Você está na página 1de 34

HENRIQUE ANDRADE PORTO

DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

Londrina/PR
2023
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)

Porto, Henrique Andrade.


Drones: Regulação e direitos Individuais. /
Henrique Andrade Porto. – Londrina, PR:
Thoth, 2023.
151 p.
Bibliografias: 129-151
ISBN: 978-65-5959-515-0
© Direitos de Publicação Editora Thoth. 1. Drone. 2. Espaço Aéreo. 3. Aeromodelo.
Londrina/PR.
I. Título.
www.editorathoth.com.br
contato@editorathoth.com.br CDD 341.8
CDD 342.1

Diagramação e Capa: Editora Thoth Índices para catálogo sistemático


Revisão: Luciane Cristina Petean Duarte 1. Direito Aéreo. Código do Ar: 341.8
Editor chefe: Bruno Fuga 2. Direito Civil: 342.1

Proibida a reprodução parcial ou total desta obra


sem autorização. A violação dos Direitos Autorais é
crime estabelecido na Lei n. 9.610/98.
Todos os direitos desta edição são reservados
pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por
seus autores.
SOBRE O AUTOR

HENRIQUE ANDRADE PORTO


Advogado. Doutorando (bolsista do Instituto Presbiteriano Mackenzie)
e Mestre (Bolsa CAPES/PROSUC) em Direito Político e Econômico na
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP). Professor Convidado da
Universidade das Filipinas (UP). Membro do Grupo de Pesquisa (CNPQ)
Estado e Economia no Brasil. Autor dos artigos: “Direito Eleitoral
Digital: de Rui Barbosa aos pedidos de remoção de conteúdo”; “Direito ao
Esquecimento: Realidade ou Utopia?”; “O Poder Disruptivo dos Drones
e o seu Potencial de Impacto no Mercado de Trabalho”; “É Proibido
Sobrevoar Paris: Uma análise da Decisão do Conselho de Estado Francês
que Suspendeu as Atividades de Vigilância por Drones”. E-mail: henrique.
andrade.porto@gmail.com.
Ouvi uma piada uma vez:
Um homem vai ao médico, diz que
está deprimido. Diz que a vida parece
dura e cruel. Conta que se sente só
num mundo ameaçador onde o que
se anuncia é vago e incerto.
O médico diz: “O tratamento é
simples. O grande palhaço Pagliacci
está na cidade, assista ao espetáculo.
Isso deve animá-lo.”
O homem se desfaz em lágrimas.
E diz: “Mas, doutor... Eu sou o
Pagliacci.”
Boa piada. Todo mundo ri. Rufam os
tambores. Desce o pano.

(Alan Moore)
The true measure of a man is not
his intelligence or how high he rises
in this freak establishment. No, the
true measure of a man is this: how
quickly can he respond to the needs
of others and how much of himself
he can give.

(Philip K. Dick)
À Lara
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos meus pais, irmão, avós, namorada e amigos,


nunca estive sozinho nessa jornada, cada linha que escrevi tinha vocês aqui
comigo, este é um trabalho tanto meu quanto de vocês. Sem vocês, sou
menos.
Mais especificamente, queria agradecer ao meu pai Arthur, que apesar
de somente me dar conta agora, foi desde o meu nascimento meu primeiro
ídolo na academia. Sendo um acadêmico do direito, com um pai livre-
docente em engenharia, infelizmente, acho que nunca terei uma completa
dimensão da sua importância para a sua área. Mas também, seus alunos, e
todos os engenheiros, nunca terão dimensão da sua importância para mim.
Sou muito grato à minha mãe Flávia por ter me ensinado todos os
valores que não aprendemos nos colégios. Foi graças às suas inúmeras
renúncias pessoais e profissionais, que tive a melhor professora do mundo,
muito do que sou hoje é graças a você. Não sei se sou o filho errado, nem
se dei certo, mas sei com toda certeza de que te amo.
Ao meu irmão caçula Heitor, de quem eu deveria ter me tornado
um modelo, exemplo, virei fã inconteste. Apesar de sempre trapacear no
basquete, no videogame, quando se tratava dos estudos, era uma pessoa
perfeita em sua conduta. Continue firme nos caminhos que resolver trilhar,
eles podem parecer árduos e as vezes impossíveis, mas como sei que você
sempre estará comigo, saiba que também estou contigo.
Mesmo que eu tivesse o dom das palavras, a erudição de um poeta,
não conseguiria descrever o meu amor à minha avó Sirlene, uma das pessoas
mais incríveis que conheço. O meu amor, meu carinho, minha inspiração.
Eterna fonte de elogios infundados, abraços afetuosos e lições de moral
acerca do meu senso de humor. Saiba que sou grato a você desde a primeira
vez que me pegou em seu colo.
À minha companheira Amanda, meus agradecimentos por me
acompanhar nessa jornada, que apesar de não ter sido longa nunca foi fácil.
Sei que apesar de você reclamar que minha escrita é densa, fora da sua área,
nunca deixou de se prontificar para ler meus textos, sempre mais de uma
vez. Seu apoio nesses últimos anos foi fundamental.
Dentre tantos amigos que destacar alguns para agradecer pessoalmente.
Roberto é aquele amigo do meu pai que, quando percebi, tinha se tornado
um grande amigo meu; você, desde o início me ajudou na pesquisa das
questões técnicas de engenharia, encontrando artigos científicos que foram
essenciais para o resultado do trabalho. Aos amigos do mundo acadêmico,
um especial obrigado à Izabela, Caroline e Fernanda, que contribuíram
enormemente com o trabalho, e são valiosas pessoas. Aos amigos da vida,
dentre tantos, Felipe, Marcelo, Gabriel, Letícia, e até você Alex.
Ao meu mentor e amigo Felipe gostaria de fazer um agradecimento
especial. Não é qualquer pessoa que, sendo Pró-Reitor da Universidade,
propõe marcar um horário para conversar com um ex-aluno de graduação,
formado a quase dez anos. Sei que alguns professores marcaram a sua
vida positivamente, saiba então que a minha vida foi transformada pelo
senhor, e tenho ciência de que a melhor maneira de retribuir é transmitindo
o exemplo que recebi, buscando e fazendo a diferença na vida dos meus
alunos
Por fim, gostaria de fazer um agradecimento especial aos meus avós
Plínio, que nos deixou, e Daneluz, que adoeceu mais cedo do que deveria,
pelo privilégio de ter crescido com pessoas tão magníficas, e peço que me
desculpem por não ter lhes dado a tempo a notícia desta obra juntamente
de um abraço apertado. Sinto muitas saudades. Amo vocês.
PREFÁCIO
O convite do Henrique Porto para que eu escrevesse o prefácio do seu
livro, me fez refletir sobre as imensas possibilidades da criação humana, que são,
em muitas vezes, tão ambivalentes.
A existência dos drones é uma dessas coisas.
Há tempos que eles são utilizados para tirar fotos, fazer gravação filmes,
mostrando lindas paisagens, ou mesmo para pulverizar lavouras – e, de acordo
com a mídia especializada- ajudar no combate à Covid19 (pulverizando produto
para higienização).
De uma forma ou de outra, essa pequena aeronave tem meios de chegar em
lugares diversos, ‘invadindo’ espaços em que talvez não devesse estar. E é nessa
situação que surgem os conflitos e as violações de Direito.
Portanto, é sob esse ponto de vista que Henrique Porto se aprofundou ao
escrever o livro Drones: Regulações e Direitos Individuais.
Além da abordagem desse aspecto crucial sobre a proteção dos direitos
individuais, o autor aborda ainda a aplicação legal, explorando as autorizações
para se operar esse tipo de aeronave, e, aprofundando o tema das divergências
e convergências das duas agências que regulam a atividade: a ANAC (Agência
Nacional de Aviação Civil), para certificação de voo e a ANATEL (Agência
Nacional de Telecomunicações) por conta do uso do espectro de radiofrequência
usado para se comunicar, além do DECEA (Departamento de Controle do
Espaço Aéreo) que gerencia e controla as atividades relacionadas ao controle do
espaço aéreo.
E para tornar a leitura mais completa, o livro traz ainda como esse serviço
é regulado em países diversos, como EUA, França e Portugal.
Portanto, esse é um assunto interessante, curioso, necessário e atual – assim
como o estudo produzido pelo Henrique Porto.
Os drones seriam uma ameaça, ou a resposta mais atual para empreender
um novo modelo de logística mundial?
Será que o leitor mais conectado, em breve, encomendará esse livro em seu
aplicativo de compras e o receberá junto com seu jantar, entregue, na janela de seu
apartamento, por um drone?
Parabéns ao caríssimo Henrique por esse conteúdo inovador e tão didático
num tema tão importante para a humanidade.
Um forte abraço.
Felipe Chiarello
DEFINIÇÕES

No presente trabalho, ao tratarmos das aeronaves remotamente


pilotadas utilizaremos a sua expressão mais notória, drone, importada
da literatura norte-americana1 e que se consolidou como o sinônimo
mais usual à essas aeronaves. No entanto, não ficaremos restritos a esta
terminologia, utilizando também as seguintes nomenclaturas, encontradas
nos textos regulatórios nacionais e internacionais, bem como nos trabalhos
acadêmicos que versam sobre o assunto: Veículos Aéreos Não Tripulados
(VANT), Aeronave Remotamente Pilotada (ARP), Unmannned Aerial Vehicle
(UAV), Unmanned Aircraft (UA) e Remotely Piloted Aircraft (RPA).

1. “What is known is that the word drone was used in a 1936 report by Lieutenant Commander
Delmer Fahrney of the US Navy who was in charge of a radio-controlled unmanned
aircraft project.” HODGKINSON, David; JOHNSTON, Rebecca. Aviation Law and Drones:
unmanned aircraft and the future of aviation. Nova York: Routledge, 2018. p. 18.
ABREVIATURAS

ACC - Centro de Controle de Área


AGL - Acima do Nível do Solo
ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil
ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações
ATC - Controle de Tráfego Aéreo
ATM - Gerenciamento do Tráfego Aéreo
ATS - Serviços de Tráfego Aéreo
BVLOS - Operação Além da Linha de Visada Visual
CAG - Circulação Aérea Geral
CBA - Código Brasileiro de Aeronáutica
CINDACTA - Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego
Aéreo
COMAER - Comando da Aeronáutica
DECEA - Departamento de Controle do Espaço Aéreo
EVLOS - Linha de Visada Visual Estendida (Extended Visual Line Of
Sight
FAA - Federal Aviation Administration
FPV - First Person View
GANP - Plano Global de Navegação Aérea
ICA - Instrução do Comando da Aeronáutica
NOTAM - Notice to Airmen
OACI - Organização de Aviação Civil Internacional
RBAC - Regulamento Brasileiro da Aviação Civil
RPA - Aeronave Remotamente Pilotada
RPAS - Sistema de Aeronave Remotamente Pilotada
RPS - Estação de Pilotagem Remota
SISCEAB - Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro
SUMÁRIO
SOBRE O AUTOR .....................................................................................................7
AGRADECIMENTOS ............................................................................................15
PREFÁCIO ................................................................................................................17
DEFINIÇÕES ...........................................................................................................19
ABREVIATURAS .....................................................................................................21
INTRODUÇÃO ........................................................................................................25

CAPÍTULO 1
OCUPAÇÃO URBANA DOS DRONES ..............................................................33
1.1 Incorporação dos drones em nossa sociedade ..................................................33
1.2 Tecnologia em conflito ........................................................................................39
1.2.1 França ..................................................................................................................40
1.2.2 Estados Unidos ..................................................................................................43
1.2.3 Portugal ................................................................................................................49
1.2.4 Argentina .............................................................................................................51
1.3 Espaço aéreo no ordenamento nacional ............................................................53

CAPÍTULO 2
DIREITOS DO CIDADÃO A SEREM OBSERVADOS NA REGULAÇÃO
DOS DRONES............................................................................................................73
2.1 Limite Aéreo ou Limite Espacial da Propriedade.............................................74
2.2 Expectativa de privacidade ...................................................................................84
2.3 Incolumidade física dos indivíduos expostos às operações com drones ......90

CAPÍTULO 3
REGULAÇÃO DOS DRONES...............................................................................99
3.1 Teoria sobre as falhas da regulação .....................................................................99
3.2 Falhas de coordenação e a aviação civil .......................................................... 105
3.3 Parâmetros mínimos a serem observados....................................................... 112

CONCLUSÕES ...................................................................................................... 123


REFERÊNCIAS..................................................................................................... 127
INTRODUÇÃO

A proposta do tema tem como fundamento a análise da atual


regulação do uso de Aeronaves Remotamente Pilotadas e Aeromodelos em
baixas altitudes para atividades comerciais, particulares e estatais destinadas
ao serviço do Poder Público.1
A evolução tecnológica dos veículos aéreos não tripulados não tem
sido acompanhada por uma produção legislativa adequada. Preconiza o art.
22, inciso X da Constituição Federal que compete privativamente à União
legislar, entre outras coisas, sobre a navegação aérea e aeroespacial.
Da mesma forma, o art. 1.229 do Código Civil aduz que o espaço
aéreo é abrangido pela propriedade do solo, não podendo o proprietário
opor-se apenas a atividades a uma altura em que não tenha interesse
legítimo em impedir.
Disso levanta-se a pergunta: A altitude de voo de um drone permitiria
a oposição do particular quando o sobrevoo ocorra sobre sua propriedade?
Seria ainda possível pleitear a obstrução do tráfego aéreo nas imediações da
propriedade? Em qual altura encerra-se os limites da propriedade e inicia-se
o espaço aéreo?
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) estabelece que a
Altitude Mínima de Área em boas condições meteorológicas é de 1000 pés2
(305 metros), sendo que o Departamento de Controle do Espaço Aéreo
(DECEA) aduz que os voos de drones em altitude inferior a 400 pés (120
metros), por não interferirem na navegação aérea, não precisam da emissão

1. O livro não abordará as Aeronaves Autônomas Não Tripuladas, pois estas se configuram
como aquelas que não permitem a intervenção do piloto na condução do voo, devendo este
ocorrer da forma como foi planejado.
2. BRASIL. Ministério da Defesa. Comando da Aeronáutica. Departamento de Controle do
Espaço Aéreo. Portaria DECEA nº 143/DGCEA, de 4 de outubro de 2021. Aprova a reedição do
MCA 96-3 “Manual de Confecção das Cartas de Procedimentos IAC, SID, STAR, ATCSMAC
e VAC”, p. 19-20. Disponível em: https://publicacoes.decea.mil.br/publicacao/mca-96-3.
Acesso em: 20 out. 2022.
26 DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

de NOTAM, que é um informe à comunidade aeronáutica, bem como a


criação de um espaço aéreo segregado.3
Com as câmeras de alta resolução destas aeronaves e seu sistema
de captação e armazenamento de imagens, até qual altura é possível que
uma pessoa não anuente com a operação possa opor-se à sua ocorrência?
Levando-se em conta o risco de colisões e o perigo envolvendo o transporte
de produtos inflamáveis e/ou nocivos, o proprietário de um imóvel pode
solicitar que sua residência não seja incluída na elaboração das rotas? E
quem teria a incumbência de fazer estes controles?
Atualmente, os drones são regulados por duas agências e um órgão: a
ANATEL, a ANAC e o DECEA. A ANATEL versa acerca de dispositivos
e equipamentos que emitam ou funcionem a base de radiofrequência; a
ANAC, encarregada de regular as condições para a operação de aeronaves
não tripuladas no Brasil, promove um desenvolvimento sustentável e seguro
para o setor; e o DECEA tem como objetivo principal regular o espaço
aéreo nacional.
As aeronaves não tripuladas, portanto, são reguladas unicamente
através de Portarias, Resoluções e Circulares de Informações Aeronáuticas
(AIC) dos referidos entes, todas estas tecnicamente, hierarquicamente
subordinadas ao Código Brasileiro de Aeronáutica. Normas estas que se
mostram incipientes para a proteção dos direitos individuais expostos às
operações.
Procurando desenvolver este próspero setor, sem que se olvide os
direitos fundamentais dos cidadãos, a regulação deve ser priorizada como
uma ferramenta do Estado para um crescimento sustentável nacional de
um mercado global estimado em bilhões de dólares. Torna-se de extrema
importância para o setor de drones a criação de um ambiente comercialmente
atrativo e socialmente seguro.
A justificativa do estudo deste tema funda-se no fato de que,
praticamente na mesma proporção em que o mercado global de aeronaves
não tripuladas é economicamente promissor, o processo regulatório ainda
é incipiente.
A velocidade do avanço tecnológico sempre foi um grande
empecilho para uma produção legislativa adequada que permitisse um
próspero crescimento econômico do setor integrado harmonicamente com
os direitos individuais e coletivos existentes. É uma constante das nossas
sociedades contemporâneas, tendo em vista a tecnologia e o conhecimento
serem elementos fundamentais para qualquer sociedade atual.
3. BRASIL. Departamento de Controle do Espaço Aéreo. Até que altura é permitido fazer um voo
de drone?, 3 abr. 2019. Disponível em: https://ajuda.decea.mil.br/base-de-conhecimento/ate-
que-altura-e-permitido-fazer-um-voo-de-drone/. Acesso em: 14 maio 2022.
HENRIQUE ANDRADE PORTO 27

Os valores desse mercado próspero atraem a atenção de diversas


empresas já consolidadas e incentiva a criação de novas. Fomenta-se o
investimento no desenvolvimento, manufatura e mercado de consumo em
diversos países, principalmente naqueles em que o arcabouço jurídico e
social seja mais propício a se alcançar maiores perspectivas de lucros.
O cenário mundial tem mostrado até o presente momento que,
apesar da prosperidade do setor de drones, este está longe de alcançar um
nível de perfeição, o que significaria uma ausência de conflitos decorrentes
da implementação dessas operações.
A regulação nacional tem procurado seguir modelos que visam o
melhor desenvolvimento econômico do setor. Os textos vigentes buscam
unicamente trazer um parâmetro de proteção ao indivíduo com um foco
quase que exclusivo na segurança aos cidadãos expostos a estas aeronaves,
bem como estabelecer diretrizes do espaço aéreo trafegável e dos tipos de
aparelhos.
O campo do direito não pode se relegar a um papel de mero espectador,
analisando de um plano externo a transformação social e econômica que
está ocorrendo, apenas esperando a eclosão de conflitos de interesses e
direitos para somente nesse momento adentrar na discussão.
É mandatório que seja reclamado um protagonismo do direito no
desenvolvimento sustentável do setor de drones. Não na simplista defesa de
um Estado intervencionista, nem na autorregulação do mercado, mas sim
mediante um sério estudo que coloque em perspectiva o desenvolvimento
do setor sem ofender direitos básicos.
Temos como exemplo prático eventos ocorridos em diversos países
como França, Argentina, Nova Zelândia etc. No território francês ficou
notório o uso de drones pela Prefeitura de Paris para o controle das medidas
sanitárias de saúde que sofreu um revés jurídico, quando o Conselho
de Estado local determinou a proibição do emprego dos drones com
fundamento na ausência de um quadro legislativo claro para a utilização
destes veículos aéreos, principalmente no tratamento das imagens captadas.
A utilização dessas aeronaves não se restringe apenas ao âmbito
internacional. No Brasil, as lacunas legais estão permitindo que sejam
observados atos questionáveis no nosso cotidiano, cuja eventual discussão
arrastada no litígio judiciário invariavelmente atravancará o avanço deste
setor.
Em caso semelhante ao parisiense, a Polícia Federal utilizou-se de uma
operação de drones na Eleição Municipal de 2020 para prevenir e reprimir
eventuais crimes eleitorais cometidos nos dias de votação nas proximidades
das zonas eleitorais, colhendo imagens e vídeos da materialidade desses
delitos. Para deflagrar esta operação foi necessário unicamente obedecer
28 DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

à regulamentação de aeronaves não tripuladas e acesso ao Espaço Aéreo


Brasileiro, RBAC-E nº 94 /2017, ICA 100-40 e MCA 56-4.4
No caso narrado não foi preciso obedecer a nenhuma regulação
acerca de altitude mínima sobre as áreas povoadas, muito menos a
forma que seriam tratadas e armazenadas as imagens e vídeos captados,
principalmente aquelas obtidas em decorrência do voo sobre propriedades
privadas ou se as aeronaves empregadas deveriam emitir um limite máximo
de ruído sonoro. Dessa forma, o cenário como se apresenta no momento,
corre o risco de caminhar para uma guerra de liminares autorizando ou
proibindo o uso dessa tecnologia, criando um cenário de insegurança em
nosso país de dimensões continentais.
Temos ainda a utilização de drones por diversas prefeituras para
fiscalizar quintais, piscinas, caixas d’agua com o intuito de se localizar focos
de dengue dentro dos imóveis. Com a ocorrência, inclusive, do emprego
das funcionalidades destas aeronaves para o lançamento de larvicidas nos
imóveis, habitados ou não, onde se suspeite da existência de criadouros de
mosquitos Aedes Aegypti.

4. Na solicitação de informações à Policia Federal (n° 08198.033442/2020-36), realizada através


do portal eletrônico da Controladoria Geral da União (https://falabr.cgu.gov.br/Principal.
aspx), foi obtida a seguinte resposta na data de 17 de novembro de 2020: “O solicitante
pediu acesso aos planos e diretrizes de uso dos equipamentos RPAs (Aeronaves Remotamente
Pilotadas) pela Polícia Federal na Ação Eleições 2020. O Planejamento foi direcionado a todas
as unidades da Polícia Federal que já detinham Aeronaves Remotamente Pilotadas, não tendo
sido utilizado nenhum recurso adicional para aquisição de novas RPAs. O Plano da Ação de
Drones nas Eleições 2020 tem como objetivos: prevenir e reprimir eventuais crimes eleitorais
cometidos nos dias de votação nas proximidades dos locais de votação; colher imagens/
vídeos da materialidade desses delitos, assim como direcionar equipes de solo para fazerem a
abordagem dos suspeitos; uniformizar a utilização de aeronaves remotamente pilotadas (RPAs)
pelas Unidades da Polícia Federal em todo o Brasil nas eleições 2020 com a maior área de
abrangência possível. As equipes irão realizar, nos dias de votação, voos nas proximidades da
maior quantidade de Seções Eleitorais possíveis no município para as quais foram designadas.
Serão priorizados os locais em que estatisticamente se observou maior incidência de crimes
de boca de urna e compra de votos, claro, sempre verificando as condições de segurança do
local para a utilização do DRONE sem risco de acidentes. No planejamento foram previstas
3 etapas sendo: Treinamento Nacional do uso de drones nas eleições 2020 realizado no dia
07 de outubro de 2020, para alinhamento das equipes em âmbito Nacional feito através de
videoconferência. O principal objetivo deste exercício foi sanar possíveis falhas, esclarecer
dúvidas e propor melhorias; Exercício Nacional Simulado que foi realizado no dia 27 de
outubro de 2020, neste exercício tivemos a presença da imprensa. Foi realizada divulgação do
uso de DRONES pela Polícia Federal em âmbito Nacional. O principal objetivo desse exercício
foi informar à sociedade, por meio da imprensa, que a PF utilizará recursos tecnológicos
nas eleições 2020 e com isso obter um efeito preventivo no que se refere a ocorrência de
crimes eleitorais bem como obter elementos (imagens/vídeos) da materialidade desses delitos
caso venham a ocorrer; No dia 15 de novembro de 2020 irá ocorrer a utilização efetiva da
ferramenta (DRONES) na prevenção/repressão a crimes eleitorais durante o horário de
votação. Serão transmitidas imagens e também gravações dos voos, pelos operadores das
RPAs para o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional das eleições que funcionará
em Brasília/DF. Todas as etapas do planejamento, as diretrizes, assim como as operações se
encaixam à regulamentação de aeronaves não tripuladas e acesso ao Espaço Aéreo Brasileiro,
RBAC-E nº 94”.
HENRIQUE ANDRADE PORTO 29

A ausência de mandamentos limitantes está gerando uma anomalia,


atos que os órgãos governamentais necessitariam de autorização legal ou
judicial para realizar caso fossem feitos por um agente no solo, ganham
total liberdade para serem executados quando feitos por um agente no ar,
o drone.
Enquanto as agências reguladoras e os órgãos federais até o
momento focam na regulação dos modelos de drones e no uso do espaço
aéreo nacional, direitos fundamentais como a privacidade e a propriedade
estão sendo criticamente confrontados em face de uma utilização ainda
desregrada.
O uso e a regulação de drones deve atentar aos direitos fundamentais
do indivíduo e da sociedade. Apesar disso, a Agência Nacional da Aviação
Civil, no seu seminário transmitido ao vivo no YouTube em 11 de agosto de
2020, “ANAC: Novas perspectivas para a regulação de Drones”, elenca como
premissas para a regulamentação apenas: “Viabilizar operações, desde que a
segurança às pessoas possa ser preservada; Minimizar ônus administrativos
e burocracia; Permitir evolução conforme setor se desenvolve (regulamento
especial)”.5
A ausência de uma preocupação desta agência com a privacidade
dos indivíduos ou a propriedade dos particulares já deve trazer à tona
questionamentos sérios acerca dos rumos da atual e vindoura regulação.
Importante destacar que a problemática não se restringe à discussão
da invasão à privacidade e aos limites da propriedade privada, abarcando o
tratamento dos dados obtidos pelos sistemas dos drones, ou a frequência e
alcance dos ruídos produzidos pelas hélices, que em alguns modelos podem
chegar a 81dB (ruídos a partir de 50 decibéis já são capazes de causar danos
ao ouvido humano6), sendo que esse volume aumenta conforme o número
de aeronaves que ocupam o espaço naquele momento. Afinal, a segurança
de pessoas não anuentes com a operação não se restringe unicamente à
mitigação dos riscos da queda de uma aeronave, assim, é preciso tutelar
a incolumidade física e psíquica destes indivíduos, que até o momento é
negligenciada pelas regulações vigentes.
A idiossincrasia nacional decorrente de uma regulamentação
claudicante, feita através de três órgãos independentes e autônomos, aparenta

5. MUNDOGEO. ANAC: Novas Perspectivas para a Regulação de Drones. (11:13). YouTube, 11 ago.
2020. (1:38:36). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4M9BoKOr8LI&ab_
channel=MundoGEO. Acesso em: 24 set. 2020.
6. A OMS afirma que a emissão sonora de aeronaves acima de 45 dB para voos diurnos e
acima de 40 dB para voos noturnos já é capaz de produzir efeitos nocivos aos ouvidos
humanos expostos. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Regional Office for Europe.
Environmental Noise Guidelines. Copenhagen, 2018, p. 17. Disponível em: https://apps.
who.int. Acesso em: 20 out. 2022.
30 DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

não só ser insuficiente para a proteção dos indivíduos, mas também ser
temerária a novos investimentos e um próspero desenvolvimento do setor.
A insegurança jurídica em face do atual estado regulatório não só é
frágil em face de um possível desrespeito a direitos fundamentais, como
consequentemente pode propiciar uma predominância do poder econômico
com o fulcro de se resguardar apenas os interesses financeiros dos agentes
envolvidos na exploração desse mercado ao longo da elaboração dos
processos regulatórios.
É imprescindível um desenvolvimento harmônico e sustentável deste
setor da aviação. Da mesma forma, requer que sejam estudados os limites
da regulação. A justificativa de se entender os limites do espaço aéreo de
tráfego dos drones e a propriedade privada, bem como a convergência
destes, aparenta ser o início de um debate promissor, mas que não pode
se limitar a apenas esta temática. A regulação obviamente não pode ser
omissa acerca dos direitos à privacidade e intimidade de todos os sujeitos
sobrevoados por esses veículos aéreos não tripulados, entendendo que os
direitos à segurança e a saúde dos indivíduos vão além dos simples casos
de colisão.
Do ponto de vista científico, justifica-se este estudo por ser ainda um
campo praticamente inexplorado juridicamente e muito promissor tanto
em uma perspectiva social como comercial e econômica. O Brasil, como
uma economia emergente e provido de um vasto espaço aéreo, tem muito a
se beneficiar de um saudável desenvolvimento deste mercado em expansão
que atrai muitos investidores.
A discussão acerca da regulação para um desenvolvimento econômico
ganha impulso com o desenvolvimento tecnológico cada vez mais inovador.
Por exemplo, estão em desenvolvimento e aperfeiçoamento projetos de táxi
drone, entrega de mercadoria, aperfeiçoamento agrícola, segurança pública
etc., sendo que alguns destes serviços já possuem licenças de operação no
Brasil.
A regulação nacional pode contribuir para a evolução da tecnologia
dos drones auxiliando no crescimento do setor, além do desenvolvimento
de aplicações e de serviços capazes de gerar novos modelos de negócios,
trazendo mais benefícios à sociedade bem como aos agentes econômicos.
O livro pretende contribuir para um aprimoramento das regulações
e criação de políticas adequadas através da perspectiva da análise da teoria
das falhas da regulação, com o enfoque nos direitos individuais das pessoas
expostas aos voos não tripulados.
As problematizações de pesquisa que nortearam o livro consistem
nas seguintes perguntas diante do atual desenvolvimento da tecnologia e
sua implementação em nossa sociedade: Os drones seriam parte de uma
HENRIQUE ANDRADE PORTO 31

indústria que teria o privilégio de ver a sua inserção econômica e social


desprovida de conflitos? Se não, quais seriam os direitos envolvidos nessas
questões?
Assim, em face do avanço das aplicações trazidas pelo
desenvolvimento tecnológico, dentro de um emergente mercado global, é
possível estabelecer limites básicos aos direitos individuais afetados pelos
voos de baixa altitude?
A hipótese que se pretendeu estudar nesta obra é a de que esse não
é um setor da aviação civil que será incorporado em nossa sociedade de
forma incólume, conforme for aumentado o emprego dessa tecnologia
mais conflitos surgirão. Através da análise das questões controvertidas
espera-se que seja possível reconhecer um conjunto de direitos que possam
nortear o crescimento sustentável do setor.
Para um efetivo desenvolvimento mercadológico, a regulação precisa
atrair o investimento e permitir um avanço do setor com representativos
reflexos na economia brasileira. Porém, tratando-se de direitos
fundamentais, não se tem elementos mínimos a serem observados nesses
textos regulatórios. Assim, a última hipótese a ser pesquisada consistirá
na elaboração de um conjunto de parâmetros mínimos de proteção,
capazes de fornecer uma segurança jurídica e de investimento aos agentes
econômicos e resguardar garantias e direitos individuais mínimos.
O objetivo geral consistirá na identificação dos direitos individuais
que são tutelados e os conflitos que já foram observados com a finalidade
de encontrar um padrão mínimo de regulação.
Dessa forma, os objetivos específicos serão os estudos detalhados das
mais diversas ocorrências de conflitos oriundas das operações com drones
com a análise comparativa dessas decisões. Ainda serão identificados os
textos regulatórios nacionais que serão posteriormente analisados sob a
teoria das falhas da regulação.
O marco teórico que guiará os trabalhos deste livro será a teoria
das falhas da regulação de Cass Sunstein, que é fundamental para a
compreensão dos marcos regulatórios. O autor norte-americano possui
uma matriz teórica bem vasta no que diz respeito ao campo de estudo das
agências reguladoras, seus diversos modelos de atuação, bem como sua
importância para as sociedades capitalistas contemporâneas.
A atuação estatal regulatória visa auxiliar bem como proteger as
empresas nacionais, o mercado interno, procurando evitar a ocorrência de
um desequilíbrio estruturante. Além disso, ela resguarda também os direitos
dos cidadãos e por isso deve ser capaz de harmonizar os interesses do setor
econômico com os direitos individuais expostos às operações. A intervenção
32 DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

estatal no sistema econômico é elemento presente nos modelos capitalistas


e ela deve ser realizada de maneira sempre aprimorada, equilibrando todos
os elementos circundantes a esta atuação.
No contexto de ação estatal através dos processos de regulação,
Sunstein reconhece a importância dessas agências na sociedade
contemporânea, buscando trazer uma harmonia para as relações envolvidas.
No entanto, esses processos podem apresentar inúmeros defeitos, tanto na
sua elaboração quanto na sua aplicação que representam uma ruptura da
racionalidade da regulação Estatal, trazendo o autor uma vasta gama de
falhas e como elas afetam o funcionamento do Estado.
As estruturas regulatórias tradicionais são complexas, avessas aos
riscos e ajustam-se lentamente às mudanças nas circunstâncias sociais.
Tecnologias emergentes como drones podem levar a resultado imprevisíveis,
onde regulações claras e diretrizes éticas estão ausentes. As abordagens
regulatórias precisam encontrar um equilíbrio entre os interesses do setor
privado (lucros) e os interesses públicos (confiança, segurança, preservação
da natureza e mudanças climáticas).
No primeiro capítulo será analisado o cenário atual dos drones e
seus estágios econômicos consistentes das possibilidades oriundas da
implementação dessa tecnologia em nossa sociedade. Na sequência será
feito um estudo de casos internacionais, onde se debruçará sobre os conflitos
observados em face da violação de direitos individuais, encerrando com a
apresentação do cenário regulatório nacional das aeronaves remotamente
pilotadas.
No segundo capítulo serão abordados os direitos que foram
violados nos conflitos internacionais, a análise pormenorizada de cada um
deles em face dos detalhes das operações com drones e a busca por uma
contextualização destes em face de um cenário de inovação tecnológica.
Na última etapa será feita a apresentação da teoria de Sunstein, qual
seja, a das falhas da regulação, com enfoque na problemática da coordenação
de atuação das agências, trazendo o caso ocorrido na aviação civil do Brasil
em 2006, além de apresentar a conclusão decorrente da demonstração dos
parâmetros mínimos encontrados a serem observados.
CAPÍTULO 1
OCUPAÇÃO URBANA DOS DRONES

1.1 INCORPORAÇÃO DOS DRONES EM NOSSA SOCIEDADE

Indubitavelmente o século XXI, em suas primeiras décadas, tem


se mostrado um cenário em que as inovações tecnológicas estão sendo
popularizadas, colocadas à disposição da sociedade, tanto para o seu uso
recreativo quanto para a prestação de serviços. Pode-se facilmente elencar
os telefones celulares como ferramentas que transformaram o serviço de
telecomunicação, os smartphones e a internet juntos revolucionaram a troca
de mensagens (anteriormente por cartas e telegramas), o acesso às notícias
e a mobilidade urbana (aplicativos de transporte). Da mesma forma,
pode-se prever que drones estarão popularizados nas próximas décadas
prestando diversos tipos de serviços como transporte, vigilância, entrega
de encomendas, segurança e monitoramento.
É possível e bem provável que no Brasil exista pessoas que nunca
presenciaram um drone realizando um voo, muito menos exercendo a
prestação de um serviço, porém, com o tempo isso se tornará cada vez mais
uma exceção. Os RPA’s tiveram seu início no campo militar1, principalmente
com seu emprego pelos Estados Unidos nos conflitos armados na parte
final do século XX em diante2, assim, a ausência brasileira em guerras pode

1. HODGKINSON, David; JOHNSTON, Rebecca. Aviation Law and Drones: unmanned aircraft
and the future of aviation. Nova York: Routledge, 2018, p. 18.
2. “Essas aeronaves começaram a emergir nos céus e ganhar notoriedade em cenários militares,
se tornando de conhecimento popular os modelos MQ-1 Predator e MQ-9 Reaper, utilizados
pelos Estados Unidos entre os anos de 2001 e 2015 na Guerra ao Terror, porém não
demorou muito para que elas passassem a ser produzidos e empregadas em operações civis. A
tecnologia que era utilizada pelo exército norte-americano para tirar as vidas dos seus inimigos
de Estado, hoje está sendo utilizada para operações de regaste em situações de desastre ou
entrega de medicamentos.” PINTO, Felipe Chiarello de Souza; PORTO, Henrique Andrade.
O Poder Disruptivo dos Drones e o seu Potencial de Impacto no Mercado de Trabalho.
In: BITTENCOURT, Renata Osório Caciquinho; CREPALDI, Daniela Cristina; INÁCIO,
Hillary Christine Piedade; RODRIGUES, Yuli Barros Monteiro. Direito do Trabalho como
Instrumento de Civilização – vol. 1. Homenagem ao professor Maurício Godinho Delgado. 1.ª ed.
Leme: JH Mizuno, 2022, p. 184.
34 DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

ter contribuído para que grande parte da população nacional só tenha tido
contato com essa tecnologia através de obras televisivas, notadamente as
importadas.
O distanciamento proporcionado pelo contato unicamente através de
uma tela eletrônica pode passar a impressão de tratar-se de uma tecnologia
distante, futurística; no entanto, não se poderia estar mais equivocado.
Para uma melhor compreensão acerca da dimensão do cenário nacional
das aeronaves não tripuladas, é preciso ter em mente os dados oficiais das
agências brasileiras. A ANAC3, a título demonstrativo, até 14 de abril de
2022, já havia realizado o registro de 93.445 aeronaves, ainda, para essas
aeronaves foram realizadas pelo menos 243.842 solicitações oficiais de voo.4
Um dos maiores campos de aplicação dos RPA’s é o setor de transporte
de produtos, cargas e entregas delivery. A possibilidade de locomoção do local
de retirada até o ponto de entrega por drones com um alcance médio de até
33 quilômetros5, em um tempo menor do que o percorrido pelos veículos
terrestres e com uma economia de custos, torna a escolha desse meio de
transporte atrativa para todos que utilizam e dependem desse serviço. Não
é preciso apenas ter a necessidade de percorrer grandes distâncias para
empregar o modelo de entregas por UAV’s, uma vez que estas aeronaves
também têm a possibilidade de serem utilizadas na cadeia de produção de
determinada indústria ou em outras funcionalidades.
A possibilidade de alçarem voos de maneira mais fácil que aviões e
helicópteros permite que essas aeronaves sejam utilizadas para captação
de imagens, não apenas por proporcionarem o ângulo aéreo que era ou
impossível ou deveras custoso, mas por serem dotadas de câmeras de alta
tecnologia capazes de realizar registros de alta qualidade gráfica, bem como
infravermelho e calor. A indústria audiovisual não hesitou ao empreender
essa possibilidade de novas perspectivas, seja para programas de televisão,
cinemas ou comerciais. A percepção dos drones não mais como brinquedos
3. A ANAC, em seu portal eletrônico, mantém um banco de dados frequentemente atualizado
em que é possível verificar quantas aeronaves possuem registro. BRASIL. Agência Nacional
de Aviação Civil (ANAC). Contém as aeronaves não tripuladas cadastradas em cumprimento ao
parágrafo E94.301(b) do RBAC-E nº 94. Disponível em: https://www.anac.gov.br/acesso-
a-informacao/dados-abertos/areas-de-atuacao/aeronaves/drones-cadastrados/painel-de-
drones-cadastrados. Acesso em: 14 abr. 2022.
4. As solicitações de voo são realizadas ao DECEA através da plataforma especializada para
solicitação de acesso ao espaço aéreo por aeronaves não tripuladas (SARPAS), que presenciou
um aumento de 1.300% desde a implementação desse sistema. BRASIL. Ministério da Defesa.
Departamento de Controle do Espaço Aéreo. Força Aérea Brasileira. DECEA orienta pilotos
de aeronaves não tripuladas no congresso Drone in Búzios, 19 abr. 2022. Disponível em: https://
www.decea.mil.br/?i=midia-e-informacao&p=pg_noticia&materia=decea-orienta-pilotos-
de-aeronaves-nao-tripuladas-no-congresso-drone-in-buzios. Acesso em: 20 abr. 2022.
5. SHAHZAAD, Babar et al. Resilient composition of drone services for delivery. Future
Generation Computer Systems, v. 115, p. 335-350, feb. 2021. Disponível em: https://www.
researchgate.net. Acesso em: 20 out. 2022.
HENRIQUE ANDRADE PORTO 35

luxuosos, mas como uma ferramenta de trabalho valiosa, permitiu que


os estúdios cinematográficos incorporassem essas aeronaves como um
instrumento essencial para a captação de fotos cênicas ou registro de vídeos
panorâmicos.6
O próprio jornalismo tem se utilizado das perspectivas trazidas pelos
RPA’s com versatilidade das imagens obtidas, oferecendo uma nova gama de
possibilidades no exercício dessa profissão. A economicidade desses voos
permite a captação de imagens e dados essenciais para a composição do
conteúdo a ser noticiado, contribuindo para a sua precisão, além de expor o
jornalista a menos riscos no caso de coberturas em situações compreendidas
como mais arriscadas.7
Políticas públicas já estão se valendo de drones nos seus atos
de execução, os órgãos públicos estão depositando toda a efetividade
da operação na existência das aeronaves de não restrição de voo. Há a
utilização do sobrevoo de áreas residenciais, e através das imagens obtidas
e armazenadas pelas secretarias de saúde, são localizados focos e áreas
endêmicas de dengue e elaborados planos de ação e combate. São captadas
imagens das áreas adjacentes ao imóvel, os quintais, e através da alta
resolução dos registros é possível se localizar nascedouros dos mosquitos
transmissores.8
Além disso, há o emprego dos drones para fiscalização de imóveis. A
utilização do registro de imagens captadas durante o voo sobre propriedades
tem permitido georreferenciamentos com a consequente atualização dos
cadastros e potencial aumento da arrecadação dos impostos territoriais. As
fotos aéreas são realizadas por drones pertencentes ao órgão público ou a
uma empresa prestadora do serviço que irá analisar os dados obtidos para
fazer cálculos e vetorizar áreas, permitindo que as informações contidas nos
registros dos órgãos públicos permaneçam o mais possível atualizadas.9
6. GIONES, Ferran; BREM, Alexander. From Toys to Tools: The Co-evolution of Technological
and Entrepreneurial Developments in the Drone Industry. Business Horizons, v. 60, n. 6, p.
878, 1.º nov. 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/319770918_
From_Toys_to_Tools_The_Co-Evolution_of_Technological_and_Entrepreneurial_
Developments_in_the_Drone_Industry. Acesso em: 20 out. 2022.
7. CULVER, Kathleen Bartzen. From Battlefield to Newsroom: Ethical Implications of Drone
Technology in Journalism. Journal of Mass Media Ethics, v. 29, n. 1, p. 53, 16 jan. 2014. Disponível
em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/08900523.2013.829679. Acesso em: 20
out. 2022.
8. PEREIRA, Matheus Antonio et al. Identificação de sítios de reprodução de Aedes Aegypti
com aeronave remotamente pilotada (ARP). Nativa, Sinop, v. 9, n. 4, p. 344-351, 20 set.
2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354760655_Identificacao_
de_sitios_de_reproducao_de_Aedes_aegypti_com_aeronave_remotamente_pilotada_ARP.
Acesso em: 20 out. 2022.
9. AMAZONAS. Prefeitura de Manaus. Prefeitura usa tecnologia com drones na regularização fundiária
na capital, 23 abr. 2021. Disponível em: https://www.manaus.am.gov.br/noticia/prefeitura-
usa-tecnologia-com-drones-na-regularizacao-fundiaria-na-capital/. Acesso em: 15 abr. 2022.
36 DRONES
REGULAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS

Na área de segurança pública, os monitoramentos realizados através


de modelos de vigilância em que não necessariamente será perceptível aos
indivíduos a presença do drone em razão da sua altura, aliado às estações
de análise de dados em tempo real, serão capazes de orientar operações
policiais terrestres, além da possiblidade de utilizar os UAV’s de modo a
fornecer suporte físico não apenas estratégico aos agentes nas operações
em solo.10
A área da saúde, que em diversas ocasiões enfrenta situações
emergenciais, nas quais o fator tempo se torna o elemento crucial para
a obtenção de um resultado positivo, tem colhido ótimos resultados
recorrentes do emprego dos serviços realizados por UAV’s. A entrega
de medicamentos, suprimentos e localização de vítimas na ocorrência de
desastres naturais ou situações de calamidade pública tem sido essenciais
no salvamento das vidas que estão em risco.11
Conta-se, ainda, com a utilização das aeronaves para o transporte de
pessoas ao invés do transporte de mercadorias, os drones estariam realizando
um serviço de locomoção de passageiros. A perspectiva de se transportar
entre o ponto de partida e o destino sem enfrentar o trânsito existente
nas metrópoles é um ótimo mercado a ser explorado pelas empresas. Tal
aplicabilidade já está sendo observada, ainda que em caráter experimental,
com empresas desenvolvendo suas próprias aeronaves e realizando eventos
testes para analisar e aprimorar este serviço.12
A própria segurança do trabalho tem se valido das benesses com
a possibilidade de emprego, a título de exemplificação, dessas aeronaves
em canteiros de obras, campos de trabalho vastos e regiões que envolvam
complexidades em decorrência da altura envolvida. A eficiência dessa
aplicação tem resultado em um aumento da eficiência logística de toda a
operação laboral, aperfeiçoamento da segurança, contribuindo de maneira
ampla no ambiente de trabalho.13
10. SOBRAL, Patrícia Verônica Nunes Carvalho; SANTOS, Alex Torres. A Inserção dos
Drones (RPAS) na Segurança Pública Brasileira: uma análise sob a ótica do princípio da
eficiência. Revista em Tempo, v. 18, n. 1, p. 133-155, dez. 2019. Disponível em: https://revista.
univem.edu.br/emtempo/article/view/3209. Acesso em: 20 out. 2022.
11. BALASINGAM, Manohari. Drones in medicine-The rise of the machines. International Journal
of Clinical Practice, John Wiley & Sons Ltd., v. 71, n. 9, p. 1-4, 19 sep. 2017. Disponível em:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/ijcp.12989. Acesso em: 20 out. 2022.
12. BENINGER, Stefanie; ROBSON, Karen. The disruptive potential of drones. Marketing
Letters, Springer Link, v. 31, p. 316, dec. 2020. Disponível em: https://link.springer.com/
article/10.1007/s11002-020-09542-8. Acesso em: 20 out. 2022.
13. NASCIMENTO, Jackson Silva; GONÇALVES, Bruna Bugarin Tavares; CINTRA, Cynthia
Leonis Dias. Otimização da segurança em canteiros de obras utilizando veículos aéreos não
tripulados (vants) com controle de voo via arduino yun. Acta Tecnológica, v. 12, n. 1, p. 63-
72, 14 mar. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/343175618_
OTIMIZACAO_DA_SEGURANCA_EM_CANTEIROS_DE_OBRAS_UTILIZANDO_
VEICULOS_AEREOS_NAO_TRIPULADOS_VANTS_COM_CONTROLE_DE_
HENRIQUE ANDRADE PORTO 37

Os benefícios não são apenas os perceptíveis de forma direta, ou


seja, dos indivíduos consumidores, destinatários imediatos da operação. A
necessidade de capital humano vai além das pessoas envolvidas nos projetos
de desenvolvimento das aeronaves ou para a sua pilotagem. Há uma
cadeia de operação que tenderá a empregar um vasto número de pessoas,
principalmente conforme forem sendo criadas carreiras decorrentes da
consolidação dessa tecnologia.14 A própria indústria bélica nacional já está
percebendo os frutos, uma vez que foi celebrado recentemente um contrato
para que uma empresa nacional venha a desenvolver um modelo armado de
drone para o Exército Brasileiro.15
Havendo uma efetivação dessa tecnologia pelo mercado e uma
aceitação por parte dos consumidores e cidadãos, maior será a circulação
dos drones prestando os mais diversos serviços. Em face da vasta
possibilidade de aplicações dessa tecnologia, não tardará para que haja
um considerável fluxo de aeronaves pilotadas remotamente nos céus das
cidades. Na ausência de um vocábulo representativo do coletivo de drones,
encontraremos referências a “revoadas” ou “enxames” quando as pessoas
forem referir-se à circulação intensa dessas aeronaves.
Os moradores dos centros urbanos querem os melhores serviços
e esperam ter acesso rápido às suas encomendas, sejam elas a refeição, o
remédio ou mesmo grandes itens como uma televisão. Não basta o produto
chegar em um breve espaço de tempo, o transporte precisa ser seguro, não
oferecendo riscos à encomenda nem a todos que sejam expostos ao longo
do percurso deste serviço. As metrópoles possuem edifícios com grandes
alturas espalhados por toda a sua malha urbana, cercados por casas, parques,
prédios públicos e comerciais, onde habitam e transitam inúmeras pessoas.
Todos esses elementos elencados devem ser acrescidos na elaboração
da programação das operações que pretendam ocorrer no perímetro
urbano. As rotas a serem realizadas não terão de seguir obrigatoriamente
os trajetos das vias urbanas as quais são visíveis a olho nu, tendo calçadas,
desnível da rua e uma distância das residências. O caminho a ser percorrido
por um drone ainda é incerto.
A benesse da popularização de uma nova tecnologia não resta
incólume ao surgimento de conflitos, dilemas e preocupações. Em face
disso, a regulação teria uma função de proteção, resguardando os direitos

VOO_VIA_ARDUINO_YUN. Acesso em: 20 out. 2022.


14. HARARI, Yuval Noah. 21 Lições para o Século 21. Tradução: Paulo Geiger. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018, p. 36.
15. XMOBOTS. XMOBOTS e MBDA assinam MoU para o desenvolvimento da versão armada do RPAS
Nauru 1000C com mísseis Enforcer, 17 maio 2022. Disponível em: https://xmobots.com.br/
xmobots-e-mbda-assinam-mou-para-o-desenvolvimento-da-versao-armada-do-rpas-nauru-
1000c-com-misseis-enforcer/. Acesso em: 25 maio 2022.

Você também pode gostar