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SEMINÁRIO TEOLÓGICO GILGAL

CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA

HERMENÊUTICA BÍBLICA
Um estudo de alguns princípios e métodos

de interpretação da Escritura

segundo a Teologia Bíblica Conservadora

Pr. JAIRO GONÇALVES MARTINS

PELOTAS, RS, JULHO DE 2021


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

PREFÁCIO
Este trabalho de HERMENÊUTICA BÍBLICA foi organizado visando atender
aos alunos do SEMINÁRIO TEOLÓGICO GILGAL, órgão educativo oficial da
CONVENÇÃO BATISTA CONSERVADORA (CBC), no Curso de Bacharel em
Teologia.
Trata-se de um trabalho de pesquisa bibliográfica, pois a Hermenêutica é uma
disciplina largamente estudada nos meios acadêmicos. No campo teológico é vasta
a literatura disponível, pois é uma ciência indispensável, sem a qual não seria
possível compreender o profundo e verdadeiro significado da Escritura.
A Bíblia, objeto de estudo deste trabalho, é um livro que exige do exegeta um
conhecimento básico das regras gerais da Hermenêutica. Porém, é lícito dizer que a
Hermenêutica geral não é suficiente para interpretar a Bíblia. Não se trata de
desprezar a erudição acadêmica que tanto bem tem legado à humanidade, mas sim
de reconhecer que a Escritura é um livro especial, a única revelação de Deus para o
homem e, como tal, depende de uma compreensão do texto e do próprio Autor
divino.
Para satisfazer esta necessidade, a Hermenêutica Bíblica torna-se um capítulo
especial da Hermenêutica Geral, dispõe de regras especiais, adotadas
exclusivamente à interpretação da Escritura, sem as quais a Bíblia seria um livro
ininteligível.
Por desprezar este princípio elementar é que muitos teólogos renomados tem
entrado por um caminho perigoso, fazendo afirmações incompatíveis com o
verdadeiro pensamento divino, desviando-se do projeto original de Deus para suas
próprias vidas, a Igreja e a humanidade em geral. Esta atitude tem causado muitos
prejuízos, tais como: concepções erradas a respeito da natureza de Deus, da Igreja
e do processo de salvação; comportamento relapso e escandaloso de muitos
cristãos; desvio dos verdadeiros objetivos do cristianismo; risco de perder a salvação
eterna.
É para dirimir estes problemas instalados na Igreja que o Seminário incluiu em
seu currículo de Bacharel em Teologia esta matéria. Através de um estudo sério das
regras básicas de interpretação da Escritura, é possível evitar erros já instalados e
combater as heresias deles decorrentes.

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É necessário que todos os Teólogos Batistas Conservadores assumam uma


postura bíblica e teológica firme, alicerçada nos padrões da verdade e da ortodoxia.
Somente assim é que poderemos “perseverar até o fim” (Mateus 24.13), sempre
embasados na Palavra de Deus.
Se houver conscientização pessoal, desejo de assumir o compromisso e
empenho nas atitudes, os objetivos precípuos desta matéria terão sido alcançados.
Que Deus abençoe a todos os alunos do Seminário.
Pr. Jairo Gonçalves Martins.
Pelotas, RS, julho de 2021.

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Hermenêutica Bíblica - STG 2021

SUMÁRIO

PREFÁCIO 01
SUMÁRIO 03
INTRODUÇÃO 05

PRIMEIRA PARTE – DEFINIÇÕES


I. HERMENÊUTICA 06
II. CIÊNCIAS PARALELAS: Crítica Textual, Exegese, Homilética 07

SEGUNDA PARTE – HISTÓRICO DA HERMENÊUTICA BÍBLICA


I. HERMENÊUTICA DO ANTIGO TESTAMENTO 09
II. HERMENÊUTICA JUDAICA: Judeus Palestínicos, Judeus Alexandrinos,
Judeus Cabalistas 10
III. HERMENÊUTICA DE JESUS CRISTO 13
IV. HERMENÊUTICA CRISTÃ: Igreja Apostólica, Pais da Igreja, Idade
Média, Reforma Protestante, Pós-Reforma ou Confessionalismo, Período
Moderno, Hermenêutica Ortodoxa 14

TERCEIRA PARTE – MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO


MÉTODOS ERRADOS: Método Supersticioso, Método Dogmático,
Método Racionalista, Método Alegórico, Método Histórico 27
MÉTODO CORRETO: Método Literal 28

QUARTA PARTE – REGRAS BÁSICAS DE INTERPRETAÇÃO


I. REGRA AÚREA: A BÍBLIA INTERPRETA-SE A SI MESMA 30
II. SEGUNDA REGRA: A INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL 30
III. TERCEIRA REGRA: O USO DO CONTEXTO 32
IV. QUARTA REGRA: AS PASSAGENS PARALELAS 34
V. QUINTA REGRA: A PRIMEIRA MENÇÃO 36
VI. SEXTA REGRA: A MENÇÃO INTEGRAL 38
VII. SÉTIMA REGRA: O PRINCÍPIO ILUSTRATIVO 39
VIII. OITAVA REGRA: A REVELAÇÃO PROGRESSIVA 40

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IX. NONA REGRA: O PRINCÍPIO DE ESTUDO TEMÁTICO 42


X. DÉCIMA REGRA: A LINHA TEOLÓGICA ADOTADA 44

QUINTA PARTE – INTERPRETAÇÃO BÍBLICA ESPECIAL


I. AUTORIA: Autor Divino, Autores Humanos 48
II. FUNDO HISTÓRICO/GEOGRÁFICO: Pentateuco, Históricos, Poéticos,
Proféticos, Evangelhos e Atos, Cartas 49
III. NUMEROLOGIA BÍBLICA: Número Um, Número Dois, Número Três,
Número Quatro, Número Seis, Número Sete, Número Dez, Número Onze,
Número Doze, Número Vinte e Quatro, Número Cinquenta 53
IV. DISPENSAÇÕES: Dispensações da Trindade, Dispensações da
humanidade 62
V. CONCERTOS: Concerto Edênico, Concerto Adâmico, Concerto Noeico,
Concerto Abrâmico, Concerto Palestínico, Concerto Davídico, Concerto
Mosaico, Novo Concerto 67
VI. PROFECIA: Origem, Categorias de profecias, O tempo nas profecias,
Linhas escatológicas relacionadas à volta de Cristo, Linhas
escatológicas relacionadas ao Milênio, Profecias Messiânicas,
Interpretação do Apocalipse, Alvo Final 73

SEXTA PARTE – FIGURAS DE LINGUAGEM


I. PRIMEIRO GRUPO: Tipos, Símbolos, Parábolas, Símiles, Metáforas,
Alegorias 85
II. SEGUNDO GRUPO: Antromorfismo, Antropopatismo, Zoomorfismo 93
III. TERCEIRO GRUPO: Prosopopéia, Hipérbole, Litotes, Metonímia,
Sinédoque, Apóstrofe, Ironia, Paradoxo, Interrogação, Pleonasmo,
Paranomásia 95

CONCLUSÃO 100
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXO 1 103
ANEXO 2 108
QUESTIONÁRIO 113

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Hermenêutica Bíblica - STG 2021

INTRODUÇÃO
Por ser um livro especial - a inspirada, única e inerrante Palavra de Deus - a
Bíblia exige um capítulo especial na Hermenêutica, aplicada exclusivamente às suas
verdades singulares. É certo que algumas regras gerais de interpretação, que são
geralmente usadas na literatura secular, também podem ser-lhe aplicadas. Porém,
mais do que regras ou sabedoria humana, a Escritura exige do hermeneuta um
conhecimento espiritual, oriundo da experiência pessoal do Autor do Livro.
As regras mais importantes e definitivas, que podem ser estudadas e
dominadas mesmo pelos cristãos menos instruídos, se encontram no próprio texto
sagrado. Principalmente os ministros de Deus, que já têm formação teológica e
dominam a exegese, certamente que terão mais facilidade na compreensão destas
regras e poderão fazer melhor aplicação nas próprias leituras devocionais ou com a
finalidade de preparar mensagens e estudos bíblicos.
Este texto é voltado principalmente aos alunos do Curso de Bacharel em
Teologia do Seminário Teológico Gilgal, da Convenção Batista Conservadora (CBC),
aos quais procura-se dar um texto simples, porém suficiente para que tenham um
conhecimento básico desta matéria e sejam capacitados para fazerem uma
interpretação correta do texto bíblico. Como futuros teólogos, cooperadores nas
Igrejas, professores de Bíblia e Teologia ou Ministros do Evangelho, principalmente
diante da onda avassaladora de doutrinas heréticas emergentes no mundo,
precisam andar com passos firmes, trilhando os bons caminhos da verdadeira
interpretação bíblica.
Partindo destes princípios elementares, porém, basilares para uma
compreensão plena da Revelação divina, estudaremos esta matéria dividida em seis
tópicos principais que, acredito, servirão de passo inicial na grande caminhada do
conhecimento desta importante ciência.
O texto fundamental para esta pesquisa será a própria Escritura Sagrada,
também objeto principal do estudo.
Pr. Jairo Gonçalves Martins
Pelotas, RS, agosto de 2017.

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PRIMEIRA PARTE
DEFINIÇÕES
Neste capítulo estudaremos alguns tópicos importantes à compreensão da
ciência denominada HERMENÊUTICA BÍBLICA, que introduzirão o aluno de forma
natural no conhecimento da matéria.

I. HERMENÊUTICA
O Dicionário a Língua Portuguesa Larousse Cultural traz a seguinte definição:
“HERMENÊUTICA s.f. (gr. Hermeneutike). 1. Interpretação do sentido das palavras.
2. Interpretação dos textos sagrados. 3. Arte de interpretar leis.”
A. Almeida apresenta as seguintes definições, na página 11 de seu livro:
”Hermenêutica é a ciência e arte de interpretar. É ciência porque postula princípios seguros e
imutáveis; é arte porque estabelece regras práticas.” “Hermenêutica bíblica ou sagrada é o
estudo metódico dos princípios e regras de interpretação das Sagradas Escrituras.”

L. Berkhof, página 11, a define assim:


“A palavra Hermenêutica é derivada do termo grego Hermeneutike que, por sua vez, se
deriva do verbo Hermeneuo. (...) Podemos defini-la assim: Hermenêutica é a ciência que
nos ensina os princípios, as leis e os métodos de interpretação.”
“Podemos referir-nos à Hermenêutica geral e especial. A primeira se aplica à interpretação
de qualquer obra escrita; a última se aplica a determinados tipos de produção literária, tais
como, leis, história, profecia, poesia. A Hermenêutica Sacra tem caráter muito especial,
porque trata de um livro peculiar no campo da literatura – a Bíblia como inspirada Palavra
de Deus.”

Henry A. Virkler, na página 09 assim define o termo:


“Diz-se que a palavra hermenêutica deve sua origem ao nome de Hermes, o deus grego que
servia de mensageiro dos deuses, transmitindo e interpretando suas comunicações aos seus
afortunados ou, com frequência, desafortunados destinatários.”
“Em seu significado técnico, muitas vezes se define a hermenêutica como a ciência e arte de
interpretação bíblica. Considera-se a hermenêutica como ciência porque ela tem normas, ou
regras, e essas podem ser classificadas num sistema ordenado. É considerada como arte
porque a comunicação é flexível, e portanto uma aplicação mecânica e rígida das regras às
vezes distorcerá o verdadeiro sentido de uma comunicação.”

Segundo Roy B. Zuck, página 20, após relacionar a origem do termo ao deus
grego Hermes como intérprete dos deuses, sendo “ele quem descobriu a linguagem

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verbal e a escrita, tendo sido o deus da literatura e da eloquência”, define


Hermenêutica da seguinte forma: “... Assim o verbo hermeneuo passou a significar o
ato de levar alguém a compreender algo em seu próprio idioma (logo, ‘explicar’) ou
em outra língua (logo, ‘traduzir’).
O mesmo autor supra, na página 21, cita Terry:
“Assim, a hermenêutica é tanto ciência como arte. Na qualidade de ciência, enuncia
princípios, investiga as leis do pensamento e da linguagem e classifica seus fatos e
resultados. Como arte, ensina como esses princípios devem ser aplicados e comprova a
validade deles, mostrando o valor prático que têm na elucidação, das passagens mais
difíceis. Portanto, a arte da hermenêutica desenvolve e constitui um método exegético válido.”

Pelas definições supracitadas, podemos concluir que a Hermenêutica é tanto


uma ciência, quanto uma arte, subdivide-se em geral e especial – esta última
relacionada diretamente à Bíblia – procura elucidar o sentido exato dos textos
seculares e sagrados, seja através da tradução ou da explicação no próprio idioma,
através de princípios e métodos de interpretação.
Na busca de uma compreensão total da Hermenêutica, visando evitar
confusão, também podemos definir algumas ciências bíblicas relacionadas. As
principais são: a Crítica Textual, a Exegese e a Homilética:

II. CIÊNCIAS PARALELAS


1. Crítica textual: Henry A. Virkler, página 10, assim a define:
“... A crítica textual é a tentativa de averiguar o fraseado primitivo de um texto. (...) Mediante
cuidadosa comparação de um manuscrito com outro, os críticos textuais executam um
inestimável serviço, proporcionando-nos um texto bíblico que se aproxima intimamente dos
escritos originais dados aos crentes do Antigo e do Novo Testamentos.”

A. Almeida, página 11, assim define e associa o mesmo termo: “A Hermenêutica


distingue-se da Crítica Textual em que esta procura determinar quais as palavras exatas do texto
original, ao passo que aquela procura descobrir que o sentido dessas palavras no citado texto.”

2. Exegese: Sobre este tema, Roy B. Zuck, página 21, assim escreve:
“A exegese pode ser definida como a verificação do sentido do texto bíblico dentro de seus
contextos histórico e literário. (...) A exegese é a interpretação propriamente dita da Bíblia, ao
passo que a hermenêutica consiste nos princípios pelos quais se verifica o sentido.”

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A. Almeida, escrevendo sobre o mesmo termo, página 11, assim o define: “... a
Hermenêutica se distingue da Exegese em que esta é a aplicação dos princípios e
regras estabelecidos por aquela. O exegeta ou intérprete serve-se dos
conhecimentos que lhe fornecem a Crítica e a Hermenêutica ...”

3. Homilética: Segundo o Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa:


“HOMILIA ou HOMÍLIA s.f. (lat. homilia, lições de professor). 1. Instrução em estilo
coloquial sobre a religião e principalmente o Evangelho. 2. Discurso em estilo
afetado, que tem por tema a moral.”
Roy B. Zuck, página 21, assim define Homilética: “A homilética é a ciência
(princípios) e arte (tarefa) de transmitir o significado e a importância do texto bíblico
sob forma de pregação.”
Sintetizando, estas ciências são complementares entre si, cada qual
apresentando sua parcela de contribuição na arte de bem interpretar a Escritura.
Enquanto a Hermenêutica fornece os princípios necessários, a Crítica Textual e a
Exegese procuram descobrir o sentido original dos termos, a Homilética colabora na
arte da transmissão da mensagem em público.

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SEGUNDA PARTE
HISTÓRICO DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
É importante que façamos um inventário sucinto da História da Hermenêutica,
abrangendo a esfera secular e a bíblica.
Conforme o próprio nome indica, a HERMENÊUTICA é uma ciência muito
antiga. Se procede do nome do deus mitológico grego Hermes, sua origem remonta
aos tempos da filosofia grega antiga, ou mesmo a um período anterior. Na verdade,
desde que algum leitor tentou entender o sentido exato da literatura que chegou às
suas mãos, ali estava implícito o início da Hermenêutica como princípio de
compreensão textual. Assim, podemos admitir uma Hermenêutica arcaica na
Babilônia, na Grécia, na Pérsia, no Egito, na China e em outros países de cultura
milenar, que tiveram sua própria literatura.
Mas aquelas tentativas particulares e arcaicas de compreensão textual
diferiam, naturalmente, da Hermenêutica científica e da bíblica, conforme aplicadas
modernamente.

I. HERMENÊUTICA NO ANTIGO TESTAMENTO


Seguindo a linha de pensamento que norteia este estudo – a HERMENÊUTICA
BÍBLICA – vemos que a iniciativa para a interpretação e o consequente ensino da
Escritura se originou no próprio Deus. Ele mesmo, ao organizar a nação de Israel,
estabeleceu sacerdotes e levitas para serem os guardiões da Lei e seus principais
expoentes (Malaquias 2.4-8). A magnitude deste ministério só foi sentida
verdadeiramente quando os herdeiros destes cargos falharam em sua missão (II
Crônicas 15.3).
Mais tarde, os profetas de Israel, que Deus levantou em épocas de crise
nacional e espiritual, supriram esta lacuna deixada pelos sacerdotes e pelos levitas,
orientando o povo desviado no processo de retorno aos caminhos de Deus (II Reis
17.13). Alguns exemplos são de maior destaque, como Isaías (Isaías 1.10-20) e
Jeremias (Jeremias 44.23. Conferir com Deuteronômio 27.14 a 28.68).
Alguns reis de Israel, tementes a Deus, também se importaram com o
significado da Escritura para si mesmos e para o povo. Dois grandes destaques
foram Josafá (II Crônicas 17.7,9) e Josias (II Crônicas 34.19-21). Um exemplo
marcante foi o do rei Davi que no início do seu reinado em Israel, por

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desconhecimento da Lei ou por negligência, intentou fazer as coisas a seu modo,


sofrendo reveses administrativos e perdendo a vida de um súdito fiel (I Crônicas
13.5-10). Mais tarde, porém, fizeram uma interpretação correta da Escritura e
obedeceram às ordenanças divinas, o que resultou em bênçãos para o rei e toda a
nação (I Crônicas 15.1-15; Números 4.1-4,15; 7.9).
Após o fim do cativeiro babilônico, quando foram autorizados pelo rei Ciro, o
Persa, a retornarem à terra prometida, a maioria dos judeus provavelmente conhecia
e usava a língua aramaica, ou algum dialeto estrangeiro para comunicar-se. Assim,
não conhecia a língua Hebraica o suficiente para ouvir e entender a Escritura,
surgindo então a necessidade de algum intérprete versado na língua e na própria
Escritura. O sacerdote Esdras e seus colaboradores cumpriram fielmente a missão
divina, dando início ao processo de interpretação bíblica judaica, que mais tarde
continuaria nas mãos de outros eruditos, como bem prova a História do povo de
Deus (Neemias 8.1-8).

II. HERMENÊUTICA JUDAICA


A História da interpretação judaica não relatada na Bíblia, teve sua origem na
Babilônia, durante o cativeiro. Os judeus exilados que ainda mantinha algum temor
de Deus no coração, imediatamente sentiram a necessidade de contato com a Lei e
também de transmitirem estes ensinamentos aos próprios filhos, a fim de manterem
a identidade nacional. Surgiram, então, as sinagogas, que serviam de escola e local
de culto a Deus. Quando se reuniam nestes lugares sagrados, os rabinos judeus
liam a Escritura e interpretavam segundo as tradições e os conhecimentos que
tinham. Foi graças a atitudes como estas, que surgiram homens do quilate de
Esdras, que foi temente a Deus e escriba versado na Lei (Esdras 7.6). Foi também
nas sinagogas que Jesus foi instruído na Lei e proferiu seus primeiros discursos
como o Messias de Israel (Lucas 4.15-21).
Mesmo após o cativeiro, em qualquer país onde houvesse uma comunidade de
judeus – dez judeus adultos do sexo masculino – era construída uma sinagoga,
perpetuando a identidade judaica através dos costumes e da Lei mosaica.
Porém, como era de se esperar, os judeus espalhados pelo mundo,
impulsionados muitas vezes pela cultura local, foram influenciados também em sua
maneira de interpretar a Escritura. Foi assim que surgiram várias correntes

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ideológicas e religiosas, cada qual defendendo categoricamente sua posição


teológica.
1. Judeus Palestínicos:
Uma corrente bem distinta de interpretação surgiu entre os eruditos que
habitavam a Terra de Israel. Talvez pela proximidade com o Templo reconstruído e
uma vivência mais apegada aos costumes judaicos, desenvolveram uma corrente
interpretativa mais escriturística e menos influenciada pelos conceitos da filosofia
grega.
Estes intérpretes tinham um cuidado especial pela Escritura, a ponto de
contarem as letras, ao copiarem os textos sagrados, para evitar que alguma fosse
esquecida. Um ponto considerado negativo neste sistema é o fato de desprezarem o
significado que o autor tinha em mente, produzindo interpretações excepcionais.
Também valorizavam mais a Lei – Torah – do que os Escritos e os Profetas.
Mas estes cuidados não evitaram que cometessem alguns erros, como o de
valorizar excessivamente a tradição oral, que era a interpretação rabínica da Lei, em
detrimento da Lei escrita.
Os dois principais rabinos que se destacaram na corrente palestínica foram
Hillel e Shammai1.
Hillel, um dos principais intérpretes de sua época, elaborou sete regras de
interpretação que, em resumo, segundo L. Berkof (página 17), são as seguintes:
“a) Leve e pesado (isto é, a minore ad majus, e vice-versa)
b) ‘equivalência’
c) dedução do especial para o geral
d. inferência de várias passagens
e. inferência do geral para o especial
f. analogia de outra passagem
g. inferência do contexto.”

2. Judeus Alexandrinos:
Os rabinos alexandrinos eram mais tolerantes em sua interpretação da
Escritura, especialmente pela influência e o uso da Filosofia Grega. Os principais
expoentes desta corrente foram os judeus Aristóbulo (160 a.C.) e Filo (20 a.C. a 54
d.C.).

1
Veja anexo 1.

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Filo, o mais importante dos dois intérpretes, rejeitou quase totalmente a


interpretação literal da Escritura, adotando a alegorização como método principal.
Mesmo sendo um judeu fiel, dizia que a letra (objeto da interpretação literal) era
apenas um símbolo de idéias mais profundas, buscando uma espécie de significado
oculto nas Escrituras.
Expondo de forma generalizada os métodos de interpretação escriturística do
judaísmo antigo, H. Virkler, página 37, relata que “no tempo de Cristo, a exegese
judaica podia classificar-se em quatro tipos principais: literal, midráshica, pesher, e
alegórica.” E, explicando cada método em particular, assim escreve:
“O método literal de interpretação, referido como peshat, evidentemente servia de base para
outros tipos de interpretações.”
“A interpretação midráshica incluía uma variedade de dispositivos hermenêuticos que se
haviam desenvolvido de maneira considerável no tempo de Cristo e continuaram a
desenvolver-se ainda por diversos séculos. (...) Assim, concentrando-se na identificação de
significados ocultos de detalhes gramaticais incidentais e especulações numéricas
arquitetadas, a exegese midráshica muitas vezes perdeu a visão do verdadeiro sentido do
texto.”
“A interpretação pesher existia particularmente entre as comunidades de Qumran. (...) incluía
um significativo enfoque escatológico. (...) Era comum a interpretação apocalíptica (...) Muitas
vezes a interpretação pesher era denotada pela frase ‘este é aquela’, indicando que ‘este
presente fenômeno é cumprimento daquela antiga profecia.”
“A exegese alegórica baseava-se na idéia de que o verdadeiro sentido jaz sob o significado
literal da Escritura. Historicamente o alegorismo foi desenvolvido pelos gregos para reduzir a
tensão entre sua tradição de mito religioso e sua herança filosófica. (...) Filão (sic) acreditava
que o sentido literal da Escritura representava um nível imaturo de compreensão; o
significado alegórico era para os maduros. Devia usar-se a interpretação alegórica nos
seguintes casos: (1) se o significado literal diz algo indigno de Deus, (2) se a declaração
parece ser contraditória a outra declaração da Escritura, (3) se o registro alega tratar-se de
uma alegoria, (4) se as expressões são dúplices ou se há emprego de palavras supérfluas,
(5) se há repetição de algo já conhecido, (6) se uma expressão é variada, (7) se se
empregam sinônimos, (8) se for possível um jogo de palavras, (9) se houver algo anormal em
número ou tempo (verbal), ou (10) se há presença de símbolos.”
“Resumindo: (...) Empregou-se a interpretação literal nas áreas de interesses judiciais e
práticos. (...) Os farizeus continuaram a desenvolver a exegese midráshica a fim de vincular
sua tradição oral mais intimamente com a Escritura. A comunidade de Qumram (...) continuou
a usar os métodos midráshico e pesher para interpretar a Escritura. E Filão (sic) e os que
desejavam conciliar a Escritura judaica com a filosofia grega continuaram a desenvolver
métodos exegéticos alegóricos.”

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L. Berkof, página 16, define o método midrash como “exposição exegética”. E


complementa:
“De modo geral, a literatura midrash pode ser dividida em duas classes: (1) Interpretação de
caráter legal, tratando de assunto de obrigações impostas pela lei em sentido estritamente
legalístico (...) e, (2) interpretações de tendência mais livre e edificante, abrangendo todas as
partes não legalistas da Escritura (...) Essa última classe de interpretação era mais homilética
e ilustrativa do que exegética.”

3. Judeus Cabalistas:
O movimento cabalista entre os judeus surgiu por volta do século XII d.C.
Embora fizessem uso do método alegórico, baseavam-se principalmente no método
literal de interpretação, porém de forma extremista e equivocada. Atribuíam aos
“versos, as palavras, letras, vogais e acentos” um poder sobrenatural, místico.
L. Berkof, página 18, cita os seguintes métodos dos quais se valeram:
“(1) Gematria, de acordo com o qual podiam substituir certa palavra bíblica por outra que
tivesse o mesmo valor numérico;
(2) Notarikon, que consistia em formar palavras pela combinação de letras iniciais e finais,
ou por considerar cada letra de uma palavra a letra inicial de outras palavras; e
(3) Temoorah, que indicava o método pelo qual se conseguia nova significação das palavras
por meio do intercâmbio de letras.”

M. J. Erickson, página 27, define o verbete CABALA da seguinte forma:


“CABALA – Forma mística de judaísmo originária na Idade Média. Entre suas doutrinas
estava a reencarnação e, dentre suas práticas esotéricas, a designação de expressões
numéricas às letras do alfabeto hebraico. Estes valores numéricos eram, então, usados na
descoberta do significado oculto das palavras das Escrituras dos hebreus.”

O cabalismo judaico é sincretista, pois reúne elementos diversos, inclusive


idéias espíritas, como a crença na reencarnação. Diante destas asseverações,
percebemos claramente que é uma forma desvirtuada de interpretação da santa
Escritura que Deus concedeu para orientar os homens. Seus adeptos ofuscam a
verdadeira luz da Palavra de Deus e tentam acender luminares filosóficos e
religiosos meramente humanos, perdendo, assim, a grande oportunidade de
servirem ao Senhor em verdade.

III. HERMENÊUTICA DE JESUS CRISTO

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O Senhor Jesus Cristo, fazendo uso de sua autoridade suprema, interpretou a


Escritura hebraica, o Antigo Testamento, de maneira correta e exemplar. Em
algumas ocasiões, aceitou a interpretação corrente entre os eruditos de sua época;
em outras porém, rejeitou, denunciou e combateu as heresias, esclarecendo o
verdadeiro significado do que estava escrito; também reinterpretou a Lei, fazendo
aplicações futuristas, dentro das perspectivas do Reino que Ele veio estabelecer.
Neste último sentido, Jesus estava apontando para a nova Dispensação que veio
inaugurar – a Graça – na qual o próprio Deus trata com os homens de forma diversa
das Dispensações anteriores. Uma autoridade desta natureza somente o Senhor
Jesus Cristo possuía, pois veio para cumprir integralmente a Lei (Mateus 5.17).
Fazendo um resumo das atitudes e ensinos hermenêuticos de Cristo,
relacionados ao Antigo Testamento, H. Virkler, página 40, assim enumera:
“Primeiro (...) ele foi uniforme no tratar as narrativas históricas como registros fiéis do fato. As
alusões a Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, e Davi, (...) foram entendidas como referências a
pessoas de carne e osso e a eventos históricos.”
“Segundo, quando Jesus fazia aplicação do registro histórico, ele o extraía do significado
normal do texto, contrário ao sentido alegórico.”
“Terceiro, Jesus denunciou o modo como os dirigentes religiosos haviam desenvolvido
métodos casuísticos que punham à parte a própria Palavra de Deus (...) e no lugar dela
colocavam suas próprias tradições.”
“Quarto, os escribas e fariseus, por mais que quisessem acusar a Cristo de erro, nunca o
acusaram de usar qualquer Escritura de modo antinatural ou ilegítimo.”
“Quinto, quando Jesus, vez por outra, usou um texto de um modo que nos parece antinatural,
geralmente se tratava de legítima expressão idiomática hebraica ou aramaica, ou padrão de
pensamento que não se traduz diretamente para nossa cultura e nosso tempo.”

IV. HERMENÊUTICA CRISTÃ


A Hermenêutica na Igreja Cristã deu uma verdadeira guinada em relação à
metodologia de interpretação judaica. Enquanto grandes sábios judeus perderam-se
num emaranhado de idéias filosóficas, nacionalistas e partidárias, os cristãos da
Igreja primitiva, em sua maioria judeus, foram iluminados pelo Espírito Santo e
deram uma nova visão ao sentido da Escritura do Antigo Testamento. Ao
escreverem o Novo Testamento, legaram à humanidade um texto sagrado
embasado no Antigo, mas que o complementa, expõe novas diretrizes para os fiéis e
aponta para um futuro glorioso na presença de Deus. Esta visão certamente não
havia entre os intérpretes da Antiga Aliança; graças a Deus que se revelou de forma

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graciosa, sem prescindir das normas de interpretação racionais que podem ser
entendidas, aceitas e usadas por todos aqueles que desejam compreender a Sua
vontade (Romanos 12.1-3).

1. Igreja Apostólica:
No período da Igreja primitiva, os apóstolos escolhidos pelo Senhor Jesus
Cristo, assessorados por outros Ministros do Evangelho igualmente ungidos e
inspirados, foram os intérpretes da Escritura do Antigo Testamento, bem como os
instrumentos usados pelo Espírito Santo para legarem à posteridade o Novo
Testamento. Em resumo, seguiram os métodos interpretativos estabelecidos pelo
Senhor Jesus Cristo, subordinados à sua autoridade no que se refere às novas
revelações exclusivas à Dispensação da Graça.
Encontramos exemplos de interpretação escriturística – Hermenêutica – no
apóstolo Pedro, ao pregar sua primeira mensagem em Jerusalém, esclarecendo aos
ouvintes trechos da Escritura obscuros até àquela ocasião (Atos 2.14-36); em Filipe,
quando evangelizou o mordomo africano no deserto (Atos 8.26-35); em Paulo,
quando discutia nas sinagogas com os judeus, diante das autoridades romanas e
quando escrevia para a Igreja (Atos 13.14-41; 26.1-26; Romanos 10.1-11.32) e nos
escritores dos Evangelhos (Mateus 2.15; 8.17).

2. Pais da Igreja:
Após o falecimento dos apóstolos – o último foi João, por volta do ano 96 d.C. –
o próprio Senhor se encarregou de chamar, ungir e usar outros Ministros, para
darem continuidade à Sua grande obra.
Nos primeiros séculos do cristianismo, principalmente após o fim das
perseguições do Império Romano, a Igreja experimentou vertiginosa atividade
intelectual, legando à humanidade grandes sábios que construíram os alicerces da
Teologia Ortodoxa, que viria a nortear o caminho dos cristãos e do mundo posterior.
A postura destes homens relacionada à Hermenêutica foi importante, pois foi através
destes princípios estabelecidos, que puderam manter a verdade divina em evidência
na Igreja. Saliente-se, porém, que nem sempre adotaram os melhores métodos de
interpretação, pois a Teologia de uma forma geral estava sendo reorganizada no
seio da Igreja.

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Os principais Ministros que sucederam os apóstolos na liderança, denominados


Pais da Igreja, foram: Clemente de Roma (30-95 d.C.), Justino Mártir (100-164 d.C.),
Irineu (130-202 d.C.), Tertuliano de Cartago (160-220 d.C.), Clemente de Alexandria
(155-216 d.C.), Orígenes (185-254 d.C.), Luciano (240-312 d.C.), Diodoro (393),
João Crisóstomo (354-407 d.C.), Teodoreto (386-458 d.C.), Jerônimo (347-419 d.C.)
e Agostinho (354-430 d.C.).
Os primeiros teólogos da Igreja limitaram-se mais a fazer citações do Antigo
Testamento, aplicando-as diretamente a Cristo, afirmando que a interpretação dada
pelos apóstolos deveria ser imitada, pois era a única verdadeira. Aqueles que foram
influenciados pela Filosofia Grega, principalmente os teólogos alexandrinos,
basearam-se mais no método alegórico de interpretação. A Escola de Antioquia, a
partir de seu fundador Luciano, rejeitou o método alegórico e embasou-se no
método literal de interpretação.
Jerônimo e Agostinho seguiram também o método alegórico de interpretação
bíblica. O primeiro legou à humanidade a Bíblia traduzida para a língua latina; o
segundo, citado por H. A. Virkler, página 45, “estabeleceu diversas regras para
exposição da Escritura, algumas das quais estão em uso até hoje.” Após, enumera
as doze regras agostinianas:
“1. O intérprete deve possuir fé cristã autêntica.
2. Deve-se ter em alta conta o significado literal e histórico da Escritura.
3. A Escritura tem mais do que um significado e portanto o método alegórico é adequado.
4. Há significado nos números bíblicos.
5. O Antigo Testamento é documento cristão porque Cristo está retratado nele do princípio ao
fim.
6. Compete ao expositor entender o que o autor pretendia dizer, e não introduzir no texto o
significado que ele, expositor, quer lhe dar.
7. O intérprete deve consultar o verdadeiro credo ortodoxo.
8. Um versículo deve ser estudado em seu contexto, e não isolado dos versículos que o
cercam.
9. Se o significado de um texto é obscuro, nada na passagem pode constituir-se matéria de fé
ortodoxa.
10. O Espírito Santo não toma o lugar do aprendizado necessário para se entender a
Escritura. O intérprete deve conhecer hebraico, grego, geografia e outros assuntos.
11. A passagem obscura deve dar preferência à passagem clara.
12. O expositor deve levar em consideração que a revelação é progressiva.”
O mesmo autor escreve que:

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“Agostinho cria que a Escritura tinha um sentido quádruplo – histórico, etiológico, analógico,
alegórico.”

3. Idade Média:
O período da Idade Média foi muito pobre em termos de desenvolvimento da
Hermenêutica. Em suma, os teólogos se limitaram a adotar as idéias herdadas dos
Pais da Igreja, principalmente de agostinho. Até porque a maioria dos clérigos nunca
chegou a ler toda a Bíblia e era completamente ignorante em conhecimentos
teológicos.
Foi na Idade Média – em História da Igreja denominada de Idade das Trevas –
que o catolicismo romano se desenvolveu e assumiu sua verdadeira identidade.
Sendo que a maioria dos teólogos eram desta denominação e os mosteiros foram os
responsáveis pela conservação e o desenvolvimento da Teologia, a Hermenêutica
também sofreu influências que culminaram na necessidade da Reforma do século
XVI. Foi neste período que a tradição da Igreja ganhou força e transformou-se me
método hermenêutico, i.é, tinha autoridade no mesmo nível da Escritura. Também
predominou o sentido alegórico de interpretação, com base no sentido quádruplo de
Agostinho.
H. A. Virkler, página 46, assim escreve:
“Estes quatro níveis de significação (...) eram tidos como existentes em toda passagem
bíblica:
A letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram;
A alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé;
O significado moral dá-nos as regras da vida diária.
A anagogia mostra-nos onde terminamos nossa luta.”

Mas Deus sempre tem os seus luzeiros para brilharem nas trevas do mundo.
Nicolau de Lyra (1270-1340 d.C.), mesmo tendo vivido na Idade Média, quebrou as
cadeias do pensamento corrente em seu tempo e deu preferência ao método literal
de interpretação da Escritura. Sua influência sobre Lutero foi muito importante, sem
a qual talvez não houvesse reforma.
João Wycliff (1330-1384 d.C.), um pré-reformador, também rejeitou a tradição
da Igreja como fonte doutrinária e, segundo R. B. Zuck, página 51, “acentuava
fortemente a legitimidade das Escrituras como fonte de doutrinas e de vida cristã.”

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Segundo o mesmo autor, ele propôs algumas regras de interpretação bíblica,


que é importante conhecer-mos:
“a) consiga um texto confiável; b) entenda a lógica das Escrituras; c) compare os trechos da
Bíblia entre si; d) mantenha uma atitude humilde, de busca, para que o Espírito Santo possa
ensiná-lo. (...) escreveu que ‘tudo o que é necessário na Bíblia está contido em seus devidos
sentidos literal e histórico.”

4. Reforma Protestante:
A Reforma Protestante marcou o retorno da Igreja Cristã à Escritura,
baseando-se principalmente no método literal de interpretação.
Martinho Lutero (1438-1546 d.C.), foi o grande instrumento que Deus usou
para enfrentar as trevas e dar início à Reforma. Rejeitou com veemência o método
alegórico de interpretação, o sentido quádruplo de agostinho e a autoridade da Igreja
para interpretar a Escritura.
Alguns dos princípios defendidos por Lutero são:
Fé e iluminação do Espírito Santo, pois a Bíblia é diferente de outras literaturas;
Retorno ao estudo da Bíblia nas línguas originais;
Interpretação baseada no sentido literal do texto;
Aceitava e aplicava alegorias, mas sem abandonar o método literal;
Devem ser consideradas as condições históricas de quando o texto foi escrito;
O contexto é indispensável na interpretação;
As passagens obscuras devem ser entendidas com base nas de sentido nítido;
Sustentava que o Antigo e o Novo Testamentos apontavam para Cristo;
Fazia nítida distinção entre Lei e Evangelho;
Cria que a Escritura é simples e qualquer cristão no mundo pode compreendê-la.
João Calvino (1509-1564 d.C.), o reformador Suíço, de Genebra, a princípio
concordava com a maioria dos princípios defendidos por Lutero. Citado por R. B.
Zuck, página 55, declarou que “a primeira preocupação do intérprete é deixar o autor
dizer o que realmente diz, em vez de atribuir-lhe o que achamos que ele deveria
dizer.”
A mesma linha de pensamento foi seguida por Philip Melanchthon (1497-1560
d.C.), discípulo de Lutero e Ulrich Zuínglio (1484-1531 d.C.), discípulo de Calvino,
William Tyndale (1494-1536 d.C.) e os precursores do movimento anabatista, a
origem primeva dos Batistas.

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O movimento anabatista (rebatizadores) começou em 1525, na cidade de


Zurique, Suíça, através dos simpatizantes da teologia de Zuinglio. Os precursores
foram Conrad Grebel, Felix Mantz e Georg Blaurock. Após, surgiram outros líderes
importantes, como: Balthasar Hubmaier, Michael Sattler, Pilgram Marpeck e Menno
Simons.
A Teologia defendida pelos anabatistas era contrária a muitas práticas
defendidas inclusive pelos reformadores, como é o caso do batismo infantil, ou por
asperção. Segundo R. B. Zuck, página 56:
“Eles também ressaltavam a importância de cada um interpretar as Escrituras com o auxílio do
Espírito Santo, a primazia do Novo Testamento sobre o Antigo, a separação entre a igreja e o
Estado e a disciplina e a disposição fiéis de sofrer pelo nome de Cristo. Preocupavam-se
intensamente com a necessidade de uma igreja neotestamentária pura, uma lealdade à Bíblia
e uma vida de humildade, pureza, disciplina e obediência a Cristo.”

5. Pós-Reforma ou Confessionalismo:
Este período também é conhecido como Confessionalismo devido aos dogmas
que surgiram e nortearam a Igreja pós-reforma e influenciaram diretamente na
Hermenêutica e na interpretação bíblica.
Enquanto o catolicismo romano agia através da Contra-Reforma e, através do
Concílio de Trento reunido várias vezes de 1545 a 1563 d.C., elaborou a dogmática
da igreja contrária ao movimento protestante, os protestantes também definiram a
sua dogmática, não menos autoritária do que a oposta. Nas palavras de L. Berkhof,
página 32, neste período “a exegese se tornou serva da dogmática, e degenerou em
mera busca de textos-provas.”
O movimento calvinista elaborou a Confissão de Westminster que, segundo R.
B. Zuck, página 67, mantinha a seguinte postura com relação às Escrituras:
“A regra infalível de interpretação bíblica está nas próprias Escrituras; portanto, quando
houver dúvida sobre o significado verdadeiro e completo de qualquer passagem (que é
apenas um, e não muitos), deve ser pesquisado e conhecido em outros trechos que sejam
mais claros.”

O teólogo Jean-Alphonse (1648 a 1737 d.C.), citado pelo mesmo autor,


elaborou as seguintes regras de interpretação relativas “à exegese gramatical e
histórica”:
“1. As Escrituras devem ser interpretadas como qualquer outro livro.

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2. O intérprete precisa atentar para palavras e expressões nas Escrituras.


3. O objetivo do exegeta é descobrir o propósito do autor no contexto.
4. O intérprete deve utilizar a luz natural da razão (...) não devendo perceber nas Escrituras
nenhuma contradição.
5. As ‘opiniões dos autores sagrados’ precisam ser compreendidas sob o aspecto das épocas
em que viveram (ou seja, os cenários cultural e histórico devem ser levados em conta).”

Neste mesmo período surgiram várias manifestações contrárias ao calvinismo,


principalmente no que tange ao livre-arbítrio do homem. Um teólogo holandês de
nome Jacobus Armminius (1560 a 1609 d.C.) foi um dos primeiros a se manifestar e,
em 1610, seus discípulos publicaram um tratado denominado “Contestação”. Vale
salientar que, pelo menos em parte, a Convenção Batista Conservadora segue os
pricípios arminianos, i.é, acredita que o crente, mesmo após ser salvo por Jesus
Cristo e regenerado pelo Espírito Santo, se voltar voluntária e definitivamente ao
pecado perde a salvação.
O surgimento do movimento pietista foi encabeçado pelo teólogo Philipp Jakob
Spener (1635 a 1705 d.C.) que, através de um folheto intitulado “Anseios Piedosos”,
pedia o fim das controvérsias teológicas correntes entre as facções da Igreja. Foi
uma reação ao dogmatismo doutrinário. Inicialmente, segundo L. Berkhof, página 34:
“Insistiam no estudo da Bíblia nas línguas originais, e sob a influência e iluminação
do Espírito Santo.”
Mais tarde, porém, passaram a dar mais ênfase às experiências espirituais,
místicas, desprezando o estudo gramatical, histórico e analítico da Escritura.
John Wesley (1703 a 1791 d.C.), foi um dos grandes nomes ligados ao
Pietismo. É considerado o precursor da Igreja Metodista que revolucionou a situação
do cristianismo na Inglaterra. Segundo R. B. Zuck, página 69, este grande teólogo:
“... sustentava que o significado da Bíblia é claro e que seu intuito é conduzir o leitor
a Cristo. Reagindo ao racionalismo, ele desacreditava do raciocínio humano.”
O Racionalismo foi uma corrente teológico-filosófica que surgiu no período pós-
reforma, colocando em risco a correta interpretação da Escritura.
M. J. Erickson, define o Racionalismo Teológico da seguinte forma:
“RACIONALISMO – Qualquer ênfase no papel da razão. (...) O racionalismo teológico é,
basicamente, a crença de que a razão tem a capacidade de provar as verdades sustentadas
pelo cristianismo ou interpretar seus conteúdos. Uma forma mais radical de racionalismo

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teológico sustenta que a razão pode descobrir verdades espirituais e que somente as verdades
assim descobertas deveriam ser aceitas.”

Tanto Thomas Hobbes (1588 a 1679 d.C.), filósofo inglês, como o judeu Baruch
Spinoza (1632 a 1677 d.C.), filósofo holandês, ambos não cristãos, defenderam a
idéia de que a Bíblia deve ser interpretada à luz da razão. Assim, as narrativas dos
milagres bíblicos foram rejeitadas, pela impossibilidade de seguirem os critérios da
razão humana. Como veremos, estes conceitos exerceram grande influência na
interpretação da Bíblia nos séculos posteriores.

6. Período Moderno:
O Período Moderno foi marcado por intermináveis controvérsias no campo
teológico, sendo que o próprio desenvolvimento das idéias teológicas
protagonizaram o surgimento de heresias na metodologia de interpretação bíblica.
Como fruto direto do Racionalismo surgiu o Liberalismo Teológico. Este
segmento teológico-filosófico inserido no campo religioso moderno enfocava a
autoria humana das Escrituras, em detrimento da autoria divina. Sendo assim, a
Escritura não passava de um livro como outro qualquer, sendo interpretado pelas
regras literárias normais, inclusive os elementos sobrenaturais relatados. A
inspiração foi relegada a graus diferenciados na própria Escritura e a razão humana
era a única capaz de determinar onde havia inspiração, se é que havia, e qual o
grau contido em cada texto bíblico. Tudo o que não estivesse de acordo com a razão
– diga-se: capacidade de compreensão do intérprete – deveria ser rejeitado como
Palavra de Deus. Foi por este motivo que os milagres passaram a ser rejeitados
como inverídicos, e.g., a concepção, o nascimento virginal de Jesus Cristo e a
ressurreição, bem como curas de pessoas, milagres sobre a natureza e as
experiências espirituais dos cristãos.
O elemento profético do Antigo e do Novo Testamento também foi rejeitado. A
fim de justificarem suas teorias, os expoentes desta corrente transformaram alguns
livros do Antigo Testamento numa verdadeira colcha de retalhos. Por exemplo: o
livro de Isaías, por conter profecias futuristas, que se cumpriram em séculos
posteriores – e outras ainda aguardam cumprimento – teve sua autoria questionada
e foi dividido em três. Segundo G. L. Archer Jr, página 264:

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“... Professor Bernard Duhm (1847-1828), trouxe a lume uma teoria de três Isaías, nenhum
dos quais vivia na Babilônia. Segundo sua análise, os capítulos 40 – 55 (Deutero-Isaías) foram
escritos cerca de 540 a.C., nalguma parte da região do Líbano (...) Os capítulos 56-66 (Trito-Isaías)
foram compostos em Jerusalém no período de Esdras, cerca de 450 a.C.”

Segundo esta interpretação, compartilhada com ligeiras diferenças com outros


teólogos, apenas o primeiro Isaías teria vivido no século oito a.C.
O princípio motivador destas interpretações, foi a incredulidade na veracidade
da Palavra de Deus. Citando o teólogo “Johann C. Doederlein (1745 a 1792),
professor de teologia de Jena”, o mesmo autor escreve, página 264):
“Segundo o seu raciocínio, o Isaías do século oito a.C. não poderia ter previsto a queda de
Jerusalém (em 587) com o Cativeiro de 70 anos, e muito menos ter escrito as palavras de
consolação dirigidas a Judá no Exílio, que aparecem do capítulo 40 em diante. Além disto,
seria obviamente impossível, do ponto de vista racional, para uma pessoa em 700 a.C. prever
o surgimento de Ciro, o Grande, que tomou Babilônia em 539 e deu licença aos exilados
judeus para voltarem à sua pátria.”

O teólogo Julius Wellhausen (1844 a 1918 d.C.) foi outro exemplo desta
categoria de interpretação. Em sua teoria denominada “hipótese documental”,
afirmou que o Pentatêuco (os primeiros cinco livros da Bíblia escritos por Moisés) é
um “trabalho de vários autores”. R. B. Zuck, página 61, assim escreve sobre suas
teorias:
“... um autor chamado ‘J’, elablorou as partes onde Deus é chamado de ‘Jeová’ (daí ‘J’), o
autor ‘E’ compilou os trechos que dizem ‘Eloim’ (daí ‘E’), ‘D’ foi o deuteronomista e ‘P’ – o
último – representa o regimento sacerdotal [priestly, em inglês]. Wellhausen acreditava que o
povo do Antigo Testamento evoluiu do politeísmo para o animismo, e daí para o monoteísmo.”

No entanto, observa-se que no meio destas idéias controvertidas e até certo


ponto antibíblicas, existe uma influência meramente humana, seja oriunda da
filosofia secularista ou de outra fonte qualquer, mas destituída dos verdadeiros
padrões da verdade e dos objetivos que devem nortear um estudo sério da
Escritura. Segundo H. A. Virkler, página 52:
“Sofrendo a influência do pensamento de Darwin e de Hegel, a Bíblia chegou a ser vista como
um registro do desenvolvimento evolucionista da consciência religiosa de Israel (e mais tarde
da igreja), e não como uma revelação do próprio Deus ao homem.”

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A ciência base para as defesas deste sistema de interpretação foi a


denominada Alta Crítica2. Segundo M. J. Erickson:
“ALTA CRÍTICA – Método de interpretação bíblica que busca determinar a autoria e data dos
livros, suas fontes literárias e sua confiabilidade histórica. A alta crítica contrasta com a baixa,
mais preocupada com os problemas da correta leitura do texto.”

O passo seguinte nesta problemática interpretativa da Bíblia foi o surgimento


da neo-ortodoxia. Esta corrente teológica interpretava a Escritura de uma forma um
tanto diferenciada, situando-se numa espécie de meio-termo entre o Liberalismo e a
Ortodoxia propriamente dita.
O teólogo suíço Karl Barth (1886 a 1968 d.C.) foi seu principal expoente.
Segundo R. B. Zuck, página 62, ele assumiu uma postura louvável em alguns
aspectos, como: “... condenou vigorosamente o liberalismo morto...”. “Ele discordava
dos liberais que consideravam a Bíblia um documento meramente humano. Ao
contrário, nela Deus fala por meio de contatos entre o divino e o humano.”
No entanto, esta linha interpretativa peca em outros aspectos, pois não assume
uma postura totalmente escriturística, como afirma o mesmo autor: “Nesses
encontros, há a revelação e a Bíblia transforma-se na Palavra de Deus. A Bíblia
registra e dá testemunho da revelação; em si mesma, não é a revelação.”
Se a Bíblia não é a revelação inequívoca de Deus para o homem, então está
sujeita a erros e interpretações particulares dos teólogos. Por isso, os teólogos neo-
ortodoxos, como Emil Brunner (1889 a 1966 d.C.), Reinhold Neibuhr (1892 a 1971
d.C.) e Rudolf Bultmann (1884 a 1976 d.C.), negavam a inerrância e a infalibilidade
da Escritura. Em lugar da interpretação literal, emprestavam aos textos que relatam
milagres, um sentido mitológico.
A partir de Martin Heideger (1889 a 1976 d.C.), a interpretação da Bíblia
assume um caráter existencialista. Neste sistema, a inspiração e a verdade divina
são limitadas à boa vontade e compreensão do intérprete. A revelação assume um

2
Para melhor compreendermos a Alta Crítica, é conveniente fazermos uma comparação com outra
ciência ligada à exegese, denominada Baixa Crítica, ou, Crítica Textual. G. L. Archer Jr., pg. 54, faz o
seguinte comentário: “Em contradistinção com a alta crítica, que trata de questões de autoria e da
integridade do texto dos livros bíblicos, a ciência da baixa crítica (ou crítica textual) se preocupa na
tarefa de restaurar o texto original na base das cópias imperfeitas que chegaram até nós. Procura
selecionar evidências oferecidas pelas variações, ou leituras diferentes, quando há uma falta de
acordo entre os manuscritos sobreviventes, e pela aplicação dum método científico chegar àquilo que
era mais provavelmente a expressão exata empregada pelo autor original.”

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caráter relativo, i.é, não é definida por si mesma, deixa de ser divina para ser
humana. O perigo desta corrente é sua dependência da experiência e das emoções
humanas, nem sempre estáveis e sujeitas a erros e contradições.
Sobre esta corrente R. B. Zuck, página 63, afirma o seguinte:
“Na nova hermenêutica, o texto bíblico pode ter o sentido que o leitor desejar. (...) A verdade
existe no campo existencial, ou seja, é uma experiência, não uma proposição escrita.
Portanto (...) não devemos tentar descobrir o sentido dos textos bíblicos. Devemos apenas
deixá-los falar conosco, permitir que modifiquem o entendimento que temos de nós mesmos.
Assim sendo, a hermenêutica é o processo de entender a si mesmo.”

Mais recentemente, novas correntes teológicas têm surgido no horizonte do


cristianismo latino americano. Trata-se de interpretações equivocadas das
Escrituras, manobrando os textos bíblicos para justificar idéias pessoais, sociais e
políticas. Dois são os principais exemplos que merecem destaque:
A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, fruto de especulações do teólogo peruano
Gustavo Gutierrez, que trata de questões político-religiosas ligadas à propriedade da
terra. No Brasil o principal representante desta corrente interpretativa é o teólogo
católico romano frei Leonardo Boff. Através de seus vários segmentos, difundidos
pela Igreja católica e pelas comunidades pobres do país, esta corrente teológica
prega a igualdade entre os cidadãos, baseada na redistribuição da propriedade rural.
Inequivocamente este braço religioso do movimento é influenciado por ideologias
marxistas, disfarçando seu combate direto ao sistema capitalista. O que causa
estranheza é o engajamento de vários líderes protestantes no movimento.
O pastor A. de Almeida, página 166, assim escreve:
“A mensagem libertadora da Teologia da Libertação não leva em conta os fundamentos
bíblicos da verdadeira liberdade: ‘E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Se pois o
Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres’, disse Jesus.”

A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE, de origem um tanto incerta, mas


embasada cem por cento no materialismo, adota um sistema de arrecadação
financeira pseudo escriturístico. Textos bíblicos são largamente usados pelos
ministros destas denominações, a fim de convencerem os fiéis a fazerem doações
generosas, até acima de suas possibilidades. O ponto central deste ramo é o bem
material que os adeptos podem adquirir facilmente através da fé. Jesus Cristo, neste
sistema, transforma-se no office boy comprometido a enriquecer os crentes,

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independente de qualquer condição espiritual, intelectual ou profissional. Deus deve


ser, na ideologia de certos pregadores, “colocado contra a parede”, numa total falta
de respeito, temor e conhecimento bíblico, como se Ele fosse capaz de submeter-se
a alguém. É uma religião antropocêntrica, i.é, o homem está no centro de tudo e
Deus à margem, destronado e transformado em escravo dos desejos materialistas
dos homens.
Não é necessário possuir muitos conhecimentos bíblicos para descobrir que
este sistema hermenêutico peca na própria origem, nos propósitos e na metodologia
aplicada. Materialista, avarento e blasfemo, entra em contradição com a verdadeira
interpretação da Escritura em aspectos fundamentais ensinados por uma
Hermenêutica séria e ortodoxa (I Coríntios 5.11; I Timóteo 3.3; I Timóteo 1.3; Mateus
6.19-34; 8.24; Apocalipse 21.7).

7. Hermenêutica Ortodoxa3:
Enquanto nos detemos analisando os princípios hermenêuticos surgidos e
adotados no decorrer dos séculos e que forjaram a História desta ciência na Igreja,
aparentemente o que se destaca são os erros de interpretação, pouco espaço
sobrando para a verdadeira Hermenêutica. Em parte isto é verdade, pois grandes
segmentos do cristianismo conhecido adotou um sistema antibíblico e perigoso,
tanto para a fé pessoal, quanto para o destino das ciências teológicas. É o caso do
catolicismo romano, dando mais ênfase às tradições da Igreja do que aos textos
sagrados; também de segmentos protestantes, engendrando, adotando e expondo
como verdadeiros certos princípios igualmente perigosos, como temos estudado.
Mas o Deus da Bíblia, que revelou Sua Palavra ao homem, com a finalidade de
conduzir a Igreja e a humanidade pelos caminhos da verdade, jamais ficou sem
testemunho (Atos 14.17). Homens consagrados e compromissados com a verdade
defenderam princípios norteadores da interpretação correta da Escritura, legando
bases firmes para uma Hermenêutica segura para a Igreja pós-moderna.
Alguns destaques podem ser citados, como: Lutero, Calvino, os seguidores de
ambos e os anabatistas. S. Gundry, página 35, referindo-se aos defensores da
ortodoxia naquele período obscuro, escreve:

3
Segundo M. J. Erickson: “ORTODOXO – Literalmente, ‘correto’ ou ‘adequado’, que está de acordo
com a doutrina ou prática correta como estabelecida por uma autoridade.”

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“... há, nas grandes tradições protestantes, uma corrente ininterrupta de teólogos ortodoxos,
desde os tempos da grande ortodoxia protestante do século XVII até o presente, por mais
incômodo que seja para os teólogos liberais confessar este fato. Havia alguns esforços
especiais no século XIX, dignos de menção específica, no sentido de fortalecer a ortodoxia.”

A seguir, cita:
“... o Movimento de Oxford (...) o líder foi John Henry Newman (1801-90). (...) E. B. Pusey
(1800-82), cujos comentários eram modelos de erudição bíblica britânica. (...) H. P. Liddon
(1829-90), publicou uma das melhores defesas da divindade de Cristo na totalidade da
literatura teológica.”
“Na Holanda (...) Abraham Kuyper (1837-1920). (...) Quando foi para sua primeira paróquia,
descobriu que somente os membros ortodoxos realmente sabiam em que acreditavam, e por
quê.”
“Nos Estados Unidos (...) escola de Princeton fundada sob a liderança de Archibald Alexander
(1772-1851). (...) Seus nomes mais famosos eram os dos Hodges (Charles, Archibald, e
Caspar), de William Green (...), B. B. Warfield (...), e J. Gresham Machen ...”
“P. T. Forsyth (1848-1921) (...) Embora fosse treinado na teologia liberal, progrediu em
direção de uma teologia mais evangélica à medida que avançava pela vida. O impacto básico
dos seus escritos posteriores era defender uma versão evangélica, cristocêntrica e
experimental do cristianismo. (...) e procurou dar à doutrina da autoridade um caráter mais
centralizado no Evangelho e mais orientado em direção à experiência, sem abrir mão da
prioridade da Palavra divina.”

Depois da análise sucinta dos tópicos expostos, resta deduzir que a melhor
escolha para o cristão verdadeiro, que deseja bem compreender a Escritura e os
propósitos divinos para sua vida, é a Teologia Conservadora Evangélica. No dizer de
S. Gundry, é a melhor “opção.” Ele mesmo explica o sentido deste termo e sua
aplicação à Teologia que deriva da interpretação bíblica correta:
“Derivada do latim optio ‘livre vontade’ ou ‘livre escolha’, opção originalmente designava o
poder de exercer escolha consciente e deliberada dentre várias possibilidades. Levava
consigo a implicação que a opção é a escolha correta, não meramente uma seleção aceitável
entre muitas. Neste sentido, é correto falar da teologia conservadora evangélica como sendo
a opção do cristão.”

Esta é a postura adotada pela Convenção Batista Conservadora e será a base


do estudo da Hermenêutica, nos tópicos a seguir.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 26


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

TERCEIRA PARTE
MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO
Existem vários Métodos de Interpretação da Escritura, alguns antigos e outros
modernos, conforme pudemos ver na História da Hermenêutica. É importante
salientar que nem todos os métodos são realmente escriturísticos. Por isso, é
necessário que o intérprete fiel da Escritura escolha com muito cuidado o método
que adotará. O ideal é seguir a linha adotada pela CBC.

I. MÉTODOS ERRADOS:
Salientaremos aqui apenas os principais. Mesmo que detenham uma aparência
de verdade, estes métodos são extrememante prejudiciais à Teologia Ortodoxa e
Conservadora, pois desvirtuam o verdadeiro sentido da Escritura.

1. Método Supersticioso: foi o método por excelência dos hereges dos tempos
bíblicos4 e continua sendo dos judeus cabalistas. Neste Método, o intérprete não se
contenta com o sentido exato do texto, ou com o pensamento do autor, mas procura
sempre algo mais profundo, mais espiritual, caindo em superstição infundada. Pode
acontecer também com alguns cristãos despreparados que procuram espiritualizar
todos os textos da Bíblia, inclusive aqueles que são literais. Exemplo: Mateus 17.20.

2. Método Dogmático: ao contrário do anterior, este Método depende dos ditames


teológicos denominacionais. No princípio, a Igreja primitiva adotava o ensino dos
apóstolos e era guiada pelo Espírito Santo na observância da Palavra. Com o
desenvolvimento da Teologia Dogmática, a interpretação da Bíblia passou a
depender das normas eclesiásticas, principalmente das Bulas dos papas. Após a
Reforma Luterana, o mesmo perigo rondou a Igreja, através da Teologia Reformada.
Hoje ainda existe o mesmo perigo, pois sempre que a vontade humana sobrepuja os
verdadeiros ensinos da Escritura, a dogmática, fruto da mente humana, é colocada
acima da Palavra de Deus. Exemplo: Mateus 15.1-9.

4
Os gnósticos abusaram deste método, autoproclamando-se os únicos iluminados, conhecedores de
mistérios espirituais ignorados pelos outros, chegando ao ponto de desprezarem os cristãos comuns,
que permaneciam fiéis aos ensinos apostólicos.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 27


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

3. Método Racionalista: é o Método que depende das ciências. Qualquer assunto


ou texto bíblico que não for comprovado cientificamente, é rejeitado com inverídico.
Este método é adotado principalmente pela Alta Crítica, que rejeita todos os
elementos miraculosos da Escritura. Neste sentido, a Bíblia, livro divino e
transcendente, é limitado à pequenez da mente humana, como se Deus fosse
incapaz de revelar-se em toda a Sua grandeza. É importante admitirmos que a
ciência é útil à Escritura, pois corrobora seus ensinos. Mas jamais a Escritura será
limitada pela ciência, pois a primeira é eterna e a segunda muda constantemente.
Exemplo: I Timóteo 6.20,21.

4. Método Alegórico: é a tentativa de interpretar toda a Bíblia como se fosse uma


grande alegoria. Todos os textos, principalmente os mais obscuros, ou os proféticos,
são relegados à condição de alegoria5. Mas este método é perigoso, pois o
intérprete sente-se livre para dar aos textos a interpretação que desejar, sem regras
que o limitem, senão sua consciência e nível de fé pessoal. Exemplo: I Timóteo 1.3-
7.

5. Método Histórico6: este Método está relacionado diretamente à profecia. É


quando o intérprete da Profecia (e da Escritura em geral), procura adaptar as
revelações proféticas dentro da história universal, da nação de Israel ou da Igreja.
Quando isto faz, ignora o elemento futurista da Revelação, a presciência e a
onipotência de Deus. Assim fazendo, ignora a própria essência da Escritura.
Exemplo: colocar o livro do profeta Daniel, que foi escrito por volta do ano 530 a.C.,
como tendo sido escrito no período dos Macabeus, por volta de 167 a.C., porque
traz grandes revelações sobre os impérios Persa, Grego e Romano, posteriores à
data original do livro.

II. MÉTODO CORRETO:

5
É necessário diferenciar entre Método Alegórico e a figura de linguagem denominada Alegoria. O
primeiro é um Método que abrange toda a Escritura, sem importar-se com o sentido literal do texto
sagrado; o segundo é uma figura de linguagem perfeitamente normal, usado apenas quando o
próprio texto o admite (esta figura será estudada mais detalhadamente em capítulo posterior).
6
É importante não confundir com o Método Histórico apropriado, que situa a Escritura dentro de uma
perspectiva correta da História.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 28


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Método Literal: de todos os Métodos existentes, este é o que mais se adapta


às verdades da Escritura, pois não depende do homem, seus sentimentos ou
descobertas, mas do próprio Deus, Autor dos textos em estudo.
A primeira característica deste Método é que o intérprete considera literalmente
todas as palavras dos textos bíblicos, até onde for possível. Enquanto puder, deve
interpretar as palavras no sentido usual e comum. Tanto o Antigo, quanto o Novo
Testamento, foram escritos para pessoas normais, numa linguagem comum e
perfeitamente compreensível. Por isso, as palavras em si trazem o primeiro e mais
importante significado da Escritura (veja o capítulo sobre a inspiração verbal e
plenária da Escritua).
A segunda é que, sendo impossível continuar, o intérprete passa a considerar
as figuras de linguagem existentes no texto. O Método é literal, mas as figuras de
linguagem e as passagens alegóricas devem ser consideradas, para que haja
correta interpretação. Algumas coisas que não podem ser desprezadas ou
interpretadas alegoricamente, são os vaticínios futuristas e os elementos
miraculosos.
Como pudemos ver, este Método é abrangente, mas cuidadoso. Há palavras e
textos da Bíblia que devem ser interpretados literalmente, sob risco de perder-se o
sentido verdadeiro. Há outros, porém, que devem ser interpretados alegoricamente,
pois o próprio texto e o contexto geral assim o exigem.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 29


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

QUARTA PARTE
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO

As regras são princípios gerais e normativos que definem o rumo da


interpretação bíblica, dentro de certos padrões aceitáveis, conforme já definidos pela
própria Escritura e pela Teologia. Neste curso, estudaremos algumas regras básicas,
dentro de uma perspectiva completa i.é, BÍBLICA, ORTODOXA, EVANGÉLICA,
PENTECOSTAL e CONSERVADORA.

I. REGRA ÁUREA: A BÍBLIA INTERPRETA-SE A SI MESMA


Este princípio básico ensina que as coisas espirituais são explicadas pelas
espirituais. A plena compreensão da Escritura, no sentido original, conforme a
revelação da vontade de Deus, só pode ser alcançada pela explicação da própria
Escritura. Qualquer dúvida pode ser esclarecida pela leitura cuidadosa e humilde
dos textos paralelos ou complementares, dentro da própria Bíblia.
É interessante mencionar que existem várias ciências e matérias que auxiliam
no estudo da Bíblia, tais como: filosofia, história, geografia, arqueologia, sociologia,
etc. Porém, qualquer uso que se faça de informações extrabíblicas, através das
ciências paralelas, deve ser em caráter secundário, subordinando todo o
conhecimento ou descoberta científica à autoridade da Escritura.
A supremacia da Escritura na interpretação de si mesma ocorre pelo fato de
ser um livro inspirado por Deus, i.é, transmitido através de canais humanos, mas de
origem divina. Sempre que o intérprete negar este princípio, correrá o risco de errar,
pois os conceitos terrenos e a capacidade humana são insuficientes para
compreender os mistérios da eternidade. A Bíblia, fonte primeva da Teologia, é a
revelação divina por excelência e, portanto, sua interpretação não depende
prioritariamente de outra fonte, a não ser dela mesma.
Texto chave:
“Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas
pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais.” (1 Coríntios 2:13 RA).

No texto da RA: conferindo; RC: comparando; TB: combinando; RVR:


acomodando.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 30


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

II. SEGUNDA REGRA: A INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL


A Bíblia foi escrita originalmente em três línguas. Conforme escreveu D. D.
Turner, página 41: “Todo o Antigo Testamento foi escrito em hebraico com exceção
de Daniel 2:4 – 7:28; Esdras 4:8 – 6:18; 7:12-26; e Jeremias 10:11. Essas pequenas
porções foram escritas em aramaico.”
O Novo Testamento foi todo escrito em Grego Koinê. A palavra Koinê significa
comum, i.é, a linguagem coloquial, falada no cotidiano do povo, contendo várias
inserções estrangeiras e locais. Alguns autores entendem que o Evangelho escrito
pelo apóstolo Mateus talvez tenha sido escrito originalmente em hebraico, mas não
há provas suficientes para comprovarem esta teoria. R. H. Gundry, página 91, assim
escreve:
“O mesmo Papias (...) disse que Mateus escreveu as logias (termo grego que significa
‘declarações, oráculos’), em hebraico ou aramaico, que outros iam traduzindo conforme eram
capazes. Não obstante, não possuímos um evangelho derivado da pena de Mateus em
qualquer destas línguas semíticas, o hebraico e o aramaico, mas tão somente o atual
evangelho em grego, o qual não parece ser uma tradução feita de um original semítico.”

De posse destas informações, o intérprete deve entrar em seu trabalho


sabendo que não será possível compreender perfeitamente a mensagem da
Escritura analisando apenas as traduções no vernáculo da língua portuguesa. O
ideal é que o intérprete revise os termos nas línguas originais. Não tendo condições,
poderá valer-se de dicionários bíblicos, enciclopédias, comentários e outros livros
que contenham as explicações necessárias. Maior confiança poderá ter quando
comparar a interpretação de vários autores, para somente após chegar a uma
conclusão certa.
O intérprete deve procurar o sentido gramatical de cada vocábulo.
Textos chaves:
“Leram no livro, na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que
entendessem o que se lia.” (Neemias 8.8 RA).
“Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite.” (Salmo
1.2 RA).

Quando isto não for suficiente, deve analisar o fundo histórico, o autor, os
destinatários, fatores geográficos, propósitos e outros itens que sejam necessários e
relevantes para uma boa exegese.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 31


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Quando não dispuser destes recursos, poderá limitar-se a revisar e comparar


várias versões disponíveis no vernáculo Português, o que poderá enriquecer muito a
interpretação, visto que estas traduções são de boa qualidade. Neste caso, mas
somente com muito cuidado, poderá usar o sentido gramatical dos termos. Exemplo:
Filipenses 1.27: comparar traduções RA e RC. A primeira usa o vocábulo “alma”,
enquanto que a segunda usa “ânimo”. Se o intérprete não souber distinguir a origem
das duas palavras – a primeira da língua grega e a segunda do latim – terá
dificuldades para entender o sentido exato do texto.
Um cuidado todo especial que o intérprete deve ter, é com as palavras chaves
da Escritura, que determinam grandes temas doutrinários. Alguns exemplos se
destacam, como: pecado, juízo, condenação, graça, propiciação, evangelho,
verdade, fé, arrependimento, conversão, justificação, salvação, santificação, amor,
vida eterna. Salientam-se também os nomes próprios ou diretamente relacionados
com personagens chaves da revelação, como: YHWH, Jesus Cristo, Espírito Santo,
anjos (fiéis ou caídos), sacerdotes, reis, profetas, juízes, apóstolos, cristãos e
apóstatas. Com a ajuda de uma Concordância ou Chave Bíblica, o estudioso poderá
descobrir os textos mais importantes onde se encontram estes termos e analisar o
significado principal e a relação com o contexto geral.
Este princípio de interpretação é sobremaneira importante, pois a linha
teológica adotada pela CBC é Conservadora, crendo na inspiração verbal e
plenária da Escritura7.

III. TERCEIRA REGRA: O USO DO CONTEXTO


Contexto são os textos que podem ser usados para iluminar a
interpretação do texto em evidência.
Texto chave:
“Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra
com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de
fato, assim.” (Atos 17.11 RA).

O texto principal pode ser um versículo apenas, uma metáfora, alegoria,


parábola, história, acontecimento ou ensino contendo vários versos.

7
Para maiores esclarecimentos, leia a Décima Regra: A Linha Teológica Adotada.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 32


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

O contexto pode ser:


Anterior ou posterior, dependendo da posição que se encontra na Bíblia, em
relação ao texto em estudo.
Próximo ou remoto, dependendo de sua distância do texto principal.
Geralmente se considera como próximo o contexto que se encontra dentro do
mesmo livro e remoto aquele que está em outros livros.
Interno, quando se refere ao texto bíblico somente.
Externo, quando o intérprete faz uso das ciências paralelas, como: geografia,
arqueologia, história, psicologia, sociologia, antropologia, etc.
Para que haja boa interpretação, nenhum texto bíblico ou vocábulo deve
ser usado isoladamente, principalmente quando se trata de formular doutrinas.
O texto escolhido, ou a interpretação dada a um texto em particular, deve concordar
com todo o ensino da Escritura, principalmente com as passagens paralelas, visto
que na Bíblia não existe nenhuma contradição. Sempre que se deparar com
alguma aparente contradição, o intérprete deve examinar cuidadosamente suas
hipóteses, pois a História comprova que a Bíblia interpretada corretamente sempre
tem razão.
Também nenhuma doutrina pode ser formulada com base em
acontecimentos históricos do Antigo ou do Novo Testamento, mesmo que
envolvam personagens destacados, visto que nalgumas ocasiões Deus agiu de
forma singular, mas foi uma atitude especial, para aquele momento, exclusivamente
para aquele personagem. Exemplo: a pasta de figos que Deus usou para curar o rei
Ezequias da ferida mortal (II Reis 20.7). Por se descuidarem destas regras básicas,
alguns intérpretes apostataram da verdade e enveredaram por caminhos estranhos
ao claro ensino da Escritura. Exemplos: Testemunhas de Jeová, Adventistas do 7º.
Dia, Igreja da Unificação, Unitaristas em Geral, etc. Daí resulta o indispensável valor
do bom uso do contexto.
Exemplos de contextos elucidativos:
Salmo 129.1-8: o último versículo deste Salmo, ao contrário do que parece,
não é uma bênção, mas sim uma negação da bênção, visto que os primeiros sete
versículos são negativos.
Salmo 137.1-9: Este é um dos Salmos imprecatórios, que deseja a vingança
do Senhor e a destruição cruel dos inimigos de Israel. Mesmo estando na Bíblia, é
inadequado para a Igreja, pois está contido em outra Dispensação - a Lei - onde

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 33


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

vigorava a Lei de Talião (Êxodo 21.23-25). Visto que Jesus cumpriu toda a Lei, pode
substituí-la pela lei do amor, que é a retribuição ao contrário (Mateus 5.17, 38-42;
Romanos 12.14,17).
Ezequiel 34.2,10,23: algumas seitas8 usam os dois primeiros versos para
condenar a existência de pastores nas Igrejas, ignorando o texto onde Deus mesmo
declara que suscitará um pastor para cuidar de suas ovelhas. Estes versos devem
ser analisados à luz de Efésios 4.11 e I Pedro 5.1,2. Em suma, o que Deus condena
é a postura dos pastores negligentes ou dos mercenários9. Os vocacionados e fiéis
ao Senhor são agraciados como foram os primeiros apóstolos.
Mateus 19.6-12: segundo o ensino claro de Jesus, a vontade original de Deus
é que o matrimônio seja indissolúvel. Porém, o contexto posterior próximo abre uma
exceção para o caso de quebra do vínculo matrimonial por um dos cônjuges através
da prática de pornéia. Os discípulos foram sábios ao se referirem aos escritos
contextuais de Moisés a respeito do divórcio (Deuteronômio 24.1-4), que eram a
regra vigente para todos os judeus até àquele tempo. O resultado positivo foi
receberem de Jesus uma normatização do ensino para a Igreja, incluindo a novidade
dos eunucos por amor ao Reino de Deus.

IV. QUARTA REGRA: AS PASSAGENS PARALELAS


São aquelas passagens que têm alguma relação entre si e servem para
ilustrar, explicar ou complementar um texto obscuro.
Três situações merecem destaque:
Evangelhos Sinóticos10: o exemplo mais saliente é encontrado nos
Evangelhos Sinóticos - Mateus, Marcos e Lucas - que relatam praticamente os
mesmos fatos da vida de Cristo, porém, com uma ótica diferenciada entre si. Para
que a vida de Cristo seja perfeitamente compreendida, é necessário traçar a relação
entre os três evangelhos em alguns itens principais, como:

8
A denominação Congregação Cristã do Brasil (Igreja do véu) é a principal expoente desta doutrina.
9
Segundo a Online MBE: “MERCENÁRIO: Aquele que trabalha apenas pelo salário (Jo 10.12,13).”
10
Segundo o Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa: “SINÓTICO ou SINÓPTICO adj. (gr.
Sinoptikós). 1. Relativo à sinopse. 2. Que permite ver concisamente as diversas partes de um
conjunto; resumido, sintético.” M. J. Erickson define assim: “EVANGELHOS SINÓTICOS – Os três
evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. Muito embora cada um tenha ênfases diferentes, a vida de
Cristo é, no entanto, apresentada de forma semelhante.”

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 34


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

A linguagem: Mateus – segundo alguns intérpretes – foi escrito originalmente


em aramaico11; Marcos e Lucas originalmente em grego koinê. Saliente-se que uma
língua não consiste apenas em palavras, mas traz contida em si mesma uma cultura
milenar, que faz grande diferença na comunicação falada e escrita.
Os autores: no que concerne aos Evangelhos sinóticos, dois escritores foram
judeus natos e um provavelmente fosse gentio. Todos foram educados dentro das
fronteiras da terra de Israel e, como tais, plenamente conhecedores dos assuntos
judaicos. Porém, como não existem duas pessoas exatamente iguais, eles também
tinham suas diferenças peculiares: Mateus era cobrador de impostos, um funcionário
público do Império Romano; Marcos era um jovem reservado; Lucas, um médico,
talvez o único gentio. Estas singularidades pessoais dos escritores são transmitidas
para seus escritos, diferenciando o foco das atenções no que concerne aos detalhes
da vida de Cristo e seu ministério. Mas todos os textos são mutuamente
complementares, atendendo ao propósito divino de revelar perfeitamente seu Filho a
todos os povos, culturas e línguas. Esta diversidade, em lugar de gerar
discrepâncias e conflitos na revelação, prova a universalidade e adaptabilidade da
Escritura no mundo inteiro.
Os destinatários: os Evangelhos centralizam a mesma pessoa – Jesus Cristo –
mas foram destinados a pessoas e grupos de pessoas diferentes, de raça, cultura e
locais diferentes. Mateus foi destinado aos judeus, é o Evangelho do Reino de Deus,
do Messias prometido na Escritura do Velho Testamento e ardentemente esperado;
Marcos foi escrito em estilo dinâmico, para o povo romano e fala de Cristo como o
Servo de YHWH; Lucas foi escrito para um homem chamado Teófilo (amigo de
Deus), um grego culto e interessado nos assuntos do Reino de Deus. Talvez seja
por isto que este evangelho trata de vários assuntos que não estão contidos nos
outros.
O fundo histórico: é praticamente o mesmo para todos os autores e
destinatários. Por isso, é necessário conhecer um pouco da História Antiga – os
impérios e suas grandes conquistas, a política mundial da época, a situação de
Israel no cenário mundial – a situação da Igreja quando os Evangelhos foram

11
Se a informação não procede, pelo menos serve de ilustração para a importância das diferenças de
linguagem, principalmente para o intérprete ocidental, que fala uma língua de origem latina.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 35


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

escritos, bem como as perspectivas escatológicas envolvidas na experiência e na


esperança dos cristãos primitivos.
A cultura em evidência: neste item devemos lembrar que cada povo tem sua
história, sua cultura e sua filosofia de vida. Isto é verdade evidente, principalmente
no que concerne aos judeus e gentios, que são a principal divisão racial mencionada
na Bíblia. Mesmo fazendo-se uma leitura simples dos Evangelhos, percebe-se
diferenças gritantes em relação à cultura pagã daquele tempo, no que concerne às
crenças básicas, à moral e à prática diária de vida. Enquanto os gentios eram
movidos por um certo desregramento generalizado nas ações, os judeus eram
criados desde tenra idade num sistema rígido de educação doméstica e eclesiástica.
Passagens paralelas: o mesmo processo ocorre com outras passagens do
Novo Testamento, que são complementares entre si, iluminando-se mutuamente.
Exemplos:
A conversão de Paulo (Atos 9.3-9; 22.6-11).
A negação de Pedro e sua restauração (Mateus 26.69-75; Marcos 14.66-72;
Lucas 22.55-61; 24.33,34; João 21.15-17).
A Pedra sobre a qual a Igreja está alicerçada (Mateus 16.18; 21.42,44; I Pedro
2.4-8; Efésios 2.20).
Paralelos do Antigo e do Novo Testamento: um terceiro exemplo que deve
ser lembrado são os paralelos entre textos do Antigo e do Novo Testamento. Os
exemplos são muitos, mas podemos destacar alguns:
Profecias messiânicas:
- Infância de Cristo (Miquéias 5.2; Mateus 2.5; Jeremias 31.15; Mateus 2.18;
Oséias 11.1; Mateus 2.15).
- Prisão e julgamento (Isaías 53; Mateus 26.47-27.31).
- A crucificação (Salmo 22; Mateus 27.33-50).
- A ressurreição (Salmo 16.9,10; Mateus 28.1-6; Atos 2.22-32).
- A glorificação e Seu governo (Salmo 2; 24.1-10; Atos 1.2,9; Marcos 16.19).
Repetição de alguns mandamentos (Êxodo 20.1-17; Mateus 4.10; I Coríntios
6.9; Efésios 5.3).
A prática do dízimo (Malaquias 3.7-10; Mateus 23.23; Hebreus 7.8).
Uma verdade que o intérprete da Bíblia deve sempre lembrar, é que o Antigo
Testamento é a base do Novo e este é o necessário complemento e explicação
daquele.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 36


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V. QUINTA REGRA: A PRIMEIRA MENÇÃO


É o princípio pelo qual Deus revela a essência das coisas na primeira
menção e a forma como estes assuntos serão tratados no restante da
Escritura.
Este método também pode aparecer em livros seculares ou evangélicos, onde o
autor revela toda a verdade em síntese já nos primeiros capítulos, deixando o
desenvolvimento do assunto para os seguintes. Alguns exemplos de temas
aparecem nos primeiros capítulos da Bíblia e servem de ilustração para o uso deste
princípio divino no restante da Escritura.
Primeiro texto para consulta geral: Gênesis 1.1-3.24:
Deus: no hebraico Elohim (forma plural), indica a primeira revelação da
Trindade (1.1,2); onipotente, pois foi o Criador de todas as coisas, enquanto nada
existia (1.1); sábio: diversificou a obra, imprimindo beleza e equilíbrio (1.3-31); amor:
criou o paraíso e a árvore da vida, criou Eva, visitava o primeiro casal, instruía
diariamente (2.8-25); justo: criou a árvore do conhecimento do bem e do mal para
provar a obediência do casal, sentenciou, expulsou-os do paraíso quando
desobedeceram (2.16,17; 3.14-24); misericordioso: quando pecaram matou os
cordeiros e os vestiu, iniciando o processo de redenção da humanidade (3.21).
O ser humano: sua origem: criado por Deus como parte de um plano maior e
arquitetado com inteligência (1.26,27); essência: espírito, alma e corpo, ou seja, saiu
completo e perfeito das mãos do Criador, não sendo produto de um acidente ou
longo processo evolutivo (2.7); posição em relação ao restante da criação: coroa da
criação, superior a todos os animais, criado por último numa escala hierárquica
ascendente de valores (1.24-31); comparação: imagem e semelhança de Deus
(1.26,27); necessidade: desde os primórdios precisa de comunhão com Deus e
orientação (3.8); fragilidade: sujeito ao erro desde o princípio, mostrando em si
mesmo uma natureza pecaminosa (3.6,12,13).
Satanás, o diabo: a serpente: mentiroso: sagaz: enganou Eva com sua astúcia
(3.1); distorceu a Palavra de Deus, disse que não aconteceria o que Deus vaticinou
(3.1,4,5); maligno: providenciou que o homem se afastasse de Deus e fosse
condenado (3.7,8).
Pecado: originado no maligno: o Diabo tentou o casal em pleno Jardim do
Éden (3.1ss); produz medo e vergonha: o casal ficou nu e se escondeu (3.7,8);

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 37


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

afasta de Deus: não receberam mais a visita divina como acontecia antes da queda
e perderam o direito ao paraíso (3.23,24); gera sofrimentos: o homem teria que
granjear o pão à custa do suor do rosto e a mulher daria à luz filhos com dor (3.14-
19); condena; não poderia mais voltar ao paraíso, conheciam o bem e o mal,
necessitavam de reconciliação com Deus através de sacrifícios sangrentos (4.24).
Salvação: é uma necessidade humana: todos os descendentes de Adão e Eva
estão condenados, pois o pecado passou a ser hereditário. Observe que os
primeiros filhos deles foram gerados fora do paraíso (Gênesis 4.1); exige o
pagamento de um preço: inicialmente pelo sacrifício sangrento de animais inocentes,
até que chegasse a hora do Cordeiro de Deus tirar o pecado do mundo (3.21); é
concedida pela misericórdia de Deus: a primeira profecia do Salvador foi
pronunciada pelo próprio Deus (3.15).
Segundo texto para consulta geral: Gênesis 12.1-3:
Israel: nação fundada por vontade divina: Abrão foi escolhido e chamado
enquanto vivia no pecado e entre pecadores (v. 1); abençoada pelo Senhor (v. 2):
detentora de muitas promessas: terra, semente e bênção (vs. 1,2); medida para as
nações: “abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”
(v. 3); fonte de bênçãos para o mundo: “em ti serão benditas todas as famílias da
terra” (v. 3).
É interessante observar que os textos posteriores, que versarem sobre o
mesmo assunto, jamais poderão revelar algo em contrário, mas apenas
confirmarem ou complementarem o que foi revelado na primeira menção.
Os exemplos poderiam ser multiplicados, mas estes servem de ponto de
partida para que o intérprete analise outras verdades que vão surgindo no decorrer
da Escritura, inclusive no Novo Testamento.

VI. SEXTA REGRA: A MENÇÃO INTEGRAL


Neste princípio Deus revela exaustivamente sua vontade dentro de um
assunto determinado, numa única passagem da Escritura. Havendo
necessidade, ou por soberana vontade, Deus usa alguns textos paralelos para
complementação ou esclarecimentos, mas geralmente o texto maior contém toda a
verdade necessária para o ensino da Sua vontade dentro do tema em foco.
Alguns exemplos se destacam:
O sacrifício vicário do Messias (Isaías 55).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 38


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

A prática do dízimo (Malaquias 3.7-12).


Os princípios do Reino de Deus (Mateus 5, 7).
A Igreja (Efésios 1,2,3).
Liberdade cristã (II Coríntios 8,9).
A tentação e como tratá-la (I Coríntios 10; Tiago 1).
A língua (Tiago 3).
Relações matrimoniais (I Coríntios 7).
Os heróis da fé (Hebreus 11).
A ressurreição dos salvos (I Coríntios 15).
A restauração futura de Israel (Romanos 11).
É interessante notar que estes textos são complementados em toda a
Escritura, devido à sua importância em diversas épocas da História de Israel e da
Igreja. Porém, embasados nesta regra, podemos afirmar que, se a Escritura não
contivesse nenhum outro texto sobre os temas em estudo, não faria falta, pois
geralmente o texto maior é auto-suficiente para o intérprete ter uma idéia geral sobre
a perfeita vontade de Deus.

VII. SÉTIMA REGRA: O PRINCÍPIO ILUSTRATIVO


Neste princípio Deus revela toda a sua insatisfação com algumas atitudes
humanas, julgando severamente os envolvidos, para servir de exemplo aos
contemporâneos e às gerações futuras.
O fato de Deus não aplicar sempre a mesma regra a todas as pessoas, não
significa que o Senhor esteja tolerando o mesmo pecado em outras pessoas ou
circunstâncias, mas sim que Ele julgará com a mesma severidade em ocasião
posterior ou no juízo final. O passar do tempo, seja curto ou longo, não apaga o
pecado ou suas consequências. Se cada pecado desta natureza fosse julgado
imediatamente, a terra ficaria despovoada.
Alguns exemplos que merecem destaque:
Homicídio: Caim foi julgado e condenado por ter matado seu irmão Abel sem
motivo que justificasse sua atitude cruel (Gênesis 4.3-24). Lição: não sabemos que
espécie de marca ele recebeu, mas simboliza o estigma que geralmente acompanha
a imagem pública dos homicidas.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 39


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Desobediência aos mandamentos: “Não terás outros deuses diante de mim”


e “não farás imagens de escultura...“ (Êxodo 20.3,4). Aarão foi repreendido
severamente e três mil israelitas foram mortos (Êxodo 32.1-28).
“Não furtarás” (Êxodo 20.15). Acã trouxe derrota para Israel, foi condenado,
morto junto com sua família e seus bens destruídos (Josué 7.1-26).
“Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20.12). Absalão se rebelou e foi morto
prematuramente (II Samuel 15.1-12; 18.9-18), o mesmo acontecendo com seu irmão
Adonias (I Reis 1.5-10, 49-53, 2.21-25).
“Não cobiçarás” (Êxodo 20.17). o rei Acabe cobiçou a vinha de Nabote e, com
o incentivo de Jezabel, ordenou sua morte, mas Deus os sentenciou e matou de
forma cruel (I Reis 21.1-29).
Lição geral: Deus zela pelo cumprimento de Sua Palavra em Israel e na Igreja.
Profanação das coisas santas: Nadabe e Abiú trouxeram fogo estranho
diante do altar do Senhor e foram mortos (Levítico 10.1-3). Lição: havendo
desobediência à Palavra do Senhor, as emoções e a boa vontade humana são
rejeitadas.
Coré desejou o cargo que não lhe pertencia e foi engolido pela terra junto com
mais duzentos e cinqüenta homens de Israel (Números 16.1-35). Lição: Coré foi
imbuído pelo ciúme, mas seu desejo satisfazia ao inimigo, que pretendia desvirtuar o
plano divino para o sacerdócio em Israel.
Saul ofereceu o sacrifício que era exclusivo do sacerdote e foi rejeitado como
rei de Israel (I Samuel 13.8-14). Lição: Saul foi movido pelo orgulho pessoal e pelo
medo de perder o apoio dos soldados. Como rei, entendeu que estava à altura do
sacerdócio, não discernindo a diversidade das funções.
Belsazar profanou os vasos do santuário, viu sua sentença sendo escrita na
parede e naquela mesma noite foi morto (Daniel 5.1-30). Lição: Deus não se deixa
escarnecer, muito menos pelo ímpio. Mesmo que pareça tardio, o juízo de Deus
acontecerá e quando vier será severo.
Quem tomar a Santa Ceia indignamente – sem o devido arrependimento,
confissão e abandono do pecado – entra em letargia espiritual, doença e morte (I
Coríntios 11.27-32). Lição: muitos se desviam sem motivo aparente aos olhos
humanos, mas Deus conhece os corações e começa o julgamento pela Sua casa.
Mentira ao Espírito Santo: Ananias e Safira mentiram ao Espírito do Senhor,
tentando enganar o apóstolo Pedro e foram mortos imediatamente (Atos 5.1-10).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 40


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Lição: com esta atitude, Deus provou que não aceita a mentira em sua Igreja, pois o
diabo é o pai da mentira.

VIII. OITAVA REGRA: A REVELAÇÃO PROGRESSIVA


É o princípio pelo qual Deus anunciou de forma progressiva algumas
verdades, no desenvolvimento da História e conforme a Bíblia foi sendo
escrita. Este método divino pode ser comparado com uma árvore que começa com
uma simples semente: esta germina, cria raízes, brota, desenvolve o caule, os
galhos, as folhas e produz flores e frutos.
É um método simples e esclarecedor, com algumas características distintivas:
Começou no Antigo Testamento (livro de Gênesis) e terminou no Novo
Testamento (livro de Apocalipse).
Está restrito às Escrituras sagradas, inspiradas pelo Espírito Santo, outorgadas
através de homens santos e concluídas no primeiro século com o último livro, o
Apocalipse. Nenhuma outra escritura, lei, norma, revelação, doutrina ou ideologia
está autorizada a se comparar, substituir ou complementar a Revelação original.
Caso isto aconteça, a própria Bíblia tem a resposta: seja duas vezes anátema,
mesmo que seja trazida por anjos (Gálatas 2.8,9).
Esteve subordinado às Dispensações que, segundo a Escritura, foram sete
formas distintas de tratamento divino com a humanidade, desde o começo:
Inocência, Consciência, Governo Humano, Promessa (ou Patriarcal), Lei, Graça e
Milênio12. No decorrer destes períodos, Deus revelou verdades importantes para a
época, mas ocultou, ou reservou outras para as épocas posteriores (Daniel 1.4,8-10;
I Pedro 1.10-12).
Alguns exemplos ilustrativos:
A Trindade não foi revelada no Antigo Testamento com toda a clareza que o foi
no Novo Testamento, mas neste foi revelada integralmente. 13 (Mateus 3.16,17; João
10.30; Atos 5.3,4);

12
Esse tema será analisado com mais detalhes posteriormente.
13
Para os judeus do Antigo Testamento, mesmo que a idéia da Trindade estivesse implícita nos
textos sagrados, somente o fato de pensar num Deus trino era considerado um ato de idolatria
imperdoável. Havia uma idéia marcante de unicidade no Antigo Testamento, que impediu muitos
eruditos de aceitarem a divindade de Jesus Cristo (João 10.33; Mateus 23.63-66).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 41


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

A situação da pessoa após a morte física e a consequente distinção entre os


pecadores e os santos só foi perfeitamente esclarecida após a revelação da Graça,
através de Jesus Cristo14 (João 14.1-3; Apocalipse 7.9-17);
A posição humilde e o sacrifício do Messias foram revelados completamente na
Dispensação da Graça, pois na Lei o povo de Israel esperava um Messias guerreiro
como o Rei Davi (Mt 17.12; Lc 24.44-47; Jo 3.14; Fp 2.5-11).
É o método ideal para o desenvolvimento das grandes doutrinas contidas
na Bíblia. Deus mesmo providenciou para que a verdade fosse distribuída pela
Escritura, começando com verdades simples e culminando com revelações
completas, dentro da compreensão e necessidades do Seu povo.
Exemplo: a Doutrina da Salvação:
Começou com a revelação daquele que pisaria a cabeça da serpente (Gênesis
3.15).
Continuou com a chamada de Abrão e as promessas de uma semente
(Gênesis 12.1-3).
Foi confirmada através da formação da nação de Israel e sua separação do
mundo pagão (Êxodo 19.3-6).
Foi concretizada com a concepção e o nascimento virginal, a vida, o ensino, a
morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus Cristo, o judeu principal (Mateus 1.1;
Lucas 1.26-35; João 4.22; Romanos 8.34).
Ao fazer uso desta regra indispensável da Hermenêutica, o intérprete deve
tomar especial cuidado com os modismos da atualidade. Deus jamais autorizou
qualquer espécie de revelação ou doutrina que não esteja indicada explicitamente
em Sua Palavra. A revelação progressiva iniciou em Gênesis e encerrou em
Apocalipse. Qualquer inserção futura é herética e condenada pelo Senhor.

IX. NONA REGRA: O PRINCÍPIO DE ESTUDO TEMÁTICO.


É o princípio pelo qual a Bíblia pode ser estudada de forma temática, por
assuntos distintos.

14
Os hebreus do Antigo Testamento não possuíam a mesma fé na glória da eternidade com Deus
que a Igreja hoje tem. Para aqueles antigos crentes, a morte e a descida ao sheol (lugar dos mortos)
era um momento de tristeza indizível e a consequente entrada nas trevas de um mundo
desconhecido. Segundo A. R. Crabtree, página 274, “Cortada da ‘terra dos vivos’, a mera existência
da pessoa quase não tinha mais significação.”

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 42


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Dentro de uma correta aplicação deste método, o intérprete pode usar livros
inteiros, ou colher textos distribuídos por todo o Livro Sagrado.
No primeiro caso, temos o estudo exegético/temático, ou Teologia Bíblica,
restrita a alguns livros da Bíblia, que são orientados por uma linha principal de
raciocínio e corroboram a aplicação deste método. Exemplos:
Gênesis: o livro de todos os começos;
Cantares: o livro do amor conjugal;
Daniel: o livro das revelações no Antigo Testamento;
Isaías: o evangelho do Antigo Testamento;
Mateus: o evangelho do Rei;
Marcos: o evangelho do Servo de Deus;
Lucas: o evangelho do Homem perfeito;
Romanos: o evangelho da graça de Deus;
Gálatas: conflitos entre Lei e Graça;
I e II Timóteo e Tito: cartas ministeriais;
Apocalipse: profecias do fim do mundo e da vitória da Igreja.
No segundo caso, temos a Teologia Sistemática, que é o estudo geral das
grandes doutrinas da Bíblia. No geral são dez as principais doutrinas: Bibliologia,
Teologia, Cristologia, Pneumatologia, Angelologia, Antropologia, Hamartiologia,
Soteriologia, Eclesiologia, Escatologia (Mateus 7.28; Atos 2.42; I Coríntios 14.26).
Além destas que são as principais, ainda podem ser feitos inúmeros estudos
temáticos na Escritura, usando termos chaves, que estão distribuídos no Antigo e no
Novo Testamento. Embora não formem doutrinas como as anteriores, servem de
orientação e reforço para a vida cristã normal.
Exemplos de pessoas: Anjo Gabriel, Diabo, Adão, Noé, Abraão, Moisés,
Débora, Miriã, Maria, Paulo, Pedro, etc.
Exemplos diversos: graça, justificação, redenção, união, oração, ministério,
evangelização, batismo, santa ceia, dons espirituais, etc.
Ao empreender este tipo de estudo, o intérprete deve procurar conhecer
preferencialmente todos os textos da Escritura referentes ao tema em foco. Este
procedimento evitará o uso de textos isolados, que servem para defesa de idéias
particulares e preconcebidas. Somente após um detido e minucioso exame de
todos os textos relacionados ao tema, o intérprete poderá fazer uma
declaração doutrinária segura.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 43


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X. DÉCIMA REGRA: A LINHA TEOLÓGICA ADOTADA


A linha teológica refere-se às diversas correntes existentes na Teologia
Contemporânea, exigindo que o intérprete assuma uma definição clara e
escriturística. É impossível ao intérprete sério e espiritual ficar indeciso ou mesclar
as diversas correntes dogmáticas aplicadas na atualidade.
Existem várias linhas teológicas adotadas dentro do cristianismo: Igreja
Católica Romana, Igrejas Protestantes e Igrejas Evangélicas15. A falta de uma
diferenciação adequada poderá resultar em erros de interpretação, pois grande parte
da exegese bíblica atual é baseada nos dogmas adotados e aceitos como verdade
absoluta.
Lembre-se: nenhuma denominação cristã é exatamente igual às demais.
Linha Católica Romana: adota três bases para a confecção de suas
doutrinas: a Bíblia, a Tradição da Igreja e a Infalibilidade do Papa. As duas primeiras
fontes citadas são as principais. A terceira, mais recente, sujeita-se às primeiras,
mas depende da ideologia particular de cada líder da Igreja. A partir da segunda e
terceira fonte, a interpretação bíblica segue um curso definido pela vontade humana
– dois terços – e não totalmente pela vontade divina. Por este motivo é que o
catolicismo contém bons ensinos em relação a muitas doutrinas bíblicas, mas peca
terrivelmente em outros, desviando-se da verdade.
Linha Neo-Modernista ou Neo Liberal: é um ramo perigoso adotado por
grande parte dos protestantes modernos, oriundo de interpretações meramente
racionalistas da Escritura. Surgiu e ganhou força no final do Século XIX e início do
Século XX, levando quase à derrota a Teologia Ortodoxa tradicional. Sua principal
arma é o método de interpretação denominado Alta Crítica, ou Crítica Literária, ou
seja, a interpretação meramente racional dos textos, excluindo todos os elementos
não comprovados cientificamente. Nesta Teologia não há lugar para o elemento
milagre divino, tornando-se praticamente uma religiosidade social e secular.
A Bíblia é interpretada e aceita como Livro divino apenas parcialmente, i.é,
quando o intérprete sente no coração que alguma verdade se lhe aplica, mas está
sujeita a correções e erros, conforme as normas de estudo da Alta Crítica. Neste
caso, também se sujeita à emoção e vontade humana, pois é o intérprete quem
decide quais textos são inspirados ou não.

15
A Igreja Ortodoxa Grega não está sendo considerada para os fins deste estudo.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 44


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Linha Neo-Pentecostal: é uma linha teológica relativamente moderna, surgida


como resultado dos movimentos pentecostais tradicionais. Nem todos os adeptos
pensam e agem da mesma forma. Porém, em linhas gerais, são caracterizados pela
manifestação efusiva das emoções durante os cultos, através de cânticos, gestos,
movimentos corporais, louvores, lágrimas, etc. Adotam a maioria das doutrinas
bíblicas e teológicas tradicionais, exceto naquelas relativas ao vestuário, à aparência
física e à prática de esportes diversos.
A Bíblia é usada, teoricamente, como base única de suas doutrinas e prática
cristã, mas ultimamente alguns ramos têm adotado expedientes estranhos à
Escritura com a finalidade de atrair fiéis, chegando mesmo a usar artifícios
característicos do mundo (culto show, música mundana, danças) do espiritismo
(vestuário completamente branco, vermelho ou preto, à meia noite; banhos de sal;
descarrego; oração por objetos; venda de objetos abençoados, ou ungidos,
verdadeiros amuletos da sorte) e do rosacrucionismo (pecados lançados sobre uma
rosa vermelha). Em algumas denominações, o ponto alto é a Teologia da
Prosperidade. Esta linha prega a supremacia do bem material sobre o espiritual. Não
importa o “ser”, mas sim o “ter”. O nome de Jesus, a Bíblia e suas outras doutrinas
são usadas apenas como meio para atingir um fim e este fim é a aquisição de
riquezas materiais.
Linha Ortodoxa, Conservadora, Pentecostal, Milenista, Pré-
Tribulacionista: esta linha teológica adota a Teologia tradicional, conforme recebida
do texto inspirado da Escritura. A ciência de interpretação básica é a Crítica
Textual16, adotada pelos teólogos conservadores, defensores da Teologia
Conservadora.
As principais bases de interpretação adotadas por esta linha são:

16
A Crítica Textual adota a Regra Áurea, visto que usa o próprio texto da Escritura na busca de
explicações e soluções de aparentes discrepâncias. G. L. Archer Jr, página 54, assim a define: “Em
contradistinção com a alta crítica, que trata de questões de autoria e da integridade do texto dos livros
bíblicos, a ciência da baixa crítica (ou crítica textual) se preocupa na tarefa de restaurar o texto
original na base das cópias imperfeitas que chegaram até nós. Procura selecionar as evidências
oferecidas pelas variações, ou leituras diferentes, quando há uma falta de acordo entre os
manuscritos sobreviventes, e pela aplicação dum método científico chegar àquilo que era mais
provavelmente a expressão exata empregada pelo autor original.”

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 45


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Inspiração: a Escritura foi outorgada mediante a inspiração – sopro – do


Espírito Santo de Deus, através de homens santos (II Timóteo 3.16)17. Esta
inspiração é completa em dois sentidos:
- Verbal: pois todas as palavras escritas nos originais foram dadas pelo
Espírito, tendo um significado relevante, absoluto, dentro da revelação divina
(Êxodo 34.27; Mateus 4.4; 5.18; Apocalipse 22.7). Deus jamais inspirou os homens
santos a escreverem palavras sem sentido objetivo.
Esta definição é contraposta à teoria da Teologia Liberal, que entende os textos
bíblicos como portadores de mensagem conceitual, i.é, Deus teria inspirado os
autores a escreverem os fatos, mas não os orientou na escolha das palavras. Assim,
o vocabulário bíblico teria sido fruto da escolha pessoal dos autores humanos.
Na inspiração verbal, entende-se que o Senhor não ignorou as condições
pessoais dos autores humanos, como: época, região, cultura ou posição social. O
Espírito Santo valeu-se dos homens, dentro de suas peculiaridades, mas a Palavra
continua sendo de Deus, ou seja, o que está escrito é divino em essência. É por
ignorar esta princípio hermenêutico fundamental que os liberais emprestam à
Escritura significados que ela não tem, ou ignoram mandamentos importantes para o
mundo e a Igreja.
- Plenária: porque toda a Escritura, sem exceção de nenhum texto, é de
origem divina e válida para o intérprete. Nenhum texto deve ser rejeitado
(Mateus 4.418; II Timóteo 3.16a19).
Novamente os teólogos liberais negam este princípio, alegando que a
inspiração é apenas parcial, i.é, alguns textos da Escritura foram inspirados pelo
Espírito, outros não. Para definir quais são divinos, usam a experiência humana, ou
seja, se o intérprete sente que aquele texto lhe traz algum ensino, exortação ou
inspiração para a vida, então é divino. Caso contrário, não é. Na verdade, este
princípio limita a Palavra de Deus ao pecaminoso coração e ao pequeno intelecto
humano, retirando da Bíblia sua autoridade suprema.

17
A título de esclarecimento, esta inspiração não pode ser comparada com a inspiração poética, que
é basicamente emocional, ou com a investigação filosófica, que é essencialmente racional. Enquanto
estas têm sua origem e fundamento no homem, em suas limitadas experiências e capacitação, a
inspiração da Bíblia veio diretamente de Deus para os autores humanos que lhe aprouve usar.
18
No original grego: “” (panti rêmati). Segundo Taylor:  = “em tudo’, em todos os
respeitos, em toda maneira.”
19
O Texto grego é “” (pãsa grafê). Segundo F. W. Gingrich et. ali, “” é “todo, toda,
cada”, etc.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 46


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Cremos, com base na própria Escritura, que ela é auto suficiente em matéria
de fé e teologia, pois é divina em essência, sendo cada texto uma parte da
revelação divina geral e escrita. Os originais comprovam que toda a Escritura deve
ser valorizada pelo intérprete.
Dentro desta linha, duas observações importantes devem ser consideradas
pelo intérprete:
É necessário fazer a diferença entre as palavras divinas registradas na
Escritura e aquelas que são apenas relatos inspirados. Neste caso, duas
situações se destacam: as palavras de pessoas ímpias (Gênesis 4.8,9; Êxodo
2.13,14; 5.2; I Reis 18.17,26; 19.2; 21.7-14,20; Mateus 27.20-29) e as do maligno
(Gênesis 3.1,4,5; Mateus 4.3,6,9). Quando os respectivos autores destas
expressões falaram, é evidente que não estavam sob inspiração divina, mas os
autores humanos da Bíblia, quando as registraram, é que estavam sob plena
inspiração do Espírito Santo. Por isso são denominadas de relatos inspirados.
O texto original da Escritura está completo e ninguém está autorizado a
diminuir ou acrescentar nada. Conforme revelação da própria Bíblia, quem
desobedecer esta regra, está correndo o risco de perder a salvação e ser
condenado ao fogo eterno (Apocalipse 22.18,19).

Inerrância: na Palavra de Deus, conforme os originais hebraicos e gregos, não


existem contradições ou erros (João 10.35; 17.17). O que existe são cópias mal
feitas, notas explicativas inseridas no texto, interpretações preconceituosas, má
vontade e incredulidade humana, além da sujeição ao espírito do erro que opera nos
filhos da desobediência. A Escritura é fidedigna, pois é a Palavra do Deus perfeito e
eterno.

Iluminação: tendo a Palavra de Deus em mãos, em forma de livro, todos os


cristãos necessitam ser iluminados pelo Espírito Santo de Deus para
compreenderem perfeitamente a Escritura divina. Somente Ele que a inspirou, é
capaz de interpretá-la correta e completamente (João 14.26; 16.13; Efésios 1.17,18;
I João 2.20,27). Por ser uma revelação divina, a Bíblia exige uma interpretação
espiritual, dada pelo próprio Autor, que é o Espírito Santo. Portanto, nenhum homem
ímpio, que desconheça o Senhor, poderá compreendê-la em sua totalidade, mesmo
que seja um teólogo muito letrado (Lucas 10.21; João 3.1,10).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 47


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

QUINTA PARTE
INTERPRETAÇÃO BÍBLICA ESPECIAL
Este capítulo da Hermenêutica tratará de temas basilares revelados na
Escritura, alguns peculiares à interpretação bíblica, que abrirão as portas da
compreensão textual e teológica ao estudante.
I. AUTORIA
Antes de tudo, deve-se distinguir entre o Autor Divino e os autores humanos da
Bíblia.
1. Autor Divino: a Escritura declara que Seu verdadeiro Autor é Deus. O Espírito
Santo – terceira Pessoa da Trindade – inspirou os autores humanos sobre quais
assuntos deveriam registrar e quais palavras deveriam usar (II Timóteo 3.16; II
Pedro 1.20; I Tessalonicenses 2.13). Então, a Bíblia é a Palavra de Deus
outorgada para orientação do homem.

2. Autores humanos: a Bíblia foi escrita por cerca de quarenta autores humanos,
em sua maioria judeus. Talvez Lucas fosse o único gentio.
Mesmo sendo a singular e inerrante Palavra de Deus, o Senhor filtrou sua
mensagem através das características particulares de cada um, como: origem,
personalidade, cultura, grau de instrução, localidade, fundo histórico, etc. Alguns
autores foram homens simples, pobres, exercendo profissões comuns, enquanto
outros foram altamente letrados, vivendo na elite ou fazendo parte da oligarquia da
nação.
O conhecimento da história particular e das características de cada autor
humano da Escritura pode fazer a diferença na interpretação, esclarecendo ao
intérprete o verdadeiro sentido da palavras escritas, principalmente dos textos
originais.
Alguns exemplos:
a. Moisés: nos primeiros dois anos de vida, foi instruído pela própria mãe no
conhecimento de Deus. Certamente que as orações e os ensinos daquela mãe
piedosa foram uma semente divina plantada no coração daquele grande homem.
Após ser levado à casa de Faraó, foi considerado filho da rainha/princesa
Hatsepsute, sendo instruído em todas as ciências do Egito, como se fosse assumir o
trono da maior nação do mundo contemporâneo. Alguns autores chegam a acreditar

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 48


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

que Moisés influenciou grandemente na formação do alfabeto (Êxodo 2.5-10; Atos


7.22).
b. Paulo: foi instruído desde sua infância nos santos caminhos de Deus. Filho
de farizeus, instruído por um dos mais famosos mestres de Israel do seu tempo,
aluno dedicado, adquiriu alta intelectualidade e profundos conhecimentos na Lei de
Deus, bem como nos costumes de sua nação. Estas características marcaram seus
escritos, propiciando uma literatura de alto nível intelectual e espiritual, fonte de
inspiração para grandes e pequenos há quase dois milênios (Atos 22.3; Filpenses
3.5).
c. Pedro e João: foram homens simples, do trabalho braçal, que não
alcançaram o alto nível de intelectualidade dos dois primeiros citados. Porém, assim
como todos os judeus, foram instruídos desde tenra infância nos preceitos de Deus,
em casa, e quando meninos aprenderam nas sinagogas, aos pés dos mestres da
Palavra. Seus escritos demonstram esta diferença de nível, mas também são
profundos, conforme a inspiração concedida pelo Espírito Santo (Mateus 4.18,21; II
Pedro 3.15,16).
O fato de haver grandes diferenças entre os autores humanos não prejudicou a
inspiração divina, verdadeira origem da Escritura. Apenas imprimiu marcas
distintas no que tange à linguagem, ao estilo literário e aos assuntos
abordados.

II. FUNDO HISTÓRICO/GEOGRÁFICO


Toda a Bíblia foi escrita numa época definida da História Universal e
numa terra geograficamente conhecida. Este é o fundo histórico que o intérprete
deve procurar conhecer e compreender em sua tarefa de descobrir o verdadeiro
sentido da Escritura. A Escritura não pode ser corretamente interpretada com base
nos princípios e costumes da vida moderna, dissociada do tempo, da região e da
cultura onde foi escrita.
A Bíblia foi escrita num período aproximado de 1500 anos, ou seja, o primeiro
livro escrito por Moisés, o Gênesis data aproximadamente de 1445 a.C. e o último, o
Apocalipse, de aproximadamente 96 d.C. Foi um extenso período que Deus usou
para transmitir gradativamente sua Palavra aos homens, revelando a si próprio, bem
como outros assuntos importantes de forma progressiva, até culminar na revelação
por excelência: o Senhor Jesus Cristo.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 49


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Cada época da História da humanidade teve suas características peculiares


nos mais diversos campos de estudo examinados, como: social, econômico, político,
religioso e outros. Tudo isto influiu diretamente na composição da Escritura.
Limitados ao contexto da Hermenêutica, faremos um breve comentário
seguindo as divisões temáticas da Bíblia, conforme a temos hoje.
1. Pentatêuco: composto dos primeiros cinco livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo,
Levítico, Números e Deuteronômio, foi escrito nas cercanias do Monte Horebe, logo
após a fuga do Egito e na peregrinação de quarenta anos pelo deserto, em demanda
da Terra Prometida. A citação de nomes de lugares, cidades e povos redescobertos
pela Arqueologia moderna comprova as afirmações da Escritura, de que houve um
fundo histórico-geográfico na composição dos livros sagrados (Gênesis
10.2,6,10,11,15,19,22; 15.7; 12.10).
É óbvio que os primeiros capítulos de Gênesis foram escritos por revelação
divina, visto que Moisés não poderia ter acompanhado a criação do céu e da terra,
nem mesmo os primeiros passos do homem no mundo. A partir do dilúvio,
principalmente, é provável que Moisés tenha recorrido a fontes históricas escritas
pelos primitivos habitantes da Mesopotâmia. Como foi versado em todas as ciências
do Egito, centro cultural da época, certamente tomou conhecimento destas fontes
em seus primeiros quarenta anos de vida, anos de intensa vida acadêmica (Atos
7.22).
Os demais livros foram escritos enquanto se desenrolava a História do povo
hebreu na peregrinação pelo deserto. Moisés participou diretamente desta fase,
enquanto conduzia o povo. Por isso, os textos a partir de Êxodo adquirem um
caráter de relato embasado na experiência pessoal, tanto com Deus, como com os
homens. A citação de nomes dos povos envolvidos nesta fase da História de Israel é
muito importante, pois identifica o fundo histórico vivido pelo povo e no qual os livros
sagrados foram escritos (Êxodo 13.5; Deuteronômio 7.1; Gênesis 12.10; 14.1-9).

2. Livros Históricos: é uma coleção de doze livros inspirados: Josué, Juízes, Rute,
I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. São relatos
fidedignos da História de Israel na Antiga Aliança, desde a entrada na Terra
Prometida até o cativeiro sob o império Persa.
Observa-se que o fundo histórico da História dos Hebreus antigos é saturada
de informações sobre outros povos igualmente históricos, como: heteus, egípcios,

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 50


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

assírios, babilônicos, gregos, persas e outros. O desenvolvimento das duas linhas


históricas – povo da aliança e secular – é paralelo. Para que o intérprete
compreenda melhor a Escritura, precisa situar cada acontecimento no devido tempo
e comparar com a História Antiga em geral. Neste processo é muito importante
relacionar e conhecer os nomes de lugares e figuras históricas, como: Davi,
Salomão, Nabucodonosor, Ciro, Dario e outros. Somente fazendo um estudo
aprofundado da História Antiga o intérprete terá autoridade para defender a
veracidade da Escritura diante de oposições infundadas e heresias que se levantam
(I Reis 3.1; 16.31; II Reis 15.29; II Reis 24.1ss; II Crônicas 36.22,23; Ester 1.1ss;
Josué 1.2; 2.1-3; 12.7-24; II Samuel 5.11).

3. Livros proféticos: são divididos em profetas maiores e menores – devido


exclusivamente ao tamanho dos livros. O primeiro grupo é composto de quatro
profetas e cinco livros: Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel e Daniel. O
segundo grupo, composto de doze livros: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas,
Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Este grupo
importante de livros abrange desde à época da monarquia até o final do cativeiro
babilônico.
Estes livros foram escritos em época de crise nacional, como uma resposta de
Deus ao pecado do povo. Mas os problemas denunciados pelos profetas
transcendem as questões espirituais, para atingirem um nível mais abrangente na
área social, econômica, política e outras. Muitos dos pecados condenados foram
exatamente no relacionamento comprometedor que os judeus tiveram com nações
estrangeiras e a adoção de seus deuses e costumes pecaminosos. O exclusivismo
defendido pelos profetas em relação ao casamento, aos negócios ou à imigração
para terras estrangeiras, precisa ser analisado à luz da História e da necessidade de
santificação de Israel, para cumprimento dos planos divinos no futuro. Exemplo
ilustrativo dos demais: Isaías 1.1ss; Ezequiel 1.1,2; Daniel 5.30,31; 8.2).

4. Livros poéticos: coleção que abrange cinco livros: Jó, Salmos, Provérbios,
Eclesiastes e Cantares. Esta categoria de literatura em Israel revela as
circunstâncias da nação em geral, ou do poeta em particular. Por vezes há vibrante
euforia diante da grandeza de Deus ou das bênçãos Dele recebidas. Em outras
ocasiões, há um fundo de tristeza pelos reveses sofridos pelo pecado e pelos

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 51


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inimigos nacionais. O fundo histórico abrange praticamente todo o Antigo


Testamento, na época das grandes conquitas, da formação e deterioração dos
grandes reinos pagãos, quando o mundo ascendia e entrava em colapso com
velocidade espantosa. Tudo isto influiu diretamente na composição destes livros.
Exemplos: Salmo 51.1-19; 137.1-9.

5. Evangelhos e Atos: são a revelação de Jesus Cristo por excelência. Os


primeiros três: Mateus, Marcos e Lucas, são denominados de Sinóticos, ou seja,
registram os mesmos acontecimentos da vida de Jesus Cristo, apenas com as
diferenças peculiares a cada autor e destinatário humano. Mateus foi escrito para os
judeus, o povo da aliança e procura comprovar que Jesus Cristo é o Messias
esperado; Marcos foi escrito para os romanos e traz características de guerreiro,
mudando rapidamente de tema; Lucas foi escrito para os gregos e procura examinar
minuciosamente os assuntos referentes à vida de Cristo, desde o nascimento até à
morte. O fundo histórico destes livros pode ser reconhecido pelas características
peculiares à época do domínio do Império Romano, o que se estende também pelo
livro de Atos. Ambos citam sobejamente o nome de locais conhecidos ainda hoje no
Oriente Médio, na Ásia e na Europa. Nomes de cidades e personalidades
conhecidas na História são muito importantes para comprovar a historicidade dos
livros, bem como para definir a trajetória do ministério de Jesus e dos apóstolos,
propiciando maiores subsídios aos intérpretes da Escritura (Lucas 2.1-5; Mateus 2.1-
19; João 2.20; Atos 21.27ss; 17.15-19).
O evangelho de João foi escrito para a Igreja, tratando de temas espirituais
desde os primeiros versículos. Traz revelações não encontradas nos sinóticos e
caracteriza-se pela personalidade amorosa do apóstolo que o escreveu. Foi uma
resposta inspirada à tentativa que o gnosticismo e outras heresias da época fizeram
de invadir a Igreja do Senhor. Um estudo das correntes religiosas da época ajudam
a iluminar o intérprete na compreensão dos textos bíblicos.

6. Cartas: treze foram escritas pelo apóstolo Paulo: Romanos, I e II Coríntios,


Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito
e Filemon. Hebreus permanece com seu autor desconhecido. Tiago, meio irmão do
Senhor Jesus Cristo escreveu a carta que leva seu nome. O mesmo aconteceu com
Judas. Pedro escreveu duas cartas. O apóstolo João escreveu três.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 52


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As cartas são prioritariamente uma fonte doutrinária para orientação da Igreja.


Mas tem características peculiares aos autores, aos destinatários e às condições da
Igreja relacionadas ao mundo da época, visto que algumas foram escritas sob a
perseguição dos romanos. Também devem ser analisadas à luz da cultura dos
povos a quem foram dirigidas, pois foram dirigidas aos romanos, aos gregos ou aos
judeus. Exemplos: Tito 1.11,12; Efésios 3.1; Filemon 1.1).
É indispensável, portanto, que o intérprete da Bíblia conheça pelo menos
os povos, os fatos e as datas da História Antiga para compreender o fundo
histórico que delineou a escrituração da Bíblia.

III. NUMEROLOGIA BÍBLICA


Por numerologia bíblica entendemos que certos números na Bíblia
contém um significado especial. Obviamente não devemos confundir com a
numerologia exotérica, muito conhecida e praticada nos meios religiosos pagãos,
que não passa de crendice popular e espúria diante de Deus. A numerologia bíblica
faz parte de uma revelação especial de Deus através dos números que Ele
determinou, através de personagens e acontecimentos especiais.
Um cuidado especial deve ser tomado com relação ao uso dos números pelo
exegeta bíblico. Não são todos os números que podem ser usados com um
significado especial. Há números que nada significam na Escritura. São apenas
registros comuns. Nem tampouco o intérprete tem liberdade de emprestar
significados onde não existem. Aqueles números que tem um significado especial
são comprovados pela própria Escritura, obedecendo à Regra Áurea. Alguns
exemplos:
1. Número Um: este número representa unidade absoluta.
a. Está relacionado diretamente a Deus, ser único no universo, singular, sem
comparação (Isaías 45.5,6; João 17.3; Judas 1.25).
b. Também refere-se à Igreja universal, de todas as épocas, espalhada por
todos os recantos do mundo (Hebreus 12.22,23).
c. Quanto ao ser humano diz respeito à sua individualidade, como ser único e
responsável por si mesmo diante de Deus e dos outros homens (Gênesis 3.16,17;
17.1,2,15,16; Romanos 14.12).

2. Número Dois: naturalmente significa companheirismo, apoio, parceria.

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a. É um belo símbolo do casamento, quando duas pessoas se unem pelos


laços do amor e tornam-se companheiras por toda a vida (Gênesis 2.24; Mateus
19.6).
b. Também relaciona-se à parceria dos cristãos na vida com Deus, apoiando-
se mutuamente nas horas difíceis (Gálatas 6.2) ou fazendo a obra do Senhor em
dupla (Marcos 6.7).

3. Número Três: este número representa a Trindade divina por excelência e sua
marca em todas as coisas criadas, como se fosse uma assinatura do Criador,
comprovando que nada surgiu do acaso, ou por mãos estranhas a Ele.
a. É um número excelente na Escritura, pois representa prioritariamente a
Trindade divina: Pai, Filho e Espírito Santo (Mateus 28.19; II Co 13.13).
b. Também está relacionado ao ser humano (criado à imagem e semelhança
do Deus Trino) que, em sua natureza completa, é espírito, alma e corpo (I
Tessalonicenses 5.23).
c. A família nuclear também está representada por este número: pai, mãe e
filhos (Gênesis 4.1; 20.12; Eclesiastes 4.12; Mateus 2.13,20).
d. Também tem algumas representações ligadas à natureza: cientificamente,
mas comprovado pela Bíblia, temos os três reinos: mineral, vegetal e animal
(Gênesis 1.1,2,11,12,20-25); sol, lua e estrelas (Gênesis 37.9; Deuteronômio 4.19);
céu, terra e mar, incluindo os animais cujo habitat está relacionado a estes: aves,
mamíferos ou répteis e peixes (Deuteronômio 5.8; Neemias 9.6; Salmo 8.7,8;
Ezequiel 38.20; Apocalipse 5.13; 10.6; 21.1).
e. Profeticamente representa a tríade maligna que governará temporariamente
o mundo, por permissão de Deus, durante a grande tribulação: o dragão, a besta e o
falso profeta (Apocalipse 12.3; 13.1,2,11,12). Neste caso há uma exceção, pois o
inimigo tenta copiar tudo o que Deus criou. Mas seu plano fracassará e somente a
verdadeira Trindade prevalecerá no fim de tudo.

4. Número quatro: está relacionado diretamente a tudo o que é completo ou


abrangente.
a. Geograficamente, os quadrantes da terra são representados por este
número: norte, sul, leste (oriente) e oeste (ocidente) – (Gênesis 13.14; I Crônicas
9.24; II Crônicas 4.4; Zacarias 14.4; Lucas 13.29).

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b. Os querubins, seres celestiais criados por Deus, representantes de todos os


seres viventes, também trazem em si mesmos a marca do número quatro (Ezequiel
1.5,6,10; 10.14,15; Apocalipse 4.6,7).
c. Os cavaleiros do apocalipse, representantes de todas as pragas que virão
sobre o mundo durante a Grande Tribulação (Apocalipse 6.2-8).

5. Número seis: conforme a revelação da própria Escritura, este é o número de


homem.
a. De forma geral representa o ser humano como um todo. Sendo inferior ao
número sete, representa a pequenez humana na posição hierárquica do mundo
espiritual, ou diante da Trindade (Apocalipse 13.18). O fato de aparecer repetido por
três vezes, formando seiscentos e sessenta e seis (666), relaciona-se à tríade
maligna que governará na Grande Tribulação, aproveitando-se da cegueira e
pecaminosidade humana para operar no mundo.
b. A linguagem tipológica da Escritura também traz uma luz sobre o número
seis relacionado ao homem. O Castiçal de sete hastes, que ficava à esquerda do
Lugar Santo no Tabernáculo, cujo modelo foi revelado por Deus a Moisés, continha
apenas uma haste principal que sustentava todas as demais, i.é, três de cada lado.
A principal tipificava Cristo, o Criador e Salvador dos pecadores (João 1.1-4; 15.5).
As outras seis tipificavam o ser humano que depende de seu Criador para sobreviver
e alcançar a salvação eterna (Êxodo 25.31,32).

6. Número sete: este número representa tudo o que é absolutamente completo


em si mesmo.
a. Está prioritariamente relacionado à Trindade. Neste caso, também
representa a perfeição, a onisciência, a onipotência e outros atributos divinos
revelados na Escritura (Apocalipse 1.4; 3.1; 4.5; 5.6).
b. A criação do céu e da terra durou seis dias e no sétimo Deus descansou 20. A
partir deste ato inicial, ao ordenar o curso dos astros no céu, que determinam a

20
Neste comentário não foram consideradas as teorias da contagem de eras prolongadas, no lugar
da semana de sete dias. Também não é importante se Deus criou originalmente ou apenas
reorganizou a criação original, como afirmam alguns teólogos. Para nosso estudo, a presença do
número sete na criação é mais importante, pois determina o princípio e o fim da existência de todas
as coisas como originadas e dependentes de Deus.

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contagem do tempo sobre a terra, Deus planejou uma semana de sete dias (Gênesis
2.1-3)21.
c. A História da Salvação, ou do projeto divino para a humanidade antes e
depois da queda, também se resume em sete fases distintas e completas. São
conhecidas como As Sete Dispensações: Inocência, Consciência, Governo Humano,
Patriarcal, Lei, Graça e Milênio. Estudaremos mais profundamente estes temas
posteriormente.
d. A nação de Israel foi marcada pela presença do número sete na contagem
do tempo e do serviço a Deus. A semana de sete dias foi estabelecida pela Lei
divina: seis dias para o trabalho e o sétimo para o descanso e o serviço a Deus
(Êxodo 20.8-11). Deveria ser contada uma semana de anos, i.é, deveriam trabalhar
e produzir durante seis anos, mas o sétimo ano inteiro, deveria ser de descanso
absoluto, tanto para os homens como para os animais (Êxodo 23.10,11). O ano de
jubileu foi estabelecido após sete semanas de sete anos, i.é, no ano quinquagésimo
todos os escravos hebreus deveriam ser libertos, as terras devolvidas e ninguém
deveria trabalhar, pois era um ano de júbilo e serviço a Deus. Considerando-se que
o quadragésimo nono ano deveria ser um ano sabático, toda a nação ficaria por dois
anos ininterruptos dedicada ao Senhor22 (Levítico 25.8-22).
e. A Igreja do Senhor também está representada neste número em todos os
sentidos: geograficamente, como aquela que está em todos os quadrantes da terra;
espiritualmente, pois o Espírito de Deus que enche toda a terra o faz também
através da Igreja; profeticamente, pois os acontecimentos que envolveram aquelas
primeiras sete Igrejas da Ásia Menor, estendem-se de forma gradativa por toda a
História, até chegar ao presente. Hoje, no período final da Igreja e da Era da Graça,
estamos vivendo prioritariamente duas situações: Filadélfia e Laodicéia (Apocalipse
2.1-2.22).
f. Em sentido meramente completo, também representa a Besta apocalíptica,
que é um símbolo profético de todos os reinos pagãos que dominaram o mundo
desde a antiguidade: Egípcio, Caldeu, Assírio, Babilônico, Medo-Persa, Grego e

21
Segundo alguns historiadores, alguns cientistas da antiga URSS, uma ditadura ateísta, tentaram
organizar uma semana de onze dias, mas fracassaram. Permanece a contagem do tempo como Deus
determinou desde o princípio.
22
Esta Lei foi ordenada à nação de Israel e somente é possível sua aplicação dentro de um regime
teocrático e perfeitamente ajustado ao plano divino.

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Romano (Daniel 7.2-8; Apocalipse 13.1,2). O domínio do Anticristo na Grande


Tribulação, denominado de oitavo reino, será apenas uma ressurreição do último
reino pagão – romano – representado por uma confederação de dez reinos
menores, todos servindo ao diabo.
g. A Grande Tribulação também está representada por este número. Alguns
intérpretes da Escritura entendem que a GT poderá ser maior ou menor do que sete
anos. Porém, um período de sete anos é mais plausível pelas regras da
Hermenêutica, pois será o período de juízo completo de Deus sobre este mundo
pecaminoso. Tudo entrará em juízo: a terra, o ar, o mar, as pessoas e suas obras.
Em todos os sentidos, será completo (Daniel 9.27; Apocalipse 5.1; 8.2,6; 15.5-8;
16.1).

7. Número dez: este é um número que tem muitos significados, mas indica
principalmente algo completo ou perfeito, conforme a origem. Pode ser
estudado em sentido negativo ou positivo.
a. Em sentido negativo: geralmente ligado às obras e pecados humanos.
Pressa: após dez anos de peregrinação na terra prometida, Sarai cometeu o
erro de entregar sua serva egípcia Agar, como concubina de Abrão, para obter filhos
através dela. Era um costume perfeitamente normal para a sociedade da época, o
fato de uma senhora estéril entregar uma de suas servas ao marido. Os filhos deste
relacionamento eram considerados seus filhos. Porém, Sarai adiantou-se aos planos
de Deus e gerou um problema que tumultuou os relacionamentos familiares e
nacionais do povo escolhido por muito tempo (Gênesis 16.3-6; 21.9,10).
Engano: Jacó foi enganado dez vezes por Labão, seu sogro, mesmo tendo
trabalhado por quase vinte anos em suas propriedades. Labão sobrepujou Jacó em
qualquer matéria de esperteza e pretenções enganosas (Gênesis 31.6,7,38-41).
Castigo: o Egito foi ferido com dez pragas terríveis, por causa da dureza do
coração de Faraó. Mas as pragas também eram um duro golpe na crença dos
egípcios em deuses da natureza, que naturalmente eram falsos. No final, o Egito
ficou arrasado e nunca mais se levantou como um grande reino (Êxodo 12.29,30).
Perda: dez anos foi o período que Noemi ficou na terra de Moabe, onde perdeu
seu marido e seus dois filhos. Ao voltar, pediu que lhe chamassem Mara, i.é,
amarga, tamanho foi o seu sofrimento naquele período (Rute 1.3-5,20).

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Juízo: após a loucura de Nabal, Deus lhe concedeu apenas dez dias de vida,
exercendo juízo severo, a tal ponto de executá-lo sumariamente. Em toda a
Escritura, a idéia de juízo está relacionada ao número dez (I Samuel 25.36-38).
Revolta, abandono, incesto, guerra, morte: por ocasião da revolta de
Absalão contra o rei, seu pai, Davi deixou dez concubinas cuidando da casa ao fugir.
Quando Absalão ficou preso entre os galhos de um carvalho, Joabe, o comandante
do exército, afirmou ao soldado que trouxe a notícia, que lhe daria dez moedas de
prata se tivesse matado o jovem. Quando Absalão foi morto, dez guerreiros,
auxiliares de Joabe, o cercaram e executaram (II Samuel 15.6; 18.11; 18.15).
Divisão: a divisão da nação de Israel também está representada pelo número
dez. Enquanto a nação do sul, Judá, ficou com duas tribos, a do norte, Efraim, ficou
com dez, segundo o plano de Deus revelado pelo profeta Aías (I Reis 11.30).
Retrocesso: os dez graus que o sol voltou no relógio de Acaz indicam
retrocesso, um tempo perdido (II Reis 10.10,11).
Poder maligno: dez chifres representam a totalidade do poder maligno que
atuará no final dos tempos, durante a GT (Daniel 17.7; Apocalipse 13.1).
Crentes despreparados: dez era o número de virgens aguardando o Noivo.
Porém, nem todas estavam preparadas, indicando que nem todos que se dizem
cristãos estão prontos para a volta do Senhor Jesus Cristo (Mateus 25.1-13).
Perseguição, tribulação, prisão: a fiel Igreja de Esmirna passaria por uma
tribulação de dez dias, representando um período completo de lutas, dores e
sofrimentos por amor a Cristo. Talvez seja um tipo das perseguições e sofrimentos
que a Igreja tem passado no decorrer destes dois milênios de História (Apocalipse 2.
8-10).
b. Em sentido positivo: principalmente no que se relaciona à obra de Deus.
Direção de Deus e virtude humana: o servo de Abrão Eliézer levou consigo
dez camelos carregados de riquezas, quando partiu para Harã em busca da esposa
de Isaque, o filho da promessa. Rebeca, demonstrando grande virtude, deu água a
todos os dez camelos, merecendo os presentes e a grande missão de entrar na
linhagem do povo eleito (Gênesis 24.10-22).
Mandamentos: Deus concedeu a Israel os dez mandamentos, através de
Moisés, que deveriam ser cumpridos integralmente. Eram um modelo da vontade
divina para a vida nacional, que sintetizavam todos os demais estatutos revelados
pelo Senhor (Êxodo 20.1-17; Deuteronômio 10.4).

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Libertação: o cordeiro da Páscoa em Israel, por ordem de Deus, deveria ser


separado para o sacrifício no dia dez do mês de abibe, até que fosse sacrificado no
décimo quarto dia. Isto fala de planejamento divino e previdência humana (Êxodo
12.1-6).
Tabernáculo: construído no deserto segundo o modelo que Deus mostrou a
Moisés no monte Horebe, também foi marcado pelo significado deste número: dez
cortinas; as tábuas deveriam ter dez côvados de comprimento; para o lado ocidental,
haviam dez colunas que seguravam as cortinas (Êxodo 26.1,15,16; 27.12).
Destruição da idolatria: Gideão tomou dez servos e destruiu, à noite, o altar
do falso deus Baal (Juízes 6.27).
Bom marido: Elcana julgava-se melhor do que dez filhos para sua esposa
Ana. Qualquer mulher estéril naquele tempo era considerada amaldiçoada por Deus.
Quanto maior o número de filhos, mais abençoada se julgava. Mas Elcana
esforçava-se para tornar sua esposa mais feliz do que se tivesse dez filhos (I
Samuel 1.8).
Templo: também foi marcado pelo número dez: o pórtico tinha dez côvados; os
querubins tinham a altura de dez côvados; as pedras dos fundamentos tinham dez
côvados de tamanho; o mar de fundição tinha dez côvados de diâmetro; as pias de
bronze eram dez; os candeeiros eram dez; havia dez mesas para os pães da
proposição (I Reis 6.3, 23; 7.10,23,38; II Crônicas 4.7,8).
Prova com Deus: o jovem Daniel submeteu-se a ser provado por dez dias,
comendo apenas legumes, antes de ingerir o alimento consagrado aos deuses do
rei. No final do prazo estipulado, estavam com melhor aparência do que todos os
demais. Também no final dos três anos de formação em Babilônia, Daniel, Ananias,
Misael e Azarias foram colocados à prova e demonstraram dez vezes mais
sabedoria do que todos os sábios, incluindo seus professores (Daniel 1.12-15; 17-
21).
Poder de curar: Jesus curou miraculosamente dez leprosos de uma vez.
Mesmo que somente um – e estrangeiro – tivesse voltado para agradecer,
demonstra o poder absoluto do Senhor para curar de todas as efermidades (Lucas
17.12-19).
Missão: dez foi o número máximo de minas concedidas a um dos servos,
quando seu Senhor se ausentou. No final, ainda teve esta quantia acrescentada,

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pois demonstrou fidelidade ao valor recebido. É uma clara alusão à totalidade dos
talentos e dons recebidos pela Igreja nesta Dispensação (Lucas 19.13,24-26).

8. Número onze: é um número incompleto, imperfeito. Está entre o dez e o doze,


dois números completos. Representa geralmente a falta de algo importante ao
povo de Deus, no Antigo e no Novo Testamento.
a. Jornada incompleta: de onze dias era a jornada desde Horebe até Cades
Barnéia, na fronteira sul da Terra Prometida. Mais um dia e completariam a viagem
(Deuteronômio 1.2).
b. Reino incompleto: após a derrota da tribo de Benjamim, na guerra civil em
Israel, no período dos juízes, o povo lamentou que haviam sobrado apenas
seiscentos homens e ninguém poderia autorizar sua filha a casar com qualquer
deles. Assim, a tribo seria naturalmente exterminada e demandava que fosse
encontrada uma solução imediata. Se o pior acontecesse, a nação ficaria incompleta
e fugiria aos planos de Deus. Saliente-se que o Livro de Juízes relata um período
caótico em Israel e de grande anarquia política e governamental (Juízes 21.1-3).
c. Reinado incompleto: onze anos foi o período de ímpio governo de
Jeoiaquim, rei de Judá, pois foi vencido e se tornou vassalo do rei Nabucodonosor.
O mesmo aconteceu com Zedequias, tio de Jeoiaquim, pois cometeu os mesmos
pecados, inclusive a rebelião contra Nabucodonosor (II Reis 23.36-24.6; 24.18-25.2).
d. Corpo ministerial incompleto: após a morte de Judas Iscariotes, o grupo
de apóstolos ficou incompleto. Sob a liderança de Pedro, os primeiros discípulos
tentaram completar o número, mas foi uma iniciativa humana. Mais tarde, segundo
alguns intérpretes, Deus mesmo levantou o apóstolo Paulo, o escolhido para
substituir Judas e completar o grupo (Lucas 24.33; Mateus 28.16; Atos 1.26; 9.15).

9. Número doze: este é um número que representa tudo o que é completo e


perfeito, principalmente relacionado aos planos e atos divinos.
a. Israel: a nação foi constituída de doze tribos, a partir dos descendentes de
Jacó, mais tarde chamado Israel. Mesmo na época do cativeiro assírio-babilônico e,
milênios depois, na diáspora romana, a nação não deixou de existir constituída de
doze tribos (Gênesis 49.28; Lucas 22.30; Atos 26.7; Tiago 1.1; Apocalipse 21.12).

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b. Fontes de água: na peregrinação pelo deserto, Israel chegou a Elim, onde


encontrou doze fontes de águas e setenta palmeiras, representando o número de
fontes necessárias para saciar toda a nação (Êxodo 15.27).
c. Pães da proposição: doze eram os pães da proposição trocados a cada
sábado, no Tabernáculo construído por Moisés (Levítico 24.5-9).
d. Apóstolos: o Senhor Jesus escolheu doze apóstolos para liderarem Sua
Igreja neste mundo (Mateus 10.1-4).
e. Nova Jerusalém: a cidade celestial, onde Deus habita e para onde levará
Sua Igreja, tem um muro de doze mil estádios, doze fundamentos e doze portas
guardadas por doze anjos (Apocalipse 21.9-21).

10. Número vinte e quatro: este é um número especial, pois representa as duas
alianças de Deus com a humanidade, através dos dois povos especiais: Israel no
Antigo Testamento e a Igreja no Novo Testamento. A nação de Israel foi originada
dos doze patriarcas, filhos de Jacó e a Igreja teve os doze apóstolos como seus
primeiros líderes, todos profeticamente representados no céu, diante de Deus
(Apocalipse 4.4; 5.7-10).

11. Número cinquenta: é um número relacionado a libertação, recuperação de


bens perdidos, descanso, regozijo e culto a Deus.
a. Em Israel:
Jubileu: o ano do jubileu, ou quinquagésimo, era comemorado após sete
semanas de anos e era um tempo em que os escravos judeus eram libertos, os bens
(campos) devolvidos aos antigos donos, a terra descansava e o povo dedicava-se a
Deus (Levítico 25.8-22).
Festa das Colheitas: era uma das festas anuais dos judeus, quando vinham a
Jerusalém trazer as primícias da colheita, em sinal de gratidão a Deus, como
também para sustento do serviço do Templo. Acontecia cinquenta dias após a
Páscoa (Deuteronômio 16.1-12).
b. Na Igreja: o dia de Pentecoste aconteceu cinquenta dias após a páscoa,
coincidindo com a Festa das Colheitas. Nesta ocasião o Espírito Santo foi
derramado sobre os primeiros cento e vinte discípulos, incluindo os onze apóstolos
fiéis. Os frutos imediatos da presença do Espírito Santo foi a libertação da
escravidão do medo e do pecado, a reconquista do terreno espiritual anteriormente

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perdido, revigoramento e poder para servir a Deus e alegria pela gloriosa


experiência transcendental (Atos 2.1ss).

IV. DISPENSAÇÕES
São períodos distintos da História da Humanidade e da Salvação, quando
Deus se revela de forma especial, ou quando trata de forma diferente com o
mundo inteiro e com certas pessoas envolvidas.
1. Dispensações da Trindade: nesta primeira categoria, Deus se revela de forma
especial, em três períodos distintos da História. Mesmo que a Trindade sempre
tenha agido em conjunto, os períodos de revelação são distintos e progressivos.
a. Do Pai: no Antigo Testamento, Deus sempre revelou-se como Trindade,
mas de forma velada, pois os judeus não conseguiam distinguir corretamente entre o
mistério da Trindade e os falsos conceitos da idolatria reinante no mundo pagão. Por
este motivo, permaneceu a idéia de um Deus único, mas subsistente numa única
Pessoa divina. Quando Jesus revelou-se como Filho de Deus e igual ao Pai, foi um
motivo de escândalo para a mentalidade da época, a ponto de desejarem apedrejá-
lo. Por isso, o Antigo Testamento é conhecido como sendo a Dispensação do Pai,
YHWH (Êxodo 20.1-6; 22.20; Josué 24.14; Juízes 17.1-13; Sofonias 2.11; Ezequiel
37.21-23).
b. Do Filho: a vinda de Jesus Cristo sempre foi o ponto mais alto do
planejamento de Deus para a humanidade. Jesus foi a revelação pessoal de Deus
ao homem, tornando-se verdadeiramente humano através da encarnação. Jesus
nasceu, viveu e morreu no Antigo Testamento e, com sua morte, inaugurou o Novo
Testamento. O plano não compreendido pelos homens do Antigo Testamento, foi
revelado integralmente nos quatro Evangelhos, cada um cobrindo um aspecto
diferente, mas complementar, da vida de Cristo. Durante os cerca de trinta e três
anos de vida terrena de Jesus Cristo, temos a Dispensação do Filho, um marco de
passagem da Velha para a Nova Aliança (Ler os quatro Evangelhos).
c. Do Espírito Santo: dez dias após a ascensão de Cristo, desceu o Espírito
Santo sobre a Igreja em Jerusalém, batizando os primeiros cento e vinte discípulos
fiéis, que permaneceram na cidade orando e aguardando conforme a ordem do
Senhor. A partir daquele dia memorável, teve início a Dispensação do Espírito. É Ele
quem convence o pecador, o leva aos pés do Salvador, sela, batiza, unge, ensina,
guia, etc. Esta obra maravilhosa Ele fará até o dia do Arrebatamento da Igreja,

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 62


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quando entregará a Noiva ao Senhor Jesus (Atos 2.1-4; Ef 1.13,14; João 14.26; I
João 2.20,27; João 3.29).

2. Dispensações da Humanidade: neste segundo caso, Dispensações são


períodos em que Deus trata de forma diferente com o mundo inteiro, ou com
pessoas em particular (Efésios 1.10; 3.2,9; Colossenses 1.25).
É importante que o intérprete da Escritura compreenda perfeitamente estes
períodos, pois lhe trará compreensão:
Primeiro: das divisões naturais da História da Salvação, conforme o plano
traçado previamente por Deus. Exemplo: diferenças existentes entre os crentes do
Antigo e os do Novo Testamento.
Segundo: dos efeitos nefastos da queda do homem e o caminho traçado por
Deus para sua libertação e exaltação. Exemplo: o Paraíso perdido no Éden e o
Paraíso recuperado no Milênio.
Terceiro: do motivo das diferenças do tratamento de Deus com os homens,
mesmo sendo seus servos fiéis, no decorrer dos tempos. Exemplo: execuções e
poligamia no Antigo Testamento, sendo que isto é proibido aos crentes do Novo
Testamento.
Quarto: da perfeição do culto e da vida espiritual no Novo Testamento, em
contraposição à fraqueza e imperfeição dos crentes do Antigo Testamento.
Exemplos: no Antigo Testamento usavam sacrifícios sangrentos e não eram
batizados com o Espírito Santo; no Novo Testamento oferecem sua vida como
sacrifício de louvor; a compreensão dos mistérios divinos no Antigo Testamento não
era tão abrangente quanto a que hoje temos no Novo Testamento.
São sete as Dispensações bíblicas relacionadas à humanidade.
a. Dispensação da Inocência: é o período compreendido desde a criação de
Adão até à expulsão do Paraíso, após a queda sob a tentação da serpente.
Texto bíblico: Gênesis 1.26 - 3.24.
Características: no período da inocência, Adão e Eva não conheciam o pecado,
vivendo em pureza absoluta, porque não tinham consciência de certo e errado. Eles
dependiam inteiramente de Deus para orientar suas vidas. É por isto que o Senhor
vinha todos os dias ao jardim. A comunhão com Deus era total e pessoal. O lugar
onde habitavam era o Éden, o Paraíso terreno criado pelo Senhor especialmente
para sua habitação.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 63


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Obrigações: obedecer a Deus e não comer do fruto da árvore do


conhecimento.
Atitudes: desobedeceram e voluntariamente comeram do fruto proibido.
Castigo: expulsão do Éden.
b. Dispensação da Consciência: após a queda e a expulsão do Paraíso,
iniciou imediatamente esta Dispensação, que culminou com o Dilúvio.
Texto bíblico: Gênesis 4.1 - 8.22.
Características: nesta Dispensação o homem já tinha conhecimento do bem e
do mal. Após a expulsão do Paraíso, Adão e Eva tiveram filhos, que também já
nasceram debaixo do pecado. Não havia nenhuma Lei de Deus escrita, mas ele agia
através da consciência, falando ao coração do homem pelo seu Espírito (Gênesis
6.3). A consciência humana, plantada no interior pelo Senhor, é aquela capacidade
imanente de perceber a diferença entre o certo e o errado, é a capacidade de
autojulgamento.
Obrigações: obedecer à voz do Espírito Santo através da consciência,
procurando fazer o certo.
Atitudes: desobedeceram a tal ponto de se tornarem materialistas, adúlteros,
polígamos e homicidas.
Castigo: Deus não suportou mais os pecados da humanidade e enviou o
Dilúvio que destruiu a todos.
c. Dispensação do Governo Humano: é o período compreendido desde a
saída da arca, após o Dilúvio, até a chamada de Abrão em Ur dos Caldeus.
Texto bíblico: Gênesis 9.1 - 11.32.
Característica: nesta Dispensação Deus entregou aos homens o governo do
mundo. É o princípio da autoridade governamental. Visto que o homem não
obedeceu a voz do Espírito no seu próprio coração, o Senhor ordenou autoridades
para que governassem o mundo no bom caminho. Foi também nesta Dispensação
que Deus permitiu ao homem comer a carne dos animais para sua subsistência.
Obrigações: todos deveriam obedecer às autoridades governamentais, pois
eram instituídas por Deus. Por sua vez, as autoridades deveriam administrar o
mundo dentro dos padrões de conduta exigidos pelo Senhor.
Atitudes: todos desobedeceram. Alguns líderes se tornaram déspotas
opressores das classes mais humildes; o povo se arregimentou para desobedecer a
Deus.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 64


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Castigo: a confusão das línguas em Babel e a dispersão dos povos pelo


mundo.
d. Dispensação Patriarcal ou da Promessa: compreende o período desde a
chamada de Abrão, em Ur dos Caldeus, até a outorga da Lei no Monte Sinai,
através de Moisés.
Texto Bíblico: Gênesis 12.1 - Êxodo 19.25.
Características: nesta Dispensação, Deus chamou um homem e o separou de
sua família e de sua nação. Até àquele momento, o Senhor havia tratado com o
mundo todo; a partir dali, Ele tratou com pessoas especialmente escolhidas para
cumprirem seus propósitos de salvação neste mundo. Abrão recebeu a promessa de
Deus em três sentidos: receberia um descendente, receberia uma herança terrena e
seria uma bênção. Ele foi o verdadeiro pai da nação israelita. Seus descendentes se
multiplicaram, como Deus havia prometido, e se tornaram uma grande nação.
Obrigações: Deus havia tirado Abrão do meio da impiedade e o levou para
peregrinar na terra da promessa. Seus descendentes deveriam permanecer na terra,
até que Deus lhes concedesse o domínio dela.
Atitudes: vindo a seca e a fome na terra de Canaã, eles desobedeceram e
desceram para o Egito.
Castigo: se tornaram escravos no Egito durante quatrocentos e trinta anos. O
Egito é um símbolo do mundo e Faraó de Satanás.
e. Dispensação da Lei: esta Dispensação iniciou no Monte Sinai, quando
Deus outorgou a Lei a Israel através de Moisés, indo até a morte de Jesus Cristo no
Monte Calvário.
Texto Bíblico: Êxodo 20.1 - Mateus 27.50.
Características: esta Dispensação compreende a história de Israel como
nação. Moisés foi usado por Deus como Legislador. Na Lei haviam orientações para
todos os aspectos da vida nacional. Exemplo: higiene pessoal para evitar epidemias,
alimentação saudável e nutritiva, leis trabalhistas, leis de proteção aos escravos, às
mulheres, aos pobres, às viúvas, aos estrangeiros e todo o sistema de culto ao
Senhor, que deveria ser desenvolvido pela nação.
Obrigações: Israel deveria amar ao Senhor como único Deus e cumprir a Lei
Mosaica na íntegra.
Atitudes: a nação abandonou ao Senhor, desobedeceu a Lei e adotou os
deuses e os costumes pagãos das nações vizinhas.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 65


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Castigo: houve dois castigos distintos nesta Dispensação:


Primeiro castigo: a nação foi levada cativa para a Assíria e a Babilônia, antes
de Cristo e Jerusalém foi destruída pelos romanos no ano 70 d.C. A partir desta
última data, Israel deixou de existir como nação, até que foi restaurada em 14 de
maio de 1948.
Segundo castigo: este recaiu sobre um inocente, o Senhor Jesus Cristo, que
era um judeu natural, cumpridor íntegro da Lei e que pôde se oferecer como resgate
por Israel e pelo mundo. Este foi o ponto mais alto do plano divino para a salvação
do mundo. Todos os acontecimentos e o sistema de culto do Antigo Testamento
apontavam para Cristo que morreria na cruz, para a salvação da humanidade.
f. Dispensação da Graça: é nesta Dispensação que vivemos atualmente. É a
Era da Igreja, o Corpo de Cristo sobre a terra. Foi inaugurada quando Jesus expirou
na cruz do Calvário.
Texto bíblico: o Novo Testamento
Características: nesta Dispensação não há distinção entre raças, tribos, línguas
ou nações. A salvação é oferecida gratuitamente a todos por intermédio da graça de
Cristo. Todo aquele que crer no Senhor como seu único e suficiente Salvador e viver
como autêntico cristão sobre a terra, alcançará a vida eterna no céu. Uma das
características desta Dispensação é a paciência de Deus para com os pecadores
impenitentes.
Obrigações: crer em Cristo como único e suficiente Salvador, rejeitando o
pecado e outras formas de religião.
Atitudes: poucos crêem em Cristo. A maioria O rejeita e engendra uma forma
espúria de suposto caminho para a eternidade.
Castigo: a Grande Tribulação que virá sobre o mundo, após o arrebatamento
da Igreja.
g. Dispensação Milenar: será a última Dispensação a vir sobre o mundo.
Texto bíblico: Apocalipse 20.1-6; Isaías 2.1-5; 65.17-25.
Características: será uma Dispensação com um período definido de um mil
anos. Neste período Jesus será o Rei que governará todas as nações da terra. Israel
será uma nação especial, a capital será Jerusalém e o Templo será reconstruído,
onde o Senhor estabelecerá o Seu Trono. Não haverão mais guerras e as pessoas
terão longevidade semelhante à dos patriarcas.
Obrigações: obedecer e adorar ao Senhor Jesus como Rei.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 66


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Atitudes: por um certo tempo obedecerão mas, no final do período, com a


libertação de Satanás, as nações se rebelarão contra o Senhor e contra a cidade
onde ele habita.
Castigo: fogo descerá do céu e consumirá os rebeldes imediatamente. Após,
será estabelecido o grande trono branco, onde todos os povos, mortos e vivos,
serão julgados.
Após estes períodos definidos de tempo, que já estão todos determinados pelo
Senhor, os ímpios irão para o tormento eterno e os salvos para a vida eterna.
Findará, então, a história da humanidade sobre a terra, assim como a conhecemos
hoje. O presente sistema de coisas dará lugar a outro completamente novo e
diferente. Haverá um novo céu e uma nova terra. O pecado será erradicado e o
Senhor será tudo em todos.

V. CONCERTOS
Concertos são pactos, ligações, contratos feitos entre Deus e os homens.
Existem duas categorias de Concertos: aqueles em que Deus assume sozinho o
compromisso, chamados incondicionais (Gênesis 9.11,12) e aqueles em que o
homem também deve assumir responsabilidades, chamados condicionais (Levítico
20.8; Ezequiel 20.19).
Os Concertos revelados na Bíblia são oito e pertencem às duas categorias
mencionadas.
1. Concerto Edênico: este Concerto foi feito ainda no Éden, antes da entrada do
pecado no mundo, enquanto Adão e Eva viviam no paraíso.
a. Texto chave: Gênesis 1.28-30; 2.15-17.
b. Conteúdo: o homem deveria multiplicar-se e encher a terra; dominar sobre
todos os seres viventes; alimentar-se de vegetais (os humanos eram vegetarianos e
os animais eram herbívoros); cultivar o jardim, transformando a terra num paraíso;
jamais comer do fruto da árvore proibida, sob risco de morte.
c. Categoria: pacto condicional. O homem tinha compromissos sérios diante
de Deus.
d. Resultado: o homem desobedeceu a Deus, comendo do fruto proibido e
perdeu o paraíso.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 67


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2. Concerto Adâmico: Concerto de Deus feito diretamente com Adão, o homem.


Visto que Adão foi o primeiro homem, o representante da raça humana e a quem foi
dado o domínio da natureza, este concerto atingiu por extensão a todos os que lhe
estavam sujeitos: a natureza, a mulher e seus descendentes.
a. Texto chave: Gênesis 3.14-19.
b. Conteúdo: maldição sobre a serpente, que foi usada pelo diabo para
enganar a mulher e levar Adão à queda; maldição sobre a terra, vindo a produzir
ervas daninhas e espinhos; maldição sobre a mulher, aumentando suas dores no
parto e sendo dominada pelo marido; maldição sobre o homem, tendo este que
sustentar sua família através de trabalho árduo e sofrimento; a entrada da morte na
trajetória dos animais e da humanidade.
c. Categoria: pacto incondicional. Deus falou e ninguém teve oportunidade de
escolher uma situação diferente.
d. Resultado: esta sentença perdurará até que a História da Humanidade
termine.

3. Concerto Noeico: este concerto foi estabelecido entre Deus e Noé, e entre Deus
e toda a carne sobre a terra, após a saída da arca. É importante que Deus se
preocupa também com os animais e com eles empenha Sua Palavra.
a. Texto chave: Gênesis 8.20-9.17.
b. Conteúdo: a terra jamais será amaldiçoada com outro dilúvio; haverá
produção de alimentos enquanto a terra existir; as estações do ano serão mantidas;
dia e noite continuam delimitando a contagem do tempo; a humanidade deve
continuar se multiplicando; o homem continua dominando a natureza e os animais; o
homem pode alimentar-se de carne de animais; é proibida a ingestão de sangue; é
proibido terminantemente o homicídio; foi estabelecida a pena capital; o arco celeste
foi criado para que haja lembrança e confirmação deste Concerto.
c. Categoria: pacto incondicional, pois tudo depende da fidelidade de Deus.
d. Resultado: Deus continua cumprindo Sua Palavra, basta comparar o
conteúdo do Pacto com a situação vigente no mundo.

4. Concerto Abrâmico: pacto feito diretamente com Abrão, quando este foi
chamado de Ur dos Caldeus para peregrinar na Terra Prometida.
a. Texto chave: Gênesis 12.1-3; 15.1-21.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 68


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b. Conteúdo: Deus prometeu para Abrão três coisas: terra, semente e bênção.
O pacto da terra foi confirmado numa segunda aparição, quando lhe foi revelado
quais seriam os termos geográficos da Terra Prometida; a promessa de semente
referia-se à descendência humana de Abrão, mesmo tendo uma esposa estéril.
Seus descendentes constituiriam uma grande nação (mais tarde Israel), mas haveria
uma descendência especial, que Paulo mais tarde identifica como sendo o Senhor
Jesus Cristo (Gálatas 3.16-19); a bênção refere-se a tudo o que Deus pode fazer
pela humanidade através de Abrão, sua fé e sua descendência. Todas as famílias
da terra estão incluídas neste pacto divino (Gálatas 3.8-15).
c. Categoria: mais um pacto incondicional de Deus com o homem. Quando
Abrão preparou o sacrifício segundo a orientação do Senhor, o próprio Deus,
representado pela tocha de fogo, passou sozinho entre as metades. Em lugar de
passarem os dois envolvidos, Deus assumiu sozinho o compromisso de manter vivo
o pacto, levando-o até que tudo seja realizado (Hebreus 6.13-18).
d. Resultado: Deus continua honrando seu pacto com Abrão, fazendo
acontecer os passos seguintes, que complementam o que foi prometido, através da
revelação progressiva.

5. Concerto Mosaico: este concerto foi feito através de Moisés no Monte Sinai,
quando Israel saiu do Egito. Era destinado à nação de Israel, exclusivamente, pois
haviam Leis que somente uma nação Teocrática poderia adotar e outras que faziam
parte de um projeto maior, para salvação da humanidade.
a. Texto chave: Êxodo 20.1-17; 21.1-23.33; 25.1-31.18.
b. Conteúdo: o primeiro texto mencina os dez mandamentos, a Lei Espiritual e
Moral, que sintetizava tudo o que os judeus podiam ou não fazer diante de Deus; o
segundo refere-se à Lei Civil, que regia o comportamento do povo escolhido na vida
pessoal, familiar, social, econômica, nacional, etc.; o terceiro refere-se à Lei
Cerimonial, desde a construção do Tabernáculo com seus utensílios, até o sistema
de culto que deveria ser prestado a Deus.
c. Categoria: este Concerto foi condicional. Deus exigia o cumprimento de Sua
Lei integralmente, tanto pelos judeus, como pelos estrangeiros que residissem na
Terra Prometida. Foi o estabelecimento de um regime de governo Teocrático, onde o
próprio Deus seria o Rei da nação, exercendo o governo através de líderes
escolhidos por Ele.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 69


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d. Resultado: ninguém conseguiu cumprir integralmente a Lei. Nem mesmo


Moisés, que foi o instrumento usado pelo Senhor para outorgá-la ao povo. Para
Moisés, o resultado foi o impedimento de entrar na Terra Prometida; para a nação,
foi o cativeiro Assirio, cerca de 722 a.C e o Babilônico, cerca de 586 a.C. Por graça e
misericórdia do Senhor, houve restauração nacional por volta de 538 a.C., pois Deus
ainda continuaria o cumprimento de Promessas feitas anteriormente, em caráter
incondicional23.

6. Concerto Palestínico: foi o Concerto de garantia de retorno à Terra Prometida,


quando Israel pecasse contra Deus e fosse exilado.
a. Texto chave: Deuteronômio 30.1-10.
b. Conteúdo: era uma previsão profética da parte de Deus, para quando Israel
pecasse e perdesse o direito à Terra Prometida; o povo deveria se lembrar de Deus,
reconhecer seus pecados e buscar ao Senhor, mesmo em terra distante; o Senhor
se comprometeu em trazê-los de volta à Terra; as maldições cairão sobre seus
inimigos; Deus mesmo converterá seus corações; abençoará seu trabalho; se
alegrará naqueles que amarem a Deus sinceramente.
c. Categoria: é um Concerto de dupla categoria: incondicional no que diz
respeito à possessão, pois o Concerto Abrâmico garante aos judeus a posse da
Terra Prometida; condicional para a habitação na terra, pois depende das atitudes
do povo, não somente de aparências, mas do coração.
d. Resultado: apenas alguns poucos milhares de judeus voltaram do cativeiro
Assírio/Babilônico, enquanto outros preferiram ficar nas terras pagãs. O mesmo
aconteceu em 1948, quando Israel foi novamente organizada como nação
independente. Nem todos os judeus desejaram residir na Terra Santa e ainda
continuam dispersos pelo mundo inteiro.

7. Concerto Davídico: foi um Concerto divino feito diretamente com o Rei Davi,
profeticamente extensivo à sua descendência.
a. Texto chave: II Samuel 7.8-17; Salmo 89.1-3, 19-37.

23
Os primeiros cativos foram levados por volta de 605 a.C. e a destruição cabal de Jerusalém
aconteceu em 586 a.C., apenas concluindo o que havia sido iniciado anteriormente. Visto que Ciro,
rei da Pérsia expediu o primeiro decreto para o retorno dos judeus cerca de 538 a.C., os setenta anos
profetizados para o cativeiro se cumpriram nesta data.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 70


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b. Conteúdo: bênçãos contemporâneas: Deus escolheu a Davi e o elevou a rei


de Israel, o povo escolhido; Deus o protegeu de todos os seus inimigos e lhe
concedeu grandes vitórias nos campos de batalha. Bênçãos proféticas: Deus
prometeu que lhe estabeleceria casa em Israel, lhe daria um trono e um reino; seus
descendentes estavam incluídos neste Pacto; o Concerto é eterno.
c. Categoria: é um Concerto incondicional, pois será durável como o sol. Sua
duração transcende à capacidade de Davi controlar – visto que já pereceu – mas
subsistirá pela fidelidade de Deus.
d. Resultado: o Concerto continua vigente. Parte já se cumpriu e pouco falta
para completar-se. Quando o anjo Gabriel foi enviado a Maria, desposada com José,
ambos descendentes do rei Davi, confirmou que Jesus seria o descendente da casa
de Davi a herdar eternamente o trono e o reino a ele prometido. Quando estudamos
as Dispensações e entendemos o governo de Cristo hoje sobre os corações e
futuramente, no Milênio, sobre o mundo todo, podemos entender o fiel cumprimento
do Concerto divino.

8. Novo Concerto: este é o Concerto de Deus realizado através de Jesus Cristo,


Seu Filho. Este Concerto novo é realizado prioritariamente com Israel, mas a Igreja
também participa dele.
a. Texto chave: Jeremias 31.31-34; Mateus 26.27,28; Hebreus 8.6-13.
b. Conteúdo: é uma aliança com a casa de Israel; não segundo a aliança
antiga, que foi extinta; é uma aliança cujas leis são escritas nos corações, onde cada
um conhecerá pessoalmente ao Senhor e as iniquidades serão perdoadas para
sempre.
c. Categoria: é incondicional, pois depende da obra de Cristo, singular e
inimitável; do controle do tempo para o cumprimento das profecias; da soberania
sobre os eventos mundiais; da operação de Deus diretamente no coração do povo.
d. Resultado: o Novo Concerto está parcialmente cumprido por Deus e o que
falta está profetizado como evento certo. Podemos enumerar alguns passos
importantes no cumprimento deste Concerto, para melhor compreensão.
Primeiro: Jesus foi o realizador deste Novo Concerto entre Deus e Israel.
Segundo a Escritura, todos os Pactos exigem o derramamento de sangue e Jesus
derramou seu próprio sangue para selar este Concerto (Mateus 26.27,28). Com a

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Hermenêutica Bíblica - STG 2021

inauguração da Nova Aliança, a velha desapareceu e Cristo é o Mediador entre


Deus e a nação de Israel (Hebreus 8.6-13).
Segundo: quando Jesus palmilhou este mundo, dedicou-se prioritariamente a
arrebanhar a nação de Israel (Mateus 10.6; 15.24).
Terceiro: a nação de Israel, institucionalizada, através de seus líderes, rejeitou
a Jesus como o Messias prometido, descendente do rei Davi. Jesus foi crucificado e
seus seguidores perseguidos, resultando na Diáspora sob o império romano no ano
70 d.C. (João 1.11; João 19.5-22).
Quarto: todos aqueles que individualmente O aceitaram como Messias, Rei e
Salvador, foram transformados em verdadeiros filhos de Deus pela fé (João 1.12,13).
Foram os primeiros resultados do Novo Concerto, através do sangue de Cristo. Foi
neste ponto que a Igreja começou a participar (Mateus 16.18). É importante salientar
que a primeira Igreja foi em Jerusalém e os primeiros cristãos racialmente judeus.
Quando a Igreja se espalhou pelo mundo, os primeiros discípulos foram ganhos nas
sinagogas judaicas (Lucas 24.49; Atos 2.1,41; 6.7; 9.20; 13.5; Romanos 11.1-
6,23,24).
Quinto: mediante nova rejeição dos judeus, desta vez da pessoa de Cristo,
Deus mesmo separou o apóstolo Paulo para evangelizar os gentios – povos não
judeus (Atos 13.44-49; 18.4-6; Gálatas 2.7-9; Romanos 10.11-13). Diante da rejeição
dos judeus (os ramos da oliveira), Deus mesmo implantou o zambujeiro bravo (os
gentios) na Raiz, que é Cristo (Romanos 11.17). Com o passar do tempo, a Igreja se
tornou predominantemente gentílica no mundo inteiro. A Igreja é como um
parênteses na História da Salvação. Após o Arrebatamento, Deus voltará a tratar
com Israel e concluirá Seu plano com a nação.
Sexto: a nação de Israel participará da Nova Aliança no futuro. No final da
Grande Tribulação, quando não haverá mais nenhuma esperança para os judeus,
eles clamarão a Deus, Jesus voltará em glória, pisará no Monte das Oliveiras e os
salvará (Mateus 24.15-31; Zacarias 14.1-5). Naquele dia todos se arrependerão e
reconhecerão a Cristo como seu Messias e Rei, conforme prometido por Deus
(Zacarias 12.9-14; Romanos 11.25-32). Com a volta de Cristo em glória, será
estabelecido o Milênio, o Reino de Cristo sobre a terra por mil anos (Apocalipse
20.4).

9. Resumo: alguns detalhes:

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 72


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Primeiro: todos os Concertos estão diretamente relacionados. As


consequências são permanentes, tanto para o bem, quanto para o mal.
Segundo: os primeiros três Concertos (Edênico, Adâmico e Noeico) foram mais
generalizados. Relacionados, sim, com a situação espiritual do homem, mas
também relacionados com a vida natural e a natureza.
Terceiro: a partir do quarto Concerto (Abrâmico), todos se relacionam dentro de
uma estratégia divina pré-elaborada, visando a salvação da humanidade. Abrão foi
separado dos demais homens para formar uma nova linhagem: a da fé. Deste
Concerto dependeram todos os outros.
Quarto: o Concerto Mosaico teve caráter provisório, pois a Lei foi dada até que
o Novo Concerto fosse inaugurado através de Cristo.
Quinto: o Concerto Palestínico é perpétuo, enquanto a terra durar.
Sexto: o Concerto Davídico é eterno, pois transcende a História da
Humanidade para adentrar na eternidade divina, através de Cristo.
Sétimo: o Novo Concerto é o ponto mais alto do planejamento divino para a
salvação dos pecadores. No final, judeus e gentios serão um só povo servindo ao
Senhor eternamente.

VI. PROFECIA
O estudo da Profecia é por demais importante na arte da interpretação bíblica.
Esta importância é demonstrada pelo percentual de profecias contidas no texto da
Escritura. H. A. Virkler, página 147, declara que “... dos 31.124 versículos da Bíblia,
8.352 (27%) são material preditivo à época em que foram proferidos ou escritos.”
Porém, a consciência de um percentual tão significativo de profecias na Bíblia, não
garante uma correta interpretação. É necessário conhecer alguns parâmetros
básicos das linhas escatológicas adotadas, bem como outros recursos de
interpretação que assegurem tranquilidade ao estudioso.
Muitos princípios gerais estudados e outros a seguir, devem ser adotados
integralmente ao estudo da Profecia, visto que se trata de um tema dentro de um
contexto maior. Outros, porém, são exclusivos, conforme veremos.
1. Origem: assim como toda a Escritura, as profecias são oriundas da inspiração
divina sobre homens santificados (II Pedro 1.19-21). Esta compreensão é importante
para o intérprete, visto que algumas linhas teológicas ignoram o valor das profecias
bíblicas, como se elas nunca fossem acontecer, enquanto outras desprezam

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 73


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totalmente o elemento profético, tentando encaixar as predições em algum


acontecimento histórico. Sendo Deus o verdadeiro Autor da Bíblia, o intérprete tem
em mãos um livro especial, de total veracidade, digno de profundo respeito e
confiança. O que Deus falou, Ele cumpre.

2. Categorias de Profecias: nem todas as profecias tem igual teor. Os fatos, as


necessidades e a inspiração divina orientaram o profeta no que deveria ser
proferido.
a. Profecias exortativas: consistem em orientações e/ou repreensões
proféticas diante de certas necessidades. Visto que os profetas surgiram em grande
parte devido às crises nacionais de Israel, a maioria das profecias desta categoria
foram proferidas diante de problemas, como: pecados dos líderes, apatia do povo,
idolatria, imoralidade, etc. Tinham a finalidade precípua de restaurar individualmente
as pessoas e a nação em geral. Eram a manifestação do interesse de Deus em
arrebanhar Seu povo de volta à Aliança do Sinai, para dar seguimento ao projeto
maior de salvação da humanidade (I Reis 18.15-39; Isaías 1.1-18; Jeremias 2.1-
3.14,20-25; Ageu 1.1-11; 2.10-18).
b. Profecias futuristas (vaticínios): esta categoria sempre remete o leitor
(intérprete) para os acontecimentos futuros. Alguns eruditos rejeitam o aspecto
futurista nas profecias, principalmente do Antigo Testamento, por não crerem que a
soberania divina é suficiente para executar o que está escrito. Mas esta categoria
predominante na Escritura é indispensável para que o intérprete compreenda os
projetos divinos para a humanidade. Através de um estudo comparado entre a
História e a Profecia futurista, é possível fazer um traçado completo dos planos de
Deus revelados. Encontramos vaticínios de caráter negativo, quando Deus promete
condenação a pessoas ou nações inteiras, mas também de caráter positivo, quando
promete consolação e esperança para Israel e os crentes (Isaías 13.1ss; 54.1-17;
Amós 1.3-2.16; 3.13-4.3; 9.11-15; II Timóteo 3.1-9; Judas 14-18).

3. O tempo nas Profecias: todas as profecias da Bíblia distam milênios dos


intérpretes modernos. É óbvio que o passar dos milênios modificou a situação de
algumas profecias, em relação ao tempo em que foram proferidas. Se isto aconteceu
no contexto do tempo escriturístico, muito mais agora, quase dois mil anos após o
encerramento com o Apocalipse, cerca de 96 d.C.

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a. Profecias realizadas completamente: são aquelas que já aconteceram,


seja dentro do tempo de escrituração da Bíblia, seja depois, no decorrer da História
da Igreja e da Humanidade. No primeiro caso, temos as provas internas da Escritura,
conforme veremos a seguir; no segundo, precisamos da comprovação empírica dos
acontecimentos. Alguns exemplos: Deuteronômio 28.15-68; II Reis 17.1-23; 25.1-21;
Jeremias 25.11-13; Esdras 1.1-4; Malaquias 4.5,6; Mateus 11.13,14; 24.1,224, 4,525,
926, 1227.
b. Profecias realizadas parcialmente: a metodologia divina nas profecias
pode surpreender os intérpretes. Algumas realizam-se parcialmente, i.é, uma parte
realiza-se completamente, enquanto outra parte aguarda cumprimento. Deus usa
este método porque controla os acontecimentos históricos e o faz cabalmente. Este
período intermediário é denominado hiato de tempo. Porém, a sequência dos
acontecimentos é lógica. Alguns exemplos:
A primeira vinda de Cristo para salvar, enquanto o juízo de Deus sobre as
nações e a restauração total de Israel aguarda cumprimento (Isaías 61.1-3; Lucas
4.17-21),
Restauração da terra de Israel e da nação, enquanto a restauração espiritual
aguarda cumprimento (Ezequiel 36.1-38).

24
Esta profecia de Cristo cumpriu-se no ano 70 da Era Cristã, quando o general romano Tito destruiu
a cidade de Jerusalém e o Templo. Até hoje o Templo não foi reconstruído, restando somente o Muro
das Lamentações.
25
No Brasil, surgiu o polêmico “Inri Cristo”, um catarinense da cidade de Indaial, autoproclamando-se
a reencarnação de Jesus, mesmo depois de ter vivido na prática do pecado por longos anos; mais
recente, o bispo José Luis de Jesus Miranda, de fala espanhola, se autoproclama “Jesus Cristo
Homem”, usa o número 666 e detém um grande número de seguidores apaixonados.
26
O Império Romano perseguiu ferozmente os primeiros cristãos. Entre os principais imperadores
que se opuseram ao cristianismo e martirizaram a muitos, constam: Nero (54-68 d.C.), Domiciano
(81-96 d.C.), Trajano (98-117 d.C.), Adriano (117-138 d.C.), Antonino, o Pio (138-161 d.C.), Marco
Aurélio (161-180 d.C.), Sétimo Severo (193-211 d.C.), Maximiano (235-238 d.C.), Décio (249-251
d.C.), Valeriano (253-260 d.C.), Diocleciano (284-305 d.C.).
O catolicismo romano, sob as ordens do papa Inocêncio III (1198-1216 d.C.) instituiu a
Inquisição, um tribunal encarregado de julgar supostos feiticeiros e hereges, levando ao martírio
milhares de cristãos verdadeiros. Após a Reforma Protestante, o catolicismo romano instituiu a
Contra-Reforma, julgando e matando cristãos fiéis à Palavra de Deus.
As ditaduras comunistas, embasadas nas utopias de Carl Marx, instaladas na extinta URSS, na
China, na Coréia do Norte e em Cuba, a pretexto de manterem o povo sob o controle do Estado
ateísta, mataram milhares de cristãos e ainda perseguem outros.
Os Estados governados pelas ditaduras muçulmanas perseguem abertamente os cristãos,
incendiando casas, escolas, Igrejas cristãs e matando quem se opuser, impondo a sua ideologia
particular pela força. Mas tudo isto é o cumprimento das profecias do Senhor Jesus Cristo.
27
A velha imoralidade, hoje com a alcunha de Nova Moralidade, tem solapado as bases do
casamento, da moralidade juvenil e adulta, incentivando a prática do aborto, do homossexualismo e
da criminalidade. Tudo embasado numa filosifia relativista.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 75


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Derramamento do Espírito Santo sobre a Igreja, enquanto o dia do Grande e


Terrível Juízo do Senhor e o livramento para os sobreviventes da Grande Tribulação
aguardam cumprimento (Joel 2.28-32; Atos 2.16-21).
c. Profecias a serem realizadas: estas são aquelas que ainda aguardam
cumprimento. A segurança de que acontecerão conforme está Escrito, foi o
cumprimento de outras que eram futuristas à época em que foram proferidas e hoje
são realizadas. O melhor aliado nesta categoria é o fator tempo. À medida que a
História se desenrola, as profecias vão se encaixando naturalmente, pois Deus falou
e controla os acontecimentos. Alguns exemplos: Grande Tribulação, volta de Cristo
em Glória (Mateus 24.21-31); Milênio (Isaías 2.1-5); invasão de Israel por exércitos
estrangeiros, restauração do Templo, partilha da terra, etc. (Ezequiel 38-48).

4. Linhas escatológicas relacionadas à volta de Cristo: o período da volta de


Cristo ao mundo, em glória e visível a todos, é importante para uma correta
interpretação da Escritura. Existem algumas teorias que colocam em risco a fé e a
esperança dos cristãos, desvirtuando textos bíblicos e gerando confusão teológica.
Veremos aqui apenas as principais e aquela que mais se adapta ao texto bíblico.
a. Meio-Tribulacionista: esta teoria admite a existência futura da Grande
Tribulação, tanto para Israel, quanto para o mundo, mas coloca a volta de Cristo em
glória no meio do período. Sendo a GT um período de sete anos, os crentes
passariam por três anos e meio de sofrimento, junto com o mundo pecador.
Texto base principal: Apocalipse 14.13-20.
Alguns esclarecimentos importantes: até o capítulo onze (11) de Apocalipse, os
acontecimentos estão relacionados ao primeiro período de três anos e meio; o
capítulo doze (12) é histórico/profético, ou seja, esclarece a trajetória do diabo desde
sua queda, suas perseguições a Israel, a Cristo quando veio ao mundo e sua
expulsão definitiva do céu para a terra. A partir deste fato profético, começa o
segundo período da GT, com o surgimento das duas bestas, ou seja, o Anticristo e o
Falso Profeta. Ato contínuo, a primeira Besta, que será o governante político da
confederação mundial, eliminará as duas testemunhas e os cento e quarenta e
quatro mil judeus missionários. Esta é a ceifa especial que o capítulo quatorze
revela: a dos judeus especiais enviados pelo Senhor ao mundo, como última
tentativa de evangelizar os perdidos. A Igreja não está relacionada neste número de

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 76


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salvos recolhidos pelo Senhor. Portanto, esta teoria é infundada segundo os textos
bíblicos.
b. Pós-Tribulacionista: esta teoria adota a crença na volta de Cristo em glória,
mas no final dos sete anos de Grande Tribulação. Neste caso, todos os cristãos fiéis
ao Senhor passariam pelos sofrimentos e castigos enviados diretamente aos
pagãos. Esta teoria confunde o Arrebatamento da Igreja com a volta de Cristo em
glória, que serão dois acontecimentos distintos, embora complementares.
Texto bíblico base: Mateus 24.26-31.
Esclarecimentos: a volta de Cristo em glória será um acontecimento distinto do
Arrebatamento da Igreja. É impossível que o Senhor permita que seus filhos passem
pelos mesmos sofrimentos reservados aos ímpios. A categoria de sofrimentos
permitidos aos crentes é restrita às provações da fé, às tentações limitadas do
maligno, perseguições dos ímpios, enfermidades físicas naturais, pressões sociais,
problemas econômicos e dificuldades psicoemocionais. Porém, os castigos
apocalípticos estão reservados como um derradeiro castigo aos perversos,
categorizados como um sofrimento jamais visto na face da terra (Marcos 13.19).
c. Pré-Tribulacionista: esta posição teológica defende que a retirada da Igreja
deste mundo acontecerá antes do início da Grande Tribulação. Será um
acontecimento restrito aos crentes fiéis, enquanto os infiéis e os ímpios
permanecerão na terra para sofrerem os castigos divinos. Os sofrimentos que
alcançarão a Igreja serão “o princípio das dores”, sinais do fim, mas jamais a GT.
Textos bíblicos: Mateus 24.8,14; I Tessalonicenses 4.13-18; Apocalipse 7.9-17.
Duas coisas se destacam:
Primeira: os mortos salvos ressuscitarão primeiro28, em corpos glorificados,
preparados para sua morada eterna no céu, junto com Deus.
Segunda: os crentes fiéis vivos terão seus corpos miraculosamente
transformados e serão arrebatados juntos com os ressurretos. Todos encontrarão o
Senhor nos ares e serão conduzidos ao céu, ao encontro de Deus. Esta é a primeira
etapa da primeira ressurreição; a segunda acontecerá quando o Senhor voltar
definitivamente em glória.

28
Alguns intérpretes entendem que serão apenas os mortos da Igreja, excluindo os salvos do Antigo
Testamento. Particularmente entendo que todos os salvos, de todas as eras, ressuscitarão juntos.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 77


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5. Linhas escatológicas relacionadas ao Milênio: é importante que o intérprete


conheça as diversas correntes de pensamento sobre este tema, pois sua postura
afetará diretamente seu procedimento no Corpo de Cristo hoje. Três teorias se
salientam:
a. Teoria Amilenista: esta corrente rejeita o Milênio como sendo um período
literal de mil anos. Dizem alguns de seus autores que este período de mil anos é
simbólico, visto que se encontra em Apocalipse, o livro que mais usa figuras de
linguagem na Bíblia. Neste sentido, representaria o período da Igreja na face da
terra, que já vive seu milênio pela presença espiritual de Cristo. O fato de Satanás
estar amarrado, simboliza o cerceamento de suas ações pela operação espiritual da
Igreja no presente. O reinado dos crentes com Cristo, é sua presente condição de
glória no céu, enquanto aguardam a ressurreição do corpo.
Problema: rejeição dos fatos literais, aceitando apenas seu elemento simbólico
e a adoção do método alegórico de interpretação.
b. Teoria Pós-Milenista: não há rejeição do Milênio como sendo um período
literal, no qual Cristo governará a terra. Mas os defensores da Teoria creem que o
mundo irá melhorando, pela influência da Igreja e pela conversão dos ímpios.
Quando a Igreja estiver dominando o mundo inteiro, Cristo virá para instalar seu
reinado milenar, através da Igreja.
Problemas: esta teoria fomenta o envolvimento político-partidário da Igreja,
levando-a a transformar-se em mais um elemento de reformas sociais, perdendo,
com isto, sua visão eminentemente espiritual; está caindo gradativamente em
descrédito, à medida em que o mundo se torna mais corrupto, violento, imoral e
apóstata (II Timóteo 3.1-9; 4.3,4).
c. Posição Pré-Milenista: Milênio é aquele período profético futurista de um
mil anos literais, após o encerramento da Grande Tribulação, no qual Jesus
governará este mundo literal e pessoalmente. A posição Pré-Milenista significa que a
volta de Cristo em glória, visível a todos os seres humanos vivos sobre a terra, será
o marco histórico que porá fim ao esforço do homem e à tentativa diabólica de
governarem este mundo. A partir deste acontecimento, será estabelecido o período
milenar.
Vantagens: responde pelo cumprimento de várias profecias que não teriam
explicação em outras teorias (Isaías 2.1-5; 11.1-16; Miquéias 4.1-7; Mateus 19.28;
Apocalipse 20.1-6); conclui o número de Dispensações, antes do final do presente

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 78


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sistema; conclui o plano divino de salvação, desde o paraíso perdido, até ao paraíso
recuperado (Gênesis 3.23; Ezequiel 36.33-38); estabelece o domínio divino sobre a
terra, conforme deveria ser desde o princípio (Êxodo 9.29; Zacarias 14.9; Mateus
28.18).

6. Profecias Messiânicas: são as profecias do Antigo Testamento que apontavam


para o Messias de Deus, prometido e enviado para salvar Israel e o mundo.
Segundo a maioria dos hemeneutas ortodoxos, Cristo é a figura central de toda a
Bíblia. Os tipos, símbolos, parábalas e outras figuras de linguagem apontam
indiretamente para Ele. Mas há profecias claras e diretas, que devem ser estudadas.
Segue uma lista compilada por A. Almeida, páginas 106 e 107:
“a. Sua Humanidade:
Gênesis 3.15: semente da mulher. Lucas 2.7; Gálatas 4.4: nascido de mulher.
Isaías 7.14: nascido de uma virgem. Mateus 1.21,22: a virgem Maria.
Gênesis 12.3: descendência de Abraão. Hebreus 2.16,17: descendência de Abraão.

b. Sua divindade:
Isaías 9.6: menino ... Deus. Mateus 17.5: Meu Filho amado.
Salmo 2.7: Tu és meu Filho. João 10.30: Somos um. Eu e o Pai.
Zacarias 13.7: Meu companheiro. Filipenses 2.6: igual a Deus.

c. Sua linhagem:
Gênesis 12.3: de Abraão. Gálatas 3.16: posteridade de Abraão.
Gênesis 21.12: de Isaque. Lucas 3.34: linhagem de Isaque.
Gênesis 28.14: de Jacó. Mateus 1.2: descendência de Jacó.
Gênesis 49.10: de Judá. Hebreus 7.14: procedente de Judá.
Isaías 11.1: de Jessé. Mateus 1.5: família de Jessé.
II Samuel 7.14-16: de Davi. Lucas 1.31-33: filho de Davi.

d. Seu precursor:
Malaquias 3.1: preparador do caminho. Lucas 1.76: preparar os caminhos.
Malaquias 4.5: o profeta Elias. Lucas 1.17: no espírito e virtude de Elias.
Isaías 40.3: que clama no deserto. Mateus 3.3: clama no deserto.

e. Seu nascimento:
Isaías 7.14: uma virgem. Mateus 1.18-21: Maria ainda virgem.
Miquéias 5.2: em Belém. Lucas 2.4-7: vão a Belém.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – julho de 2021 Página 79


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f. Suas funções:
Profeta: Deuteronômio 18.15; Isaías 61.1,2. Lucas 9.35; 4.16-20.
Sacerdote: Salmo 110.4; 40.11. Hebreus 5.5,6; João 10.14.
Rei: Zacarias 9.9; Miquéias 5.2. Mateus 1.1-9; 2.1,2.

g. Sua humilhação:
Zacarias 13.6,7: o Pastor ferido. Mateus 26.31; Lucas 23.33: ferido.
Salmo 69.8: estranho aos irmãos. João 7.5: não criam nele.
Isaías 53.2: sem atrativos. Marcos 6.3: Filho do carpinteiro.
Isaías 53.3: desprezado. João 19.15: ‘Tira, crucifica-o.’
Isaías 53.3: Varão de dores. Marcos 15.33,34: ‘Porque me desamparaste?’
Isaías 53.7: em silêncio. Mateus 27.12: ‘Nada respondeu.’
Isaías 50.6: esbofeteado e cuspido. Mateus 26.67: ‘Cuspiram ... esbofeteavam.’
Isaías 50.6: açoitado. João 18.1: ‘E o açoitou.’
Isaías 52.14: sem parecer. Marcos 15.17: ‘Vestiram-no de púrpura.’
Isaías 52.14: desfigurado. Lucas 22.63,64: olhos vendados.”

7. Interpretação do Apocalipse:
Talvez o livro de Apocalipse seja o livro profético de mais difícil interpretação.
Em parte é compreensível, pois a maioria dos vaticínios são futuristas e dependem
de comprovação empírica. Mas é possível traçar algumas diretrizes básicas,
seguindo regras aplicadas a toda a Escritura, bem como outras que são exclusivas à
interpretação dos livros proféticos.
a. Interpretação literal: como todos os livros da Bíblia, a interpretação do
Apocalipse deve ser Literal. Mesmo sendo um livro profético, carregado de
linguagem simbólica, a interpretação precípua deve ser literal, pois Deus o concedeu
para que a Igreja o entenda. Se o intérprete primar pela interpretação alegórica do
Livro, perderá o verdadeiro sentido da revelação. A interpretação Literal produz
segurança e, mesmo textos aparentemente obscuros, se tornam claros com este
Método (Daniel 12.9,10; Apocalipse 1.1).
b. Linguagem Figurada: o Livro de Apocalipse é saturado de simbolismos.
Por isso, é importante compreender o lugar e o valor da linguagem figurada, o que é
diferente do Método Alegórico de interpretação. Linguagem figurada é o uso de
tipos, símbolos e outros recursos, para que o leitor/intérprete compreenda o sentido
e a amplitude da mensagem divina.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 80


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É importante salientar que o apóstolo João recebeu o Apocalipse por volta do


ano 96 da Era Cristã, portanto, há quase dois mil anos passados. Obviamente
muitas visões que teve não compreendeu, pois tratavam-se de coisas futuras, ainda
não descobertas ou inventadas em seu tempo. Deus mesmo se valerá dos recursos
da natureza e dos inventos humanos para exercer Seus juízos e completar Seu
plano para com a terra, a nação de Israel e a Igreja. Afinal, são apenas descobertas
oriundas da natureza que Ele mesmo criou. Isto também demonstra o controle de
Deus sobre todas as coisas e pessoas (Apocalipse 8; 9; 16).
Também é importante salientar que muitas revelações são de origem celestial,
de coisas e pessoas que são desconhecidas do ser humano. Neste caso, as
linguagem é comparativa, i.é, o apóstolo compara as coisas do céu com as da terra,
para que o leitor tenha uma idéia da realidade que o aguarda (Apocalipse 1; 5; 6; 9;
10; 12; 13; 19).
c. Contexto escriturístico: em certo sentido, o Apocalipse é uma continuação
da corrente profética inaugurada desde o Antigo Testamento. É impossível
interpretar corretamente este Livro, sem compará-lo com as demais profecias do
Antigo e do Novo Testamentos. O principal destes é o livro de Daniel.
Entre o Apocalipse e o livro de Daniel existe um paralelismo importante para o
intérprete. Em Daniel, a profecia chave para todo o sistema escatológico
dispensacionalista encontra-se no capítulo 9, versos 24 a 27. Esta é a base para
interpretar todo o livro de Apocalipse, desde os acontecimentos que precedem o
Arrebatamento da Igreja, o próprio Arrebatamento, a Grande Tribulação em suas
duas divisões principais, a Parousia de Cristo em glória, o Juízo Final e o Estado
Eterno.
d. Acontecimentos ordenados: a revelação apocalíptica está registrada por
ordem cronológica. Não existem no Apocalipse acontecimentos perdidos, que
possam ser interpretados dissociados da ordem pré-estabelecida por Deus. Uma
síntese geral:
Revelação de Cristo: capítulo 1.
Cartas às Igrejas: capítulos 2 e 3: nestas Cartas temos uma síntese da História
da Igreja, desde a descida do Espírito Santo até o Arrebatamento, incluindo o
período do Princípio de Dores.
Preparação para o juízo: capítulos 4 e 5: o centro dos acontecimentos estão no
céu, sob controle da Trindade.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 81


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Princípio de Dores: capítulo 6: inicia-se a preparação para o verdadeiro juízo de


Deus sobre a terra e os ímpios. O Arrebatamento da Igreja deverá acontecer em
algum momento deste período, talvez durante a abertura do sexto selo.
Judeus escolhidos e os salvos na glória: capítulo 7: são dois acontecimentos
paralelos: enquanto os judeus escolhidos são marcados na terra, para cumprirem
uma missão especial, a Igreja comparecerá diante do Trono de Deus no céu.
Inicia-se a Grande Tribulação: capítulos 8 a 11: este será o primeiro período de
três anos e meio de GT. Os castigos divinos serão derramados sobre a terra, mas
limitados, pois algumas pessoas ainda se arrependerão de seus pecados e
confessarão a Cristo como Salvador. Talvez pela pregação das duas Testemunhas e
dos 144.000 judeus enviados a toda a terra.
Capítulo profético: capítulo 12: este capítulo abrange um período desde à
queda de Lúcifer até sua última tentativa de destruir a nação de Israel e impedir o
governo de Cristo. Revela sua natureza, suas intenções e sua derrota.
Segundo período da Grande Tribulação: capítulos 13 a 18: neste segundo
período de três anos e meio, o Anticristo (líder político) e o Falso Profeta (líder
religioso) se unirão sob o impulso do diabo para governarem o mundo e destruírem
os fiéis. Os primeiros a sofrerem o martírio serão as duas testemunhas e os 144.000
(capítulo 14). Mas Deus completará suas pragas e destruirá o reino político e o
religioso do inimigo, desta vez para sempre.
A volta de Cristo em glória: capítulo 19: o retorno de Cristo finalizará a GT, o
pseudo-domínio do diabo, destruirá o poder militar das nações e salvará Israel do
extermínio.
O Milênio: capítulo 20: quando Cristo pisar novamente no Monte das Oliveiras,
será estabelecido seu reinado milenar sobre a terra, a partir de Jerusalém, do
Templo reconstruído e da nação de Israel, que será especial naquele período.
O Juízo final: capítulo 20: no final do Milênio, Cristo estabelecerá seu grande
trono branco, onde julgará os vivos e os mortos perdidos de todas as eras. Se
alguém que viveu no Milênio escapar da condenação, entrará no céu, os demais
serão condenados para sempre.
O estado Eterno: capítulos 21,22: quando encerrar o presente sistema de
acontecimentos, Jesus estabelecerá seu domínio eterno, junto com o Pai, na nova
terra. Enquanto isto não acontece, a ordem do Senhor é que a Igreja permaneça fiel
nesta terra, a fim de herdar o céu.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 82


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8. Alvo final: o livro de Apocalipse tem um objetivo bem definido: mostrar


profeticamente a recuperação do paraíso que o primeiro homem, Adão, perdeu. A
Bíblia inteira trata do projeto divino a para salvação da humanidade. No livro de
Apocalipse, este projeto chega ao fim, demonstrando que, a despeito de todas as
tentativas dos inimigos espirituais e humanos, Deus triunfará e estabelecerá seu
governo na terra e no céu.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 83


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SEXTA PARTE
FIGURAS DE LINGUAGEM
A Bíblia é um livro que usa sobejamente as Figuras de Linguagem em sua
composição, no Antigo e no Novo Testamento. São recursos que tornam mais
compreensível, rica de significado e de emoções a mensagem divina.
H. A. Virkler, página 122, denomina as figuras de linguagem de “métodos
literários especiais”:
“... hermenêutica especial, que estuda a interpretação de formas literárias especiais. Os bons
comunicadores empregam uma variedade de dispositivos para ilustração, esclarecimento,
ênfase, e manutenção do interesse do auditório. Os escritores e os oradores bíblicos também
usam esses esquemas.”

R. B. Zuck, página 168, assim transcreve a definição de Bullinger: “Uma figura


é meramente uma palavra ou frase colocada de forma diferente de seu emprego ou
sentido original e simples”.
Citando Sterrett: “Figura de linguagem é uma palavra ou frase utilizada para
comunicar um sentido diferente do literal e verdadeiro.”
L. Berkhof, página 87, assim escreve: “... figuras de linguagem comumente
chamadas tropos, em que uma palavra ou expressão é usada em sentido diferente
daquele que lhe é próprio. Baseiam-se em certas semelhanças ou em relações
definidas.”
A. Almeida, página 35, assim define:
“Linguagem figurada não quer dizer linguagem sem sentido, nem linguagem ininteligível. Muito
ao contrário, as figuras dão maior realce ao pensamento, tornando a linguagem enfática; e o
sentido de tal linguagem, se bem que menos claro que na literal, é perfeitamente acessível e
certo.”

W. G. Stitt, página 39, traz uma ampla definição:


“A ‘figura de linguagem’ é palavra usada fora de seu modo ou senso ordinário, ou posta fora
da sua ordem verbal, numa sentença, ou é uma sentença composta numa forma peculiar, ou
uma expressão feita numa maneira incomum. Uma figura, é desviar das leis fixas e naturais
da gramática. Não é de ignorância o desígnio, nem uma torcida de interpretação, isto é, fazer
um trecho dizer o que realmente não está indicado naquele trecho. (...) Uma figura de
linguagem talvez não seja verdadeira em fato, mas é verdadeira em sentimento, e que
expressa até melhor a verdade.”

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 84


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Visto serem muitas as figuras usadas na Escritura, dividiremos em grupos, para


facilitar o estudo.

I. PRIMEIRO GRUPO
1. Tipos: R. B. Zuck, página 197, assim escreve: “O termo ‘tipo’ deriva do grego
typos, que aparece 15 vezes no Novo Testamento.”
W. G. Stitt, página 42, define: “Um tipo é uma ilustração divina de uma verdade
biblicamente espiritual.”
Textos bases: Colossenses 2.17; Hebreus 10.1.
Algumas características especiais do Tipo:
- Todo o Tipo possui obrigatoriamente um Antítipo;
- O Tipo geralmente encontra-se no Antigo Testamento; o Antítipo no Novo;
- O Tipo aponta para o futuro; o Antítipo cumpre o passado;
- O Tipo é imperfeito e incompleto; o Antítipo é perfeito e completo;
- O Tipo é a sombra; o Antítipo é a realidade.
Alguns exemplos de Tipos e Antítipos:
a. Pessoas:
Adão: Tipo de pai da raça humana, a primeira criação, perdida; Jesus Cristo:
Antítipo, pai da raça humana restaurada, a segunda criação, redimida (Romanos
5.14-19; I Coríntios 15.21,22,45-49).
Enoque: Tipo dos salvos que serão arrebatados no final da Era da Graça;
Igreja: Antítipo que aguarda o dia do Arrebatamento (Gênesis 5.21-24; I
Tessalonicenses 4.15-17; I Coríntios 15.51,52).
Abraão: Tipo de todos os que creem, que são salvos e abençoados pela fé no
Senhor; crentes: Antítipos que repetem os atos de fé de Abraão e são abençoados
(Gênesis 15.6; Gálatas 3.6-9; Hebreus 11.12,13,39,40).
Melquisedeque: Tipo do sacerdócio de Cristo no futuro, pois foi escolhido por
Deus sem ser da linhagem de Arão; Cristo: Antítipo que desempenhou o sacerdócio
perfeito, superior ao arônico (Gênesis 14.18-20; Salmo 110.1-4; Hebreus 5.1-10;
6.19,20; 7.1-28).
b. Instituições:
Sábado: Tipo do descanso físico, mental e espiritual concedido por
mandamento de Deus, mas terreno; salvação: Antítipo de todas as bênçãos

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 85


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espirituais, mentais, físicas e eternas concedidas por Cristo (Gênesis 2.2,3; Êxodo
20.8-11; Levítico 25.1-22; Mateus 11.28-30; Hebreus 3.11-4.10).
Páscoa: Tipo da libertação, quando Israel estava cativo no Egito; Cristo:
Antítipo da salvação perfeita e eterna, oferecida ao homem cativo pelo pecado
(Êxodo 12.1-51; Mateus 26.2; I Coríntios 5.7).
Sacrifícios: Tipos de um inocente que morre como oferta a Deus, derramando
seu sangue para que um pecador seja perdoado; Jesus: Antítipo que ofereceu o
sacrifício perfeito para a salvação de todos os pecadores que Nele crerem (Levítico
1.1ss; 17.11; Hebreus 10.1ss; João 1.29,36; Atos 8.32-35; Apocalipse 5.6-14;
22.14).
c. Ofícios:
Profeta: Tipos de alguém que fala em nome de Deus, Seu representante.
Moisés foi um Tipo especial de profeta de Deus, exercendo um ministério singular;
Jesus: Antítipo de todos os profetas, principalmente de Moisés, exercendo um ofício
singular no Novo Concerto (Deuteronômio 18.15-18; Atos 7.37,38; João 6.14).
Sacerdote: Tipos de representantes de Deus, que apresentavam o povo ao
Senhor através dos rituais estabelecidos. Somente os escolhidos de Deus poderiam
exercer este ofício; Jesus: Antítipo, o Sacerdote por excelência, escolhido por Deus
para exercer um sacerdócio singular e eterno (Êxodo 28.1ss; Hebreus 3.1; 5.1-10;
8.1-5).
Rei: Tipos do governo de Deus sobre a nação de Israel, um reino Teocrático. O
principal foi o Rei Davi, um homem segundo o coração de Deus; Cristo: o Antítipo
perfeito, descendente do Rei Davi, designado por Deus para exercer o governo
eterno sobre Israel e o mundo (Deuteronômio 17.14-20; I Samuel 8.4-22; 16.1-13;
Salmo 89.19-37; Atos 13.22; Lucas 1.32,33).
d. Acontecimentos: Texto base: I Coríntios 10.11.
Dilúvio: Tipo da destruição do mundo e dos pecadores; Juízos: Antítipos da
destruição profética que virá sobre o mundo que não se arrrepender (Gênesis 6.1ss;
II Pedro 3.3-7).
Maná: Tipo do sustento que Deus concede ao Seu povo; Jesus: Antítipo do
alimento espiritual do cristão (Êxodo 16.4ss; João 6.31-35, 48-58).
Água da Rocha: Tipo da água que sacia a sede do povo e mantém a vida;
Jesus: Antítipo que satisfaz a necessidade interior e mantém a vida espiritual do
crente (Números 20.7-13; João 4.10-14; I Coríntios 10.1-4).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 86


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e. Coisas:
Serpente de bronze: Tipo de solução divina hasteada que tira o veneno da
morte; Jesus: Antítipo que soluciona definitivamente o problema do pecado
humano, para todos os que creem em sua morte na cruz (Números 21.5-9; João
3.14,15).
Arca: Tipo de oportunidade e meio de salvação para os condenados ao juízo
divino; Jesus: Antítipo de meio e oportunidade perfeita de salvação espiritual aos
perdidos e condenados ao juízo eterno (Gênesis 6.13-16; I Pedro 3.18-22).
Tabernáculo: vários Tipos são encontrados no Tabernáculo: material especial
da construção; divisões (pátio, lugar santo e santíssimo); objetos, a disposição e a
finalidade de cada um; sacrifícios diversos e em ocasiões especiais; ofícios
sacerdotais e levíticos, etc; Antítipos: o principal é o Senhor Jesus Cristo: sua
pessoa e obra; também encontramos Israel, a Igreja e o Céu; ministérios, etc.
(Êxodo 25.1ss; João 2.18-22; Mateus 27.50,51; Hebreus 8; 9; 13.9-13; I Coríntios
3.16,17; 6.19,20; Efésios 2.19-22).

2. Símbolos: R. B. Zuck, página 214, assim define: “A palavra ‘símbolo’ deriva do


grego symballe, que significa ‘reunir’. O símbolo é o objeto (real ou imaginário) ou a
ação ao qual se atribui um significado com vistas a representar em vez de afirmar as
qualidades de outro elemento.”
“Símbolos e tipos representam alguma outra coisa. Entretanto, o tipo representa um elemento
futuro, mas o símbolo não está preso à idéia de tempo. A certa altura, o tipo tem seu
cumprimento no antítipo. (...) Por outro lado, quando se diz que Cristo é como um leão,
qualquer leão pode servir para retratar determinada característica do Senhor.”

W. G. Stitt, página 45, escreve que: “Um símbolo usualmente denota algo além
de si mesmo.”
Em síntese, um símbolo é uma uma comparação que se faz entre duas coisas
distintas. Para que uma coisa seja símbolo de outra, é necessário que existam
algumas características que as identifiquem e representem com certo nível de
perfeição.
Exemplos de símbolos:
a. Objetos:
Pedras preciosas simbolizando as tribos de Israel (Êxodo 28.15-21).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 87


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Pedras preciosas simbolizando a origem das obras humanas (I Co 3.11,12).


Pedras preciosas simbolizando riquezas da impiedade (Apocalipse 17.4).
Pedras também simbolizando os doze apóstolos de Cristo (Apocalipse 21.14).
Metais preciosos e comuns simbolizando valores (Daniel 2.31-33).
Pedra simbolizando Cristo e o Reino de Deus (Daniel 2.34,35).
Ossos secos simbolizando a condição espiritual e a restauração nacional da
nação de Israel (Ezequiel 37.1-14).
b. Nomes:
Sodoma e Egito simbolizando a maldade de Jerusalém (Apocalipse 11.8).
Babilônia simbolizando a mãe das maldades da terra e a falsa religião
(Apocalipse 14.8ss).
Jezabel como símbolo de maldade e promiscuidade (Apocalipse 2.20-23).
Abel como símbolo de retidão e justiça (Mateus 23.35).
Ló como símbolo de justiça e livramento divino aos fiéis (II Pedro 2.7-9).
Homens e mulheres como símbolos de fé e perseverança (Hebreus 11.1-40).
c. Cores:
Vermelho simbolizando a guerra, sangue derramado (Apocalipse 6.4).
Preto simbolizando a fome (Apocalipse 6.5,6).
Amarelo simbolizando a morte (Apocalipse 6.8).
Branco simbolizando a pureza moral e espiritual dos santos (Apocalipse 3.5,18;
7.9,13,14; 19.5-8).
d. Visões:
Visão do carneiro representando os reis do império Medo-Persa e do bode
representando o império Grego, mais as perseguições ao povo da alinaça (Daniel
8.1-27).
Visão da estátua por Nabucodonosor, representando os impérios pagãos do
ponto de vista humano e político; a mesma visão teve Daniel, sob o ponto de vista
divino e espiritual (Daniel 2.19-36; 7.1-8).
O livro de Zacarias está repleto de visões proféticas, todas contendo símbolos
importantes, relacionados à história do povo de Israel, alguns com significado
imediato, contemporâneos ao profeta, enquanto outros ainda aguardam
cumprimento.
Visão dos sete Candeeiros de ouro representando as sete Igrejas da Ásia
Menor ((Apocalipse 1.12,20).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 88


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e. Ações:
O profeta Isaías despiu-se das vestes de profeta e dos calçados por um longo
tempo, prefigurando o sofrimento dos judeus do exílio (Isaías 20.1-6).
O profeta Jeremias recebeu ordem de comprar e usar um cinto de linho;
posteriormente o escondeu e, quando foi buscá-lo, para nada mais prestava,
representando a qualidade espiritual do povo de Israel (Jeremias 13.1-11).
O profeta Oséias tomou uma mulher de baixa índole moral, foi traído e
abandonado, mas recebeu ordem de Deus para perdoá-la e aceitá-la novamente
como esposa, mediante promessas de fidelidade. O profeta representava Deus e
seu perdão para com Israel, a esposa infiel (Oséias 1.1-7; 3.1-5; 14.1-9).
f. Gerais:
Pomba representando o Espírito Santo (Mateus 3.16).
Fogo representando o Espírito Santo (Lucas 3.16; Atos 2.1-4).
Cordeiro representando Jesus Cristo (João 1.29,36).
Leão representando Jesus (Apocalipse 5.5).
Estrela da manhã (alva) representando Cristo (Apocalipse 22.16).
Corpo humano representando a Igreja (I Coríntios 12.27; Efésios 4.12-16).
Noiva representando a Igreja (II Coríntios 11.2,3; Apocalipse 22.17).

3. Parábolas: são histórias ilustrativas, contadas com a intenção de salientar


algumas verdades principais, conforme a intenção do autor. Uma parábola serve
para despertar a atenção dos ouvintes para fatos e detalhes que passariam
despercebidos se expostos de outra maneira. As parábolas estão geralmente
relacionadas a situações e acontecimentos conhecidos pelos ouvintes, como fatos
sociais e coisas que envolvem a natureza. Alguns teólogos as definem como janelas
para a verdade; quanto mais perto o ouvinte estiver do fato relatado, maior visão terá
do real significado proposto pelo autor.
R. B. Zuck, página 225, assim define:
“A parábola é um tipo de linguagem figurada em que se fazem comparações; mas em vez de
usar uma só palavra ou expressão para a comparação ou analogia (...) a parábola faz uma
ampla analogia em forma de história. Uma parábola é uma história baseada em fatos do
cotidiano com o objetivo de ilustrar ou aclarar uma verdade. Apesar de ter base plausível, ela
pode não ter realmente ocorrido com todos os detalhes como foi apresentada. (...) são histórias
especiais, não necessariamente fatos históricos, contadas para ensinar certa verdade.”

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“Parábola vem do grego para (‘ao lado’ ou ‘junto a’) e ballein (‘lançar’). Assim, a história é
lançada com a verdade para ilustrá-la.”

a. Cuidados essenciais na interpretação:


Primeiro: o intérprete jamais deve procurar nas parábolas algum ensinamento
de origem obscura, reservado apenas aos iluminados, à semelhança dos gnósticos
dos tempos apostólicos, ou dos judeus cabalistas mais recentes. As parábolas
contém ensinos claros, compreensíveis para as pessoas simples, como eram os
ouvintes de Cristo.
Segundo: jamais deve emprestar às parábolas um sentido que elas não
contém, ou que não foi a intenção do autor. Conhecendo o autor das parábolas, o
fundo histórico e seus objetivos gerais, poderá compreender sua mensagem.
Terceiro: nem todos os detalhes de uma parábola tem aplicação na
interpretação, ou seja, no sentido pretendido pelo autor. Há detalhes que pertencem
à história ilustrativa, mas não possuem um significado especial para o intérprete.
Algum detalhe que sobrar, sem que seja possível fazer uma aplicação clara e direta,
deve ser descartado como desnecessário.
Quarto: jamais uma parábola poderá servir de base para a formação de
doutrinas, principalmente as doutrinas cardeais da Teologia Ortodoxa. Poderão
talvez ilustrar uma verdade expressa em textos claros e diretos, mas jamais serem a
base principal.
Quinto: geralmente as parábolas trazem o significado contido dentro de si
mesmas, não sendo necessário rebuscar em outros textos da Escritura. O bom uso
do contexto pode ajudar, principalmente quando há um texto paralelo, mas as
parábolas são únicas. O que existe, sim, é uma aplicação geral a coisas, pessoas ou
acontecimentos, que poderá ser reconhecida em outros textos bíblicos.
b. Exemplo de parábola no Antigo Testamento:
A parábola de Natã, o profeta, condenando o rei Davi pelo seu pecado de
adultério, homicídio e mentira, profetizando também os resultados nefastos que lhe
alcançariam (II Samuel 12.1-14).
c. Exemplos de parábolas no Novo Testamento: as parábolas de Jesus são
de grande destaque no Novo Testamento. Grande parte de seus ensinos estão
inseridos nas parábolas, inclusive confirmando temas importantes da Teologia e da

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 90


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Profecia. Para melhor compreendermos, podemos categorizar as parábolas de


Cristo em três áreas bem distintas29.
“Com apenas uma exceção, Mt 18.23-35, as parábolas contidas nos evangelhos e que deram
feição proeminente aos ensinos de Jesus, podem ser classificadas em três grupos. I – Oito
ilustrando a natureza do reino dos céus, Mt 13.1-50; Mc 4.26-29, seguidas por outra que lhes
ampliava o sentido, Mt 13.51,52. (...) II – Mais cerca de dezenove parábolas ilustrando o reino
dos céus na vida individual, Lc 10.25 até cap. 19, exceto 13.18-21. (...) III – Cinco ou seis
segundo Mt 24.32-35, proferidas durante a última semana em Jerusalém, falando do
julgamento e da consumação do reino.”

Em síntese: parábolas do Reino, Gerais e Proféticas.


As parábolas de Cristo seguem os mesmos princípios de interpretação
aplicados a todas as parábolas da Bíblia. Algumas Ele mesmo interpretou, abrindo o
entendimento dos discípulos, lançando uma base para a interpretação das outras.
4. Símiles: segundo W. G. Stitt, página 40: “Qualidade do que é semelhante;
comparação de coisas semelhantes. Palavra chave ‘como’.”
R. B. Zuck, página 174, assim define: “É uma comparação em que uma coisa
lembra outra explicitamente (usando como, assim como, tal qual, tal como).
H. A. Virkler, página 122, escreve:
“Símile é uma comparação expressa: é típico o emprego das palavras semelhante ou como.
(...) O sujeito e a coisa com a qual ele está sendo comparado são mantidos separados (isto é,
não ‘o reino dos céus é ...’, e, sim, ‘o reino dos céus é semelhante ...’).

a. Exemplos de símiles:
Deus compara a si mesmo com dois animais carnívoros prontos a devorar
Israel devido aos pecados da nação que O abandonara (Oséias 13.7,8).
Jesus compara seus discípulos com cordeiros pacíficos enviados ao meio de
lobos cruéis (Lucas 10.3).
Pedro compara a brevidade da carne com a erva e a glória da carne com a flor
da erva, que logo secam e morrem (I Pedro 1.24).
5. Metáforas: W. G. Stitt, página 40, define: “Tropo em que a significação natural de
uma palavra é substituída por outra, em virtude de relação e semelhança
subentendida.”

29
Seguiremos a classificação de J. D. Davis, uma das melhores, extraída do verbete “Parábola”.

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H. A. Virkler, página 122, define: “... é uma comparação não expressa. (...) O
sujeito e a coisa com a qual ele é comparado estão entrelaçados.”
R. B. Zuck, página 174, define: “É uma comparação em que um elemento é,
imita ou representa outro (sendo que os dois são essencialmente diferentes). (...)
Uma pista para identificar uma metáfora é que os verbos ‘ser’ e ‘estar’ sempre são
empregados.”
A diferença básica entre uma símile e uma metáfora, é que a primeira sempre
usa a expressão como ou outras designações semelhantes; ao passo que na
metáfora a comparação é feita como se uma coisa, ou pessoa, seja realmente a
outra ou tenha as mesmas características.
Uma das principais características da metáfora, é que trata-se de uma
sentença curta, como uma símile ou um provérbio, mas nem por isso menos
importante em significado ou profundidade.
a. Exemplos de metáforas:
Jeremias compara Israel com uma vide excelente plantada por Deus (usando
uma símile). Em seguida, usando três metáforas seguidas, a denomina de planta
degenerada, dromedária ligeira e jumenta selvagem (Jeremias 2.21-24).
Isaías compara os homens com a natureza perecível, declarando que o homem
é erva (Isaías 40.6,7).
Jesus declarou que é a luz do mundo (João 8.12), o pão da vida (João
6.35,48,51), a porta do reino dos céus (João 10.7,9), o caminho (João 14.6).
Jesus declarou que a Igreja é o sal e a luz do mundo (Mateus 5.13-16).

6. Alegorias: Segundo R. B. Zuck, página 254: “Alegoria é uma narrativa ou


expressão que pode ou não ser verídica e contém muitos aspectos que simbolizam
de realidades espirituais. (...) numa alegoria, as interpretações das analogias
ocorrem ao longo da história.”
H. A . Virkler, página 122, assim escreve: “As alegorias entremesclam a história
e sua aplicação, de sorte que a alegoria traz em seu conteúdo sua própria
interpretação.”
a. Princípios: existem pelo menos três princípios para a descoberta e a
interpretação das alegorias na Bíbllia, citados por R. B. Zuck:
“Reparar nos elementos de comparação explicados ou intrepretados na passagem.
Não procurar interpretar os detalhes não explicados nas alegorias.

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Descobrir o ponto central do ensinamento.”

b. Exemplos: o mesmo autor faz um apanhado geral das “alegorias da Bíblia.”


(página 256):
“1. Salmos 23.1-4 O Senhor é o Pastor do crente
2. Salmos 80.8-16 Israel é uma vinha destruída
3. Provérbios 5.15-20 A fidelidade conjugal é como uma cisterna
4. Provérbios 9.1-6 A sabedoria é como uma dona-de-casa
5. Isaías 5.1-7 Israel é como uma vinha improvisada
6. Ezequiel 13.8-16 Os profetas de Israel são como um muro caído
7. Ezequiel 16 O povo de Jerusalém é como uma criança que cresceu e tornou-se
prostituta
8. Ezequiel 17 Nabucodonosor e o Egito são duas águias, e judá é uma vinha
9. Ezequiel 23 Samaria e Jerusalém são duas prostitutas
10. João 10.1-16 Jesus na figura de pastor
11. João 15.1-6 Jesus na figura de videira
12. 1 Coríntios 3.10-15 Os obreiros cristãos são como construtores
13. Gálatas 4.21-31 Hagar e Sara são duas alianças
14. Efésios 6.11-17 A defesa espiritual do cristão representada como uma armadura”.
c. Resumo geral: usando as palavras de H. A. Virkler, página 122, podemos
fazer um resumo da seguinte forma:
“Podemos entender a parábola como um símile ampliado. A comparação vem expressa, e o
sujeito e a coisa comparada, explicados mais plenamente, mantêm-se separados. Por
semelhante modo pode-se entender a alegoria como uma metáfora ampliada: a comparação
não vem expressa, e o sujeito e a coisa comparada acham-se entrelaçados.”
ampliado
“Símile Parábola
comprimido
Provérbio
comprimido
ampliada
Metáfora Alegoria”

II. SEGUNDO GRUPO


Neste grupo veremos algumas figuras de linguagem relacionadas diretamente
a Deus. É importante que façamos alguns esclarecimentos antecipados:
Primeiro: estas figuras de linguagem expressam uma mensagem de significado
literal, mas usando linguagem figurada.
Segundo: através de comparações com fatos conhecidos pelos seres
humanos, revelam certos traços marcantes do caráter divino.

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Terceiro: não devem ser confundidas com as “Teofanias”, que são revelações
ou aparições pessoais de Deus ao homem.
Quarto: particularmente, entendo que o antropomorfismo e o antropotatismo
são mais do que figuras de linguagem, expressando realidades da pessoa e do
caráter de Deus. A diferença é que os homens são imperfeitos e finitos, enquanto
Deus é perfeito, infinito e eterno.
1. Antropomorfismo: figura de linguagem que atribui características humanas a
Deus. Sabemos que Deus não se limita às características dos seres humanos finitos
e imperfeitos, mas através destas comparações, o intérprete poderá entender as
ações divinas em favor dos homens.
a. Exemplos:
Face de Deus (Êxodo 33.20-23; Levítico 10.1; Jó 33.26; Salmo 24.6;
Apocalipse 22.3,4).
Olhos de Deus (Êxodo 33.12-17; Levítico 10.19; Números 11.11-15; Atos 7.20;
I Pedro 3.12).
Boca de Deus (Levítico 24.12; Deuteronômio 8.3; Jó 15.30; Miquéias 4.4).
Ouvidos de Deus (Números 11.1; Isaías 37.29; Tiago 5.4).
Narinas de Deus (Gênesis 8.21).
Dedos de Deus (Êxodo 8.19; 31.18; Lucas 11.20).
Mãos de Deus (I Samuel 5.11; II Crônicas 30.12; Esdras 8.18; I Pedro 5.6).
Braços de Deus (Êxodo 6.6; Salmo 77.15; 98.1; João 12.38; Atos 13.17).
Pés de Deus (Êxodo 24.10; II Samuel 22.10; Salmo 60.12; Mateus 5.34).

2. Antropopatismo:
O Dicionário Aulete Digital assim define o termo “antropopatia”: “s.f. || atribuição
das paixões e sofrimentos humanos aos deuses. Este processo foi usado
principalmente pelos fabulistas. F. gr. Anthropos (homem)+pathos (sofrimento,
paixão)+ia.
No dizer de W. G. Stitt, página 40: “... atribui emoções, paixões e desejos
humanos a Deus.”
a. Exemplos:
Arrependimento (Gênesis 6.6).
Ciúme (Ezequiel 8.3; Zacarias 8.2; Tiago 4.5).

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3. Zoomorfismo: segundo R. B. Zuck, página 178: “... atribui características animais


a Deus (ou a outros). São maneiras expressivas e originais de salientar certos atos
e qualidades do Senhor.”
a. Exemplos:
Ranger de dentes com fúria (Jó 16.9).
Penas e asas como de aves (Êxodo 19.4; Deuteronômio 32.11; Rute 2.12;
Salmo 91.4; Lucas 13.34).

III. TERCEIRO GRUPO


1. Prosopopéia: esta figura de linguagem também é conhecida como
“personificação”.
W. G. Stitt, página 40: “Atos ou efeitos onde uma pessoa representa um
princípio, uma idéia, ou uma coisa.”
R. B. Zuck, página 177: “... atribuição de características ou ações humanas a
objetos inanimados, a conceitos ou a animais.”
a. Alguns exemplos:
A terra abriu a sua boca e os tragou (Números 16.31,32).
Montes se contorcendo, mar fazendo ouvir a sua voz e levantando as mãos
(Habacuque 3.10).
Montes cantando e árvores batendo palmas (Isaías 55.12).
A morte perdendo o poder e o domínio (Romanos 6.9; I Coríntios 15.55).

2. Hipérbole: R. B. Zuck, página 181:


“uma afirmação exagerada em que se diz mais do que o significado literal com o objetivo de
ênfase.”
a. Alguns exemplos:
O coração do povo se derreteu e as cidades eram fortificadas até ao céu
(Deuteronômio 1.28).
Os camelos dos amalequitas eram inumeráveis, como a praia do mar (Juizes
7.12).
O salmista alagava o leito em lágrimas (Salmo 6.6).
O mundo não conteria os livros se todas as obras de Cristo fossem relatadas
(João 21.25).
Paulo considerava-se o maior dos pecadores (I Timóteo 1.15).

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3. Litotes: Segundo R. B. Zuck, página 183: “Consiste numa frase suavizada ou


negativa para expressar uma afirmação. É o oposto da hipérbole.” “Às vezes uma
litotes é uma frase de depreciação ...”
a. Exemplos de frases suavizadas:
Paulo na verdade disse que sua cidade natal era importante (Atos 21.39).
Lucas relata que houve grande alvoroço entre os soldados (Atos 12.18).
Houve grande tempestade (Atos 27.20 RC).
b. Exemplos de frases depreciativas:
Gideão considerava sua casa e a si próprio o menor (Juízes 6.15).
O salmista considerava-se verme e oprobrio (Salmo 22.6).
Deus chama o povo de Israel de vermezinho e povozinho (Isaías 41.14).
Paulo considerava-se o menor dos apóstolos (I Coríntios 15.9).
Falta um poucochinho de tempo até a volta de Cristo (Hebreus 10.37).

4. Metonímia: esta figura sempre traz a idéia de substituição.


W. G. Stitt, página 40: “Tropo que consiste em designar um objeto por uma
palavra designativa de outro objeto.”
Os objetos substituídos são de natureza diferente daqueles que os substituem.
a. Algumas categorias desta figura na Escritura:
Um objeto inanimado por outro (Mateus 26.26-28; I Coríntios 11.23-25).
Um objeto inanimado por um ser vivo (Isaías 54.9; Mateus 3.5; Hebreus 13.4).
O progenitor pela posteridade (Amós 7.2,5,9).
Os autores por seus escritos (Lucas 16.29; Atos 15.21).
A causa usada em lugar do efeito (Jeremias 18.18; Atos 11.23).

5. Sinédoque: Segundo R. B. Zuck, página 177: “É a substituição da parte pelo


todo, ou do todo pela parte.
W. G. Stitt, página 40, define assim: “É semelhante em caráter. Tropo findado
na relação de compreensão e pelo qual se emprega o todo pela parte, o plural pelo
singular, o gênero pela espécie, etc.”
Neste caso, o objeto em destaque é o mesmo, sem mudar de essência, sendo
apenas apresentado de forma diferente.
a. Exemplos gerais:
O todo pela parte (Atos 27.37 RC; Romanos 16.4).

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A parte pelo todo (Jeremias 25.29).


O plural pelo singular (Gênesis 15.29).
O singular pelo plural (Isaías 1.3).
Um número definitivo por outro indefinido (I Coríntios 14.19).

6. Apóstrofe: W. G. Stitt, página 40: “Interrupção que faz o orador ou escritor,


dirigindo-se a coisas ou pessoas irreais, fictícias, imaginárias.”
Nesta figura o escritor bíblico dirige-se diretamente às coisas ou pessoas
imaginárias ou ausentes, dialoga com elas, como se fossem reais ou estivessem
presentes.
a. Exemplos:
O salmista fala com o mar, o rio e os montes (Salmo 114.5-7).
O apóstolo dirige-se à morte como se esta pudesse ouví-lo (I Coríntios 15.55).
O rei dirigia-se ao filho morto, ausente, como se estivesse presente (II Samuel
18.33).

7. Ironia: R. B. Zuck, página 183, assim define:


“... é uma forma de ridicularizar indiretamente, sob a forma de elogio. Com frequência vem
marcada pelo tom de voz de quem fala, para que os ouvintes a percebam. Por isso, às vezes é
difícil saber se uma declaração escrita deve ser considerada ironia. Mas normalmente o
contexto ajuda a mostrar se é ou não uma ironia.”

L. Berkhof, página 96, escreve: “Há casos na Bíblia em que a ironia passou a
sarcasmo.”
R. B. Zuck, explica a diferença entre ironia e sarcasmo:
“Os termos ironia e sarcasmo costumam ser usados indistintamente, porque a ironia em geral
apresenta um tom de sarcasmo. Mas normalmente o sarcasmo é mais forte. Por ser mais
ácido, é próprio de ofensas, da crítica mordaz. Já a ironia é uma forma mais sutil de
ridicularizar.”
a. Exemplos de ironia:
Jó 12.2; II Samuel 6.20; 22.15; II Coríntios 11.19.
b. Exemplos de sarcasmo:
I Reis 18.27; I Coríntios 4.8,10.

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8. Paradoxo: segundo R. B. Zuck, página 188: “... é uma afirmação aparentemente


absurda ou contrária ao bom senso. Um paradoxo não é uma contradição; é
simplesmente algo que parece ser o oposto do que em geral se sabe.”
a. Exemplos:
Marcos 8.35; Filipenses 3.8.

9. Interrogação: também conhecida como “pergunta retórica”. R. B. Zuck, página


179, assim a define:
“Uma pergunta retórica é aquela que não exige resposta; seu objetivo é forçar o leitor a
respondê-la mentalmente e avaliar suas implicações. Quintiliano (35-100 d.C.), retórico
romano, afirmou que as perguntas retóricas aumentam a força e a irrefutabilidade da prova.”
a. Exemplos:
Peguntas que exigem respostas positivas: Gênesis 18.14; Jeremias 32.27;
Romanos 8.31.
Perguntas que exigem respostas negativas: Mateus 26.55; Lucas 11.11,12;
Marcos 4.21.
Perguntas feitas a si mesmo: Jó 31.1; Lucas 12.17.
Perguntas com a finalidade de chamar a atenção, repreender: Jeremias 4.14;
Mateus 26.40; Marcos 8.17-21; I Coríntios 3.16; 5.6; 6.2,3,9,15,16,19; 9.13, 24.
É necessário diferenciar as perguntas retóricas das perguntas reais, com a
finalidade de obter uma resposta. Exemplos: Êxodo 17.4; I Samuel 10.2; Mateus
19.16; 27.22; João 18.38; Atos 22.10.

10. Pleonasmo: é a repetição de palavras, ou o acréscimo de palavras


semelhantes, gerando um redundância. O pleonasmo é inaceitável na língua culta.
Mas na Bíblia é uma forma de intensificar o sentido das idéias expostas, chamando
a atenção para temas teológicos importantes.
As traduções modernas não apresentam muitos pleonasmos, mas nos originais
do Antigo e do Novo Testamento são encontrados.
a. Alguns exemplos:
“Então, Jó respondeu e disse:” (Jó 9.1 RA).
“Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos.” (Jó
42.5 RC).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 98


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

“E, vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo.” (Mateus
2.10 RA).
“Sendo, pois, ele profeta e sabendo que Deus lhe havia prometido com
juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o
assentar sobre o seu trono,” (Atos 2.30 RC).
“E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e
os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.” (João 1:51 RA).
No Evangelho de João esta expressão se repete por mais vinte e quatro vezes
(3.3,5,11; 5.19,24,25; 6.26,32,47,53; 8.34,51,58; 10.1,7; 12.24; 13.16,20,21,38;
14.12; 16.20,23; 21.18.

11. Paranomásia: R. B. Zuck, página 187, assim define: “Consiste no emprego das
mesmas palavras ou de palavras de sons semelhantes para produzir sentidos
diferentes. Uma paranomásia às vezes é chamada de ‘jogo de palavras’ ou
‘trocadilho’.”
a. Exemplos:
“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos” (Mateus 8.22).
Em vez de Davi fazer casa para o Senhor, este é que faria casa para ele (II
Samuel 7.5,11).
No Antigo Testamento (Hebraico) e no Novo Testamento (Grego) as idéias são
oriundas da semelhaça das palavras nas línguas originais (Miquéias 1.10-15; Isaías
5.7; Lucas 21.11; Romanos 1.29; Filipenses 2.15; I Coríntios 15.58).

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 99


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

CONCLUSÃO
Ao concluirmos o estudo desta matéria, é importante que o aluno entenda
alguns princípios importantes que, sendo corretamente observados, acrescentarão
subsídios positivos ao seu processo de aprendizado.
Primeiro: esta apostila não extingue o grande cabedal de conhecimentos
relacionados à Hermenêutica Bíblica. Aqui foram dados apenas os princípios
básicos, para que o aluno começe a entender esta ampla ciência. É necessário
continuar estudando, pesquisando e aprendendo com os colegas mais experientes.
Somente assim poderá chegar a um nível satisfatório de conhecimento, que lhe
assegurará firmeza total na interpretação da Escritura.
Segundo: é necessário ser abnegado, humilde e espiritual na interpretação da
Escritura. Qualquer atitude de preguiça, autosuficiência ou carnalidade será
prejudicial e tolherá a mente do estudante de alcançar os tesouros mais valiosos na
pujante tarefa de pesquisar a Palavra de Deus. Muita oração e submissão à vontade
do Senhor são ingredientes indispensáveis aos Seus fiéis discípulos. Há coisas na
Bíblia que se entende somente pela maravilhosa iluminação do Espírito Santo.
Terceiro: o ato de repartir os conhecimentos adquiridos propicia crescimento
pessoal e intelectual. Didaticamente falando, servirá como reforço ao próprio
aprendizado, relembrando e colando definitivamente no cérebro os conhecimentos
adquiridos; espiritualmente, Deus se alegra com aqueles que repartem os dons
recebidos e acrescenta ainda mais, pois “a todo o que tem se lhe dará, e terá em
abundância” (Mateus 25.29a).
Que todos os nobres alunos alcançem um elevado grau de conhecimento
bíblico, teológico e hermenêutico na presença de Deus.
Pr. Jairo Gonçalves Martins.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 100


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL
ALMEIDA, A. Manual de Hermenêutica Sagrada. S. Paulo, Casa Editora
Presbiteriana, 1985. 2ª edição. 110 p.
BERKHOF, L. Princípios de Interpretação Bíblica. R. de Janeiro, Juerp, 1994. 5ª
edição. 173 p.
ERICKSON, M. J. Conciso Dicionário de Teologia Cristã. R. de Janeiro, Juerp, 1991.
180 p.
STITT, W. G. Hermenêutica Bíblica. Apostila. M. das Cruzes, ABECAR, s.d. 49 p.
VIRKLER, H. A. Hermenêutica. Princípios e Processos de Interpretação Bíblica.
Editora Vida, 1990. 2ª impressão. 197 p.
ZUCK, R. B. A Interpretação Bíblica. S. Paulo, Sociedade Religiosa Vida Nova,
2005. 6ª reimpressão. 356 p.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO
ALMEIDA, A. Tratado de Teologia Contemporânea. R. de Janeiro, CPAD, 1980. 2ª
edição. 208 p.
ARCHER, G. L. Merece Confiança o Antigo Testamento? S. Paulo, Vida Nova, 1986.
4ª edição. 516 p.
CRABTREE, A. R. Teologia do Velho Testamento. R. de Janeiro, JUERP, 1991. 5ª
edição. 310 p.
DANA, H. E. O Mundo do Novo Testamento. R. de Janeiro, JUERP, 1980. 215 p.
DAVIS, J. D. Dicionário da Bíblia. R. de Janeiro, JUERP, 1987. 13ª edição. 660 p.
FRIBERG, B. & FRIBERG, T. O Novo Testamento Grego Analítico. S. Paulo, Vida
Nova, 1987. 860 p.
GINGRICH, F. W. & DANKER, F. W. Léxico do N. T. Grego/Português. S. Paulo,
Vida Nova, 1993. 3ª reimpressão. 228 p.
GUNDRY, R. H. Panorama do Novo Testamento. S. Paulo, Vida Nova, 1987. 4ª
edição em Português. 446 p.
GUNDRY, S. Teologia Contemporânea. S. Paulo, Mundo Cristão, 1987. 2ª edição.
374 p.
HALLEY, H. H. Manual Bíblico. S. Paulo, Vida Nova, 1970. 752 p.
TAYLOR, W. C. Dicionário do Novo Testamento Grego. R. de Janeiro, JUERP, 1986.
8ª edição. 247 p.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 101


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

TURNER, D. D. Introdução ao Antigo Testamento. S. Paulo, Imprensa Batista


Regular, s. d. 254 p.

BIBLIOGRAFIA PARA COMPLEMENTO


LUND, E. & NELSON, P. C. Hermenêutica. Editora Vida, 1981. 126 p.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 102


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

ANEXO I:
HILEL, O ANCIÃO
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Entrada da tumba de Hilel, o ancião.


Hilel, o ancião, (no hebraico ‫( ) הלל‬c. 60 a.C. - c. 9) é o nome de um conhecido
líder religioso judeu, que viveu durante o reinado de Herodes, o Grande na época do
Segundo Templo. Estudioso respeitado em seu tempo, Hilel é associado à diversos
ensinamentos da Mishná e do Talmud, tendo fundado uma escola (Beit Hilel) para
ensino de mestres no judaísmo.
Informações Gerais
Hillel foi um famoso líder religioso judaico, uma das figuras mais importantes na
história judaica. Ele está associado ao desenvolvimento da Mishnah e do Talmud.
Renomado no judaísmo como um sábio e estudioso, ele foi o fundador da Escola de
Hillel escola para Tannaïm (Sábios da Mishnah), e fundador de uma dinastia de
sábios que se encontra à frente dos judeus que vivem na terra de Israel até
aproximadamente o quinto século da Era Comum.
Hillel viveu em Jerusalém durante o tempo do rei Herodes e do imperador
romano Augusto. Na compilação Sifre Midrash (Deut. 357) os períodos da vida de
Hillel são feitos paralelos aos da vida de Moisés. Tanto viveu 120 anos, na idade de
quarenta Hillel foi para a Terra de Israel, ele passou quarenta anos em estudo, e o
último terço de sua vida ele era o chefe espiritual do povo judeu. U Sua atividade de
quarenta anos que abrangeu o período de 30 Antes da Era comum a 10 Depois da
Era comum.
Biografia
Hillel nasceu em Babilónia, e, de acordo com a Iggeret de Rav Sherira Gaon
(uma história abrangente da composição do Talmud do século 10. EC), Hillel
descende da tribo de Benjamin por parte de pai e, a partir da família de David por

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 103


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

parte da mãe. Nada definitivo, no entanto, é conhecido sobre a sua origem, nem em
qualquer lugar ele é chamado pelo nome do seu pai, que talvez tenha sido Gamliel.
Quando Josephus ( "Vita", § 38) fala do bisneto de Hillel, Rabban Shimon ben
Gamliel I, como pertencente a uma família muito célebre (γένους σφόδρα λαμπροῦ),
ele provavelmente se refere à glória que a família teve devido à atividade de Hillel e
Rabban Gamliel Hazaken. Apenas o irmão de Hillel Shebna é mencionado, ele era
um comerciante, enquanto que Hillel se dedicou a estudar a Torah, ao mesmo tempo
que trabalha como um lenhador.
Ética
Ele é popularmente conhecido como o autor de duas frases: "Se eu não sou
por mim mesmo, que será de mim? E quando eu sou para mim, que sou eu? E se
não for agora, quando?" e a expressão da ética da reciprocidade, ou "regra de ouro":
"Não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti. Essa é toda a
Torá, o resto é a comentário; agora ide e aprendei."
SHAMAI
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O túmulo de Shamai no rio Meron em Israel.


Shamai (50 a.C.– 30 d.C.) foi um estudioso judeu do primeiro século e uma
das figuras mais importantes da Mishná. Fundou uma escola conhecida como Beit
Shamai. Geralmente é associado a Hilel, o ancião de quem foi contemporâneo e
oponente sobre as interpretações que deveriam ser dadas aos mandamentos da
Halachá.
HILLEL E SHAMMAI
Origem: www.chazit.com/
HILEL é conhecido por ser o sábio que preservava o amor, o humanismo, a
bondade, a paciência e a humildade. Ele foi o primeiro dos rabinos fariseus, nasceu
na Babilônia durante o século I A.E.C., mudou-se para a Judéia com 14 anos.
Passou alguns anos em Jerusalém e depois se mudou para a Galiléia.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 104


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Os ensinamentos dele se encontram relatados no Pirkei Avot (a ética dos pais),


escrito na Babilônia e depois acrescidos de outros ensinamentos, sendo adicionados
ao Talmud. Nessa época, houve uma grande disseminação do Talmud, que tornou
os eruditos da Mishná os verdadeiros líderes religiosos do povo, os chamados
Tanaim (de Taná, em aramaico, significa aquele que estuda, repetindo e
transmitindo os ensinamentos de seus mestres).
Esse período dos Tanaim foi considerado de grande criatividade, inovação e
grande florescimento da cultura judaica, ao mesmo tempo em que foi de uma crise
turbulenta, culminando com a destruição do templo no ano 70 E.C., o que tornou
necessária a restauração de toda a vida religiosa. Hilel era chamado também de
HaZaken (do hebraico, O Velho), o que indicava que ele tinha um lugar de honra alto
na comunidade.
A primeira geração dos Tanaim, que exerceu suas atividades no início do
reinado de Herodes, é representada por Hilel e Shamai, fundadores de duas escolas
que levaram seus nomes (Bet Hilel e Bet Shamai). As duas escolas refletiam a
personalidade de seus fundadores. Hllel era uma pessoa amável, simples, próxima
às camadas mais modestas, e suas máximas breves refletem sua generosidade,
piedade e amor à humanidade. Shamai era extremamente íntegro, mas rígido e
irascível.
Hilel foi responsável pelo estabelecimento da Halachá, o conjunto de regras
baseadas na interpretação da Tora, ou seja, como um judeu deveria viver de acordo
com a Tora. Ele foi o líder de uma revolução espiritual no judaísmo. Ele acreditava
na presença contínua de D’us no Universo e que a única maneira dos homens
servirem a D’us era por meio de seus atos, sendo diretamente responsáveis por eles
perante D’us. Falava também de união mística entre D’us e o homem. Apesar de
todas as controvérsias que se acenderam entre estas, ambas inscreviam-se na
estrutura tradicionalmente aceita no judaísmo. As disputas pela Halachá entre elas
prosseguiram por muitas gerações até que finalmente prevaleceram os pontos de
vista de Hilel.
Seus ensinamentos eram muitas vezes opostos aos ensinamentos de Shamai.
Dizem que o Talmud registra 300 discordâncias entre eles, mas esse número inclui
as discordâncias entre seus discípulos, uma vez que ambos criaram escolas
rabínicas.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 105


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Como já citado, Hilel era um homem de paz, humilde e respondia a todas as


perguntas que lhe eram feitas, mesmo as constrangedoras. Ao contrário de Shamai,
Hilel tinha alunos não-judeus.
Ele estimulava, nos homens, a auto-estima com talvez seu pensamento mais
famoso: “Se eu não for por mim mesmo, quem será por mim? E, se somente por
mim, o que eu sou? E, se não for agora, quando?”. E com outro: “Aquele que tenta
engrandecer seu nome o destrói; aquele que não aumenta seu conhecimento o
diminui e aquele que não estuda merece morrer”.
Hilel teve em sua academia 80 discípulos, muitos dos quais importantes. O
conselho dos membros da corte de Herodes não foi seguido. Ele faleceu no ano 10
E.C., ou seja, 14 anos depois da morte de Herodes, o Grande.
SHAMMAI, assim como Hilel, era um judeu nascido no século 1 A.E.C., um
líder religioso importante e grande na literatura rabínica, na Mishnah (primeira
discussão feita a partir da Torá que vai para o Talmud). Ele era o “adversário” de
Hilel, sendo sempre mencionado junto a ele.
Diferentemente de Hilel, Shammai era um homem rígido, justo e sem
paciência. Uma das histórias que se conta é que um dia, um homem veio a busca de
Shammai e pediu para ser convertido: “Converter-me na condição de que você me
ensina toda a Torá, enquanto eu estou apoiado em um só pé”, Shammai empurrou-o
para fora com a régua em sua mão, então veio Hilel e lhe disse: “O que não desejas
para ti não o faças aos outros. Esta é a Torá, o resto é comentário. Vai e aprende.”.
Numa época de grande agitação política e social, Shammai foi uma grande
influência, recusando-se a ser intimidado pela potência estrangeira. Ele cresceu à
sombra da opressão de Herodes, e acreditava sempre que era necessário ter uma
postura firme para lidar com os adversários da tradição judaica. Conta-se que,
quando Herodes apareceu na sala do Sinédrio, rodeado pela guarda real, totalmente
armados, o silencio reinava. Podia-se sentir o sentimento de intimidação naquela
sala, quando, apenas Shammai, sem medo, levantou-se para falar contra ele.
Passou então a fazer decretos para separar e proteger a comunidade judaica da
interferência de Herodes e dos romanos. Ele alertou o perigo de Herodes a seus
colegas, avisando-os de que ele iria dominá-los sem piedade. Na verdade, Shammai
foi um dos poucos a sobreviver.
No entanto, apesar de toda a sua tenacidade em assuntos jurídicos e políticos,
temos uma perspectiva bastante diferente de Shammai quando nos voltamos a

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 106


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Halachá. Lá, Shammai diz: “Cumprimente cada homem com um semblante alegre e
um sorriso”. Os preceitos morais da Halachá estão associados aos sábios que não
só ensinavam, mas viviam daquela maneira. Aqui, Shammai era um homem com um
sorriso radiante e pronto, que seus colegas e discípulos conheciam tão bem.
Então, como compreender Shammai? Porque ele mesmo não seguia seus
ensinamentos? A resposta encontrada é que Shammai não é o homem dos
“pedidos”. Ele acreditava, assim como na história da conversão do homem apoiado
em um pé só, que, para aprender a Torá não se podia ter pressa, e, se um candidato
a conversão tem pressa, é porque não a merece.
No Talmud se diz: "Que o homem seja sempre humilde e paciente como Hillel e
não exaltado como Shamai.". Isso soa como uma condenação, mas, na verdade,
como um conselho: “Se você é como Shammai, e suas motivações são puramente
por uma questão do Céu e do bem de Israel, então se pode ser tão severo com os
outros como ele era.”. Entretanto, mesmo se não compreendermos Shammai por
completo, podemos compreendê-lo um pouco, Shammai, O Entendido.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 107


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

ANEXO II:
HERMENÊUTICA JURÍDICA:
Alguns aspectos relevantes da hermenêutica constitucional.
Renata Coelho Padilha Gera
Juíza Federal Substituta no Espírito Santo; Mestre em Direito
Constitucional; Especialista em Direito Civil e Processual Civil;
Professora de Cursos de Graduação e Pós-graduação em
Direito no Espírito Santo.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Hermenêutica Jurídica; 2.1. Distinção dos termos
hermenêutica e interpretação; 2.2. Funções da interpretação; 2.3.
(Im)Prescindibilidade da interpretação; 3. Hermenêutica constitucional; 4. Conclusão;
Referências.
1 INTRODUÇÃO
A atividade hermenêutica permeia todo o exercício dos operados do direito,
principalmente, a atuação do magistrado, que é o responsável pela função de “dizer
o direito”, ou seja, de aplicar a norma jurídica ao caso concreto.
O magistrado durante a sua atuação para encontrar a solução do conflito
existente no mundo dos fatos, aplica a norma jurídica, mas para isso deve buscar o
sentido das normas. Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior 30, “a determinação
do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e
intenções, tendo em vista decibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática
hermenêutica”.
Com isso verifica-se a relevância do tema relacionado à hermenêutica,
principalmente, quando especificada em relação à hermenêutica constitucional.
Entretanto, antes da abordagem dos conteúdos especificamente relacionados à
hermenêutica constitucional, é preciso verificar alguns assuntos que dizem respeito
à hermenêutica jurídica: distinção entre interpretação e hermenêutica, funções da
interpretação e imprescindibilidade da interpretação.
2 HERMENÊUTICA JURÍDICA
2.1 DISTINÇÃO DOS TERMOS HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO

30
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão,
dominação. São Paulo: Atlas, 3ª Ed, 2001, p. 252.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 108


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

As expressões hermenêutica jurídica e interpretação jurídica não são


sinônimas. A doutrina faz distinções em relação ao significado técnico de ambos os
termos. Pedro dos Reis Nunes31 categoricamente faz a distinção entre as
expressões, atribuindo à interpretação a noção de técnica, enquanto que à
hermenêutica associa à idéia de ciência, no seu dizer, a “ciência de interpretação”
das normas jurídicas.
A interpretação é momento de contato direto do intérprete com a norma
jurídica, ocorre quando o operador do direito procura encontrar, por meio de técnicas
específicas, qual o real conteúdo e significado da norma jurídica. Por outro lado, a
hermenêutica jurídica é a ciência formada pelo conjunto sistêmico de técnicas e
métodos interpretativos.
No mesmo sentido, posiciona-se Maria Helena Diniz32, que afirma tratar-se a
hermenêutica da “teoria científica da arte de interpretar”. Ou seja, o conjunto de
princípios e normas que norteiam a interpretação é uma ciência: a hermenêutica.
Entretanto, a visão de que a hermenêutica é uma ciência não é pacífica na
doutrina, já que o Ministro Eros Roberto Grau33 afirma que a interpretação das leis é,
na verdade, uma “prudência”, é “o saber prático, a phrónesis, a que se refere
Aristóteles”.
2.2 FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO
Também não existe unanimidade, na doutrina, em relação à definição das
funções da interpretação das normas jurídicas. Para Maria Helena Diniz34, as
funções da interpretação são as seguintes:
a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram
origem;
b) estender o sentido da norma a relações novas, inéditas ao tempo de sua
criação;

31
NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora Freitas
Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990, p. 469 e 513.
32
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo:
a
Saraiva, vol. 1, 18 Ed, 2002, p. 64.
33
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
a
Malheiros Editores, 3 Ed, 2005, p. 35.
34
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo:
a
Saraiva, vol. 1, 18 Ed, 2002, p. 63.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 109


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

c) temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às


necessidades reais e atuais de caráter social, ou seja, aos seus fins sociais e aos
valores que pretende garantir.
Eros Roberto Grau35 entende que a interpretação do direito não pode ser
dissociada da sua aplicação, afirma que interpretar é “dar concreção (= concretizar)
ao direito”, reconhecendo para tanto, como único intérprete, verdadeiramente,
autêntico o Juiz, que é o responsável pela construção da norma decisão.
2.3 (IM)PRESCINDIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO
De acordo com a clareza ou não do texto legal, pode-se discutir sobre a
dispensabilidade ou não da interpretação, ou seja, sobre a aplicação do princípio “in
claris cessat interpretatio”.
Maria Helena Diniz36 afirma que a interpretação sempre é necessária,
independentemente da clareza ou não da lei, afirmando que “tanto as leis claras
como as ambíguas comportam interpretação”.
Nesse mesmo sentido, caminha Paulo Bonavides37, ao afirmar que “não há
norma jurídica que dispense interpretação”, concluindo que o aforismo latino acima
transcrito não pode prosperar.
Verificados os aspectos gerais sobre a hermenêutica jurídica, principalmente,
depois de verificada a imprescindibilidade da interpretação, pode-se avançar na
análise de alguns dos aspectos mais relevantes da hermenêutica constitucional.
3 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
A interpretação da norma é influenciada pelo seu intérprete. Eros Roberto
Grau38 traz faz uma interessante metáfora em relação à interferência do pesquisador
no objeto pesquisado: metáfora da Vênus de Milo. A metáfora retrata a contratação
de 03 artistas para produzirem cada um, uma estátua da Vênus de Milo. Como
resultado, cada um produzirá uma estátua diferente, mesmo todos tendo o mesmo
objeto. Não são três estátuas totalmente distintas umas da outras (afinal são todas

35
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
a
Malheiros Editores, 3 Ed, 2005, p. 24 e 34.
36
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo:
a
Saraiva, vol. 1, 18 Ed, 2002, p. 62.
a
37
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13 Ed.
rev. atual., 2003, p. 437 e 438.
38
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
a
Malheiros Editores, 3 Ed, 2005, p. 29.

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Hermenêutica Bíblica - STG 2021

Vênus de Milo), mas não são as mesmas estátuas. Esse também é o resultado da
interpretação, sendo distinta de acordo com o seu intérprete.
Além do intérprete, a realidade do mundo dos fatos também influencia
diretamente a interpretação constitucional. Konrad Hesse 39 afirma que “A norma
constitucional não tem existência autônoma em face da realidade”. Pode-se concluir
que a hermenêutica constitucional procura a concretização da norma constitucional,
ou seja, a interpretação constitucional considera os fatos do mundo real além objeto
do texto (relevância da realidade concreta do mundo).
A tarefa de hermenêutica constitucional trará conseqüências para toda a
sociedade. Em que pese a afirmação de controle abstrato de constitucionalidade,
ainda assim, haverá o peso dos fatos sobre a interpretação, note-se que a Lei 9.886
trata da possibilidade de realização de perícia e de audiência pública, bem como,
solicitação de informações aos juízos inferiores sobre as conseqüências fáticas de
aplicação da norma.
A importância dos fatos na tarefa de interpretação constitucional é reforçada
pela existência do instituto da modelação dos efeitos da decisão que reconhece a
inconstitucionalidade. O STF pode determinar em que momento no tempo a
inconstitucionalidade começa a produzir efeitos.
A interpretação deve alcançar o objetivo de atualização do texto constitucional.
Quando o intérprete considera os fatos do mundo real, o texto constitucional vê-se
com aplicação a casos diversos. Conforme afirma Paulo Bonavides 40, “interpretar a
constituição normativa é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo
atualizá-la”.
Conforme afirma Konrad Hesse41, é necessária a aplicação de uma
“interpretação construtiva” para garantir a força normativa do texto constitucional,
garantindo a “consolidação e preservação da força normativa da Constituição”.
Entretanto, essa interpretação deve considerar os “fatos concretos da vida”, para o
autor “a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma

39
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.14.
a
40
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13 Ed.
rev. atual., 2003, p. 483.
41
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung.
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 22 e 23.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 111


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

excelente, o sentido (sinn) da proposição normativa dentro das condições reais


dominantes numa determinada situação”.
4 CONCLUSÃO
Em decorrência desse poder que advém da interpretação da constituição,
torna-se indispensável o estabelecimento de meios que evitem uma interpretação
desarrazoada, capaz de provocar injustiças.
Com o objetivo de evitar uma interpretação sem fundamento, há o
estabelecimento pela doutrina de regras, métodos e princípios de hermenêutica, que
permitem um certo controle sobre a atividade interpretativa, garantindo uma certa
uniformidade, ou seja, alguns pontos comuns estarão presentes na atividade
interpretativa, para a busca do equilíbrio.
A liberdade do operador existe (cada um é um escultor distinto), mas não é
absoluta, já que se encontra limitada por determinadas regras (todos devem esculpir
a Vênus de Milo).
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros
a
Editores. 13 Ed. rev. atual., 2003. 859 p.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil.
São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002. 469 p.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica,
decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 3ª Ed, 2001. 364 p.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do
direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005. 279 p.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der
Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1991, 34 p.
NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora
Freitas Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990. 936 p.
Informações Bibliográficas:
GERA, Renata Padilha Coelho. Hermenêutica constitucional. Panóptica, Vitória, ano
1, n. 4, dez. 2006, p. 23-28. Disponível em: <http://www.panoptica.org>.

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 112


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

QUESTIONÁRIO
PRIMEIRA PARTE:
1. Faça um resumo do significado da palavra Hermenêutica:
2. O que é Crítica Textual?
3. O que é Exegese?
4. O que é Homilética?

SEGUNDA PARTE:
1. Quem foi o verdadeiro Autor da Hermenêutica Bíblica? E quando?
2. Qual foi a missão dos profetas relacionada à Hermenêutica?
3. Fale sobre as Sinagogas e sua importância na Hermenêutica Bíblica:
4. Cite algumas características dos judeus palestínicos relacionadas à
Hermenêutica:
5. Cite as sete regras do rabino Hillel para a interpretação bíblica:
6. Cite algumas características dos judeus alexandrinos relacionadas à
Hermenêutica:
7. Cite e explique os quatro tipos principais de exegese judaica antiga:
8. Fale sobre a exegese dos judeus cabalistas:
9. Cite e explique as cinco características da Hermenêutica de Jesus Cristo:
10. Qual o método hermenêutico adotado pelos cristãos da Igreja primitiva?
11. Cite as doze regras agostinianas de interpretação da Escritura:
12. Cite o sentido quádruplo de Agostinho na interpretação bíblica:
13. Quais as características da Hermenêutica na Idade Média?
14. Cite as normas de João Wucliff para a interpretação bíblica:
15. Cite as dez regras de interpretação de Lutero:
16. Quais os perigos hermenêuticos que surgiram no período do confessionalismo?
17. Cite os perigos hermenêuticos surgidos no período moderno:
18. O que significa o termo Ortodoxo?
19. O que significa ‘opção’ em Hermenêutica?

TERCEIRA PARTE:
1. Cite os métodos errados de interpretação da Bíblia:
2. Cite e explique o método correto:

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 113


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

QUARTA PARTE:
1. Cite e explique a Regra Áurea:
2. Cite e explique a Segunda Regra:
3. Cite e explique a Terceira Regra:
4. Cite e explique a Quarta Regra:
5. Cite e explique a Quinta Regra:
6. Cite e explique a Sexta Regra:
7. Cite e explique a Sétima Regra:
8. Cite e explique a Oitava Regra:
9. Cite e explique a Nona Regra:
10. Cite e explique a Décima Regra:

QUINTA PARTE:
1. Fale sobre o Autor divino das Escrituras e cite um texto bíblico:
2. Fale sobre os autores humanos das Escrituras e cite um texto bíblico:
3. Fale sobre o fundo Histórico/Geográfico da Escritura:
4. O que é numerologia bíblica?
5. Faça um resumo do significado dos números estudados na apostila e cite um
texto bíblico para cada um:
6. O que são Dispensações?
7. Quais as duas categorias de Dispensações bíblicas?
8. Faça um resumo da primeira categoria:
9. Quais são as Dispensações da segunda categoria? Em qual estamos?
10. O que são Concertos?
11. Quais as categorias de Concertos bíblicos?
12. Cite os Concertos bíblicos:
13. Quais as categorias de profecias bíblicas?
14. Fale sobre as profecias com relação ao tempo:
15. Quais as linhas escatológicas relacionadas à volta de Cristo?
16. Quais as linhas escatológicas relacionadas ao Milênio?
17. O que são profecias messiânicas? Cite três exemplos:
18. Qual o método mais adequado para a interpretação do Apocalipse? Por que?

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 114


Hermenêutica Bíblica - STG 2021

SEXTA PARTE:
1. O que são figuras de linguagem? Faça um resumo:
2. O que são Tipos?
3. Quais as características principais dos Tipos?
4. O que são Antítipos?
5. Quais são as categorias de Tipos bíblicos?
6. O que são Símbolos?
7. Quais as categorias de Símbolos bíblicos?
8. O que são Parábolas?
9. Faça um resumo dos principais cuidados na interpretação das Parábolas?
10. O que são Símiles?
11. O que são Metáforas?
12. O que são Alegorias?
13. Faça um gráfico das figuras estudadas:
14. O que é Antropomorfismo?
15. O que é Antropopatismo?
16. O que é Zoomorfismo?
17. O que é Prosopopéia?
18. O que é Hipérbole?
19. O que é Litotes?
20. O que é Metonímia?
21. O que é Sinédoque?
22. O que é Apóstrofe?
23. O que é Ironia?
24. O que é Paradoxo?
24. O que é Interrogação?
25. O que é Pleonasmo?
26. O que é Paranomásia?

Pr. Jairo Gonçalves Martins – Pelotas/RS – Julho de 2021 Página 115

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