Você está na página 1de 53

BACHARELADO EM TEOLOGIA

Profº Jacob Moura

Apostila apresentada como orientação aos


alunos do módulo INTRODUÇÂO A TEOLO-
GIA do curso em Teologia.

Brasília
2012
Profº Jacob Moura

SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE: PROLEGÔMENOS


DEFINIÇÕES DE TEOLOGIA 03
A Natureza da Religião 03
O que é teologia? 03
A Teologia Sistemática 04
A Teologia como Ciência 04
O Relacionamento da Teologia com outras Disciplinas 05
O DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA 06
A Teologia na Igreja Antiga 06
A Teologia na Idade Média 07
A Teologia na Reforma 08
A Teologia na Ortodoxia Protestante 08
A Teologia no Pietismo e Iluminismo 09
A Teologia no Século XIX 09
A Teologia no Século XX 09
OS FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA 10
A Possibilidade de Teologia 10
A Necessidade de Teologia 10
A Tarefa da Teologia 11
Limitações da Teologia 11
As Fontes da Teologia 12
O Ponto de Partida da Teologia 12
Divisões da Teologia Sistemática 13
O RELACIONAMENTO ENTRE TEOLOGIA E FILOSOFIA 13
Tipos de Relacionamento entre a Teologia e a Filosofia 13
Algumas Filosofias Contemporâneas 14
O Uso da Filosofia pela Teologia 16
O MÉTODO DA TEOLOGIA 17
O Cenário Teológico Contemporâneo 17
Cuidados no fazer Teologia 17
Requisitos para o fazer Teologia 18
O Processo de Fazer Teologia 18
Graus de Autoridade das Declarações Teológicas 19
Métodos de Organização do Material Teológico 19
A CONTEMPORIZAÇÃO DA TEOLOGIA 19
O Desafio da Obsolescência 19
O Elemento Permanente do Cristianismo 20
Duas Abordagens para a Contemporização da Teologia 20
Profº Jacob Moura

Critério de Permanência 21
SEGUNDA PARTE: BIBLIOLOGIA
A REVELAÇÃO DE DEUS 23
Definição de Revelação 23
A Necessidade de Revelação 23
A Revelação Geral de Deus 23
A Revelação Especial de Deus 24
A GENUINIDADE DAS ESCRITURAS 26
Introdução 26
A Coerência das Escrituras 26
A Unidade das Escrituras 26
A Indestrutibilidade das Escrituras 27
A Sobrenaturalidade das Escrituras 27
A Confirmação Arqueológica das Escrituras 29
A Confirmação Bibliográfica das Escrituras 29
A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS 30
A definição de Inspiração das Escrituras 30
As Teorias de Inspiração das Escrituras 30
Os elementos Importantes da Inspiração das Escrituras 31
A Inspiração do Antigo Testamento 32
A Inspiração do Novo Testamento 32
A CANONICIDADE DAS ESCRITURAS 33
A definição de canonicidade 33
A canonicidade do Antigo Testamento 33
A canonicidade do Novo Testamento 34
Os critérios de canonicidade 34
As razões para a rejeição dos Apócrifos 35
A INERRÂNCIA DAS ESCRITURAS 36
A Definição de Inerrância bíblica 36
A Importância de Inerrância bíblica 36
Os Vários Conceitos de Inerrância bíblica 37
As Evidências de Inerrância bíblica 37
Os Limites de Inerrância bíblica 38
A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS 38
Introdução 38
O Significado de Autoridade 39
As Fontes contemporâneas de Autoridades 39
A Definição de Autoridade Bíblica 39
A ILUMINAÇÃO DAS ESCRITURAS 40
A Definição de Iluminação Bíblica 40
A necessidade de iluminação bíblica 40
As Evidências de Iluminação bíblica 40
As posições acerca de interpretação bíblica 40
Profº Jacob Moura

Os princípios de interpretação bíblica 41


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43
Profº Jacob Moura

PRIMEIRA PARTE: PROLEGÔMENOS

DEFINIÇÕES DE TEOLOGIA

A natureza da religião1
1. O homem é um ser incuravelmente religioso – Em um artigo veiculado em sua edição
de 27 de abril de 2005, a Revista Veja declara: “Os marxistas previram o fim da reli-
gião. Com o fim da opressão o remédio representado por Deus não teria mais razão de
ser, dizia-se. Mas também eles foram obrigados a reconhecer que o sentimento religio-
so nunca acabou porque está verdadeiramente enraizado no homem.”2
2. Fatores comuns que aparecem nas descrições de religião:
1) Há a crença em algo superior ao próprio homem;
2) Há a distinção entre sagrado e secular (ou profano);
3) Envolve uma cosmovisão particular;
4) Inclui o estabelecimento de práticas rituais, comportamento ético ou ambos;
5) Envolve certas atitudes ou sentimentos;
6) Há alguma forma de relacionamento ou resposta do objeto superior em relação ao
indivíduo humano;
7) Geralmente, há algum tipo de dimensão social envolvendo os integrantes;
3. Tentativas para encontrar a essência de toda religião:
1) Como crença ou dogma – Idade Média;
2) Como uma maneira ou estilo de vida – Iluminismo (Kant);
3) Como sentimento de dependência do absoluto – Shleiermacher (Século XIX);
4. Portanto, ser cristão significa sustentar as crenças que Jesus sustentou e ensinou;
O que é teologia?
1. Etimologicamente falando, a palavra teologia é composta de duas palavras gregas 
(Theós – Deus) e  (lógos – fala ou expressão). Literalmente, Teologia significa
“o estudo de Deus”.
2. Na dogmática clássica, a teologia era definida como o conhecimento de Deus e das coi-
sas divinas, obtido em parte de modo natural, pelo uso da razão, e em parte de modo
sobrenatural, através de uma revelação especial.3
3. A Teologia pode ser, entretanto, definida como “o estudo de Deus, de sua criação e de
seu relacionamento com ela”. A Teologia, portanto, preocupa-se em estudar e apresen-
tar proposições compreensíveis ao intelecto humano a respeito do Deus Cristão, dos se-
res animados e inanimados que ele criou, e de seu relacionamento com estes seres.
Como, de acordo com a perspectiva cristã, todo o cosmo (incluindo os seres visíveis e
os invisíveis) foi criado e está, de alguma forma, relacionado com Deus, a teologia tem
a imensa incumbência de apresentar um estudo ordeiro tanto do criador quanto de suas
criaturas.
1
Traduzido e adaptado de ERICKSON, Millard J. Christian Theology. Baker Book House. p. 21.
2
REVISTA VEJA. Edição 1902, Ano 38, Nº 17. 27 de abril de 2005. In; Deus e os Homens na Visão
de Bento XVI. p. 72
3
BRAATEN Carl E. & JENSON Robert W. Dogmática Cristã, vol. 1. Editora Sinodal. p. 31.
Profº Jacob Moura

A Teologia Sistemática
1. Teologia Sistemática é a disciplina que procura dar uma declaração coerente da fé Cris-
tã, baseada primariamente nas Escrituras, colocada no contexto da cultura em geral, ex-
pressa numa linguagem contemporânea e relacionada à questões da vida.4
2. Características da Teologia Sistemática.5
1) A teologia precisa ser bíblica – baseada em exegese séria;
2) A teologia precisa ser sistemática – organizada e coerente;
3) A teologia precisa relacionar-se com questões da cultura e conhecimento em ge-
ral – física, astronomia, psicologia, antropologia, sociologia, etc.
4) A teologia precisa ser contemporânea – responder a perguntas e apresentar solu-
ções aos problemas do homem moderno;
5) A teologia precisa ser prática – relacionada com a vida;
A Teologia como Ciência6
1. A pergunta: A teologia pertence exclusivamente ao âmbito da fé ou também pode ser
encarada como uma ciência?
1) A palavra “teologia” não foi originalmente uma invenção da fé Cristã – na Grécia
antiga;
2) Os apologistas do século II foram os primeiros a apropriarem-se do conceito gre-
go de teologia e a introduzi-lo no discurso cristão;
3) Agostinho preferia o termo sapientia (sabedoria) ao termo scientia (conhecimen-
to) para a teologia.
4) Na época da escolástica medieval a teologia era entendida de duas maneiras:
a) Em sentido literal, como a doutrina de Deus;
b) Em sentido mais amplo, como a afirmação da verdade concernente a todos
os ensinamentos sagrados da Igreja, o que incluía toda a realidade.
5) Martinho Lutero deu início a tendência, presente na teologia protestante, de tor-
nar mais nítida a distinção entre teologia e filosofia;
➢ A teologia era baseada exclusivamente na Palavra de Deus.
6) Com a chegada do método histórico-crítico a teologia passou a ser subdividida
em vários campos de especialização;
➢ Abriu-se uma brecha entre as abordagens histórica e dogmática da teologia;
7) Nos últimos séculos a Teologia tem sido vista como uma matéria que trata apenas
de questões de fé.
➢ A teologia se alargou abrangendo outras áreas que contribuíam para a for-
mação do “profissional da fé”.
8) Karl Barth tem argumentado vigorosamente pela autonomia da teologia;
2. Os seis critérios de Heinrich Scholz para que a teologia seja aceita como Ciência:

4
Cf. ERICKSON, Millard J. op cit. p. 21.
5
Esboço traduzido e adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 21,22.
6
Cf. BRAATEN Carl E. & JENSON Robert W. op cit. pp.
Profº Jacob Moura

1) A teologia deve ser livre de contradições internas;


2) Deve haver unidade e coerência em suas proposições;
3) Suas declarações devem ser susceptíveis à teste;
4) Não deve fazer declarações que são física e biologicamente impossíveis;
5) Deve ser livre de preconceitos;
6) Suas proposições devem ser capazes de serem divididas em axiomas e teoremas e
susceptíveis de serem provadas;
3. A Solução do problema:
1) A definição que virtualmente restringe ciência à ciência natural e que tende a res-
tringir conhecimento à ciência é estreita demais;
2) Se aceitarmos o critério tradicional para conhecimento, a teologia deve ser consi-
derada como científica;
a) A teologia tem um objeto definido de investigação – primariamente, o que
Deus tem revelado acerca de si mesmo;
b) A teologia trata com matérias objetivas;
c) A teologia tem uma metodologia definida para investigar seu objeto de
pesquisa;
d) Há coerência entre as proposições acerca de seu objeto de pesquisa;
3) Até certo ponto, a teologia ocupa território comum com outras ciências;
a) A teologia é submetida a certos princípios ou axiomas básicos – a lógica;
b) A teologia envolve comunicabilidade – pode ser investigada por outros;
c) A teologia emprega, até certo ponto, métodos empregados por outras disci-
plinas específicas – da história, da filosofia, etc.
d) Ela compartilha alguns objetos de pesquisa com outras disciplinas – o ho-
mem, a história, etc.
4) Por outro lado, a teologia tem seu próprio status único;
a) Seu objeto de pesquisa é único – não acessível a qualquer ser racional;
b) Tem seus próprios pressupostos – acerca de Deus, da Bíblia, do homem e
da realidade;
c) Faz reivindicações exclusivas – reivindicações eternas;
O relacionamento da Teologia com outras disciplinas7
Usada em seu sentido mais amplo, a teologia pode se dividir em quatro grandes áreas, de
acordo com a concentração de seu estudo: a Teologia Bíblica, a Teologia Histórica, a Teo-
logia Sistemática e a Teologia Filosófica.
A teologia Sistemática, por sua vez subdivide-se em várias doutrinas (Bibliologia, Teolo-
gia propriamente dita, Cristologia, etc.).
1. A Teologia Sistemática e a Teologia Bíblica

7
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 22-28.
Profº Jacob Moura

1) A Teologia Bíblica (do AT e NT) se preocupa em descobrir e expor a teologia


dos autores bíblicos, retratada em seus escritos do Antigo e Novo Testamento;
➢ Exemplo: A teologia dos Salmos, de Paulo, João, Tiago, etc.
2) Os teólogos sistemáticos recolhem material das pesquisas feitas pelos teólogos
bíblicos do Antigo e Novo Testamento e sistematizam este material por tópicos;
2. A Teologia Sistemática e a Teologia Histórica
1) A Teologia Histórica estuda o desenvolvimento teológico através dos séculos na
história da Igreja;
a) A abordagem sincrônica – estuda o pensamento teológico de cada período
histórico;
b) A abordagem diacrônica – estuda o desenvolvimento de uma dada doutrina
em cada período histórico;
2) Os teólogos sistemáticos encontram significante valor no estudo da teologia his-
tórica:
a) Ela faz-nos mais autoconscientes e autocríticos, mais cientes de nossos
próprios pressupostos;
b) Podemos aprender a fazer teologia, ao estudarmos como outros fizeram an-
tes de nós;
c) Ela pode provê um meio de avaliar uma idéia particular – serve como labo-
ratório para a Teologia avaliar as implicações de determinadas idéias;
3. Teologia Sistemática e Teologia Filosófica
1) A Filosofia serve para suprir conteúdo para a Teologia;
2) A Filosofia serve para defender a Teologia, ou confirmar suas verdades;
3) A Filosofia serve para avaliar os conceitos e argumentos da Teologia;

O DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA8

A Teologia na Igreja Antiga


1. Certamente, a semente da preocupação dogmática pode ser encontrada no testemunho
apostólico da sabedoria (sofia), do conhecimento (gnosis) e do testemunho (martyria)
da verdade que é essencial para a comunicação do evangelho da salvação no nome de
Jesus Cristo.
➢ Principalmente Paulo e João.
2. A raiz mais antiga da teologia sistemática pode ser encontrada nas apologias escritas
por alguns pais orientais.9
Os apologistas escreviam com o objetivo de defender a fé cristã diante do mundo pagão
exterior. Para isto, eles lançaram mão de conceitos e termos empregados na filosofia he-
lênica, em voga na época, a qual era vista por eles como preparação para o Evangelho.
8
Adapatado de BRAATEN Carl E. & JENSON Robert W. op cit. p. 49ss, que apresenta o desenvolvi-
mento da Dogmática Cristã.
9
Os pais orientais, diferentemente dos ocidentais, tinham preocupação com questões mais especula-
tivas. Cf. BRAATEN Carl E. & JENSON Robert W. op cit. p. 50.
Profº Jacob Moura

3. A raiz especulativa da teologia manifestou-se mais claramente nos teólogos alexandri-


nos Clemente e Orígenes;
1) Clemente fez uma espécie de fusão entre o estoicismo, o neoplatonismo e a Bí-
blia;
2) Orígenes foi o primeiro a produzir uma dogmática na língua grega: Peri Archon
(“Dos princípios”)
Ele realizou uma fusão da compreensão filosófica de logos e gnosis com a inter-
pretação da Bíblia e o ensinamento da teologia;
4. Logo após este período, os escritos teológicos se envolveram na luta da Igreja para
formular uma cristologia e uma doutrina da Trindade que mantivessem a continuidade
da pregação do Evangelho com o testemunho apostólico, em oposição a várias heresias
da época.
➢ Atanásio e os pais capadócios;
5. Em Irineu podemos ver outra raiz teológica: a preocupação polêmica com a verdade do
evangelho contra a incursão da heresia dentro da Igreja;
6. No Oriente a teologia alcançou seu zênite no sistema ortodoxo de João de Damasco,
que o construiu sobre os principais dogmas da Igreja: a Trindade e a Cristologia;
➢ A Teologia Oriental não se desenvolveu mais a partir daí;
7. O Ocidente construiu sobre os fundamentos da Teologia lançados no Oriente, mas
avançou numa busca contínua de um sistema mais exato de conceitos que tivessem re-
levância prática para a Igreja;
1) Tertuliano foi o primeiro teólogo ocidental que deu forma aos conceitos latinos
usados no pensamento teológico posterior;
2) Cipriano, seguidor de Tertuliano, também deixou sua marca indelével na doutrina
católica da Igreja, que estava surgindo;
3) Porém, a maior realização na teologia ocidental foi alcançada por Agostinho;
a) Antes de sua conversão Agostinho peregrinou por vários pensamentos filo-
sóficos de sua época – o dualismo maniqueu, o estoicismo e o neoplatonis-
mo. Sua vida devassa imprimiu em seu coração a necessidade da graça di-
vina a fim de que o homem se aproxime de Deus.
b) Em sua época, Agostinho se viu envolvido em duas polêmicas – o donatis-
mo e o pelagianismo;
c) A teologia de Agostinho possuía tantas facetas que é admirada e usada até
hoje tanto por Reformadores quanto por Católicos Romanos;
A Teologia na Idade Média
1. A Idade Média foi dominada pelo método escolástico; ou seja unir teologia e a filosofia
➢ O método escolástico trata a tradição da Igreja dialeticamente, juntando pontos de
vistas opostos e tentando harmonizar os vários decretos e doutrinas da Igreja;
2. A teologia escolástica pressupunha a autoridade da tradição e a usava para dar expres-
são à fé e à tradição;
➢ Anselmo de Cantuária – “credo ut intelligam” (“creio para compreender”).
Profº Jacob Moura

3. Porém, havia um cerne de misticismo em toda a teologia medieval, a despeito de sua


adesão formal à autoridade, tradição e dialética;
1) Bernardo de Claraval tinha por alvo converter a substância objetiva de Escritura e
tradição numa questão de experiência subjetiva.
2) Idéias panteístas se mesclavam com a piedade mística em muitos grandes teólo-
gos, incluindo Anselmo, Boaventura e Tomás de Aquino.
4. De extrema importância na história da escolástica medieval foi a união de Agostinho e
Aristóteles na Suma teológica de Tomás de Aquino.
5. A introdução de Aristóteles no currículo teológico da Alta Idade Média (séc. XIII) sig-
nificava que os clássicos conflitos filosóficos entre platonismo e aristotelismo seriam
renovados no âmbito da teologia.
1) Os platonistas eram idealistas – os universais tinham existência independente das
coisas reais – e defendiam uma abordagem mais experiencial e mística da teolo-
gia;
2) Os aristotélicos eram mais nominalistas – os universais não têm existência inde-
pendente das coisas reais – e defendiam uma abordagem mais científica e racio-
nal da teologia;
A Teologia na Reforma
1. O ponto de partida da obra reformatória de Lutero não era o dogma, mas o evangelho;
O estilo de Lutero era pensar em termos de contrastes – a antítese de lei e evangelho – e
não sistematizar suas idéias de modo a formar uma síntese racional harmônica.
2. Filipe Melanchthon foi o primeiro teólogo do período da Reforma;
Sua Loci communes, de 1525, foi bem recebida pelos reformadores. Porém, em sua úl-
tima edição, em 1559, ele começou a restaurar certas doutrinas da tradição escolástica,
sem revisa-las à luz das novas percepções da Reforma.
3. João Calvino foi, sem dúvida, o mais completo teólogo da era da Reforma;
Depois de várias revisões, sua obra, Institutas da Religião Cristã, chegou a sua forma
final em 1559. Ela se distinguia por sua orientação bíblica e sua concepção agostiniana
da graça, oposta a toda forma de pelagianismo da doutrina da salvação.
A Teologia na ortodoxia protestante
1. A Reforma protestante, tanto em seu ramo luterano quanto no reformado, atingiu uma
forma dogmática altamente desenvolvida de ortodoxia;
2. A teologia ortodoxa deu novamente um lugar de destaque, como na Idade Média, à ra-
zão e à lei natural, vazadas em formas de pensamento aristotélicas;
3. Quando a Igreja se dividiu, a teologia teve que se tornar confessional refletindo as dou-
trinas de cada corrente da cristandade;
4. A ortodoxia escolástica luterana passou por três fases em seu desenvolvimento:
1) A ortodoxia primitiva foi caracterizada pelos problemas teológicos da Fórmula
de Corcórdia (1577);
2) A alta ortodoxia, caracterizou-se pela produção de obras doutrinárias monumen-
tais;
3) A ortodoxia tardia, testemunhou a maciça efusão de sistemas de muitos volumes;
Profº Jacob Moura

5. A ortodoxia reformada foi, desde o início, muito pluralista, tendo se difundido em vá-
rios paises, com línguas e culturas variadas;
6. Na esfera do catolicismo romano, a teologia foi grandemente estimulada por seus con-
tínuos debates polêmicos com os representantes da Reforma;
1) Neste período, a teologia tomista ganhou a supremacia na esfera do dogma e da
política eclesiástica;
2) O Concílio de Trento definiu os termos da teologia católica romana;
A Teologia no pietismo e no iluminismo;
1. O intelectualismo da ortodoxia e seu sistema de autoridade provocaram a revolta do pi-
etismo e do iluminismo;
2. O pietismo não rejeitou as verdades objetivas da teologia ortodoxa como tais, mas es-
tava mais preocupado com a religião prática e a vida cristã;
3. O iluminismo rejeitou a dogmática supernaturalista da ortodoxia e tentou reduzir o cris-
tianismo ao que pode ser apreendido pela razão – Immanuel Kant.
➢ Os elementos específicos da dogmática tradicional foram submetidos a uma críti-
ca rigorosa e finalmente dissolvidos numa forma racionalista de misticismo, me-
tafísica e moralidade.
A Teologia no século XIX
1. A tarefa do século XIX era ir além do racionalismo e colocar a dogmática sobre um
novo fundamento;
2. Friedrich Schleiermacher defendeu que a religião é algo sui generis, distinta do conhe-
cimento racional e do princípio moral;
1) A essência da religião é “o sentimento de dependência absoluta”, “a consciência
de Deus”;
2) A dogmática deve ser a descrição da fé que existe na comunidade cristã;
3. Em 1818, Georg Wilherm Friedrich Hegel defendeu que a religião não era essencial-
mente sentimento subjetivo, e sim a representação simbólica da auto-realização dialéti-
ca do Espírito absoluto (Geist) na natureza da história.
➢ Isto abriu a luta pelo caráter verdadeiramente histórico da fé Cristã;
4. O restante do século XIX viveu na sombra dos três eminentes filósofos da religião:
Kant, Schleiermacher e Hegel.
A Teologia no século XX
1. O otimismo da concepção pós-iluminista do progresso humano foi despedaçado pela I
Guerra Mundial;
2. O período inicial da dogmática do século XX – tempo de descoberta;
1) Karl Barth e Emil Brunner recuaram para trás do moderno protestantismo e do
iluminismo até a teologia cristocêntrica da Palavra de Deus de Lutero e Calvino;
2) Oscar Cullmann e Gerhard von Rad desenvolveram as categorias de uma teologia
bíblica da história da salvação, visando suplantar os tradicionais conceitos dog-
máticos derivados da metafísica helenística;
3. O segundo período – a preocupação por uma interpretação significativa do evangelho
cristão em termos que pessoas modernas possam compreender;
Profº Jacob Moura

1) Rudolf Bultmann propôs seu programa de desmitologização da Bíblia com a fina-


lidade de apreender sua mensagem em termos existenciais;
2) Paul Tillich propôs o método da correlação, recorrendo ao idealismo clássico
alemão do século XIX para articular sua interpretação ontológica da teologia;
3) Influenciado por Dietrich Bonhoeffer, Friedrich Gogarten ofereceu uma interpre-
tação secular do evangelho;
4) Esta tendência tomou um curso radical na teologia da “morte de Deus” (EUA);
4. A terceira fase – trabalho no sentido de formular uma teologia filosófica apropriada
que pudesse ser usada na construção de uma teologia especificamente cristã;
1) Os teólogos do processo usaram a metafísica de Alfred North Whitehead e Char-
les Hartshorne para explicar o sentido da fé cristã;
2) O sacerdote jesuíta Pierre Teilhard de Chardin projetou o esboço de uma teologia
evolucionária;
3) Os teólogos escatológicos – Wolfhart Pannenberg e Jürgen Moltmann – fizeram
uma apropriação criativa de percepções hegelianas numa interpretação política do
Evangelho;
4) Os teólogos da Libertação recorrem amplamente as idéias de Karl Marx, procu-
rando uma transformação prática do mundo;
5. A palavra mais apropriada para caracterizar a atual situação da teologia é “pluralismo”;

OS FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA

A Possibilidade de Teologia10
O estudo teológico só é possível por causa de alguns fatos que são aceitos como verdadei-
ros pelo teólogo:
1. A existência de um Deus que se relaciona com o universo.
Embora este fato seja pressuposto por fé, porém, qualquer conhecimento da realidade
também parte de alguns pressupostos de fé, que podem ser ou não confirmados pelos
dados fornecidos pela realidade.
2. Na capacidade humana de conhecer Deus.
Tendo sido criado à imagem e semelhança de Deus, o homem tem a possibilidade de ter
conhecimento real de Deus, embora não exaustiva ou completamente. Este conhecimen-
to pode ser definido como analógico.
3. Na auto-revelação de Deus.
Deus mesmo decidiu se revelar às suas criaturas, tanto através de modo pessoal (através
de Cristo) quanto de modo proposicional (através das Escrituras Sagradas). Ao fazê-lo,
de certo modo, Deus se limitou ser apreendido pela linguagem e formas de pensamentos
humanos.
A necessidade de Teologia11

10 Adaptado de STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sitemática. São Paulo: Hagnos, 2003. v.1. 2.v.
pp. 23-41.
Profº Jacob Moura

1. Porque as crenças doutrinárias corretas são essenciais para o relacionamento entre o


crente e Deus.
1) A existência e caráter de Deus (cf. Heb 11:6);
2) A deidade de Jesus Cristo (Mt 16:13-19);
3) A humanidade de Jesus (1Jo 4:2-3);
4) A ressurreição do Senhor Jesus (Rom 10:9-10);
2. Porque a verdade e a experiência estão estreitamente relacionadas;
3. Por causa do grande número de alternativas e desafios do presente aos quais a Igreja
precisa contrapor-se;
1) Alternativas seculares – maxismo, humanismo, pós-modernismo, etc.
2) Outras religiões – islamismo, budismo, etc.
3) As seitas – testemunhas de Jeová, mormonismo, etc.
4) Grupos religiosos – Igreja Local, Família, Universal, etc.
5) Variedades de ensinamentos – Teologia da Libertação, Teologia Feminista, Teo-
logia da Prosperidade, Teologia da Maldição Hereditária;
4. Porque a compreensão correta da doutrina é a chave para compreendermos tudo o mais
de maneira certa.12
Conhecer a doutrina, embora não seja suficiente, em si, mas nos faz cientes do que Deus
espera de nós no que diz respeito a adoração (Jo 4:23), testemunho (At 17:11), discipu-
lado (Jo 8:31), relacionamento cristão (1Cor 12:12), trabalho diário (Ef 6:5-9), etc.
5. Para ajudar a Igreja missionária a distinguir entre a essência invariável do evangelho e
as formas culturais nas quais ele se corporifica de tempos em tempos;
6. Para ajudar a Igreja a permanecer fiel a seu próprio significado interior através das des-
continuidades do tempo;
A tarefa da Teologia
“O alvo da teologia é a certificação dos fatos que dizem respeito a Deus e às relações entre
Deus e o universo, e a apresentação de tais fatos em sua unidade racional como partes co-
nexas de um formulado e orgânico sistema de verdade”.13
Portanto a tarefa da teologia é investigar, reunir e organizar em um sistema racional e coe-
rente de verdades as informações que dizem respeito a Deus e sua relação com o mundo.
Limitações da Teologia14
1. A finitude do entendimento humano (Jó 11:7; Rm 11:33);
Isto faz com que o nosso conhecimento de Deus seja sempre apenas parcial.
2. O estado imperfeito da ciência natural e metafísica.
Isto faz com que, as vezes, surjam pontos de vistas irreconciliáveis entre razão e revela-
ção, Ciência e fé.

11
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 28-30.
12
MILNE, Bruce. Estudando as Doutrinas da Bíblia. ABU Editora. 3.ª edição, 1993. p. 10.
13
STRONG, Augustus Hopkins. Op cit. p. 22.
14
STRONG, Augustus Hopkins. Op cit. pp. 66-69.
Profº Jacob Moura

3. A inadequação da língua (1Cor 2:13: 2Cor 3:6; 12:4).


4. O nosso conhecimento incompleto das Escrituras.
Esta é uma questão que envolve a Hermenêutica.
5. O silêncio da revelação escrita.
Isto faz com que fiquemos sem respostas exatas em algumas áreas da teologia, como
por exemplo: a natureza do estado intermediário, o céu;
6. A falta de discernimento espiritual causada pelo pecado.
Isto dificulta o nosso entendimento correto da revelação escrita.
As Fontes da Teologia15
1. A revelação de Deus em Jesus Cristo.
Foi em e através de Jesus que Deus se revelou de modo mais pleno aos homens (cf. Jo
1:18; Heb 1:3). Esta revelação se deu tanto através de sua própria pessoa quanto através
de seus atos.
2. A revelação de Deus na história.
Para que sua auto-revelação em Cristo fosse possível, Deus agiu direta e indiretamente
dentro da história. Ele fez isso tendo como objeto, tanto o indivíduo quanto o coletivo.
Esta auto-manifestação de Deus pode ser percebida especialmente através da história da
nação de Israel, a qual Deus escolheu e preparou para trazer seu Filho através dela.
3. A revelação de Deus na criação.
Além de revelar-se de modo especial em Jesus e na história, Deus se revela de modo ge-
ral, através da criação (cf. cf. Sl.19; Rm 1:18-32). Podemos conhecer características do
ser e agir de Deus observando aquilo que criou. Porém, esta revelação é mais passiva
que ativa e carece de grande quantidade de interpretação.
Deve ser acrescentado que o registro autorizado e, portanto, confiável desta auto-revelação
de Deus encontra-se nas Escrituras Sagradas. Deste modo, mesmo que possamos utilizar
outras fontes para fazer teologia, porém, todas devem ser julgadas pela Bíblia.
O ponto de partida da Teologia16
1. O problema: inicia-se com Deus ou com a Bíblia?
1) Se iniciar com Deus – de onde se tirou a idéia de Deus?
2) Se iniciar com a Bíblia – porque não outro livro sagrado?
2. As soluções apresentadas:
1) Começar com Deus sem considerar a natureza da Escritura;
a) A abordagem mais comum é pressupor a existência de Deus como uma
verdade basilar que dá sustentação a todas as outras – Strong.
b) Outra abordagem é utilizar um tipo mais empírico de teologia natural para
provar a existência de Deus – Tomás de Aquino.
Porém, nesta abordagem não há a garantia que o deus descoberto é o Deus
da Bíblia.
15
Adaptado de LANGSTON, A. B. Esboço de Teologia Sistemática. 7. ed. JUERP: Rio de Janeiro,
1983. pp. 17-28.
16
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 30-33.
Profº Jacob Moura

2) Começar com revelação especial, a Bíblia – Karl Barth.


a) É difícil decidir o que é revelação sem alguma idéia de quem Deus é;
b) Que base a Escritura tem para ser uma revelação?
3. Tentativa de solução
Iniciamos com ambos (Deus e a Bíblia) como pressuposto – “Existe um Deus trino,
amoroso, onipotente, santo, onisciente, o qual tem se revelado na natureza, na história,
na personalidade humana e em atos e palavras os quais estão agora preservados na Es-
critura canônica do Antigo e Novo Testamento.” (p. 33). Este pressuposto é, então, veri-
ficado e validado com o que podemos observar da realidade.
Divisões da Teologia Sistemática
1. Bibliologia – estuda a natureza e características da revelação especial;
2. Teologia propriamente dita – estuda a pessoa e as obras de Deus;
3. Cristologia – estuda acerca da pessoa e obras de Jesus Cristo;
4. Pneumatologia – estuda acerca da pessoa e obras do Espírito Santo;
5. Antropologia – estuda a natureza e essência do homem;
6. Hamartiologia – estuda a origem e natureza do pecado;
7. Soteriologia – estuda as características e resultados da salvação;
8. Angelologia – estuda a natureza e ações dos anjos bons e maus;
9. Eclesiologia – estuda a natureza e funções da igreja;
10. Escatologia – apresenta um esquema dos acontecimentos individuais e coletivos que
acontecerão nos últimos tempos;

O RELACIONAMENTO ENTRE TEOLOGIA E FILOSOFIA17

Tipos de relacionamentos entre a Teologia e a Filosofia


1. A Teologia dissociada da Filosofia – sustenta que a filosofia não tem nenhuma contri-
buição a dá à teologia;
1) Primeiramente defendida por Tertuliano (c. 160-230);
O que há de comum entre Atenas e Jerusalém?
O que há entre a Academia e a Igreja:
O que há entre hereges e cristãos?18
2) Martinho Lutero – reação contra a filosofia católica escolástica de Tomás de
Aquino;
2. A teologia pode ser elucidada pela filosofia;
Agostinho sustentava a prioridade da fé, mas insistia que a filosofia pode ajudar-nos a
entender melhor nossa Teologia. Ele adotou a filosofia idealista de Platão para montar
seu sistema doutrinário.

17
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 39-58.
18
Tertuliano, De praescriptione haereticorum 7. citado em ERICKSON, Millard J. op cit. p. 40.
Profº Jacob Moura

3. A Teologia é às vezes confirmada pela Filosofia – diante do não-cristão, é necessário


encontrar alguma base neutra através da qual se possa estabelecer a verdade da mensa-
gem autoritativa;
➢ Tomás de Aquino – lançou mão da filosofia metafísica de Aristóteles;
4. A Teologia pode ser julgada pela Filosofia;
➢ O Deísmo – aceitava somente as doutrinas da religião que pudessem ser testadas
e demonstradas pela razão;
5. Em alguns casos, a Filosofia até supre conteúdo para a Teologia;
➢ Hegel – interpretou o Cristianismo em termos de sua própria filosofia idealística;
Profº Jacob Moura

Algumas filosofias contemporâneas


1. O Pragmatismo
1) Ensinamentos: enfatiza que não há verdade absoluta, ao invés disso, o valor de
uma idéia repousa unicamente em seus resultados práticos;
O alvo da pesquisa não é descobrir o valor ou a verdade de uma proposição, antes,
é sua conseqüência experimental. Para John Dewey a lógica e a verdade devem
ser entendidas em termos da capacidade de resolver problemas e do impacto sobre
os valores e desenvolvimento moral dos seres humanos. Para os que defendem es-
te ponto de vista, a religião tem valor como instrumento na reunião de pessoas
numa unidade de comunicação, de compartilhamento de vida e de experiência.
2) Influências do pragmatismo sobre a Igreja:
a) Impaciência com verdades metafísicas ou sem aplicabilidade imediata;
b) Uso de métodos questionáveis para ganhar adeptos;
c) Abrir mão de valores e princípios éticos em nome dos resultados;
3) Valor do pragmatismo: chamar a atenção para a importância da ligação entre
idéias e ações;
4) Problemas do Pragmatismo
a) O que significa dizer que algo “funciona”? Qual o critério? Qual o padrão?
b) Há uma injustificada limitação na esfera de declarações verdadeiras – a
verdade é o que é útil;
c) Qual o espaço de tempo para a avaliação das idéias?
2. O Existencialismo
1) Precursor: Sören Kierkegaard (1813-1855) – reagiu contra dois problemas:
a) A filosofia de Hegel, segundo a qual, a totalidade da realidade é racional;
b) A frieza e formalidade da Igreja na Dinamarca;
2) Ensinamento: enfatiza a prioridade da existência sobre a essência;
a) Irracionalismo – a realidade não pode ser apreendida ou reduzida a concei-
tos intelectuais;
b) Individualismo – enfatiza a importância e singularidade da pessoa indivi-
dual;
c) Liberdade – o homem é livre para decidir seu próprio destino e criar seu
próprio mundo como queira.
d) Subjetividade – verdade não significa correspondência com o objeto co-
nhecido, mas o efeito deste objeto e idéia sobre o conhecimento subjetivo.
3) Influência sobre a Teologia – Karl Barth, Emil Brunner, Reinhold Niebuhr, Paul
Tillich e Rudolf Bultmann.
a) A subjetivização da verdade;
b) A separação da verdade religiosa – do tipo subjetiva – da verdade em geral
– do tipo mais objetiva;
Profº Jacob Moura

c) Uma visão não-substantiva ou não-essencialista, mas dinâmica das realida-


des religiosas – pecado, salvação, etc.
4) Valor do existencialismo:
a) Ressalta a natureza da fé e da verdade cristã como uma questão de apaixo-
nado interesse e envolvimento subjetivo;
b) Enfatiza a liberdade e necessidade de escolha individual;
c) Salienta a importância e singularidade da pessoa individual;
d) Reitera a futilidade da realidade e da vida em si mesmas;
5) Problemas do existencialismo:
a) A distinção que o existencialismo faz entre evidência objetiva para a ver-
dade de um dogma e fervor apaixonado, não tem nenhuma base;
b) O existencialismo tem dificuldade em justificar a escolha de um objeto par-
ticular ao qual se relacionar em fé;
c) O existencialismo tem dificuldade para respaldar seus valores e julgamen-
tos éticos;
3. A Filosofia Analítica
1) Ensinamento: a função principal da Filosofia é preocupar-se com o significado da
linguagem, com a clarificação de conceitos, com a análise do que se diz e como
se diz.
Isto significa que a Filosofia deve ser encarada como uma atividade, ao invés de
uma teoria ou corpo de conhecimento. A preocupação da Filosofia deve ser com
as questões: “O que você quer dizer por isto?” e “Que tipo de declaração é esta?”
2) Os estágios da filosofia analítica no século XX:
a) O estágio militante no qual os filósofos eram agressivos e até dogmáticos –
“Positivismo Lógico”;
➢ Há somente dois tipos de linguagem significantes: as verdades Lógi-
co-matemáticas, as quais são auto-evidentes e verdades empíricas, as
quais podem ser verificadas pelos dados sensitivos;
b) No outro estágio, a filosofia, ao invés de insistir em que a linguagem deve
funcionar de determinada maneira para ser significante, ela tenta agora des-
crever como realmente a linguagem funciona;
3) Valor da Filosofia Analítica
a) Ajuda os teólogos a aguçar seu uso das palavras;
b) Evita o uso de linguagem ambígua;
4) Problemas da Filosofia Analítica
a) Mais que meramente descritiva, a Filosofia Analítica, tende a tornar-se, de
uma maneira disfarçada, prescritiva;
b) A Filosofia Analítica parece, às vezes, delinear uma distinção muito aguda
entre os diferentes tipos de linguagem;
c) A Filosofia Analítica não é uma ferramenta verdadeiramente neutra;
➢ Nem sempre ela está livre de pressupostos naturalistas;
Profº Jacob Moura

d) Há áreas nas quais não podemos ficar satisfeitos com um tratamento descri-
tivo ou tratamento não-prescritivo – na ética, por exemplo;
4. A Filosofia do Processo
1) Precursor da Filosofia do Processo: Alfred North Whitehead;
2) Ensinamento: a mudança é a chave para o entendimento da realidade, de fato, a
mudança é a realidade.
Participamos de uma nova realidade concreta a cada fração de segundos. A reali-
dade divina participa da realidade como um todo, e portanto, também está sujeita
a mudança.
3) Influência sobre a Teologia:
a) A preocupação da Fé Cristã não deve ser com algo fixo, com uma essência
constante que permanece a mesma, mas com algo que está se tornando, que
virá a ser;
b) A natureza de Deus não é algo fixa, final, mas é algo que está sendo, está se
tornando;
4) Valor da Filosofia do Processo:
a) A ênfase sobre a mudança e o bem que ela pode resultar, pode evitar uma
estagnação e obsolescência do Evangelho;
b) A ênfase de que Deus é empático e não impassível é bíblica;
5) Problemas da Filosofia do Processo:
a) O que realmente é a base da identidade?
b) Qual é a base para avaliar a mudança?
c) Será que não há um meio termo entre a ênfase sobre a mudança como a rea-
lidade básica e a visão de que a realidade última é uma substância estática,
imóvel e fixada;
d) Qual a extensão do momento no qual a nova realidade passa a existir?
O uso da Filosofia pela Teologia
1. Nossa proposição fundamental é que a revelação mais que a Filosofia deve suprir o
conteúdo para nossa Teologia;
1) A Teologia Cristã tem uma cosmovisão definida da realidade – sobre Deus, a rea-
lidade e o próprio homem.
2) Tendo esta cosmovisão como ponto de partida, a Teologia Cristã deve utilizar a
capacidade racional dada por Deus para tirar as implicações do corpo de verdades
reveladas;
3) Tomando os conceitos bíblicos como o padrão da visão da realidade isto restringe
consideravelmente a corrente de cosmovisão filosófica que será aceitável:
a) A cosmovisão defendida é um objetivismo – há padrões objetivos de ver-
dade, do bom, do certo;
b) A cosmovisão defendida sustenta a verdade como unitária – não existem
vários tipos de verdades – objetiva e subjetiva;
➢ A lógica é a aplicável a toda verdade;
Profº Jacob Moura

2. Em segundo lugar, a Filosofia deve ser entendida primariamente como uma atividade,
filosofar, mais que como um corpo de verdades;
Profº Jacob Moura

3. Tendo considerado estes dois fatores básicos, a Filosofia tem o seu valor, no sentido de
ajudar-nos a desenvolver e empregar certas habilidades críticas no ato de fazer teologia;
1) A Filosofia aguça nosso entendimento dos conceitos;
2) A Filosofia ajuda-nos a perceber os pressupostos que estão por trás das idéias ou
sistemas de pensamentos;
a) Ter ciência dos pressupostos alheios nos ajudará a perceber os perigos que
existem por trás das idéias;
b) Ter ciência dos nossos próprios pressupostos ajudará a tornar-nos mais ob-
jetivos;
3) A Filosofia pode ajudar-nos a traçar as implicações de uma idéia;
4) A Filosofia nos torna também cientes da necessidade de testar as reivindicações
de verdade;

O MÉTODO DA TEOLOGIA

O cenário teológico contemporâneo19


1. A tendência das teologias terem vida curta.
Antigamente a tendência era que uma dada forma de teologia persistisse por décadas ou
até por séculos. Porém, hoje não é assim. Observa-se que o período de domínio de cada
teologia específica tem sido menor que de sua predecessora. Isto se observou com o Li-
beralismo, neoortodoxia, e no processo demitologizante de Rudolf Bultmann.
2. A ausência de grandes escolas teológicas.
O que existem hoje são teologias e teólogos individuais, mas não grandes escolas que
aglomerem estes teólogos.
3. A carência de teólogos gigantes.
4. A razão para o presente cenário teológico:
1) Por causa da “explosão de conhecimento” presente em nossa época;
2) Por causa da presente atmosfera intelectual – uma atomística (mais que holística)
abordagem do conhecimento.
3) Por causa do ponto de vista da revelação como eventos históricos – baseado na
visão de que a realidade é internamente incoerente.
Cuidados no fazer teologia20
1. Evitar uma identificação muito íntima com qualquer modo cultural – quando estes mo-
dos culturais mudarem, a teologia tenderá a tornar-se obsoleta.
2. Manter um certo grau de ecletismo – podemos reconhecer e utilizar descobertas válidas
de posições das quais nós, no geral, discordamos.

19
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 59-64.
20
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 64-66.
Profº Jacob Moura

3. Manter um certo grau de independência na abordagem – um teólogo precisa ter um


senso crítico para não apenas repetir o que outros já disseram, mas contribuir criativa-
mente com determinado campo da verdade.
Profº Jacob Moura

Requisitos para o fazer Teologia21


1. Uma mente disciplinada – capaz de, pacientemente, coletar e organizar dados.
2. Um hábito mental intuitivo distinto de um outro simplesmente lógico – capaz de fazer
ralações, tirar conclusões e extrair inferências dos dados de que dispõe.
3. Conhecimento das ciências físicas, mental e moral – estar a par dos ataques e contri-
buições que estas ciências podem dar a Teologia.
4. Conhecimento das línguas originais da Bíblia – para determinar com exatidão o sentido
dos termos estudados.
5. Afeição santa para com Deus – a fim de ter condições de perceber e desvendar os “se-
gredos” divinos imersos nas Escrituras (Sl 25:14).
6. A influência iluminadora do Espírito Santo – para que tenhamos a iluminação necessá-
ria para compreendermos a auto-revelação de Deus a nós (1Cor 2:6-16);
O processo de fazer teologia22
1. Reunião dos dados bíblicos.
Juntar todas as passagens bíblicas relevantes para a doutrina que está sendo investigada.
Neste passo é requerido cuidado, contínuo escrutínio e refinamento da metodologia,
bem como da exegese dos textos bíblicos. Os métodos hermenêuticos devem ser empre-
gados de modo coerente.
2. Unificação dos dados bíblicos.
Baseados no pressuposto de que há unidade e coerência entre os vários livros e autores
da Bíblia, tentaremos sintetizar suas várias ênfases num todo coerente.
3. Análise do significado dos ensinamentos bíblicos.
Considerar as várias conotações e denotações que a palavra ou o conceito podem ter.
4. Exame do tratamento histórico.
Investigar como determinada doutrina ou ensinamento foi interpretado e praticado em
cada período da história da Igreja e quais os resultados e implicações que eles tiveram.
5. Identificação da essência da doutrina.
Precisamos distinguir o conteúdo permanente e invariável da doutrina do veículo cultu-
ral no qual ele é expresso. Ou seja, extrair o princípio eterno da aplicação temporal no
qual está expresso.
6. Estabelecimento da expressão contemporânea da doutrina.
Neste ponto, precisamos encontrar a forma presente das perguntas e problemas para as
quais a doutrina oferece respostas. Porém, deve ser enfatizado que as perguntas e pro-
blemas devem influenciar somente na forma da resposta, não em seu conteúdo. Para isto
a análise da cultura deve ser cuidadosamente feita.
7. Desenvolvimento do tema interpretativo central.
Este tema é a idéia central ao redor da qual os demais conceitos serão agrupados. Ele
serve de cimento, integrando e unindo todo o conteúdo teológico. Porém, deve-se ter
cuidado para que este tema central, ao invés de facilitar não acabe prejudicando a coe-

21
STRONG, Augustus Hopkins. op cit. pp. 72-76.
22
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 66-79.
Profº Jacob Moura

rência do sistema teológico. Um outro cuidado a ser tomado é no sentido de que ele não
determine nossa seleção e interpretação dos textos bíblicos.
8. Estratificação dos tópicos.
É necessário organizar os tópicos teológicos de modo hierárquico, dispondo-os em divi-
sões principais, subdivisões e divisões menores. Os tópicos que estão no mesmo nível
também devem ser analisados, a fim de se decidir em que tipo de ordem serão arranja-
dos (cronológica, lógica, etc.). Também precisamos decidir qual deles precisam ser tra-
tados mais detalhadamente e quais receberão apenas tratamento superficial.
Graus da autoridade das declarações teológicas23
1. Declarações diretas da Escritura devem ser consideradas como tendo o máximo valor;
2. Implicações diretas da Escritura devem também receber alta prioridade;
3. Implicações prováveis da Escritura devem ser consideradas com menos autoridade que
implicações diretas.
4. Conclusões indutivas da Escritura variam em seu grau de autoridade.
5. Conclusões inferidas da revelação geral, a qual é menos particularizada e menos explí-
cita que a revelação especial, devem, por isso, sempre ser submetidas as mais claras e
mais explícitas declarações da Bíblia.
6. Especulações, que freqüentemente incluem hipóteses baseadas numa única declaração
ou alusão da Escrituras devem ser utilizadas com muito cuidado pelo teólogo.
Métodos de organização do material teológico24
1. O método analítico de CALIXTO começa com o admitido fim de todas as coisas, bên-
çãos e daí passa para o sentido pelo qual ele é assegurado;
2. O método trinitário de LEYDECKER e MARTENSEN considera a doutrina cristã uma
manifestação sucessiva do Pai, do Filho e do Espírito Santo;
3. O método federal de COCCEIUS trata a teologia sob duas alianças;
4. O método antropológico de CHALMERS e ROTHE começa com a doença do homem
e então passa para o remédio;
5. O método cristológico de HASE, TOMASIUS e ANDREW FULLER trata de Deus, do
homem, como pressuposição da pessoa e obra de Cristo;
6. O método histórico de URSINO – história da redenção.
7. O método alegórico de DANHAUER – o homem, Deus, o Espírito Santo, etc, são apre-
sentados sob figuras alegóricas.
8. O método sintético – o mais conhecido – trabalha logicamente da causa para o efeito.

A CONTEMPORIZAÇÃO DA TEOLOGIA25

O desafio da obsolescência

23
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 79-80.
24
Adaptado de STRONG, Augustus Hopkins. op cit. pp. 88-89.
25
Adaptado de ERICKSON, Millard J. op cit. pp. 105-125.
Profº Jacob Moura

1. Um problema de interesse particular para os teólogos e, naturalmente, para toda a igre-


ja cristã, é a notável diferença entre o mundo da Bíblia e o mundo contemporâneo.
2. De acordo com Rudolf Bultmann, a Bíblia reflete meramente a cosmovisão mitológica
do primeiro século e, como tal, suas idéias nestes assuntos são obsoletas para nós hoje.
Para Bultmann, esta enorme diferença entre o mundo bíblico e o nosso gera no crente de
hoje um problema psicológico: ela acaba vivendo em dois mundos – o mundo bíblico
repleto de manifestações sobrenaturais e o seu próprio mundo dominado pelos avanços
científicos. Bultmann propõe a reinterpretação destes mitos, tirando deles apenas as li-
ções para as nossas vidas.
O elemento permanente do Cristianismo
1. A instituição
Como sucessora dos apóstolos, a quem a verdade foi confiada, a Igreja tem autoridade
de promulgar novos dogmas e modificar dogmas antigos. Este é ponto de vista da tradi-
ção Católica Romana.
2. Os atos de Deus
O elemento permanente do Cristianismo é certos eventos históricos singulares ou atos
poderosos de Deus. Para os que defendem esta posição, a religião bíblica consiste da
resposta de seres humanos a estes atos de Deus. Segundo estes eruditos há, de fato, dois
atos de Deus: o êxodo no AT e o “evento Cristo” no NT, todo o restante é uma interpre-
tação humana destes dois eventos. Deste modo, são os atos de Deus, não os relatos bí-
blicos, que é o elemento permanente e autoritativo no Cristianismo.
3. A experiência
A idéia é que embora crenças doutrinárias possam mudar, pessoas de todos os períodos
têm a mesma experiência. Um notável exemplo de experiência é a esperança universal
de imortalidade. O principal proponente deste ponto de vista foi Harry E. Fosdick, que
defendeu a expectativa da vida futura como a experiência básica do Cristianismo.
4. As doutrinas
De acordo com este ponto de vista, o elemento permanente e imutável no Cristianismo
consiste de certas doutrinas presentes no tempo bíblico e continuadas na atualidade. Es-
ta idéia foi defendida por J. Gresham Machen, que combateu a tentativa de separar os
ensinamentos éticos de Jesus das doutrinas que os acompanham. Para ele, se ignorarmos
ou alterarmos a doutrina que está por trás do ensinamento ético, ele perde sua validade.
5. O modo de vida
De acordo com este ponto de vista – defendido por Immanuel Kant – a essência da reli-
gião repousa em comportamento mais que em crença. Para Walter Rauschenbusch, a es-
sência da pregação de Jesus era a chegada do reino de Deus que tomaria o coração dos
homens e seria implantado aqui na terra. Este reino consistia no estabelecimento do di-
reito, da justiça, da igualdade social e da democracia entre os homens. Porém, a essência
do Cristianismo, conforme estava no coração de Jesus, foi modificado pela Igreja.
Duas abordagens para a contemporização da teologia
1. Os transformadores
1) Estão convencidos de que o mundo tem sofrido uma série de mudanças desde os
tempos bíblicos. Não há, portanto, qualquer possibilidade de reter as crenças me-
ramente por reafirma-las ou moderniza-las;
Profº Jacob Moura

2) Os Liberais ou Modernistas acreditam que a essência do Cristianismo não se li-


mita a doutrinas particulares que eram sustentadas pelos antigos crentes, não ven-
do, portanto, necessidade em mantê-las hoje. O homem moderno é a medida para
a verdade, e são as doutrinas bíblicas que devem se adequar a ele e não vice-
versa;
3) O caso mais claro deste tipo de abordagem foi a Teologia da Morte de Deus, sur-
gida em meados de 1960;
a) Paul Van Buren, seguindo o método da Filosofia Analítica, descobriu que o
conceito de Deus não faz sentido num mundo empiricamente orientado;
b) Dietrich Bonhoeffer pregou o conceito da “maioridade do homem”;
c) Thomas J. J. Altizer defendeu que Deus voluntariamente se sujeitou a
transformação de um ser fora do mundo que ocasionalmente agia dentro de-
le, para um ser completamente imanente dentro do processo deste mundo;
2. Os tradutores
1) Enfatizam muito mais fortemente na necessidade de tornar certo que é a mensa-
gem autoritativa que está sendo anunciada;
2) Dois alvos dos tradutores:
a) Reter o conteúdo básico da mensagem;
b) Colocar a mensagem de uma nova forma, que fale a linguagem do ouvinte;
3) Os tradutores defendem que o homem não é a medida do que é a verdade. Para
eles a mensagem deve confrontar a mente contemporânea e não simplesmente
acomodar-se a ela.
4) Os tradutores devem distinguir cuidadosamente a mensagem da interpretação e
da tradição que cresceu ao redor dela;
5) Os tradutores enfrentam dificuldades na contemporização da mensagem bíblica:
a) A revelação bíblica é destinada a situações particulares;
b) A Bíblia não trata claramente de questões relacionadas com certas doutri-
nas – trindade;
c) A necessidade de relacionar a revelação bíblica ao nosso entendimento atu-
al mais completo da revelação geral – biologia, antropologia, psicologia,
sociologia, etc.;
d) Algumas verdades bíblicas estão expressas de modo que não são significan-
tes à pessoas vivendo hoje – ambiente pastoril;
6) Devemos observar dois passos se queremos preservar o conteúdo essencial, mas
dar uma apresentação contemporânea dos ensinamentos bíblicos:
a) Devemos determinar que o significado em seu contexto original e então di-
zer o que significa hoje;
b) Precisamos também encontrar o significado essencial subjacente em toda
expressão particular dos ensinamentos bíblicos – “Deus está assentado num
alto e sublime trono”;
Critério de permanência
Profº Jacob Moura

A tarefa crucial da teologia será identificar as verdades atemporais, a essências das doutri-
nas e separar-las da forma temporal nas quais elas foram expressas, de modo que uma nova
forma possa ser criada – mas como localizar esta essência?
Serão apresentados, a seguir, alguns critérios pelos quais os fatores permanentes ou a es-
sência da doutrina possam ser identificados.
Profº Jacob Moura

1. Constância através das culturas.


Se há uma constância do ensinamento bíblico através dos vários contextos, podemos es-
tá diante de uma constante cultural ou essência da doutrina. Um exemplo disto é o con-
ceito de expiação através de sacrifício.
2. Aplicação universal.
Ensinamentos que são enfatizados num contexto universal. Um exemplo é o batismo
(Mt 28:18-20).
3. Um fator reconhecidamente permanente como base.
Um ensino particular baseado num fator reconhecidamente permanente pode, ele mes-
mo, ser permanente. Exemplo: Jesus baseou seu ensino acerca da permanência do casa-
mento no fato que Deus criou a humanidade como macho e fêmea e declarou que eles
eram um (Mt 19:4-6; cf. Gn 2:24).
4. Ligação indissolúvel com uma experiência considerada essencial.
Paulo assevera que a experiência é dependente da ressurreição de Cristo (1Cor 15:17) –
se a nossa experiência da ressurreição é real e permanente, a ressurreição de Cristo deve
ser factual, permanente e universal. Portanto, se nossa experiência prova ser real e per-
manente, podemos ter certeza que a doutrina bíblica da qual ela depende é também
permanente.
5. Posição final dentro da revelação progressiva.
Se nós entendemos que Deus operou num processo de realização redentiva para o ho-
mem, revelando-se a si mesmo e seu plano gradualmente, consideraremos os desenvol-
vimentos posteriores mais importantes que os anteriores. Deste modo, se há algum ele-
mento de absoluto numa situação, podemos concluir que o último caso expressa a es-
sência da doutrina da qual a ocorrência primitiva participou de forma antecipatória. Um
exemplo disto é o sistema sacrificial do Antigo Testamento.
Profº Jacob Moura

SEGUNDA PARTE: BIBLIOLOGIA

A REVELAÇÃO DE DEUS
Definição de revelação
Revelação é a auto-manifestação de Deus ao homem com o propósito de relacionar-se
com ele. A palavra hebraica usada para falar da revelação de Deus ao homem é gala, a qual
vem de uma raiz que significa “nudez” (cf. Is 53:1; 2Sm 7:27). O equivalente grego é
apokalyptô, que por sua vez significa “revelar” ou “desvendar” algo que antes estava oculto.

A necessidade de revelação
Se existe um ser tão sábio, ordeiro e perfeito no universo, como toda a realidade parece
demonstrar, e se este ser foi o originador de toda a realidade, é de se esperar que tal Ser se re-
vele aos seres inteligentes que criou. Por outro lado a própria criatura é incapaz de, por si
mesma, estabelecer relações com um Ser que lhe é tão superior, se este não se fizer conheci-
do. Portanto, se pretendemos conhecer a Deus e relacionar-nos com Ele a Revelação é indis-
pensável, por dois motivos principais:

1. Porque somos criaturas.


Há uma diferença “ontológica”, ou seja, de Ser, entre o homem e Deus. O homem é fini-
to, Deus é infinito; o homem é limitado, Deus é ilimitado (cf. Is. 55:8-9). Deus e o homem
pertencem, portanto, a ordens de existência diferentes. Esta diferença no “Ser” envolve,
igualmente, uma distinção no conhecer (cf. 1Co. 2:11). Não podemos conhecer nada acerca de
Deus, a não ser que Ele mesmo condesça-se conosco e revele-se a si mesmo para nós.
Entretanto esta diferença não é absoluta, pois o homem foi criado a imagem e seme-
lhança de Deus (cf. Gn 1:28). Como Deus, temos capacidade de pensar, decidir, comunicar-
nos e relacionar-nos com outros seres que nos são semelhantes. Esta semelhança, portanto,
torna possível a comunicação e o inter-relacionamento entre a divindade e a humanidade.

2. Porque somos pecadores.


Além da diferença “ontológica”, dificultando a interação entre o homem e Deus, há
também a barreira imposta pelo pecado. A queda afetou negativamente o nosso ser, tornando-
nos cegos e ignorantes acerca das coisas relativas a Deus (cf. Rom 1:18; 3:10ss; 1Co 1: 21;
2Co 4:4; Ef 2:1; 4:18), além de estabelecer uma barreira de inimizade entre a criatura e o cri-
ador (cf. Rom 5:10; Cl 1:21).

A revelação geral de Deus


Há basicamente dois tipos de revelação, classificadas de acordo com sua abrangência e
eficácia – a Revelação Geral e a Revelação Especial.

1. Definição de revelação geral.


Revelação geral é a auto manifestação de Deus disponível a todas as pessoas, em todos
os lugares e em qualquer tempo. A revelação geral é universal em sua disponibilidade e geral
em seu conteúdo, ou seja, não se apresenta tão detalhada quanto a revelação especial.

2. Formas da Revelação Geral.


A revelação geral é disponível ao homem através de vários meios, porém, para efeito
didático, classificaremos em três categorias:
1) Na criação. Deus se revela ao homem através da natureza e de toda beleza, ordem e
harmonia das coisas criadas (cf. Sl.19; Rom 1: 18-32). Portanto, o homem pode olhar
Profº Jacob Moura

para toda a ordem e harmonia presente na natureza e intuir a existência de um Ser su-
premo que deu origem a tudo. Observando as características apresentadas pela criação,
o homem pode até chegar ao conhecimento dos atributos básicos que compõe este Ser.
2) Na consciência humana. Deus também se revela dentro da própria estrutura e natureza
humana, através do senso do certo e errado que Ele imprimiu dentro do ser humano.
Este senso é geralmente denominado de “consciência” (cf. Rom 2:14-15). Este código
ético básico que Deus imprimiu em nossa consciência nos capacita a saber o que é certo
e o que é errado. Ele é uma revelação básica da lei e da vontade de Deus a nós.
3) Na providência. A preservação das pessoas em vida, através do envio de chuvas e esta-
ções regulares é outro meio pelo qual Deus revela-se ao homem de modo geral (cf.
Atos 17:26-27). Nesta categoria incluem-se tanto as ações ditas naturais – providência
– de Deus quanto aquelas sobrenaturais – os milagres.

3. Características da revelação geral.


1) A revelação geral é Dinâmica. Isto significa que à medida que o homem a rejeita, ela se
torna cada vez mais inacessível a Ele. Não é que ela deixe de existir, ela continua ali,
mas por causa de seu endurecimento o homem não consegue percebe-la mais (cf. Rom
1:18-32). Seu coração vai se tornando cada vez mais endurecido à revelação de Deus. É
de se esperar, entretanto, que o contrário também seja verdadeiro, ou seja, á medida que
o homem permita que esta revelação atue em seu coração, Deus fornece-lhe mais luz
na forma de maior oportunidade.
2) A revelação geral é limitada. Apesar de haver a possibilidade teórica do homem ser
salvo através da revelação geral, porém isto é realmente improvável de acontecer. O
único meio possível de salvação para o homem é a fé no sacrifício expiatório do Senhor
Jesus Cristo. Portanto, a Revelação Geral não apresenta o conteúdo suficiente para que
tal salvação seja plenamente efetivada. O que normalmente acontece é que o homem,
ao observá-la, percebe a existência de um Ser Supremo, porém, não se humilha para
procurar conhecer este Ser, passando a fabricar o seu próprio Deus, seguindo seu pró-
prio raciocínio e preferência (cf. Rom 1:18-32).

4. Funções da revelação geral.


1) Ela dá estabilidade à sociedade. Deus usa o senso de certo e errado dentro do homem
para frear o mal dentro da sociedade. Mesmo sociedades pagãs, possuem leis que pu-
nem a maldade e galardoam a bondade. Além da lei formalmente escrita, há também
os padrões informais estabelecidos pela sociedade e que exige dos que dela participam
que vivam de acordo com estes padrões.
2) Ela torna o homem indesculpável. Deus não se deixou sem testemunho para o homem.
Toda pessoa tem acesso à revelação geral de Deus. Quando o homem rejeita esta reve-
lação, torna-se indesculpável (cf. Rom 1:20; 3:4) e portanto passível do juízo condena-
tório de Deus. Devemos compreender que o homem é condenado por Seus pecados e
não por rejeitar a revelação especial de Deus em Cristo. Mesmo que esta não lhe seja
disponível, ele já se encontra eternamente perdido.

A revelação especial de Deus


1. Definição de revelação especial.
Revelação especial é a auto-manifestação de Deus para pessoas particulares em local e
tempo definido, a qual é acessível ao homem hoje através das Sagradas Escrituras. Portanto,
através da Revelação Especial Deus comunica-se direta e especificamente com o homem, re-
velando-lhe Seu caráter e obras. Esta revelação tem, portanto, propósito salvífico.
Profº Jacob Moura
Profº Jacob Moura

2. O propósito da revelação especial


O propósito de Deus ter se revelado de modo Especial ao homem, é relacional. Ou seja,
a finalidade básica das Escrituras Sagradas não é primariamente fornecer informações ou sa-
tisfazer a curiosidade humana, mas sim reatar o relacionamento entre Deus e o homem que fo-
ra quebrado na queda. Detalhes biográficos são geralmente omitidos, pois são irrelevantes ao
propósito de Deus para o homem.

3. A natureza da revelação especial


1) A revelação especial é pessoal. Isto significa que a Bíblia não é primariamente um li-
vro biográfico, nem tão pouco um manual doutrinário, mas sim uma carta altamente
pessoal de Deus aos homens. Nesta carta Deus revela-se como uma pessoa (possui um
nome – Ex 3:14) a fim de entrar em um relacionamento pessoal com outros seres pes-
soais. Mesmo quando conta histórias, estas histórias enfatizam o relacionamento de
seus personagens com Deus e não os eventos narrados, em si. Portanto, as Escrituras
Sagradas aproximam-se mais de uma carta de amor que de um tratado técnico.
2) A revelação especial é antrópica. Por ser Deus transcendente, infinito e ilimitado, sendo
o homem finito e mortal, Ele precisou condescender-se ao nível humano. Portanto, a
linguagem, categorias de pensamentos e ações estão expressas nesta revelação de forma
humana, a fim de que o homem possa entendê-las adequadamente.
3) A revelação especial é analógica. As verdades acerca de Deus são infinitas, enquanto
que as formas de pensamentos e conceitos humanos são finitos. Porém, conhecendo
ambas, Deus escolheu aquelas verdades dentro do campo do conhecimento humano que
podem servir para expressar a realidade divina correspondente. Ou seja, Deus usa uma
realidade humana para revelar uma realidade divina semelhante. A realidade humana,
portanto, não expressa a realidade divina exaustivamente, mas apenas parcialmente.
4) A revelação especial é proposicional. Isto significa que Deus se revela de modo espe-
cial ao homem através de declarações de verdades objetivas. Estas verdades são apre-
sentadas nas Escrituras Sagradas em proposições organizadas de modo racional e lógi-
co à mente humana.
5) A revelação especial é progressiva. Ao revelar-se de modo especial nas Escrituras,
Deus não o fez de uma única vez. Ao longo de aproximadamente 1.600 anos (período
de composição da Bíblia) sua revelação ao homem foi suplementada e completada pau-
latinamente, até alcançar o seu estado final.
6) A revelação especial é final. Significa que a revelação de Deus nas Escrituras Sagradas
não carece de complemento. Tudo que Deus queria dizer ao homem, no que respeita a
Sua própria vontade e à salvação do homem está expressa nas Escrituras Sagradas, não
admitindo outra revelação que a complete ou suplante.

4. Os Modos da Revelação Especial.


1) Deus revelou-se através de sonhos e visões (cf. Nm 12:6). Este foi o método que Deus
usou para revelar-se aos seus profetas – Daniel.
2) Deus revelou-se através de Palavra direta aos Homens. São palavras diretas e audivel-
mente dirigidas aos homens (cf. Nm 12:7-8; Ex 16:10; Nm 16:19). Israel também ou-
viu a voz de Deus no Sinai (Ex 20:1-17; cf. vv. 18-23).
3) Deus revelou-se através de Teofanias. Ou seja, aparições do próprio Deus aos homens
(cf. Ex 40:34; Gn 18:1ss; Jz 13:3, etc.).
4) Deus revelou-se através da encarnação de Cristo. Jesus Cristo foi o ápice da revelação
de Deus aos homens (Jo 1:1ss; Hb 1:1,2).
5) Deus revelou-se através de palavras através dos homens (Jr 36; 13:3; Ex 20:18-23, etc.).
Profº Jacob Moura

6) Deus revelou-se através das Escrituras (cf. Ex 31:18; Dt 28:58; 31:24, etc.).
A GENUINIDADE DAS ESCRITURAS

Introdução
Há uma idéia corrente a respeito da Bíblia, expressa por pessoas comuns, inclusive cató-
licas, de que “papel cabe tudo”. O que está por trás deste dito é que a Bíblia é um livro como
outro qualquer, produzida pela imaginação e engenhosidade de homens, sujeita aos mesmos
problemas e erros como todos os outros livros. Diante de pessoas que sustentem esta posição
é inútil lançarmos mão de textos bíblicos para comprovarmos o que estamos dizendo. Nossos
argumentos escriturísticos não farão qualquer sentido para elas, pois têm como pressuposto
que a Bíblia é um livro comum. Diante de pessoas que mantenham esta visão, precisamos
primeiramente demonstrar a genuinidade e a sobrenaturalidade da Bíblia. Precisamos esfor-
çar-nos para comprovar-lhes que a Bíblia é um livro singular, possuindo as credenciais do que
afirma ser, a Palavra de Deus e, portanto, a autoridade de suas afirmações.
Mesmo avaliado pelos padrões literários humanos, nenhum livro sagrado ou secular
apresenta as credenciais que a Bíblia. Ela mantém-se diante de qualquer teste crítico honesto e
imparcial a que seja submetida.

A coerência das Escrituras


A Bíblia foi escrita num período de aproximadamente 1.600 anos, compreendendo 40
gerações. O primeiro livro a ser escrito – Gênesis, remonta ao ano 1450 a.C., enquanto o últi-
mo saiu da pena do escritor, por volta de 100 d.C. Ela foi escrita por cerca de 40 autores dife-
rentes, com nível cultural, social e econômico diferentes e envolvidos nas mais diversas cir-
cunstâncias. Alguns tinham a educação digna de um rei, outros eram rudes pescadores, semi-
analfabetos; uns eram rabis, outros eram copeiros; Salomão era um poeta, Lucas um médico.
Alguns escreveram enquanto estavam alegres, outros extremamente deprimidos; uns gozando
perene paz, enquanto outros convivendo com o rigor da guerra. Moisés escreveu atravessando
o deserto, Daniel, num palácio; Lucas enquanto viajava, João estando aprisionado na ilha de
Patmos. Além disto, a Bíblia foi composta em três continentes diferentes – África, Europa e
Ásia e escrita em três idiomas – hebraico, aramaico e grego.
Porém, a despeito de toda esta diversidade e levando em conta que a maioria dos autores
bíblicos nunca se conheceram e tratando de centenas de temas controversos, não encontramos
qualquer contradição real nas Escrituras Sagradas. Mesmo que tenham sido feitos esforços gi-
gantescos neste sentido e pelas pessoas mais bem qualificadas possível, tudo que se conseguiu
comprovar até hoje é a incrível coerência dos assuntos tratados na Bíblia. Isto, em si, já é um
milagre, pois a experiência demonstra que se colocarmos 40 autores independentes tratando
de temas controversos, mesmo unidos cultural, lingüistica e socialmente, suas posições serão
bem diversificadas, sendo impossível não haver contradição entre suas conclusões.

A unidade das Escrituras


Mesmo tendo sido escrita por pessoas envolvidas nas mais variadas condições e cir-
cunstâncias e com nível social, cultural e econômico bem diversificado, a Bíblia não é uma
miscelânea de idéias, soltas e sem relação entre si. Pelo contrário, observamos nela a existên-
cia de um plano definido, desde o primeiro livro até o último – o plano redentor de Deus ao
homem pecador, através de Cristo. Já no primeiro livro, após a queda do homem, o messias é
prometido (Gn 3:15); na lei mosaica, ele é tipificado através das várias analogias – o cordeiro,
o tabernáculo, etc.; nos profetas ele é reafirmado; nos Evangelhos é apresentado, trazendo o
cumprimento das profecias a seu respeito; nas Epístolas o Messias é interpretado e no Apoca-
lipse ele é exaltado à sua verdadeira posição. A admirável unidade e fluxo que caracteriza a
Profº Jacob Moura

Bíblia demonstram que não foi produto de meras opiniões humanas, mas sim se uma mente
Todo-Sábia – a mente do próprio Deus.

A indestrutibilidade das Escrituras


1. A Bíblia sobreviveu ao tempo.
Como todos os demais livros de sua época, a Bíblia foi escrita em materiais perecíveis,
os quais estavam sujeitos à corrosão e decomposição impostas pelo tempo e pelo próprio uso.
Foram utilizados vários materiais para escrevê-la como pedra, argila, papiro, pergaminho, ve-
lino, etc., todos sujeitos às intempéries impostas pela natureza.
Observamos, porém, que diferente de muitos escritos de sua época, os quais desaparece-
ram total ou parcialmente com o tempo – a despeito de sua importância para a humanidade – a
Bíblia sobreviveu, graças ao trabalho de copistas íntegros e cautelosos, que tiveram o escrúpu-
lo de contar cada palavra, frase, e letra do texto sagrado26, comparando-o com sua cópia, a fim
de garantir sua fidelidade ao texto original. Nenhum livro recebeu tamanha atenção e foi tra-
tado com igual cuidado como a Bíblia Sagrada. Este cuidado garante-nos que cada letra, pa-
lavra e frase que lemos hoje correspondem substancialmente ao texto original.

2. A Bíblia sobreviveu à perseguição.


Nenhum livro foi mais perseguido que a Bíblia Sagrada. Desde os dias do rei Jeoaquim
(Jr. 36:20ss), até os domínios católicos romanos da idade média, a Bíblia tem sido proibida,
queimada, ilegalizada e odiada. Ainda hoje, em países dominados por regimes totalitários, ela
é odiada e implacavelmente caçada. O que mais surpreende é que ao longo dos anos a Bíblia
foi perseguida não somente pelos inimigos da fé Cristã, mas também por aqueles que se dizi-
am seus guardiões. Na idade média ela listava como livro proibido ao público e era duramente
perseguida pelo catolicismo romano. Porém, a despeito disto a Bíblia continua mais viva que
nunca prefigurando entre os livros mais vendidos e lidos do mundo.

3. A Bíblia sobreviveu às críticas.


Muitos dedicaram toda uma vida no intento de provar que as afirmações feitas pela Bí-
blia eram falsas. Incrédulos e cépticos têm desferido golpes implacáveis contra a sua integri-
dade. McDowell apropriadamente afirma: “Nenhum outro livro tem sido tão atacado, retalha-
do, vasculhado, examinado e difamado”27 e pelas pessoas mais cultas e eruditas. No entanto,
milênios se passaram, todos os inimigos da Bíblia pereceram, seus críticos desapareceram no
tempo, mas ela permanece até hoje como uma rocha, resistindo aos mais bárbaros ataques e
comprovando-se em última análise verdadeira em suas declarações.
Hoje, milênios depois, ela é o livro mais conhecido, vendido e amado do mundo. Suas
traduções estão em milhares de línguas e sua influência estende-se do inculto camponês ao
mais bem sucedido executivo. Se a Bíblia fosse apenas um livro humano, há muito teria desa-
parecido da história, e hoje, talvez, não restasse nenhuma lembrança de sua remota existência.
Porém, sua resistência tanto aos ataques do tempo, quanto de seus piores inimigos e críticos
demonstra que a mão de Deus tem agido, preservando da destruição a Sua Divina Palavra.

A sobrenaturalidade das Escrituras


Logicamente, a Bíblia não é o único livro religioso que reivindica origem sobrenatural,
vários outros o fazem. Na verdade todas as grandes religiões têm seus próprios livros sagra-
dos, aos quais atribuem origem divina. Porém, honestamente analisados, nenhum se equipara

26
Os escribas utilizaram vários outros recursos como determinar a letra que se encontrava no meio
do texto a fim de diminuir ao máximo a probabilidade de erros no processo de cópia. Todas estas
informações eram registradas no texto a fim de que escribas posteriores pudessem conferi-las.
27
Josh McDowell, Evidência que Exige um Veredito, p. 26.
Profº Jacob Moura

ao Antigo e Novo Testamentos no que diz respeito às profecias preditas e cumpridas no tempo
e espaço. Entretanto, cumprimento profético também é reivindicado por outros livros. Porém,
o que diferencia a Bíblia destes é a especificidade de suas predições e a exatidão de seu cum-
primento, demonstrando de modo inequívoco sua sobrenaturalidade.
1. Profecias acerca de cidades.
A Bíblia apresenta profecias acerca da destruição de cidades importantes, contendo de-
talhes específicos de como aconteceria. O mais surpreendente é que estas profecias foram da-
das no auge do domínio político e militar destas cidades. Isto aconteceu, por exemplo, com
Tiro, Sidom, Nínive e Babilônia. No caso da cidade de Tiro, o profeta Ezequiel (Ez. 26), pre-
disse, por volta do ano 592-570 a.C., que o rei Nabucodonosor a destruiria (v. 8), muitas na-
ções viriam contra ela (v. 3), seria lançada ao mar (v. 12), ficando como uma penha careca (v.
4), os pescadores estenderiam as redes no local (v. 5) e jamais voltaria a ser reconstruída (v.
14). O cumprimento da profecia veio depois de três anos da profecia dada, quando Nabuco-
donosor, depois de um cerco de treze anos (585-570 a.C.), conseguiu tomá-la. Porém, ao en-
trar na cidade ela estava praticamente vazia, pois seus moradores haviam mudado-se para uma
ilha à cerca de oitocentos metros da costa. O restante do cumprimento veio depois do ano 333
a.C., quando, para tomar a nova Tiro, Alexandre, o Grande, construiu uma ponte de aterro uti-
lizando os escombros da antiga cidade. O local ficou tão limpo e careca que os pescadores até
hoje estendem ali suas redes de pesca.

2. Profecias acerca do povo judeu.


Na Bíblia também encontramos profecias e promessas específicas acerca do povo judeu
e de sua terra. A promessa da possessão da terra de Canaã, dada cerca de quinhentos anos an-
tes de seu cumprimento (cf. Gn 13:14-17); o exílio, anunciado ainda enquanto Israel vagava
pelo deserto (Dt 32:22-26); o retorno do exílio também foi anunciado antes que o próprio exí-
lio acontecesse (Is 49:8-26; Jr 30); a reunião das tribos divididas também foi profetizado (Ez
37:15-28), além de outras profecias que ainda aguardam cumprimento (Ez 43-48). Um dos
mais surpreendentes cumprimentos deram-se no ano 1946 com o estabelecimento do Estado
de Israel28, o qual hoje representa uma grande potência mundial.

3. Profecias acerca da salvação dos gentios.


Mesmo vivendo numa cultura extremamente nacionalista e até fazendo parte de uma re-
ligião fortemente exclusivista, os profetas do Antigo Testamento anunciaram um tempo em
que a salvação providenciada por Deus atingiria os povos gentios (cf. Is 9:1; 49:1-7; 56:1-8).
A despeito de todo o preconceito dos judeus em relação aos gentios, esta universalização do
Senhorio do Javé, perpassa todas as páginas do Antigo Testamento. Porém, mesmo antes dos
profetas, esta universalização da mensagem divina já havia sido anunciada ao patriarca Abra-
ão (Gn 12:1-3). É digno de nota que o cumprimento desta profecia aconteceu, a despeito de
toda suspeita e escrúpulo dos judeus (cf. Jo 1:11,12; Rm 11:11-24).

4. Profecias acerca do Messias Prometido.


Ainda outro grupo de profecias cumpridas que merece ser mencionado aqui é aquele a
respeito do Messias prometido e aguardado pelo povo judeu. O que surpreende nestas profe-
cias é que são apresentadas de forma detalhada e específica, não deixando qualquer margem
para dúbia interpretação29. A Bíblia especifica a origem tribal do Messias (Gn 49:10; Mq 5:2;
cf. Lc 3:23,33), sua família (Is 11:1; cf. Lc 3:23,33), o local de seu nascimento (Mq. 5:2; cf.
Mt 2:1), seu ministério (Is 35:5; cf. Mt 9:35), estilo de pregação (Sl 78:2; cf. Mt 13:34), cir-

28
Falar da formação de um Estado Judeu antes da Segunda Guerra Mundial era algo absurdo e
completamente improvável. Porém, os eventos ali ocorridos tornaram-no necessários.
29
Deve ser notado que muitas das predições feitas por Nostradamus e outros ditos profetas são tão
gerais que são passíveis de interpretações dúbias e múltiplas.
Profº Jacob Moura

cunstancias de sua morte (Sl 41:9; cf. Mt 10:4; Zc 11:12; cf. Mt 26:15; Sl 22:16; cf. Lc 23:33;
Is 53:12; cf. Mt 27:38; Sl 22:18; cf. Jo 19:23,24; Sl 34:20; cf. Jo 19:33), sua ressurreição (Sl
16:10; cf. At 2:31) e várias outras circunstâncias acerca de sua vida e ministério30.
A confirmação arqueológica das Escrituras
Diversas dúvidas foram lançadas a respeito da existência de lugares, cidades, povos e
costumes que a Bíblia retrata. Porém, desde a década de 1920, a Bíblia tem sido constante-
mente vindicada pelas descobertas da Arqueologia. Exemplos notáveis disto são: as revela-
ções a respeito da veracidade da conquista de Canaã na data indicada pela Bíblia; não somen-
te a constatação de que – conforme indicado pela Bíblia – existiu um povo chamado Hitita,
mas que este representou uma poderosa potência da antigüidade.
Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento têm sido vindicados por estas descobertas.
Havia uma questão acerca da aparente contradição entre os Evangelistas Marcos (Mc 10:46) e
Lucas (Lc 18:35), pois um afirma que Jesus estava saindo e o outro que estava chegando em
Jericó quando curou o cego Bartimeu. Descobertas arqueológicas constataram a existência de
duas cidades com o nome Jericó – a antiga e a Nova – próximas uma da outra. Portanto o Se-
nhor Jesus estava saindo de uma e chegando na outra.
Até hoje, nenhuma descoberta séria da Arqueologia contradisse qualquer declaração das
Escrituras Sagradas, pelo contrário, tem-lhe sido uma fiel aliada, e mesmo quando o intuito é
comprovar sua falsidade, as pesquisas acabam por reforçar sua veracidade.

A confirmação bibliográfica das Escrituras


Além das evidências acima apresentadas acerca da autenticidade da Bíblia, adiciona-se
a isto a sua superioridade em relação a todos os outros livros antigos no que respeita aos testes
bibliográficos que lhe são aplicados. Caso se rejeite a Bíblia como um registro histórico au-
têntico, pelo mesmo critério, se terá que relegar toda a literatura clássica a completa espurie-
dade, ficando a história humana na completa obscuridade.

1. O teste da quantidade de manuscritos.


No que respeita ao número de cópias sobreviventes, a Bíblia tem mais de 5.300 manus-
critos gregos, 10.000 manuscritos da Vulgata Latina e mais ou menos 9.300 outras versões
antigas, somando ao todo um total de cerca de 24.000 cópias antigas e porções do Novo Tes-
tamento. O outro livro antigo que mais se aproxima disto – a Ilíada de Homero – tem apenas
643 manuscritos sobreviventes.

2. O teste do intervalo entre a obra e a sua cópia mais antiga.


O teste do intervalo compreendido entre a composição da obra e os manuscritos mais
antigos é importante, pois determina o grau de confiabilidade do texto atual. No que respeita a
este teste é também o Novo Testamento que apresenta um espaço mais curto em relação qual-
quer outro livro antigo.
O intervalo compreendido entre o original e a cópia mais antiga da Ilíada é de 500 anos,
no caso do Novo Testamento esta diferença é de apenas 250 a 300 anos, havendo fragmentos,
cuja diferença do original é de apenas 25 anos.
Se compararmos a Bíblia com outras obras famosas da antigüidade, a diferença é ainda
mais significativa. No caso das obras de Sófocles é de 1.400 anos, as de Tácito são de 800
anos, as de Tucides, ultrapassam 1.300 anos e no caso das obras de César, a diferença é de
cerca de 900 anos.

30
Em seu livro Evidências que Exige um Veredito, pp. 185-212, Josh MacDowell alista 61 profecias
específicas e seus cumprimentos acerca da vida e ministério do Messias.
Profº Jacob Moura

3. O teste das variantes textuais.


Com a grande quantidade de manuscritos, de vários níveis, que o Novo Testamento
apresenta, seria de se esperar que suas variantes textuais31 também fossem em grande quanti-
dade, contudo isto não ocorre. O texto do Novo Testamento tem um total de 20.000 linhas,
destas, apenas 40 apresenta dúvida a respeito do texto correto. No caso da Ilíada, que consta
apenas de 15.600 linhas, são questionadas cerca de 764 linhas. O Mahabharata tem em torno
de 250.000 linhas, destas 26.000 são prováveis corrupções, ou seja, mais de dez por cento do
texto. No caso do Novo Testamento, devemos notar, entretanto, que destas 40 linhas, 95 %
não se constitui nenhuma diferença séria quanto ao sentido do texto, sendo apenas colocações
de artigos, preposições e outros de menor importância. Todo o Novo Testamento apresenta
150.000 leituras variantes, destas, apenas 400 afeta diretamente o sentido do texto sagrado e
somente 50 são dúvidas mais sérias, entretanto, nenhuma afeta diretamente qualquer doutrina
importante da fé cristã.
A respeito do texto do Antigo Testamento, as revelações feitas pelos rolos que foram
escondidos em cavernas pela antiga comunidade de Qumran, nas imediações do Mar Morto,
revelam sua autenticidade. Por exemplo, comparando um texto de Isaías do VIII século – da-
ta da maioria dos textos que dispúnhamos do Antigo Testamento – com um rolo de Qumran,
de cerca do século I, surpreendemo-nos em tomar conhecimento que mais de 95 % dos textos
combinam palavra por palavra. Os 5% são erros óbvios de cópias.

A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS


A definição de inspiração
Inspiração “é o ato sobrenatural de Deus através do qual Ele garantiu e preservou de er-
ros a Sua revelação nas Sagradas Escrituras, de modo que aquilo que foi escrito, é nada mais
nada menos do que o que Ele queria que fosse escrito”.32 A palavra grega theopneutos, usada
apenas por Paulo33 em 2Tm 3:16, é formada pela junção de duas outras palavras, Pneutos (so-
pro) e Theos (Deus). Significando, literalmente, “sopro de Deus” ou “soprado por Deus”. O
conceito também é expresso pelo apóstolo Pedro em 2Pedro 1:20-21. Ele declara que nenhu-
ma parte da Escritura foi produzida (epiluseos) por uma ação de iniciativa humana, mas que
“homens santos” foram movidos por Deus para falar o que ele queria. A palavra “movidos”
(pheromene) era usada para falar de um navio sendo levado pelo vento.34
Portanto, inspiração quer dizer que Deus sobrenaturalmente usou homens para dar a
forma escrita a sua revelação aos homens, porém, isto foi feito de modo que, mesmo respei-
tando os estilos e vocabulários de cada escritor, porém, cada palavra que eles escreveram foi
exatamente a que Deus queria que fosse escrita.
A inspiração repousa na própria pessoa e caráter de Deus. Espera-se que um Deus sábio
e ordeiro registre seu propósito e vontade aos homens. Espera-se também que este registro
seja definitivo e coerente. Além disto, tal registro faz-se necessário, a fim de que Deus não
precise repetir Sua revelação a cada homem vez após vez.

31
Variante textual é a diferença apresentada no texto entre as diversas cópias. Por exemplo, numa
mesma passagem uma cópia pode apresentar uma palavra enquanto a outra cópia outra. Isto é
contado como variante textual.
32
Definição apresentada pelo Pr. Almir Marcolino Tavares, Anotações em Aula.
33
Porém, a palavra Theopneutos aparece quatro vezes na literatura grega pré-cristã e nos Oráculos
Sibilinos. Cf. KELLY, John N. D. I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário. São Paulo: Edi-
ções Vida Nova, 1983. (Série Cultura Bíblica) p. 187.
34
Cf. GREEN, Michael. II Pedro e Judas: introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova,
1983. (Série Cultura Bíblica). p. 87.
Profº Jacob Moura

As teorias de inspiração das Escrituras


Embora a maioria dos cristãos concorde que a Bíblia é divinamente inspirada, entretan-
to, há muita divergência acerca de qual é exatamente a natureza desta inspiração. Ou seja,
qual foi a intensidade da influência exercida por Deus sobre os instrumentos humanos?
Profº Jacob Moura

1. A teoria da intuição.
Este ponto de vista, defendido especialmente pelos Liberais, afirma que os autores bí-
blicos escreveram movidos apenas pela intuição religiosa superior que possuíam. Esta intui-
ção foi dada a eles por Deus de modo permanente. Da mesma forma como outros tiveram uma
inclinação natural para matemática, filosofia, e outras Ciências, os judeus tiveram-na para re-
ligião. Portanto, a Bíblia é uma grande literatura religiosa, refletindo as experiências espiritu-
ais do povo Hebreu.

2. A teoria da iluminação.
Mantém que o Espírito Santo exerceu uma influência positiva sobre os autores durante o
ato de escrever. Porém, esta influência apenas aumentou suas próprias capacidades e consci-
ências acerca das verdades religiosas. A natureza desta influência é semelhante a de um mes-
tre que orienta seu aluno e o deixa a vontade para escrever suas próprias percepções e conclu-
sões acerca da matéria. Não houve, portanto, nenhuma comunicação direta e verbalizada de
verdades eternas da parte de Deus aos homens.

3. A teoria dinâmica.
Esta teoria enfatiza a combinação dos elementos divino e humano no processo da inspi-
ração. Segundo este ponto de vista, o Espírito Santo esteve dirigindo o escritor às verdades ou
conceitos que ele deveria escrever, dando-lhe porém liberdade na escolha das palavras, no es-
tilo adotado e na forma de expressar estas verdades.

4. A teoria verbal.
De acordo com esta teoria, a influência do Espírito Santo sobre o escritor foi além de
simplesmente imprimir em sua mente os conceito e idéias, indo à escolha das próprias pala-
vras. Ou seja, cada palavra que o escritor das Escrituras usou era exatamente a que Deus que-
ria que fosse empregada para expressar o conceito que Ele queria que fosse revelado.

5. A Teoria do Ditado.
Sustenta que Deus realmente ditou a Bíblia aos escritores. Segundo este ponto de vista,
os escritores da Bíblia não tiveram liberdade para expressar estilos e formas individuais de
pensamentos. Esta posição pressupõe que a forma e o estilo usado em toda a Bíblia é basica-
mente o mesmo.

Os elementos importantes da inspiração das Escrituras


1. A Inspiração é verbal.
Cada vocábulo usado no texto Sagrado é exatamente o que Deus queria que fosse es-
crito. Os escritores do Novo Testamento, ao utilizaram o Antigo Testamento, consideraram
cada palavra, sílaba e pontuação do texto como significante. Por exemplo, em João 10:35, o
Senhor Jesus defendeu sua divindade tomando por base o uso do plural em Salmo 82:6. Em
Mateus 22:32, ele fez uso do tempo presente em Êxodo 3:6, argumentando pela realidade da
ressurreição. Em Gálatas 3:16 Paulo faz uso do singular empregado em Gênesis 12:7 para ar-
gumentar que Cristo é o descendente prometido.
Portanto, mesmo respeitando a personalidade, o estilo e formas de pensamento de cada
escritor, Deus garantiu que cada palavra, frase, tempo verbal e forma gramatical empregados
fosse aquele que Ele queria, a fim de expressar exatamente o conceito que Ele pretendia
transmitir-nos.

2. A Inspiração é Plenária.
Isto significa que, não somente algumas partes ou porções das Escritoras são divina-
mente inspiradas, mas toda ela – de Gênesis a Apocalipses – e cada uma de suas partes (cf.
Profº Jacob Moura

2Tm 3:16; 2Pd 1:19-21; Jo 10:34-35). Toda a Bíblia é igualmente inspirada, não havendo,
portanto, nenhuma parte mais ou menos inspirada que outras.
A inspiração do Antigo Testamento
Tanto judeus quanto Cristãos, sempre aceitaram a inspiração divina dos trinta e nove li-
vros que compõem o Antigo Testamento. Há grande número de evidências de que o Antigo
Testamento foi sobrenaturalmente inspirado por Deus.

1. O testemunho do próprio Antigo Testamento.


Os autores do Antigo Testamento, ao escreverem, tinham consciência de que estavam
falando e escrevendo em nome de Deus. Uma evidência notável deste fato é o uso freqüente
da expressão “Disse o Senhor a…” e “assim diz o Senhor”. A primeira é encontrada 560 ve-
zes no Pentateuco, 300 vezes nos livros poéticos, 20 vezes em Isaías, 60 vezes em Ezequiel,
100 vezes em Jeremias, etc. Os escritores do Antigo Testamento tiveram a consciência de que
falavam e escreviam em nome de Deus (cf. 2Sm 23:1,2; Jr 36).

2. O Testemunho de Jesus Acerca do Antigo Testamento.


1) Jesus citou o AT como autoritativo (Mt 4:4; Mc 14:27);
2) Jesus referiu-se ao Antigo Testamento chamando-o de “Palavra de Deus” (Mc 7:11-13;
Jo 10:34ss);
3) Jesus reconheceu que o AT fora dado sob inspiração do Espírito Santo (Mc 12:36);
4) Jesus considerou cada parte do AT como autoritativa: a lei (Mt 4:4), os Livros Poéticos
(Mc 12:10ss) e os Profetas (Mc 7:6);
5) Jesus cria que as narrativas do AT eram reais: os patriarcas (Mt 22:32; Jo 8:56), a rai-
nha de Sabá e Salomão (Lc 11:31), Jonas (Lc 11:30), Abel (Mt 23:35), Noé e o dilúvio
(Lc 17:26ss), Ló e a destruição de Sodoma (Lc 17:28ss), etc.;
6) Jesus aceitou a ética do AT como normativa (Mt 5:17; 19:3-6; Mc 10:19) e denunciou
quem a violava (Mt 22:29ss; Lc 24:25; Jo 5:39; Mt 15:3);
7) Jesus justificou seus atos (Mt 12:3-5; 19:4ss; Jo 10:35; Lc 24:46) e determinou seu mi-
nistério (Mt 26:24, 53; Mc 8:31; Lc 22:37) recorrendo ao AT;

3. O testemunho de outros escritores do NT acerca do AT.


1) Paulo considerou “toda a Escritura” como “inspirada por Deus” (2Tm 3:16-17). Em
seu contexto, esta passagem certamente refere-se ao Antigo Testamento.
2) O apóstolo Pedro também é categórico em sua afirmação acerca da inspiração do Anti-
go Testamento (cf. 2Pd 1:19-21).

4. O testemunho da igreja primitiva.


A igreja primitiva, especialmente através da pregação dos seus primeiros líderes, con-
firmou a inspiração do Antigo Testamento. Isto foi feito, especialmente pela forma como cita-
ram-no. Ao faze-lo consideraram o Antigo Testamento tendo autoridade para determinar
crenças e regulamentar práticas (cf. At 1:16; 3:18, 21; 4:25)..

A inspiração do novo testamento


1. Pedro iguala os escritos de Paulo ao Antigo Testamento.
A evidência mais contundente que temos na afirmação da inspiração do Novo Testa-
mento, é a forma como seus autores viam seus próprios escritos e os escritos dos outros. Em
2 Pedro 3:16, por exemplo, o apóstolo Pedro encara os escritos de Paulo no mesmo nível das
Profº Jacob Moura

Escrituras do Antigo Testamento. De seu ponto de vista, deturpar aqueles escritos era tão sé-
rio quanto deturpar “as demais Escrituras”, referindo-se obviamente ao Antigo Testamento.
Profº Jacob Moura

2. João identificou seus escritos como Palavra de Deus.


Além disto, os escritores do Novo Testamento tiveram a mesma reação que os escritores
do Antigo Testamento, encarando seus próprios escritos, não como palavras de homens, mas
como Palavra de Deus. Um exemplo notável deste fato é encontrado nos escritos do apóstolo
João. Para ele a maneira de distinguir um falso mestre de um verdadeiro servo do Senhor es-
tava na forma como reagiam às suas próprias palavras e escritos (cf. 1Jo 4:6). Os escritos
apostólicos eram tidos em tanta autoridade que maldições foram proferidas àquele que lhe fi-
zesse qualquer acréscimo ou decréscimo (cf. Apc 22:18-19).

3. Paulo tinha consciência que seus ensinos eram de procedência divina.


O apóstolo Paulo, mais que qualquer outro escritor do Novo Testamento, imprimiu au-
toridade divina a seus ensinos escritos (2Ts 3:14). Ele tinha plena consciência que seus escri-
tos não eram meras considerações humana, mas expressavam a própria vontade e Palavra de
Deus (1Cor 7:40; 1Ts 1:5; 2:13).

A CANONICIDADE DAS ESCRITURAS


A definição de canonicidade
A palavra “cânon” (gr. Kanôn) significa regra ou padrão de medida. A palavra grega
kanôn provavelmente veio emprestada do hebraico kaneh, que significa junco ou vara de me-
dir. As vezes, a palavra referia-se a um padrão de medida.
Quando aplicado as Escrituras, cânon se refere a lista de livros divinamente inspirados e
reconhecidos pelo povo de Deus.

A canonicidade do Antigo Testamento


1. Há evidência de que no primeiro século havia uma coleção de livros reconhecidos
como sendo divinamente inspirados. Isto fica evidente pelo uso freqüente da expressão “Es-
critura” para referir-se aos livros autoritativos (cf. Mt 22:29; Jo 5:39; 10:35; 2Tm 3:16, etc.).

2. Jesus usou a expressão “a Lei de Moisés, os profetas e os Salmos” para referir-se aos
livros autoritativos (cf.; Lc 24:44,45). Esta era a divisão natural que o judeu fazia da Bíblia
hebraica.

3. Em Lucas 11:51 Jesus refere-se ao primeiro e último livro do “cânon” hebraico de-
monstrando que o aprovava. Na organização da Bíblia hebraica, o assassinato de Abel (Gên
4:8) e o de Zacarias (2Cr 24:20,21) figuravam, respectivamente, como o primeiro e o último
do Antigo Testamento35.

4. Em 70 d.C. um grupo de Rabis judeus reuniu-se na cidade de Jamna e definiu o câ-


non do Antigo Testamento. Os livros que eles reconheceram como sendo inspirados por Deus
correspondem aos mesmos 39 livros do Antigo Testamento, cuja inspiração também aceita-
mos hoje.
5. O Texto Massorético (TM), que era o texto padrão dos judeus, continha como inspi-
rados por Deus os mesmos livros que estão incluídos hoje em nossas Bíblias modernas.
O cânon hebraico foi universalmente aceito pele igreja cristã.36

35
De acordo com a organização da Bíblia Hebraica, II Crônicas figurava como o último livro.
36
A alteração no cânon do Antigo Testamento universalmente aceito pela igreja Cristã, ocorreu ape-
nas no concílio de Trento (1545), quando a Igreja Católica Romana acrescentou outros livros e par-
tes de livros, aceitando-os como inspirados e igualmente autoritativos. Porém, esta decisão foi
Profº Jacob Moura

A canonicidade do Novo Testamento


Na época apostólica a igreja não se preocupou com a definição de nenhuma coleção de
livros para o Novo Testamento. Eles contavam com um conjunto de tradições orais e os após-
tolos podiam dissipar qualquer dúvida que surgisse acerca dos ensinos transmitidos.
Porém, à medida que os apóstolos começaram a morrer, a igreja passou também a se
preocupar com a preparação de uma coleção de tradições escritas que representasse o ensino
de Jesus transmitido por meio dos apóstolos. A primeira lista dos livros tidos como sagrados
de que se tem notícia, foi o “Cânon Muratoriano” (c. 175 d.C.). A primeira lista completa dos
livros bíblicos foi composta pelo historiador eclesiástico Eusébio (que morreu por volta de
340 d.C.). Sua lista corresponde a mesma que aceitamos atualmente.
Com o surgimento do Cânon de Marcião37, preparado especialmente para apoiar sua
doutrina herética, tornou-se imperativo para a igreja definir oficialmente sua lista de livros di-
vinamente inspirados.
No Concílio de Cartago (397 d.C.) os vinte e sete livros que compõem o Novo Testa-
mento foram unanimemente reconhecidos como inspirados por Deus, tanto pelas igrejas do
ocidente quanto pelas do oriente38.

Os critérios de canonicidade
Ao definir o Cânon do Novo Testamento, a igreja usou alguns critérios para a inclusão
de um livro e o seu reconhecimento como inspirado por Deus.

1. Apostolicidade. O livro tinha que ser escrito por um apóstolo ou por alguém direta-
mente ligado a um deles.

2. Universalidade. O livro precisava já ter sido reconhecido por toda a comunidade


cristã como inspirado por Deus.

3. Coerência doutrinária. O livro em consideração não poderia apresentar contradição


consigo mesmo ou com a revelação já aceita pela igreja, especialmente com aqueles livros
que tiveram imediata aceitação na igreja, como foi o caso das epístolas paulinas.

4. Praticidade. Deveria que ser um livro comprovadamente útil para a edificação espi-
ritual da igreja.

Deve ser finalmente observado que nenhum concílio “determinou” quais eram os livros
inspirados por Deus. A igreja, apenas “reconheceu” aqueles livros que Deus havia inspirado e
o concílio apenas oficializou o que a igreja, como um todo, já havia reconhecido.

prontamente rejeitada pela ala evangélica do Cristianismo que continua reconhecendo como inspi-
rados por Deus apenas os livros também constantes no cânon hebraico.
37
Marcião foi um herege gnóstico do segundo século. Ele preparou um cânon contendo apenas os
livros bíblicos que alegadamente apoiavam suas doutrinas e rejeitou todas as porções e livros bí-
blicos que pareciam contrários ao que ensinava.
38
No início havia algumas divergências entre as igrejas do oriente e as do ocidente acerca de quais
livros eram divinamente inspirados, porém, foram logo superadas.
Profº Jacob Moura

As razões para a rejeição dos apócrifos39


1. Os apócrifos não fazem parte do cânon hebraico.
É universalmente reconhecido que os livros apócrifos, atualmente aceitos pela igreja
romana como autoritativos, nunca tiveram lugar no cânon hebraico. Portanto, não eram consi-
derados como revelação divina, nem pelo próprio povo que o produziu.
A igreja cristã recebeu dos judeus e reconheceu as mesmas Escrituras do Antigo Testa-
mento que eles tiveram e reconheceram como canônicas.

2. Os apócrifos não são reconhecidos pelos autores do Novo Testamento.


Os livros apócrifos da Bíblia católica nunca são citados no Novo Testamento, nem por
Cristo, nem pelos apóstolos. Não há, portanto, sequer uma inferência de que tenham inspira-
ção ou canonicidade. Quase todos existiam no tempo de Jesus e dos apóstolos, porém nenhu-
ma referência sequer é feita a qualquer deles por qualquer dos escritores bíblicos.
Judas utiliza dois livros não-canônicos, porém estes não são incluídos na Bíblia católica.
Paulo também cita autores pagãos para reforçar seus argumentos. Porém, isso não quer dizer
que eles aceitavam essas fontes como sendo a Palavra de Deus.

3. Os apócrifos não são reconhecidos por escritores antigos.


Josefo, o historiador judeu, exclui os apócrifos de sua lista de livros inspirados, limitan-
do seu número à apenas vinte e dois, que ele enumera. Estes são os mesmos que os evangéli-
cos aceitam hoje40. Filo, grande filósofo judeu de Alexandria (20. a.C.–50 d.C.) escreveu e ci-
tou bastante o Antigo Testamento, mas nunca citou os apócrifos, nem fez menção deles.
Os apócrifos não se acham em nenhum catálogo de livros canônicos feito durante os
primeiros quatro séculos da igreja Cristã.
Jerônimo41, o tradutor da Bíblia para o latim, pronunciou-se a favor do cânon hebraico
restrito e rejeitou a autoridade de todos os apócrifos de modo enfático. Sua declaração positi-
va foi muito considerada pelas igrejas.

4. O conteúdo dos apócrifos nega sua inspiração.


Nenhum apócrifo reivindica autoridade divina e alguns deles chegam a nega-la. Além
disto, estão sem o verdadeiro elemento profético, pois a sucessão profética tinha cessado.
Ninguém mais falava, ou escrevia, com a mensagem de Javé. Os judeus acreditavam que de-
pois do exílio, Deus não falava mais ao Seu povo até a vinda do Dia do Senhor.
Além disto, os apócrifos contêm muitos erros históricos, geográficos, cronológicos e de-
turpações das narrativas do Antigo Testamento, que se contradizem a si mesmos. Muitas de
suas referências são atualmente desmentidas pelas descobertas seculares.
Eles ensinam doutrinas e apóiam práticas que são diretamente contrárias às Escrituras
canônicas. Mentira é sancionada, suicídio e assassinato justificado. A salvação por obras e
esmolas, encantamentos mágicos, orações pelos mortos, etc., são ensinados e aprovados nes-
tes livros. Uma grande parte da literatura é lendária, e as histórias contêm muitos absurdos.
Os supostos milagres, as descrições de pessoas e os efeitos dos seus seres sobrenaturais con-
têm muito que é fábula, ridícula, e insensata.
A fraqueza de estilo, inflexibilidade, falta de originalidade, expressão artificial, etc., nos
livros apócrifos, em comparação com os livros canônicos, é notável.

39
Adaptado de General Biblical Introduction, por H. S. Miller.
40
Alguns livros bíblicos que hoje existem em dois volumes (Ex. I e II Samuel) eram apenas um livro
na Bíblia Hebraica. Daí o número de apenas vinte e dois livros alistados por Josefo.
41
Jerônimo foi quem preparou a Vulgata Latina, versão oficial da igreja católica romana. Foi ele que,
a contra gosto, traduziu pela primeira vez os apócrifos para o latim.
Profº Jacob Moura

Finalmente, o nível espiritual e moral dos apócrifos é bem mais baixo, de modo geral,
que o do Antigo Testamento. Depois de ler o Antigo Testamento, os apócrifos parecem estar
num mundo todo diferente.
5. Os apócrifos são diferenciados dos livros canônicos do Antigo Testamento.
Os livros apócrifos foram escritos muito depois do fechamento do cânon do Antigo Tes-
tamento. Alguns foram escritos pouco antes do nascimento de Cristo, outros, possivelmente,
depois disso. Alguns até professam suplementar os livros do Antigo Testamento. Contudo, se
mostram uma imitação superficial daquele.
Alguns dos apócrifos foram lidos para instrução, porém não tidos como canônicos, nem
de autoridade doutrinária por nenhum homem, grupo de homens, nem concílio da igreja, até o
Concílio Católico Romano de Trento (1546). Foi neste concílio que, por uma maioria peque-
na, os apócrifos foram declarados como sendo inspirados por Deus e todos os que pensassem
de outra maneira foram anatematizados.
Portanto, “colocar estes livros na mesma base com a Lei e os Profetas é bem impossível
ao estudante histórico. Há uma delimitação distinta entre os apócrifos e os livros do Antigo
Testamento. A diferença pode ser sentida mais do que definida. Realmente se condenam pelo
seu conteúdo.”42

A INERRÂNCIA DAS ESCRITURAS


A definição de inerrância bíblica
“Inerrância quer dizer que, quando todos os fatos são conhecidos, as Escrituras, nos
seus autógrafos originais e corretamente interpretadas, mostrar-se-ão verídicas em tudo o que
elas afirmam, quer sobre doutrina ou moralidade, quer sobre as ciências sociais, físicas ou
biológicas”.43 Portanto, a inerrância é a garantia de que tudo que a Bíblia afirma está efeti-
vamente livre de erros.

A importância de inerrância bíblica


1. A importância teológica.
A doutrina da inerrância está baseada no caráter de Deus. Se Deus é Onisciente, ele não
pode ignorar os erros na Bíblia. Se Ele é Onipotente, ele é capaz de evitar erros nas Escrituras.
Se Deus é verdadeiro, ele desejará que Sua Palavra seja igualmente verdadeira. Portanto, se
não pudemos confiar que a Bíblia está livre de erros, seremos certamente também levados a
duvidar do caráter e integridade do próprio Deus.

2. A importância histórica.
A doutrina da inerrância bíblica tem sido crida ao longo de toda a história do cristianis-
mo. Agostinho, Lutero, Calvino e outros líderes importantes creram que as Escrituras canôni-
cas constituíam um registro completamente verdadeiro da revelação divina.
Além disto, a história tem mostrado que abrir mão desta doutrina abre caminho para
abandonarmos outras doutrinas importantes da fé Cristã. A coisa funciona como uma queda
em série de pedras de dominó.

3. A importância epistemológica.
Se admitirmos que qualquer parte das Escrituras contém erros, não teremos segurança
acerca das demais partes. Por exemplo, se a Bíblia errou ao fazer uma afirmação no campo
42
Robinson, Where Did We Get Our Bible? pp. 64-65
43
Feinberg, The Meaning of Inerrancy, pg 294, citado por Mark F. Willson, Apostila Estudos Sobre
Inerrância.
Profº Jacob Moura

histórico ou geográfico, quem garante que suas afirmações na área espiritual e religiosa tam-
bém não estão equivocadas? Deixar de crer na inerrância das Escrituras nos conduziria, por-
tanto, a um agnosticismo bíblico ou pelo menos a um relativismo cristão.

Os vários conceitos de inerrância bíblica


1. A inerrância absoluta.
Este ponto de vista, sustenta que a Bíblia é absolutamente exata em tudo que afirma.
Ou seja, todas as declarações bíblicas, tanto aquelas de ordem espiritual e religiosa, quanto as
de ordem histórica e científicas estão livre de erros.

2. A inerrância completa
Sustenta que a Bíblia é completamente verdadeira em suas afirmações, porém, ela não
se atém a minúcias históricas e científicas. Estas questões são tratadas na Bíblia da forma fe-
nomenológica, ou seja, como eles se apresentam aos olhos humanos.

3. A inerrância limitada.
Defende que a Bíblia é inerrante apenas ao tratar de matérias doutrinárias e éticas, mas
não quando faz declarações históricas e científicas. Estas questões fogem ao seu escopo de au-
toridade e estão sujeitas a forma como os autores da época as entendiam.

4. A inerrância de propósitos.
Os que defendem este ponto de vista afirmam que o propósito da Bíblia não é comuni-
car verdades, mas levar as pessoas a um relacionamento com Cristo. Ela é inerrante, à medida
que cumpre seu propósito de reconduzir os homens à Deus. Isto significa que pode haver er-
ros em suas afirmações específicas, mas não no seu propósito geral.

5. A revelação acomodada.
Afirma que, uma vez que a Bíblia veio a nós através de canais humanos falhos, ela re-
flete os erros e ignorância de seus escritores, tanto em questões históricas e científicas, quanto
em questões éticas e doutrinárias. Este ponto de vista, portanto, sustenta que a Bíblia está
cheia de erros e afirmações incorretas.

As evidências da inerrância bíblica


1. A inerrância baseai-se no caráter de Deus.
Se a Bíblia é inspirada por Deus – como já foi demonstrado neste estudo – e se Deus é o
que ele afirma que é – santo, verdadeiro, justo, etc. – então, a Bíblia deve ser igualmente infa-
lível em todas as suas afirmações. Pois seria absolutamente inconcebível imaginarmos um
Deus infalível inspirando homens a produziram uma revelação escrita dEle, cheia de erros de
qualquer natureza.

2. A própria Bíblia declara-se inerrânte


Em várias passagens Bíblicas temos declarações explícitas de que a Escritura canônica é
perfeita (Sl 19:7), fiel (Sl 19:7), verdadeira (Is 45:19), é pura (Pv 30:5) e dispensa qualquer
acréscimo (Pv 30:6; Apc 22:18-19). Todas estas declarações pressupõem a inerrância das Es-
crituras.

3. Jesus demonstrou crer na inerrância das Escrituras.


Em João 10:35 o Senhor explicitamente declarou que “a Escritura não pode falhar”,
demonstrando absoluta confiança em suas declarações. Em Mateus 5:18 o Mestre novamente
demonstrou acreditar que as menores letras e os mais insignificantes sinais de pontuação das
Profº Jacob Moura

escrituras teriam seu pleno cumprimento ao afirmar que “até que o céu e a terra passem, nem
um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.” O i e o til eram respectiva-
mente a menor letra e uma simples pontuação.
Profº Jacob Moura

Os limites da inerrância bíblica


1. A inerrância diz respeito ao que é afirmado, não ao que é apenas relatado.
Quando a Bíblia relata as palavras de Satanás, por exemplo, o fato de haver dito as pa-
lavras é inerrante, mas não o conteúdo de sua mensagem. Quando as Escrituras registram a
mentira de algum de seus personagens, deve ser compreendido que apenas o relato da mentira
é inerrante, não a mentira em si. A respeito das narrativas, a situação é semelhante. O relato
do fato é inerrante, não, necessariamente, o fato em si. Para que um fato narrado seja conside-
rado legítimo, deve ser explicitamente aprovado.

2. A inerrância deve ser julgada à luz do ambiente histórico-cultural no qual algo foi
declarado.
Isto significa que as declarações bíblicas não devem ser julgadas pelos padrões de pen-
samentos e conceitos atuais, mas sim àqueles prevalecentes nos dias de seus escritores. Isto
não significa que as Escrituras acomodaram-se aos erros de sua época, mas sim que elas se
expressam empregando os conceitos e formas de pensamentos de seu tempo. Por exemplo, na
época do Novo Testamento acreditava-se que a fonte das emoções era as entranhas, não o co-
ração como se pensa hoje.

3. A inerrância deve ser julgada à luz do propósito de determinada afirmação.


Por exemplo, em alguns casos os escritores bíblicos apresentaram números arredonda-
dos, pois seu propósito não era ser meticulosamente exato. Isto não significa que haja erros na
afirmação, pois seu propósito não foi apresentar exatidão, mas apenas aproximação na infor-
mação.

4. A inerrância diz respeito ao que é afirmado em linguagem popular, não em lingua-


gem técnica.
Relatos de eventos históricos e matérias científicas estão em linguagem popular, não em
linguagem técnica e científica. Por exemplo, a Bíblia classifica o morcego como uma ave (Lv
11:19; cf. v. 13), porém a zoologia classifica-o como um mamífero voador. Isto não significa
que a Bíblia esteja errada, mas sim que ela expressa-se, não em linguagem técnica, mas sim
em forma popular.

5. A inerrância não exclui o emprego de linguagem figurada nem de tipos literários.


Dizer que a Bíblia é inerrante, não significa que seus autores não tenham lançado mão
de linguagem figurada e simbolismos. Estes recursos eram largamente empregados na época
em que a maioria dos livros bíblicos foi composto, sendo prontamente reconhecidos e com-
preendidos pelos seus leitores.

A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS


Introdução
Vivemos numa sociedade na qual as pessoas têm reagido, cada vez mais, negativamente
à “autoridade”. O clamor por liberdade de pensamento e expressão é a onda da nossa época.
Porém, não há como escaparmos completamente à existência de autoridades. De alguma for-
ma, quer admitamos ou não, alguém ou alguma coisa exercerá autoridade sobre nossa vida.
Esta autoridade pode ser exercida formal ou informalmente, consciente ou inconscientemente,
mas sempre existirá.
Profº Jacob Moura

No que diz respeito a assuntos espirituais, éticos e religiosos a realidade é similar. Ha-
verá uma autoridade que regulamentará estes fatos em nossa vida, quer estejamos consciente
disto, quer não.
O significado de autoridade
“Autoridade é o direito ou poder de exigir obediência”.44 A Autoridade pode ser repre-
sentada por uma pessoa, instituição ou lei, formal ou informal, que dirige e determina nossas
crenças, costumes e práticas.

As fontes contemporâneas de autoridade


Do ponto de vista cristão, Deus é a autoridade última para a vida do indivíduo. Em vista
disto, surge, entretanto, a questão: “Como Deus exerce esta autoridade sobre nossas vidas?”.
“Será que ela é delegada a alguma instituição, pessoa ou livro sagrado ou Ele a exerce direta-
mente?” Várias religiões e grupos respondem a estas perguntas de modo bem diferente.

1. Os credos.
Para muitos, a palavra final em questão de autoridade é dada pelos credos religiosos
e/ou confissões formais históricas da igreja. Estes credos foram geralmente formulados por
grupos de líderes da igreja e posteriormente reconhecidos e aprovados por ela.

2. A Igreja.
Para alguns, Deus age em e através da igreja e é por meio dela que Ele exerce sua auto-
ridade final. Para estes, a igreja, e não a Bíblia, tem a última palavra em questões relacionadas
a fé e a prática cristã. De acordo com este ponto de vista, a autoridade da Bíblia foi delegada
pela igreja e não vice-versa. Foi a igreja que produziu e canonizou a Bíblia e, portanto, tem
autoridade e, por assim dizer, monopólio sobre ela.

3. A voz interior.
Este ponto de vista afirma que Deus fala diretamente ao homem, sem qualquer media-
ção. A voz do Espírito Santo é sentida pelo indivíduo através de uma compulsão interior in-
tensa. Deste modo, o Espírito Santo fala diretamente ao coração humano, tornando-o consci-
ente de sua soberana vontade, sem nenhum intermediário neste processo.

4. A razão.
Somente o que pode ser captado e demonstrado racionalmente, constitui matéria autori-
tativa de Deus ao homem. Tudo que foge ao escrutínio da razão e da lógica deve ser rejeitado
como falso.

5. A experiência.
Para muitos crentes, o que eles experimentam fala mais alto que o testemunho da Pala-
vra escrita de Deus. A experiência, portanto, acaba determinando a crença e não vice versa.

6. As Escrituras.
Os evangélicos conservadores defendem que Deus nos fala hoje somente através da Bí-
blia, sua eterna e infalível Palavra. Somente as Escrituras canônicas devem ser consideradas
dignas de determinar juízos em questões de fé e prática. Para este grupo de cristãos, portanto,
a Bíblia, e somente ela, é autoridade em questões éticas e religiosas.

A definição de autoridade bíblica

44
Bruce Milne. Estudando as Doutrinas da Bíblia, pg. 15.
Profº Jacob Moura

“Por autoridade da Bíblia queremos dizer que a Bíblia, como a expressão da vontade de
Deus para nós, possui o direito supremo de definir o que devemos crer e como devemos con-
duzir-nos”.45
A ILUMINAÇÃO DAS ESCRITURAS
A definição de iluminação bíblica
Iluminação, é o testemunho interno sobrenatural do Espírito Santo capacitando-nos a
aceitar a origem divina da Bíblia e a compreender seu significado (Ef. 1:18; 2Co 3:16, 18).

A necessidade de iluminação bíblica


1. Por causa da diferença ontológica entre o homem e Deus.
O homem é um ser finito, limitado e transitório, Deus é infinito, ilimitado e eterno.
Além disto, o fato de Deus ser absolutamente transcendente coloca-o além de nossa categoria
de entendimento. Portanto, o pensamento e o ser divino não podem ser apreendidos pela men-
te e inteligência humana a menos que haja uma intervenção sobrenaturalmente operada pelo
próprio Deus, iluminando seu entendimento a fim de que tais conceitos se lhe tornem familia-
res (cf. Is 55:9).

2. Por causa da pecaminosidade do homem.


Além do problema ontológico a queda impossibilitou ainda mais a assimilação de con-
ceitos divinos simplesmente pela mente humana. O pecado erigiu uma barreira tanto ontológi-
ca (de ser) quanto epistemológica (de conhecimento). O pecado afetou não apenas a moral
humana como também sua mente e inteligência, de forma que todo o seu ser foi totalmente
corrompido e escravizado pelo pecado. Portanto a mente meramente humana e carnal não tem
condições de compreender a mente divina e espiritual a não ser que haja uma operação sobre-
natural neste sentido (cf. 1Cor 1:18-2:16).

As evidências da iluminação bíblica


1. Negativamente, as Escrituras afirmam que o homem não pode compreender a revela-
ção divina sem a operação do Espírito Santo em sua vida.
Em Mateus 13:13-15, o Senhor Jesus fala acerca da dureza do coração dos líderes ju-
deus e de sua incapacidade em compreender corretamente seus ensinos, mesmo que estives-
sem claramente à sua disposição. Em outras passagens, a Bíblia afirma que o próprio pecado
humano faz com que o coração humano se torne obscurecido à revelação divina (1Cor 2:14;
Rom 1:21; 11:8). Ainda outras passagens falam da obra de Satanás em obscurecer a mente do
homem a fim de que não entenda a Palavra de Deus (Mt 13: 19; 2Cor 4:4).

2. Positivamente, as Escrituras afirmam que o Espírito Santo opera a compreensão da


Palavra de Deus na mente do crente.
1) O apóstolo Paulo fala explicitamente acerca da necessidade do coração do crente ser
iluminado, a fim de que compreenda as verdades divinas (Ef 1:18) e que isto efetiva-
mente acontece no momento de nossa conversão (2Cor 3:16-18).
2) Há passagens que enfatizam a doações de capacidade e sabedoria a fim de que o crente
compreenda as verdades divinas (Col 1:9; 1Jo 5:20).
3) Existem textos que falam da tarefa do Espírito Santo em ensinar (Jo 14:26), testemu-
nhar de Jesus (Jo 15:25-27), convencer o pecador (Jo 16:8) e guiar o crente a toda a
verdade divina (Jo 16:13).

45
Millard J. Erickson, Christian Theology, pg. 241.
Profº Jacob Moura

As posições acerca de interpretação bíblica


1. A Igreja, como única autoridade interpretativa.
Especialmente, a tradição Católica Romana defende que a igreja é a única que detém o
poder e o direito de interpretar a revelação de Deus nas Escrituras. De acordo com esta posi-
ção, somente a igreja tem o entendimento autoritativo das Escrituras, pois ela deu-nos a Bí-
blia. Para os defensores desta posição, tal doutrina resguarda-nos de erros óbvios de interpre-
tações subjetivas e distorcidas.

2. A razão humana, como autoridade interpretativa da Bíblia.


Este ponto de vista enfatiza que a razão é o meio de estabelecer o significado das afir-
mações bíblicas. Portanto, de acordo com este grupo, representado especialmente pelos racio-
nalistas, o meio de se determinar o significado de uma passagem é por meio da consulta a
gramáticas, léxicos, pano de fundo histórico e assim por diante. A interpretação bíblica é, por-
tanto, objeto de estudo técnico e acurado mediante o emprego de regras e princípios cientifi-
camente arquitetados.

3. O Espírito Santo, como autoridade interpretativa da Bíblia.


Esta posição defende que há a necessidade de uma operação interna do Espírito Santo
na vida do ouvinte ou leitor da Bíblia a fim de que ele possa efetivamente compreender o seu
correto significado. Esta operação, de fato, se dá cada vez que o crente ler as Escrituras, pro-
curando sinceramente apreender o seu correto significado. Obviamente esta operação não
elimina o emprego de instrumentos de pesquisa e estudo, como léxicos, dicionários, gramáti-
cas, etc. Quanto a isto, o Espírito Santo faz uso dos instrumentos que lhe são disponíveis, tan-
to interna quanto externamente, ao crente.

Os princípios de interpretação bíblica


Não há dúvida de que, sendo um Deus sábio e ordeiro que infundiu leis e princípios que
regem a própria criação, devemos também esperar que haja leis delineadoras que normatizem
e facilitem a interpretação de Sua revelação nas Escrituras.
A ciência que se preocupa em formular e sistematizar as normas e princípios da inter-
pretação bíblica chama-se hermenêutica. Devemos acrescentar que estas normas não são
“camisas de força” que tolherão a plena expressão da Palavra de Deus, antes, fornecerão sub-
sídios para estudá-la com seriedade, extraindo dela seu verdadeiro significado e livrando-nos
de erros e aberrações em sua interpretação.
Mesmo não sendo o principal propósito deste trabalho, propomos algumas diretrizes bá-
sicas que devem reger nossa interpretação, dando-nos o sentido correto daquilo que Deus re-
almente expressou em sua Palavra e que, portanto, é autoritativo para as nossas vidas.

1. Respeitar as várias categorias literárias da Bíblia.


A Bíblia não pode ser interpretada, em suas várias partes, da mesma forma. Existem vá-
rias categorias literárias presentes nela, que devem ser respeitadas pelo intérprete. Por exem-
plo, uma narrativa não pode ser interpretada da mesma forma que uma epístola, e ambas, por
sua vez, não podem ser interpretadas do mesmo modo que o faríamos com uma parábola.
Cada gênero literário das Escrituras apresenta suas próprias características individuais e deve
ser interpretado à luz destas peculiaridades. As perguntas que devem ser feitas aqui são: A
que gênero literário minha passagem pertence – epístola, narrativas, parábolas, apocaliptica,
lei, salmos, provérbios, etc.

2. Considerar o contexto literário da passagem.


Profº Jacob Moura

Não podemos simplesmente isolar versículos de seu contexto literário e interpretarmos


como se fossem unidades independentes e auto-existentes. Os versículos individuais fazem
parte de um contexto imediato e mais geral no qual o autor está desenvolvendo um argumento
ou idéia. Aqueles versículos devem ser entendidos a luz do argumento geral da passagem e do
propósito do autor ao inclui-los. Portanto os versículos individuais só podem dizer para nós o
que primeiramente eles disseram para seus leitores imediatos dentro do argumento onde fo-
ram incluídos. As perguntas a serem feitas aqui devem ser: O que ele está dizendo aqui? Por
que ele diz isso aqui? Em que isto contribui para o seu argumento? Etc.
3. Pesquisar o contexto histórico-cultural da passagem.
A Bíblia foi escrita dentro de uma cultura específica. As pessoas que a escreveram e
aqueles que foram seus leitores imediatos não estavam no vácuo, pelo contrário, estavam inse-
ridos dentro de um ambiente histórico e influenciados por uma cultura específica. Por exem-
plo, o Novo Testamento foi escrito dentro do contexto histórico-cultural do primeiro século.
Deve-se esperar que ele reflita idéias e formas de pensamentos daquela cultura.
Portanto, para entender corretamente a mensagem da Escritura precisamos mergulhar no
mundo e na cultura envolvidos em cada livro, colocando-nos no lugar de seus leitores origi-
nais e procurando entender a passagem como sua cultura e história permitiriam que entendes-
sem. As perguntas feitas aqui são: Quem escreveu esta passagem? Para quem ela foi destina-
da? Qual a data? Quais as circunstâncias? Como eram seus leitores? O que eles pensavam?
Como viviam? Etc.

4. Estudar o contexto gramatical da passagem.


Neste ponto, o leitor da Bíblia deve procurar compreender a estrutura gramatical e sin-
táxica de cada frase presente em sua passagem. O objetivo é compreender o que cada palavra
escolhida pelo escritor bíblico significa naquele contexto e qual a função que ela exerce na
frase e no argumento todo. Os instrumentos a serem empregados aqui devem ser: Léxicos,
gramáticas, dicionários, etc.

5. Considerar a mensagem geral da própria Bíblia.


Nenhuma passagem deve ser interpretada isoladamente na Bíblia, pelo contrário ela de-
ve ser entendida e interpretada à luz da revelação de Deus dada em toda a Bíblia. Temos por
princípio que as Escrituras não se contradizem, portanto, a interpretação de nenhuma passa-
gem isolada pode contradizer verdades que são claramente afirmadas em outras partes dela. O
princípio de que a Bíblia interpreta a Bíblia ainda é válido.
Este ponto serve como um meio de verificação, que tem por finalidade constatar a vera-
cidade e exatidão de nossa interpretação, garantindo que ela esteja em harmonia com o todo
da revelação divina.
Profº Jacob Moura

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANCROFT, Emery H. Teologia Elementar. 3. ed. São Paulo: Imprensa Batista


Regular, 1960.

BRAATEN Carl E. & JENSON Robert W. Dogmática Cristã. São Leopoldo: Editora
Sinodal, v.1, 2.v.

CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. São Paulo: Imprensa Batista Regu-
lar. 1986.

ERICKSON, Millard J. Christian Theology. 20. ed. Grand Rapids, Michigan, EUA:
Baker Book House, 1992.

LANGSTON, A. B. Esboço de Teologia Sistemática. 7. ed. JUERP: Rio de Janeiro,


1983.

McDOWELL, Josh. Evidência que exige um Veredito. 2. ed. São Paulo: Editora
Candeia, 1992.

MILNE, Bruce. Estudando as Doutrinas da Bíblia. 3. ed. São Paulo: ABU Editora,
1993.

STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sitemática. São Paulo: Hagnos, 2003. v.1.
2.v.

THIESSEN, Henry Clarence. Palestras em Teologia Sistemática. 4. ed. Editora Ba-


tista Regular, 1997.

Você também pode gostar