 8º da Lei, abaixo transcrito:

128
“Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada
pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos
quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar
o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer
outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
§ 1º O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá
individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da
equipe.
§ 2º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais, desde que observados os
requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, o agente de contratação poderá ser
substituído por comissão de contratação formada por, no mínimo, 3 (três) membros,
que responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, ressalvado
o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em
ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão.
§ 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio,
ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de
contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser
prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento
jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do
disposto nesta Lei.
§ 4º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja
rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo
determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os
agentes públicos responsáveis pela condução da licitação.

129
§ 5º Em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do
certame será designado pregoeiro.” (Destacamos.)

Ainda, o art. 61 da nova Lei prevê que, definido o resultado do julgamento, poderá ser
estabelecida negociação com o primeiro colocado - ou com os demais na ordem de
classificação, caso a melhor proposta esteja acima do preço estimado. Tal procedimento, de
acordo com o § 2º deste dispositivo, será conduzido pelo agente de contratação ou comissão
de contratação, na forma de regulamento.

Das disposições acima pode-se depreender o seguinte:

(i) o agente de contratação é responsável pela prática de todos os atos inerentes à fase
externa das licitações;
(ii) o agente de contratação deve ser servidor público efetivo ou empregado público,
integrante do quadro permanente da Administração;
(iii) o agente de contratação poderá ser substituído por comissão de contratação quando
se tratar de licitação cujo objeto envolva bens ou serviços especiais;
(iv) o agente de contratação pode ser auxiliado por equipe de apoio;
(v) o agente de contratação poderá ser auxiliado por profissionais/empresas terceirizadas
quando o objeto for especial e não for rotineiramente contratado pela Administração;
(vi) o agente de contratação, na modalidade pregão, será designado pregoeiro;
(vii) a atuação do agente de contratação e da equipe de apoio será objeto de
regulamentação, que deverá prever a possibilidade de atuar com o apoio dos órgãos de
assessoramento jurídico e de controle interno.

130
Como se vê, tal como no pregão, o processo licitatório regido pela Lei nº 14.133/21 será, a
rigor, conduzido por um agente único, em vez da comissão de que trata a Lei 8.666/1993.

Inclusive, por conta dessa proximidade entre a nova disciplina da Lei nº 14.133/21 e da Lei
nº 10.520/02 em relação à designação de um único servidor público para a condução do
certame, é possível afirmar que, em relação ao agente de contratação e o pregoeiro, a
diferença se refere apenas à nomenclatura da função exercida.

Isso porque, tanto o agente de contratação quanto o pregoeiro são responsáveis pela
condução do processo licitatório, haja vista que, assim como o agente de contratação, o
pregoeiro também será responsável por “tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação,
dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias
ao bom andamento do certame até a homologação”.

Diante da importância das atribuições do agente de contratação e do pregoeiro, impreterível


observar com cautela os requisitos exigidos para a designação desses servidores.

Nesse tocante, o art. 7º da Lei nº 14.133/2021 prevê que “caberá à autoridade máxima do órgão
ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover
gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções
essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos”:

“I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros


permanentes da Administração Pública;
II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação
compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de
governo criada e mantida pelo poder público; e

131
III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da
Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade,
até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista
e civil.”

Embora o inciso I do art. 7º se refira à designação preferencial de servidor efetivo, tem-se


que, em relação aos agentes de contratação, a escolha de servidor efetivo não é preferencial,
mas obrigatória, tendo em vista a expressa previsão do art. 6º, LX, e do art. 8º.

Por fim, a respeito da incompatibilidade do exercício da atividade de agente de contratação


com o “cargo em comissão”, confira a doutrina de José Anacleto Abduch Santos:

“O agente de contratação enfeixa as competências anteriormente atribuídas pela Lei nº


8.666/1993 à comissão de licitações. O agente de contratações passa a ser órgão unipessoal
detentor de competência para processar e julgar licitações. Esta função não é compatível
com o regime dos cargos de provimento em comissão, uma vez que a Lei expressamente
determina que será designado entre servidores efetivos ou empregados públicos do
quadro permanente da Administração Pública. Há uma evidente semelhança entre a figura
jurídica do agente de contratação e a do pregoeiro, a ponto de a Lei fixar que o agente
de contratação, tal qual o pregoeiro no regime da Lei nº 10.520/2002, será auxiliado por
equipe de apoio (§ 1º). Compete ao agente de contratações: tomar decisões, acompanhar
o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras
atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação (art. 6º, LV) no
caso de licitações destinadas à contratação de bens, serviços, inclusive de engenharia, que
não sejam processadas pela modalidade de pregão. A Lei nº 14.133/2021 preservou a figura
do pregoeiro e preceitua que “em licitação na modalidade pregão, o agente responsável

132
pela condução do certame será designado pregoeiro” (art. 8º, § 5º). (Nota elaborada por José
Anacleto Abduch Santos.)”1

No mesmo sentido, Edite Hupsel leciona:

“Muito bem-vinda é a criação da figura do ‘agente de contratação’, encarnada por


servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes ao quadro permanente da
Administração – menos vulneráveis às pressões de agentes superiores e de agentes
políticos em face à não precariedade de seus vínculos – designados pela autoridade
competente para tomar decisões e impulsionar o procedimento licitatório.”2
(Destacamos.)

De toda forma, frise-se que não se descarta discussão em torno da compreensão da


expressão “quadro permanente”. Note-se a existência de entendimento mais flexível, pelo
qual a expressão “quadro permanente” constante do art. 51 da Lei nº 8.666/93, por exemplo,
abrange os cargos efetivos e os cargos em comissão, de modo que não haveria distinção
entre esses cargos para os fins de composição da comissão.

Este parece ser o posicionamento adotado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina, exposto em sede de consulta, com caráter vinculativo, portanto:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO.COMISSÃO DE LICITAÇÃO. COMPOSIÇÃO.


SUBSTITUIÇÃO DA COMISSÃO POR SERVIDOR EFETIVO. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE
LEGAL. CONVITE. PEQUENA COMUNA. UTILIZAÇÃO DE COMISSÃO DE LICITAÇÃO
INSTITUÍDA EM OUTRO PODER. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DE PODERES. PATAMAR LEGAL DE DOIS TERÇOS DOS MEMBROS DA COMISSÃO
LICITATÓRL4. SERVIDORES EFETIVOS OU COMISSIONADOS. TERCEIRO PARTÍCIPE DE

133
COMISSÃO. SERVIDOR CEDIDO. POSSIBILIDADE. PESSOA ESTRANHA À ADMINISTRAÇÃO.
DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS DE QUALIFICAÇÃO OU ESPECIFICAÇÃO TÉCNICA.

Nas pequenas comunas, a Administração Pública poderá deixar de instituir Comissão


de Licitação, substituindo-a por um servidor efetivo, para o processamento e análise
(julgamento) de certames licitatórios, envolvendo a modalidade Convite (art. 23, II, “a”, da
Lei Federal n. 8.666/93).

O Poder Legislativo não poderá, em nenhuma hipótese, valer-se, para o processamento de


licitações, de Comissão de Licitação instituída no âmbito do Poder Executivo.

Nas licitações de maior vulto (Tomada de Preços e Concorrência) é necessária a nomeação


de comissão licitatória composta por três membros qualificados sendo, no mínimo, dois
servidores pertencentes aos quadros dos órgãos responsáveis pela licitação (art. 51, caput,
da Lei Federal n. 8.666/93).

Para compor o patamar de 2/3 (dois terços) exigido pela legislação licitatória, poderão ser
nomeados servidores efetivos ou comissionados.

É admissível a participação de servidores cedidos ou de terceiro estranho à Administração,


sendo que este último deverá demonstrar requisito de qualificação ou especialização
técnica, com conhecimentos e/ou habilidades suficientes para a prática da tarefa para a
qual foi escolhido.” (Processo nº 07/00112731)

Também nesse sentido, cita-se, como exemplo, o entendimento do Tribunal de Contas de


Minas Gerais em sede de consulta:

134
“CONSULTA. SERVIDOR OCUPANTE EXCLUSIVAMENTE DE CARGO EM COMISSÃO.
PARTICIPAÇÃO EM COMISSÃO DE LICITAÇÃO E EM EQUIPE DE APOIO. LEI DE
LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. LEI DO PREGÃO. POSSIBILIDADE.
PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO PARA SERVIDOR OCUPANTE EXCLUSIVAMENTE DE
CARGO EM COMISSÃO EM RAZÃO DA PARTICIPAÇÃO EM COMISSÃO DE LICITAÇÃO OU
EQUIPE DE APOIO. POSSIBILIDADE.
1. É possível a participação, em comissão de licitação ou em equipe de apoio, de
servidores ocupantes exclusivamente de cargo em comissão, seja pela perspectiva da
Lei n. 8.666/1993, da Lei n. 10.520/2002 ou da Lei n. 14.133/2021, desde que na composição
sejam atendidos os requisitos especificados em cada diploma legal.
2. É possível o pagamento de gratificação aos servidores ocupantes exclusivamente
de cargo em comissão que participem de comissão de licitação ou equipe de apoio,
desde que tal gratificação seja instituída por lei, além de ser necessária a devida
previsão orçamentária e adequação ao limite com despesas de pessoal fixado na Lei
de Responsabilidade Fiscal, bem como a observância ao disposto no art. 8º da Lei
Complementar n. 173/2020.
(...)
[Voto]
Depreende-se, portanto, da leitura da resposta à referida consulta, bem como do
exame do disposto no caput do art. 51 da Lei n. 8.666/1993, que pelo menos dois terços
dos integrantes da comissão de licitação devem integrar os quadros permanentes da
Administração, o que exclui dessa definição, por exemplo, servidores contratados por
prazo determinado, na forma do art. 37, IX, da Constituição da República, e não servidores,
ou seja, terceiros estranhos aos quadros da Administração. Assim, os servidores

135
ocupantes de cargos efetivos e também aqueles ocupantes de cargo exclusivamente
em comissão, podem integrar a comissão de licitação prevista no caput do art. 51
da Lei n. 8.666/1993. Em relação ao ocupante de cargo exclusivamente em comissão
integrar o quadro permanente da Administração, vale mencionar doutrina de Jessé
Torres Pereira Júnior8:
[...] o cargo em comissão integra o quadro permanente do serviço público. Transitório
é o seu exercício. Aquele que ocupa cargo em comissão ocupa cargo permanente,
embora seja ele exonerável ao nuto da autoridade, a qualquer tempo. Enquanto estiver
no exercício do cargo em comissão, o seu ocupante é considerado servidor público e
se submete ao respectivo regime jurídico, inclusive quanto a direitos e deveres, mesmo
que não seja titular de cargo em provimento efetivo. (Grifei)

Cumpre ressaltar, contudo, que há posicionamentos divergentes sobre o tema, os quais, em


resumo, entendem que as comissões permanentes ou especiais, compostas por no mínimo
três membros, devem contar com pelo menos dois servidores titulares de cargos efetivos
do órgão responsável pelo certame, tal como já decidiu o Tribunal de Contas da União – TCU.
Nesse sentido, o TCU já asseverou que se deve cumprir “[...] o número mínimo de servidores
efetivos que devem compor as comissões permanentes de licitação, conforme disposto
no art. 51, caput, da Lei nº 8.666/1993” (Acórdão n. 1.306/2007, Plenário, julgado na sessão
do dia 27/6/2007, de relatoria do ministro Guilherme Palmeira). Nesta linha, há também
decisão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná – TCE/PR, que entendeu que “[...] não
é possível que seja formada uma comissão de licitação composta majoritariamente por
servidores comissionados” (Acórdão n. 2298/2019, Plenário, Consulta n. 332354/2017, julgada
em 14/8/2019, de relatoria do conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral).

Todavia, para os fins de resposta ao questionamento específico do consulente, considerando


que a divergência de entendimentos não exclui a possibilidade de servidor ocupante de

136
cargo exclusivamente em comissão integrar comissões de licitação (permanentes e/ou
especiais), deve-se responder afirmativamente à dúvida do referido gestor público quanto
a este ponto.” (Processo nº 1102275; j. em 30/05/2022; Relator: Cons. Subs. Adonias Monteiro)

Afora isso, a designação deverá “observar o princípio da segregação de funções, vedada a


designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis
a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes
na respectiva contratação” (art. 7º, § 1º).

Ainda, de acordo com o § 2º do mesmo art. 7º, deve-se resguardar a segregação de funções
relacionadas com o processamento das licitações e das atividades inerentes aos órgãos de
assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.

No que pertine ao caráter da norma insculpida no art. 8º da Lei nº 14.133/2021, esclareça-


se que a Constituição da República atribuiu à União Federal a competência privativa para
legislar sobre normas gerais de licitações e contratos (art. 22, XXVII). Sob o ponto de vista
prático e concreto, isso significa que à União recai a incumbência de legislar normas gerais
sobre licitações e contratos administrativos, sem que tal prerrogativa esvazie ou impeça os
demais entes federativos de legislar normas específicas acerca desse mesmo tema.

Embora a questão seja cercada por inúmeras polêmicas, as “normas gerais” abraçadas pela
regra em exame são aquelas que se mostram fundamentais para constituir a organização
procedimental e os institutos fundamentais para possibilitar que a licitação seja realizada
dentro dos fins constitucionais para ela previstos (art. 37, XXI). A mesma realidade há de
ser estendida para os contratos, de modo que serão “normas gerais” todas aquelas que
definem a natureza jurídica dos contratos, o modo estabelecido para o seu desenvolvimento
e execução e os efeitos decorrentes do seu cumprimento ou descumprimento.

137
A noção de “normas gerais”, portanto, está intimamente ligada à definição dos procedimentos
e institutos fundamentais para que a licitação se organize enquanto procedimento e o
contrato se desenvolva como relação jurídica obrigacional. No campo doutrinário, Adilson
Abreu Dallari parece concordar com essa ideia:

“Não é norma geral aquela que corresponde a uma especificação, a um detalhamento.


Portanto, norma geral é aquela que cuida de determinada matéria de maneira ampla.
Norma geral é aquela que comporta uma aplicação uniforme pela União, Estado e
Município; norma geral é aquela que não é completa em si mesma, mas exige uma
complementação.”3

Cite-se, também Renato Geraldo Mendes, para quem “A expressão ‘normas gerais’ é o
rótulo ou a denominação técnico-jurídica que identifica um conjunto de preceitos editados
pela União, no exercício de competência constitucional, os quais devem ser observados
pela própria União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, cujos conteúdos
enunciam prescrições uniformizadoras para os referidos entes políticos. Portanto, é possível
dizer, de forma sintética, que as normas gerais são comandos-diretrizes de âmbito nacional”4.

E mais: o exame do histórico de atuação do Supremo Tribunal Federal, na difícil tarefa de


interpretar a questão, também parece compreender as “normas gerais” como aquelas
determinantes da concepção procedimental do certame em si, bem como do contrato:

“Usurpa a competência da União para legislar sobre normais gerais de licitação


norma estadual que prevê ser dispensável o procedimento licitatório para aquisição
por pessoa jurídica de direito interno, de bens produzidos ou serviços prestados por
órgão ou entidade que integre a Administração Pública, e que tenha sido criado
especificamente para este fim específico, sem a limitação temporal estabelecida pela

138
Lei 8.666/1993 para essa hipótese de dispensa de licitação.” [ADI 4.658, rel. min. Edson
Fachin, j. 25-10-2019, P, DJE de 11-11-2019.] (Destacamos.)
“Ao se determinar que o poder público adquira o mínimo de 65% (sessenta e cinco
por cento) dos bens e serviços definidos em sistema de registro de preços, na Lei
estadual se invadiu a competência privativa da União para estabelecer normas gerais
sobre licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações
públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, prevista no inc. XXVII do art. 22 da Constituição da República. No §
4º do art. 15 da Lei 8.666/1993 se dispõe que ‘a existência de preços registrados não
obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe
facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações,
sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições’.”
[ADI 4.748, rel. min. Cármen Lúcia, j. 11-9-2019, P, DJE de 27-9-2019.](Destacamos.)
“A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida
pela Constituição (art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante
o estabelecimento de condições de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela
autoridade responsável pela condução do processo licitatório, que poderá estabelecer
elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e econômica, sempre
vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas. Somente a lei federal
poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim
restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito
estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar nesse particular se tiver como
objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma
classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local.
Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos
exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete

139
primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de
sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores
nos cadastros públicos de proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar
o impedimento de contratar com a administração local. Ao dispor nesse sentido, a
Lei estadual 3.041/2005 se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de
licitações e contratos e, com isso, usurpou a competência privativa da União de dispor
sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF/1988).” [ADI 3.735, rel. min. Cármen
Lúcia, j. 8-9-2016, P, DJE de 1º-8-2017.](Destacamos.)
“A teor do disposto no art. 22, XXVII, da CF, compete à União a regulação de normas gerais
sobre licitação e contratação públicas, abrangidas a rescisão de contrato administrativo
e a indenização cabível.” [ADI 1.746, rel. min. Marco Aurélio, j. 18-9-2014, P, DJE de 13-11-
2014](Destacamos.)

Por via de consequência, as “normas específicas”, que compõem a competência constitucional


dos demais entes federativos em matéria de licitações e contratos estão vinculadas, a rigor,
aos meros detalhamentos do modo pelo qual as “normas gerais” deverão ser cumpridas.
Não se trata, portanto, de uma competência que autoriza os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal a atuar quando houver omissões nas normas gerais, ou ajustá-las às suas
realidades institucionais. A edição de normas gerais compõe competência privativa da
União e só por ela pode ser exercida, o que vincula os demais entes federativos a observar
seus termos.

É diante desse cenário que deve ser avaliada a natureza jurídica da regra constante do art.
8º, da Lei nº 14.133/2021:

“Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela
autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros

140
permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da
licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades
necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.” (Destacamos.)

Dentro das premissas antes mencionadas, não parece possível deixar de reconhecer que
a regra, na parte em que estabelece os requisitos que devem ser observados para que
determinado servidor seja atribuído da função de “agente de contratação”, possua outra
natureza que não a de “norma geral”. Ora, a definição das instâncias responsáveis pelo
processamento do certame, inclusive no que toca às decisões que resultarão na seleção do
futuro contratado, representa um dos elementos estruturais mais relevantes da licitação
enquanto procedimento administrativo.

Logo, quando a União determinou que tal tarefa incumbe ao agente de contratação, e que
este deve ser escolhido entre os servidores que mantenham relação funcional efetiva com
a Administração Pública, ela veiculou uma norma geral de observância obrigatória pelos
Estados, Municípios e Distrito Federal. Se assim não fosse, cada um desses sujeitos estaria
livre para decidir se o julgamento dos certames incumbiria a uma comissão, um grupo ou a
uma instituição da Administração Pública, debaixo dos mais diversos regimes e situações, o
que subverteria a própria ideia da edição de “normas gerais” que é, como visto, uniformizar
os procedimentos em seu aspecto material.

Logo, tudo indica que a regra do art. 8º, quando restringe o acesso à função de agente
de contratação apenas aos sujeitos que integrem os quadros efetivos da Administração
Pública, constitui uma norma geral e, nessa qualidade, não pode ser alterada por meio da
edição de normas específicas acerca do tema, as quais poderiam ter sua constitucionalidade
colocada em xeque.

141
CONCLUSÕES OBJETIVAS

- O agente de contratação é responsável pelo impulsionamento de toda a fase externa da


licitação, tomando as decisões pertinentes e executando quaisquer atividades que sejam
necessárias para que o certame seja adequadamente desenvolvido até a sua homologação.

- Podem ser agentes de contratação os servidores públicos efetivos, integrantes do


quadro permanente da Administração, que tenham atribuições relacionadas a licitações
ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional
emitida por escola de governo criada e mantida pelo Poder Público, e que não sejam cônjuge
ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com
eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza
técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

- A partir da literalidade do art. 6º, LX, e do art. 8º, e da finalidade de tais disposições, em
que pese o tema comportar discussão, tem-se que, a rigor, não é admitida a designação de
servidor detentor de cargo em comissão para atuar enquanto agente de contratações.

- Afirma-se que a regra do art. 8º, quando restringe o acesso à função de agente de contratação
apenas aos sujeitos que integrem os quadros efetivos da Administração Pública, ao que nos
parece, constitui uma norma geral e, nessa qualidade, não poderia ser alterada por meio da
edição de normas específicas acerca do tema.

- Observa-se, por fim, que a despeito das diretrizes gerais definidas pela Lei para designação
de agentes públicos, não se descarta eventual necessidade de flexibilização, haja vista a
realidade de quadros administrativos extremamente enxutos, de modo que não se possa
adotar solução diversa (“reserva do possível”).

142
Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada
de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 14.133/21, nota ao art. 7º.
Acesso em: 17 fev. 2023.

2 Como citar este texto: HUPSEL, Edite. Lei nº 14.133 de 2021 – A nova Lei de licitações - Inovações e desafios, Zênite
Fácil, categoria Doutrina, 20 abr. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 17 fev. 2023.

3 DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 20-21.

4 MENDES, Renato Geraldo. LeiAnotada.com. Lei nº 8.666/93, nota ao art. 1º, categoria Doutrina.

143
NOVA LEI DE LICITAÇÕES: ATOS NORMATIVOS DO MINISTÉRIO
DA ECONOMIA E A NÃO OBRIGATORIEDADE DE APLICAÇÃO
PELOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO25
Questão apresentada à Equipe de Consultoria Zênite:

“O consulente questiona a aplicabilidade das instruções normativas do Ministério da


Economia, que versam sobre licitações, nos órgãos do Poder Judiciário Federal, nos seguintes
termos:

1) As Instruções Normativas do Ministério da Economia são de aplicabilidade obrigatória no


Poder Judiciário Federal?

2) Caso seja de aplicabilidade obrigatória qual ou quais seriam as consequências jurídicas


da não aplicação dessas nos processos licitatórios?

3) É possível flexibilizar as questões procedimentais trazidas pelas Instruções Normativas do


Ministério da Economia?

4) Com o advento da Lei nº 14.133/21 as instruções normativas do Ministério da Economia são


automaticamente recepcionadas ou ficam com a sua aplicabilidade suspensa? E, ainda, o
Ministério da Economia poderá continuar expedindo instruções normativas sobre questões
licitatórias?”

25 Nova Lei de Licitações: atos normativos do Ministério da Economia e a não obrigatoriedade de aplicação pelos órgãos do poder
judiciário. Zênite Fácil, categoria Orientação Prática, 10 mai. 2023. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 27 jun.
2023.

144
ORIENTAÇÃO ZÊNITE

De plano, para esta Consultoria, cumpre afastar qualquer cogitação de vinculação dos
Poderes Legislativo e Judiciário aos atos normativos editados pelo Poder Executivo, quando
esses regulamentos disciplinarem leis autoaplicáveis.

Sobre o assunto, Diógenes Gasparini afirmava que “esses regulamentos [editados à luz
do art. 84, IV, da Constituição da República] somente podem explicitar leis cuja execução
cabe ao Executivo.”1 Segundo esse raciocínio, portanto, não se mostra possível que o Chefe
do Poder Executivo venha a editar regulamentos de observância obrigatória pelos demais
Poderes, quando a disciplina legal objeto dessa regulamentação for autoaplicável. Essa
ingerência de um Poder sobre o outro implicaria em ofensa ao princípio da separação dos
poderes.

Justamente seguindo essa ordem de ideias, as instruções normativas expedidas pelo


Ministério da Economia, com base na competência conferida pelo Decreto nº 9.745, de 8 de
abril de 2019, que revogou e substituiu o Decreto nº 9.679/2019, tem sua aplicabilidade restrita
ao âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, consoante se
infere de alguns exemplos:

Instrução Normativa nº 65, de 7 de julho de 2021


“Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre o procedimento administrativo para a
realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em
geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”.
(Destacamos.)

145
Instrução Normativa nº 67, de 8 de julho de 2021
“Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma
eletrônica, de que trata a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e institui o Sistema de
Dispensa Eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e
fundacional”. (Destacamos.)
Instrução Normativa nº 40, de 22 de maio de 2021
“Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos
Preliminares - ETP - para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no
âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o
Sistema ETP digital”. (Destacamos.)
Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017
Art. 1º As contratações de serviços para a realização de tarefas executivas sob o regime
de execução indireta, por órgãos ou entidades da Administração Pública federal direta,
autárquica e fundacional, observarão, no que couber:” (Destacamos.)

Lembrando que a definição de Administração Pública federal é estabelecida pelo art. 4º do


Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967:

“Art. 4º A Administração Federal compreende:


I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura
administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades,
dotadas de personalidade jurídica própria:

146
a) Autarquias;
b) Emprêsas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas.
Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se
ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade”.
(Destacamos.)

Resta claro, portanto, que os órgãos que integram os Poderes Legislativo e Judiciário federal
não compõe o Poder Executivo federal e, por não possuírem personalidade jurídica própria,
muito menos integrariam a Administração Federal indireta.

Logo, confirma-se que as instruções normativas expedidas pela Secretaria de Governo


Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério
da Economia, com incidência delimitada no âmbito da Administração Pública federal direta,
autárquica e fundacional, não alcançam e não vinculam, ao menos de modo cogente, os
órgãos que integram os Poderes Legislativo e Judiciário federal.

Inclusive, não se deve perder de vista que o exercício dessa competência decorre do fato de,
nos termos do art. 127, inciso VII do Decreto nº 9.745/2019, a Secretaria de Governo Digital
da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da
Economia ser o órgão central do SISG – Sistema de Serviços Gerais:

“Art. 127. À Secretaria de Gestão compete:


(...)

147
VII - atuar como órgão central do Siorg e do Sisg;”

Importante ressaltar que o SISG foi criado pelo Decreto nº 1.094/1994 e é composto por
órgãos e entidades da Administração federal direta, autárquica e fundacional, sendo uma
de suas principais atribuições, com base nas leis e nos regulamentos pertinentes, expedir
normas para disciplinar a licitação e a gestão dos contratos de prestação de serviços, obras
e compras relativos à sua área de atuação:

“Art. 5º Incumbe ao órgão central do SISG, com observância das leis e regulamentos
pertinentes:
I - quanto a edifícios públicos e imóveis residenciais:
a) expedir normas para disciplinar a construção, demolição, e manutenção de edifícios
públicos e imóveis residenciais, bem assim das respectivas instalações;
b) expedir normas para disciplinar a contratação de serviços de terceiros para a execução
de obras e serviços de construção, reforma, manutenção, demolição, zeladoria e
vigilância de edifícios públicos e imóveis funcionais;
c) supervisionar e coordenar a execução das normas de que tratam as alíneas anteriores
ou executá-las quando julgar necessário;
II - quanto a material:
a) fixar os padrões e especificações do material para uso do serviço público;
b) expedir normas para disciplinar a licitação, a contratação, a aquisição, o recebimento,
o registro, a guarda, a requisição, a distribuição e a utilização de material permanente e
de consumo;

148
c) expedir normas para disciplinar a conservação, recuperação, manutenção, inventário,
baixa e alienação de material permanente e de consumo;
d) supervisionar e coordenar a execução das normas de que tratam as alíneas anteriores
ou executá-las quando julgar necessário;
III - quanto a transporte:
a) expedir normas para disciplinar a aquisição, distribuição, alienação, conservação,
guarda, manutenção e utilização de veículos oficiais;
b) expedir normas para disciplinar a locação de serviços de terceiros no transporte de
servidores, material e equipamento;
c) expedir normas destinadas a redução do consumo de combustíveis e lubrificantes;
d) expedir normas para disciplinar a aquisição de passagens nos deslocamentos de
servidores;
e) supervisionar e coordenar a execução das normas de que tratam as alíneas anteriores
ou executá-las quando julgar necessário;
IV - quanto a comunicações administrativas e documentação:
a) expedir normas para disciplinar a utilização, reaproveitamento, padronização,
reprodução e aquisição de papéis e formulários;
b) expedir normas para disciplinar a transmissão e recepção de mensagens;
c) supervisionar e coordenar a execução das normas de que tratam as alíneas anteriores
ou executá-las quando julgar necessário”. (Destacamos.)

149
Com base nisso, resta demonstrado que a competência da Secretaria de Governo Digital
da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da
Economia se restringe a expedir normas para disciplinar as licitações e as contratações
no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o que não
alcança ou vincula, portanto, os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário federal.

Contudo, em que pese não haver incidência direta desse diploma à Administração Consulente
(Poder Judiciário), é possível defender a aplicação das diretrizes e dos parâmetros constantes
nesses normativos aos demais órgãos/entidades que pretendam contratar serviços de
limpeza e conservação, por exemplo. Isso por que, tais comandos, embora explicitados
por meio de instrução normativa, têm seus fundamentos em princípios de natureza
constitucional, os quais são indistintamente aplicados ao Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário.

Essa inteligência pode ser extraída do Acórdão nº 1.215/2009, do Plenário do TCU, citado a
título exemplificativo, ao analisar a aplicação da IN nº 04/08 às entidades da administração
indireta que pretendam contratar bens e serviços de Tecnologia da Informação:

“Voto
19. A meu ver, evidente está que as diretrizes do novo modelo difundido têm seus
fundamentos em princípios de natureza constitucional, sejam eles explícitos ou
implícitos, os quais são indistintamente aplicados tanto à Administração direta quanto à
indireta. Mais especificamente, referidas diretrizes, indicadas nos acórdãos que formam
a jurisprudência deste Tribunal, detalhadas e organizadas sob o texto das Instruções
Normativas editadas pelo Ministério do Planejamento, hoje em vigor, encontram
fundamento no art. 37, caput, de nossa “Lei Maior”:

150
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, (...)”
20. As diretrizes básicas para a modelagem da contratação dos bens e serviços de TI estão
sinteticamente apresentadas abaixo com respectiva correspondência dos fundamentos
constitucionais:
20.1. planejamento da contratação: fundamentada nos princípios da legalidade (arts. 6º,
I, 7º e 10, § 7º do Decreto-Lei 200/67) e eficiência (não se pode ser eficiente sem definir
explicitamente objetivos a ser alcançados e planejar as ações necessárias a tanto);
20.2. parcelamento dos serviços em tantos itens quantos sejam técnica e economicamente
viáveis: fundamentado no princípio constitucional explícito da eficiência, bem como
nos princípios constitucionais implícitos da economicidade (desdobramento da
eficiência, também previsto no art. 70, caput, da CF/88) e da isonomia (que decorre
da impessoalidade), ante o melhor aproveitamento dos recursos do mercado, e da
legalidade (Lei 8.666/1993, art. 23, §§ 1º e 2º);
20.3. realização de licitações independentes ou com adjudicação por itens: (idem, vez
que decorre diretamente do parcelamento dos serviços);
20.4. estabelecimento de exigências de habilitação e de avaliação da proposta técnica
específicas para cada serviço: fundamentado nos princípios da eficiência, da legalidade
e da impessoalidade, vez que também decorre diretamente do parcelamento dos
serviços;
20.5. mensuração e pagamento dos serviços por resultados alcançados e verificados, em
vez de por simples horas trabalhadas: amparada no princípio constitucional explícito da

151
eficiência, bem como no princípio implícito da economicidade, e, ainda, segundo os
princípios da legalidade e da moralidade dos gastos públicos;
20.6. avaliação de qualidade dos serviços: fundamentada nos princípios da eficiência e
economicidade;
20.7. estruturação do quadro de pessoal de TI com servidores permanentes e capacitados
na gestão de TI: apoiada no princípio da eficiência, e, por via reflexa, no da economicidade;
20.8. fortalecimento da gerência das unidades de TI: (idem);
20.9. controle efetivo da execução dos serviços: cujo fundamento constitucional pode
ser encontrado nos princípios da eficiência, economicidade, legalidade, e moralidade
em relação aos gastos públicos.
21. O alcance dessas diretrizes e orientações gerais ultrapassa, a meu ver, os limites
impostos às normaseditadas pela unidade detentora de competência para o
planejamento, a coordenação, a supervisão e orientação normativa das atividades dos
Sistemas de Administração dos Recursos de Informação e Informática – SISP.
22. Penso que as diretrizes e parâmetros para o novo modelo de contratação de TI,
inaugurado pelas orientações jurisprudenciais desta Corte e condensado no arcabouço
jurídico-normativo e referencial formado pelo QRN e Notas Técnicas 01 e 02, a serem
divulgadas, bem como nas demais normasprovenientes da SLTI/MPOG (INs 04/2008
e 02/2008), por contemplarem fundamentos de ordem constitucional, servem tanto
aos órgãos da Administração Federal direta como indireta, aí incluídas autarquias,
fundações públicas e empresas estatais.
23. Nem se poderia ser diferente. As estatais, do mesmo modo que as entidades
não integrantes do SISP, estão sujeitas aos princípios constitucionais, bem como à

152
necessidade de observância de licitação para suas aquisições. Assim, embora a IN SLTI
04/2008 não seja cogente a tais empresas, se lhes aplicam as diretrizes e parâmetros
gerais indicados pela jurisprudência deste Tribunal, bem como pelos instrumentos
de orientação que ora se pretende divulgar (QRN e notas técnicas), pois que se
fundamentam em bases legais e constitucionais. Tal modelagem, construída nas bases
jurisprudenciais desta Corte, consiste em modelo de benchmarking a ser observado
tanto em termos de gestão como de fiscalização de TI.” (Destacamos.)

Desse contexto, ainda que não exista incidência direta das normas expedidas pela Secretaria
de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do
Ministério da Economia sobre os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário federal, diante
da falta de normas próprias tratando do assunto, mostra-se de todo recomendável adotar
os parâmetros e diretrizes por elas elencados, haja vista seu fundamento constitucional e
por espelharem boas práticas, assim definidas pela jurisprudência do Tribunal de Contas da
União, por exemplo.

Por fim, cumpre registrar que a imediata recepção das normas infralegais, editadas durante
a vigência da Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 10.520/2002, pela Lei nº 14.133/2021, é tema que
gera controvérsia.

Para a Advocacia Geral da União, por exemplo, essas normas somente poderão ser
recepcionadas pela Lei nº 14.133/2021 quando as leis que servem de suporte para sua edição
forem revogadas, o que somente ocorrerá a partir de 1º de abril de 2023.

Nesse sentido, formou-se a orientação adotada pela Advocacia Geral da União no Parecer
nº 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, citado como referência:

“Ementa

153
XIII - Não é possível a recepção de regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou
12.462/11 para a Lei nº 14.133/21, enquanto todas essas leis permanecerem em vigor,
independentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possibilidade de emissão
de ato normativo, pela autoridade competente, ratificando o uso do regulamento para
contratações sob a égide da nova legislação”. (Destacamos.)

Ocorre que, no mesmo parecer, a Advocacia Geral da União ressalta que,

“Em especial nos contratos de maior risco (principalmente os que envolvem dedicação
exclusiva de mão-de-obra, em razão do já citado art. 121), pode ser recomendável que
a Administração se utilize, enquanto “boas práticas” (e não por eventual incidência
normativa), dos modelos de gestão contratual presentes nos normativos existentes
para a lei nº 8.666/93, tal como a Instrução Normativa SEGES/MP nº 5/2017, até que
adequadamente tratada a questão em regulamento, conforme a nova legislação”.

Atente-se, contudo, que a adoção desses atos normativos infralegais ocorrerá como uma
boa prática e não por eventual incidência normativa.

Adotada a mesma orientação no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário federal, com
muito mais razão a adoção das normas infralegais ocorrerá enquanto boa prática e não
por eventual incidência normativa, pois como demonstrado acima, os órgãos dos Poderes
Legislativo e Judiciário federal não se vinculam aos atos normativos infralegais expedidos
pelo Poder Executivo para regulamentar disposições legais que sejam autoaplicáveis.

Acontece que, como já apontado, a matéria é controversa. Nesse sentido, destaca-se que
o Parecer nº 18.761/2021 elaborado pela Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul,
citado como exemplo, adotou entendimento em sentido oposto, ou seja, compreendendo
que as normas infralegais que tratam de licitações e contratos editadas para regulamentar

154
a Lei nº 8.666/1993, sempre que possível, poderão ser aproveitadas no regime da nova Lei de
Licitações.

Em vista do exposto, conclui esta Consultoria:

1) Para a Consultoria Zênite, as Instruções Normativas do Ministério da Economia que


disciplinam leis autoaplicáveis, não são de aplicabilidade obrigatória pelos órgãos do Poder
Judiciário Federal. Essa compreensão decorre da autonomia e independência dos Três
Poderes, conforme estabelece a Constituição Federal.

Isso significa que, eventual aplicação desses atos normativos pelos órgãos do Poder Judiciário
Federal ocorrerá enquanto boas práticas e não em razão de vinculação cogente.

3) Na medida em que os órgãos do Poder Judiciário Federal não estão vinculados aos atos
normativos infralegais expedidos pelo Ministério da Economia, desde que essa prática não
atente contra a disciplina legal em vigor, entende-se possível esses órgãos “flexibilizarem”
as questões procedimentais definidas por esses atos normativos.

4) De acordo com o entendimento adotado pela Advocacia Geral da União, com o advento
da nova Lei de Licitações, a Lei nº 14.133/2021, os atos normativos expedidos pelo Ministério
da Economia para disciplinar a aplicação da Lei nº 8.666/1993 não será possível enquanto
essa lei permanecer em vigor, independentemente de compatibilidade de mérito. Todavia,
essa orientação não é unânime.

Por último, considerando a competência conferida ao Ministério da Economia pelo Decreto


nº 9.745/2019 c/c Decreto nº 1.094/1994, entende-se que o Ministério da Economia, por meio
da sua Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, continuará
expedindo atos normativos infralegais como o objetivo de orientar e padronizar a aplicação

155
da Lei nº 14.133/2021 no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e
fundacional.

Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada
de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 117.

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