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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DECISO
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

BARBARA RIBAS MACIEL

PARA ALÉM DA QUESTÃO HABITACIONAL: O CASO DA POLÍTICA DE


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA VILA ZUMBI DOS PALMARES

CURITIBA
2018

BARBARA RIBAS MACIEL


PARA ALÉM DA QUESTÃO HABITACIONAL: O CASO DA POLÍTICA DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA VILA ZUMBI DOS PALMARES

Monografia apresentada como requisito para


obtenção do diploma de bacharel em ciências
sociais, com ênfase em Sociologia, pelo curso
de Ciências Sociais da Universidade Federal
do Paraná.
Orientadora: Profª. Dra. Maria Tarcisa Silva
Bega

CURITIBA
2018
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer ao meu pai Francisco e minha mãe Edi Fátima por terem me
dado a oportunidade de estudar, de fazer um ensino superior e sempre me incentivarem à
fazer o que gosto. Também gostaria de agradecer à meu irmão Guilherme, por ser meu
companheiro e amigo desde que eu nasci.
Aos meus professores de graduação, que com muita paciência e muita paixão pelas
Ciências Sociais, me ensinaram em cinco anos como o mundo é muito mais complexo do que
a gente imagina, e que os estudos de sociologia e antropologia são fascinantes. Aprendi com
eles a expandir meus olhares, a identificar preconceitos e aspectos implícitos na nossa
sociedade, e a refletir sobre o mundo. Principalmente, aprendi inúmeras referências de leitura
que agora tenho pra ler pro resto da vida e continuar sempre aprendendo.
Aos amigos do PET1, o qual fiz parte por 2 anos e meio: Karine, Marcos, João, Alana,
Ana, Adriano, Greici, Gabi, Patrícia, João, Rapha, Aline… Pessoas e amigos que me
ensinaram muitas coisas em conversas do cotidiano, mesmo sem saber.
Aos colegas do PDUR2, grupo de pesquisa e extensão que estiveram mais presentes na
etapa final da minha graqduação e infuênciaram diretamente nessa monografia: Eder, Viviane,
Alana, Valentina, Corina, Kamille, Luiz e principalmente minha orientadora Prof. Tarcisa.
Todas essa pessoas também me ensinaram muito, principalmente sobre como é ser
pesquisador na área da sociologia, como fazer pesquisa e como refletir sociológicamente.
Aos amigos que conheci a partir da graduação: Luana, Pedro, Marcus, Gian, Le
Leobet, Le Wons, Bruna Motta, Bruna Diniz, Thai, Renata, Sheron, Caetano, André, Solano,
Aninha, Ro, Clarinha, Isa, Maria, Renan, Topi, Camilo e perdão se esquici de alguém. Essas
pessoas me ensinaram muito mais do que qualquer livro e amo todos. Também entram aqui as
pessoas amigas que compartilham do amor à Bicicleta. E um agradecimento especial ao
Gotia, que me acompanhou nos últimos dois anos da minha graduação e que é meu grande
parceiro.

1 Programa de Eduçacão Tutorial: Grupo de pesquisa, ensino e extensão do curso de Ciências Sociais da
UFPR.
2 Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional: Grupo de extensão da UFPR que busca estudar temas
referentes às políticas públicas e habitacionais.
Aos moradores da Vila Zumbi, por terem me ajudado na pesquisa, cedido entrevistas,
e pelas conversas e aprendizados.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Evolução da ocupação urbana de curitiba e região metropolitana 29
Figura 2 – Proposta do esquema viário do PPU 31
Figura 3 – Localização das unidades territoriais de planejamento na RMC 36
Figura 4 – Ocupações irregulares na rmc em 2006 38
Figura 5 – Ocupação urbana e áreas de interesse social em Colombo 44
Figura 6 – Mapa da região da Vila Zumbi 57
Figura 7 – Vila Zumbi antes da intervenção 70
Figura 8 – Ocupação próxima ao rio Palmital em 2004 60
Figura 9 – Condição das moradias na vila zumbi antes da intervenção 60
Figura 10 – Avenida na vila Zumbi antes da intervenção 61
Figura 11 – Intervenções realizadas na vila Zumbi 64
Figura 12 – Rio Palmital antes e depois da intervenção estatal 66
Figura 13 – Requião na vila Zumbi em frente ao escritório da COHAPAR 66
Figura 14 – Construção dos sobrados na vila Zumbi 69
Figura 15 – Construção dos sobrados na vila Zumbi 70
Figura 16 – Propaganda de encontro com Requião 80

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Áreas, domicílios e população em ocupações irregulares na RMC:


1992/1993 e 1997/1998 40
Tabela 2 – População total segundo os municípios da RMC: 1970 a 2007 42

Tabela 3 – Taxa média de crescimento segundo os municípios da RMC 42

Tabela 4 – Responsabilidades institucionais do projeto “Direito de morar” 63

Tabela 5 – Gastos do projeto “Direito de morar” 65


LISTA DE SIGLAS

BID Banco Interamericao de desenvolvimento


CIAR Centro Industrial de Araucária
CIC Cidade Industrial de Curitiba
COHAPAR Companhia de Habitação do Paraná
COMEC Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
COPEL Companhia Paranaense de Eletricidade
FCP Fundação da Casa Popular
IPPUC Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
IAP Institutos de Aposentadoria e Pensões[
NUC Núcleo Urbano Central
PAC Programa de Aceleração de crescimento
PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida
PPU Plano Preliminar de Urbanismo (PPU)
RMC Região Metropolitana de Curitiba
SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná
SUDERHSA Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento
Ambiental
UTP Unidade Territorial de Planejamento
RESUMO

Este estudo busca compreender alguns fatores relacionados à política de regularização


fundiária implementada em 2004 na Vila Zumbi dos Palmares, localizada em Colombo,
Região Metropolitana de Curitiba. A Vila Zumbi começou a se formar em 1991 por pessoas
que não possuiam codições de pagar aluguel em locais mais bem estruturados, e se constituiu
até 2005 como uma ocupação irregular, na qual faltavam serviços básicos de infraestrutura
como luz, água e asfalto, construídas em terrenos alagadiços. Em 2005 o poder público
aplicou mais de 20 milhões de reais num projeto intitulado “Direito de Morar” e investiu em
intervenções que mudaram a vida da comunidade, por meio de uma política de regularização
fundiária de grande porte. O objetivo deste estudo é entender, por meio de pesquisa
documental e entrevistas, quais variáveis confluíram para que fosse possível o grande
investimento nesse local, tendo em vista que a Região Metropolitana de Curitiba possui
muitas ocupações irregulares ainda em precárias condições. Os fatores analisados são o
contexto político, a legislação favorável, a preocupação ambiental (a vila Zumbi se localiza
em área de manancial), e a presença de um condomínio de luxo próximo ao local. Para isso
também é feita a contextualização do problema habitacional brasileiro, conta-se a história do
crescimento populacional de Curitiba e também a história da política de regularização
fundiária no Brasil. Trabalha-se com a hipótese de que existiam interesses políticos, a
finalidade de transformar o status social da vila, e de recuperação ambiental, para além da
questão habitacional.

Palavras-chave: Habitação; Políticas Públicas; Regularização Fundiária.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………..05
Metodologia…………………………………………………………………………………..07
Estado da arte……………………………………………………………………………...….08
Divisão dos capítulos…………………………………………………………………………11
1 HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO NO BRASIL………………………………………..13
1.1 HABITAÇÃO COMO PROBLEMA………………………………………………….….20
2. A CURITIBA METRÓPOLE…………………………………………………………....27
2.1 HISTÓRIA DO CRESCIMENTO DE CURITIBA……………………………………....28
2.2 PLANEJAMENTO URBANO EM CURITIBA …………………………………...……30
2.3 DINÂMICA INDUSTRIAL NA RMC…………………………………………………...34
2.4 OCUPAÇÕES IRREGULARES ………………………………………………………....37
2.5 RETROSPECTIVA DEMOGRÁFICA…………………………………………………...40
3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA…………….….....46
3.1 A POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA………………………………….. 46
3.2 A IMPLEMENTAÇÃO………….………………………………………………………..50
4 A VILA ZUMBI…………………………………………………………………………....55
4.1 PRÉ-INTERVENÇÃO…………………………………………………………………....56
4.2 INTERVENÇÃO……………………………………………………………………….…63
4.2.1 Recursos…………………………………………………………………………....…..66
4.2.2 Regularização……………………………………………………………………….…68
4.2.3 Urbanização…………………………………………………………………………....69
4.2.4 Desenvolvimento Comunitário……………………………………………………..…71
4.2.5 Processo participativo…………………………………………………………………71
4.3 VILA LIBERDADE………………………………………………………………………72
4.4 PÓS-INTERVENÇÃO……………………………………………………………………73
5 AS VARIÁVEIS PARA ALÉM DA HABITAÇÃO…………………………………...….77
5.1 CONJUNTURA POLÍTICA…………………………………………………………...…77
5.2 LEGISLAÇÃO……………………………………………………………………………80
5.3 QUESTÃO AMBIENTAL………………………………………………………………..81
5.4 A PRESENÇA DO CONDOMÍNIO ALPHAVILLE………………………………….….83
5.6 A ANÁLISE DE OUTROS AUTORES…………………………………………………..85
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………..86
REFERÊNCIAS………………………………………………………………………….…89
5

INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso possui o objetivo de abordar alguns aspectos referentes
ao processo de regularização fundiária que foi desenvolvido na Vila Zumbi dos Palmares, localizada
no município de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba.
A Vila Zumbi começou a se formar em 1990, por migrantes tanto da própria região
metropolitana como de pessoas do interior do Paraná. Elas vieram num movimento que, num
contexto mais geral, se caracteriza pela expansão de Curitiba como metrópole a partir da metade do
século XX. Sem condições de alugar moradias mais centrais, buscam a Vila Zumbi como
alternativa, constituindo assim um local sem infraestrutura urbana, feito pelos próprios moradores.
A vila Zumbi se localiza numa área de fragilidade ambiental, na beira do Rio Palmital, e também na
beira da BR-116 que segue sentido São Paulo, na divisa entre as cidades metropolitanas Colombo e
Pinhais.
Em 2004, o Poder Público representado principalmente pela Prefeitura de Colombo e pela
COHAPAR, desenvolveu o projeto denominado “Direito de Morar”, um processo de regularização
fundiária, com investimento que girou em torno de 20 milhões de reais. Dentre estes investimentos
estavam: urbanização e recuperação ambiental (drenagem de águas pluviais, pavimentação e
paisagismo de vias públicas, rede coletora de esgotos, recuperação de área degradada); melhoria em
instalações de 400 casas consolidadas; construção de 281 sobrados para as pessoas que estavam nas
áreas de mais fragilidade, à margem do Rio Palmital e da BR-116; loteamento dos terrenos e
titulação para os moradores; construção de equipamentos comunitários (2 creches, 1 barracão e 1
centro comunitário); e programas de desenvolvimento comunitário. O processo todo durou 10 anos
e segundo conversas com moradores, ainda existem algumas pendências na regularização legal dos
terrenos.
Todo esse investimento trouxe muitas mudanças para a vila, dentre os quais podemos citar a
diminuição da violência, o fim das inundações, melhor infraestrutura, transporte público, a
segurança de posse dos terrenos legalizados, comércio local e outras melhorias, o que deixou a vila
mais inserida no tecido urbano. Contudo, a regularização também trouxe ônus para as pessoas que
não poderiam arcar com os custos de uma casa legalizada ( conta de água, luz, IPTU) , que tiveram
que sair de lá, o que muda padrão socioeconômico da vila e também contribui para o padrão
periférico, já que essas pessoas tiveram que ir em busca de algum outro local de moradia.
A escolha da vila Zumbi como objeto dessa monografia foi porque pareceu interessante
estudar a implementação de uma política pública de grande porte numa vila que cresceu
rapidamente e em pouco tempo se tornou uma das maiores ocupações irregulares no Paraná. Além
disso, tinha o interesse de estudar sociologia urbana e os fenômenos da urbanização, e a Vila Zumbi
se insere no denominado “padrão periférico de ocupação do solo”, fenômeno estudado por diversos
6

sociólogos. Assim, a região, por suas características diversas, pelo contexto que está inserida e pela
falta de estudos sobre ela na sociologia (a maioria é na arquitetura e geografia), foi escolhida como
objeto de estudo. Um outro motivo é pela viabilidade do trabalho, pois conhecia moradores de lá, o
que facilitou a inserção em campo.
Quando começamos a pesquisa nos deparamos com a dificuldade de encontrar um recorte
dentro do tema. Inicialmente a ideia era estudar qualitativamente as mudanças e as percepções dos
moradores em relação a isso. Contudo, isso seria um trabalho muito complexo para uma monografia
de graduação. Depois pensamos em abordar quais seriam as reais motivações do Estado nesse
empreendimento, tendo em vista o contexto em que ele se insere. Porem, essa também seria uma
investigação inviável. Assim, optamos por fazer um trabalho em que se aponta alguns aspectos
importantes da política de regularização fundiária, que pode contribuir para um melhor
entendimento das políticas públicas.
Primeiro, optamos por fazer um trabalho mais histórico, para entender em que contexto se
insere a Vila Zumbi. Assim, estudamos o problema habitacional brasileiro, a urbanização brasileira
e o crescimento da cidade de Curitiba.
Segundo, abordamos a questão da política de regularização fundiária: como ela foi pensada
como alternativa aos problemas habitacionais, como é sua legislação e um breve resumo de como
implementar essa política. A regularização fundiária ganha força após a redemocratização, e é uma
política complexa pois envolve diferentes ações coordenadas, com diferentes atores, que trabalham
por um período de tempo prolongado, e que atinge várias dimensões das vidas das pessoas, não só a
habitação, mas questões de saúde, emprego e estigma social.
Terceiro, pensando que uma política desse porte que envolve diferentes dimensões, e
trabalhando com a hipótese de que ela possui algumas especificidades que vão além da necessidade
do Estado de suprir o deficit habitacional, foram escolhidos quatro aspectos a serem analisados: a
conjuntura política, que foi decisiva para a implantação do “Direito de Morar”; a legislação
favorável; a preocupação ambiental, que começa a infligir o poder público, por ser uma área de
manancial; e a presença do condomínio de luxo Alphaville. Assim, o objetivo da monografia é
pensar como estes fatores trabalharam para que fosse facilitada a intervenção naquela área em
específico, tendo em vista que existem várias áreas de ocupação irregular na RMC que também
precisariam de intervenção.
Portanto, esse trabalho foca mais numa contextualização e em alguns aspectos da política de
regularização fundiária. Tentamos assim, entender um pouco mais sobre a regularização fundiária
como política pública, tomando a vila Zumbi como um estudo de caso. Segundo Polli (2007), é
importante estudar a regularização da Vila Zumbi pois:

A regularização de Zumbi dos Palmares interfere, por meio do Estado, na construção política do
território, na medida em que favorece a formação de grupos sociais homogêneos e a sua concentração
7

no espaço urbano. É possível aproximar essa distância entre as políticas anunciadas e as políticas
efetivamente realizadas, por meio de uma observação mais detida dos interesses envolvidos, dos
atores e seus papéis, das alianças políticas e das territorialidades em construção (POLLI, 2007, p. 14)

Assim, queremos justamente contribuir para a análise de políticas públicas observando esses
atores e essas alianças, na transformação da territorialidade de Vila Zumbi. É justamente esse
esforço e esse exercício de análise que constitui essa monografia.

Metodologia

Em termos de metodologia, essa pesquisa possui duas partes: a primeira, faz uma
contextualização da problemática habitacional no Brasil e em Curitiba, e na outra explica a política
de regularização fundiária. Para isso o método utilizado foi de pesquisa documental e leitura de
bibliografia da área, trazendo de maneira histórica alguns acontecimentos que ocorreram no Brasil e
em Curitiba, que foram relevantes na constituição das áreas metropolitanas.
Para a parte que analisa o caso específico da Vila Zumbi foi utilizada a pesquisa documental,
tendo como base alguns trabalhos já publicados sobre a Vila Zumbi, notícias da internet, e
documentos oficiais. Para completar a discussão, foram feitas algumas entrevistas com um roteiro
semi-estruturado. Conforme Quivy e Campenhoudt (2008) é comum e incentivado que se utilize
mais de um método, para que se tenha mais de uma fonte de pesquisa e assim, que ela seja mais
confiável.
Foram 5 pessoas entrevistadas. Os nomes foram ocultados para preservar a identidade das
pessoas, que no texto serão representadas com letras:
a) T: técnica da COHAPAR, assistente social, que trabalhou no processo de
regularização na área social e na área da realocação das famílias.
b) A: moradora de 47 anos, empregada doméstica e comerciante autônoma que mora
desde 1994 na Vila.
c) B: morador de 53 anos, porteiro, marido da entrevistada “A”.
d) C: moradora de 47 anos que mora desde 1997 na vila .
e) D: moradora de 45 anos, empresária na vila Zumbi, possui uma loja de materiais
de construção.

Na parte das entrevistas houve algumas dificuldades. Elaboramos um roteiro aberto, mas
conforme o decorrer da entrevista, os entrevistados ou fugiam do tema, ou respondiam brevemente,
o que dificultou em fazer uma pesquisa qualitativa profunda. Em uma das entrevistas, por exemplo,
uma amiga da entrevistada chegou e não consegui mais interromper a conversa. Conforme Quivy e
8

Campenhoudt (2008, p. 77), é uma questão de experiência para que seja feita uma entrevista de
sucesso, em que quanto mais inexperiente for o pesquisador, mais dificuldades ele terá. E nesse
caso não foi diferente. Existem fatores que influenciam muito, na hora da entrevista, como por
exemplo a preparação do entrevistador, como o entrevistado está se sentindo no dia, a formulação
das perguntas, o local escolhido etc (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2008). No entanto, as perguntas
principais foram respondidas.
Percebi também que os moradores repetiam bastante as mesmas respostas quando
perguntados da avaliação que faziam da política pública implementada. Por esse motivo, e pela
dificuldade de operar o método, optamos em não fazer mais entrevistas com moradores e utilizamos
nesse trabalho, apenas essas 5 entrevistas, mais como um meio de ilustrar algumas das questões
abordadas, do que fazer uma análise mais profunda.

Estado da Arte

Como parte do processo de pesquisa, fiz uma busca pelos trabalhos que já foram escritos
sobre a Vila Zumbi. Por ter sido um grande projeto de política pública, já haviam sido feitos alguns
trabalhos de monografia, dissertação e tese. Contudo nenhum deles na área das ciências sociais e da
sociologia, também um dos motivos que influenciou na escolha de escrever sobre a Vila Zumbi.
Neste tópico, apresentamos e faremos um breve resumo dos trabalhos que abordam a regularização
fundiária na Vila Zumbi.
O primeiro trabalho é de 2001, escrito por Selmo Gonçalvez, uma monografia de conclusão
de curso de geografia da Universidade Tuiuti no Paraná, na qual ele faz um trabalho pra entender a
dinâmica da ocupação da área. Seu trabalho serviu como um referencial histórico, pra entender o
surgimento da Vila Zumbi a partir de sua formação em 1990. O autor quer entender a dinâmica da
ocupação pela compreensão dos motivos que levaram as pessoas a se mudarem para aquele local,
observando como se deu esse deslocamento, porque as pessoas foram morar ali, quem são elas e de
onde vieram. O autor conclui que foi por meio da imigração do interior do Estado do Paraná que é a
principal causa da origem dos moradores da Vila e possui pretensões de que sua pesquisa sirva de
base a outras pesquisas em relação à favelização e planejamento urbano.
O segundo trabalho foi publicado em 2008 e é de Ana Carolina Sommer de Souza.
Esse trabalho é uma dissertação de mestrado do programa de pós-graduação de Gestão Urbana da
PUCPR. Souza (2008) faz um estudo de caso da Vila Zumbi para falar de como a metodologia de
percepção ambiental pode ajudar na concepção de projetos em ocupações irregulares e como as
formas de intermediar intervenções urbanísticas têm forte impacto na gestão urbana. Por entrevistas
com moradores da Vila Zumbi, ela verifica que além de elementos físicos, existem aspectos
9

culturais e sociais relevantes para viabilizar melhores condições de habitação urbana, trabalhando
os olhares do morador e do planejador. Usar conceitos da percepção ambiental, das percepções
sociais da comunidade, que diz ser fundamental num projeto de reforma urbanística na medida em
que possibilita a intersecção entre as demandas urbanísticas e demandas sociais. A principal
contribuição de sua pesquisa é a de fornecer uma metodologia que subsidie a concepção de projetos
urbanos em conformidade as especificidades locais.
O terceiro trabalho é de Raquel Kerder, produzido em 2009, como dissertação de
mestrado da pós-graduação em Gestão Urbana na PUCPR sobre gestão de assentamentos
irregulares em área de fragilidade ambiental, estudando o caso específico da Vila Zumbi dos
Palmares. Ela fala sobre como é desafiador à gestão urbana, ordenar ocupações irregulares em áreas
de fragilidade ambiental. Assim, seu objetivo nessa pesquisa é de investigar como se da o processo
de gestão desses lugares, avaliando os resultados a curto, longo e médio prazo. Na Vila Zumbi, a
amplitude da intervenção com o intuito de melhorar as condições de vida no local é bastante grande.
Para essa análise, ela contextualiza a região metropolitana identificando a especificidade do
município de Colombo. Depois ela se volta ao processo de intervenção, apresentando e
interpretando dados quantitativos coletados, e avaliando as informações qualitativas, como também
vai analisar propostas futuras para o assentamento. Seu trabalho apresenta vários dados sobre a
região, tanto de antes da intervenção quanto durante, apresentando fotos, gráficos, perfil dos
moradores, mapas e outras informações que utilizo como fonte dessa pesquisa.
Kerder (2009) analisa quatro fases: Primeiro, a da pré-ocupação, na qual ela apresenta
informações sobre o contexto histórico e as características iniciais da vila Zumbi. A situação de
pré-ocupação da vila que faz com que a intervenção seja necessária, diz a autora. Segundo, ela
avalia o processo de intervenção implementado, e verifica que o aspecto mais importante disso foi o
de realocação das famílias. Constata-se a integração entre várias instituições para a edificação das
novas habitações, do reassentamento, da pavimentação, e também da recuperação ambiental da área
degradada. Nessa etapa da pesquisa a autora conclui que ainda é uma realidade o problema
socioambiental, recomendando atenção por parte dos envolvidos. Terceiro, após analisar o processo
de intervenção, a autora discute o balanço dos impactos positivos e negativos desta, por meio dos
resultados qualitativos e quantitativos. Os dados mostram que a intervenção expulsou alguns
moradores do local assim como atraiu outros habitantes. Um dos motivos pode ser que, com a
regularização, veio maiores despesas com financiamentos dos sobrados e faturas relativas aos
serviços de infra-estrutura básica. As variáveis representativas mostram que é uma comunidade
carente a espera de uma continuidade no processo, pois ainda haviam atividades não concluídas. A
autora reforça a importância da participação dos moradores no processo e zelo das medidas. Ela
10

também diz que o modelo de regularização fundiária na vila Zumbi pode ter sido feito com
equívocos, pois não foi criada nenhuma opção de local pra acondicionar resíduos. Outra questão é a
de se pensar a Vila Zumbi em relação à Vila Liberdade, onde não houve continuidade das
atividades. Por fim, como propostas futuras, a autora dá algumas recomendações aos gestores
urbanos, baseada na sua pesquisa de campo. Isso é importante na medida em que visa a construção
de cenários futuros mediante a regularização. O modelo usado na Vila Zumbi, com alguns ajustes
necessários, pode ser usado para vilas vizinhas. Ela recomenda que os gestores urbanos fiquem
atentos para todas as fases do processo de regularização, para que a situação não volte a ser crítica e
que todas as etapas deste sejam concretizadas. Ela conclui que a intervenção contribuiu para o
assentamento, mas não alcançou todos os objetivos propostos pelo projeto. Por sua vez, a autora
consegue atingir seu objetivo, pois obteve êxito em investigar o processo de intervenção ocorrido na
vila Zumbi, com avaliação dos resultados a curto, médio e longo prazo. Também ela fala da
importância de uma pesquisa ser de caráter multidisciplinar e o tema da regularização ser muito
importante no Brasil, pois não é só sobre solucionar o problema de assentamentos ilegais, mas
atender demandas básicas de uma população pobre e sem condições financeiras para viver
legalmente. Os problemas de uma área irregular são frutos de outros, de ordem social, ambiental e
econômica que colocam em risco a qualidade do ambiente e da vida.(KERDER, 2009).
Outra pessoa que estudou a Vila Zumbi e serviu de subsídio para fazer esse trabalho
foi Ritter (2010). Ele conceitua periferia como não sendo um local encontrado nas margens da
aglomeração urbana, mas que são caracterizadas pela sua multiplicidade, da mescla de bagagem
cultural de seus moradores e sua relação com a cidade, dependendo sempre de seu contexto.
Assim, o autor busca desconstruir mitos relacionados ao conceito de periferia urbana, com base nos
trabalhos feitos junto a comunidade na Vila Zumbi dos Palmares. Ritter (2010) conta que na vila
Zumbi, com a consolidação dessa ocupação irregular, pessoas de origens diversas e com bagagens
socioculturais diferentes começaram a se aglomerar e a compartilhar e construir uma espacialidade
com territorialidades e normas próprias. Elas se adaptaram ao novo lugar, surgiram novos valores
específicos daquele espaço e daquele momento histórico. Apareceram as igrejas e os campos
improvisados de futebol, por exemplo. Com a intervenção de Estado em 2004, continuou o
dinamismo de significações dessas espacialidades em constante construção, porém, com novos
elementos e novos atores.
Um outro trabalho que também aborda a vila Zumbi é o de Simone Polli (2006) em sua
dissertação de mestrado na qual ela procura refletir sobre a produção e transformação dos espaços
metropolitanos, principalmente analisando suas contradições, por meio do estudo do condomínio
Alphaville e da Vila Zumbi, que existem lado a lado e que impõe uma nova ordem aos espaços
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periféricos. Assim, no seu trabalho a autora contextualiza o planejamento urbano de Curitiba,


mostrando como o planejamento, ao criar a cidade formal também cria a cidade ilegal. A autora
também analisa o processo de periferização de Curitiba, que causa o aumento de ocupações
irregulares na RMC, usando dados de sua monografia, Polli (1997), e comparando com os dados
disponibilizados pela COHAPAR. Diante disso, a autora vai para a análise do condomínio fechado
Alphaville como uma estratégia de segurança, nos moldes do estudo de Caldeira (2000), em que
esse enclausuramento gera segregação. Um outro objetivo da sua dissertação é analisar as relações
entre o Condomínio Alphaville e a Vila Zumbi, e as consequências que novas configurações de
periferias provocam na totalidade metropolitana. Em sua dissertação ela mostra como que a
regularização da Vila Zumbi está bastante atrelada à presença do condomínio Alphaville.

Divisão dos capítulos

O primeiro capítulo da monografia procura mostrar, à luz de sociólogos que já estudaram o


fenômeno urbano, como se desenvolveu a habitação urbana no Brasil, a urbanização e
metropolização, e alguns fenômenos sociais que compõe esse processo. Também busca entender
como que a habitação entrou na agenda governamental e passou a ser um problema enfrentado pelo
poder público.
O segundo capítulo vai especificar o caso de Curitiba, pois não podemos pensar a vila
Zumbi separada da metrópole e do processo de metropolização que ocorreu na capital do Paraná.
Para tanto, abordaremos cinco temas: a história de seu crescimento; o papel do planejamento urbano
nos arranjos da cidade; o papel do crescimento industrial na região metropolitana; as ocupações
irregulares como algo que expandiu a cidade; e algumas informações demográficas que ilustram a
discussão.
O terceiro capítulo fala sobre a política de regularização fundiária: como ela se tornou uma
opção de política pública; qual a história de sua lei; como aplicar uma política de regularização; e
algumas críticas e considerações feitas por estudiosos da área.
O quarto capítulo vai focar na vila Zumbi dos Palmares: sua história; a constituição do
programa “Direito de Morar”; a opinião dos moradores sobre o que mudou; e o estado da arte,
mostrando os trabalhos que já foram publicados sobre a Vila Zumbi dos Palmares.
O quinto e último capítulo é sobre os pontos que buscamos analisar nessa monografia, que
seria o principal objetivo do estudo, tentando entender quais variáveis estariam presentes que
influenciaram a decisão de investir na vila Zumbi em específico, problematizando a política pública
no que diz respeito à questão ambiental, a conjuntura política, a legislação e a presença do
condomínio Alphaville.
12
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1 HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO NO BRASIL

Ao estudar um problema habitacional no Brasil, devemos primeiramente entender como que


se desenvolveu, ao longo da história, a necessidade por moradia popular. É uma história marcada
pelo sistema colonial e escravagista seguida de uma acelerada urbanização e aumento da população.
Dando conta desses processos sociais conseguimos entender melhor como se desenvolvem algumas
relações de poder e de interesse que marcam a história da Vila Zumbi.
Sendo assim, nesse capítulo faremos um percurso histórico pelo processo de urbanização no
Brasil e mostraremos como a necessidade por habitação se constituiu nesse contexto. Logo após,
falaremos do envolvimento do poder público na questão habitacional, para entender como que a
moradia se torna um problema social. Essa contextualização em nível nacional é importante pois a
Vila Zumbi se encaixa no modelo periférico de ocupação do espaço, fenômeno nacional que já foi
estudado por vários sociólogos urbanos que serão expostos a seguir. Em outras palavras, a partir de
uma bibliografia básica dos estudos urbanos, esse próximo capítulo conta sobre constituição das
cidades brasileiras, o problema da habitação e como que ela resulta em recortes sociais e espaciais,
que marcam as cidades de hoje.
O Brasil teve um processo muito rápido de urbanização. “Em 1940 a população urbana era
de 26,3% do total. Em 2000 ela era de 81,2%.” (MARICATO, 2000, p. 21). Essas cidades que
cresceram tão rápido, como nos diz Maricato (2000), têm suas raízes nos cinco séculos de formação
brasileira. Segundo Paul Singer (1973), enquanto na Europa a cidade foi se constituindo, além de
outros fatores, pela substituição da economia de subsistência para a de mercado, na América Latina
o processo foi diferente pois os países já nasceram com a função de produzir excedente para a
exportação, com o trabalho escravo e grandes latifúndios.
Antes de tudo, devemos falar do marco da Lei de Terras. No tempo do Brasil colônia, a
concessão de terras era por meio das sesmarias, feita da colônia para os sesmeiros dentre as famílias
de poder. Porém, sem definições precisas, permitiu-se também que se estabelecesse a posse dentro
do sistema sesmarial, que se estendeu pela proclamação da independência até 1850. Em 1850, cria-
se a lei de Terras, que deslegitima a posse/ocupação como um meio de adquirir terra legal. A a única
forma legal de posse passou a ser a compra, transformando assim, a terra em mercadoria e abrindo
chance para um mercado imobiliário. (ROLNIK, 1997). Assim surge um novo tipo de contrato, a
compra e venda de terrenos.
Segundo Alfonsin (2007), com essa legislação também se cria a dualidade legal/ilegal dentro
da cidade, o regular e o irregular. Isso possui implicações práticas. A lei acaba por ser uma
14

ferramenta de concentração de renda nas cidades, pois quando se estabelece essa dualidade, uma
parcela da população fica ilegal. Além disso, os investimentos públicos todos serão feitos nas partes
legais da cidade, reforçando a desigualdade social e espacial.

O fato é que essa perversa combinação do Direito Civil com o Direito Urbanístico condena
uma boa parte da população das cidades a uma condição de subcidadania, pois sua relação
com a terra não é titulada e a ocupação está sempre desconforme com os preceitos
urbanísticos. Derivou daí uma profunda desigualdade na distribuição dos investimentos
públicos, que, historicamente, no Brasil, sempre ocorrem nas regiões já bem
infraestruturadas da cidade. (ALFONSIN, 2007, p.71/72)

Ou seja, segundo a argumentação da autora, (ALFONSIN, 2007) a cidade ilegal jurídica e


urbana é fruto da história da regulação. A moradia irregular acontece quando existe a moradia
regular. Para ela, o que inverteu esse quadro foi somente a Constituição de 1988 quando apontou a
função social da propriedade.
Concomitantemente a isso, um outro marco importante que influência na ocupação
territorial é em 1888, com o fim da escravatura. Conforme Blanco (2008, p. 32) a abolição da
escravatura traz uma mudança ao modelo de produção, que agora começa a usar mão de obra
assalariada. Com a abolição, a responsabilidade da moradia deixa de ser da família latifundiária e
passa a ser do indivíduo negro, que é liberto, mas numa situação de extrema pobreza e
desigualdade. Aliado a isso, o Brasil também sofre um intenso processo de imigração, chegando 3
milhões e 300 mil pessoas que também vão ser mão de obra. O problema habitacional começa aqui,
com o aparecimento do trabalhador livre assalariado em que é sua a responsabilidade de procurar
moradia.
Associado a estes dois problemas que fundam o problema habitacional no Brasil, a crescente
urbanização e aumento da população no país só os agudizaram. De acordo com Singer (1973), o
Brasil começou a se urbanizar na primeira metade do séc XIX, ainda colônia. Para gerir a
exportação foram formados os primeiros aglomerados que faziam a administração do excedente de
produção e tinham uma função militar de proteger o escoamento do ouro para o exterior. “Surge na
América um sistema urbano, criado com o objetivo básico de sustentar o sistema de exploração
comercial” (SINGER,1973 p.100).
Gradualmente, a cidade vai adquirindo novas funções. Como nos mostra Maricato,

é somente a partir da virada do séc. XIX e das primeiras décadas do séc XX que o processo
de urbanização da sociedade começa realmente a se consolidar, impulsionado pela
emergência do trabalhador livre, pela Proclamação da República e por uma indústria ainda
incipiente que se desenrola na esteira das atividades ligadas à cafeicultura e às necessidades
básicas do mercado interno (MARICATO, 2000, p. 22)
15

Aumentou a produção para o mercado externo, e também fazendas para subsistência para
suprir a nova população. O excedente produzido aumentou o comércio interno, criando um novo
mercado consumidor. A autora Raquel Rolnik (1988, p.16) nos conta que “A cidade, enquanto local
permanente de moradia e trabalho, se implanta quando a produção gera um excedente, uma
quantidade de produtos para além das necessidades de consumo imediato”. A cidade no Brasil
então, passou a ter uma função comercial.
Paul Singer (1973) e Raquel Rolnik (1988) veem que a produção industrial está muito
relacionada ao aumento das cidades. Um fator bastante decisivo foi o desenvolvimento dos
transportes:

A partir da cidade começam a ser construídos sistemas de transporte, que servem , de um


lado, à penetração das atividades de exportação em novas áreas e, do outro, à solidificação
da unidade política nacional. Por estes sistemas também penetram as mercadorias
estrangeiras, cujo triunfo nos mercados do interior é assegurado pela redução nos custos do
transporte. (Singer, 1973, p. 107).

Portanto, o desenvolvimento do transporte possibilitou a expansão da lógica industrial para


mais lugares dentro do território, principalmente para o campo, consolidando uma política nacional.
Quanto mais crescem as atividades na indústria, mais setores da população são englobados.
No começo do século XX, mais trabalhadores migram para às cidades no Brasil. Singer
(1973, p.71) explica esse fluxo migratório em função de dois fatores: O primeiro é pelo avanço da
medicina, que reduz a mortalidade no campo e provoca um grande aumento da população. Isso faz
surgir uma maior necessidade de comida mas a falta de recursos para produção no setor de
subsistência provoca um grande empobrecimento da população, que por conta disso migra para as
cidades. O segundo motivo é a mudança do tipo de produção no campo. O capitalismo pressionou
as áreas de subsistência a se inserirem no mercado, fazendo com que terras fossem vendidas a
empresários, camponeses transformados em proletários, e a queda na produção artesanal para
consumo próprio, substituída por produtos industrializados, viabilizada pelo desenvolvimento dos
transportes. Isso também liberou mais força de trabalho para os grandes centros.
Com a migração rural e o processo de industrialização, as cidades crescem, surgindo o
segmento de proprietários urbanos com maior poder aquisitivo, e também trabalhadores e
trabalhadoras, que foram às cidades em busca de novas oportunidades e melhores condições de
vida. Mas a cidade não tinha o aporte para receber toda essa população, e encontraram um espaço
permeado por relações de poder em que o uso do solo se dava de forma desigual.
16

Conforme defendido por Maricato (2000, p. 23), ainda que houvesse um crescimento
econômico no país e um crescimento de uma classe média urbana, uma grande parte da população
migratória ficou sem acesso a direitos civis e sociais básicos, como legislação trabalhista,
previdência social, moradia, saneamento, entre outros. Como a propriedade privada que prevalece,
o poder aquisitivo acaba sendo um diferencial para o acesso a bens de consumo coletivo e locais
mais estruturados. O sociólogo Lúcio Kowarick (2000) diz que o conflito de classe vai se mostrar
no tecido urbano pelos processos de produção e apropriação dos espaços construídos.

Sua expressão mais visível reside na segregação socioeconômica e espacial imperante nas
áreas desigualmente providas de bens e serviços: constatava-se que, ao valorizar certas
áreas, as populações pobres que não podem pagar o assim chamado “preço do progresso”,
são delas expulsas e, desta forma, novas zonas periféricas destituídas de benfeitorias
básicas são constantemente produzidas, aumentando a espoliação urbana, o caos urbano e
os custos da urbanização.( KOWARICK, 2000, p. 99)

Essa é denominado o padrão periférico de ocupação do solo, que, em outras palavras, a


especulação imobiliária e o uso privado do solo, além da construção histórica que falamos acima,
encarece os terrenos mais centrais, que possuem equipamentos urbanos, e joga a população pobre
para locais mais distantes e desprovidos de equipamentos públicos, onde lá constroem elas próprias
suas casas. Na medida em que a cidade vai avançando, novas localizações são aprimoradas e
consequentemente se tornam mais caras que vão de novo expulsando essa população para regiões
ainda mais periféricas, transbordando dos limítrofes da cidade, indo para as regiões metropolitanas
das grandes metrópoles.
Além desse fator, podemos utilizar as ideias de Bolaffi (1979) para complementar a
discussão. Para este autor, não só o crescimento e a migração da população de baixa renda que
causa o padrão periférico, mas também as medidas do poder público, as dinâmicas de mercado, e o
papel econômico que o solo possui. Segundo o autor, a economia cria uma demanda artificial do
solo quando o utiliza a fins alheios às necessidades primárias, aumentando os preços dos locais
disponíveis, numa crescente especulação, contribuindo para o padrão periférico, que se caracteriza
pela “baixa densidade de ocupação do solo urbano, aumento das distâncias, ineficiência dos
transportes, a elevação dos custos sociais e privados da urbanização e comprometimento
irreversível da administração pública” (Bolaffi, 1979, p.60).
Ou seja, a especulação também incentiva o padrão de uso do solo. Junto a isso, os
investimentos que o Estado realiza nos serviços públicos, a maneira como ele maneja a economia,
também são responsáveis pela valorização desigual do solo. “A abertura de uma via expressa ou de
uma linha de metrô valoriza os terrenos lindeiros sem que o ônus do investimento recai sobre os
17

beneficiados” (BOLAFFI, 1979, p. 66). Um outro exemplo que reforça o papel do Estado nesse
processo é quando é feita a lei do inquilinato (a qual falaremos com mais detalhes mais a frente) que
expulsou as famílias de baixa renda que moravam de aluguel em cortiços e casas no centro.
Portanto, o autor sustenta que o processo de deterioração da cidade é uma consequência direta da
economia política vigente e da incapacidade dos governantes. A cidade empobrece quando os
serviços públicos não crescem na mesma proporção das empresas e edifícios privados. (BOLAFFI,
1979).
Dentro desse cenário, Kowarick (2000) nos apresenta o conceito de espoliação urbana.
Num primeiro momento seria a “a somatória de extorsões que se operam pela ausência ou
precariedade de serviços de consumo coletivo que, junto com o acesso à terra, se mostram
socialmente necessários à reprodução urbana dos trabalhadores” (Kowarick, p. 107). Porém, ao
longo de sua trajetória acadêmica, o autor vai refinar este conceito:

a espoliação urbana só pode ser entendida como produção histórica que, ao se alimentar de
um sentimento coletivo de exclusão, produz uma percepção que algo – um bem material ou
cultural – está faltando e é socialmente necessário. Dessa forma, a noção contém a ideia de
que o processo espoliativo resulta de uma somatória de extorsões, isto é, retirar ou deixar
de fornecer a um grupo, categoria ou classe o que estes consideram como direitos seus. Não
na acepção de legislação positiva, mas no sentido de uma percepção coletiva segundo a
qual existe legitimidade na reivindicação por um benefício e que sua negação constitui
injustiça, indignidade, carecimento ou imoralidade: o legítimo pode institucionalizar-se e
até transformar-se em norma jurídica.(KOWARICK, 2000, p. 107).

Portanto, a falta que fará para uma população, dos equipamentos urbanos necessários para a
sua vida, além do poder de compra de terra, é o que os leva à condição de exclusão social urbana e
de serem moradores espoliados. Seria assim a falta de equipamentos urbanos como transporte de
qualidade, pavimentação, escola, saneamento básico, entre outros fatores que, além da distância,
fazem da vida dessas pessoas, uma vida precarizada. A condição de espoliado, não é só em termos
da venda da força do trabalho e fragilidade de renda, mas em termos do acesso a bens coletivos.
Essa situação ruim pode resultar em diminuição nos níveis de consumo, desorganização familiar,
aumento dos índices de violência, além do estigma social que essas pessoas têm que enfrentar.
A segregação espacial nada mais é do que o reflexo das estruturas sociais no uso do espaço.
Em outras palavras, quer dizer que diferentes funções sociais são divididas em diferentes espaços,
como bairros comerciais, área central e centros industriais. Além das funções sociais, as diferentes
classes sociais também se separam: ricos ficam com os lugares de melhor acessibilidade, enquanto
aos pobres sobram as terras com piores condições e mais distantes dos equipamentos urbanos. Nas
palavras de Kowarick:
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As cidades como locus de produção e consumo, aí incluídos não só habitação – mas


também redes viárias, de água, esgoto e demais serviços coletivos, não esquecendo a terra
urbana, suporte material que recebe essas e outras benfeitorias – passaram a expressar
acirradas formas de segregação socioeconômica. Nelas contrastam de maneira radical as
restritas áreas privilegiadas, destinadas aos estratos médio e alto poder aquisitivo, com as
imensas zonas onde se avolumam os trabalhadores que não podem pagar o preço de um
progresso apoiado na exclusão social e econômica daqueles que levam adiante as
engrenagens econômicas. (KOWARICK, 2000, p. 59)

É nesse contexto que é constituída a moradia, que possui importância tanto econômica
quanto simbólica, principalmente a casa própria em relação a casas alugadas, cortiços ou favelas.
Ainda segundo Kowarick (2000, p.83), a moradia constitui fator primordial no processo de
inclusão ou exclusão na vida dos trabalhadores, pois é o núcleo de sociabilidade primária, em que se
processa organização da unidade familiar, as estratégias de sobrevivência e é onde vão ser
carregadas as consequências materiais de seus projetos, plenas de significados simbólicos.
Também, para o autor (2000, p.84), é na moradia que se produz o discurso de que a casa
própria é mais valorizada do que as moradias de aluguel. Isso porque o contraponto da falta de
higiene, da falta de privacidade, estigma e principalmente a falta de estabilidade que envolve a
moradia de aluguel, em especial os cortiços, valoriza ainda mais a ideia da casa própria. Nesse
sentido é que a população mais pobre, quando vai para as grandes cidades, procura terrenos de
invasão para que também possam construir suas próprias casas, em vez de optar por terrenos mais
perto da oferta de emprego, porém que seriam de aluguel. Os terrenos então, geralmente são em
áreas desvalorizadas ou que o poder do mercado não teve interesse, como locais de fragilidade
ambiental. Lá eles fazem a autoconstrução de suas casas, que demanda um tempo de trabalho além
daquele que o trabalhador tem que fazer para sustentar a casa. “… a casa autoconstruída pode ser a
melhor, pois é a única possibilidade de investimento, na medida em que os gastos com aluguel não
levam a qualquer forma de poupança, além na enorme instabilidade dessa forma de moradia”
(Kowarick, 2000, p. 87). Além disso, a casa própria, segundo Bolaffi (1979, p.43), “é a principal
evidência de sucesso na conquista de uma posição social mais elevada”, ou seja, é uma maneira de
demonstrar publicamente sua ascensão social numa sociedade competitiva.
Cardoso (2007) também traz a questão do interesse da classe dominante na ocupação
periférica: “Em muitos casos, a ocupação era – e ainda é – apoiada por políticos ou por agentes
públicos, em troca de apoio eleitoral, seguindo o esquema clientelista clássico.”(CARDOSO, 2007,
p.2). Assim, segundo o autor, se reproduzia uma lógica em que a moradia acaba sendo vista como
um “favor” e não como um “direito”.
Nessa explanação podemos ver que população migra do campo para a cidade e com isso, se
solidificam as relações de classe dentro do espaço urbano, na qual quem tem mais poder aquisitivo
19

consegue comprar ou alugar moradias mais centrais, que ficam cada vez mais caros por conta da
especulação imobiliária, e, aqueles que não possuem vão se alojar nas margens da cidade, em
terrenos de fragilidade ambiental, mas que são mais barato e lá constroem eles próprios suas casas,
na qual não gastam com aluguel mas possuem o ônus desses locais não terem infraestrutura, e faltar
segurança por não serem terrenos legalizados. Portanto, ainda que seja uma casa própria, não
possuem uma estabilidade de permanência, o que aumenta a espoliação desses.
Mas este movimento centro-periferia não é estático, determinante e único. O trabalho de
Teresa Caldeira (2000) intitulado “Cidade de Muros” é essencial para compreender este assunto.
Dentro do estudo de crime e segregação, a autora analisa os movimentos habitacionais dos
moradores de São Paulo, principalmente no que tange à divisão social por bairros, mostrando como
que a dinâmica dos ricos no centro e os pobres na periferia que constituiu as metrópoles brasileiras
até os anos da década de 70, com a entrada nos anos de 1980 e principalmente 1990, transforma-se
em um outro arranjo habitacional. Num estudo sobre São Paulo, a autora revela que, ao passo que o
centro se expandia e ficava mais denso e heterogêneo, as camadas ricas começam a procurar regiões
mais afastadas.

Os outros municípios da região metropolitana foram muitas vezes tratados como uma
simples extensão da periferia da capital. Isso foi verdadeiro nos anos 60 e 70, mas nos
últimos quinze anos os processos que afetam essas cidades têm sido mais complexos,
modificando as antigas relações com o centro. (CALDEIRA, 2000, p. 252).

Os espaços metropolitanos são redesenhados quando camadas de alta renda vão construir ao
lado de favelas precarizadas. Modificam-se essas relações com o centro pois um outro tipo de
código começa a imperar fortemente sobre a cidade: o da segurança. Caldeira (2000) explica como
o aumento da violência, do medo, e desrespeito aos direitos de cidadania, gera novas formas de
segregação espacial e discriminação social. O medo acaba por legitimar novas tecnologias de
segurança (além de todo um mercado), que não só aumentam o discurso do medo, mas também
reforçam preconceitos. Um desses fenômenos é justamente a retirada das classes alta e média para
regiões fora do centro, nas cidades metropolitanas, nos condomínios privados.
Esses condomínios, que a autora chama de “enclaves fortificados”, não são um fenômeno
isolado, mas são “uma nova forma de segregação das cidades contemporâneas” (CALDEIRA, 2000,
p. 258). Acentua-se a segregação espacial da cidade e a desigualdade social fica mais visível. As
classes sociais vivem mais próximas uma das outras, mas elas são separadas por muros, grades,
equipamentos de segurança, garantindo a vigilância e o controle de quem entra e sai. Os enclaves
segregam pois são voltados para seu interior e negam a característica pública do resto da cidade.
20

São espaços predominantemente homogêneos, verdadeiras barreiras físicas e simbólicas que


diferenciam as classes sociais. A relação entre elas quando acontece no próprio condomínio é como
patrão - empregado. Se os moradores das comunidades vão trabalhar nos condomínios luxuosos,
eles entram portarias destinadas aos prestadores de serviço. Esses enclaves são mais uma
manifestação dos contrastes da vida urbana, mudando o panorama das cidades e o caráter do
espaço. (CALDEIRA, 2000).
É importante ressaltar aqui que ao longo do texto e da análise dos fatores referentes à Vila
Zumbi, os conceitos de centro e periferia se dão no sentido da explicação de Kowarick (2000): a
falta de equipamentos urbanos somada à distância e a dificuldade de acesso à infraestrutura, que
constituem uma vida precarizada. Além disso, tomamos como conceito de ilegal e legal a definição
de Alfonsin (2007), na qual ela diz que a dualidade legal/ilegal na cidade, é produzida junto com a
legalidade, ou seja, a cidade ilegal tanto jurídica quanto urbana é fruto da história da regulação, que
define o que é moradia regular, a partir do momento que pessoas começam a comprar e adquirir
terras oficializadas, e que, enquanto isso terras que não possuem titulação acabam ficando em
desconforme com a lei, que por consequência, não recebe investimentos em equipamentos públicos,
colocando as pessoas em situações mais vulneráveis.
Assim, podemos entender como as dinâmicas das configurações sociais são essenciais para
compreender os problemas que acontecem na sociedade hoje em dia. A cidade é um local em que
podemos entender melhor os obstáculos da democracia. Como nos diz Maricato (2000, p.24), “não
é possível dissociar esse urbano e essa moradia dessa sociedade e desse modelo de industrialização
e desenvolvimento”. Pelo demonstrado, se viu que existem medidas no âmbito macroestrutural que
fazem da autoconstrução periférica a única saída para as camadas mais pobres. Cabe agora discutir
como que ela entrou na agenda governamental, como que o poder público lidou com essa questão.

1.1 HABITAÇÃO COMO PROBLEMA

Esse próximo tópico pretende fazer um trajeto histórico sobre a preocupação do Estado com
a habitação e como ela passou a ser vista como uma questão social, mostrando a dinâmica entre a
escassa oferta de habitação popular no século XX e como que o poder público lidou com isso, em
escala nacional. Ou seja, queremos ver como a habitação virou um tema na agenda das políticas
públicas. A ideia recorrente entre os autores estudados foi a de que as medidas do Estado vão além
da vontade de suprir uma demanda popular, mas estão muito baseadas nos seus interesses políticos.
Alinhamo-nos a esta perspectiva ao pretender entender essa relação poder público e sociedade, e
21

vários dos estudiosos trabalham com a hipótese dos interesses econômicos e políticos por trás de
políticas públicas. Contudo, vemos que as diferentes fases do governo brasileiro – República Velha,
Era Vargas, Ditadura Militar, Redemocratização e Era Lula – tomaram iniciativas diferentes frente a
habitação.
A habitação urbana começa a ser vista como problema pelo poder público a partir da
revolução de 30. Antes disso, segundo Bonduki (1994), o governo deixava a habitação por conta do
livre mercado. Na República Velha, com uma grande migração para os principais centros urbanos, o
mercado produzia habitação principalmente voltada para o aluguel. A moradia popular era
basicamente em cortiços e os primeiros conjuntos habitacionais foram em vilas operárias feitos
pelas próprias indústrias. Assim, as moradias estavam subordinadas às vontades do livre mercado
liberal.
A interação estatal que ocorreu no começo do século, foi baseada numa concepção
higienista, de que as habitações dos pobres eram locais com foco de epidemias e doenças e local de
concentração das classes perigosas. Assim, a intervenção foi no sentido de combater essas
aglomerações. No caso do Rio de Janeiro, também com a ideia de modernizar o centro, a principal
medida higienista ocorreu em 1904, e ficou conhecida como Revolta da Vacina. (CARDOSO,
2007), (CALDEIRA, 2000).
Segundo Bonduki (1994), quando ocorreu a Revolução de 30, Vargas teve que modificar as
bases de sustentação do novo regime para fortalecer o poder político. Assim emergem as massas
populares, um novo grupo que legitimaria o Estado. Isso fez com que o governo se voltasse as
políticas de direitos dos trabalhadores, firmando compromisso com eles. Mas também o Estado
tinha o interesse em impulsionar um desenvolvimento econômico de caráter industrial, capitalista e
urbano. “A intervenção do Estado na questão habitacional teve o duplo sentido de ampliar a
legitimidade do regime e viabilizar uma maior acumulação de capital no setor urbano através da
redução do custo de reprodução da força de trabalho.” (BONDUKI, 1994, p. 717).
Bonduki (1994) conta que a iniciativa privada não tinha dado conta da demanda de
habitação, portanto o Estado também entra para suprir essa lacuna. Assim, decidiram criar medidas
solucionais. Porém nunca se tratou de uma política de fato, por conta da desarticulação do Estado,
falta de recursos, interesses privados e iniciativas dispersas de intervenção. Mas existiram algumas
tentativas que, apesar de desarticuladas, tiveram influências sobre a emergência da habitação como
questão social. Nesse período foi a primeira vez que se mostra a “peculiaridade da habitação como
uma mercadoria especial, em que o interesse social ultrapassa os mecanismos de mercado”
(BONDUKI, 1994, p.719).
22

O autor em seu texto faz uma crítica à lógica clientelista e populista do governo, em que eles
utilizaram da habitação para conseguir apoio e legitimidade de seu governo, além de articular com
empresas privadas seus benefícios para garantir seus interesses internos. “O alcance de algumas
políticas estava menos ligada a solucionar problemas do que fazer uma estratégia econômica no
âmbito político”. (BONDUKI, 1994, p. 725).
A primeira medida então foi em 1942, o decreto-lei do inquilinato, que congelou os aluguéis
e passou a regulamentar as relações entre locadores e inquilinos. Fizeram a política tendo em vista
que nessa época 40% da população gastava boa parte de seus salários pagando o aluguel. Além
disso, o Estado precisava se industrializar mas não tinha recursos de acumulação prévia nem capital
externo. Assim, essa medida de controle administrativo portanto, teve também um interesse de
mobilizar recursos internos.
Porém, se essa visava ajudar a população necessitada, o efeito foi contrário: essa lei fez com
que alugar casas deixasse de ser rentável, e, somada aos projetos de valorização e modernização do
centro, levou os locatários a deixar de investir em aluguéis e começaram a vender as casas,
ocorrendo diversos despejos. Com essa redução de aluguéis, agravou-se a carência de habitações
nas cidades que continuavam a receber grandes fluxos migratórios. Isso gerou uma grande crise na
habitação. Essa situação resultou na saída dessas pessoas do centro, que foram buscar locais mais
distantes onde seria mais rentável construir suas próprias casas em terrenos ou devolutos ou
adquiridos a baixo preço. A lei do inquilinato acaba por ser também um dos fatores que
influenciaram padrão periférico de ocupação do solo. (BONDUKI,1994 p. 722).
Em 1937 ocorreu a criação das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensões
(IAPs), que funcionavam para captar recursos. Ainda que fossem primeiramente destinadas a
pagamentos previdenciários, investiu-se parte desse recurso em habitação popular. Em 1946, foi
criada a Fundação da Casa Popular. Seu objetivo era produzir moradia para a população de baixa
renda. Porém nunca conseguiram articular os recursos necessários para seu funcionamento, que era
permeado de jogos de interesse. Mesmo que não tenha dado certo a Fundação da Casa Popular
como órgão central, elas representou uma ação concreta, que deu início à ideia da importância da
habitação social no Brasil, e de que o Estado deveria intervir nessa questão. Também, mesmo sendo
ações desarticuladas que não formaram uma política de fato, as ações da IAP e da FCP ao menos
conseguiram abrigar em torno de 1 milhão de pessoas. (BONDUKI, 1994, p. 726).
Uma outra fase importante começa a partir de 1964, quando, na ditadura militar, fundou-se o
Banco Nacional de Habitação (1964-1986), e depois o Fundo Nacional de Habitação. Em 1964, o
regime militar queria reduzir as pressões inflacionárias sem provocar uma grande depressão
econômica e também precisava compensar as massas pela retirada de seus direitos civis e contenção
23

salarial. Assim, uma produção mediante um plano governamental de construção de residências


estimularia a produção industrial e resolveria o problema da carência habitacional (WERNER,
1988). “O sistema engendrado em torno do BNH conseguiu superar o impasse, por meio de uma
fórmula que canalizaria para a construção civil recursos gerados no próprio setor
privado.”(BOLAFFI, 1975, p. 46).
Assim o BNH e o SFH foram criados pela Lei n. 4.380 de 21 de agosto de 1964. Em 1967 o
BNH recebe os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o que o torna um dos maiores
bancos do País. Alguns de seus objetivos seriam, dentre os principais: a coordenação da política
habitacional; o financiamento para saneamento; a melhora do padrão habitacional; a eliminação de
favelas; a redução do preço de habitação pelo aumento da oferta; a redistribuição regional dos
investimentos; o estímulo ao investimento na construção civil; e aumento da oferta de emprego.
Na época da ditadura, as políticas habitacionais que efetivamente ocorreram foram mais
caracterizadas, como mostra Cardoso (2007), pela remoção de favelas, realocação e pelo
desfavelamento. Para citar uns exemplos, duas medidas foram: A Coordenação de Habitação de
Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (CHISAM), no Rio de Janeiro, que se
desenvolve até 1974, com recursos do BNH, e se caracterizou por ações de remoção de favelas da
zona sul da cidade; e a Coordenação de Habitação de Interesse Social (CHISBEL) em Belo
Horizonte, com cerca de 10.000 famílias expulsas. Essas medidas de remoção receberam críticas
por afetarem negativamente a população atendida, por desarticular laços de sociabilidade e
aumentar gastos com transportes (CARDOSO, p.10, 2007).
Também, a partir de 1967, a renda mínima para ser beneficiário do BNH passa a ser de 5
salários mínimos, o que excluiu exatamente a parte da população que mais precisaria de
financiamento (CARMO, 2007, p.5). Segundo Cardoso (2007, p. 3), foram “produzidas cerca de 4,5
milhões de unidades, com 48,8% do total destinadas aos setores médios, e 33,5% formalmente
destinadas aos setores populares.” Assim as ações do BNH não fizeram o que manifestavam e além
disso os capitais provenientes da arrecadação tributária foram transferidos para uma minoria
proprietária (BOLAFFI,1975, p.67).
Bolaffi (1975) mostra que o programa era mais votado para resolver políticas econômicas do
que realmente fazer casas populares. Uma das ações contraditórias do banco que o autor evidencia é
o fato do banco repassar os recursos do FGTS para a iniciativa privada. Os investimentos em
habitação não passaram de um “artifício político formulado para enfrentar o problema econômico
conjuntural” (BOLAFFI, 1975, p.47). Até porque, como sustenta o autor, a partir de 1967 a
economia começa a melhorar e as condições habitacionais populares vão sendo esquecidas. O BNH
24

durou por 20 anos, extinto em 1986, e segundo Cardoso e Aragão (2013), acabou por causa da crise
financeira, modelo político recessivo, inadimplência e inflação elevada.
Depois do fim da ditadura militar vieram os governos de Sarney e Collor que, permeados
por lógicas clientelistas, instabilidade institucional, má utilização do FGTS, criaram e extinguiram
vários ministérios e secretarias, marcando um período incerto na gestão de políticas habitacionais:

Na segunda metade dos anos 80, a crise do Sistema Financeiro de Habitação e a extinção
do BNH criaram um vácuo com relação às políticas habitacionais, através de um processo
de desarticulação progressiva da instância federal, com fragmentação institucional, perda de
capacidade decisória e redução significativa dos recursos disponibilizados para
investimento na área. Assim é que, entre 1986 (data da extinção do BNH) e 1995 (quando
tem início uma reestruturação mais consistente do setor), a política habitacional foi regida
por vários órgãos que se sucederam ao longo período, sem que se conseguisse resultados
efetivos (ARRETCHE , 1996,p. 81 apud CARDOSO, 2008, p. 3)

Assim, a área da habitação ficou por dois governos sem qualquer financiamento.
(CARDOSO, 2008, p. 4). Após esse período de instabilidade institucional no setor, com o fim do
BNH e o repasse de seus recursos para a Caixa Econômica Federal, a estabilidade volta a partir de
1995. Segundo Cardoso (2008), durante o governo FHC:

Após a reorganização do setor, foram criadas novas linhas de financiamento, tomando


como base projetos de iniciativa dos governos estaduais e municipais, com sua concessão
estabelecida a partir de um conjunto de critérios técnicos de projeto e, ainda, da capacidade
de pagamento dos governos subnacionais. (CARDOSO, 2008. p.5).

Os principais atos do governo FHC na questão da moradia foram: o reconhecimento da


cidade ilegal e a extensão dos direitos e da cidadania; o conceito de deficit que incorporou áreas
ocupadas precariamente; e a descentralização e diversidade dos programas. (MOREIRA; LEME,
2011, p. 8). Também foi em seu governo, em 2001, que foi aprovado o Estatuto da Cidade, uma
grande conquista para as políticas sociais urbanas.
Após o período da ditadura militar, as políticas deixaram de ser voltadas à remoção e à
realocação mas passaram a se voltar mais para a urbanização e regularização, com uma maior
autonomia de estados e municípios, o que faz da habitação um tema recorrente nos três níveis de
governo. A pressão causada por movimentos urbanos, com uma maior consolidação da democracia,
também fortaleceu a participação dos municípios, uma vez que poder local é o principal interlocutor
das organizações populares num contato direto com os problemas da população pobre. (MOREIRA;
LEME, 2011,p.7).
25

Além disso, como nos mostra Cardoso (2007) a Constituição de 88 foi muito importante
pois trouxe ideais mais democráticos e instituiu a função social da propriedade urbana, conferindo
legitimidade à regularização fundiária. O Estatuto da Cidade passa a se configurar como o principal
quadro normativo que orienta as ações na área da política urbana no país. (CARDOSO, 2007, p.
12).

As mudanças no quadro institucional do país, promovidas pela nova Constituição, aliadas à


iniciativa dos novos governos locais e a fragilidade das políticas federais (descentralização
por ausência) geraram um efetivo processo de descentralização e municipalização das
políticas habitacionais, a partir de meados dos anos 80. Esse processo é visto de uma forma
positiva por parte da literatura especializada, que ressalta a potencialidade da gestão local
em ampliar a eficácia, a eficiência e a democratização das políticas.(CARDOSO, 2008 p.
9).

Segundo Cardoso e Aragão (2013), com Lula no poder se trouxe um novo modelo de
intervenção, o que fez a questão habitacional entrar em uma outra fase. Primeiramente, Lula criou o
Projeto Moradia, que propunha medidas mais democráticas tendo dentre suas propostas: uma base
de organização, com a criação do Sistema Nacional de Habitação, formado pelos três entes da
Federação (União, Estados e Municípios); uma gestão mais democrática, com a criação de
conselhos, contando com movimentos sociais, entidades, ONGs, universidades e especialistas; e um
Fundo Nacional de Habitação. Todas essas medidas vieram a se efetivar de fato com a criação do
Ministério das Cidades, que deu continuidade às ideias presentes no projeto.
O Ministério das Cidades serviria de órgão coordenador, gestor e formulador da Política
Nacional de Desenvolvimento Urbano, envolvendo, de forma integrada, políticas relacionadas à
cidade (MOREIRA; LEME, 2011, p.9). Foi criada a Política Nacional de Habitação, ocorreu a
Conferência Nacional das Cidades em 2003, foi criado um Fundo Nacional de Habitação em
Interesse Social (FNHIS), um Plano Nacional de Habitação e uma Secretaria Nacional de
Habitação, todos eles atuantes em esferas Federais, Estaduais e Municipais, com repasse de verbas e
uma grande administração.

Os Fundos de HIS seriam os mecanismos que permitiriam aos Municípios alavancar


recursos próprios e potencializar os recursos federais ou estaduais que lhes fossem
repassados. Ao mesmo tempo os Conselhos Gestores dos Fundos locais promoveriam uma
maior participação da sociedade civil em relação à definição sobre a alocação e ao uso dos
recursos aportados para HIS. O fortalecimento da esfera estatal local indicava a necessidade
da construção de uma nova cultura política e de novos mecanismos institucionais para as
ações de política urbana e habitacional. ( CARDOSO,ARAGÃO. 2013,p. 32)
26

O FNHIS marca um momento inovador na política habitacional, em que se manifestou um


compromisso do governo federal em subsidiar a produção de moradias para as camadas de baixa
renda (CARDOSO, ARAGÃO 2013,p. 32). Esse cenário foi facilitado pelo crescimento econômico
da época, e também com a criação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em 2007.
Por fim, Lula também criou o Programa Minha Casa, Minha Vida em 2009, destinado a
famílias com renda de até R$ 1.395,00. O programa é até hoje gerido pelo Ministério das Cidades e
operacionalizado pela Caixa Econômica Federal. Ele representa uma grande política pública e já
possui reconhecimento em virtude de sua amplitude e capacidade de realização.
Segundo Santos (2017, p. 54) “O PMCMV é orientado por diferentes modalidades e
critérios de renda, buscando facilitar a aquisição de imóveis, em contrapartida aquecer a economia
do setor da construção civil e gerar empregos”. A dupla intenção, já presente nos outros governos,
aparece aqui também. A autora, em sua dissertação, nos mostra que o agente do programa é o setor
privado, as empreiteiras da construção civil. A Caixa Econômica Federal (CEF) avalia os projetos
elaborados pelas construtoras e repassa o subsídio para a construção, e os estados e municípios
organizam a demanda habitacional, encaminhando para a CEF os cadastros das famílias a serem
atendidas, como também flexibiliza as legislações sobre o uso do solo para facilitar o processo.
Kowarick (2000) mostra como o Estado é um agente importante. Primeiro que o
investimento que este coloca no espaço é o que dita a valorização diferencial da terra, sendo então
um ator decisivo no processo de especulação e segregação. Segundo, quando o Estado trabalha a
favor de seus interesses, na busca por benefícios socioeconômicos, eles favorecem as classes de
maior renda mas também a minoria, que também consome o bem coletivo. Isso é algo que, mesmo
que o acesso seja precário, é necessário para garantir a força de trabalho, como também uma boa
maneira do Estado aparecer como um agente que zele pelo benefício de todos, ganhando assim
apoio popular.
Com esse percurso histórico vimos que, ainda que existam medidas que favoreçam as
camadas populares, não é incomum o investimento em habitação com a dupla finalidade de
melhorar o problema da moradia e de produzir um crescimento econômico, como também buscar
um apoio popular para legitimar suas medidas.
27

2 A CURITIBA METRÓPOLE

Todo esse caminho que percorremos para mostrar historicamente a realidade brasileira foi
porque isso também se vê no tipo de habitação que se constituiu na Vila Zumbi. O padrão segregado
de ocupação do solo também se reproduziu em Curitiba, num contexto brasileiro de metropolização
e expansão das cidades no séc XX. Porém a cidade de Curitiba possui algumas especificidades.
Como Colombo não é uma cidade isolada, mas está inserida na Região Metropolitana de Curitiba
(RMC), ela possui uma história característica marcada pela metropolização da cidade polo. Antes
de entender o que aconteceu na Vila Zumbi, temos que entender um pouco o contexto em que a
ocupação aconteceu, ou seja, localizá-la no seu devido lugar na cidade de Curitiba.
Madianita Silva (2014) afirma que a realidade curitibana seguiu a mesma do Brasil, com
uma grande urbanização a partir de meados do séc XX e também com a mesma necessidade de
moradia popular. Ao mesmo tempo que acontecem obras e investimentos na cidade – setores
industriais, expansão do centro, obras públicas – estes vão também encarecendo essa região,
fazendo com que reste aos pobres somente regiões precárias de investimentos. “A periferia formada
no entorno da cidade polo derivou especialmente da ação de proprietários e incorporadores
imobiliários” (SILVA, 2014, p. 67).
Para abordar o tema de Curitiba, este capítulo está dividido em 5 partes: a primeira falará
sobre a história, focando em sua expansão urbana. Em seguida abordaremos os aspectos referentes
ao planejamento urbano da cidade, algo que fez com que seu crescimento fosse diferenciado das
demais metrópoles, e que transformou sua lógica de crescimento. Terceiro, falaremos da expansão
industrial que se deslocou para a região metropolitana e mudou as dinâmicas sociais da região. Em
quarto lugar, falaremos sobre as ocupações irregulares e o papel delas na expansão do território
urbano. E por último, abordaremos alguns aspectos demográficos que ilustram melhor todo o texto,
expondo principalmente a dinâmica socioeconômica da população na região, focando na
participação da cidade de Colombo e como esta se constituiu como cidade da região metropolitana.
O intuito é mostrar as singularidades de Curitiba como metrópole, e apontar as especificidades que
a constituem, que a diferenciam de outras metrópoles, para que possamos compreender em que
contexto se insere a Vila Zumbi.
28

2.1 HISTÓRIA DO CRESCIMENTO DE CURITIBA

Conforme Pilotto (2010) , a história de Curitiba foi marcada pelos interesses da classe
dominante, sob a mediação do Estado e isso estruturou o espaço intra-urbano curitibano de forma
segregada. Interessa aqui passar brevemente sobre essa história, marcando algumas datas
interessantes, para que possamos entender um pouco da dinâmica de crescimento de Curitiba.
Curitiba começou como uma vila, feita por tropeiros, que usavam o local como ponto de
passagem para atender a extração de ouro até o século XIX. Depois, a produção de Erva-mate a
constituiu como cidade. Em 1853 o Paraná se desmembrou de São Paulo e Curitiba virou a capital.
No período a cidade tinha duas saídas principais: a estrada a Oeste, iniciada em 1871, que iria para
o interior do estado e para o Mato Grosso, e a Leste, a Estrada da Graciosa, fundada em 1876, que
dava acesso ao litoral. A primeira começava onde hoje é o Batel, e a segunda onde é o Alto da
Glória. Os grandes produtores de Erva-mate se instalaram nessas duas regiões, enquanto o centro
ficava onde hoje é a praça Tiradentes. De acordo com Pilotto (2010), o principal fator que determina
as primeiras ocupações é a acessibilidade em que essas áreas ditaram pra onde a cidade cresceria,
baseada nos interesses das camadas de alta renda.
Em 1880 foi feita a primeira grande obra de saneamento, o Passeio Público, a fim de drenar
o Rio Belém. Em 1885 foi criada a estrada de ferro mais ao sul, direcionando a cidade para esta
outra direção. A ferrovia dividiu o espaço, fazendo com que na frente ficassem os prédios públicos,
na atual Barão do Rio Branco, que ligava o centro à ferroviária, e atrás dela, as fábricas. Com a
construção da ferrovia também houve o aumento da população. Entre 1880 e início do séc XX,
começaram as grandes ondas de imigrantes que formaram bairros no entorno do centro, como
Mercês, Santa Felicidade, Pilarzinho, Cabral e Bacacheri, expandindo do território, principalmente
a Norte, pois ao Sul os terrenos eram mais alagadiços. (PILOTTO, 2010).
Depois da virada do século a cidade foi crescendo a uma taxa de 7,32% ao ano, com a
população passando de 24.553 mil habitantes em 1890, para 49.755 em 1900, 79.986 em 1920, e
140.656 em 1940.
Durante o começo do século XX, muito foi feito em questão de infraestrutura, como linhas
de bondes, aumento do comércio e serviços, e aumento das instituições públicas no centro.
Também, formaram-se os primeiros bairros populares, a leste da ferrovia, no Capanema, Prado
Velho e Cajuru. (PILOTTO, 2010).
Entrando na década de 1950, as principais mudanças, segundo Pilotto (2010), foram o início
da verticalização do Centro, com uma grande construção de prédios, o aumento da atividade
imobiliária e a criação do Centro Cívico como centro administrativo da cidade, que valorizou
29

rapidamente essa região. Foi também construída a BR-116 que dá acesso à São Paulo e que vem a
ser depois um divisor da cidade. Na década 1960 foi criado o primeiro conjunto habitacional de
Curitiba, a Vila Nossa Senhora da Luz e também aumentou-se a verticalização. Com a entrada nos
anos da década de 1970, começaram a aparecer as primeiras ocupações irregulares da cidade. Se
concretizaram os setores estruturais, as canaletas de ônibus e as vias expressas, a verticalização em
seu entorno, a expansão do centro e o começo da conurbação de Curitiba com os municípios
vizinhos. (PILOTTO, 2010). Também nessa década, foi instalado o CIC, Centro Industrial de
Curitiba. Essa disposição estava prevista dentro do PDU, Plano de Desenvolvimento Urbano de
1965, e realocou as indústrias do bairro Rebouças para o Sudoeste do Município. No mapa a seguir
conseguimos ver como se deu a expansão urbana da cidade durante toda a segunda metade do séc
XX:

FIGURA 1 – EVOLUÇÃO DA OCUPAÇÃO URBANA DE CURITIBA E


REGIÃO METROPOLITANA

FONTE: IPPUC/ Banco de Dados


30

De 1950 aos anos da década de 1970 foi um período que marcou a história de Curitiba, pois
foi nessa época que começaram os investimentos em planejamento, algo que constitui um
importante diferencial para Curitiba em relação às outras capitais do país. Também foi a partir
dessas décadas que a região metropolitana de Curitiba vai aderindo forma.
Moura e Ultramari (1994) contam que o crescimento populacional da RMC foi de 5,78% ao
ano, enquanto o índice das outras regiões metropolitanas do Brasil foi de 2,48%, na década de 80.
Merecem destaque alguns fatores que provocaram essa expansão da mancha urbana em direção às
cidades limítrofes de Curitiba. Segundo Moura e Ultramari (1994), a ocupação da região
metropolitana se deu pelo fato do planejamento urbano, que excluiu a população baixa renda,
somado ao fator das atividades produtivas e geradoras de emprego, com a industrialização na RMC.

A intensidade do processo de ocupação do espaço metropolitano deve-se a dois fatores,


basicamente. O primeiro ligado à presença de atividades produtivas e geradoras de
emprego, como ocorre em Araucária - segundo distrito industrial em importância na
Região, superado apenas pela Cidade Industrial de Curitiba; São José dos Pinhais - que
conjuga atividades produtivas do sector secundário e a maior acessibilidade ao pólo,
acumulando assim a função “dormitório”; e Rio Branco do Sul - pólo de atividades da
indústria de transformação de minerais não metálicos. O segundo fator, e nesse caso o mais
forte, está ligado ao custo da terra e às restrições impostas pelo planejamento urbano de
Curitiba que direcionaram a ocupação para áreas contíguas pólo, em territórios de outros
municípios. Esses ofereciam disponibilidade de terra parcelada e de menor valor, aliada à
acessibilidade ao pólo, garantindo a moradia a uma faixa de população economicamente
ligada às actividades do secundário e terciário concentradas em Curitiba. Condicionados
por esse fator se enquadram os municípios que mais cresceram na última década, quais
sejam, Colombo, Almirante Tamandaré e Piraquara - a N/NE de Curitiba , que podem ser
caracterizados como "dormitórios. (MOURA E ULTRAMARI, 1994, p.9).

Outro fator também foi o espraiamento de Curitiba para os municípios vizinhos, por conta
das migrações e do aumento populacional. Nas próximas páginas, falaremos um pouco sobre cada
um desses fatores isoladamente, para aumentar nossa compreensão de como se deu o fenômeno de
metropolização de Curitiba.

2.2 PLANEJAMENTO URBANO EM CURITIBA

O primeiro plano diretor de Curitiba foi criado, em 1943,o Plano Agache . Ele previa que a
ocupação da cidade seria feita em sentido radial, e dava mais algumas diretrizes. Logo depois, esse
plano foi substituído pelo Plano Preliminar de Urbanismo (PPU), em 1966, feito pelo IPPUC,
autarquia municipal criada em dezembro de 1965, que tomaria conta das questões urbanísticas da
cidade. Em 1965 foi aprovado o primeiro plano diretor de Curitiba, contendo as normas do PPU.
31

Em 2004 o Plano Diretor foi adequado às diretrizes do Estatuto da Cidade e em 2015 ocorreu a
revisão do plano diretor. (IPPUC, 2017).
O PPU, feito em 1965, foi decisor pra história de Curitiba, pois ele previa mudanças
estruturais na ordenação da ocupação da Cidade, que orientaram muitas das dinâmicas que
ocorreram depois. A principal diretriz do plano foi a construção dos Setores Estruturais, mudando
de um crescimento radial para um crescimento linear orientado na direção nordeste-sudoeste.

FIGURA 2 - PROPOSTA DO ESQUEMA VIÁRIO


DO PPU

FONTE: IPPUC, elaborado por Souza( 2001)

Contudo, essa mudança teve efeitos grandiosos. Souza (2001), conta como que o
planejamento urbano em Curitiba causou segregação espacial. A análise do autor também nos ajuda
a entender o que Moura e Ultramari (1994) falam, de como o planejamento urbano em Curitiba
influenciou no crescimento da RMC, ordenando o uso do solo de acordo com o aumento do preço
da terra e os imigrantes que aqui chegam não conseguem acessar terrenos em Curitiba, indo para os
demais municípios.
Souza (2001) estuda o Plano Preliminar de Urbanismo tentando entender as categorias de
análise que os planejadores mobilizaram, e como elas serviram para uma operação que redesenhou
a cidade, apontando o viés estratégico e seletivo do planejamento urbano em Curitiba. O PPU segue
uma ideologia do planejamento racional, baseada em ideais modernistas e na “crença no poder da
32

arquitetura e do urbanismo no ordenamento do espaço e na (trans)formação do comportamento das


camadas mais pobres da população.” (SOUZA, 2001, p. 107). Porém, para o autor não existe
neutralidade técnica, é tudo “procedimento” de poder, com consequências políticas.

Equipamentos urbanos planejados devem ser entendidos como equipamentos de poder, pois
atuam dividindo certos espaços, integrando, combinando ou bloqueando outros, reforçando
as hierarquias sociais e normalizando comportamentos. Os equipamentos distribuídos na
cidade, a partir de estudos técnicos rigorosos, codificam os fluxos, regulam as exclusões, ou
inclusões parciais, dos diferentes habitantes urbanos diante dos múltiplos espaços.
(SOUZA, 2001, p. 109).

Assim, Souza (2001) analisa a elaboração e implementação dos Eixos Estruturais,


mostrando como que o planejamento urbano de Curitiba foi feito de forma desigual, valorizando os
espaços que já eram de camadas mais ricas, e desvalorizando ainda mais os espaços das camadas
pobres da população.
O desenvolvimento da cidade, não só ignorou a população pobre do planejamento, mas
também tratou sua ocupação na porção sul da cidade como inorgânica, ruim para a cidade. Ou seja,
os urbanistas traçaram o perfil da população e espaço a ser valorizado baseado num estudo já
seletivo, mesmo sabendo da presença dos imigrantes recentes, em geral do próprio paraná.

O principal objetivo do PPU era dotar racionalmente a cidade dos atributos técnicos e
espaciais necessários ao progresso econômico. Para tanto, o olhar urbanista construiu as
dificuldades como “residuais”, momentâneas e recentes, em oposição ao duradouro,
essencial e natural, capaz de indicar as potencialidades de Curitiba. A população pobre,
habitante de uma região insalubre, foi representada como insignificante em termos
estatísticos e tornou-se invisível para o planejamento (SOUZA, 2001, p. 111).

Utilizando de critérios definidos pelos próprios planejadores3, os urbanistas mostraram que


Curitiba tinha a vocação para crescer de maneira longitudinal, sudoeste-nordeste. Isso marcou
fronteiras em Curitiba, definindo quem ficaria dentro e quem ficaria fora dessa tendência. “Ao
tornar a tendência radial do crescimento urbano em Curitiba invisível, o PPU lança mão de novas
ferramentas estratégicas para reafirmar as velhas opções seletivas das políticas urbanas” (SOUZA,
2001, p. 115). Ou seja, para o autor a distribuição dos equipamentos públicos não são simples
instrumentos funcionais, mas mostram como ocorre a apropriação de bens urbanos.

3 O critério adotado para a elaboração do PPU conforme explica Souza (2001) foi o de densidade, que seria
basicamente dividir a cidade em UVs ( unidades de vizinhança) e direcionar o planejamento para as áreas mais
densas e menos dispersas. “Os técnicos do PPU fizeram um esforço extra de racionalidade [...] para tentar
comprovar, a partir do critério de densidade, a vocação natural da cidade para o crescimento linear
nordeste/sudoeste.” (SOUZA, 2001, p. 113)
33

Ordenar o espaço da cidade significa também determinar as áreas que devem ser
valorizadas monetariamente a partir de investimentos em infraestrutura e que tenham a
garantia de manutenção e até de ampliação do seu valor. E o valor do espaço não está
associado apenas à sua topografia, mas, fundamentalmente, aos investimentos em
equipamentos urbanos. Ocorre que a intensidade e a qualidade desses investimentos pela
administração pública está diretamente ligada ao tipo de população que ocupa ou ocupará
um determinado espaço. (SOUZA, 2001, p.118 )

Apesar das determinações do planejamento urbano de Curitiba, da tendência logitudinal, o


autor mostra que o crescimento da cidade continuou radial. O que aconteceu foi um aumento de
valor em áreas que já eram valorizadas, enquanto afastava as camadas pobres.

O que o planejamento fez, no caso de Curitiba, foi ao mesmo tempo preservar o centro e
garantir a expansão da sua ordem. O plano possibilitou ao centro um crescimento regulado
na justa medida que abriu com os eixos estruturais o caminho para que sua lógica se
estendesse com segurança. Não que o crescimento da cidade tenha seguido o traçado linear.
A Curitiba pós-PPU cresceu a partir do centro de maneira radial, mas sem o risco de
bloqueio pela ocupação do espaço por grupos populares.(SOUZA, 2001, p. 120)

Assim, com a implantação dos setores estruturais e com a barreira feita pela BR-116 (como
aparece na figura 2), o papel estratégico do plano era de valorizar, expandir, e estocar os espaços
nobres contendo a possibilidade destes serem ocupados pelas camadas pobres, mantendo-as
distantes. Essa distância colaborou para as ocupações nas outras cidades metropolitanas.

A capital parece selecionar seus migrantes, reservando a Região Metropolitana de Curitiba


(RMC) como espaço para as classes populares, enquanto privilegia o recebimento das
camadas médias e altas dos novos migrantes. Essa seleção não natural de fluxos migratórios
tem, conforme será explicitado neste artigo, seu ponto de partida nas transformações
urbanas planejadas e experimentadas pela cidade na década de 70, quando foram
executadas as principais diretrizes do Plano Preliminar de Urbanismo (PPU). (SOUZA,
2001,p. 107).

Ao mesmo tempo que o planejamento mudou o perfil da Cidade, principalmente com os


Setores Estruturais e com a verticalização de Curitiba que acompanhou essa infraestrutura, o
planejamento não incluiu os mais pobres. Voltamos ao que Moura e Ultramari (1994) expuseram: as
diretrizes dos planejadores urbanos dos anos da década de 1970, que encareceram as áreas mais
centrais da cidade, além de não terem incluído os pobres em suas delimitações, os expulsou ainda
mais para as regiões periféricas. Assim, um dos condicionantes do aumento da população na região
metropolitana foi o planejamento urbano de Curitiba, que, somado a especulação imobiliária que
veio junto, como mostra Souza (2001), expulsou a população mais pobre, tanto para a zona sul da
cidade, quanto para as outras cidades da RMC. Com essa explicação conseguimos entender como
34

que algumas dinâmicas do Estado deslocam a população pobre para as cidades metropolitanas, e
influênciam em muitas questões de habitabilidade e crescimento da cidade.4

2.3 DINÂMICA INDUSTRIAL NA RMC

Moura e Ultramari (1994) explicam que o Paraná, em 1970, passou por mudanças
econômicas ligadas à agricultura e formação de um parque industrial, e essas mudanças seriam
grandes responsáveis pela migração campo-cidade, principalmente com a criação do CIC nos anos
da década de 70. Até então as fábricas se localizavam perto da rodoviária, no bairro rebouças. Duas
décadas depois outra mudança na dinâmica Industrial ocorreu na RMC.
Olga Firkowski (2002) desenvolve um estudo mostrando como aconteceu ocupação
industrial, após a criação do CIC e do CIAR5 em que a nova lógica de industrialização muda o perfil
da região metropolitana em termos de infraestrutura, aumento da população e mudanças na
legislação.
A autora mostra que, a partir da década de 1990, ocorre uma descentralização industrial no
aglomerado metropolitano de Curitiba. Com o apoio do Estado, que visava a atração de
investimentos, as indústrias que antes se consolidaram nos anos 70 nas Cidades Industriais definidas
para o uso predominantemente industrial a oeste da cidade, vão para outras regiões do aglomerado
metropolitano. Os protocolos analisados pela autora confirmam que até o início dos anos 2000, as
indústrias passam a se localizar em outras cidades da RMC, as quais conjugavam “atividades
produtivas do setor secundário e a maior acessibilidade ao pólo, acumulando assim a função
‘dormitório’” (MOURA; ULTRAMARI, 1994, p.9). Dentre elas estão São José dos Pinhais,
Pinhais, Quatro Barras, Colombo, Piraquara, e Rio Branco do Sul, com atividade de indústria e de
minerais não metálicos.
Essa nova fase se caracteriza por um diferente processo organizacional e técnico, inserido
num contexto toyotista, em que “o processo produtivo se (des)integra no interior de uma grande
unidade produtiva a partir de empresas diferenciadas, sem vinculação jurídica” (FIRKOWSKI,
2002 p. 85). Dito em outras palavras, a indústria se reorganiza, fragmentando a produção em

4 Há toda uma a bibliografia sobre o planejamento urbano de Curitiba e sobre o planejamento integrado. Dentre eles
podemos citar os trabalhos de Botega do Carmo (2010), Namur (1976) que estuda a criação do IPPUC, e Fernandes
(1979), que estuda a especificidade do Planejamento Urbano em Curitiba, o qual demorou para incorporar os outros
municípios da RMC. Como o foco do trabalho não é o planejamento, interessa apenas ressaltar que existe essa extensa
gama de estudos feitos nesse sentido, devido a Curitiba ser uma cidade referência em planejamento urbano.

5 CIAR é o Centro Indústrial de Araucária, uma área contígua a do CIC que fica no município metropolitano de
Araucária, e possui a mesma finalidade industrial do CIC.
35

diferentes empresas, mas que se localizam num mesmo espaço geográfico dado, formando os
distritos industriais.
A nova lógica territorial de descentralização das empresas pela região metropolitana está
intimamente relacionada a essa nova dinâmica industrial de flexibilização da produção, em que a
montadora é acompanhada pelos fornecedores, dividindo o trabalho entre mais de uma empresa.
Sendo assim, desse movimento “resulta que o fenômeno da localização transforma-se um poderoso
motor de crescimento urbano” (FIRKOWSKI, 2002, p. 92), pois com o movimento da indústria há
também o movimento das pessoas e trabalhadores que também passa a atrair o setor de serviços e
comércio. Além disso, essa mudança é também de interesse das prefeituras e do governo estadual,
que se submetem aos interesses privados em nome de um desenvolvimento local-regional
(FIRKOWSKI, 2002, p. 93). Na RMC isso se deu principalmente pelas indústrias automobilísticas,
marcadas pela Renault e a Volvo, em São José dos Pinhais.
Essas mudanças também implicam em mudanças na legislação. Num primeiro momento,
segundo definições de zoneamento do Plano de Desenvolvimento Integrado de 1978, as áreas a
leste, Colombo, Almirante Tamandaré, Rio Branco do Sul, Pinhais, e São José dos Pinhais seriam
para um desenvolvimento de produtos rurais e hortifrutigranjeiros, por conta da sua localização
próxima de captação de água.
Contudo, segundo Firkowski (2002), a instalação industrial nessa região confirma que a
preocupação com a questão ambiental não é maior do que a de industrializar, tanto por parte das
empresas, que independente do zoneamento têm interesse nessas áreas, e do governo, que, pelo
interesse de trazer as empresas, permite a construção nesses locais. Então, mudou-se a legislação,
sob o argumento de que se “não houver uma política de ocupação dirigida e formal, essas áreas
tornam-se passíveis de ocupação clandestina e irregular” (FIRKOWSKI, 2002, p. 97). Essa
“desculpa” foi fundamentada pelas grandes ocupações irregulares que apareçeram nos anos 90 na
região, e dentre elas a Vila Zumbi. Assim, uma saída menos prejudicial seria a ocupação por grupos
de alta renda, que, ainda que fosse feita num terreno irregular para moradia seria menos prejudicial
que uma ocupação irregular. Para que a ocupação legal em terrenos de proteção ambiental pudesse
ocorrer, foram criadas as Unidades Territoriais de Planejamento (UTP), feitas pela COMEC.

As UTPs são espaços territoriais que sofrem pressão por ocupação e estão situados em
áreas urbanas dos municípios integrantes das áreas de interesse de proteção de mananciais.
Em geral, têm a finalidade de efetuar a transição entre áreas urbanas já consolidadas e as
áreas de maior restrição ambiental como as APAs, e/ou áreas rurais. (COMEC, 1998).
36

FIGURA 3 - LOCALIZAÇÃO DAS UNIDADES TERRITORIAIS DE PLANEJAMENTO NA RMC

FONTE: Site COMEC, ( 21/03/2018)

As UTPs abriram a possibilidade de construção em locais que antes possuíam restrições


ambientais bastante rígidas e que sofriam pressão da ocupação urbana. A UTP Pinhais se localiza do
lado da Vila Zumbi e engloba o Condomínio Alphaville. Além disso, as determinações de que era
necessário uma grande área verde nas construções também passou a ser um fator de valorização.
Esse foi o caso do Alphaville Graciosa, onde, por conta dessa alteração legislativa, possibilitou a
construção de um condomínio de luxo.

Os desdobramentos da mudança da legislação ficaram mais claros com o passar do tempo,


e nortearam, por exemplo, a recente implantação do Alphaville Graciosa no município de
Pinhais, o que tampouco poderia acontecer se tivesse sido mantida a legislação anterior e se
a nova Lei de Proteção aos Mananciais não tivesse sido sancionada. Segundo a nova lei, os
municípios recuperam autonomia para a definição dos usos permitidos em áreas de
mananciais (FIRKOWSKI, 2002, p. 96).

Nesse sentido, como nos conta Firkowski (2002), o interesse do poder privado e do Estado,
mais uma vez estão em concordância.
37

Portanto, as modificações no uso e ocupação do solo e na legislação, efetuadas em função


da grande indústria, também foram benéficas a outros setores, particularmente o
imobiliário, demonstrando mais uma vez a parceria que se estabelece entre o público e o
privado, com agentes fundamentais para a produção do espaço e a definição da nova lógica
de localização das atividades e pessoas em Curitiba (FIRKOWSKI, 2002, p. 97).

Com a mudança da legislação e a vinda das indústrias, aumentou o número absoluto da


população na Região Metropolitana.

A descaracterização original das cidades vem acompanhada por uma mudança na estrutura
produtiva regional. A participação percentual dos setores de atividade na renda interna bruta
da Região demonstra que a indústria assume grande importância, passando de 24,6% para
43,8% da renda, na última década, enquanto os serviços e a agricultura perdem em termos
relativos. (MOURA;ULTRAMARI, 1994 p.10).

Sendo assim, vemos que não só o planejamento urbano e o extravasamento populacional de


Curitiba formaram a sua região metropolitana, mas as dinâmicas indústriais e legislativas da região
também influenciaram no crescimento das demais cidades da RMC.

2.4 OCUPAÇÕES IRREGULARES

Além do planejamento urbano e das atividades produtivas, as ocupações irregulares tiveram


uma importante participação na estruturação do espaço metropolitano de Curitiba.
Madianita Silva (2014) analisa a dinâmica da produção do espaço metropolitano de Curitiba
e o papel que os assentamentos precários têm na constituição diferencial da cidade e vê como eles
foram essenciais na formação da atual espacialidade metropolitana do espaço urbano.

A hipótese defendida é de que o crescimento do número de domicílios e assentamentos


informais no período estudado integra o mesmo fenômeno responsável pela chegada das
novas corporações industriais, de comércio e serviço especializados e dos novos produtos
imobiliários destinados à população de alta renda que, segundo Firkowski (2001) e Garcia
(1997), evidenciam a emergência da globalização econômica na metrópole de Curitiba.
(SILVA, 2014, p. 64).

A ocupação nos anos da década de 70 foi facilitada porque até então não existia legislação
sobre o uso e ocupação do solo na região metropolitana, que ainda era predominantemente rural.
“Tal singularidade possibilitou o parcelamento de áreas rurais e a implantação de loteamentos com
um mínimo de infraestrutura, viabilizando a produção de lotes com pouco investimento e de baixo
custo.” (SILVA, 2014 p. 68). Sendo assim, mesmo a leste, Piraquara, Pinhais e São José dos
Pinhais, locais de bastante fragilidade ambiental, muitos terrenos foram ocupados e legalizados. “A
partir de 1970 consolida-se a ocupação da periferia metropolitana em áreas ambientalmente frágeis
38

no Leste da RMC, dando origem décadas mais tarde a importantes conflitos fundiários e
ambientais.” (SILVA, 2014, p. 68).
A autora indica que em Curitiba ocorre uma descontinuidade territorial, pois os mais pobres
foram para os municípios limítrofes não numa extensão homogênmea do aglomerado de Curitiba,
mas formando polos, um pouco mais distantes da mancha urbana. Contudo, essas aglomerações,
ainda que não estando na cidade polo, cresceram em direção à capital e não das sedes
administrativas de seus próprios municípios. (SILVA, 2014).

FIGURA 4 - OCUPAÇÕES IRREGULARES NA RMC EM 2006

FONTE: IPPUC/ Banco de dados

A partir dos anos da década de 1990 também se comercializam mais imóveis dentro das
ocupações e são produzidos mais loteamentos clandestinos. As vendas adensaram a população
dentro dos bairros, e os loteamentos clandestinos foram responsáveis por boa parte da extensão da
mancha urbana. Muitos desses loteamentos ficam às margens de importantes estradas regionais e
também em áreas com restrições legais de uso do solo. (SILVA, 2014).
39

Dentro de todo esse contexto, Albuquerque (2007) também faz um estudo sobre essa
população invisibilizada, como que ela foi se constituindo em Curitiba e na sua Região
Metropolitana e como o discurso da “cidade-modelo” não levou em consideração essas ocupações
irregulares. A análise de Albuquerque (2007) mostra que desde 1970 aos anos da década de 1990
foram os que se intensificaram as ocupações irregulares na cidade de Curitiba, e a maior parte das
ocupações se localizava nos bairros do Cajuru, CIC e Sítio Cercado. Albuquerque (2007) foca
principalmente nas ocupações dentro do município de Curitiba, mas em sua dissertação também traz
as ocupações da Região Metropolitana. Sobre o período de 1991 à 1996 ela diz:

Em 1991, 72,43% dos domicílios irregulares do NUC localizavam-se em Curitiba, em 1996


essa porcentagem cai para 64,25%. Essa perda de participação parece indicar que a
informalidade da moradia na RMC, a partir da década de 90, começa a se deslocar da
“cidade-modelo” para os municípios do NUC. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 48)

Ao passo que as ocupações irregulares em Curitiba cresciam numa taxa de 3,08% ao ano, no
NUC6, cresciam com uma média de 25,36% ao ano. (ALBUQUERQUE, 2007). O crescimento
dessas áreas foi bastante intenso principalmente a partir de 1990. Pela tabela a seguir, conseguimos
visualizar melhor esses números.

6 Devo ressaltar que existem diferentes nomenclaturas para abordar a área metropolitana de Curitiba: NUC -
Núcleo urbano central; AMC - Aglomerado Metropolitano de Curitiba e RMC - Região metropolitana de Curitiba. A
RMC envolve todos os 26 municípios que compõe a Região metropolitana de Curitiba. A AMC é formada por 14
municípios da RMC mais Curitiba e usada por Ritter (2011). NUC é a denominação adotada pela COMEC no no Plano
de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba – PDI (2006) e por Albuquerque (2008, p. 40) para
falar desse aglomerado metropolitano, que representam as áreas mais urbanizadas e que envolvem a metrópole, com
maior densidade populacional. Fazem parte do NUC: Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo
Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio
Branco do sul e São José dos Pinhais. Aqui nessa monografia optamos por usar RMC e a área metropolitana, para
designar justamente as áreas de outros municípios que foram englobadas pela mancha urbana
40

TABELA 1 - ÁREAS, DOMICÍLIOS E POPULAÇÃO EM OCUPAÇÕES IRREGULARES NA RMC : 1992/1993 E


1997/1998

FONTE: IBGE – Censo Demográfico. Elaboração: IPPUC/ Banco de dados

2.5 RETROSPECTIVA DEMOGRÁFICA

Num trabalho que analisa as especificidades da RMC, técnicos da COMEC e do IPARDES 7


mostram o crescimento de Curitiba por meio de dados do censo do IBGE, analisando o aumento da
população e para onde ela se desloca regionalmente. Essa retrospectiva foi feita a partir dos anos 50
até o início dos anos 90, e aponta o contexto demográfico em que se encontrava a região onde se
instalou a Vila Zumbi. Essa análise também revela em números, as considerações teóricas que
fizemos até aqui. Nessa parte vamos expor alguns resultados desse trabalho e alguns dados sobre o
crescimento dos municípios da RMC. Assim, entenderemos melhor, como aconteceu o crescimento
7 O trabalho intitulado “Grande Metrópole: Curitiba, teoria e prática”, é um apanhado de estudos feitos pela equipe
técnica que compunha a COMEC (Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba), e o IPARDES ( Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) , e os trabalhos fazem parte dos estudos para a elaboração do
PLAMEC, Plano de Desenvolvimento Metropolitano de 2000. Estes estudos foram apresentados em anais e congressos
em alguns anos anteriores à publicação do livro.
41

de Curitiba e sua extrapolação para os municípios vizinhos, com destaque para a cidade de
Colombo.
A Região Metropolitana de Curitiba foi institucionalmente criada junto com outras oito
regiões, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza,
instaurada por meio da Lei Complementar Nº14 de 1973. A capital paranaense está inserida num
contexto de metropolização nacional, mas, o crescimento da RMC, comparada com as regiões
metropolitanas das outras capitais, teve a maior porcentagem de crescimento populacional.
(MOURA; ULTRAMARI, 1994, p.5).
Enquanto isso, a taxa de crescimento da população em todo Estado do Paraná estava
crescendo somente a 0,97% ao ano. Esse dado mostra o grande esvaziamento de uma boa parte da
população, que migrou tanto para o oeste brasileiro como para centros urbanos, principalmente para
a RMC. Um dos motivos desse movimento é a modernização agrícola e os processos industriais,
citados anteriormente.
A população na RMC aumentou. Contudo, enquanto essa porcentagem em relação ao Paraná
subiu, na década de 80, a porcentagem de população de Curitiba em relação a RMC começa a
diminuir, o que mostra um avanço da população para as outras cidades do aglomerado. Ou seja,
representava 78,07% da população da RMC em 1970 e 30 anos depois significa 61,7%.
42

TABELA 2 - POPULAÇÃO TOTAL SEGUNDO OS MUNICÍPIOS DA RMC: 1970 A 2007

FONTE:IBGE – Censo Demográfico. Elaboração: IPPUC/ Banco de dados


NOTA: (*) Em 2007 municípios com mais de 170.000 Habitantes foram realizadas estimativa

TABELA 3- TAXA MÉDIA DE CRESCIMENTO SEGUNDO OS MUNICÍPIOS DA RMC

FONTE: IBGE – Censo Demográfico. Elaboração: IPPUC/ Banco de dados


NOTA: (*) Em 2007 municípios com mais de 170.000 Habitantes foram realizadas estimativa.
43

Como podemos observar nas tabelas 2 e 3, a maior mudança na taxa de crescimento de


Curitiba é da década de 1970 para a década de 1980, passando de 5,34% para 2,29%. Podemos ver
que Curitiba passa de 78,07% para 73,07% da composição populacional da RMC. Em 1991 esse
percentual cai para 68%, e continua a diminuir nas contagens dos anos posteriores. De acordo com
Moura e Ultramari (1994) Esse número se explica pelo adensamento da ocupação em Curitiba, e
seu extravasamento para os outros municípios. Assim, com o movimento de metropolização, ocorre
o aumento da população nas demais cidades, aumentando sua participação na composição
populacional da região. (MOURA; ULTRAMARI, 1994, p. 7) ( MOURA; ULTRAMARI;
CARDOSO, p. 26). Vale lembrar também que acontece é o desmembramento de Piraquara, criando-
se a cidade de Pinhais, em 1992, Mandirituba perde Fazenda Rio Grande, em 1990, e Campo Magro
sai de Almirante Tamandaré em 1995.
Pela análise dos dados vemos que o início da expansão da RMC se deu em áreas que mais
tarde seriam destinadas à preservação ambiental, porção N/NE da RMC, que está situada em área de
manancial. As cidades que mais tiveram crescimento na década de 1970 foram Almirante
Tamandaré, com 8,37%, Araucária com 7,35% (região Sul), Colombo, com 12,56%, Piraquara com
12,76 %, e São José dos Pinhais, com 7,55%. Antes de ter algum ordenamento e pela falta de
legislação por parte dos governos municipais e estaduais, permitiu-se que esse espaço fosse
ocupado. Depois, quando começam a se preocupar com a questão dos mananciais e do
abastecimento hídrico, é que se constroem aparatos para regular a ocupação nessa porção da RMC.
Os números de 1991 à 1996, indicam o crescimento de cidades que até então não tinham um
aumento populacional muito grande, como é o caso de Fazenda Rio Grande, com 12,36% de
crescimento ao ano, e Campina Grande do Sul, com 10,21%, o que indica que outras áreas
começaram a serem procuradas, principalmente direcionamento para a porção sul. A mancha urbana
cada vez mais distante foi possível por um outro fator, a acessibilidade viária, que permitiu que as
pessoas morassem longe com acessibilidade ao centro de Curitiba. O movimento populacional
acompanha a BR-116, que vai tanto a norte quanto a sul. Segundo Moura, Ultramari e Cardoso
(1994), é interessante analisar esses dados pois eles mostram onde seria impactado o ambiente
urbano e para onde iriam as demandas do poder público.
Ao analisar as taxas de crescimento das cidades da RMC, observa-se que os índices de
crescimento de Piraquara e de Colombo se destacam, mas Colombo tem o maior crescimento de
população urbana dos municípios RMC após 1950. Em números, Colombo cresceu de 6.331
habitantes na década de 1950 para 19.258 habitantes na contagem de 1970, 62.881 em 1991 e
117.767 em 2000.
44

A sede do município de Colombo foi muito menos ocupada do que a extensa área periférica
mais ao sul no município, local onde se encontra a Vila Zumbi dos Palmares, e local conurbado a
Curitiba. Assim, chama-se a atenção para a ocupação dentro do próprio município da RMC.

O município de Colombo caracteriza-se por uma ocupação recente, periférica, com altas
taxas de crescimento demográfico. Inserido no processo de extravasamento da ocupação de
Curitiba para áreas contíguas de municípios vizinhos [...] Tais taxas estão entre as mais
elevadas da RMC e do Estado. Evidentemente, essas taxas representam um comportamento
médio do município, onde a sede cresce em menores proporções e as áreas periféricas em
um ritmo muito mais acentuado ( dados de ligação de energia eléctrica e de matrículas na
rede escolar comprovam tal diferença). Reconhecidamente, essas áreas periféricas compõe-
se de uma população cuja renda média familiar é inferior à da sede, buscando tais
localizações pelo menor valor relativo do solo. ( MOURA; ULTRAMARI, 1994, p. 96)

FIGURA 5 – OCUPAÇÃO URBANA E ÁREAS DE INTERESSE SOCIAL EM COLOMBO

FONTE: Site da Prefeitura de Colombo, ( 21/03/2018) , alterado pela autora.

Na década de 1980, enquanto a taxa anual de crescimento da RMC era de 5,8%, sua
periferia crescia de 6,95% ao ano. Nos anos 90, comparando o levantamento de 1992 com o de
45

1997, constata-se um acréscimo de 14% nas taxas de crescimento das ocupações na RMC sem
contar com Curitiba. (RITTER, 2011,p. 77). Em Colombo, a taxa de crescimento da população em
ocupações irregulares nos anos 90 é de 11,82% (tabela 3).
Conforme a argumentação de Moura e Ultramari (1994), e dos demais autores, os principais
fatores que influenciaram a ocupação da RMC foram: as atividades produtivas geradoras de
emprego, que se instalaram primeiramente no CIC e em Araucária e que depois passaram para
outras cidades da RMC; o custo de vida que se eleva com os investimentos em planejamento
urbano, que direciona a ocupação das pessoas mais pobres para áreas contíguas ao polo e que vai
construir, como nos mostrou Silva (2014) e Albuquerque (2008), um significativo aumento
populacional e reestrutura também o espaço urbano, marcado por uma grande periferização.
46

3 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA

3.1 A POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A regularização fundiária é o processo de intervenção do Estado em áreas de invasão de


população de baixa renda, precárias de equipamentos públicos e segurança de posse. Pela definição
da arquiteta Betânia Alfonsin:

Regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder público e


população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma
intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas
urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove
melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva
o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto. (ALFONSIN, 1997, p.
24.)

Ou seja, regularizar não é só dar a posse legal para os moradores, mas tem o objetivo de
integrar os loteamentos informais à cidade como um todo. Segundo Alfonsin (2007), o objetivo
final da política não é atingido caso alguma dessas dimensões citadas seja esquecida ou
negligenciada. Assim, é necessário reforçar a necessidade de ser uma política integrada.

A regularização fundiária deve ser compreendida como uma solução integrada para as
questões de degradação ambiental e social, de situações de risco e de falta ou precariedade
de infraestrutura, de sistema viário e de áreas públicas, não se restringindo à existência de
um título registrado em cartório (Ministério das Cidades, 2012, p. 14)

O autor Rafael Gonçalves (2009), no estudo que aponta as dificuldades jurídicas da


regularização fundiária, fala que ela traz direitos sociopolíticos e recursos jurídicos às famílias que
possuíam a insegurança de serem expulsas a qualquer momento, servindo como medida para uma
integração socioespacial. “A regularização fundiária se manifesta, assim, como um elemento
imprescindível para se materializar o direito à moradia, integrando, aliás, esse direito específico ao
leque de direitos que constitui o direito à cidade.” (GONÇALVES, 2009, p.239).
Como já explicitamos, a partir da década de 1980, os governos trocaram as políticas de
construção em massa de moradias populares, de remoção e reassentamento, como ocorria na
ditadura militar, por políticas de legalização do informal fazendo melhorias no próprio local. “A
47

regularização fundiária consiste em regularizar a posse dos habitantes e promover a urbanização do


local sem recorrer à remoção da população para outras localidades.” (GONÇALVES, 2009, p. 238).
Sendo assim, esta política pública aparece na agenda num contexto em que um novo modelo
de intervenção em moradias de baixa renda começa a ser implementado. Como vimos, a partir da
Constituição Federal de 1988 rescendem os debates sobre os direitos sociais e o acesso à terra
começa a ser considerado um direito básico.
Os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988 preveem uma maior autonomia dos
municípios, a elaboração obrigatória de um plano diretor para municípios com mais de 20 mil
habitantes, e normas para a construção de edificações. Além disso, o artigo 183 dispõe sobre o
direito de posse de terrenos até 250 metros caso a pessoa esteja usando o local para moradia por
mais de 5 anos, não seja proprietário de outro imóvel legal e que não haja nenhuma oposição.
Segundo Holtz e Monteiro (2008) está implícito nessa lei o reconhecimento de que muitas pessoas
usaram a autoconstrução em locais invadidos como alternativa à falência das políticas habitacionais
adotadas até então. Ou seja, reconhece-se que a cidade também é produzida pela via informal, pela
ilegalidade, reconhecendo a falha da legislação.
Um outro passo foi dado com a Lei Federal no 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada
Estatuto da Cidade, na qual se expandem os arts. 182 e 183, estabelecem diretrizes gerais para a
política urbana e oferece aos municípios ferramentas para intervir na cidade. Este estatuto também
estipula medidas que envolvem o controle social pela população, como audiências públicas e
conselhos, incentivando uma gestão mais democrática.
Segundo Alfonsin (2007), até 2001 somente a política urbana trazida na Constituição não foi
suficiente. Ai vem a importância do Estatuto da Cidade. Essas duas medidas legais inovam pois
reconhecem a função social da propriedade, “enfraquecendo a concepção liberal que preconiza um
direito de propriedade absoluto, exclusivo e perpétuo e que esteve presente no ordenamento civil do
século passado, mas que é ainda largamente influente.”(ALFONSIN, 2007, p. 70). Com
instrumentos como o IPTU progressivo para lotes urbanos ociosos e a adoção do usocapião,
reconhecendo que as famílias ocupantes em terrenos privados para fins de moradia podem adquirir
essa área, mostra-se que a nova ordem releva o caráter absoluto do direito à propriedade.
No caso específico da regularização rundiária, o Estatuto traz um importante avanço pois a
consolida como obrigatória para a efetivação da política urbana no Brasil, em que a irregularidade
jurídica estava ainda muito presente, e ainda não existia ainda nenhum instrumento adequado para
desenvolver políticas de intervenção fundiária. (ALFONSIN, 2007).
Ao apontar a regularização como algo obrigatório na agenda governamental, faz-se com que
aumente o alcance do direito à cidade. O Estatuto também coloca como obrigatório o direito à terra
48

urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços


públicos, ao trabalho e ao lazer.

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais [...]XIV-
regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda
mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.
(BRASIL, 2001).

Ou seja, dentro das suas disposições legais, a lei do Estatuto regulamenta várias questões
que envolvem a regularização, colocando aos municípios o dever de efetivar políticas desse tipo. O
estatuto é uma ferramenta legal para que seja possível a implementação de uma política urbana
mais democrática.
Em 2003 foi criado o Ministério das Cidades. Conforme Moscarelli e Kleiman (2017), o
Estatuto e o Ministério das Cidades representam juntos uma efetiva experiência democrática
brasileira na gestão territorial urbana, e o Ministério também representa um esforço institucional
que integra diferentes setores pela primeira vez.
A criação desse Ministério está muito atrelada ao movimento social que ascendeu a partir de
1988, sendo uma resposta a demandas populares da época e está baseado nas três principais
questões urbanas: habitação, saneamento ambiental e transportes. Há ainda uma secretaria
especializada no planejamento territorial e regularização fundiária, devido a centralidade e
gravidade dessa questão. (MARICATO, 2006). Mesmo que ele seja em âmbito nacional, reconhece
as esferas estaduais e municipais. O Ministério das Cidades ultrapassa a estrutura fragmentada que
até então existia.

Até a criação do Ministério das Cidades, nunca houve um Ministério que integrasse
diferentes ângulos de um mesmo problema, ainda mais nenhum focado naquilo que seria o
hábitat de 84% da população brasileira no início do século XXI: as cidades.
(MOSCARELLI; KLEIMAN, 2017, p. 159).

Assim, se integram políticas setoriais, o que faz com que possa ocorrer uma melhor conexão
entre as políticas. Um dos segmentos dessas medidas também foi a criação do Conselho Nacional
das Cidades, medida de interface com a sociedade civil e grupos organizados.
Em 2009 entra em vigor a lei No 11.977/ 2009 de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o
Programa Minha Casa, Minha Vida e o capítulo III fala especificamente sobre a regularização
49

fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Agora a ela não está mais atrelada ao
Estatuto, mas ganha uma lei específica que cria instrumentos específicos para a regularização de
interesse social.
Conforme o Ministério das Cidades, em um manual intitulado “Regularização Fundiária
Urbana: como aplicar a lei federal No11.977/2009”, os principais avanços dessa lei de 2009 são: a
definição de competências e responsabilidades aos atores envolvidos e em especial ao município; a
definição das modalidades de regularização em interesse social e interesse específico; a
obrigatoriedade de integrar, no projeto de regularização fundiária a dimensão social, jurídica,
urbanística e ambiental; a possibilidade de adoção de parâmetros especiais de parcelamento, uso e
ocupação do solo; a possibilidade de compatibilizar o direito à moradia ao direito ao meio ambiente
equilibrado, estabelecendo regras para a regularização em áreas de Preservação Permanente; a
criação de instrumentos de legitimação de posse, pelo “usucapião administrativo”. (BRASIL,
2012).
Em 2016 o Presidente Michel Temer criou a Medida Provisória 759/2016, que depois se
transformou na Lei No 13.465/2017. Essa lei revogou a Lei No11.977/2009 e “instituiu no território
nacional, normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (chamada de
Reurb).”(COHAPAR, 2017).
Sabendo algumas das características legais da Regularização fundiária, vamos agora
entender alguns pontos sobre como se dá efetivamente essa política. Para implementar uma política
pública dessas, devem ser tomadas uma série de medidas, mediante a um planejamento prévio, que
envolve vários atores e diferentes processos. Essa política também se dá num tempo prolongado,
levando anos para ser efetivado, fazendo com que seja uma política pública complexa e trabalhosa.
No caso da Vila Zumbi, o processo, que começou em 2005, levou mais de 10 anos para modificar a
vila, e ainda possui locais em regulamentação.
50

3.2 A IMPLEMENTAÇÃO

Um processo de regularização fundiária em assentamentos irregulares já consolidados é


bastante complexo e envolve diferentes dimensões: legislativa, social, urbanística, e ambiental.
De acordo com Alfonsin (2007), é importante salientar que estamos tratando não de etapas,
mas de dimensões de uma política pública, que “se efetiva tanto melhor quanto mais o Poder
Público tiver assimilado e implementado, de forma complementar, as dimensões aqui
identificadas.” (ALFONSIN, 2007, p. 79). Como se trata de uma política que envolve vários atores
e dimensões é necessário a elaboração de pesquisas no tema para que possa se contribuir para um
desenvolvimento dessa política que toca na vida de muitas pessoas. 8Para isso, devemos seguir um
série de ações de um plano de trabalho, que dará as diretrizes sobre todas as etapas, os
investimentos a serem feitos
Conforme Rolnik(2002), os programas de regularização não podem ser dissociados de um
conjunto mais amplo de políticas públicas, diretrizes de planejamento e estratégias de gestão urbana
destinadas a reverter o atual padrão excludente de crescimento urbano. Sendo assim, também é
preciso rever os modelos urbanísticos que têm sido utilizados, de forma a adaptá-los às realidades
socioeconômicas e à limitada capacidade de ação institucional das agências públicas.
Para a regularização fundiária, várias etapas de planejamento devem ser seguidas: a escolha
da área, montagem da equipe técnica multidisciplinar, mapeamento das condições legais,
planimetria e topografia, condições sociais de uso, definindo ou não a necessidade de realocação.
Dentro do escopo desta monografia, destacamos:

8 Um trabalho feito pelo Instituto Pólis chamado “Regularização da Terra e da Moradia: o que é e como implementar”
em 2002 ajuda a entender melhor a regularização fundiária. Essa publicação é um resultado de um trabalho coletivo
feito por profissionais da área da regularização e com o contato com discussões com outros grupos foi possível
desenvolver um trabalho que servisse de manual de como implementar uma regularização fundiária. Os organizadores
desse manual são: Raquel Rolnik, Renato Cymbalista, Betânia de Moraes Alfonsin, Claudia Brandão de Serpa, Edésio
Fernandes, Fernanda Carolina Vieira da Costa, Grazia de Grazia, Nelson Saule Júnior, Paula Santoro, Paulo Silveira
Martins Leão Jr, Karina Uzzo .
51

a) Instrumentos legais de execução

Existem diferentes tipos de aparatos jurídicos para implementar a legalização de


propriedade do loteamento irregular. Sobre esse aspecto, o artigo art. 15 da lei 13.465/2017 delimita
quais ferramentas podem ser usadas para tal fim.

Art. 15. Poderão ser empregados, no âmbito da Reurb, sem prejuízo de outros que se
apresentem adequados, os seguintes institutos jurídicos: I - a legitimação fundiária e a
legitimação de posse, nos termos desta Lei; Legitimação de posse: ato do poder público
destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da
Reurb, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, com a
identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse; Legitimação
fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de
propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb. II - a usucapião, nos termos dos
arts. 1.238 a 1.244 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), dos arts. 9o a
14 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, e do art. 216-A da Lei no 6.015, de 31 de
dezembro de 1973; III - a desapropriação em favor dos possuidores, nos termos dos §§ 4o e
5o do art. 1.228 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); IV - a
arrecadação de bem vago, nos termos do art. 1.276 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (Código Civil); V - o consórcio imobiliário, nos termos do art. 46 da Lei no 10.257,
de 10 de julho de 2001; VI - a desapropriação por interesse social, nos termos do inciso IV
do art. 2o da Lei no 4.132, de 10 de setembro de 1962; VII - o direito de preempção, nos
termos do inciso I do art. 26 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001; VIII - a transferência
do direito de construir, nos termos do inciso III do art. 35 da Lei no 10.257, de 10 de julho
de 2001; IX - a requisição, em caso de perigo público iminente, nos termos do § 3o do art.
1.228 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); X - a intervenção do
poder público em parcelamento clandestino ou irregular, nos termos do art. 40 da Lei no
6.766, de 19 de dezembro de 1979; XI - a alienação de imóvel pela administração pública
diretamente para seu detentor, nos termos da alínea f do inciso I do art. 17 da Lei no 8.666,
de 21 de junho de 1993; XII - a concessão de uso especial para fins de moradia; XIII - a
concessão de direito real de uso; XIV - a doação; e XV - a compra e venda. (BRASIL,
2017, art. 15).

A legitimação de posse é um instrumento que reconhece a posse dos moradores na área de


regularização, identificando uma situação de ocupação por pessoas que não possuem o título de
propriedade. Lembrando que essa medida só pode ser concedida àqueles que não forem
proprietários de qualquer outro imóvel, e não tenham sido beneficiados com qualquer outra
legitimação de posse. (Ministério das Cidades, 2012). No caso da Vila Zumbi, foi usado o termo de
concessão de posse, que depois virou um contrato definitivo.
52

b)Papel dos atores

Um projeto de regularização como vimos anteriormente, é um processo complexo, que exige


várias fases. Também exige que vários órgãos estejam envolvidos no projeto, formando uma
parceria principalmente entre Prefeitura, órgão executor do Estado e demais envolvidos. Os
moradores e associações podem promover e reivindicar a regularização, mas somente o poder
público que pode efetivar o processo. Alguns atores que são fundamentais num processo de
regularização e foram grupos que estiveram mais presentes na Vila Zumbi, foram :

- Prefeitura Municipal: Conforme as diretrizes do Estatuto da Cidade, o município


é o “principal ente federativo responsável pela promoção da política urbana.” Ele
deve: apontar as áreas a serem regularizadas; incluir em seu plano diretor as
regras para aplicação da regularização; promover gratuitamente assessoria jurídica
e técnica para levantar a situação jurídica, física e urbanística das áreas a serem
regularizadas; estabelecer um conselho de habitação e desenvolvimento urbano;
aprovar o projeto de regularização fundiária; e desenvolver trabalhos sociais com
a comunidade. (ROLNIK, R. 2002) (BRASIL, 2012);
- Companhias de Habitação: As companhias de habitação são os entes públicos
responsáveis por promover políticas públicas habitacionais no país. No caso da
companhia estadual ela deve operar de forma integrada com o sistema estadual de
habitação e seus órgãos, colaborando com a implementação de infraestrutura,
mão-de-obra e com recursos para a regularização fundiária. (ROLNIK, 2002),
(BRASIL, 2012);
- União: Compete ao Governo Federal atuar no fortalecimento técnico e
institucional dos municípios e na recuperação das áreas degradadas das cidades.
Também, a União deve colaborar com os processos de regularização fundiária
constituindo programas nacionais de apoio aos municípios para a aplicação dos
instrumentos de política urbana; prestar serviços de assistência jurídica gratuita
por meio da Defensoria Pública nos casos em que estejam preenchidos os
requisitos legais; criar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano para
definir diretrizes e linhas de ação para o território nacional na promoção da
regularização fundiária; repassar recursos do Orçamento Geral da União para os
Estados e Municípios, e criar linhas de financiamento para a promoção da
regularização fundiária. (ROLNIK, 2002).
53

c)Participação da comunidade

Um processo de regularização não pode seguir um modelo pré-agendado, mas deve


contemplar as especificidades do local e da população, incluindo também no processo os
moradores, fazendo com que a regularização seja mais participativa. Além disso, “o processo de
elaboração do projeto e de execução das obras é também parte do processo de construção da
cidadania, e por isso deve ser participativo.” (ROLNIK, R. 2002, p. 71). Sendo assim, a
participação direta das pessoas envolvidas é fundamental, principalmente por meio de uma
associação que vai acompanhar todo o processo.
A associação deve organizar assembleias, ajudar os moradores com a papelada,
acompanhar os processos e os técnicos, fiscalizar e representar a comunidade nas reuniões, exigir o
direito à informação e participação, e reivindicar qualquer ação que não fora previamente acordada.
(ROLNIK et al (Org), 2002) .

No entanto, esse processo não é isento de críticas. De acordo com Rolnik (2002, p.19), a
gestão pública vai lentamente incorporando essas áreas na “imagem” da cidade, com a urbanização
e infraestrutura, mas as marcas da precariedade e da diferença nunca serão apagadas em relação as
áreas que sempre foram regularizadas. Para a esfera política, investimento desse tipo é benéfico,
pois esse processo é apresentado a comunidade como um favor feito a eles, numa lógica clientelista,
fazendo com que essa população se torne grande aliada nas votações. Para os políticos, essa
confiabilidade eleitoral sustenta as eleições. Em épocas eleitorais não é incomum vermos melhorias
nas comunidades pobres, fazendo com que as comunidades sejam convertidas em reféns,
eternamente devedoras de quem as “protegeu” ou “olhou para elas”.
Conforme Rolnik (2002), a experiência internacional nos ensinou que a base para a
formulação da política é compreender os processos sociais, econômicos, políticos e jurídicos que
levaram à ocupação informal. “Para tanto, é preciso promover uma leitura interdisciplinar da
questão, combinando as perspectivas econômica, política, social, institucional e técnica, com ênfase
especial na sua dimensão jurídica.” (ROLNIK ,2002, p. 20).
Gonçalves (2009) denuncia a falta de efetividade dessa política, pois dificuldades
burocráticas fazem com que apareçam empecilhos na hora de efetivar o processo. Uma outra
questão que o autor aponta é o aparecimento da especulação imobiliária informal dentro das
próprias ocupações, na qual moradores e compradores iniciais alugam quartos, puxadinhos , dentro
54

de sua própria casa. Assim, diz o autor, esses empreendedores dentro do terreno surgem para suprir
também um deficit que já existe na cidade.
Além disso o mercado imobiliário formal também se beneficia com isso, pois os bairros
beneficiados que eram “protegidos” por uma ilegalidade agora sofrem pressão do mercado. Sempre
haverão formas de exclusão, que expulsam aqueles que não podem arcar com os custos da
legalidade, e que vão para lugares ainda mais periféricos. (GONÇALVES, 2009).
A importância da regularização fundiária, como nos conta Alfonsin (2007) é que, ao passar
a ser obrigatória a partir do Estatuto da Cidade e da Constituição de 1988, capacitou municípios e
estados a lidar com a questão da dualidade legal/ilegal na cidade, corrigindo as “distorções e
injustiças geradas por uma ordem jurídica historicamente excludente e promotora de segregação
socioespacial” (ALFONSIN, 2007, p. 73). Assim, a regularização fundiária permite o exercício do
direito à moradia, de famílias baixa renda de famílias na ilegalidade, reconhecendo a condição de
inefetividade da produção apenas legal da cidade, e diminuindo a “cidade partida”.
Ritter (2011) aponta que ela não encerra o problema habitacional. O investimento faz com
que surjam novas periferias em outros locais, com o movimento de moradores antigos que não
podem pagar o custo da regularização ( contas de água, luz, IPTU...). O local muda, mas as pessoas
continuam periferizadas. Ou seja, não só por causa dos mudanças físicas, mas a composição da
população também se altera e as periferias não deixam de existir, vão para outros locais.
No caso específico da Vila Zumbi dos Palmares, de acordo com a hipótese levantada por
Polli (2007), a regularização também é uma forma de retomar a ordem, num local onde se imagina
uma desordem, Assim, ela nos leva para o argumento da lógica clientelista por trás do projeto. Um
exemplo seria a máxima valorização midiática do empreendimento, que indica uma promoção
política.
Segundo Polli (2007), por mais complexo que seja um empreendimento desse, e como
vimos, demanda diferentes ações conectadas, a principal preocupação foi com ações urbanísticas.
Segundo a autora, isso se comprova pela concepção do projeto e pelos recursos humanos,
organizacionais e financeiros. Os investimentos foram maiores na parte territorial de infraestrutura
do que, nos projetos de desenvolvimento comunitário. (POLLI, 2007).
Fica a dúvida se o empreendimento é resultado uma efetiva vontade de consolidar Zumbi
como uma vila, ou de promover processos participativos mais amplos que garantam a experiência
da cidadania em vários sentidos. Ganhar visibilidade política, consolidar uma best practice,
higienizar o local, promover o embelezamento, instituir uma ordem, seguir os ditames
internacionais do alívio à pobreza, tudo, enfim, parece que a regularização é usada para favorecer
uma estratégia promocional da intervenção urbana.( Polli, 2007, p. 14).
55

4 A VILA ZUMBI

Até aqui conseguimos entender toda a contextualização do nosso objeto principal: A Vila
Zumbi. Agora vamos entender como a Vila se constituiu, como foi feito o processo de regularização
fundiária e o que mudou, adentrando no nosso estudo de caso.
Primeiro, vamos ver como que era a vila antes da intervenção. Essa parte é baseada em
leituras do estado da arte, nas entrevistas com moradores, como também nas conversas que tive em
campo.
A segunda parte desse capítulo, trata de como ocorreu a intervenção do Estado. Por conta de
não ter tido acesso ao projeto principal de regularização fundiária, esta parte do estudo é
fundamentada também na literatura do estado da arte, nas informações obtidas em campo, e em
pesquisa documental. Falaremos sobre o projeto, os recursos, atores envolvidos e atividades
componentes.
A terceira parte fala sobre as principais mudanças que ocorreram da perspectiva dos
moradores, em que explicamos qual foi a efetiva melhoria na vida das pessoas que permaneceram
no local. Esta parte está embasada nas entrevistas e na leitura do estado da arte

4.1 PRÉ-INTERVENÇÃO

A Vila Zumbi dos Palmares se localiza na margem sul da BR-116, que liga Curitiba à
São Paulo. Ela fica a norte da Estrada da Graciosa, a esquerda do Centro Industrial Mauá e a direita
do Rio Palmital. Sua área é de 501.125 m². A vila se situa em Colombo, na divisa com Pinhais,
cerca de 15 km do centro de Curitiba e 10kms da sede de Colombo.
56

FIGURA 6 – MAPA DA REGIÃO DA VILA ZUMBI

FONTE: Google Maps , elaborado pela autora

Por se localizar próximo de duas barreiras físicas, o Rio Palmital e a BR-116, o terreno da
Vila Zumbi era impróprio para ocupação, principalmente pelas frequentes inundações. O terreno é
compressível e mole, com solo de turfa, argila e areia. Além disso, o rio enche naturalmente de
acordo com a dinâmica fluvial, e as construções de nivelamento e aterramento para a construção da
BR agravaram as inundações no terreno. Por conta dessas limitações era considerado um terreno
ruim para construções, e ficou inutilizado até 1990, 30 anos depois da construção da BR. Por esse
motivo também, é que mesmo já ocupada, era um entrave à regularização. (KERDER, 2009;
RITTER, 2011; POLLI, 2006). 9
A ocupação da Vila Zumbi se deu em áreas dos loteamentos Jardim Palmital, Vila Graciosa,
da porção residencial do CIM e numa gleba remanescente da Fazenda Rincão (fazenda pertencente
à família Macedo). Mas esses loteamentos mesmo que formalmente tiveram sido demarcados na
década de 1950 e 1960, nunca houve alguma demarcação de fato, ou uma grande ocupação.
(RITTER, 2011; POLLI, 2006).

9 A rodovia começou a ser construída em 1957 e foi inaugurada em 1961, com o nome de BR- 2 e passou a se
chamar BR-116 em 1973 ( RITTER, 2011).
57

Haviam algumas pessoas instaladas na área do Loteamento Palmital e Jardim Graciosa, nos
locais mais afastados do rio em 1960 e nos anos da década de 1970 também se viu algumas poucas
construções na região. Essas primeiras habitações eram legais. “Segundo Cadastro Municipal da
Prefeitura de Colombo (1990), até o final da década de 1980, legalizadas eram 3 residências e 1
barracão nos loteamentos Palmital e Graciosa e 8 residências e 7 barracões na porção do CIM.”
(RITTER, 2011, p.146).
Fora isso, não existiam outros moradores até começar a ocupação Vila Zumbi. As primeiras
famílias que constituíram a Vila Zumbi vieram em maio de 1991 e se instalaram sem nenhuma
condição de habitabilidade, pelo processo de autoconstrução. Nos primórdios da ocupação, as
pessoas que chegaram se instalaram em lotes que, ainda que fossem irregulares, tinham sido
demarcados e vendidos pelos primeiros ocupantes. De acordo com a bibliografia estudada - Kerder
(2009), Polli (2006) e Ritter (2011) - e de comentários que ouvi em campo, existem fortes indícios
de que a ocupação e loteamento ilegal teve uma manipulação política externa. Os primeiros
ocupantes tiveram uma preferência pelas áreas mais altas do terreno e mais longe do rio. Na medida
em que mais pessoas foram chegando, sobravam área de maior fragilidade ambiental, nas margens
do rio Palmital e da BR-116. De acordo com a técnica da COHAPAR:

“A história que eles contam é que foi uma invasão organizada... que mil famílias
invadiram... e tomaram conta dessa área... várias vezes a polícia tentou tirar as famílias de
lá e não conseguiu. A gente chama de invasão organizada porque se você for lá na vila você
vai ver que as ruas são todas alinhadas...não é uma área que foi invadida aleatoriamente,
eles invadiram e...fizeram o loteamento…” (T)10

Para entender a efetividade da política de regularização implementada, é necessário contar


como era a ocupação antes da intervenção. Dentre os problemas que mais afligiam os moradores até
a intervenção, conforme as entrevistas, era o alagamento, e como não existia pavimentação, as ruas
de barro pioravam a situação.

“Enchia... chovia... a gente não chegou a passar apuro porque pra nós ainda tá longe né..
mas chegou a morrer gente ali né.. por causa de enchente..” (B)11

10 Para relembrarmos de quem é cada sigla: T - técnica da COHAPAR, assistente social, que trabalhou no processo de
regularização na área social e na área da realocação das famílias; A - moradora de 47 anos, empregada doméstica e
comerciante autônoma que mora desde 1994 na Vila. B - morador de 53 anos, porteiro, marido da entrevistada “A”; C -
moradora de 47 anos que mora desde 1997 na vila; D - moradora de 45 anos, empresária na vila Zumbi, possui uma loja
de materiais de construção.

11 Morador de 53 anos, porteiro. As siglas dos nomes dos moradores, junto com suas informações constam na página 7.
58

Além disso, podemos citar vários outros problemas:

a) Havia apenas uma torneira na vila com água encanada, e então eles usavam água
do rio. De acordo com a pesquisa de Polli (2006), a instalação de água nos
domicílios só ocorreu em 2001;
b) Não existia energia elétrica, o que tinha eram velas e liquinhos, e se faziam várias
instalações clandestinas nas áreas próximas de onde existia um ponto de
instalação da COPEL;
c) Não havia linha de ônibus na vila Zumbi, e os moradores tinham que andar até 2
km até o ponto mais próximo. O primeiro transporte público foi um ônibus
clandestino, em 1998;
d) Não havia coleta de lixo, que era ou queimado ou jogado nas intermediações da
Vila e no Rio Palmital;
e) Não existia saneamento básico;
f) O índice de criminalidade era bem alto. Havia ali um grande desmonte de carros,
além do alto índice de homicídio nos anos 90.
59

FIGURA 7 – VILA ZUMBI ANTES DA INTERVENÇÃO

FONTE: Polli (2006)

FIGURA 8 – OCUPAÇÃO PRÓXIMA AO RIO PALMITAL EM 2004

FONTE: Polli (2006)

FIGURA 9 – CONDIÇÃO DAS MORADIAS NA VILA ZUMBI ANTES DA INTERVENÇÃO

FONTE: Polli (2006)


60

FIGURA 10 – AVENIDA NA VILA ZUMBI ANTES DA INTERVENÇÃO

FONTE: Ritter( 2011)

Também é interessante colocar alguns dados de índices socioeconômicos, para mostrar que
a Vila Zumbi se caracteriza por intensa periferização. Esses dados são baseados nas pesquisas do
estado da arte, como fonte secundária, pela dificuldade de acesso aos documentos originais, que não
foram disponibilizados. Sendo assim, para falar um pouco mais da pré-ocupação, são utilizados
dados disponibilizados na dissertação de Polli (2006).

a) Tipo de moradia: Ainda que a Vila Zumbi continuasse numa situação de


precariedade e marginalidade, se vê uma melhoria nas construções das casas, que
passam de ser de madeira para ser de alvenaria ou mistas entre 1997 e 2004.
Segundo Ritter (2011) essa mudança pode estar relacionada a uma maior
segurança de posse das casas, e a diminuição da ameaça de despejo;
b) Renda mensal: somando o rendimento dos moradores dos domicílios
pesquisados, observou-se que em 2004, apenas 7,84% das famílias possuíam
renda maior que 3 salários mínimos e 41% tinham renda menor que 1 salário
mínimo. (POLLI, 2006) ;
c) Titularidade: Polli (2006) compara os levantamentos das datas de 2004 e 1997 e
constata que 95% dos moradores tinham imóvel próprio em 1997 e 83,92% em
2004, mostrando a baixa taxa de imóveis alugados. Isso comprova que “os
imóveis não são utilizados como fonte de renda, os ocupantes da área buscaram a
Vila Zumbi dos Palmares como alternativa no enfrentamento do problema
habitacional” (Polli, 2006, p. 66) ;
61

d) Tamanho de Moradia: Em 1997, 52% da amostra era de 30 a 60m². 34% era de


25m², 7% mais de 60m² e 6% de 15m².

Mesmo nessas condições, a vila cresceu numa proporção que se tornou uma das maiores
ocupações irregulares da RMC já em 1992, com 924 habitações e em 1997 haviam 1.584 famílias.
No cadastro da COHAPAR feito em 2004 o número era de 1.797 habitações. De acordo com uma
pesquisa feita por Polli (1997), com uma amostragem de 7% da população, 58% eram provenientes
da RMC, sendo 15,05% de Colombo, 23,65% de Curitiba e 40% de demais municípios do Paraná.
(POLLI, 2006). Conforme a bibliografia estudada e pelas entrevistas , essa população é oriunda do
êxodo rural do interior do Estado, que busca trabalho na metrópole, e no caso das pessoas vindas de
outros municípios da RMC, também foram para a Vila Zumbi para fugir do pagamento de aluguel,
em busca de uma casa própria.(POLLI, 2006). Isso também se confirma na fala de uma
entrevistada, que se mudou para lá em 1994

“A gente pagava aluguel muito caro, em pinhais, dai saiu um dinheiro pro meu marido de
uma rescisão de uma empresa. E eu disse pra ele ‘a gente não vai mais paga aluguel, nem
que seje na vila pinto que era antigamente né... nós vamos compra um terreno lá’. Ai
chegou um amigo nosso e falou ‘não, tem um lugarzinho melhor um pouquinho do que a
vila pinto’... Que era a Vila Zumbi. A hora que eu cheguei lá eu atolava no barro. Tinha uma
padaria pra toda aquelas famílias, uma torneira de água comunitária pra toda a vila,
madrugada a turma ficava na fila pegando água. E eu fui, fui pra sair do aluguel,
compramos um terreno direito lá, e construímos uma casinha não muito boa. Dai a gente
construiu uma casa boa pra morar. E hoje eu gosto muito de morar lá... tudo que eu tenho
eu consegui lá...” (A)
62

4.2 INTERVENÇÃO

Em 2005 foi a primeira vez que o poder público realmente olhou para a vila Zumbi dos
Palmares, depois de 14 anos de sua criação sem nenhum amparo. Foi elaborado pela COHAPAR,
em conjunto com o município de Colombo e com os recursos do BID, Banco Interamericano de
Desenvolvimento, um programa chamado “Direito de Morar”, que se constituía de um grande
processo de regularização fundiária e urbanística, feito na Vila Zumbi dos Palmares. Essa política
também foi implementada em Piraquara, no bairro Guarituba que se situa na bacia do Rio Itaqui,
onde aproximadamente 12.000 famílias sofreram a intervenção. As áreas foram desapropriadas pelo
governo do Estado e repassadas para a COHAPAR. Polli (2007) aponta que o Direito de Morar foi
feito sem um plano habitacional mais amplo para a RMC.
O projeto se subdividiu entre subprojeto de regularização fundiária, subprojeto de
urbanização, e subprojeto de desenvolvimento socioambiental. As atividades que foram exercidas
neste programa implementado na Vila Zumbi dos Palmares foram:
a) Recuperação ambiental da bacia do Rio Palmital e contenção de cheias;
b) Construção de sobrados para a população que estava em áreas de risco;
c) Pavimentação de toda a vila;
d) Saneamento básico para todas as famílias;
e) Ações participativas;
f) Cursos para especialização dos moradores;
g) Energia elétrica para as casas e para as ruas;
h) Regularização de todos os lotes;
i) Inclusão das famílias na tarifa social.
63

FIGURA 11 – INTERVENÇÕES REALIZADAS NA VILA ZUMBI

FONTE: Ritter (2011)

Além da COHAPAR e da prefeitura, outros atores estavam presentes na elaboração da


política pública: a SANEPAR, a SUDERHSA(Superintendência Estadual de Recursos Hídricos e
Saneamento Ambiental) e a COPEL. O envolvimento dessas diferentes instituições/autarquias
públicas caracteriza a regularização da Vila Zumbi como sendo uma ação integrada de governo, em
que foi preciso a unificação de visão e conceitos entre as instituições sobre o que é um
desenvolvimento sócioambiental. (SANEPAR, 2009). A tabela 4 que mostra os diferentes agentes
envolvidos, evidencia a gestão integrada dessa política e como responsabilidade partilhada é
importante para um projeto desse porte.
64

TABELA 4 – RESPONSABILIDADES INSTITUCIONAIS DO PROJETO “DIREITO DE MORAR”

FONTE: KERDER (2009)


65

FIGURA 12 - RIO PALMITAL ANTES E DEPOIS DA INTERVENÇÃO ESTATAL

FONTE: Ritter (2011)

FIGURA 13 – REQUIÃO NA VILA ZUMBI EM FRENTE AO ESCRITÓRIO DA COHAPAR

FONTE: Site da COHAPAR ( Acesso em: 22/02/18)

Veremos agora, um pouco mais especificamente cada ação feita no Projeto.

4.2.1 Recursos

Para que fosse possível o Programa “Direito de morar”, Foi investido em torno de 20
milhões de reais em todo o projeto. Com a tabela elaborada por Kerder (2009), podemos ver quanto
foi direcionado para cada atividade.
66

TABELA 5 – GASTOS DO PROJETO “DIREITO DE MORAR”

Fonte: Kerder ( 2009)

É importante salientar também que existem investimentos em regularização fundiária no


Paraná com recursos do PAC (Programa de aceleração de crescimento). Segundo entrevista com a
técnica da COHAPAR, quando o Direito de Morar começou a ser implementado, em 2004, ainda
não existia o PAC, que veio em 2007. O PAC contemplou quatro municípios da RMC, sendo eles
Campo Magro, Colombo, Pinhais e Piraquara. Em Pinhais e Colombo, as áreas que o PAC atingiu
foram as áreas do Rio Palmital, incluindo a Vila Liberdade, mas esta não pode ser efetivada por
conta de problemas de falta de documentação. Em Pinhais a COHAPAR, com os recursos do PAC,
conseguiu retirar as famílias às margens do rio e a regularização da vila Guarituba, em Piraquara
foi feita com esse subsídio.
De acordo com entrevista com a técnica da COHAPAR, foi feito um empréstimo do BID 12, e
com o financiamento eles devolvem uma parte desse montante, mas não todo o investimento.
Segundo ela, uma das maiores dificuldades era fazer com que os moradores aceitassem esses novos
gastos.

12Banco Interamericano de Desenvolvimento. No website do Ministério das Cidades, o BID está atrelado
como seu parceiro. O Banco Interamericano de desenvolvimento foi criado em 1959 e é uma das principais fontes de
financiamento a longo prazo da América Latina e Caribe, e tem o intuito de financiar empreendimentos que ajudam a
reduzir a desigualdade social e promover a inclusão social.
67

“ todos... eu posso dizer que 90% das famílias né tem interesse em regularizar, ter sua
documentação... Porém sempre tem umas famílias que são resistentes... Que não querem,
que eles acham que não deve ser cobrado, que... deveria ser de graça... né.... então sempre
tem umas pessoas que fazem o trabalho contra falam ‘Ah não isso dai é do governo e tem
que ser de graça’ ... Mas não foi, porque a COHAPAR ela fez um empréstimo pra
construír... e hoje com esse financiamento ela paga uma parte...” (T)

4.2.2 Regularização

O subprojeto de regularização fundiária previa a titulação definitiva da posse aos moradores,


que fizeram uma inscrição para uma compra-subsidiada, na qual o valor da parcela não poderia
passar de 20% da renda declarada. Também essa prestação seria paga por 20 anos. O Estado então,
estaria subsidiando 20% da prestação. Assim, o projeto compreendeu a desapropriação da área -
com seus donos devidamente indenizados - que passou a ser da COHAPAR, em seguida fizeram a
unificação, o parcelamento, e enfim a transferência para os moradores cadastrados. 1794 lotes
foram criados na área desapropriada e dentre eles, 81 foram para uso não-residencial, seja para
futuros comércios, igrejas, instalação de escola pública, posto de saúde, praça dentre outros.
(RITTER, 2011). No total, foi legalizada uma área de 500 mil m², com lotes de 60 a 200m².
Já a medida legal que foi adotada foi o termo de cessão de posse, enquanto ainda estava
sendo feita a desapropriação. Após essa medida, com a divisão das matrículas individualizadas,
passou-se ao contrato definitivo. Contudo, muitos moradores ainda não possuem esse contrato
definitivo. Na prática, vemos que as ações ocorrem um pouco mais lentamente.

“E qual você acha que era o principal problema que foi solucionado?

ah.... água, luz e a regularização dos terrenos né... de posse pra definitivo né.. que ainda não
saiu o definitivo... a gente ainda ta no processo de regularização.. de escritura né... já paga
IPTU tudo só que ainda não tem o documento definitivo ainda...eles dão o contrato né […]
só que não é registrado em cartório nada ainda ... agora uns meses atrás fui lá eles vão fazer
um contrato de compra e venda e você pode fazer o documento direto assim que você quitar
o terreno... que a gente paga o terreno né a mensalidade do terreno... e os sobradinhos [...] a
COHAPAR que construiu que dai é outro preço né... o nosso não, o nosso é o terreno que
foi nós que construímos [...] agora do sobrado eles não tinha, só tinha o terreno e eles
construíram que dai paga o terreno e a construção”(B)
68

4.2.3 Urbanização

Em termos de urbanização foram feitos:


a) a pavimentação e paisagismo de vias públicas, traçando novas ruas e corrigindo
alguns arruamentos;
b) Um sistema de esgoto sanitário;
c) Um dique de contenção de cheias, com um sistema de drenagem de águas pluviais,
por conta das enchentes;
d) A complementação de redes de água e luz já existentes;
e) A recuperação florestal na margem do rio Palmital, com o plantio de árvores no
local onde as famílias foram desapropriadas.

Também foram construídos 289 sobrados, (2 quartos, sala, cozinha e banheiro) de 40m² para
realocar a população que estavam nas áreas de risco, na faixa de 75 metros da margem esquerda do
rio (137 famílias) e na beira da BR-116 (90 famílias). Também foram feitas melhorias em 400 casas,
que não estavam nos padrões construtivos do projeto. (RITTER, 2011),( POLLI, 2006).

FIGURA 14 – CONSTRUÇÃO DOS SOBRADOS NA VILA ZUMBI

FONTE: Polli (2006)


69

FIGURA 15 – CONSTRUÇÃO DOS SOBRADOS NA VILA ZUMBI

FONTE: Polli (2006)

No que se refere a equipamentos coletivos foram construídos um posto de saúde, uma


creche, um centro comunitário, a construção de uma escola municipal e uma escola estadual.
Um dado obtido nas entrevistas foi que as obras foram realizadas sem nenhuma licitação
entre COHAPAR e empresas de construção civil, mas foi diretamente feita pela COHAPAR, com a
mão de obra dos moradores.

“ [T] Então eles nos procuravam, nós tinhamos um escritório lá dentro da Vila, onde eu
trabalhava das 8h30 ás 17h de segunda a sexta, eu não trabalhava na COHAPAR, a gente
trabalhava direto lá... Eu, engenheiro, e toda uma equipe, que era a equipe formada pela
própria comunidade. Que a mão de obra a gente deu 100% pra própria comunidade.
Inclusive a nossa secretária era uma moradora da comunidade, o mestre de obras, todos eles
eram da comunidade…

[B] foi feita a associação de moradores?

[T] Não, já existia a associação de moradores. A associação ela já era... formada. Só que a
gente trabalhou num processo de autogestão, junto com a associação, então, em vez de você
contratar uma empresa... Então o trabalho é feito diretamente COHAPAR, e associação de
moradores... aonde a gente poderia comprar um material com o custo mais baixo, do que se
você contratasse uma... uma empresa né, licitasse.”

Conforme argumento feito por Ritter (2011), essas medidas tiveram um duplo efeito, de
minimizar os efeitos do desemprego como também contribuir para uma maior aceitação dos
moradores da vila, em que cerca de 300 moradores prestaram serviços a COHAPAR. Além disso foi
ofertado um curso profissionalizante para a realização das obras. (RITTER, 2011, P. 200)
70

4.2.4 Desenvolvimento Comunitário

O projeto também contou com um investimento em desenvolvimento comunitário, com os


seguintes programas:

a) Cooperativa de reciclagem: Muitos moradores trabalhavam com coleta de material


reciclável, então foi criada a COOPZUMBI, que contava com 30 associados. A coopZumbi foi
facilitada pela Fundação Alphaville, que forneçeu vários dos equipamentos necessários, como
prensa, carrinho, balança indústrial e uniformes, e foi uma moradora do Alphaville que cedeu o
barracão. De acordo com esse Ritter (2011, p. 208), “ Ficava marcante o interesse em realçar o
nome Alphaville, em externar tal ação social prestada à comunidade da Vila Zumbi, muito mais que
os benefícios que ela pudesse proporcionar àquelas pessoas necessitadas.”.

c) Canteiro-Escola: Esse programa capacitou moradores para trabalhar no próprio projeto


de regularização e na construção dos sobrados, exercendo função de pedreiro, carpinteiro,
eletricista, bombeiro, pintor etc. O projeto contou com o apoio de convênios com o Sesi, Senai e
Sesc e os participantes do curso receberam bolsa-auxílio e remuneração pela sua participação
efetiva nas obras. (POLLI, 2006, p. 140).

d) Educação Ambiental: O projeto Zumbi Mauá Ação ecológica Tinha como objetivo
conscientizar e reeducar a população das práticas ecológicas e sustentáveis. Dentre as atividades
realizadas estavam: plantio de árvores; jogo pedagógico sobre o cuidado com o meio ambiente;
construção de um horta comunitária no Colégio Estadual Zumbi dos Palmares; e a conscientização
sobre separação de lixo.

4.2.5 Processo participativo

Segundo o parecer técnico, para o controle social durante a execução do projeto foram
feitos: comissão de moradores por quadra; comissão de controle de obras; comissão paritária,
formada por representantes de todas as entidades para elaborar ajustes técnicos e executivos.
Também foi implementado um escritório no local (Figura 13), para o atendimento aos moradores, a
fim de otimizar o trabalho e dele ser feito de forma mais transparente. ( SANEPAR, 2008, p. 9).
De acordo com o estudo de Polli (2006), houve pouca adesão dos moradores na comissão
paritária, formada em outubro de 2005 para estabelecer um diálogo entre Estado e moradores.
71

Alguns fatores que dificultaram essa participação foram o interesse de projeção política de
lideranças locais e uma predominância dos interesses do Estado nas decisões. “Na Vila Zumbi há
pouca organização social coletiva, o que faz com que os moradores tendam a receber o projeto
como uma dádiva, e não como um direito, permanecendo inativos face às benfeitorias prometidas.”
(POLLI, 2006, p. 151). Conforme o relato de alguns moradores, as reuniões eram mais para
responder dúvidas e para cobrar o pagamento das parcelas.

4.3 VILA LIBERDADE

Do lado norte da BR-116, localiza-se uma outra ocupação irregular, chamada Vila
Liberdade. Por mais que as duas vilas sejam próximas, os processos de constituição delas são bem
distintas. De acordo com Ritter (2011) ela era composta principalmente de trabalhadores de baixa
renda que procuravam um lugar para morar mais próximo do pólo possível, dentro do que sua
realidade econômica permitia. Mas também, em sua área, existem moradores que compraram os
terrenos, vendidos e loteados pela AZ imóveis. Contudo, sua ocupação ocorreu de maneira mais
espontânea e lenta. Em 2009 a Vila era ocupada por 709 famílias, sendo que 250 estariam residindo
em habitações autoconstruídas em locais impróprios, ou seja, nas proximidades imediatas do Rio
Palmital, sujeitas as constantes inundações e/ou na faixa de domínio da BR-116.
Sua ocupação foi muito diferente da da Vila Zumbi, na qual observa-se que além da lógica
da proximidade, “foram detectadas estratégias e ações de cunho político-econômico que
extrapolaram a vontade dos seus atores diretos, os moradores.” (RITER, 2011, p. 137). Segundo o
autor, essa diferença acarretou numa aceleração e maior complexidade na ocupação da Vila Zumbi.
Contudo, até 2004, ambas as vilas possuiam caracteristicas fisicas semelhantes de local precarizado.
A Vila Liberdade teve um movimento mais lento e gradativo do que Vila Zumbi. Mas muito do que
foi feito na Vila Zumbi poderia ter sido aproveitado para a vila Liberdade. Conforme entrevista com
a técnica da COHAPAR, a vila Liberdade teria recebido recursos do PAC para ser feita também a
regularização fundiária, mas esta não pode ser efetivada por conta de problemas de falta de
documentação.
72

4.4 PÓS-INTERVENÇÃO

Nessa parte queremos entender de fato o que mudou, o que melhorou na vida das pessoas da
Vila Zumbi. Para isso, utilizei das informações contidas nos trabalhos acadêmicos já mencionados e
entrevistas com os moradores.
De acordo com a SANEPAR, alguns ganhos da intervenção da Vila Zumbi dos Palmares
foram:

destinação de recursos para intervenção socioambiental em saneamento; implementação de


política pública integrada com responsabilidade compartilhada; otimização de recursos
humanos governamentais; atuação e deliberação em conjunto com todos os parceiros,
evitando iniciativas isoladas; comissão paritária formada por representante de cada parceiro
para controle das obras e ajuste técnico e executivo semanal durante o empreendimento;
grupo gestor formado por representante de cada entidade envolvida na prática, para busca
externa de solução dos problemas . (SANEPAR,2008, p. 10) .

Uma mudança que é importante falar diz respeito aos serviços e comércios. Do que
pudemos obter nas entrevistas, houve um grande aumento nas atividades econômicas depois da
intervenção do Estado. Os moradores assim relatam as melhorias:

“A vila foi melhorando?

[C] É poder aquisitivo né… farmácia não existia…mercado de porte médio grande não
tinha nenhum, era só mercearia, bar.. lojas não existia nenhuma lojinha hoje tem várias
lojas né… mercado tem vários…academia… tem bastante coisa”

“[D] Mudou… comércio né… aumentou bastante… melhorou.. hoje em dia tem mercado
tem farmácia tem tudo né.. antigamente não tinha, mal tinha um mercado… hoje em dia
tem vários mercados né tem farmácia.. praticamente tem tudo que você procura… nós só
não temos… loteca… e banco né… o resto tem”

De acordo com Ritter (2011), isso é devido ao maior poder aquisitivo da população, a uma
maior circulação de dinheiro, mercadoria, pessoas, e diminuição da criminalidade, fazendo com
que as melhorias virassem atrativos a investidores.

Em 2009, constatou-se maior diversificação e aumento do número de estabelecimentos


comerciais, totalizando 22, sendo: 03 farmácias, 02 supermercados, 03 mercearias, 01
pizzaria, 01 loja de móveis e de eletrodomésticos, 03 locadoras, 05 lojas de roupas, 03
padarias e 01 salão de beleza. Também havia 04 empresas cadastradas, ligadas aos ramos de
reciclagem, marcenaria, serralheria e construção civil.( RITTER, 2011, p. 223)
73

Contudo, podemos observar também que esse número é bem maior, pois existem muitos
estabelecimentos irregulares, de pequeno porte, identificadas com letreiros, muitas vezes na frente
de suas próprias casas.
De acordo com o mesmo autor, Ritter (2011), esse aumento de poder aquisitivo também está
muito relacionado ao crescimento do Centro Industrial Mauá. O loteamento do Centro Industrial
Mauá foi aprovado em 1985, em nome do Senhor Assis Zani, proprietário da AZ imóveis, e já era
destinado a construção de fábricas, mas foi no processo de regularização, somada a vinda do
condomínio Alphaville, que lá se consolidou como uma região industrial de Colombo. Assim muitas
empresas foram para lá e muitos moradores da Vila Zumbi servem de mão de obra para essas
indústrias.
Ritter (2011), se utiliza dos dados da listagem de moradores disponibilizados pela COMEC e
pela COHAPAR, para comprovar a mudança de perfil social da Vila Zumbi. De 2001 a 2004,
apareceram 415 nomes de novos titulares. Entre 2004 e 2008, verifica-se 1.310 novos titulares, de
famílias com 3,2 integrantes em média. (RITTER, 2011, p. 212). O autor faz uma análise
sócioeconomica dos dados dessa pesquisa, mostrando como muda o perfil social dos novos
emigrantes:
a) 60% dos entrevistados estão empregados com registro em carteira,
sendo que 52% desses trabalhadores empregados exercem suas atividades
profissionais em estabelecimentos industriais, comerciais ou são
contratados por empresas prestadoras de serviços, com destaque para os
estabelecimentos industriais localizados no Centro Industrial Barão de
Mauá, para as indústrias e o comércio de Pinhais, para os condomínios
Alphaville e para os estabelecimentos industriais localizados na CIC
(Cidade Industrial de Curitiba);
b) Há uma grande presença de pequenos empresários, na própria vila;
c) Não foram detectados analfabetos entre os entrevistados; mais de 85%
concluíram o Ensino Fundamental.

Além desses fatores, podemos citar que a Vila Zumbi dos Palmares passou a estar conectada
por via asfaltada com a BR-116 e com a Estrada da Graciosa, e possui linhas telefônicas, internet, e
linhas de ônibus a cada 30 minutos.
Conforme Polli (2006) um grande benefício da regularização fundiária para os órgãos
públicos foi o aumento na arrecadação de impostos, já que começam a ser cobrados o ICMS,
alvarás e IPTU. Para a população, além do pagamento das parcelas, isso significa um aumento das
74

despesas. Se a regularização não promove programas de geração de renda e emprego, existe a


grande possibilidade de evasão delas que inicialmente se beneficiariam com a regularização. E
realmente, muitas pessoas não puderam arcar com os custos do projeto. Como nos mostra Ritter
(2011, p. 183), verifica-se que 974 pessoas se mudaram de lá. O autor localizou 78 dessas pessoas e
descobriu que destas, 75 moravam em outras ocupações irregulares. Muitas pessoas venderam seus
lotes e foram para outros locais também irregulares.
Agora, para quem permaneceu e para quem chegou, existiu sim um aumento da renda e
poder aquisitivo. De acordo com entrevista com uma moradora que continuou lá depois da
regularização:

“[A] E eu conheço todo mundo, rico e pobre eu conheço lá... lá tem muita gente rica... não
parece mas tem... tem fazendeiros que mora lá... que era da nossa região lá do norte e tem
mercado bem grande lá na vila... ele é fazendeiro tem chácara tem fazenda e mora lá...tem
mercado lá... de certo alguma coisa tem de bom né (risada)...e hoje... nossa eu não me vejo
morando fora de lá...eu vo em outros lugar do uma olhada ... tudo que eu quero lá tem...lá
tem peixe... na rua tem pamonha tem ovo tem tudo vendendo na rua (risada) tem tudo
aquele carro passa anunciando vendendo sonho vendendo sorvete churros...”

“[A] A D. faz anos que tá ai.. ficou rica aqui né… O materiais de construção dela só
cresceu… 22 casas de aluguel… Na Vila do Rosário e aqui também”

Um outro fator em que conseguimos ver com que mudou na vida dos moradores da Vila
Zumbi é no que diz respeito à criminalidade. Na imprensa, muito se fala de como a Vila Zumbi era
perigosa, com altos índices de violência. Numa conversa entre um casal que mora há 18 anos na
vila, podemos ver como é sua percepção.

“ [A] meus parente não queria nem vir aqui por causa de medo dos bandido… era ruim de
bandido só que falaram pra nos que sete horas da noite tinha que todo mundo deita senão a
bala comia

[B] Não era tanto assim né… a turma brigava mais na principal né… mas matava bastante

[A] entre eles eles briga né

[B]Mas matava bastante… dava tiroteio bastante né… depois foi aliviando né os cara vai
embora vai morrendo vai embora

[A] E na legalização vai muita gente embora porque quem tem ficha suja não consegue
compra né dai vai vendendo… dai vai pra favela em outro canto…

[B] muitos morreu né

[A] a maioria morreu


75

[B] Funciona daquela maneira se chega num lugar no meio do mato ta cheio de rato… ai
você começa a limpa o mato que que o rato faz… vai embora… isso meio com os
bandido… começa a limpa e fica bom pra polícia se locomover dentro… Do lado da
COHAPAR tem um módulo policial e a polícia roda aqui”

Por meio dessas falas, é interessante notar como aparece o aspecto do que é ilegal, que fica
de fora do programa. A legalização exige bons costumes, de maneira que quem for “marginal”, não
pode permanecer na Vila Zumbi quando é feita a intervenção estatal. Estamos também diante de
uma situação de controle social.
A Vila Zumbi era popularmente conhecida por intensa violência. Uma das ações que ocorreu
junto com a regularização foi a instalação de uma UPS - Unidade Paraná Seguro. Conforme
entrevista com uma moradora:

[A]...O que eu mais gostei e que aconteceu foi a pacificação da vila...uma coisa meio que
assustadora porque eu nunca tinha visto tanta polícia junto... ai eu acordei pra trabalha
como eu levanto cinco hora pego o ônibus cinco e quinze... nossa eu vi tanta polícia, tanta
polícia... aquele dia eu também achei que era pra tirar o povo... mas dai logo a gente viu
que era pacificação da vila mas era muita polícia... muita acho que assim umas 300
viaturas... era muito... era a BR inteirinha assim... tudo rodiando a vila de policial...

Conforme Requião, a regularização ajudou a diminuir a criminalidade.

“Nesta vida sem emprego e renda a migração para a criminalidade é muito fácil. E o crime
acaba oferecendo as oportunidades que a sociedade não oferece às pessoas nas periferias
das grandes cidades [...] Ao invés da polícia, do bate-pau, da violência, nós colocamos o
Estado na Vila. Construímos casas para todos os moradores,com obras de profundidade nós
acabamos com as enchentes, pavimentamos as ruas, organizamos o esgoto, levamos o
ensino profissionalizante, saúde e educação, a segunrança vem junto. A polícia se instalou,
mas se instalou num momento em que nós davamos oportunidade de trabalho a essa
população” ( Portal Roberto Requião, Acesso em: 22/03/2018)

Falar em erradicação da violência também deve ser relativizado, por que, por mais que esse
problema tenha sido amenizado na Vila Zumbi, ele não é resolvido na Região Metropolitana de
Curitiba, já que as atividades ilegais vão se deslocar para outras regiões. Assim, podemos nos
perguntar pra quem serão os futuros benefícios, já que uma parte da população teve que sair e se
realocar por conta de não poder arcar com os custos das prestações. Deve-se pensar no que perpetua
a espoliação urbana e a violência para outras localidades.
76

5 AS VARIÁVEIS PARA ALÉM DA HABITAÇÃO

Após compreender algumas das dinâmicas sociais que se mostram nos arranjos habitacionais
da cidade, e explicar algumas das características da política pública “Direito de Morar”, neste
capítulo buscamos entender como alguns fatores tornaram possível sua implementação. Ou seja,
iremos ver como que, numa política de grande porte, não é suficiente que apenas um problema
aconteça para que sejam movidos recursos para resolvê-lo. Para inseri-lo na agenda governamental,
mais de um fator entra em cena. Ou seja, é uma questão política.
Sendo assim, veremos como que a Vila Zumbi entra na agenda de prioridades do governo,
analisando e considerando alguns aspectos que julgamos interessante abordar numa monografia.
Assim, pretendemos contribuir para o estudo das políticas públicas analisando dinâmica da ação do
estado, e de seus agentes, observando os motivos que provocam essa ação. Assim temos um melhor
entendimento das diferentes dinâmicas que envolve uma política social. Analisaremos a conjuntura
política e a legislação favorável, a preocupação ambiental e a presença do condomínio de luxo ao
lado da vila Zumbi.

5.1 CONJUNTURA POLÍTICA

Em 2002 Requião vencia de Álvaro Dias no segundo turno com 55% dos votos, indo para
seu segundo mandato como Governador do Paraná (o primeiro foi de 1991 a 1994). Requião
assume em 2003. Seu partido, o PMDB, obteve muito êxito depois da Ditadura Militar, e, segundo
Laibida (2015), foi porque o partido possuía políticos que dialogavam com as massas populares que
estavam ansiosas por mudanças e por um período mais democrático. É nesse partido que Requião
constrói sua carreira.
No mesmo ano, Lula venceu as eleições para presidente tendo como forte discurso o olhar
nacional para as classes pobres e a ênfase em políticas de cunho social. Lula veio da luta sindical e
tinha o apoio da classe média, dos movimentos sociais e de alguns setores do empresariado
inaugurando um ciclo bastante favorável a “ascensão" de políticas sociais. (LAIBIDA, 2015).
Para ilustrar o momento favorável para Requião investir em políticas sociais, citaremos
alguns dos programas desenvolvidos pelo político em seu segundo mandato como governador:
a) Tarifa Social, reduzindo a taxa da conta de água da população carente;
77

b) Leite das Crianças, distribuindo 250 mil litros de leite por mês e atingindo até
2004 178 mil crianças no Paraná;
c) Isenção de ICMS para empresários que ofereciam empregos;
d) Primeiro Emprego - Residência técnica, para inserir jovens formados em
Engenharia e Arquitetura no Mercado de trabalho;
e) Retirada do monopólio do banco Itaú das contas do Estado para as contas do
Banco do Brasil e Caixa econômica.

Na vila Zumbi dos Palmares, Requião lançou o projeto “Luz Fraterna”, elaborado pela
COPEL com o intuito de isentar a conta de luz. “Considerado um dos maiores programas de
transferência de renda realizado no Brasil, o ‘Luz Fraterna’ pretendia atingir, e atingiu, cerca de 200
mil famílias.” (LAIBIDA,2015, p. 127). De acordo com Laibida (2015), e com o website do
político, o programa "Direito de Morar" também foi lançado por Requião.
Nosso objetivo aqui é mostrar como que foi possível a regularização por conta de um
cenário favorável em que Lula e Requião estavam no comando das políticas, com um discurso
voltado às camadas mais pobres e com liberação de dinheiro para que fosse possível esse
investimento. Sendo assim, não podemos falar da regularização da Vila Zumbi sem refletir sobre o
impacto que a eleição de Requião teve sobre o investimento, sendo que, se o cenário político fosse
diferente, talvez a regularização fundiária da vila Zumbi não tivesse acontecido.
No processo de entrevista desta monografia, durante uma entrevista semi-estruturada com
uma moradora da Vila Zumbi, ela contou de um grande acontecimento numa época em que a Vila
não possuía nem água encanada:

“[A]... E uma coisa que me marcou assim muito foi assim que eu tinha mudado lá na vila...
ai surgiu um boato que queriam tirar o povo da vila. Eu falei meu Deus a gente investiu
tudo o que tinha aqui ... compramos agora vão tirar nois... e daí o Roberto Requião na
época não sei se ele era Governador num me lembro bem... Ele desceu de helicóptero com
um monte de papel. Ele desceu andando na Vila Zumbi e desceu lá no meio da reunião e
resolveu o negócio.

Resolveu o que?

Resolveu... porque queriam tirar o povo... e então a gente deve também ao Requião porquê
o Requião ajudou a gente... Se não fosse o Requião não sei o que seria de nós…”

As pessoas na Vila Zumbi votam fielmente no político:


78

“[A] Isso dai.. veio bem forte assim... tanto é que o Requião hoje lá é muito bem visto
assim...tudo que o Requião precisa de que o pouco que a gente pode ajudar é votando né
então não precisa nem pedir pra votar no Requião... todo mundo vota no Requião... Porque
na hora que o povo carente mais precisou quem tava lá era ele…”

“Por que que assim na sua opinião ... porque que vc acha que escolheram regularizar a Vila
Zumbi e não a Vila Liberdade?

Olha eu não sei... eu acho que é por causa do Requião... Nós achamos que ele que
ajudou...porque ele teve uma votação extraordinária lá... e não sei se foi porque ele quis
retribuir, porque isso ele fez depois da eleição então eu acho que ele quis retribuir a gente e
ajudar a gente…”

Em uma outra entrevista, uma moradora diz:

“ Pra COHAPAR vir pra vila, não foi algo que a comunidade pediu?

[C] Não… eu acredito que foi pelo…Lula, Dilma que inventou aquela… de legalizar né os
terrenos, faze essas casas da COHAPAR essas coisas… foi depois que eles entraram lá que
começou a mudar tudo porque... até então ninguém…”

Requião ganhou as eleições de 2006, sendo seu terceiro mandato como governador, e
conforme a moradora na Vila Zumbi todos votam nele. Para explorar essas informações sobre
Requião que apareceram na entrevista, verificamos o que a mídia relatou sobre esse fato. Várias
notícias faziam bastante referência ao nome dele, onde aparecem falas de Requião. Romanelli
estava na diretoria da COHAPAR, portanto à frente das políticas habitacionais no segundo mandato
de Requião como governador. No website da COHAPAR comemora-se o êxito da operação:

“Esta área é de invasão, é de gente que veio com expectativa de melhorar de vida e
conseguir um emprego. Em governos anteriores, a proposta era de despejo e reintegração
de posse, e agora buscamos a regularização sem violência”( Requião em Notícias
COHAPAR, 13/01/2006)

“As famílias relocadas vão viver em sobrados que a Cohapar vai construir na própria Vila.
Elas não deixarão sua comunidade. [...] O Direito de Morar é um programa ambicioso
definido pelo governador Roberto Requião desde a sua posse. Desde então, caminhamos
com cuidado, para não frustar as expectativas das famílias que vivem nas ocupações. Hoje,
finalmente, pudemos anunciar boas notícias [...] As obras irão envolver a comunidade,
gerando empregos e, por meio do Canteiro-escola, capacitando a população a exercer uma
nova atividade na construção civil” ( Romanelli em “Notícias COHAPAR” , 25/04/2005)

O programa “Direito de Morar” também está referenciado no website de Requião, como


uma das realizações do governo de 2003 à 2010.
79

" Com este programa, a Cohapar atua junto às pessoas que moram em áreas de risco e de
preservação ambiental. Trata-se de um programa de urbanização e regularização fundiária
principalmente em áreas de preservação ambiental, como os já em desenvolvimento de
Guarituba, em Piraquara, e o Vila Zumbi dos Palmares, em Colombo. Guarituba é o maior
programa de urbanização de favelas do país. Foram 8.890 famílias beneficiadas, sendo 803
com novas casas e as demais com regularizaçãor/ fundiária." (PORTAL ROBERTO
REQUIÃO ,2013)

Uma outra propaganda política chama para um encontro com os candidatos:

FIGURA 16 – PROPAGANDA DE ENCONTRO


COM REQUIÃO

(Fonte: website www.wilsonvieira.net.br, 20/09/2014)

5.2 LEGISLAÇÃO

Como vimos no capítulo sobre regularização fundiária, a partir da Constituição Federal de


1988 ascendem os debates sobre direitos sociais. Contudo, a Vila Zumbi dos Palmares apareceu em
1991, e só foi regularizada em 2004. Em 14 anos nada foi feito para melhorar a situação de vida da
população de lá, mas muito foi feito em questão de política habitacional.
Um dos fatores que convergiu e que foi favorável à implementação de uma política urbana
efetiva foi a criação Estatuto da Cidade em 2001 e do Ministério das Cidades em 2003. Como já foi
dito, o Estatuto da Cidade é importante pois reconhece a função social da propriedade, e dita a
regularização fundiária urbana como essencial para a efetividade da implantação da política urbana.
80

O Estatuto da Cidade veio a ser uma grande conquista, regulamentando e expandindo os artigos 182
e 183 da Constituição. Nesse mesmo período da abertura política e redemocratização, mesmo que
houvesse um hiato na tentativa de consolidar uma política urbana, é forte a presença dos
movimentos sociais. Sendo assim, é possível avançar na democratização da cidade.
Já o Ministério das Cidades nasce de um projeto chamado Projeto Moradia, que reuniu
especialistas e lideranças sociais para elaborar uma proposta para a política urbana brasileira.

A proposta do Ministério das Cidades veio ocupar um vazio institucional que retirava
completamente o governo federal da discussão sobre a política urbana e o destino das
cidades. A última proposta de política urbana implementada pelo governo federal se deu no
regime militar (1964-1985). Com a crise fiscal que atingiu o país em 1980 e a falência do
Sistema Financeiro da Habitação e do Sistema Financeiro do Saneamento, a política urbana
e as políticas setoriais formuladas e implementadas pelo Regime Militar entram em
colapso. Desde 1986 a política urbana seguiu um rumo errático no âmbito do governo
federal. Não faltaram formulações e tentativas de implementação, mas todas elas tiveram
vida muito curta. (MARICATO, 2006, p. 214)

Conforme Maricato (2006, p. 215), o Ministério das Cidades “tem sua criação, portanto,
ligada a esse movimento social urbano que teve início ainda nos anos 1970 e que acumulou forças
nas duas décadas seguintes na luta pela democratização do país e pela reforma urbana.”. Um dos
destaques do Ministério é que ele agrega, por diferentes secretarias, diferentes aspectos relacionados
à política urbana: acessibilidade e programas urbanos; habitação; saneamento; transporte e
mobilidade. Ou seja, não se trata apenas de políticas habitacionais, mas políticas articuladas de
diferentes aspectos da vida coletiva urbana.
Como afirma Maricato (2006), planos e leis são desenvolvidos conforme as circunstâncias.
Assim, para a elaboração do projeto “Direito de Morar”, as circunstâncias tanto políticas quanto
legislativas eram bastante favoráveis para que tal política de grande porte fosse implementada.

5.3 QUESTÃO AMBIENTAL

Ao começar a estudar a Vila Zumbi, a hipótese inicial elaborada foi a de que a política de
regularização estivesse mais relacionada à presença do condomínio Alphaville. Contudo, um
assunto que apareceu bastante nas entrevistas e na bibliografia consultada foi a presença do rio
Palmital na margem esquerda da vila. Constatamos que ali era uma região de inundação, em que os
moradores sofriam com enchentes, além de desequilíbrio ambiental, causado pela remoção de
árvores e pela poluição do rio. O rio Palmital, como já falamos, serve de abastecimento para a
cidade de Curitiba. A questão ambiental não pode ser deixada de lado ao se estudar a regularização
81

fundiária na Vila Zumbi dos Palmares, pois a preocupação com o Rio Palmital era grande, para
além da preocupação habitacional e social dos moradores da região.
Conforme dados fornecidos pela Sanepar (2008), o objetivo da prática foi garantir a
sustentabilidade buscando a melhoria da condição de classe de 4 para 2, conforme Resolução
CONAMA 357/05, para a bacia do rio Palmital, manancial de abastecimento da Região
Metropolitana de Curitiba-RMC, por meio da diminuição do aporte de carga orgânica no rio e a
consequente melhora da qualidade de vida das populações. (SANEPAR, 2008, p. 6). Realmente,
com a intervenção da SANEPAR na recuperação do rio Palmital, este teve uma grande melhora, por
conta da grande diminuição de carga orgânica que era despejada no rio e também devido à
instalação das redes de drenagem, de água, e 1.946 ligações corretas de esgoto.
Como afirma Kerder (2009), como as ocupações irregulares acontecem muito em margens
de rios nas regiões metropolitanas, muitas medidas devem ser acompanhadas de também uma
intervenção ambiental. Assim, é fundamental integrar as políticas urbanas às sócio-ambientais,
principalmente em local como Curitiba, onde se vê a população crescendo nas áreas de mananciais.
Realmente, a despoluição do rio Palmital apareceu como um dos motivos que confluíram
para que fosse possível a regularização da vila Zumbi, principalmente defendida pelo discurso
técnico. Como afirma uma técnica da COHAPAR:

“demanda da Vila Zumbi, de onde veio... a ideia de regularizar a Vila Zumbi e não a Vila
Liberdade?

“O objetivo principal desse... além das famílias, era salvar o rio Palmital... Porque toda a
rede de/ toda a sujeira, todo o esgoto ia pro rio Palmital. Então era salvar o rio Palmital.
Salvamos o rio Palmital na área do Zumbi... Atendemos o Pinhais, só faltou a parte de cima
do Liberdade. Tivesse concluído o projeto, o rio estaria hoje despoluído.”

Como podemos ver nessa parte da entrevista, um dos principais objetivos da regularização,
de acordo com a técnica da COHAPAR que esteve presente no processo era a despoluição do Rio
Palmital, que abastece a cidade.

“O Zumbi foi um primeiro projeto de desfavelamento... o maior né... são duas mil famílias
de regularização fundiária... de requalificação urbana... né... depois do Zumbi, quando veio
o recurso do PAC, então o Zumbi foi em 2004 né... ai quando veio o recurso do PAC e
2007... é... o que eu sei é que eles sobrevoaram... e viram quais seriam as áreas que... que
estavam em área de risco, que seria o Guarituba... Piraquara... o Liberdade, Colombo né...
que pegaria os rios... é... Palmital e Rio Atuba... E o rio Iraí.

E você vê o programa Direito de Morar como um Programa assim... de sucesso?

Sim, sim... principalmente na questão ambiental.”


82

Grande parte de terrenos que se localizam em áreas ambientalmente frágeis – margens de


rios, encostas, mangues, fundos de vale etc – e que possuem restrições de uso ficam ociosos pela
falta de interesse do mercado imobiliário e de investidores nessa região. Contudo, muitas pessoas
acabam ocupando esses espaços na ilegalidade, por falta de solução de moradia. Essa ocupação
causa a degradação ambiental do local, causando conflitos fundiários posteriormente. ( COSTA;
BRAGA, 2002).
Para Costa e Braga (2002), o papel do poder público vai depender da tensão em que o local
convive, de forma a mediar um conflito de interesses ( na desapropriação por exemplo), ou como
parte interessada nele. Muitas vezes, tanto as forças políticas como privadas tem seus interesses
afetados pelos problemas ambientais urbanos e pelas políticas desenhadas para minorá-los.
(COSTA; BRAGA, 2002)

Nesse contexto, conforme Costa e Braga (2002), insere-se o uso e ocupação do solo
estruturado em torno da questão urbano-ambiental, com as cidades convivendo com
problemas típicos de pobreza, especialmente nas regiões periféricas: ocupações irregulares
em áreas ambientalmente frágeis, como encostas e áreas alagáveis, e baixo índice de coleta
e tratamento de esgotos. A questão ambiental, portanto, passa a ser social.” (KERDER,
2009, p. 44)

Ou seja, quando uma área, passa a ter mais problemas ambientais do que outra, por conta da
falta de saneamento básico, amparo social, enchentes e demais problemas ambientais, a politica
ambiental deve ser considerada como questão social.

5.4 A PRESENÇA DO CONDOMÍNIO ALPHAVILLE

Na questão sobre o crescimento urbano e as dinâmicas do espaço metropolitano, não


devemos passar em branco de falar do condomínio Alphaville, que fica menos de 1 quilômetro de
distância da Vila Zumbi, como mostra a figura 6. O condomínio começou a ser construído nos anos
2000/2001 por uma incorporadora que já tinha implantado empreendimentos desse tipo em outras
cidades, o maior deles, localizado na Região Metropolitana de São Paulo 13. O Aphaville se localiza
no município de Pinhais, às margens da Estrada da Graciosa. É importante ressaltar também que o

13 Teresa Caldeira (2000) vai analisar especificamente o caso do Alphaville em São Paulo.
83

condomínio, como falamos anteriormente, foi construído numa área de UTP 14, em que se permite
um potencial construtivo em áreas de preservação por conta da pressão habitacional.
Como vimos no capítulo 1, com o aumento populacional no centro, as camadas ricas
começam a ir para bairros mais afastados em regiões metropolitanas. Essas regiões, por mais que
não tenham a infraestrutura do centro, o uso do carro, quase total entre essas famílias, permite o
acesso a supermercados, comércio e serviços, como acontece em Alphaville. Seus terrenos são
vendidos tendo como base um discurso de que habitar nesse condomínio trará um melhor estilo de
vida, principalmente no que tange segurança e contato com a natureza. Como conta Teresa Caldeira
(2000), e como podemos ver na frase abaixo, essas ideias de segurança, lazer e sociabilidade são
bastante difundidas nas propagandas desses condomínios.

Viver perto da natureza, onde você pratique esporte, passeie ao ar livre e veja as crianças
brincando nas ruas. Onde sua casa não precise de muros e você pode ter uma relação de
amizade com seus vizinhos. São os objetivos da Alphaville Urbanismo, que cria
residenciais com foco na segurança, interação e relação sustentável com as cidades.( Site
alphaville.).

No entanto, essa propaganda também mostra alguns valores implícitos na lógica dos
enclaves fortificados: homogeneidade social desses locais, a negação da relação com o espaço
público exterior, principalmente o reforço da distância social, longe das “impurezas” do centro. Os
valores sociais são resignificados com a presença dos enclaves fortificados, que aumentam a
segregação social.
Caldeira, (2000, p.211), afirma que “os diferentes grupos sociais estão muitas vezes
próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou
interagir em áreas comuns”. Além dos muros, essa fronteira, é marcada por barreiras que vão além
da espacialidade, espaços que segregam e aprofundam desigualdades. “Zumbi e Alphaville estão
em situação de fronteira, espacial, do humano, da civilização, fronteira em muitos e diferentes
sentidos. (POLLI,2007, p. 4)
Ao estudar o espaço da Vila Zumbi, não podemos ignorar a presença de um condomínio de
luxo implantado posteriormente ao lado, e o impacto que isso tem. Principalmente se considerarmos
como o empreendimento imobiliário se beneficiaria com uma política que interviesse na
comunidade ao lado.

A regularização trará benefícios ao empreendimento privado de Alphaville, visto que


garantirá o valor econômico e simbólico do condomínio por meio da urbanização e do

14 Unidade Territorial de Planejamento, explicamos o que é na página 32.


84

“controle” do seu entorno imediato, tido até então como entrave à completa exeqüibilidade
do empreendimento (POLLI, 2007, p. 15)

Segundo Polli (2007), a presença do Condomínio esteve fortemente atrelada a regularização


da Vila Zumbi. Além disso, não é de hoje a relação que o Estado possui com grandes
incorporadores. “Pelo status e pela valorização monetária que passa a adquirir, esse tipo de
empreendimento tende a promover uma maior valorização da área em que está localizado”. (Ritter,
2011, p. 28). Segundo Ritter (2011), O Alphaville foi o maior fator que influênciou no processo de
“desperiferizar” a vila Zumbi.
Falando aqui sobre o Alphaville – por conta de sua proporção e proximidade com a vila
Zumbi – também estamos refletindo sobre os impactos territoriais e sociais que um
empreendimento desses provoca na área metropolitana e que impactos ele pode ter sobre a
comunidade que mora ao lado.

5.6 A ANÁLISE DE OUTROS AUTORES

De acordo com Ritter ( 2011, p. 187), tres fatores confluíram para que fosse possível um
olhar do poder público para a Vila Zumbi, que até então estava esquecida: o primeiro é em 2002,
com a eleição de Roberto Requião para governador. Assim, com seu mandato a partir de 2003, ele
fez com que a máquina pública se voltasse a vila Zumbi. Isso somou-se ao fato de que o poder
municipal também era composto por partidos aliados ao de Requião.
Outro fator foi que a Vila Zumbi escapa dos moldes da Cidade modelo de Curitiba. O
discurso que tanto tenta enaltecer Curitiba como Cidade ecológica, cidade européia, que escondia as
desigualdades sociais não foi capaz de esconder a magnitude que chegou a vila Zumbi, que mostra
exatamente esse contraste de desigualdade. Assim, a ocupação seria um grande demérito para o
renomado planejamento urbano da cidade de Curitiba.
O terceiro fator diz respeito a nova espacialidade que se constrói nas periferias, aquela que
Caldeira (2001) fala, e que já citamos, sendo eles a vinda de grandes corporações e investimentos
em condomínios fechados da classe mais rica, no caso, o Alphaville em Pinhais. “Para tanto, um
corporativismo entre o Estado e as grandes empresas foi se consolidando.” ( RITTER, 2011, p.
189).
Dessa forma, ocorreria uma parceria corporativista entre Estado e incorporadores, que
pressiona a área para ser feita a regularização.
85

Em suma, a priorização da Vila Zumbi dos Palmares como receptora do projeto-piloto de


regularização fundiária e de urbanização de favelas, na região metropolitana de Curitiba, foi
em virtude: a) De a favela Zumbi ter se constituído em grave ameaça aos planos
empresariais e políticos, conforme foi exposto anteriormente, com pressão do
empreendimento Alphaville, para atender interesses eleitoreiros e promessas de campanha;
b) Do fato da área ocupada pela Vila Zumbi sempre ter sido um entrave à regularização, por
causa de questões ambientais, uma vez que está assentada numa várzea de inundação, com
lençol freático aflorante, além dos obstáculos jurídicos relacionados à propriedade da terra;
c) Do insucesso das tentativas anteriores com esse intuito, tendo em vista o não
direcionamento dos recursos financeiros e principalmente a falta de interesse institucional
para tal fim. Requião, a frente do governo do estado do Paraná, ao realizar a sua
regularização, estaria dando uma demonstração de força e poder. ( RITTER, 2011, p. 198).

Já Polli (2006), estudando os motivos que levaram a Vila Zumbi a ser o carro chefe do
programa de regularização do governo, além da presença do condomínio Alphaville, suspeita que
por trás da regularização há o interesse político de Requião, devido à características assistencialistas
do projeto e a atribuição de funções que não eram da competência da COHAPAR (emissão de
carteira de identidade e carteira de trabalho).
Além disso, a autora também levanta a hipótese do novo pacto da periferia, na qual Estado e
empresariado se articulam para construir a periferia desejada, mantendo sua ordem.

“O projeto de regularização em Zumbi dos Palmares é entendido como potencial gênese de


uma nova ordem, porque se levanta a hipótese de que está em formação um novo pacto na
periferia, uma articulação entre Estado e empresários. Este pacto contribui na construção da
periferia desejada, aquela que corresponda a seus interesses, com o objetivo de controlar ou
manter uma ordem, na qual seja proporcionado o alívio à pobreza, o embelezamento e
melhoramentos, caso isso seja do interesse dos novos empreendimentos da economia
globalizada.” (POLLI, 2007, p.13)

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que possamos entender a questão habitacional e seus problemas, não podemos dissociá-
la de outros processos sociais, econômicos e políticos que ocorrem. Devemos assim, olhar a cidade
de outro ângulo. Essa monografia faz parte desse esforço. Por isso, optamos em trabalhar com a
hipótese de que existem outras condições, além da necessidade habitacional que vão contribuir para
que seja possível um grande investimento em uma política pública.
Essa monografia teve como principal metodologia a pesquisa documental. As falas obtidas
nas entrevistas não puderam ser aprofundadas por dificuldades metodológicas que tivemos na
pesquisa, que envolvem situações inesperadas na hora da entrevista. Porém elas trazem a opinião
dos moradores acerca das considerações feitas a partir da bibliografia estudada, especificamente no
que diz respeito às mudanças que ocorreram. .
86

Estudando o caso da vila Zumbi pudemos trazer o debate acerca da casa própria. Muitas
pessoas vão em busca de ocupações irregulares para sair do aluguel e ter a independência através da
própria casa, mesmo que as condições da habitação sejam precárias. Como mostramos, ainda que
houvesse o ônus das ruas de barro, das frequentes inundações, violência, falta de ônibus, comércio
etc, as pessoas só tiveram a ida a vila como a alternativa habitacional.
Quando, em 2004, o poder público intervêm e investe 20 milhões de reais na vila, muitas
coisas mudam. Os moradores tiveram que passar a pagar a prestação do imóvel para ter seus
terrenos regularizados. Quem não pode pagar esse valor teve que sair de lá. Assim não se trata de
resolver o problema habitacional por inteiro, uma vez que essas pessoas vão se deslocar para outras
ocupações irregulares, perpetuando o padrão periférico. Além desses moradores, o problema da
violência, que era recorrente na vila Zumbi, também se desloca para outros locais, causando uma
falsa impressão de que a violência foi amenizada na RMC. Ou seja, devemos refletir até que ponto
o “ Direito de morar” foi efetivo em termos de resolver os problemas da região metropolitana.
Para os moradores que conseguiram permanecer na vila, a intervenção trouxe muitos
benefícios. Pelas entrevistas com esses moradores que permaneceram, vimos que a condição
socioeconômica deles aumentou. Muitos começaram a abrir comércios dentro da comunidade, o que
possibilitou um aumento na renda familiar. Com a regularização também aparecem novos
moradores, e aumenta-se os preços dos terrenos. Acabam os problemas com inundação, saneamento
e o asfaltamento é tido como uma grande vitória.
Contudo, tentamos refletir acerca da intencionalidade do projeto. Para isso foram analisadas
algumas variáveis que podem ter influenciado na escolha do local de investimento. Pensamos como
o “Direito de Morar” é um projeto político, dentro de um plano de governo, que tem como discurso
o olhar para as classes pobres. Devemos nos atentar para o fato de que as pessoas da vila votam
fielmente em Roberto Requião, nos perguntando até que ponto, como falamos, é considerada um
dever do poder público, ou uma dádiva.
Também reflete-se sobre como a legislação vai mudando no século XX e XXI, em que,
diferentes governos tomam diferentes medidas. Com a redemocratização, a Constituição Federal de
88, as legislações que obrigam o poder público a investir em política urbana de habitação e as
eleições de governos que voltam o olhar para as camadas pobres, podemos também ver que a
regularização da Vila Zumbi possui um contexto legal favorável.
No caso de Curitiba, chama a atenção os investimentos em planejamento urbano e em
infraestrutura urbana, que tem como ônus o encarecimento dos locais mais próximos ao centro e
que empurram boa parte da população para as cidades periféricas. Além disso, ocorre um grande
investimento industrial na capital, que também converge para que se tenha um aumento
populacional nessas novas regiões. O destaque é para Colombo, que aumenta expressivamente em
população nos anos da década de 1980, principalmente na região conurbada à Curitiba.
87

Por estar localizada á leste, numa região de manancial, apareceu na pesquisa uma grande
preocupação com a questão ambiental. Como mostrou o discurso técnico, era muito importante
despoluir o rio Palmital, rio de abastecimento das cidades, tirando a população que estava em sua
margem. Contudo, há de se problematizar também até que ponto esse problema foi solucionado,
tendo em vista que a Vila Liberdade ainda tem pessoas morando às margens.
Como já dito, um programa de regularização fundiária é bastante complexo, de grande porte
e envolve diferentes dimensões. Com mais pesquisas sendo feitas sobre esse tema, avaliando
políticas já implementadas e estudando as áreas de mais necessidade de regularização fundiária,
trabalhamos para um acesso à moradia de qualidade cada vez mais acessível às pessoas, e
contribuímos para um entendimento mais refinado de como ocorrem as dinâmicas que envolvem a
elaboração de políticas públicas..
88

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Outros documentos:

IPPUC/ BANCO DE DADOS

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