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CURSO DE DIRETO
2023
ALESSANDRA BORGES JARDIM
2023
ALESSANDRA BORGES JARDIM
Aprovado em de de 2023
BANCA EXAMINADORA
This monograph focuses on the study of urban special adverse possession and its
modalities as a means to ensure access to housing in Brazil. The research aims to
analyze the institute of urban special adverse possession and its importance as a
guarantee instrument to fulfill the right to housing through property acquisition by
exercising possession, in light of the scarcity of housing policy programs in the
country. Other objectives include discussing the origin and concept of possession
and urban adverse possession and its modalities, listing the importance of the social
function of urban property established in the Master Plan by municipalities,
highlighting the housing issue in the current Brazilian scenario, and presenting the
importance of the right to housing as part of human dignity. From this perspective,
the work is relevant in presenting urban special adverse possession as an instrument
of urban policy that enables access to decent housing and the fulfillment of the social
function of urban property, given the housing deficit in the country and insufficient
housing policies.
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 9
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 113
INTRODUÇÃO
2
TETO. Relatório de Impacto 2021. Teto, 2021. Disponível em: https://conteudo.teto.org.br/nac-
relatorio-de-impacto-2021-teto-brasil. Acesso em 14 de jan. de 2023.
déficit habitacional, promovendo a dignidade da pessoa humana por meio da
aquisição da propriedade diante do exercício da posse.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, utilizando a abordagem
qualitativa, na qual se propõe a compreender o objeto da pesquisa na realidade em
que se insere.
O trabalho está dividido em quatro capítulos e as considerações finais.
O primeiro capítulo (O direito à moradia no Brasil e a dignidade da pessoa
humana), visa compreender a importância do direito de moradia no Brasil. Iniciando
com a gênese histórica do direito à moradia por meio de tratados internacionais ao
se tornar um direito constitucional reconhecido no país como parte da dignidade da
pessoa humana.
O segundo capítulo (A propriedade privada e sua função social), elenca a
propriedade privada, em especial a propriedade imóvel e a importância de serem
observados a função social dos bens para a coletividade, prevista na Constituição
Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).
O terceiro capítulo (A Política habitacional brasileira e a irregularidade
urbana) demonstra o contexto histórico e atual das políticas habitacionais no Brasil,
apresentando as situações de habitações atuais no país, por meio de pesquisas
realizadas por importantes institutos, que evidenciam o déficit habitacional no país.
O quarto capítulo (A usucapião como meio de acesso à moradia no
Brasil), possui como objetivo expor a origem e a importância da posse ao direito. O
capítulo também visa demonstrar a origem da usucapião e suas espécies, em
especial a usucapião especial urbana e suas modalidades. E por fim, elencar a
importância da usucapião especial urbana como forma alternativa de garantir o
acesso à moradia digna, proporcionando a segurança da posse ao possuidor do
bem.
As considerações finais deste trabalho de conclusão de curso apresentam
as reflexões terminativas derivadas da pesquisa, relacionadas aos objetivos e à
motivação que possibilitou a elaboração deste trabalho.
CAPÍTULO 1 – O DIREITO À MORADIA NO BRASIL E A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
3
SOUSA, Jhenifer Moura; BARBOSA, André Luis Jardini. DIREITO À MORADIA DIGNA COMO UMA
EXPRESSÃO DA PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA. Revista de Iniciação Científica e Extensão
da Faculdade de Direito de Franca. ISSN 2675-0104 – v.5, n.1, dez. 2020
4
LEHFELD, 1998 APUD SOUSA; BARBOSA, 2020.
quantia monetária com o registro no cartório, se perpetua até os dias de hoje, sendo
mantido pelo Código Civil vigente.5
Assim, o acesso à moradia por meio de aquisição da terra, permanecia em
grande parte com os oligarcas. Diante disso, fora intensificada a busca por moradia
no país, tal período fora retratado na obra de Aluísio Azevedo em “O Cortiço”, que
apresenta como o acesso à moradia era muito dificultoso, pois a obra demonstra
que muitos necessitavam compartilhar o mesmo espaço com outras pessoas, em
ambientes precários como forma de moradia, sem a aquisição de um lote.
Aliado a esse cenário, com o fim da escravidão e a Proclamação da
República, ocorreu o crescimento urbano no país, agravando ainda mais a busca por
moradia digna, visto que as cidades não estavam preparadas, além disso, era
precário o acesso a alimentação, à água, a saúde, entre outros.6
Apenas em meados da década de 30 do século passado, que iniciaram as
reformas urbanísticas, em decorrência da presença forte dos imigrantes no país.
Entretanto, quando o Estado começou a iniciar as referidas obras, melhorando o
saneamento básico e embelezando os espaços públicos da cidade, visando
expandir o mercado imobiliário, as pessoas com menor poder aquisitivo foram
ignoradas no processo, sendo obrigadas a ocupar as áreas mais precárias das
cidades, como, morros e franjas, intensificando ainda mais a segregação territorial. 7
Com o processo de industrialização no Brasil, realizado por Juscelino
Kubitschek, que era presidente da República, decidiu iniciar em meados de 1955, a
proposta de modernizar e desenvolver o país, sobretudo nas cidades. Essa proposta
fez com que muitos brasileiros migrassem do campo para a cidade, em busca de
melhores condições, pelo discurso de maior empregabilidade, condições financeiras,
lazer, etc., mas, a realidade era outra, visto que ocasionou problemas relacionados à
infraestrutura de moradias, diante do avassalador número de habitantes.
Apenas na década de 70, com a Lei Federal de Parcelamento Urbano (Lei
6.766/79), na qual a referida norma jurídica transferiu ao município a atribuição de
regular o solo urbano e urbanizar áreas para habitação de interesse social. A lei
demonstrou um avanço na época, na qual permanece em vigor até hoje.8
5
MENEZES, Rafael Lessa V. de Sá. Crítica do direito à moradia e das políticas habitacionais. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2017.
6
SOUSA; BARBOSA, 2020. Opus cit
7
MARICATO, 2001 APUD SOUSA; BARBOSA, 2020. Opus cit.
8
FREITAS, Gilberto Passos; COELHO, Marcus Filipe Freitas. Direito à moradia e Inclusão Social.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021
Apesar de revolucionária, não fora suficiente para sanar a questão fundiária e
o acesso à moradia no país, em razão das regras postuladas na lei e a questão
financeira, pois tais regras: “[...] exigiam dos empreendedores e do Poder Público
dispêndio financeiro significativo, o que em grande parte inviabilizar a regularização
do loteamento. ” 9
Em consequência desse cenário, houve o aumento da clandestinidade da
urbanização e de imóveis urbanos, em consequência, o não acesso à moradia digna
cresceu. Diante disso, foram alteradas as regras dispostas na lei, visando flexibilizar
a aprovação de regulamentação de loteamentos e parcelamentos populares, através
da Lei 9.785/99.
9
Ibidem idem, p. 136, Opus cit.
10
ZAMBON, Rodrigo Eduardo. Fundamentos das políticas sociais e políticas sociais. Londrina:
Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2017.
11
ZAMBON, 2017, ibidem idem.
Nessa época foram agravadas as expressões da questão social 12 diante da
precarização das condições de trabalho, enfrentadas pelos trabalhadores,
consequentemente dificultando o acesso à moradia digna, diante dos baixos salários
recebidos em contrapartida das longas horas de jornadas de trabalho. Além do
acesso precário aos serviços de educação e saúde. 13
Diferentemente da vida nos feudos, era ausente a proteção para os
trabalhadores nas indústrias, na qual as famílias não possuíam nenhuma garantia de
segurança ou qualquer tipo de auxílio pelo dono da indústria, mesmo nos casos
envolvendo acidentes de trabalho, era ausente a assistência médica. Além do
aumento das doenças, em decorrência da multiplicação da população nas cidades,
ocasionando pelos problemas de infraestrutura. 14
Diante desse cenário, ocorreram muitas rebeliões e lutas pela classe
trabalhadora em busca de melhores condições de vida, possibilitando a criação e
aplicação dos direitos de segunda dimensão diante da reivindicação por condições
mínimas, ocasionando uma transformação social.15
No cenário da Revolução Industrial apenas existência e importava os direitos
de primeira dimensão, postulado como o direito à liberdade nas relações humanas,
considerado direito primordial. Com as mudanças ocorridas no campo social e no
campo econômico pelo sistema do capitalismo, surgiu a necessidade de assegurar à
alimentação, à moradia, o trabalho, à saúde por meio do direito, sendo chamados de
direitos sociais, considerados direitos de segunda dimensão. 16
Os direitos de segunda dimensão, ou seja, os direitos sociais necessitam que
o Estado por meio de obrigações e deveres proporcione melhores condições de vida
e dignidade aos seres humanos, pontuando ao princípio da igualdade material.17
Os direitos sociais, é pontuado pelo mínimo existencial, considerado: “[...]
uma construção hermenêutica acerca do princípio da dignidade humana, da
12
A questão social é o resultado do conflito entre o trabalho e o capital durante a Revolução Industrial
na Europa, ocasionado a geração da riqueza para uma pequena parcela da população e o aumento
da pobreza para a maioria da população, resultando o pauperismo. Ou seja, a questão social é o
resultado da distribuição de riqueza gerada de forma desigual no início do capitalismo. (NETTO, José
Paulo. Cinco notas a propósito da “questão social”. In: Temporalis. Ano 2, n.3, jan./.jul., Brasília:
ABEPSS, Grafline, 2001.
13
FREITAS; COELHO, 2021. Opus cit.
14
ZAMBON, 2017. Opus cit.
15
FREITAS; COELHO, 2021, Opus cit.
16
CEDENHO, Antonio Carlos. Diretrizes Constitucionais da Assistência Social. São Paulo: Editora
Verbam. 2012.
17
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Altas, 2019.
aplicabilidade dos direitos sociais fundamentais e demais direitos que venham a
corroborar com o atendimento das necessidades dos indivíduos" (CEDENHO, 2012,
p. 94).18 Ou seja, esses direitos são abarcados pelo princípio da dignidade humana,
está pontuado no acesso ao mínimo das condições materiais e sociais para uma
vida digna.
Com a evolução desses direitos, é substituído o Estado Liberal, e adentrado o
Estado de Bem-Estar Social na Europa entre o final do século XIX e o começo do
século XX, possibilitando o acesso à saúde, às pensões, à carga de trabalho
reduzida e condições de trabalho digna e com segurança, viabilizando mais o papel
estatal dentro das relações sociais.19
É notório destacar que o Estado de Bem-Estar Social, viabilizou o acesso à
educação, à saúde e à moradia para toda população, como forma de assegurar
esses direitos por meio de políticas públicas, jamais como caridade oferecida pelo
Estado.20
O direito à moradia é considerado parte dos direitos sociais, sendo
reconhecido no começo do século XX em alguns sistemas jurídicos nas
constituições federais. A Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar
de 1919, foram as primeiras constituições federais ao elencar em seu texto
21
constitucional a importância do direito à moradia como parte dos direitos sociais.
Sendo iniciado o movimento de concretização dos direitos de segunda
geração, ou seja, os direitos sociais começaram a serem positivados em leis e
protegidos pelas constituições federais, ao elencar o compromisso do Estado com
questões relacionadas as condições mínimas de vida digna, deixando de serem
tratadas apenas como pautas éticas pelos Estados.22
Logo, diante do contexto da exclusão de moradia, muitas pessoas foram
privadas do seu acesso, principalmente no sistema capitalista, que necessitou mais
23
do aparato estatal para garantir o acesso à habitação por meio dos direitos sociais.
18
CEDENHO, 2012. Opus cit.
19
FREITAS; COELHO, 2021. Opus cit.
20
ZAMBON, 2017, Opus cit.
21
CHADID, Ronaldo. Direitos Fundamentais: Origem, Evolução, Precursores Doutrinários e seu Perfil
Geral. In: Revista Direito UFMS, Campo Grande, v.1,n.1, p. 87-111, jul./dez., 2015.
22
RANGEL, Helano Márcio; SILVA, Jacilene Viera. O direito fundamental à moradia como mínimo
existencial, e sua efetivação à luz do estatuto da cidade. In: Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.6,
n.12, p.57-78, jul. /dez.,2009.
23
CHADID, 2015. Opus cit.
Entretanto, o direito à moradia apenas fora inserido como parte dos direitos
humanos na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, consolidando os
direitos fundamentais de segunda geração, reconhecidos como direitos sociais,
previsto no artigo 25 na referida declaração:
Após o direito à moradia ser considerado parte dos direitos humanos através
da Declaração Universal da ONU, o sistema internacional dos direitos humanos
começou a defender o direito à moradia em várias convenções e tratados
internacionais ratificando o conteúdo da Carta de 1948.24
27
ONU, 1996 APUD SARLET, Ingo Wolfgan. O direito fundamental à moradia na constituição:
algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Revista de Direito do
Consumidor. vol. 46.2003.
28
SARLET, 2003. Opus cit.
29
Ibidem idem
30
Idem idem.
31
AASP, 2019 APUD SOUSA; BARBOSA, 2020. Opus cit.
32
SOUZA, 2013. Opus cit.
Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, com a
denominação ONU-HABITAT em 1975.33
Em 1996, ocorreu a Conferência de Istambul - Agenda Habitat II, que elencou
o direito à moradia, envolvendo temas globais e ambientais. O Habitat II, afirmou
que não postula apenas a busca do acesso à moradia, mas o acesso à moradia
adequada. A Conferência de Istambul foi a responsável por inserir temas de suma
relevância, como a violação dos direitos humanos nos casos envolvendo retirada da
população de suas casas, em face da guerra, políticas de renovação urbana.
Também elencou a temática acerca da alteração de zoneamentos e a importância da
participação popular envolvendo os temas relacionados à moradia e ao
assentamento.34
Essa conferência trouxe o conceito de moradia adequada, em seu parágrafo
60 na Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos:
Moradia adequada significa mais do que ter um teto sobre suas cabeças.
Isso também significa ter um lugar privado, espaço, acessibilidade física,
segurança adequada, segurança da posse, estabilidade estrutural e
durabilidade, aquecimento, iluminação e ventilação, serviços adequados de
infraestrutura básica, incluindo abastecimento de água, saneamento e
tratamento de lixo, fatores adequados de qualidade ambiental e de saúde, e
uma localização conveniente e acesso ao emprego e serviços básicos, tudo
a um custo razoável. A adequação de todos esses fatores deve ser
determinada em conjunto com as partes interessadas, tendo em conta as
perspectivas de desenvolvimento gradual. 35
36
WALDMAN; SAMPAIO, 2019. Opus cit.
37
WALDMAN; SAMPAIO, 2019. Opus cit.
38
Ibidem idem.
39
FROTA, Henrique Botelho. Justiciabilidade do direito social à moradia adequada. R. Bras. de Dir.
Urbanístico – RBDU | Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 173-193, jul./dez. 2015.
40
Ibidem idem.
fundamentais de forma implícita, entretanto qualquer dúvida acerca se o referido
direito fazia parte dos direitos fundamentais fora sanado em 2000.41
O direito à moradia foi reconhecido no Brasil através da Emenda
Constitucional n. 26 de 14 de fevereiro de 2000, sendo acrescentado no artigo 6,
caput, da Constituição Federal de 1988 no título dos direitos e garantias
fundamentais, por meio da referida emenda. Considerado parte dos direitos sociais
no campo brasileiro e um objetivo a ser alcançado pela República Federativa do
Brasil, ao demonstrar o compromisso aos pactos internacionais de direitos humanos
da ONU, na qual o país é signatário.42
O direito à moradia reconhecido no Brasil é fruto da abertura internacional,
diante do rol dos direitos defendidos nos tratados internacionais de matéria de
Direitos Humanos, e da abertura nacional, por meio do Poder Constituinte Derivado
ao incluir o direito à moradia como parte dos direitos fundamentais através da EC n.
26/2000.43
O direito à moradia como parte dos direitos fundamentais, é visto como a
positivação dos princípios e dos valores dos direitos humanos no texto
constitucional, formando o Estado Democrático de Direito, uma vez que é
considerado elemento formador do próprio Estado.44
É importante elucidar que o direito à moradia como parte dos direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988, possui aplicação imediata, de acordo
com o artigo 5, §1.º do texto constitucional. O direito à moradia está respaldado pelo
princípio da aplicabilidade imediata, possuindo eficácia plena considerado norma
constitucional autossuficiente, pois não dependem de leis infraconstitucionais
ulteriores para sua aplicação, possuindo autonomia plena.45
O direito à moradia incluído no art. 5.º, § 1.º, impõe aos órgãos estatais a
maximização da eficácia desses direitos, possuindo o poder-dever de aplicar
imediatamente estas normas, visando assegurar sua plena eficácia.46
O direito à moradia por possuir imediata aplicação, seja como cláusula
restritiva na elaboração de leis que o violem, seja como parâmetro positivo que
41
FROTA, 2015. Opus cit.
42
CORRÊA, Guilherme Bonemberger. O direito fundamental social à moradia: modalidades de
usucapião para sua efetividade. PUCRS, 2017.
43
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
44
CORRÊA, 2017. Opus cit.
45
RANGEL; SILVA, 2009. Opus cit.
46
SARLET, 2003. Opus cit.
orientará a criação de novas leis para que possam conferir maior eficácia e
concretude a esse direito. O Poder Judiciário fica obrigado a proteger o direito à
moradia e, inclusive, realizar o controle de constitucionalidade com base nele.47
O direito à moradia é considerado uma meta para todos os entes federativos,
conforme disciplinado no artigo 23, inciso IX do texto constitucional, com o objetivo
de promover programas de construção de moradias e melhores condições de
habitação. Esse compromisso afirma a importância do país na luta por uma
sociedade mais justa, reduzindo a desigualdade social e a pobreza. Logo, apresenta
o compromisso do Estado, enquanto titular das diretrizes da República (art. 3,
CF/88), em garantir e efetivar o acesso à moradia para aqueles que não o possuem
ou habitam de forma degradante.48
A Constituição Federal vigente é considerada omissa em relação a uma
definição mínima ao direito à moradia, as disposições presentes nos tratados e
documentos internacionais de direito humano assinados pelo Brasil e incorporados
49
ao direito interno ganham destaque para a sua definição.
O direito à moradia também pode ser considerado direito de defesa, pois
como parte dos direitos sociais necessita da proteção do Estado para ser
concretizado, considerado uma dimensão positiva, mas também possui a dimensão
negativa, pois os particulares e o Estado possuem o dever de respeitar a moradia da
pessoa, ao ser violado à moradia pode ser contestado por meio judicial.50
É importante identificar que o referido direito necessita ser progressiva, ou
seja, é vedado que ocorra o retrocesso social e jurídico. Na qual, o Estado não
poderá impor:
47
FROTA, 2015. Opus cit.
48
RANGEL; SILVA, 2009. Opus cit.
49
SARLET, 2003. Opus cit.
50
Ibidem idem.
51
FROTA, 2015, p. 190. Opus cit.
O direito à moradia digna não envolve apenas a questão habitacional em si,
mas condições humanas ao acesso à higiene e a comodidade, ou seja, envolve a
qualidade de vida da pessoa ou da família. 52
A Constituição Federal inclui o direito à moradia como parte do mínimo
existencial de vida a ser combatido através do salário mínimo, pelas políticas
habitacionais e urbanas e ao fundo para combate e erradicação da pobreza.53
O direito à moradia digna está no mesmo patamar de importância dos direitos
relacionados à saúde e à vida, pois envolve a dignidade da pessoa humana, ao
abranger a esfera material e moral do indivíduo. Portanto tal direito “[...] não pode
deixar de estar inserido no rol dos direitos mínimos, pois sem a concretização desse
direito, o homem não pode viver dignamente.54
A Constituição Federal de 1988 visa buscar um patamar mínimo para uma
vida digna, pois a moradia requer que existam condições mínimas para viver de
forma que respeite a dignidade da pessoa, ou seja, a questão do direito à moradia
precisa abrangido com a dignidade humana.55
63
RODRIGUES, 2003 APUD CANUDO, 2008.Opus cit.
64
RANGEL; SILVA, 2009. Opus cit.
65
RANGEL; SILVA, 2009. Opus cit.
66
Ibidem idem.
67
Idem idem.
68
SARLET, 2003. Opus cit.
[...] um dos elementos essenciais da tríade alimentação/saúde/moradia que
vai permitir que o ser humano tenha um padrão mínimo para viver com
dignidade. É um direito que garante não só a proteção contra intempéries
climáticas e contra perigos encontrados na natureza e nas ruas, mas,
sobretudo, que garante abrigo ao pensamento, à privacidade, à expressão
da individualidade, motivo pelo qual é reconhecido nacional e
internacionalmente como um direito humano garantido a todos.69
69
SEFFRIN; CENCI, 2017, p. 1-2. Opus cit.
70
SOUSA; BARBOSA, 2020. Opus cit.
71
Ibidem idem, p.433.
72
PELLEGRINI, 2004, APUD CANUTO, 2008. Opus cit.
73
SEFFRIN; CENCI, 2017.Opus cit
no país, ao aderir o direito à moradia com aos objetivos estabelecidos no artigo 3 da
Constituição Federal, abarcado pela dignidade da pessoa humana.74
Portanto, a garantia da dignidade humana é inalienável e é crucial para que o
direito à moradia digna seja respeitado como fundamento constitucional, que seja
realizado formalmente e materialmente no âmbito do Estado Democrático de Direito,
visando que seja assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais à
liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça, que são
valores adotado pela Constituição Federal vigente.75
74
Ibidem idem.
75
CANUDO, 2014. Opus cit.
CAPÍTULO 2 - A PROPRIEDADE PRIVADA E SUA FUNÇÃO SOCIAL
76
COSTA, 2011 APUD TOLEDO, Cláudia Mansani Queda De; MOKARZEL, Carolina Baracat. A
relação entre o direito de propriedade e o direito à morada na Constituição Federal de 1988. Minas
Gerais: Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade. v. 1, n. 2, 2015
77
CORRÊA, 2017. Opus cit.
emenda constitucional, garantindo a segurança jurídica e social que lhe é inerente,
sendo reconhecido como direito certo e líquido. 78
A propriedade apresenta uma limitação no texto constitucional, no seu artigo
5º, inciso XXIII, sendo imposto para esse direito fundamental limites em sua
utilização, sendo esta, a função social, considerado um limitador do uso, visando o
bem-estar da coletividade, em decorrência do bem comum atribuído a ela. 79 Tal
instituto será melhor aprofundado nos próximos subcapítulos.
Logo, o direito à propriedade busca alcançar a realização dos direitos
individuais e sociais em decorrência do seu uso, pois está relacionado aos princípios
da função social e da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição
Federal de 1988.80
A propriedade está disciplinada no Código Civil Brasileiro, é elencada nos
direitos das coisas, considerada referência para os outros direitos reais, pois regula
81
as relações civis na temática do domínio sobre as coisas no direito privado.
O direito à propriedade também se encontra disciplinado no parágrafo 1º do
artigo 1.228 do Código Civil de 2002, que dispõe in verbs:
78
JÚNIOR, Jóse Lopes de Sousa. Usucapião especial urbana e a função social da propriedade.
Ceará: THEMIS: Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará. v.8.n.2, 2010.
79
Ibidem idem.
80
JÚNIOR, 2010. Opus cit.
81
NADER, PAULO. Curso de direito civil. vol. 4. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018.
82
CANUDO, 2014. Opus cit.
83
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
A propriedade pode ser traçada pelo conceito de limitar uma área e utilizar os
direitos de usar, gozar, dispor e reaver, na qual foram adotados pelo Código Civil
Brasileiro no artigo 1.228º, dispõe que: "O proprietário tem a faculdade de usar,
gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha."
Maria Helena Diniz define o direito de propriedade como um direito que: “[...] a
pessoa natural ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor
de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem
injustamente o detenha” 84
O direito de usar (jus utendi) refere-se à faculdade de o possuidor de usar e
desfrutar do bem na forma que considerar mais adequado, sem que sua essência ou
substância seja alterada, sendo viável afastar terceiros de realizarem o seu uso
semelhante.85
O direito de gozar (jus fruendi) envolve a capacidade de desfrutar dos
benefícios do bem e obter os seus frutos 86. Ou seja, é a forma de utilizar a coisa
87
economicamente, como por exemplo, no uso de um aluguel, locação, etc.
O direito de dispor (jus abutendi) consiste no: "[...] consiste no poder de
transferir a coisa, de gravá-la de ônus e de aliená-la a outrem a qualquer título" 88.
Assim, é viável agravar o bem por meio do ônus, de hipoteca, servidão, etc. Sendo
igualmente possível colocá-la à disposição de outra pessoa para prestação de
serviços.89
O direito de reaver o bem (rei vindicatio) refere-se ao direito de proteger e de
reaver a posse de quem o possui inadequadamente90. É possível reaver a
propriedade por meio de ação para obter o bem daquele que não possui o direito de
possuí-lo.
A propriedade será considerada plena quando possuir todos esses elementos
sob o poder de apenas uma pessoa especifica, sendo tais elementos previstos no
artigo 1.228º do Código Civil, sendo esses, o poder de usar, de dispor e gozar,
utilizando o direito de reaver quando for necessário. Sendo que qualquer pessoa
84
DINIZ, 2023, p. 197. Opus cit.
85
GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.
86
Ibidem idem
87
Diniz, 2022. Opus cit.
88
Gonçalves, 2023, p. 436. Opus cit.
89
Diniz, 2023. Opus cit.
90
Gonçalves, 2023. Opus cit.
interessada possui o direito de alegar a falta de plenitude da propriedade, por
exemplo, comprovando que o direito se limita à nua-propriedade. Ao proprietário não
é exigido o ônus da prova, uma vez que a presunção é favorável a ele. As restrições
legais impostas à propriedade, como o direito de vizinhança, não retiram da
propriedade sua natureza de plenitude.91
Mas, a propriedade também pode ser restrita, quando ocorrer
desmembramento de algum dos seus elementos ou passarem para outra pessoa, ou
seja, ocorrendo o direito real sobre coisa alheia. Dessa forma, por exemplo:
91
NADER, 2018. Opus cit.
92
DINIZ, 2022, p. 210. Opus cit.
93
Ibidem idem
94
NADER, 2018. Opus cit.
95
GONÇALVES, 2023, p. 462. Opus cit.
96
DINIZ, 2022. Opus cit.
A propriedade pode ser considerada como irrevogável, pois ela não cessa por
não ser utilizada, podendo manter a sua perpetuidade com a transmissão post
mortem ou inter vivos, salvo quando não ocorrer nenhum tipo de perda previsto em
lei, como por exemplo, a usucapião, desapropriação, etc., ou resultante da vontade
do possuidor do bem. 97
Assim, poderá considerada revogável, aquela:
[...] que encontra, no seu título constitutivo, uma razão de sua extinção, ou
seja, as próprias partes estabelecem uma condição resolutiva (CC, arts.
1.359 e 1.360). É o que se dá no fideicomisso (CC, art. 1.951), com a
propriedade do fiduciário (CC, arts. 1.361 a 1.368-A) e na retrovenda (CC,
arts. 505 a 508) com o domínio do comprador"98
97
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
98
DINIZ, 2023, p. 210. Opus cit.
99
NADER, 2018. Opus cit.
100
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
101
Ibidem idem.
A aquisição originária, diferentemente da derivada, não ocorre da transmissão
entre as partes, a pessoa torna-se proprietário da referida coisa por fazer ser sua:
“[...] sem que lhe tenha sido transmitida por alguém, ou porque jamais esteve sob o
domínio de outrem. Não há relação causal entre a propriedade adquirida e o estado
102
jurídico anterior da própria coisa. ” Essa forma de aquisição ocorre pela acessão e
pela usucapião, ambas previstas para a aquisição do bem imóvel.
A forma de aquisição estabelecida nos artigos 1.227 e 1.245 refere-se à
aquisição inter vivos, na qual se adquiri o domínio da propriedade através da
transferência entre pessoas vivas, por meio do título translativo no registro de
imóvel. Essa transferência poderá ocorrer através da venda de um imóvel, de uma
doação ou por mera transferência.103
Considerando indispensável o registro na aquisição da propriedade imóvel por
título translativo, sendo obrigatório para a ocorrência da transmissão do bem ser
registrado no cartório competente em que se encontra o referido imóvel.104
Tal forma de aquisição é regulamentada pela Lei dos Registros Públicos (Lei
n. 6.015/73), visando a sua eficácia, a aquisição do imóvel traz publicidade do ato
realizado para todos, pois qualquer pessoa pode exigir a certidão do imóvel, sem a
necessidade de explicar a solicitação do referido documento. 105
Essa modalidade de aquisição gera a presunção juris tantum de domínio da
coisa, ou seja, as anotações previstas no registro permanecerão, desde que não
seja provado o contrário. Logo, o proprietário do bem continuará tendo efeitos
jurídicos sobre a coisa, salvo se ocorrer o cancelamento de registro, pois cessará os
efeitos. 106
A presunção relativa de veracidade no registro, admite a impugnação ou a
sua retificação, com previsão no artigo 1.247 do Código Civil. O registro não é
imutável, se ocorrer falsidades sobre os fatos nele contido ou não refletir a realidade
107
jurídica, poderá ser retificado, podendo ocorrer a sua anulação.
O registro apenas produzirá efeitos quando fora apresentado o título
translativo do imóvel ao oficial de Registro e este anotar no protocolo, constituindo a
102
Ibidem idem, p. 235
103
NADER, 2018. Opus cit.
104
DINIZ, 2022. Opus cit.
105
Gonçalves, 2023. Opus cit.
106
NADER, 2018. Opus cit.
107
GAGLIANO, P. S.; FILHO, R. P. Novo curso de direito civil - direitos reais. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2023. E-book.
força probante do documento, pois presume que a propriedade pertence à pessoa
cujo nome o registro fora realizado. 108
É importante salientar que antes de ser realizado o efetivo registro do imóvel,
deverá o bem possuir sua própria matrícula, considerado o seu número de
identificação. Esse número é inalterável, mesmo que a titularidade do bem se
modifique, sendo possível o seu cancelamento por meio de: “[...] decisão judicial ou
por iniciativa dos interessados e na forma legal prevista. ” 109
A matrícula é obedecida pelo princípio da unicidade, que prevê que cada bem
terá sua própria matrícula, na qual o mesmo não poderá ser matriculado outra vez
ou em outro imóvel com o mesmo objeto.110
Salvo, quando ocorrer o desmembramento do imóvel, que originará um novo
bem, necessitando ter seu próprio número de matrícula. O mesmo ocorre na fusão,
representa o acontecimento da junção de dois imóveis do mesmo proprietário, na
qual serão unificadas a matrícula que anteriormente eram autônomas.111
Assim, o registro apenas acontece após a matrícula do imóvel, que resultará
efetivamente na transferência da propriedade, sendo mantido a matrícula e sofrendo
alterações os registros subsequentes que recebem numerações diversas, seguindo
uma ordem cronológica, relacionado ao número da matrícula principal.112
E as modificações realizadas no imóvel ou a situação jurídica dos donos do
imóvel, será realizada por meio da averbação, na qual são averbados os
acontecimentos ocorridos após a matrícula do imóvel e do registro, entretanto não é
afetada a essência desses dois atos.113
A respectiva forma de aquisição da propriedade, possui a presença do
requisito da continuidade, pois o registro: "[...] prende-se ele ao anterior; se o imóvel
não estiver registrado no nome do alienante ou transmitente, não poderá ser levado
a assento em nome do adquirente." 114
Vale destacar, que através da sucessão hereditária será transferida
a propriedade imóvel por meio do direito hereditário, na qual sendo aberta a
sucessão, que ocorre com o falecimento do de cujus, a herança é transmitida para
108
DINIZ, 2023. Opus cit.
109
NADER, 2018, p. 178. Opus cit.
110
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
111
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
112
Ibidem idem.
113
Ibidem idem.
114
DINIZ, 2022, p. 237. Opus cit.
os testamentários e os herdeiros legítimos, com previsão no artigo 1.784 do Código
Civil de 2002. Sendo finalizada a partilha dos bens, resultando no inventário, deverá
ser levado ao cartório de registro de imóveis para registrar a averbação na matrícula
do bem, efetivando a transmissão do imóvel para o novo titular.115
Outra forma de aquisição do bem imóvel é pela acessão, estabelecida no
artigo no artigo 1.248 do Código Civil, estabelece que um bem, considerado
acessório ao incorporar ao bem principal, será pertencente ao proprietário da coisa
principal. Nessa modalidade o bem acessório segue o bem principal, ou seja, o que
incorpora ao bem do proprietário, torna-se dele.116
Na qual, poderá ocorrer a acessão através da aluvião, formação de ilhas,
abandono de álveo, avulsão e plantações ou construções.
A aluvião é prevista no artigo 1.250 do Código Civil, que dispõe: “Os
acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros
naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas,
pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização. “
É considerado fruto da natureza, a partir da: “[...] formação de depósitos e
aterros, provocada pela ação lenta e constante das águas dos rios, junto às
propriedades ribeirinhas, aumentando-lhes os volumes. ” 117
Na aluvião, não há enriquecimento sem causa, pois por ser uma ação da
natureza, os proprietários dos imóveis em torno, se beneficiam da expansão de sua
propriedade, na qual não possuem a obrigação de indenizar terceiros. 118
A formação de ilhas é uma das modalidades de acessão, disciplinada no
artigo 1.249 do Código Civil, prevê a formação apenas nos rios particulares, não
abrange os rios navegáveis, pois segundo o artigo 20, inciso IV da Constituição
Federal de 1988, as ilhas presentes no curso dos rios navegáveis são consideradas
bens públicos.119
As ilhas que surgem no meio do rio são distribuídas de acordo com a largura
dos terrenos até a linha que divide o leito do rio em duas partes iguais. Aquelas que
se formam entre essa linha e uma das margens são consideradas acréscimos aos
terrenos ribeirinhos adjacentes a esse mesmo lado." 120
115
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
116
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
117
NADER, 2018, p. 184. Opus cit.
118
Ibidem idem.
119
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
120
Ibidem idem.
As formas de acessão das ilhas, estão previstas nos incisos I ao III do artigo
1.249 do CC:
I – as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos
sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na
proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes
iguais;
II – as que se formarem entre a referida linha e uma das margens
consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo
lado;
III – as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio
continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se
constituíram”.
121
NADER, 2018, p.187. Opus cit
122
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
123
Ibidem idem.
124
Ibidem idem.
125
Ibidem idem.
Essa modalidade de acessão possui natureza remuneratória, na qual se
submete à regra de que tudo que se incorporar ao bem em decorrência de qualquer
ação, será do proprietário do bem. 126
A usucapião constitui uma forma originária de aquisição da propriedade e de
outros direitos reais, prevê que: “quem se encontra na posse da coisa móvel ou
imóvel pode adquirir o seu domínio pelo decurso do tempo e nas condições
definidas em lei. ” 127
A usucapião é uma forma de adquirir a propriedade por meio do exercício da
posse ininterrupta durante determinado tempo postulado em lei, constituindo várias
modalidades de usucapião, que requer outras exigências.128
Sendo necessário estar presente em qualquer modalidade da usucapião, o
exercício da posse contínua e pacífica, o tempo e o animus domini para estar
configurado a usucapião, a depender da modalidade da usucapião, o lapso temporal
varia, podendo ser de 2, 5, 10 ou 15 anos para ocorrer a aquisição do bem.129
Nessa forma de aquisição da propriedade imóvel, não há qualquer tipo de
transmissão, na qual o domínio se demonstra livre de qualquer vício anterior. A
usucapião possui uma natureza dual, enquanto o possuidor adquire o bem, o
proprietário a perde. 130
Considerada uma aquisição autônoma, sem depender de qualquer transação
ou ato legal vindo de um potencial proprietário, pois quem transmite o bem ao
possuidor, é a autoridade judiciária por meio de sentença que reconhece a aquisição
da propriedade através do instituto da usucapião.131
Podendo usucapir o bem imóvel tanto a pessoa física, como a pessoa
jurídica, nacional ou estrangeira, sendo que nenhum poderá usucapir bens públicos,
conforme prevê o artigo 102 do Código Civil. Entretanto: “[...] conforme entendimento
doutrinário, as pessoas jurídicas de Direito Público podem usucapir bens de domínio
particular. ” 132
Dessa forma, o fundamento da usucapião está baseada no princípio da
utilidade social, na vantagem de proporcionar estabilidade e segurança para a
126
DINIZ, 2022. Opus cit.
127
NADER, 2018, p.114. Opus cit.
128
Ibidem idem.
129
GAGLIANO; FILHO, 2023. Opus cit.
130
NADER, 2018. Opus cit.
131
DINIZ, 2022. Opus cit.
132
NADER, 2018, p. 159. Opus cit.
propriedade, assim como de solidificar as aquisições e facilitar a comprovação do
referido domínio. 133
É importante salientar que a usucapião e suas modalidade serão
aprofundadas no último capítulo do respectivo trabalho.
139
PEDRA; FREITAS, 2015. Opus cit.
140
JÚNIOR, 2010.Opus cit.
141
OLIVEIRA, André Luis Tabosa de; CEDRO, Diego Petterson Brandão. Scientia, v.2, n. 4, 2014.
142
HOLZ; MONTEIRO, 2008. Opus cit.
143
Ibidem idem.
144
DINIZ, 2022. Opus cit.
A função social visa que o direito à propriedade seja restringido, para que o
proprietário do imóvel, não utilize o bem da maneira que quiser, sem qualquer
atenção à sociedade.145
Vale destacar, que a função social da propriedade não visa negar o direito
exclusivo do proprietário sobre a coisa, mas requer que o uso do mesmo esteja
condicionado ao bem-estar coletivo.146
É necessário que o possuidor do imóvel destine o bem à sua função social,
pois caso não seja observada, o poder público poderá aplicar as sanções legais
apropriadas, ocorrendo até mesmo a perda do domínio do bem pela expropriação.
147
Por fim, é importante elucidar que a função social da propriedade não visa
que seja extinto a propriedade privada, mas objetiva associá-la aos interesses
coletivos, não apenas nos proveitos exclusivos do proprietário. Na realidade, a
função social da propriedade busca garantir o acesso à moradia para todos,
considerando um direito e dever: “o direito e poder de usar, gozar e dispor do seu
próprio bem, mas também o dever de atender a função social da propriedade –
interesses da coletividade. ” 155
164
Ibidem idem.
165
PAGANI, 2009. Opus cit.
166
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Malheiro Editores, 2010.
167
NADER, 2018, p.197.Opus cit.
168
CORRÊA, 2017. Opus cit.
169
CANUDO, 2014. Opus cit.
170
JÚNIOR, 2010.Opus cit.
É importante salientar que a função social da propriedade, especialmente dos
imóveis urbanos, não é considerada um conceito fechado, mas aberto, sendo
necessário observar as singularidades de cada município, conforme previsto no
parágrafo 2 do artigo 182 da Constituição Federal de 1988. 171
A propriedade urbana necessita atender a sua função social conforme
observada no Plano Diretor de cada cidade, esse conceito aberto é deliberado pelo
legislador visando preservar a liberdade democrática, pois é inexistente um conjunto
mínimo de elementos que definem a função social. 172
Dentro desse conjunto mínimo é existente benefícios que vão além dos
interesses particulares do possuidor do imóvel, em razão do exercício da função
social do direito de propriedade. 173
Portanto, a propriedade privada somente cumpre sua função social quando
atende o texto constitucional e as ordenações da cidade previstas no Plano Diretor
de cada município, como disciplina o artigo 182, parágrafo 2 da Constituição
Federal, concretizando a função social da propriedade privada.174
171
CANUDO, 2014. Opus cit.
172
Ibidem idem.
173
CANUDO, 2014. Opus cit.
174
FREITAS, 2022. Opus cit.
175
ELZA, 2014. Opus cit.
176
SILVA, 2010. Opus cit.
O Estatuto é considerado legislação de: “[...] competência legislativa da
União, estabelecendo diretrizes que devem ser seguidas e complementadas pelos
177
Municípios, e jamais contrariadas, pois são normas imperativas. ”
O Estatuto da Cidade possui duas perspectivas da política urbana, a primeira
é voltada ao desenvolvimento das cidades, ou seja, o seu planejamento em aspecto
nacional de competência da União, prevista no Estatuto da Cidade, que estabelece
as regras gerais da política urbana. A segunda é voltada para o planejamento
urbano de competência dos municípios, por meio do Plano Diretor.178
Logo, o Estatuto da Cidade regulamenta os instrumentos urbanísticos e
jurídicos, reafirmando o papel do Plano Diretor como o principal guia para a
regulação urbana nos municípios. Tal instrumento possui como objetivo garantir o
desenvolvimento das cidades e a função social da propriedade urbana, além de
permitir:
177
REMÉDIO; ANJOS, 2022, p.262.Opus cit.
178
Silva, 2010. Opus cit.
179
HOLZ; MONTEIRO, 2008, p. 14. Opus cit.
180
CANUDO, 2014. Opus cit.
181
PAGANI, 2009. Opus cit.
moradia, funcionando também como um dos mais importantes instrumentos de
efetivação desse direito. ” 182
Um exemplo disso é artigo 2 da respectiva lei, que prevê o ordenamento das
funções sociais da cidade e a propriedade urbana, ou seja, demonstra que é
responsabilidade também dos municípios promover a função social da propriedade
privada e o direito à moradia, através dos elementos contidos na lei.183
Com objetivo de garantir que a função social da propriedade e o direito de
moradia, os municípios devem incluir no Plano Diretor formas que possibilitem a
habitação, com previsão no artigo 2, inciso V, estimulados que proprietários dos
imóveis urbanos se atentem a questão da função social, pois tal dispositivo legal
dispõe sobre as diretrizes do controle e do ordenamento do solo a serem
observadas, evitando futuras sanções. 184
Logo, ocorreu uma nova ordem jurídica- urbanística ao Brasil, ao serem
estabelecidas regras públicas de interesse social condicionando o uso do imóvel
observando a função social. Portanto, o Estatuto da Cidade: “[...] consolida um novo
paradigma de política e gestão urbana, pois além de determinar às diretrizes gerais
para a política nacional de desenvolvimento urbano, coloca à disposição do poder
público municipal o instrumental necessário para a sua implementação e execução.
”185
Assim, o imóvel urbano passou a possuir regime próprio jurídico, por meio da
Constituição Federal de 1988, ao elencar a função da propriedade privada em nível
nacional, sendo reforçada pelo advento do Estatuto da Cidade e pelo Plano
Diretor.186
Considerando que a propriedade urbana possua mais importância dentro do
contexto jurídico como parte de garantir o acesso aos outros direitos fundamentais e
sociais previstos na Constituição Federal de 1988, invés de apenas utilizada como
fonte de renda individual.187
No próprio estatuto é previsto a usucapião urbana individual e coletiva,
decorrente do contexto das ocupações irregulares nos centros urbanos e invasões
182
RANGEL; SILVA, 2009, p.72. Opus cit.
183
Ibidem idem.
184
HOLZ; MONTEIRO, 2008. Opus cit.
185
SOUZA, Deisi Catarina Lima de. Política urbana: a eficácia da usucapião especial urbano coletivo
na garantia do direito social à moradia. Revista Direito, Cultura e Cidade – CNEC. Osório/facos.
v.3.n.2, 2013, p.116.
186
PAGANI, 2009. Opus cit.
187
Ibidem idem.
de áreas de preservação ambiental por famílias de baixa renda e o constante medo
do desalojamento, em razão da ausência de documentação que comprove a posse
legítima, contribui para o conflito social. Tal instrumento visa trazer mais segurança
ao comprovar a posse pacífica, proporcionando as cidades condições
mais favoráveis para um desenvolvimento saudável.188
A usucapião urbana é considerada forma para garantir a efetivação da
regularização e urbanização dos núcleos urbanos informais como forma de realizar o
desenvolvimento da função social da propriedade urbana, fazendo parte da política
urbana prevista no artigo 2, inciso XIV do Estatuto da Cidade, sendo que tal
instrumento será aprofundado nos próximos capítulos.189
CAPÍTULO 3 - A POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E A
IRREGULARIDADE URBANA
188
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
189
Ibidem idem.
190
MONTEIRO, Adriano Roseno; VERAS, Antonio Tolrino de Rezende. A questão habitacional no
Brasil.Articles Mercator, Fortaleza, v. 16, 2017.
insegurança jurídica da moradia, expondo a população residente em condições de
fragilidade, pois dada área é informal, não sendo possível a realização do registro do
imóvel.191
Atualmente o solo na cidade tornou-se cada vez mais raro,
consequentemente mais custoso, somado às condições da vida precária que vivem
as pessoas que habitam cidades grandes e médias, resulta em ocupar áreas
irregulares com a presença de insalubridade e do risco cotidianamente.192
191
JANSEN, Rodrigo Diego. Política urbana e o direito fundamental à moradia. R. Fac. Dir. UFG,
v.36, n. 01, 2012.
192
GOMES, Rita de Cássia da Conceição, et al. Política Habitacional e urbanização no Brasil. Scripta
Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Universidad de Barcelona.v. 7, n. 146,
2003.
193
GOMES, 2003. Opus cit.
194
SOUZA, 2013, p.119. Opus cit.
195
HOLZ; MONTEIRO, 2008. Opus cit.
maioria, ineficazes devido a diversos fatores políticos, sociais, econômicos e
culturais. ” 196
Logo, até o reconhecimento do direito à moradia como parte do direito
fundamental de toda pessoa humana no texto constitucional, as políticas
habitacionais anteriormente desenvolvidas tiveram uma contribuição limitada na
construção de moradias dignas para a população mais vulnerável, sendo composta
por pessoas que recebem os rendimentos mais baixos.197
Mesmo que o trabalhador brasileiro venda a sua força de trabalho, ainda
passará por dificuldades para obter o seu sustento para a sua sobrevivência, isto
inclui, o acesso à moradia no país, sendo essencial as políticas públicas para
possibilitar o acesso, pois as políticas públicas são consideradas compromisso
assumido pelo País com o intuito de atingir os objetivos fundamentais, elucidado no
198
artigo 3 da respectiva Constituição Federal de 1988.
As políticas públicas em geral são determinadas pelo Poder Executivo tanto
de âmbito nacional, estadual ou municipal por meio de metas e planos a serem
alcançadas, em especial, as políticas públicas habitacionais são dirigidas para a
população mais necessitada, visando reduzir o déficit habitacional, possibilitando o
acesso ao direito de moradia. 199
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o país se comprometeu a
promover a construção de uma sociedade mais justa, livre e igualitária, por meio da
erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades regionais e sociais.
Entretanto, o texto constitucional foi além: “[...] estabeleceu novos paradigmas, tais
como a função social da propriedade, a ampliação da competência e a fixação da
responsabilidade do município para execução da política urbana. ” 200
Como visto anteriormente, o direito à moradia adentrou como parte dos
direitos e garantias fundamentais no artigo 6 da Constituição Federal de 1988,
através da emenda n. 26/2000 devido pela presença e pressão dos movimentos
sociais, contribuiu para o redesenho da Política Habitacional no começo dos anos
196
Ibidem idem, p. 1.
197
SANTOS, Angela Moulin S; DUARTE, Sandro Marino. Política habitacional no Brasil: uma nova
abordagem para um velho problema. Revista da Faculdade de Direito da UERJ. n. 18, 2010.
198
DA SILVA, Jéferson Lesses, et al. Conhecendo um pouco sobre a política habitacional no Estado
Brasileiro e o acesso à moradia. Unijuí XXIV Jornada de Pesquisa. 2019
199
Ibidem idem.
200
SOUSA, 2013, p.123. Opus cit.
2000. É notório destacar que era inexistente antes da criação da Constituição
Federal de 1988 menção à ordem urbana no Brasil.201
Na atualidade, a propriedade é definida e regulamentada pelo Plano Diretor
de cada cidade, que define suas formas de uso e ocupação, pelos critérios pré-
definidos pelo Estatuto da cidade, visando eliminar as desigualdades criadas pelas
antigas políticas de urbanização, possibilitando um novo marco na política
habitacional.202
201
SANTOS, et al.,2018. Opus cit.
202
HOLZ; MONTEIRO, 2018. Opus cit.
203
JANSEN, 2012. Opus cit.
204
SANTOS; DUARTE, 2010. Opus cit.
205
RANGEL; SILVA, 2009. Opus cit.
assentamentos habitacionais de forma precária. Tal situação resultou em alterações
nas estruturas da cidade e em mudanças na maneira de viver da população, que
fora obrigada a resolver a questão de moradia por conta própria, construindo as
habitações informais, precárias e erguidas em etapas, constituindo as favelas e os
206
loteamentos irregulares, ou então optaram por viver em cortiços.
Após a Revolução de 1930, a combinação da crise do modelo agroexportador
com o progresso contínuo da industrialização, provocou significativos deslocamentos
populacionais do campo para a cidade desencadeando um notável aumento da
população urbana. Nesse cenário, houve um considerável incremento na subdivisão
de antigas áreas rurais em lotes urbanos e na edificação de imóveis destinados à
locação. O setor de desenvolvimento imobiliário nas metrópoles transformou-se em
uma lucrativa fronteira econômica para o capital, competindo inclusive com os
investimentos realizados na esfera industrial. 207
Logo, com o avanço da industrialização no Brasil e o forte deslocamento da
população rural para as cidades, uma disparidade cada vez maior emergiu entre a
diminuição da oferta de espaços habitáveis e a sua crescente procura. Diante desse
cenário, o Estado através do Decreto-lei n. 4.508, de 23 de julho de 1942 iniciou sua
intervenção na questão da falta de disponibilidade de habitação, criando os Institutos
de Aposentadoria e Pensões (IAPs) sendo parte do Sistema Previdenciário no
país.208
Durante o período do Governo Vargas (1930-1945), foram implementadas
diversas medidas para regulamentar o setor habitacional. Essas iniciativas incluíram
a promulgação do Decreto-Lei 58/1937, que estabeleceu diretrizes para a venda
parcelada de terrenos; a introdução das carteiras prediais nos Institutos de
Aposentadorias e Pensões; e a promulgação do Decreto-Lei do Inquilinato em 1942,
que congelou os valores dos aluguéis. Portanto, essa decisão evidenciava o desejo
de vincular a "problemática habitação popular" à promoção da construção civil.209
Portanto, apenas ocorreu o processo de programas de habitação, a partir da
década de 40, dentro do cenário urbano-industrial, quando o país apresentava
predominantemente um perfil rural em relação às condições de moradia.210
206
MONTEIRO; VERAS, 2017. Opus cit.
207
SANTOS; DUARTE, 2010. Opus cit.
208
JANSEN, 2012. Opus cit.
209
SANTOS; DUARTE, 2010. Opus cit.
210
MONTEIRO; VERAS, 2017. Opus cit
Entre a queda do Governo Vargas e o período militar no país, ocorreram
alguns projetos para superar a crise habitacional, como, a criação da Fundação da
Casa Popular (FCP), em 1946 e posteriormente a Lei de Favelas, em 1956. A FCP
foi o primeiro órgão pioneiro visando disponibilizar habitações para a população de
baixa renda não vinculada aos IPAS, por meio da compra, porém foi falho. Da
mesma forma, a segunda tentativa, que tinha como objetivo fornecer financiamento
às prefeituras para aprimorar as condições habitacionais, também não teve êxito.211
Através da Lei n. 1.300, promulgada em 28 de dezembro de 1950 que trouxe
modificações na Lei do Inquilinato, ocorreram diminuições nos esforços para a
criação e a manutenção dos programas de habitação. Em 1961, surgiu o Plano de
Assistência Habitacional, que trouxe uma mudança significativa: a introdução da
relação proporcional entre o pagamento do financiamento para a aquisição da
moradia e o salário mínimo vigente, que novamente fora outro programa que não
obteve êxito.212
Na ditadura ocorreu a criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do
Banco Nacional de Habitação (BNH), que foram os responsáveis pela gestão da
213
política habitacional no Brasil por meio da criação da Lei 4.380/64.
Essas entidades foram estabelecidas com o objetivo de gerir a política
habitacional no Brasil, com o intuito de alcançar os seguintes objetivos: coordenar as
ações habitacionais dos órgãos governamentais; guiar a participação do setor
privado, incentivando a construção de habitações populares; fornecer financiamento
para aquisição de residências próprias, promovendo aprimoramentos nas condições
habitacionais; erradicar assentamentos informais; impulsionar os investimentos na
indústria da construção civil; e estimular a poupança individual e os investimentos.214
Em 1967, durante o regime ditatorial do Costa e Silva, o SFH aumentava sua
amplitude, o BNH começou a receber o depósito do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS), juntamente com a implementação do Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimos, aumentando o capital do banco, tornando a principal
instituição financeira de nível mundial focada na questão habitacional.215
211
SANTOS; DUARTE, 2010. Opus cit.
212
JANSEN, 2012. Opus cit.
213
RANGEL; SILVA, 2009. Opus cit.
214
GOMES, 2003. Opus cit.
215
SANTOS, et al.,2018. Opus cit.
O Banco Nacional de Habitação (BNH) contava com recursos provenientes de
três principais fontes: a poupança compulsória, representada pelo Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); a poupança livre, operada pelo Sistema
Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE); e a poupança induzida, composta por
recursos oriundos de agentes financeiros ou adquirentes. Estes recursos
necessitavam de remuneração, o que resultou em uma crescente alocação nos
mercados de renda média. É importante destacar que na época estava em vigor o
mecanismo de correção monetária, o que adicionava encargos ao financiamento
além das taxas de juros que remuneravam a captação dos recursos. Além disso, o
BNH também atuou como agente financeiro no âmbito do plano de saneamento e
urbanização, fornecendo financiamento para as políticas municipais e estaduais
nessas áreas. 216
Vale destacar, que a criação do BNH foi inicialmente apresentada como uma
política voltada para a promoção habitacional no país. No entanto, esse movimento
tinha em vista dois interesses de igual importância. O primeiro interesse era voltado
as atitudes mais conservadoras a serem adotadas para os novos proprietários de
habitações, focado na ideia de que a posse de uma propriedade imóvel estava
associada a comportamentos mais pacíficos e conformes, como expresso na frase
217
do Ministro Roberto Campos: "proprietário não se mete em arruaças.”
O segundo interesse estava focado no apoio de longa data do governo aos
empreendimentos dentro da cadeia produtiva da construção civil. Esse setor não era
apenas caracterizado pela predominância de capital privado nacional, mas também
pelo intenso uso do "trabalho". Além disso, o setor empregava mão de obra menos
qualificada, o que estava em consonância com o interesse de integrar os fluxos de
migrantes com baixo nível educacional ao mercado de trabalho urbano.218
Durante a década de 1970 e 1980, o financiamento do BNH foram
minguados, diante da restrição dos recursos provenientes do FGTS, juntamente com
o cenário do aumento do desemprego no país e a retirada de recursos por parte dos
trabalhadores que perderam seus empregos. 219
O BNH demonstrava ser um instituto capaz de modificar a realidade
habitacional por utilizar os depósitos de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
216
JANSEN, 2012. Opus cit.
217
JANSEN, 2012. Opus cit.
218
Idem idem
219
GOMES, 2003. Opus cit.
(FGTS), juntamente com a criação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
(SBPE), sendo a principal linha de crédito criada para lidar com a questão da política
habitacional no país. Tal instituto não fora capaz de sanar o problema da habitação,
pois o BNH teve uma gestão autoritária em decorrência do cenário ditatorial no
Brasil, além das construções dos conjuntos habitacionais serem todas iguais,
demonstrados as diferenças geográficas de cada parte da cidade. 220
Dessa forma, o BNH não conseguiu cumprir as expectativas daqueles que o
estabeleceram, que incluía a resolução do desafio habitacional no Brasil. Apesar de
ter exercido um impacto significativo no setor imobiliário, não logrou de mitigar o
problema da habitação para a população de baixa renda. Sua dissolução em
novembro de 1986, como parte do Plano Cruzado II, ocorreu em um contexto de
agravamento da crise inflacionária e social. Mesmo com uma nova modificação na
legislação de aluguéis que limitou os aumentos até 80% do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC) não foi suficiente para resolver a situação. Pelo
contrário, desestruturou o mercado imobiliário, que ainda enfrentaria restrições no
crédito como uma medida de controle da inflação. 221
Entretanto, ao final do período ditatorial, com a extinção do BNH, ficou
responsável pela política habitacional no Brasil, a Caixa Econômica Federal. Nesse
período a política de habitação no país se tornou dispersa, pois não era o seu foco e
nem o interesse da Caixa ter absorvido as atribuições do BNH. 222
Em consequência desse cenário, grande parte da população precisou se
abrigar em locais insalubres, periféricos e ilegais, ocasionando problemas
econômicos e de ordem social na cidade. Esse cenário proporcionou:
224
GOMES, 2003. Opus cit.
225
GOMES, 2003. Opus cit.
226
SANTOS, et al.,2018. Opus cit.
227
SANTOS; DUARTE, 2010. Opus cit.
Toda a ação urbanística prevista no Estatuto da Cidade está fundada na
função social da propriedade urbana, que tem vínculo direto com o direito à
moradia, funcionando também como um dos mais importantes instrumentos
de efetivação desse direito. 228
228
RANGEL; SILVA, 2009, p.72. Opus cit.
229
SANTOS, et al.,2018. Opus cit.
230
FERREIRA, Geniana, et al., política habitacional no Brasil: uma análise das coalizões de defesa do
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social versus o Programa Minha Casa, Minha Vida.
Urbe. Revista Brasileira De Gestão Urbana, v. 11, 2019.
231
FERREIRA, et al. 2019. Opus cit.
O famoso programa “Minha Casa Minha Vida” foi criada por meio da Medida
Provisória nº 459/2009, sendo transformada na Lei nº 11.977/2009 no mês seguinte,
pois possuía caráter de urgência. O programa era voltado para possibilitar o acesso
ao mercado habitacional para as famílias com renda familiar de até 10 salários
mínimos e fornecer o aumento de crédito para aquisição de moradia, reduzindo os
232
juros por meio da criação do Fundo Garantidor da Habitação.
O programa 'Minha Casa, Minha Vida' estabeleceu uma marca abrangente
que incluiu diversos subprogramas, modalidades, fundos, opções de financiamento,
tipos de habitação, instituições financeiras, operadoras e formas de acesso à
propriedade residencial. Durante os anos de 2009 a 2014, houve a contratação de
3,4 milhões de unidades habitacionais, porém a demanda por moradias acessíveis
para a população de baixa renda ainda se mostrava dificultosa.233
A alocação prioritária de recursos no “Programa Minha Casa, Minha Vida” é
parte de uma estratégia para introduzir elementos de mercado dentro da gestão das
políticas de desenvolvimento habitacional urbano. No entanto, reduzir a política
habitacional a uma perspectiva estritamente financeira resultou na financeirização da
abordagem da habitação, prejudicando o objetivo de viabilizar o acesso à moradia.
Além disso, o aumento dos preços dos imóveis no Brasil tem contribuído para
reforçar a segregação e aprofundar as desigualdades sociais. 234
Apesar do programa “Minha Casa Minha Vida” ser revolucionário para a
questão habitacional no Brasil, ele não fora o suficiente para resolver a questão do
acesso à moradia digna, em razão dos aspectos neoliberais adotados na década de
90 e a forte presença da especulação imobiliária, dificultando o acesso ao direito de
moradia digna a todos os brasileiros. 235
O programa retornou no ano de 2023 depois de sua extinção no ano de 2020
durante o governo de Jair Bolsonaro, sendo substituída pelo programa “Casa Verde
Amarela”. O programa regressou por meio da Medida Provisória 1.162/2023, tornou-
se Lei 14.620/2023. Atendendo atualmente famílias com renda mensal de até 8
salários mínimos que vivem em áreas urbanas e famílias com renda anual de 96 mil
reais que vivem em áreas rurais. Diferentemente da lei anterior, a nova lei anulou a
exclusividade da Caixa Econômica Federal como a principal operadora do programa,
232
Ibidem idem.
233
FERREIRA, et al. 2019. Opus cit.
234
Ibidem idem.
235
SANTOS, et al., 2018. Opus cit.
possibilitando que outros bancos, incluindo os bancos digitais participem do
programa.236
236
SENADO FEDERAL. Sancionada lei que retoma o Minha Casa, Minha Vida. [S.l.]: Agência
Senado, 2023 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/07/14/sancionada-
lei-que-retoma-o-minha-casa-minha-vida. Acesso em: 08 de agosto de 2023.
237
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP). Déficit habitacional no Brasil 2013-2014. Fundação João
Pinheiro: Belo Horizonte, 2016.
238
LORENZETTI, Maria Silvia Barros. A questão habitacional no Brasil. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2001.
239
MONTEIRO; VERAS, 2017. Opus cit.
É importante salientar que o déficit habitacional no Brasil é oriundo do
aumento da população nas áreas urbanas, principalmente nas cidades grandes, com
a ausência de infraestrutura básica, acarreta a construção de cortiços e favelas,
submetendo as famílias a condições de insalubridade, esse cenário traz imensa
instabilidade social.240
É ciente que os problemas decorrentes de moradia e dos núcleos urbanos
informais são solucionados quando são aplicados políticas públicas habitacionais
adequadas, voltadas para reduzir o déficit habitacional, garantindo o acesso à
moradia digna e o desenvolvimento urbano, visto que mais de 82% da população
reside nas cidades, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, demonstrando
que o Brasil é considerado um país predominantemente urbano.241
De acordo com os dados do Banco Mundial, demonstraram que de 1 milhão
de moradias construídas no Brasil, 700 são consideradas ilegais, demonstrando que
a maior parte da população brasileira é informal.242
Cabe destacar, que não é ausência de imóveis para residir, mas a ausência
de condições financeiras para poder arcar com o custo de residir numa habitação
com segurança jurídica da posse, tal cenário é agravado pela ausência de políticas
habitacionais eficazes. 243
O déficit habitacional no Brasil no ano de 2016 a 2019 ficou em torno de 6
milhões de unidades habitacionais. E a coabitação em torno de 1,4 milhão a 1,6
milhão de unidades, e a habitação precária 1,5 milhão de unidades, por último, o
aluguel de grande densidade foi de 3 milhões de unidades, de acordo com a
pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro (FJP). 244
Como apresenta o gráfico abaixo que demonstra o número do déficit
habitacional no Brasil entre 2016-2019, apresentando que muitos brasileiros
enfrentam o ônus excessivo do aluguel na vida cotidiana.
240
CARDOSO, Henrique Ribeiro; SANJUAN, Pedro Ernesto Celestino Pascoal. O déficit habitacional
no Brasil: a relevância dos instrumentos privados na implementação de políticas públicas de moradia.
Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 78, 2019.
241
FREITAS, 2022. Opus cit.
242
HOLZ; MONTEIRO, 2008.Opus cit.
243
Ibem idem.
244
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP). Ensaios e discussões sobre o déficit habitacional no
Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2022.
Fonte: Correio da Cidadania. O que o censo revela sobre a questão da moradia, 2023. Disponível em:
https://www.correiocidadania.com.br/social/15540-o-que-o-censo-revela-sobre-a-questao-da-moradia.
Acesso em 10 de agosto de 2023.
As famílias brasileiras que mais sofrem com o déficit habitacional são aquelas
que possuem até um salário mínimo de renda familiar, sendo de 41,5%, em
contrapartida das famílias que recebem mais de 3 salários mínimos mensais,
totalizando 11,9% em 2019. Ou seja, as famílias de baixa renda são as que mais
245
compõem o quadro do déficit habitacional no Brasil, como ilustra o gráfico abaixo.
245
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 2022. Opus cit.
Fonte: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP). Ensaios e discussões sobre o déficit
habitacional no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2022. Disponível em:
https://claudioacioly.com/sites/default/files/2023-06-20/E-book_DeficitHabitacional_MDR_FJP.pdf
246
SANTOS; DUARTE, 2010. Opus cit.
247
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 2022. Opus cit.
Fonte: Correio da Cidadania. O que o censo revela sobre a questão da moradia, 2023.
Disponível em: https://www.correiocidadania.com.br/social/15540-o-que-o-censo-revela-sobre-a-
questao-da-moradia. Acesso em 10 de agosto de 2023.
248
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 2022. Opus cit.
249
STABILE, Arthur. Censo 2022: imóveis desocupados representam 12 vezes a população de rua da
cidade de SP. Portal G1. São Paulo, 2023. Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/07/01/censo-2022-imoveis-desocupados-representam-
12-vezes-a-populacao-de-rua-da-cidade-de-sp.ghtml. Acesso em 12 de agosto de 2023.
moradia. Sendo evidenciado o aumento nesse cenário, pois em 2010 o número de
moradias vagas era de 9 imóveis a cada 100. 250
A questão dos desastres naturais é outro ponto que fragiliza mais a questão
habitacional no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em
uma pesquisa no ano de 2022 registrou que mais de 8 milhões de brasileiros vivem
em áreas de risco em 534 cidades brasileiras, na qual essas áreas tem o alarmante
perigo de deslize de terras e enchentes, que ocasiona várias mortes todos os anos.
É importante salientar, que a maioria das áreas são ocupadas de forma irregular
consideradas expressões do problema habitacional no país.251
Mais da metade está situado na região Sudeste do país, 17,9% crianças com
menos de 5 anos e idosos estão expostos em perigo nessas áreas. Na cidade de
Salvador, 45% da população vive em áreas de riscos, devido ao cenário alarmante
do número de moradias em situação precária e a ocupação desordenada da cidade,
o gráfico abaixo ilustra o cenário descrito, demonstrando que mais de 2 milhões de
residências estão situadas nessas áreas de riscos.252
250
MUNIZ, Bianca. Censo 2022: Brasil tem 11 milhões de casas e apartamentos vagos. Apublica,
2023. Disponível em: https://apublica.org/2023/06/censo-2022-brasil-tem-11-milhoes-de-casas-e-
apartamentos-vagos/. Acesso em 12 de agosto de 2023.
251
POLATO, Amanda. Mais de 8milhoes de brasileiros viviam em áreas de risco em 2010, diz IBGE.
Portal G1, 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/mais-de-8-milhoes-de-
brasileiros-viviam-em-areas-de-risco-em-2010-diz-ibge.ghtml. Acesso em 12 de agosto de 2023.
252
Ibidem idem.
Fonte: POLATO, Amanda. Mais de 8milhoes de brasileiros viviam em áreas de risco em 2010,
diz IBGE. Portal G1, 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/mais-de-8-milhoes-
de-brasileiros-viviam-em-areas-de-risco-em-2010-diz-ibge.ghtml. Acesso em 12 de agosto de 2023.
253
ALFREDO, Henrique; RYDLEWSKI, Carlos. Tragédia no litoral de SP: 36 mortos, 228 desalojados
e 338 desabrigados. Metrópoles, 2023. Disponível: https://www.metropoles.com/sao-paulo/chuvas-
mortes-litoral-sp-carnaval-2023. Acesso em 12 de agosto de 2023.
254
Jornal Nacional. Brasil tem 10 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco, mostra pesquisa.
Portal G1, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/02/23/brasil-tem-10-
milhoes-de-pessoas-vivendo-em-areas-de-risco-mostra-pesquisa.ghtml. Acesso em 12 de agosto de
2023.
255
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 2022. Opus cit.
geralmente não possuem energia, água e tratamento de esgoto, sendo considerado
um cenário de extrema vulnerabilidade social.256
256
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 2022. Opus cit.
CAPÍTULO 4 - A USUCAPIÃO COMO MEIO DE ACESSO À MORADIA NO
BRASIL
Tal teoria fora criada por Niebuhr, que mais tarde seria adotada por Savingy,
utilizando apenas a presença do ius possessionis como elemento necessário para
caracterizar a posse259.
A teoria do segundo grupo afirmava que a origem da posse surgiu em
decorrência de um processo reivindicatório por meio dos interditos possessórios que
formavam o referido processo. Na qual:
Antes que este assumisse forma contenciosa regular em juízo, o pretor
podia entregar a posse da coisa litigiosa a qualquer das partes. A
257
GONÇALVES, 2023, p. 76. Opus cit.
258
Ibidem idem, p.78.
259
Idem idem.
contemplada não se eximia, todavia, do ônus de produzir prova de seus
direitos. Depois de passar por diversas fases, esse processo preparatório
adquiriu independência, desvinculando-se do petitório.260
Tal teoria do segundo grupo acerca da origem da posse fora adotada por
Ihering. Em relação à definição acerca da posse, há inúmeras teorias sobre a ela,
mas as duas mais conhecidas e estudadas, são a teoria subjetiva de Savigny e a
teoria objetiva de Ihering.261
A posse definida pela teoria subjetiva de Savigny, a pessoa precisa possuir o
bem fisicamente, com o objetivo de possuir o bem para si e o defender contra
terceiros. Nessa teoria necessita estar presente o corpus, além do animus domini.262
O corpus, é ter em disposição o bem a qualquer tempo, e o animus domini, é
o desejo de exercer um poder no interesse próprio sob determinada coisa. Apenas o
elemento do animus presente, se traduz como mera detenção do bem, não como
posse.263
A teoria objetiva de Ihering, diferentemente da subjetiva, elimina a intenção do
elemento do animus estar aparente, ou seja, apenas que esteja presente o corpus,
como manifestação externa da propriedade, logo “[...] corpus é o único elemento
visível e suscetível de comprovação, estando vinculado ao animus do qual é
manifestação externa. ” 264
Logo, na teoria de Ihering a posse é concedida para a pessoa que age como
dono da coisa, sem especificar a sua verdadeira intenção, de forma objetiva. Sendo
comprovado a posse apenas pelo corpus, sendo o único elemento visível, somente
pelo domínio sobre o bem.265
Portanto [...] “o possuidor seria aquele que, mesmo sem dispor do poder
material sobre o bem, comporta-se como se fosse o proprietário, imprimindo-lhe
destinação. ”266
260
GONÇALVES, 2023, p.78. Opus cit.
261
Ibidem idem.
262
DINIZ, 2022. Opus cit.
263
Ibidem idem.
264
DINIZ, 2022, p. 68. Opus cit.
265
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
266
GAGLIANO; FILHO, 2023, p.85.Opus cit.
A posse no Código Civil de 2002, adota a teoria objetiva de Ihering, apesar da
referida lei não ter adotado um conceito de posse, apenas de possuidor no artigo
1.196. 267
Mas se utilizando do conceito da posse com base na teoria objetiva, posse
“[...] é a exteriorização do domínio, ou seja, a relação exterior intencional, existente,
268
normalmente, entre o proprietário e sua coisa. ” Nesse conceito, é necessário
estar presente visivelmente o corpus, pois, o animus se faz presente dentro do
corpus, não de forma intencionada, subjetiva, mas por meio da conduta do possuidor
agir como proprietário de determinado bem. Portanto, é adotada a teoria de Ihering
no ordenamento brasileiro, em que a posse é a visibilidade do domínio de
determinada coisa.
Por exemplo, se a pessoa não é dono daquele imóvel, mas se comporta como
dono fosse, poderá ser considerada possuidor. 269
Portanto, a posse não é considerada um direito real, mas uma circunstância
de fato, protegida pelo direito, considerado um controle concreto que a pessoa
possui sobre certo objeto. 270
É importante salientar, que a posse possui várias classificações. Quanto ao
ser exercício, a posse pode ser direta ou indireta. A posse direta é exercida por meio
do controle físico direto ou contato imediato com o objeto, disposta no artigo 1.197
do Código Civil. É importante notar que a posse direta, pode originar-se de uma
relação jurídica pessoal, por exemplo, como o usufruto, podendo existir
simultaneamente com a posse indireta. Isso permite que qualquer um dos
271
possuidores proteja sua posse em relação ao outro ou diante de terceiros.
Em contrapartida, a posse indireta ocorre quando o titular do direito real cede
a outro o uso do bem de forma temporária, cedendo a ele a posse direta. Ou seja:
“[...] o titular do direito real fica com a posse indireta (ou mediata), enquanto que o
terceiro fica com a posse direta (ou imediata, também chamada derivada, confiada,
irregular ou imprópria) ”272 . Portanto, o possuidor direito possui a coisa sobre o seu
poder de maneira temporária em virtude de direito pessoal ou real. O possuidor
267
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade.
268
DINIZ, 2022, p. 82. Opus cit.
269
GAGLIANO; FILHO, 2023.Opus cit.
270
Ibidem idem.
271
GAGLIANO; FILHO, 2023.Opus cit.
272
GONÇALVES, 2023, p. 79. Opus cit.
indireto é aquele que cede de forma temporária a coisa a alguém de sua escolha,
por força de uma relação de direito pessoal ou real.
A posse é classificada pela existência de vícios, na qual será justa ou injusta.
A posse justa refere-se a posse pacífica, ou seja, aquela com a ausência da
violência, da clandestinidade ou da precariedade. A posse nessa modalidade não
possui vícios, podendo ser adquirida nas formas previstas em lei ou de forma
legítima.273
Diferentemente da posse injusta, que possui vício decorrente da
clandestinidade, violência ou precariedade. A violência pode ocorrer de forma física
ou verbal, o vício ocorre no momento do seu acontecimento. A clandestinidade, é
quando alguém toma o bem de forma escondida, se consumindo no momento em
que pratica o ato. A precariedade é quando a pessoa que está na posse do bem se
recusa a devolver a coisa ao verdadeiro titular, após o término do contrato ou
quando pleitear, por exemplo, o contrato de aluguel. Ou seja, a posse se torna
injusta no momento que se recusa a entregar o bem, visto que anteriormente a
pessoa possuía a posse justa sobre a coisa274
Sobre a posse injusta é importante ressaltar que:
[...] não deixa de ser posse, visto que a sua qualificação é feita em face de
determinada pessoa, sendo, portanto, relativa. Será injusta em face do
legítimo possuidor. Mesmo viciada, porém, será justa, suscetível de
proteção em relação às demais pessoas estranhas ao fato. 275
Ou seja, aquele que obteve a posse da coisa de forma injusta, poderá ter o
direito de reaver o bem às pessoas terceiras da relação, ou seja, poderá usufruir dos
instrumentos interditos.
É importante salientar que aquele que obtém a coisa por meio da violência e
da clandestinidade, em primeiro momento, possui apenas a mera detenção, apenas
se transformará em posse injusta ao esbulhado quando cessar a violência e a
clandestinidade, ou seja, quando utilizar a coisa de forma pública e quando deixar de
utilizar a força. Assim: “[...] cessadas a violência e a clandestinidade, a posse passa
a ser “útil”, surtindo todos os efeitos, nomeadamente para a usucapião e para a
utilização dos interditos. ” 276
273
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
274
Ibidem idem.
275
Ibidem idem, p.85.
276
GONÇALVES, 2023, p. 80. Opus cit.
A posse será classificada pela legitimidade, sendo de boa-fé ou má-fé. A
posse de boa-fé caracteriza com aquela adquirida pelo possuidor ao pensar que
está adquirindo a coisa por meio legais, sem qualquer tipo de vício na relação, ou
seja, ignora qualquer tipo de vício, tipificado no artigo 1.201 do Código Civil.277
Diferentemente, a posse de má-fé, o possuidor possui ciência que adquiriu a
coisa sabendo que há vícios e impedimentos na relação. Nada impede que a posse
de boa-fé se transforme em má-fé, a partir do momento que o possuidor toma
ciência do vício que a coisa apresenta, possuindo previsão no artigo 1.202 do
Código Civil.278
Se presume que a posse é de boa-fé quando possui justo título, pois seria
eficaz para transferir o controle e a posse da coisa, não apresentando nenhum
obstáculo que impedisse essa transferência. Entretanto, essa presunção é juris
279
tantum, ou seja, é possível apresentar prova em sentido contrário.
A posse também pode ser classificada pelo tempo, podendo ser posse nova
ou posse velha. A posse nova é aquela que tem em menos de ano e dia. A posse
velha é aquela que possui mais de ano e dia. Essa questão é crucial no plano
processual na ação possessória, o possuidor ao tentar reaver a sua posse, poderá
utilizar a medida liminar, postulando a ação dentro do prazo de ano e dia da data
que obteve o conhecimento do caso, a ação será operada em rito especial, previsto
no artigo 558 do CPC, tratando de ação de força nova. Passando o prazo de ano e
dia, ou seja, não reagindo imediatamente, a ação será de força velha, utilizando o
rito comum. É importante ressaltar que:
Não se deve confundir posse nova com ação de força nova, nem posse
velha com ação de força velha. Classifica-se a posse em nova ou velha
quanto à sua idade. Todavia, para saber se a ação é de força nova ou
velha, leva-se em conta o tempo decorrido desde a ocorrência da turbação
ou do esbulho.280
282
GAGLIANO; FILHO, 2023.Opus cit.
283
DINIZ, 2022. Opus cit.
284
GAGLIANO; FILHO, 2023.Opus cit.
285
Ibidem idem.
286
DINIZ, 2022, p.268. Opus cit.
287
NADER, 2018, p. 155. Opus cit.
288
NADER, 2018. Opus cit.
Na Lei das XII Tábuas já estava presente esse instituto, na qual se exigia
para tomar o bem pelo tempo, era necessário tomar por dois anos, os bens imóveis
e um ano, os bens móveis. Mais tarde esse prazo foi alterado para mais tempo,
como, dez anos para os bem imóveis aos presentes, e aos ausentes, a necessidade
de vinte anos. 289
Esse curto prazo era referente a limitada área geográfica, que viabilizou os
donos monitorarem as condições dos seus bens móveis e imóveis, em especial em
relação às possíveis ocupações por terceiros. 290
Outras exigências foram pleiteadas para a usucapião, como, a necessidade
de justo título e a boa-fé, invés de exigir apenas o lapso temporal, também foram
vedadas usucapir bens frutos de roubos e aqueles obtidos por meio da violência, tais
modificações foram disciplinadas pelas Lei Atínia, e as Leis Pláucia e Júlia.291
Não cabia ao possuidor a obrigação de provar a boa-fé, pois em torno desse
aspecto existia uma presunção. Ao contrário, quem alegasse má-fé por parte do
demandante tinha o encargo de demonstrá-la. A mala fides, por exemplo, se
configurava quando se tinha conhecimento de que o vendedor estava impedido de
transferir a propriedade. 292
Mais tarde, também não se poderia usucapir as propriedades em províncias,
os ativos do tesouro público, a igreja, etc., pois era focada no direito quiritário. Na
qual: “o possuidor deveria ter uma iusta causa, ou seja, um justo título, que poderia
ser, entre outros, o pro emptore (compra), o pro donato (doação), o pro dote (dote),
o pro legato (legado), o pro derelicto (abandono).” 293
No entanto, Roma expandiu suas fronteiras para abranger vastas regiões
além da Itália, onde se estabeleceram muitos estrangeiros. Diante da necessidade
de proteger a posse desses estrangeiros, juntamente com um título legítimo e uma
boa-fé, foi promulgado um édito. Esse édito considerava a posse desses indivíduos
em situações paralelas às da posse de uma propriedade italiana, estipulando que
deveriam obter uma ordem de reivindicação para solicitar ao magistrado que
avaliasse se o réu preenchia os requisitos mencionados.294
289
DINIZ, 2022. Opus cit.
290
NADER, 2018. Opus cit.
291
DINIZ, 2022. Opus cit.
292
NADER, 2018. Opus cit
293
NADER, 2018, p.156. Opus cit.
294
DINIZ, 2022. Opus cit.
A usucapião no ordenamento jurídico brasileiro é considerada um modo
originário de aquisição da propriedade, pois é ausente a relação jurídica anterior
com o usucapiente e o proprietário antigo. 295
Considerado uma prescrição aquisitiva, como forma originária da aquisição da
propriedade por meio da posse mansa e prolongada durante determinado tempo,
tipificado em lei. É ciente que a usucapião possui os seus elementos fundados na
função social e na segurança jurídica. 296
Através da usucapião, o legislador possibilita que uma específica situação de
fato, que tenha se prolongado sem interrupções por um período de tempo
estabelecido por lei, evolua para uma condição legal, conferindo caráter jurídico a
circunstâncias factuais que amadureceram ao longo do tempo. 297
Esse instituto encontra sua base na garantia da estabilidade e segurança da
propriedade, estabelecendo um período após o qual não podem mais surgir
questionamentos ou objeções. Além disso, ele visa a resolver a falta de título do
298
possuidor, assim como eventuais imperfeições inerentes ao título do mesmo.
É necessário que a posse necessite ser justa, ou seja, deverá ser livre dos
vícios da clandestinidade, violência ou precariedade, a violência e clandestinidade
precisam cessar para tornar-se posse, ademais, se o bem for adquirido a título
precário, essa condição nunca se tornará legalmente válida299.
Necessitando estar presente conjuntamente a posse, o animus domini e o
tempo, sendo a posse a parte fundamental para configurar a usucapião, na qual
deve ser sempre pacífica, ou seja, a posse não poderá ser contestada, pois quando
a parte contrária contesta a posse do que está adquirindo a coisa, isso gera
incerteza à supremacia do direito do adquirente. 300
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, tem admitido: “[...] que, para efeito
da usucapião, o tempo de posse exercida no curso da demanda – ou seja, já
havendo, até mesmo, resistência ou contestação ao pleito deduzido – pode ser
considerado.”301
295
MELO, Cleyson de Moraes. Usucapião Judicial e Extrajudicial. Rio de Janeiro: Processo, 2021.
296
GAGLIANO; FILHO, 2023. Opus cit.
297
DINIZ, 2022. Opus cit.
298
DINIZ, 2022. Opus cit.
299
Ibidem idem.
300
GAGLIANO; FILHO, 2023. Opus cit.
301
GAGLIANO; FILHO, 2023, p. 237. Opus cit.
Conforme dispõe a jurisprudência abaixo ilustrado o entendimento do referido
tribunal:
304
DINIZ, 2022. Opus cit.
305
Ibidem idem.
306
GAGLIANO; FILHO, 2023, p.242. Opus cit.
307
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
308
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
No caso da usucapião por meio de processo judicial, ao adquirir a
propriedade através da posse, é viável solicitar ao juiz que formalize tal aquisição
por meio de uma sentença. Esta sentença, por sua vez, servirá como um documento
adequado para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Vale salientar que a
sentença declaratória na ação de usucapião e o subsequente registro não conferem
caráter constitutivo, mas sim de evidência. Essa etapa é crucial para incorporar o
imóvel adquirido através de usucapião no sistema de registros de propriedade,
permitindo-lhe, daquele momento em diante, possa seguir o curso normal aplicável a
todos os bens imóveis. 309
Resumidamente, podemos afirmar que a usucapião é um meio originário de
aquisição de propriedade, seja ela móvel ou imóvel, assim como outros direitos
reais. Isso ocorre através da posse mansa e pacífica, com a intenção de ser o
legítimo proprietário, ao longo de um período específico estipulado por lei.310
309
DINIZ, 2022. Opus cit.
310
NADER, 2018. Opus cit.
311
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
312
NADER, 2018. Opus cit.
313
BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa: De acordo como novo código de processo
civil. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 39
descendentes, não pode ser reconhecida como um justo título para os propósitos de
usucapião ordinária, em razão que essa transação é passível de anulação.314
É importante salientar que mesmo o justo título possua alguma irregularidade
ou vício, o possuidor necessita apresentar o título de maneira honesta, para poder
ocorrer a transferência do domínio, demonstrando a boa-fé da parte: “[...] pois,
apesar de seu título conter falhas, o lapso de tempo apaga essas imperfeições e
consolida a sua propriedade deve, então, o usucapiente providenciar o registro de
seu título. “ 315
Ademais, a I Jornada de Direito Civil publicou no Enunciado 86: “A expressão
"justo título" contida nos arts. 1.242 e 1.260 do Código Civil abrange todo e qualquer
ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de
registro.”
A boa-fé é considerada perspectiva subjetiva, correspondendo à convicção do
requerente da usucapião de que ele detinha a propriedade legítima do imóvel, sem
estar ciente da imperfeição presente no domínio, ou seja, desconhecia qualquer
impedimento.316
Um exemplo prático, seria no caso de um contrato de compra e venda, o
vendedor se passou por proprietário do imóvel e o comprador desconhecia esse
vício, ele poderá obter o imóvel por meio da usucapião ordinária, pois possuía boa-fé
e justo título ao realizar o ato.
Entretanto, é possível existir justo título sem boa-fé, uma vez que a pessoa
tem ciência do defeito externo presente no título. Da mesma forma, é viável existir
boa-fé mesmo na ausência de um justo título, como ocorre em situações de vício de
nulidade, por exemplo. Entretanto, para ser configurada a usucapião ordinária, é
necessário que estejam presentes esses dois requisitos.317
Nessa modalidade de usucapião, existe a sua subespécie, prevista no
parágrafo único do artigo 1.242 do Código Civil, reduzindo o tempo de exercício da
posse, sendo de cinco anos, se o bem for adquirido mediante pagamento, em
registro no cartório correspondente, que mais tarde for cancelado, desde que os
314
REsp 661858/PR. Recurso Especial 2004/0113832-2, Relator(a): Ministro Castro Filho, Terceira
Turma, DJ 15-8-2005, p. 311)
315
DINIZ, 2022, p. 192
316
NADER, 2018. Opus cit.
317
BRANDELLI, 2019. Opus cit.
possuidores utilizem como moradia ou se realizem melhorias de cunho social e
econômico. 318
Diferentemente da usucapião tipificada no caput do artigo 1.242 do Código
Civil, a estabelecido no parágrafo único possui o prazo:
318
DINIZ, 2022. Opus cit.
319
BRANDELLI, 2019, p. 2019. Opus cit.
320
BRANDELLI, 2019. Opus cit.
321
DINIZ, 2022. Opus cit.
322
Ibidem idem.
323
Idem idem.
4.4. Usucapião extraordinária
Para o prazo ser reduzido, não adianta comprovar que o possuidor realizou o
pagamento dos tributos, por exemplo, o pagamento do IPTU, é necessário provar
que fora feito como sua moradia ou que serviços ou obras de caráter produtivo
foram realizadas no imóvel. 330
É importante elucidar que a redução do prazo, prevista no parágrafo único do
artigo 1.238 do Código Civil, não exige que a moradia, obras ou serviços tenham
ocorrido ao longo dos dez anos. Sendo suficiente apenas que a moradia ou as obras
e serviços de natureza produtiva sejam comprovados em juízo, mesmo que tenham
ocorrido apenas durante em parte desse prazo, na qual: “[...] a lógica é que aconteça
pelo menos na parte final, para demonstrar que a posse atende atualmente à sua
331
função social, mas nada impede que tenha se dado durante o lapso temporal.
A questão da moradia, seria atribuída às pessoas físicas para usucapir
determinado imóvel, mas a questão da construção de obras ou serviços não exclui
as pessoas jurídicas de buscar a aquisição do bem, não sendo necessário que o
usucapiente construa o bem. 332
Sendo valorizada a questão da moradia e não o induzimento a construção do
imóvel, visto que a questão da posse-trabalho, poderá ocorrer de sumas formas, por
327
DINIZ, 2022. Opus cit.
328
JUNIOR, Cláudio Habermann. Usucapião Judicial e Extrajudicial no novo CPC. Sâo Paulo:
Editora Habermann, 2016.
329
Ibidem idem.
330
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
331
GAGLIANO; FILHO, 2023, p. 248. Opus cit.
332
NADER, 2018. Opus cit.
exemplo, serviços focados no sustento da família por meio de simples economia
333
local. Ou seja, é valorizado a questão da função social pelo exercício da posse.
A usucapião extraordinária possui algumas indefinições, especialmente no
que diz respeito ao critério das “realizações de obras”, a dimensão ou extensão
desse requisito não é clara. Deve-se levar em conta a verdadeira intenção do
possuidor. 334
Por exemplo, se alguém possui recursos econômicos, constrói um pequeno
casebre apenas para assegurar a posse durante o prazo, sem qualquer propósito
especial, analisando a interpretação da legislação, a pessoa não deveria ser
beneficiada com a redução do prazo. A legislação civil também não estabeleceu
nenhum parâmetro específico para avaliar o requisito de 'serviços de caráter
produtivo'. O juiz deve se orientar pelo valor ou utilidade social do empreendimento.
335
333
NADER, 2018. Opus cit.
334
NADER, 2018. Opus cit.
335
Ibidem idem.
336
Idem idem.
337
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
usucapião, reconhecida como usucapião familiar, posteriormente foi incluída no
artigo 1.240-A do Código Civil. 338
Apenas a usucapião especial urbana individual possui previsão na
Constituição Federal de 1988, sendo regulamentada em 2001 com a criação do
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), possuindo previsão no artigo 1.240 do Código
Civil de 2002. A modalidade da usucapião urbana especial coletiva apenas foi
criada pelo Estatuto da Cidade, na qual apenas possui previsão na respectiva lei.339
É importante salientar que apenas a modalidade da usucapião especial rural
era prevista na Constituição Federal Brasileira de 1934. Entretanto a usucapião
especial urbana apenas foi inserida na Constituição vigente, buscando proporcionar
o acesso ao direito de moradia de forma mais ampla, por meio da justiça social, um
objetivo constante no Estado Democrático de Direito.340
Como é um direito relativamente recente, estabelecido pela Constituição de
1988, a aplicação da usucapião especial urbana, em especial, a modalidade
individual, deve se restringir a casos de posse que surgiram após sua
implementação. Não é compatível com a lógica jurídica considerar que situações
anteriores possam ser abrangidas por esse instituto, especialmente considerando a
existência de outras formas de amparo para tais casos. Permitir uma retroatividade
dessa lei seria prejudicial ao direito de propriedade, que é assegurado
constitucionalmente como um direito fundamental, além de colocar em risco a
segurança jurídica e social. 341
A ação de usucapião urbana segue o rito sumário, conforme estabelece o
artigo 14 do Estatuto da Cidade, na referida ação é obrigatório a intervenção do
membro do Ministério Público, com previsão no parágrafo 1 do Estatuto da Cidade.
Ademais, enquanto a ação se encontra em pendência, qualquer outra ação
possessórias ou petitórias relativa ao bem usucapiendo ficam sobrestadas, conforme
previsão no artigo 11 da Lei nº 10.257/01.342
Logo, na usucapião urbana especial: “[...] o legislador pretende atenuar as
dificuldades de acesso à casa própria e diminuir o grau de distorção existente na
distribuição de riqueza, favorecendo a justiça social. ”343
338
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
339
JUNIOR, 2016. Opus cit.
340
JÚNIOR, 2010. Opus cit.
341
Ibidem idem.
342
JUNIOR, 2016. Opus cit.
343
NADER, 2018, p.167. Opus cit.
As propriedades urbanas sempre foram suscetíveis à aquisição por meio da
usucapião ordinária ou extraordinária, que possuem prazos mais extensos e com
menos requisitos. No entanto, a usucapião especial urbana determinada para as
pessoas desprovidos de moradia e sem qualquer outra propriedade imobiliária.344
Foi somente com a ampliação da importância do princípio da função social
para o âmbito constitucional, que o legislador passou a considerar a questão das
áreas urbanas que permaneceram ociosas, diante do grande contingente de
pessoas sem moradia ou local para construir o seu lar, podendo instituir a usucapião
especial urbana.345
Ou seja, o legislador possibilitou a inclusão da usucapião especial urbana no
capítulo das políticas públicas na Constituição Federal 1988, logo a:
344
RIBEIRO, B. S. Tratado de Usucapião 2 - 2 volumes. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. E-book.
345
Ibidem idem.
346
CORDEIRO, Carlos José. Usucapião especial urbano coletivo: abordagem sobre o estatuto
da cidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 115.
347
RIBEIRO, 2016. Opus cit.
A usucapião especial urbana individual é uma das modalidades originadas
em complementar a política urbana, sendo prevista inicialmente no caput do artigo
183, parágrafos 1 a 3 na Constituição Federal de 1988, mais tarde foi regulamentada
no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) que regulamentou os artigos previstos no
texto constitucional. 348
A usucapião especial urbana individual possui sua previsão prevista também
no artigo 9 do Estatuto da Cidade e no artigo 1.240 do Código Civil de 2002.
Considerado uma novidade introduzida pela Constituição de 1988, as posses
anteriores não estavam abrangidas pelo texto constitucional. O período de cinco
anos só iniciou a contagem, a partir da promulgação da atual Constituição. O novo
direito não tinha possibilidade de retroagir, evitando pegar desprevenido o
proprietário com uma condição jurídica não previamente estabelecida.
Consequentemente, os primeiros requerimentos só puderam ser apresentados após
5 de outubro de 1993.349
A usucapião especial urbana individual prevê poderá ser usucapido uma
edificação urbana ou uma área com o limite de 250 metros quadrados. Além disso, é
necessário para o usucapiente residir juntamente com sua família ou sozinho. Ou
seja, o exercício da posse deverá ser de forma ininterrupta e sem oposição, no
prazo de cinco anos. Sem que a pessoa possua outro imóvel urbano ou rural.
Ademais, a utilização do imóvel deve ter fins residenciais, com objetivo apenas de
moradia para o usucapiente ou por sua família. 350
Nessa modalidade de usucapião é ausente o justo título, apenas a
presunção de boa-fé, na qual “somente será preciso comprovar para a configuração
da usucapião especial individual em imóvel urbano a posse ininterrupta e pacífica,
exercida com animus domini [...]”351. Ou seja, a presença do animus domini,
necessita que usucapiente aja como dono daquele bem, através da conduta de
possuir do bem, excluindo a conduta de detentor.
O imóvel objeto de usucapião necessita ser utilizado como residência,
entretanto, se a pessoa ou a família morar fora a sua posse será mantida, pois a
coisa está sob o domínio do usucapiente. 352
348
DINIZ, 2022. Opus cit.
349
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
350
DINIZ, 2022. Opus cit.
351
Ibidem idem, p. 305. Opus cit.
352
NADER, 2018. Opus cit.
A utilização para fins distintos do residencial é proibida conforme estabelecido
na legislação. Contudo, não se descarta a possibilidade de destinar uma porção do
imóvel para atividades comerciais de pequeno porte, por exemplo, uma oficina de
reparos menores, um bar ou uma microempresa, desde que a habitação do
usucapiente ou de sua família no local seja mantida.353
Na usucapião especial urbana individual é essencial que a área ou o imóvel
esteja situada em zona urbana, pois a designação de um imóvel como urbano não é
determinada por sua utilização, mas sim pela delimitação do zoneamento
estabelecido nas leis municipais. 354
Ademais, o usucapiente não poderá se valer novamente da usucapião
especial urbana, ou seja, só poderá utilizar essa modalidade uma única vez,
conforme prevê o parágrafo 2 do artigo 183 da Constituição Federal.
O bem poderá ser adquirido por meio da usucapião tanto pela mulher ou pelo
homem, se for um casal, pouco importa o estado civil de ambos, pois: “[...] objetiva-
se beneficiar a família que reside no imóvel objeto de usucapião. É afastada a
exigência de outorga do cônjuge, na hipótese de pessoa casada que viva com outra,
por exemplo, a título de companheira, e que visem usucapir. 355”
É importante ressaltar que não se deve somar à área do terreno com a área
construída do imóvel, ressalta que tanto uma quanto outra, não podem ultrapassar
duzentos e cinquenta metros quadrados.356
Por exemplo, um terreno com uma área de 250 metros quadrados e nele
estar edificado um edifício com 300 metros quadrados, nesse caso não seria
possível usucapir por meio da usucapião especial urbana individual, pois o limite
máximo dessa modalidade é de apenas 250 metros quadrados.357
Se o imóvel não for urbano ou a área ultrapassar o limite de 250 metros
quadrados, não é possível adquirir o bem por meio da usucapião especial urbana
individual, mas é possível utilizar outras modalidades de usucapião, como a
ordinária ou extraordinária.358
Se o imóvel ultrapassar 250 metros quadrados, alguns autores entendem, que
não deve ser excluído a possibilidade de utilizar a usucapião especial urbana, pois a
353
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
354
NADER, 2018. Opus cit.
355
GONÇALVES, 2023, p.247. Opus cit.
356
Ibidem idem.
357
DINIZ, 2022. Opus cit.
358
GAGLIANO; FILHO, 2023. Opus cit.
pessoa pode obter: “[...] a parte de um todo, desde que, de acordo com as posturas
municipais, possa haver o desmembramento."359 Logo, a solução seria limitar a área
de um prédio que a pessoa ou aquela família utiliza como fins de moradia, desde
que seja possível ocorrer a divisão ou seu desmembramento.
Foi o que decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar:
Ressalta, que o limite da metragem não engloba a área comum, como dispõe
o Enunciado n. 314 da IV Jornada de Direito Civil: “Para os efeitos do art. 1.240, não
se deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão
compreendida pela fração ideal correspondente à área comum. ”
É relevante destacar, em concordância com a interpretação estabelecida pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que é apropriado garantir o direito à
usucapião especial urbana, sem levar em conta a limitação de área mínima
estipulada pelas normas municipais para o registro de propriedades, contanto que os
requisitos delineados no artigo 183 da Constituição Federal sejam cumpridos,
conforme ilustra a jurisprudência abaixo:
359
NADER, 2018, p. 168. Opus cit.
360
JTJ, Lex, 245/187 APUD Gonçalves, 2023, p. 246. Opus cit.
do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte
autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida
em composse. 2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de
norma municipal. 3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da
Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial
urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que
estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel
(dimensão do lote). 4. Recurso extraordinário provido. (RE 422.349/RS –
RIO GRANDE DO SUL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Rel. Min. DIAS
TOFFOLI, julgado em 29-4-2015.)
361
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
Ademais, é previsto que não é possível usucapir bens públicos, também não
é possível usucapir bens que são financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação
(SFH), conforme foi decidido pela 4.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª
Região no Recurso Especial 191.603-6/MS), seguindo a linha de entendimento
do Supremo Tribunal Federal (STF).362
Por ser uma modalidade de usucapião prevista nas leis infraconstitucionais,
não existe discordância entre o conteúdo do artigo 1.240 do Código Civil e o artigo 9
do Estatuto da Cidade. No entanto, o parágrafo 3º do artigo 9 do Estatuto,
estabelece uma condição para a aplicação da accessio possessionis, ao afirmar que
'o herdeiro legítimo mantém, automaticamente, a posse de seu predecessor, desde
que já esteja residindo na propriedade no momento da abertura da sucessão'. A
soma das posses não era aceita pela jurisprudência devido à natureza pessoal da
ocupação do imóvel para fins de habitação. No entanto, o texto constitucional não a
proibia. Ao mencionar o herdeiro legítimo, esse dispositivo exclui o herdeiro por
testamento e também aqueles que não estejam vivendo na propriedade sujeita à
usucapião na data da abertura da sucessão. 363
Em relação se é possível usucapir apenas terreno urbano, existem algumas
correntes, como o autor, Carlos Gonçalves entende que a área urbana necessita
possuir uma construção, pois é essencial para que a mesma seja utilizada para a
moradia. Os autores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho possuem o mesmo
pensamento, com fundamento que o referido dispositivo legal menciona área, não
terreno.
Em relação ao autor Leonardo Brandelli, no seu entendimento é possível
usucapir em área urbana um terreno sem qualquer tipo de edificação, um terreno nu:
“[...] o possuidor nele mora com sua família em uma barraca, embora não tenha o
terreno uma acessão, será o terreno nu também passível de submeter-se a esta
espécie prescritiva positiva. ” 364
A modalidade da usucapião possui críticas em relação a fixação do limite
máximo para usucapir o bem, visto que a metragem seria destinada para as cidades
grandes que possuem moradias menores, enquanto nas cidades menores, as áreas
residências possuem maior dimensão. Atualmente, tramita um projeto de emenda
constitucional no Congresso Nacional, um projeto visando que as cidades que
362
NADER, 2018. Opus cit.
363
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
364
BRANDELLI, 2023, p.43. Opus cit.
possuem mais de trezentos mil habitantes, que o limite máximo para usucapir o
imóvel urbano seja de quinhentos metros quadrados. 365
Logo, a usucapião especial urbana visa tornar mais acessível a moradia para
pessoas que possuem menos recursos financeiros, para que possam possuir
propriedades urbanas de tamanho moderados, seja para sua própria residência ou a
de sua família.366
380
SALLES, José Carlos de Moraes, 2005 APUD GAGLIANO; FILHO, 2023. Opus cit.
381
GAGLIANO; FILHO, 2023. Opus cit.
382
Ibidem idem.
383
DINIZ, 2022. Opus cit.
384
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
é possível o ex-companheiro ou cônjuge usucapir um imóvel que esteja locado para
terceiros.385
Entretanto, diferente das anteriores usucapiões especiais urbanas, essa
modalidade necessita que o usucapiente seja co-proprietário do bem juntamente
com o seu ex-companheiro ou ex-cônjuge. Também, é necessário que o ex-
companheiro ou ex-cônjuge tenha abandonado o lar de forma voluntária e sem
justificativa. Ademais, possui um tempo menor para a aquisição do bem em
contrapartida com as outras modalidades de usucapião. 386
Os efeitos da usucapião familiar apenas começaram no momento em que a
lei entrou em vigor, pois é vedado que o direito retroaja, surpreendendo um dos ex-
cônjuges ou companheiros com uma situação jurídica que não estava prevista
anteriormente.387
Nessa modalidade está presente o res habilis speciailis, pois o ex-cônjuge ou
companheiro irá usucapir a quota parte do imóvel que pertenceu ao ex-parceiro ou
ao ex-cônjuge ou ao bem comum do casal. 388
Logo, essa modalidade trouxe segurança ao ex-companheiro e sua família ao
garantir à moradia e permitir a continuidade da função social do imóvel ao garantir o
direito a cota do antigo parceiro ou a titularizar a totalidade do bem da comunhão,
exceto se "[...] houver notificação feita pelo que abandonou o lar demonstrando
interesse pelo imóvel ou disputa do casal pelo imóvel, hipóteses em que não se
configurará a posse ad usucapionem." 389
Sendo necessário que o abandono do imóvel tenha ocorrido de forma
injustificada e voluntária, na qual:
385
BRANDELLI, 2018. Opus cit.
386
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
387
Ibidem idem.
388
DINIZ, 2022. Opus cit.
389
DINIZ, 2022, p.308. Opus cit.
390
GOMES, 2021, p. 186. Opus cit.
Ou seja, é necessário a ausência de motivação para a referida usucapião, por
exemplo, não se aplica a usucapião numa ação de divórcio que admite que o ex-
cônjuge saía da antiga residência do ex-casal. Também não se aplica nos casos de
expulsão do companheiro no imóvel por meio de violência por meio das medidas
protetivas da Lei Maria da Penha, não caracterizando o abandono do lar. Nem
mesmo, se o ex-companheiro que “abandonou” o lar continue a custear as despesas
do imóvel, pois demonstra que não deixou o antigo parceiro desamparado
financeiramente.
Logo, é necessário que o ex-companheiro que abandonou o lar, demonstra
desinteresse pelo imóvel por dois anos, não poderá por exemplo, pleitear a partilha
do imóvel numa ação de divórcio, alienar o bem, possibilitar a concessão do uso,
etc. Assim, se for adotado uma conduta de indiferença, perderá a sua cota parte por
meio da usucapião familiar para o ex-companheiro que permaneceu no bem, desde
que: “[...] seja condômino em qualquer percentual: 10%, 90%, 50%, 30%, 70% etc. e
não tenha interposto medida judicial, resguardando seu direito sobre o imóvel, não
havendo acordo com aquele (possuidor direto) que o ocupa, por 2 anos, com
exclusividade e sem oposição.” 391
É importante não olvidar que a usucapião familiar poderá ser utilizada mesmo
após ação de divórcio quando
391
DINIZ, 2022, p.308. Opus cit.
392
A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil
só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O
requisito "abandono do lar" deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de
que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres
conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se
manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da
manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do
regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.
393
O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como
abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em
averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.
revogou o enunciado 499, facilitou evidenciar casos de abandono do lar, pois não
bastava apenas o ex-companheiro ter saído do antigo imóvel para caracterizar o
abandono, também se exige que tenha abandonado de forma voluntária a sua
família, independente de culpa pelo término da união estável ou casamento.
Sendo a principal crítica a usucapião familiar, é que ela reacende a discussão
sobre as causas que determinaram o fim do relacionamento afetivo, pois a
modalidade prevê que o abandono ao lar necessita ser de forma voluntária, ou seja,
culposa. Visto, que no âmbito civil terminou a discussão acerca da culpa nos
términos dos casamentos e das uniões estáveis.394
É importante ressaltar que as expressões do ex-cônjuge ou ex-companheiro
se assemelham à simples separação, não necessitando de ação de divórcio ou
dissolução da união estável, conforme estabeleceu o Enunciado 501 da V Jornada
de Direito Civil. 395
Por fim, a usucapião familiar não constitui:
394
GONÇALVES, 2023. Opus cit.
395
As expressões "ex-cônjuge" e "ex-companheiro", contidas no art. 1.240-A do Código Civil,
correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio.
396
DINIZ, 2022, p.320. Opus cit.
397
PEREIRA, Daniel Queiroz. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO E A EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE. Revista de Direito da Cidade, v.3, n.2. ISSN 2317-7721, 2011.
A usucapião especial urbana é considerada uma ferramenta da política
urbana que equilibra interesses individuais e coletivos ao abordar e solucionar
questões habitacionais. O governo local assume a responsabilidade de urbanizar
398
áreas e regularizar moradias, garantindo uma vida digna para seus habitantes.
A usucapião especial urbana individual e coletiva regulamentada no Estatuto
da Cidade, não se limitou apenas na criação de uma nova forma de aquisição da
propriedade imóvel, mas principalmente, ordenar o uso da propriedade urbana,
direcionando-a através da aplicação de princípios urbanísticos que visam o bem-
estar tanto da individualidade quanto da coletividade, possibilitando que a função
social das cidades fosse observada. 399
Ademais, além dos princípios urbanísticos que a usucapião urbana atende,
como o princípio da função social da cidade, a mesma, possibilita que a função
social da propriedade seja cumprida, ao direcionar o seu uso diante de imóveis que
não utilizem em favor da coletividade, possibilitando o acesso à propriedade,
facilitando a demonstração do domínio sobre o bem. 400
Visto, que a função social da propriedade é considerada um direito
fundamental tipificado no artigo 5, inciso XXIII da Constituição Federal de 1988, ou
seja, significa que a propriedade tem uma finalidade social intrínseca que deve ser
cumprida, mesmo sem a concordância de seu proprietário. 401
A função social da propriedade, possibilita no instituto da usucapião, que a
pessoa que possui a coisa em seu poder em um longo tempo, possa adquirir, em
detrimento ao antigo proprietário que foi negligente, pois o bem perdeu o seu
propósito social e econômico, sendo restabelecido pelo possuidor, que ao final
adquire o bem. Portanto, a usucapião concede o domínio da coisa para aquele que
efetivamente concede a destinação social e econômica ao bem402.
Além de atender a função social da propriedade, o instituto da usucapião
também possibilita garantir os direitos fundamentais, como acesso à moradia digna.
398
JÚNIOR, 2010. Opus cit.
399
PEREIRA, 2011. Opus cit.
400
ELUAN, Isabele Ferreira; FERREIRA, Cristhiane de Souza; MARINI FILHO, Alcides. USUCAPIÃO
FAMILIAR: DEFESA DO DIREITO À MORADIA. Revista Ibero-Americana de Humanidades,
Ciências e Educação, [S. l.], v. 7, n. 11, p. 210–227, 2021.
401
PEREIRA, 2011. Opus cit.
402
CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo. Da possibilidade de intervenção da posse
precária e a sua configuração em posse ad usucapionem. Revista de Direito Privado, São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 45, vol. 12, p. 241-262, 2011.
Diante do cenário de crises econômicas e sociais, o legislador criou diversas
modalidades de usucapião, reconhecendo:
403
CORRÊA, 2017, p. 29. Opus cit.
404
Ibidem idem.
405
RIBEIRO, 2016. Opus cit.
406
JÚNIOR, 2010. Opus cit.
407
PEREIRA, 2011. Opus cit.
Como apresenta a jurisprudência abaixo ao conceder a usucapião do imóvel
com fundamentos na função social da propriedade, destinando o imóvel à sua
destinação social, além do instituto promover a dignidade da pessoa humana por
meio do direito à moradia.
408
Ibidem idem.
409
ROCHA, Jiuliani Santos; NOLASCO, Loreci Gottschalk. A USUCAPIÃO FAMILIAR COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO À MORADIA. REVISTA JURÍDICA DIREITO,
SOCIEDADE E JUSTIÇA, [S. l.], v. 5, n. 7, 2021
410
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Editora Forense: Grupo GEN, 2021. E-book.
É importante salientar que o uso da usucapião especial urbana, poderá ser
destinado tanto para moradia, quanto para o trabalho, ou seja, o seu uso poderá ser
misto. Logo, a sua previsão legal que se destina apenas à moradia, não é absoluta,
ela atende o direito à moradia, como atende o valor social do trabalho. Conforme foi
decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no Resp.1.777.404: “O uso misto
da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu
reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à
obtenção do sustento do usucapiente e de sua família.
Ademais, o mesmo tribunal no Resp 1.874.632, negou a usucapião de um
imóvel abandonado, parte do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), por se
equiparar ao bem público, decidido que: “na eventual colisão de direitos
fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve
prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro [...].” Ou
seja, o direito à moradia não é considerado absoluto.
Outra questão é que poderá usucapir lotes maiores que 250 metros
quadrados, estipulados em leis municipais, não há qualquer teor inconstitucional,
conforme decidiu o STJ no Resp. 422.349.
As formas de usucapião especial urbana: “[...] têm por finalidade a
regularização fundiária dos assentamentos informais em áreas urbanas; e,
consequentemente, atuam como proteção e legitimação da posse, voltadas para
atender à demanda do direito à moradia.” 411
Visto que garantir o direito à moradia é um desafio enfrentado por muitas
cidades brasileiras. O Estatuto da Cidade introduziu a usucapião especial urbana
coletiva como uma ferramenta à disposição dos municípios para lidar com essa
realidade. Isso se baseia na ideia de que assegurar o direito à moradia, por meio da
regularização fundiária, proporcionando a segurança da posse e a proteção contra
despejos injustos através da regularização urbana.412
Ou seja, além de possibilitar o acesso ao direito à moradia para famílias que
não possuem a habitação digna, a usucapião especial urbana coletiva, também
411
RANGEL; SILVA, 2009, p.74. Opus cit.
412
SOUZA, 2013. Opus cit.
possibilita a regularização fundiária413, em situações em que famílias vivem em áreas
irregulares urbanas. Considerada
417
SOUZA, 2013, p. 138. Opus cit.
418
SOUZA, 2013, p. 140. Opus cit.
419
Ibidem idem.
420
SILVESTRE, Gilberto Fachetti. As alterações da lei n. 13.465/2017 na usucapião especial urbana
coletiva: questões materiais e processuais. In: Revista de Direito da Cidade, vol. 11, nº 2. ISSN
2317-7721 pp. 337-367, 2019.
possível usucapir coletivamente o imóvel urbano dividido em unidades, podendo
estas terem titulares individualizados, desde que tal unidade não tenha área superior
a 250m2.”421
Atualmente é possível usucapir a área com demarcações, com exceção das
áreas comuns de uso coletivo do loteamento. A nova redação retirou a necessidade
dos usucapientes serem pro misero prevista na antiga redação do artigo 10 do
Estatuto da Cidade, não sendo mais exigível que sejam pessoas de baixa renda,
apenas que não tenham outro imóvel rural ou urbano.422
Logo, a Lei 13.465/17 trouxe ganhos significativos para facilitar e possibilitar a
usucapião como meio de garantir o direito à moradia digna e como forma de
concretizar a regularização fundiária.
A jurisprudência abaixo no ano de 2014, ou seja, antes da Lei 13.465/17,
demonstra a ausência de facilidade de identificar as áreas ocupadas por cada
possuidor, cada possuidor necessitava determinar qual era a sua parte para
usucapir.
421
SILVESTRE, 2019, p.343.Opus cit.
422
Ibidem idem.
tenha o direito de adquirir o bem do antigo casal, além de promover à moradia e
assegurar a segurança da família.423
A usucapião familiar, previsto no artigo 1.240 - A do Código Civil Brasileiro de
2022, surge com o objetivo de garantir o direito à moradia para ex-cônjuges ou ex-
companheiros que tenham sido abandonados. Logo, integra um novo instituto com a
finalidade de tornar efetivo o direito à moradia para famílias de baixa renda.424
O referido instituto teve sua origem por meio da política pública do Governo
Federal por meio do programa "Minha Casa Minha Vida”, com o propósito de
garantir o acesso à moradia para as camadas de baixa e média renda da população.
A lei nº 11.977, de 17 de julho de 2009, criou esse programa, embora a usucapião
familiar não estivesse inicialmente contemplada em sua legislação. Posteriormente,
a lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, promoveu uma alteração na lei original,
incluindo o artigo 9º, que, por sua vez, acrescentou ao Código Civil o artigo 1.240-A,
estabelecendo assim o instituto da usucapião familiar.425
A usucapião familiar além de proteger o direito à moradia, também assegura a
preservação da unidade familiar, garantindo a dignidade da pessoa humana e a
função social da propriedade, ambos os princípios estabelecidos na Constituição
Federal de 1988.426
Além disso, a usucapião familiar visa também assegurar à moradia para
aqueles que desempenham a função social da propriedade, sem suscitar
questionamentos quanto às razões do término da união conjugal e sem afetar
qualquer aspecto do Direito de Família.427
A finalidade da usucapião familiar não consiste em recompensar o ex-cônjuge
ou o ex-companheiro que assumiu unilateralmente as despesas da manutenção da
família e da casa. Pelo contrário, ela representa o reconhecimento daqueles que
cumpriram a função social do imóvel e, sobretudo, garantir o direito à moradia para
aqueles que fizeram deste bem, sua residência. Assim, protegendo à dignidade da
família e o direito à moradia, considerado direito fundamental.428
423
ROCHA; NOLASCO, 2021. Opus cit.
424
ELUAN; FERREIRA; MARINI FILHO, 2021. Opus cit.
425
CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli; CARDOSO, Mara Lúcia Guimarães. USUCAPIÃO FAMILIAR:
UMA FORMA DE EFETIVAÇÃO AO DIREITO À MORADIA. Revista Nacional de Direito de Família
e Sucessões, Porto Alegre, v. 3, n. 13, 2017.
426
Ibidem idem.
427
GOMES, Josiane Araújo. Usucapião familiar: pro morare - Aspectos juridicos e práticos. São
Paulo: Editora Mizuno, 2021.
428
GOMES, 2021. Opus cit.
Assim, ilustra a jurisprudência abaixo demonstra assegurado a função social
da propriedade por meio da usucapião familiar.
437
ELUAN; FERREIRA; MARINI FILHO, 2021, p. 221.Opus cit.
438
Ibidem idem.
439
ELUAN; FERREIRA; MARINI FILHO, 2021, p. 213.Opus cit
440
SENNA, 2020. Opus cit.
441
FRANCO, 2016. Opus cit.
aos bens essenciais que são necessários para garantir a dignidade da pessoa
humana, de acordo com o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.442
Ou seja, a: “[...] pessoa que exerce a posse com intuito de estabelecer sua
moradia encontra um espaço destinado a proteger sua dignidade, pois a moradia
443
deve ser vista como uma categoria própria de um direito da personalidade. ”
Em resumo, considerando a atual tendência de atribuição de função social e a
importância de garantir o direito à moradia, é possível que a posse, mesmo que
inicialmente precária, possa ser benéfica para a aquisição por usucapião, desde que
o detentor transforme em posse, comece a agir como dono do bem e que o
444
proprietário legítimo não tome medidas para reaver seu domínio.
Nessa forma, inclui as invasões clandestinas, considerada um esbulho
possessório, tornando dificultoso para uma grande parcela da população adquirir
uma moradia. Ademais, os bens ocupados pela essa parcela da população são bens
públicos, que são considerados proibidos de usucapir, visto que a supremacia do
interesse público prevalece. 445
Os bens de uso dominical, considerado bens ausentes de destino, pois ainda
não recebem ou não receberam uma destinação, algumas correntes de autores
defendem que esses bens deveriam ser objeto de usucapião, pois: “o bem é
formalmente público, mas não materialmente público, eis que carecedor de sua
função social”.446
Visto, em algumas situações, as entidades públicas detêm ativos que não são
utilizados para nenhum propósito produtivo e, em alguns casos, até mesmo os
447
deixam em estado de abandono, pois não existe a ameaça de desapropriação.
O exercício possessório dos bens públicos é considerado mera
detenção, conforme dispõe a Súmula 619 do STJ: “A ocupação indevida de bem
público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou
indenização por acessões e benfeitorias. ”
Logo, caso fosse possível a usucapião de imóveis públicos, e se a detenção
dos bens públicos fosse considerada posse, algumas políticas públicas poderiam ser
442
SENNA, 2020. Opus cit.
443
Ibidem idem, p. 126.
444
MURAKAMI, Rodrigo Canevassi; SILVA, Juvêncio Borges. O DIREITO SOCIAL À MORADIA E A
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e
Cidadania, [S. l.], n.5, 2018.
445
SENNA, 2020. Opus cit.
446
Ibidem idem, p. 133.
447
SENNA, 2020.Opus cit.
implementadas de maneira mais eficaz, contribuiria para a luta contra a
desigualdade social. 448
O elemento temporal é o fator determinante que estabelece a viabilidade de
adquirir o bem. Esse aspecto faz com que a usucapião seja o meio de aquisição da
propriedade de bens por meio da ocupação e da posse ao longo de um período
específico.449
No entanto, constatou-se que o reconhecimento da aquisição da propriedade
por meio da usucapião não solucionava os desafios associados ao loteamentos
ilegais ou irregulares, ocupações desorganizadas, favelas, etc., assim fora criada a
usucapião especial urbana coletiva por meio do Estatuto da Cidade (Lei no
10.257/2001), o instituto foi considerado uma inovação, não pelo fato das pessoas
que exerciam a posse juntas pudessem usufruir da usucapião, mas pelo instituto
possuir natureza urbanista e por ser instrumento da política urbana, fundado na
justiça social. 450
Ademais, as políticas públicas, se apresentam como o caminho mais eficiente
para a execução dos direitos sociais, dado seu caráter prestacional, na qual: “[...]
entende-se ser a relação de direito à moradia e de política pública quase que
simbiótica.451
Logo, a usucapião especial urbana, é parte das políticas públicas visando
efetivar o direito à moradia por meio do exercício da posse, sendo que qualquer
imperfeição durante o processo de elaboração de políticas públicas pode gerar
sérios obstáculos à concretização dos direitos sociais. 452
Por fim, a alteração na natureza da posse está fundamentada no princípio da
função social, uma vez que a Constituição Federal vincula o direito de propriedade a
um propósito social. Desta maneira, reconhece-se o valor do possuidor que, ao
conferir alguma utilidade ao bem, se apresenta em conformidade com as
disposições constitucionais. 453
Portanto, a segurança da posse assegura que um indivíduo ou um grupo
possuem a certeza de contar com a proteção legal da posse, evitando despejos
448
Idem idem.
449
ELUAN; FERREIRA; MARINI FILHO, 2021.
450
PEREIRA, 2011. Opus cit.
451
FRANCO, 2016, p.77. Opus cit.
452
FRANCO, 2016. Opus cit.
453
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das coisas. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
forçados e prevenindo as ameaças ou violações ao direito à moradia, pois ausente o
exercício do direito, a dignidade da pessoa humana é violada. 454
CONSIDERAÇÕES FINAIS
454
MASTRODI, Josué; ALVES, Enderson dos Santos. A segurança jurídica da posse como
pressuposto do direito fundamental à moradia. Revista de Direito da Cidade. v. 9, n. 1, 2017.
urbanísticas e políticas habitacionais, mesmo assim não foi o suficiente para sanar o
problema habitacional.
A moradia em si, sempre manteve esse teor lucrativo, aos poucos foi
acrescentado o seu valor social por meio da Declaração Universal de Direito
Humanos de 1948 e em vários pactos internacionais que ocorreram posteriormente,
contribuíram para o reconhecimento do direito à moradia na Constituição Federal de
1988 através da Emenda Constitucional n. 26 de 14 de fevereiro de 2000,
postulando à moradia como direito social fundamental pertencente à toda pessoa
humana.
O direito à moradia como vimos, não basta apenas residir em determinado
local, é necessário possuir a segurança, intimidade, privacidade para que o indivíduo
e sua família possam residir com dignidade, pois o direito à moradia está ligado
intrinsecamente a dignidade da pessoa humana, considerada parte do mínimo
existencial do indivíduo.
Entretanto, esse direito é constantemente não respeitado, visto o número
alarmante do déficit habitacional, sendo que é obrigação do Estado proporcionar o
seu acesso, ademais o acesso à moradia por meio das políticas habitacionais,
necessita de uma contraprestação monetária, colaborando que o acesso à moradia
digna não se torne totalmente acessível.
A Constituição Federal de 1988 ao elencar a importância da propriedade
privada observar a sua função social, visou diminuir a desigualdade social, buscando
frear a especulação imobiliária, principalmente do cenário urbano ao atribuir que o
uso do imóvel deve ser em favor da coletividade.
Em razão da realidade brasileira que foi estudada neste trabalho,
identificando um grande número de bens imóveis sem qualquer tipo de ocupação em
contrapartida ao número de pessoas vivendo sem dignidade e com risco de vida
diariamente.
O instituto da usucapião especial urbana é fruto dessa mudança focada no
aspecto social da moradia que por anos foi sendo negligenciada. Com o advento da
Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Cidade e da Lei 12.424/ 2011,
possibilitaram a criação da usucapião especial urbana e suas modalidades voltadas
especialmente quem visa usucapir o bem em áreas urbanas.
A usucapião é considerada uma forma originária de aquisição da propriedade
para aquele que exercer sua posse por um certo tempo, sem oposição do verdadeiro
dono. Ademais, a usucapião se mostra um meio alternativo de obter o imóvel, sem
necessitar dos programas habitacionais instituídos pelo governo.
Mesmo com sua recente criação, a usucapião especial urbana possibilitou um
novo olhar nas formas de aquisição da propriedade imóvel, principalmente para as
camadas mais pobres do nosso país, visto que são as pessoas que mais sofrem
com o déficit habitacional no Brasil.
Além de proporcionar o acesso à moradia, consequentemente a propriedade
do bem usucapido, a usucapião urbana favorece as pessoas de baixa renda que
vivem cotidianamente em moradias precárias, ilegais e na clandestinidade, sendo a
realidade da maioria dos brasileiros.
Além disso, a usucapião possibilita que a função social da propriedade seja
respeitada ao destinar uma utilidade ao bem que se manteve inerte, beneficiando
aquele que atribuiu um propósito ao imóvel, assim elencando a importância da
moradia em relação à propriedade, visto que não é considerado um direito absoluto.
A usucapião especial urbana também faz parte da política urbana das
cidades, não apenas faz com que seja cumprido a função social da propriedade,
mas também a função social das cidades, visto que a mesma contribui para a
organização e a adequada ordenação dos municípios por meio da regularização das
habitações, possibilitando que os imóveis cumpram o seu papel social.
Ademais, além de garantir o acesso à moradia a usucapião, é considerada
forma de garantir a efetivação da regularização e urbanização dos núcleos urbanos
informais trazendo segurança da posse e como maneira de realizar o
desenvolvimento da função social da propriedade urbana, especialmente pela
modalidade da usucapião especial urbana.
Embora o começo tenha sido desafiador para reconhecer os bens usucapidos
pela modalidade da usucapião urbana coletiva, a nova redação do artigo 10 do
Estatuto da Cidade, sanou a questão da prescrição aquisitiva e a divisibilidade da
área informal, proporcionando a segurança e a moradia.
A usucapião familiar, apesar de suas críticas, ela concedeu a garantia do
acesso à moradia para o cônjuge ou companheiro que foi abandonado, além de
trazer a proteção e segurança para a criança e ao adolescente, proporcionando um
local seguro assegurando a dignidade da pessoa humana.
Neste trabalho foi demonstrado como a proibição de usucapir bens públicos
demonstra ser um atraso em relação para as famílias que ocupam terras públicas
sem destinação, uma vez que são considerados detentores, não possuidores, logo a
modalidade de usucapião, em especial, a coletiva não abrange essas famílias,
nunca ocorrerá a segurança jurídica da posse.
Por fim, o reconhecimento da usucapião pela via extrajudicial, demonstra um
meio de facilitar a aquisição do imóvel usucapido quando possui concordância das
partes envolvidas, sem necessitar de processo judicial.
Ademais, a usucapião urbana possibilita a segurança da posse por meio do
reconhecimento da aquisição do bem por determinado lapso de tempo, pois uma vez
reconhecida, a pessoa possui a ciência que não poderá ser despejada ou retirada do
imóvel pelo dono anterior, caso ocorra.
Logo, este trabalho foi relevante para apresentar a usucapião especial como
forma de aquisição dos bens imóveis, diante das tímidas políticas habitacionais e o
cenário atual do déficit habitacional, possibilitando que o direito constitucional à
moradia seja cumprido, além disso garante que a função social da propriedade seja
cumprida e a dignidade da pessoa humana seja respeitada.
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SILVESTRE, Gilberto Fachetti. As alterações da lei n. 13.465/2017 na usucapião
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da Cidade, vol. 11, nº 2. ISSN 2317-7721 pp. 337-367, 2019.
SOUZA, Deisi Catarina Lima de. Política urbana: a eficácia da usucapião especial
urbano coletivo na garantia do direito social à moradia. Revista Direito, Cultura e
Cidade – CNEC. Osório/facos. v.3.n.2, 2013