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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

VICTÓRIA HENDGES IVO

A ARQUITETURA HOSTIL COMO OFENSA AO DIREITO À CIDADE

SÃO PAULO

2022
VICTÓRIA HENDGES IVO

A ARQUITETURA HOSTIL COMO OFENSA AO DIREITO À CIDADE

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de


Direito, da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Dra. Lilian Regina Gabriel Moreira Pires

SÃO PAULO

2022
VICTÓRIA HENDGES IVO

A ARQUITETURA HOSTIL COMO OFENSA AO DIREITO À CIDADE

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de


Direito, da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Aprovado(a) em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________
Examinador(a):

__________________________________________________________
Examinador(a):

__________________________________________________________
Examinador(a):
RESUMO

Consideram-se formas de arquiteturas hostis um conjunto de estratégias de controle social


que, através da arquitetura, do design e da configuração do espaço público, pretendem excluir
grupos considerados indesejáveis e, portanto, passíveis de repressão e afastamento do
convívio social. Por sua vez, o Direito à Cidade pode ser definido como o direito humano
interdependente, que consiste no usufruto equitativo das cidades, dentro da observância de
parâmetros de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. Tendo esses conceitos
em vista, a presente monografia buscou elucidar o paralelo eminente entre a arquitetura hostil
e o Direito à Cidade, Mais especificamente, a presente pesquisa visou esclarecer os motivos
pelos quais o emprego de técnicas de arquitetura hostil consistem em uma ofensa ao Direito à
Cidade e verdadeiro óbice à sua concretização, bem como suas consequências para a essência
do espaço público e para as relações sociais que permeiam a cidade. Para tanto, utilizou-se
como principal método a pesquisa bibliográfica, em que foi analisado o fenômeno da
arquitetura hostil e suas consequências na sociedade a partir de um estudo profundo da
legislação vigente e da literatura sobre o assunto, partindo de uma revisão bibliográfica
composta pelos principais autores e da área. Por fim, a pesquisa constatou que a arquitetura
hostil viola o direito à cidade e é verdadeira óbice à sua concretização, na medida em que não
traz nenhuma solução para o problema das pessoas em situação vulnerável, além de ser
instrumento de segregação e exclusão social.

Palavras – chaves: Arquitetura hostil. Direito à Cidade. Direito Urbanístico.


ABSTRACT

Hostile architectures are considered to be social control strategies that, through architecture
and design, intend to exclude groups considered undesirable and, therefore, liable to
repression and removal from social life. In turn, the Right to the City can be defined as the
interdependent human right, which consists in the equitable use of cities, within the
observance of parameters of sustainability, democracy, equity and social justice. With these
concepts in view, this monograph sought to elucidate the eminent parallel between hostile
architecture and the right to the city. More specifically, the present research aimed to clarify
the reasons why the use of hostile architecture techniques consist of an offense to the right to
city is a real obstacle to its realization, as well as its consequences for the essence of public
space and for the social relations that permeate the city. In order to do so, the bibliographic
research was used as the main method, in which the phenomenon of hostile architecture and
its consequences in society was analyzed from a deep study of the current legislation and the
literature on the subject, starting from a bibliographic review composed by the leading authors
in the field. Finally, the research found that hostile architecture violates the right to the city
and is a real obstacle to its fulfillment, as it does not bring any solution to the problem of
people in vulnerable situations, in addition to being an instrument of segregation and social
exclusion.

Keywords: Hostile architecture. Right to the City. Urban Law.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Spikes de concreto sob uma ponte ................................................................ 31

Figura 2 – Pedras sob um viaduto .................................................................................. 31

Figura 3 – Banco segmentado ....................................................................................... 31

Figura 4 – Painel metálico com nervuras ...................................................................... 31

Figura 5 – Padre Júlio Lancelotti quebrando os paralelepípedos, localizados na parte inferior


dos viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, Zona Leste de
São Paulo ....................................................................................................................... 32
Figura 6 – Padre Júlio Lancelotti quebrando os paralelepípedos, localizados na parte inferior
dos viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, Zona Leste de
São Paulo ....................................................................................................................... 32
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 6
1 A CIDADE COMO OBJETO DE PROTEÇÃO NORMATIVA ....................... 7
1.1 PRECEDENTES E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CIDADE ...... 7
1.2 A CONCEPÇÃO ATUAL DE CIDADE ............................................................ 11
1.3 A CIDADE COMO OBJETO DE PROTEÇÃO NORMATIVA ....................... 14
2 ANTECEDENTES DO DIREITO À CIDADE E O DIREITO À CIDADE NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.................................................................................... 22
3 A “ARQUITETURA HOSTIL” E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA DINÂMICA
URBANA E SOCIAL ................................................................................................... 30
3.1 A DEFINIÇÃO E ABRANGÊNCIA DE “ARQUITETURA HOSTIL”. ........... 30
3.2 A ARQUITETURA HOSTIL COMO OFENSA AO DIREITO À CIDADE .... 35
3.3 AS CONSEQUÊNCIAS DA ARQUITETURA HOSTIL NA DINÂMICA URBANA
E SOCIAL. .................................................................................................................. 41
CONCLUSÃO............................................................................................................... 45
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 47
6

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa dedicou-se a analisar como técnicas de design e configuração do


espaço urbano excludentes – no caso, a arquitetura hostil – são óbice à concretização do
Direito à Cidade, a partir de sua definição em âmbito internacional e nacional. Além disso,
buscou-se esclarecer de que forma a arquitetura hostil interfere negativamente no
comportamento urbano e na dinâmica social.
A pesquisa tem como justificativa principal a análise da arquitetura hostil - que se
materializa por meio de edificações, barreiras e obstáculos com evidente objetivo de excluir
do convívio comunitário grupos sociais vulneráveis – e de que forma ela é conflitante com o
direito à cidade.
No contexto social, o trabalho tem como escopo colocar em evidência a problemática
da arquitetura hostil, principalmente no que tange ao seu caráter excludente e suas
consequências nocivas à vida urbana. Paralelamente, outro objetivo da presente pesquisa é
conscientizar a sociedade a respeito dos meios pelos quais é possível reforçar o preconceito e
da discriminação na cidade, em clara violação ao direito à cidade.

No que concerne ao percurso teórico da pesquisa, inicialmente, o trabalho apresenta


um panorama histórico das cidades, perpassando por sua definição em diversos períodos da
história mundial, bem como conceituou o que se entende por “cidade” atualmente. Após,
busca-se traçar o caminho percorrido pelo direito, tanto o externo quanto o interno, no que
tange à positivação de prerrogativas e garantias inerentes à vida na cidade. Aqui também é
escopo da presente pesquisa mostrar de que modo e em que momento o usufruto da cidade
atingiu o status de “direito”, ascendendo, inclusive, ao patamar de direito humano.
Em um segundo momento, já tendo sido introduzidas o conceito de cidade e a sua
posição na legislação, a pesquisa irá se debruçará sobre as definições de “arquitetura hostil” e,
posteriormente, de que modo a arquitetura hostil representa uma ofensa ao exercício pleno e
saudável do direito à cidade.
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1 A CIDADE COMO OBJETO DE PROTEÇÃO NORMATIVA

1.1 PRECEDENTES E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CIDADE

A cidade, tal qual conhecemos hoje, é reflexo de inúmeras mudanças socioeconômicas


que, invariavelmente, exigiram da espécie humana um esforço em se agrupar de modo
organizado para fins de sua própria sobrevivência e progresso. Nesse sentido, a noção de
“cidade” não foi construída através dos séculos de modo homogêneo e linear. Na realidade, se
trata de um fenômeno paulatino, cujas nuances e características surgiram a partir de
gradações, até chegarmos em sua configuração atual.
A forma mais incipiente da cidade como concebemos atualmente remonta ao período
da Grécia antiga. A religiosidade presente nas civilizações antigas foi um fator primordial
para o surgimento de um princípio rudimentar de “cidade”. Nesse momento, o cerne da
sociedade estava restrito ao ambiente familiar, de modo que cada família estipulava suas
próprias regras e possuía um modo particular de se conectar com o sagrado. Uma vez que
inexistia uma ideia de unidade e semelhança capaz de unir duas famílias de modo sólido, cada
família possuía seus próprios deuses e rituais, restritos ao âmbito doméstico.
Muito embora a religião doméstica proibisse que duas famílias se misturassem, era
possível que elas, sem renunciarem qualquer prática de sua religião particular, se unissem, ao
menos para fins de celebração de algum culto que lhes fosse comum. Neste seguir, a formação
de grupos foi consequência natural desse intercâmbio de práticas, ao qual a língua grega deu o
nome de fratria e a latina o de cúria. Contemporaneamente à união das famílias, e em
consequência dessa união, foi concebida também uma divindade superior e comum ao núcleo
familiar, que deveria velar a todos, em substituição aos deuses domésticos antigamente
cultuados.
Fustel de Coulanges, em sua obra “A Cidade Antiga”, retrata de maneira didática a
dinâmica que deu origem às fratrias (1998, p. 45-46):

Não havia cúria ou fratria sem o seu altar e o seu deus protetor. Ali o ato
religioso era da mesma natureza do realizado em família. Consistia
essencialmente na refeição em comum; o alimento, tendo sido preparado
sobre o próprio altar, era, por consequência, sagrado, e comia-se recitando
algumas orações; a divindade estava presente e recebia a sua parte de
alimentos e de bebidas.
(...)
Estas práticas dão-nos a perceber como os antigos acreditaram que todo o
alimento preparado sobre o altar e compartilhado entre muitas pessoas
estabelecia entre estas um vínculo indissolúvel e sagrada união só acabada
com a morte.
8

Cada fratria ou cúria tinha seu chefe, curião ou fratriarca, cuja principal
função era a de presidir os sacrifícios. Talvez, originariamente, suas
atribuições tivessem sido mais amplas. A fratria tinha suas assembleias, as
suas deliberações, e podia promulgar decretos. Na fratria, como na família,
havia um deus, um culto, um sacerdócio, uma justiça e um governo. Era
como uma pequena sociedade modelada exatamente sobre a família.

Verifica-se, portanto, que a desenvoltura da religião e da sociedade humana ocorriam


paralelamente, estando uma intrinsecamente conectada à outra, de modo que, gradativamente,
formou-se um ambiente propício ao processo de fusão de grupos, em virtude das práticas
sociais que gravitavam ao redor de um mesmo centro de culto ou de um santuário.
O curso natural de tais associações para fins religiosos culminou na gradativa
expansão em que muitas cúrias, ou fratrias, se agruparam, formando-se assim a tribo.
A tribo, assim como a fratria, possuía suas assembleias e seus decretos, aos quais
todos os seus membros estavam submetidos. Ainda havia a presença de um tribunal e uma
jurisdição sob seus membros. Em suma, a tribo, em sua essência, foi concebida como uma
sociedade independente, com plena autonomia para direcionar e regular a vida de seus
integrantes conforme a conveniência dos líderes.
Destarte, a civilização humana tem na sua gênese, precipuamente, a junção de
pequenos grupos independentes anteriormente constituídos. No entanto, ao passo em que
existiu a associação destes diversos grupos, nenhum perdeu a sua identidade, tampouco sua
independência.
Nas palavras de Fustel de Coulanges (1998, p. 49):

Ainda que se reúnam muitas famílias em uma só fratria, cada uma se


mantém constituída como na época do seu isolamento; coisa alguma lhes faz
alterar o culto, o sacerdócio, o direito de propriedade ou a sua justiça interna.
Em seguida, associam-se as cúrias, mas continuando a ter cada uma o seu
culto, as suas reuniões, as suas festas e o seu chefe. Da tribo passa-se à
cidade, mas as tribos, por essa mesma razão, não são dissolvidas e cada uma
continua a formar um corpo, pouco mais ou menos como se a cidade não
existisse. Em religião, subsistiu grande quantidade de pequenos cultos,
acima dos quais se estabeleceu o culto comum; em política, continuou a
funcionar uma infinidade de pequenos governos, acima dos quais se colocou
o governo comum.

A cidade era uma confederação e, enquanto tal, estava sujeita a princípios de


independência religiosa e civil de seus integrantes. Assim, a cidade, em sua concepção antiga,
não se tratava de um agregado eventual de indivíduos, mas uma coligação de muitos grupos já
previamente constituídos, se tratando de um patamar mais abrangente das famílias, cúrias e
9

tribos. Em outras palavras, a cidade era a associação religiosa e política das famílias e das
tribos.
No entanto, é apenas com o advento da pólis grega que houve a expansão da vida
privada ao âmbito público. A partir desse momento, o espaço urbano e comum a todos os
habitantes tornou-se o centro da vida política. A política, concebida como a aptidão dos
governados para participar na negociação, era incumbência dos cidadãos habitantes da pólis, e
envolvia diversos processos de desenvolvimento e manutenção do poder de dirigência do
ambiente público. Como bem esclareceu Magareth Leister (2006, p. 18), “ao cidadão era
permitido participar de assembleias e ser designado para cargos públicos, bem como possuir
terrenos no interior da polis”.
O privilégio da cidadania era obtido por nascimento, de maneira que o grego usufruía
da cidadania da pólis a que pertenciam os seus pais. Fundamentalmente, os cidadãos membros
da polis eram a única classe detentora do direito de participar da vida política da cidade-
estado e das pautas públicas. Necessário, ademais, distinguir a conceituação de “cidadania”
antiga da atual, pois a cidadania não envolvia prerrogativas e obrigações a serem observadas
por um indivíduo na vida em sociedade, e sim um espírito de familiaridade para com os seus
iguais.
As pólis estabelecidas na Grécia antiga, para além de significarem uma mera
organização demográfica de várias famílias distintas, foram terreno fértil para que os gregos
passassem a debater; elaborar e transformar as leis que regiam o seu cotidiano, e,
invariavelmente, pensar a vida em sociedade.
Enquanto na civilização grega a ideia de cidade estava atrelada à unidade de pessoas
da mesma família e, posteriormente, a segregação da cidade como espaço restrito aos
cidadãos da pólis, em Roma, a cidade era uma confluência de pessoas com religiões, etnias e
status diferentes, cuja única concordância era a submissão à mesma lei. Em síntese, aquilo
que regia o espaço público e a vida em sociedade não eram preceitos inatos, mas sim um
objetivo: a expansão do Império Romano.
Para os romanos, a compreensão do espaço perpassava por uma dualidade,
correspondente à sua experiência para com ele. Nesses termos, havia o espaço sagrado, aquele
que era habitado e enxergado como expressão da ordem interna e submetido aos comandos de
Roma, e o profano, sem estrutura, nem consistência, povoado por seus inimigos ou
simplesmente desabitado.
10

A fundação de uma cidade envolvia um processo de emergência do sagrado no mundo


profano e caótico. Era necessário também um fundador, geralmente uma personagem
“histórica”. Após este ritual de escolha do fundador, passava-se à fase de construção dos
muros e demais estruturas da cidade. As pedras sob as quais as cidades eram construídas eram
uma forma de proteção não só contra os povos inimigos, mas também contra os mortos,
enterrados fora da cidade.
Nas palavras de Ana Paula Santana Filgueira (2015, p. 84):

Os portões das cidades romanas ficavam sob a guarda de um deus protetor,


mesmo assim todos eram protegidos por Jano, deus de todos os começos e
todas as aberturas e chamado também de “universo”. Por marcar os limites
entre um espaço revestido de significação e do espaço sem ordem, os portões
carregavam em si um poder ameaçador – atravessa-lo era um ato religioso,
pois o homem saia do Cosmos e se aventurava em meio ao Caos, território
não romano.

A forte presença dessas liturgias deixa evidente que a cidade romana, enquanto noção
no imaginário de seus habitantes, não possuía apenas uma existência física, mas alcançava um
plano sobrenatural. Uma vez que a cidade possuía uma existência peculiarmente religiosa,
assim como ela deveria ser fundada por meio de rituais, devia ser igualmente destruída por
meio de cerimônias, ainda que seus rivais não compactuassem com suas práticas religiosas. A
destruição física da cidade era insuficiente: era necessário que fosse desfeita segundo os ritos
adequados.
Posteriormente, já na época feudal, inaugurada com a queda do Império Romano no
século V, verificou-se uma desarticulação do padrão urbano anteriormente estabelecido. A
ausência de um poder político central acarretou um enfraquecimento das relações interurbanas
e, consequentemente, o sucateamento de alguns setores comerciais.
Uma das características mais marcantes do feudalismo, em termos socioeconômicos, é
sua base econômica predominantemente agrícola. Aqui, a terra passou a ser a única fonte de
sustento e, consequentemente, indicativo de riqueza. Conforme a lição de Maria Encarnação
B. Sposito (2022, p. 27), “a produção artesanal, antes localizada na cidade, volta a se fazer no
campo, nos limites do feudo, garantindo que toda organização social do novo modo de
produção esteja assentada na posse da terra”.
Assim, conclui-se que o cerne da cidade antiga residia na expressão do contexto
histórico em que o homem vivia. Para além de constituir um espaço de encontro do sacro com
o mundano, envolvia a experiência do homem consigo mesmo e com os seus semelhantes.
11

1.2 A CONCEPÇÃO ATUAL DE “CIDADE”

O desenvolvimento expressivo das cidades e das formas de vida urbana é um dos


fenômenos que melhor caracteriza nossa civilização contemporânea. Como demonstrado no
capítulo anterior, o surgimento e evolução das cidades não é um feito recente, mas, na
verdade, é produto de um longo processo histórico, influenciado diretamente por mudanças
políticas, econômicas e sociológicas, que culminou no que hoje verificamos e experienciamos
como sendo a cidade.
Sendo assim, a cidade vai muito além de um conglomerado de casas, carros, shoppings
centers, mas consubstancia-se também na divisão social, na materialização as relações
históricas e sociais entre sua população. Nesse sentido, sua definição poderá ser assimilada a
partir de diversas facetas e nuances.
De um lado, a cidade conserva uma noção estritamente conectada com a área física,
com o solo que ocupamos, com o projeto e design sobre a qual foi edificada. Para Ana Fani
Alessandri Carlos (2021, p. 50):

A cidade é, antes de mais nada, trabalho objetivado, materializado, que


aparece através da relação entre o “construído” (casas, ruas, avenidas,
estradas, edificações, praças) e o “não construído” (o natural) de um lado, e
do movimento de outro, no que se refere ao deslocamento de homens e
mercadorias. A paisagem traz as marcas de momentos históricos diferentes
produzidos pela articulação entre o novo e o velho.

Destarte, a cidade também pode ser concebida a partir de sua paisagem, ou seja, o
conjunto de elementos naturais e artificiais, ordenados e distribuídos sobre uma porção
territorial, que se prestam a caracterizar fisicamente uma determinada área.
Ainda, a cidade atual, conforme preceitua Ana Fani (2021, p. 69), “é essencialmente o
locus da produção, concentração de meios de produção, do capital, da mão de obra, mas é
também concentração de população e bens de consumo coletivo”. Sob outra ótica, a cidade
também carrega um significado enquanto empreendimento, se prestando a satisfazer às
necessidades individuais e coletivas dos vários setores de sua população. O “espaço, uno e
múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo
valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada
pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem” (SANTOS, 2006, p. 67). A cidade, à
medida que trata-se de uma construção humana e produto da vida em sociedade, é também a
ocupação do solo e sua transformação gradual em meio de produção, consumo e habitação.
12

Portanto, verifica-se que paisagem e espaço – entendidos aqui como componentes da


cidade – não são sinônimos. A diferenciação entre ambos os conceitos foi feita
magistralmente pelo professor Milton Santos (2006, p. 67):

A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais -concretos. Nesse


sentido a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes,
uma construção transversal. O espaço é sempre um presente, uma construção
horizontal, uma situação única. Cada paisagem se caracteriza por uma dada
distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico.
Já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso,
esses objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de
significação, de valor sistémico. A paisagem é, pois, um sistema material e,
nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores,
que se transforma permanentemente. O espaço, uno e múltiplo, por suas
diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo
valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento,
atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem.

Inclusive, aqui reside o cerne da presente monografia: a paisagem e seus elementos


constitutivos, isoladamente considerados, não possuem impactos práticos na vida social além
de sua própria materialidade. No entanto, a paisagem é um instrumento da sociedade, que está
à mercê de suas vontades, sentimentos, necessidades e ideologias. Conforme será
demonstrado adiante, a arquitetura hostil envolve a estruturação de um tipo particular de
paisagem, visando afastar grupos específicos de determinadas localidades dentro da cidade e,
em maior ou menor grau, do convívio social. Assim, a arquitetura hostil enquanto fato,
invariavelmente, é uma característica marcante do espaço urbano atual.
Sob essa perspectiva, o ambiente da cidade se relaciona diretamente com seus
habitantes, sua história, suas expectativas e suas necessidades, de modo a formar um todo
interdependente. Em outras palavras, a abrangência da acepção física da cidade perpassa os
limites geográficos e influencia a sociedade em seu modo de operar.
Afora sua concepção filosófica, o direito brasileiro tratou de delimitar o conceito de
cidade. Em verdade, aqui, a perspectiva e abrangência das cidades é melhor delimitada, de
modo que nem toda organização geral da sociedade pode receber o título de “cidade”.
Para o direito brasileiro, a cidade é um conjunto de subsistemas administrativos,
comerciais, industriais e sócio-culturais no sistema nacional como um todo. Sob sua acepção
de subsistema administrativo, a cidade é o local sede da vida pública, bem como do governo
regional. Em contrapartida, a cidade assume um viés de subsistema comercial por possuir a
função de mola propulsora do comércio e da indústria. Por fim, sua atuação como subsistema
sócio-cultural perfaz-se em seu potencial de ser um ambiente propício ao desenvolvimento de
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instituições educacionais, religiosas, culturais e sociais, promovendo a interação social e a


vivência em comunidade.
Conforme preceitua José Afonso da Silva (2010, p. 26):

Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de


sistemas político-administrativo, econômico, não-agrícola, familiar e
simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja a sua
população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de
ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.

Verifica-se, portanto, que o sentido de cidade está diretamente atrelado à forma de


Estado adotada no cenário constitucional. Nos regimes unitários, em que se identifica uma
centralização política, inexiste divisão geográfica e, por conseguinte, inexiste também
autonomia. Por não existirem entes federativos, em um regime unitário, as cidades são os
polos do país em que se centraliza o processo de desenvolvimento. (SILVA, 2010, p. 24-25)
Por outro lado, em uma federação, o país é repartido em entes autônomos, de modo que cada
ente comporta, ao longo de sua extensão territorial, várias cidades.
Em se tratando do Brasil, nosso país adotou a federação de três graus, conforme
estabelecido nos artigos 1º e 18 da Constituição Federal. Nesses termos, a República
Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, todos autônomos politica, econômica e administrativamente entre si.
Com isso, pode-se dizer que o sentido de cidade no atual cenário é resultado da
conversão de determinado conglomerado populacional em Município. Contudo, importante
ressaltar que “cidade” e “municípios” não são sinônimos. A cidade é o núcleo urbano em que
se situa a sede do governo municipal e de onde emana o desenvolvimento dos sistemas de
natureza política, administrativa, social e econômica. Os municípios, por sua vez, são entes
político-administrativos da Federação, sendo também considerados pessoas jurídicas de
direito público interno, conforme determinação do inciso III do artigo 41 do Código Civil:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:


I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de


direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se,
no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.
14

Ainda no que tange aos municípios, a Constituição Federal estabelece que a criação de
municípios exige o reconhecimento pelos respectivos Estados em que estão inseridos, sendo
matéria de lei estadual a instituição da autonomia municipal. Em outras palavras, somente
depois de aprovada, mediante lei estadual, a criação de determinado município, é que ele
adquirirá personalidade jurídica de direito público interno e autonomia política, administrativa
e financeira.

1.3 A CIDADE COMO OBJETO DE PROTEÇÃO NORMATIVA

O Direito, na qualidade de instrumento social de mudança e emancipação, tem como


objetivo satisfazer as necessidades sociais, dentro das exigências da justiça e os outros valores
legais nela contidos, tais quais o reconhecimento e a garantia da dignidade da pessoa humana,
de sua autonomia, das suas liberdades básicas, a promoção do bem-estar geral ou do bem
comum.
Roscoe Pound, célebre jurista norte-americano, defendia a tese de que o Direito realiza
uma tarefa de engenharia social, no sentido de operar para a harmonização de interesses em
conflito, visando a efetivação dos fins sociais, favorecendo a coesão e integração dos
indivíduos que fazem parte de uma dada estrutura social. Ainda, o Direito representaria um
arcabouço amplo de conhecimentos e de experiências, para muito além de um corpo de
regras. O Direito trata-se de regras, princípios e padrões de conduta, orientadas para a tomada
de decisões eficientes (POUND, 1950, p. 206). O Direito, por sua natureza, assume a forma
de organizador da estrutura normativa da sociedade, regulando a conduta dos indivíduos que
compõem esse núcleo social, intervindo para solucionar conflitos de interesses que
eventualmente surjam entre esses mesmos indivíduos.
No entanto, o Direito, em toda a sua abrangência e significado, consubstancia-se em
diversas frentes, servindo como instrumento para finalidades distintas. Conforme as
definições de Carlos Camillo (2019, p.56), em seu livro “Manual de Teoria Geral do Direito”,
essas finalidades são as seguintes: (i) integração ou controle social, (ii) resolução de conflitos,
(iii) legitimação do poder; e (iv) transformação social.
O Direito em sua função de integração, controle e organização social se presta a
orientar os comportamentos dos indivíduos, de modo que sua finalidade precípua é fomentar
ou manter a coesão social.
15

A efetivação da função integrativa do Direito se dá mediante algumas técnicas, tais


quais as técnicas (i) repressivas; (ii) preventivas; (iii) organizadoras, diretivas ou reguladoras
e de controle público; e (iv) técnicas promocionais.
As técnicas repressivas visam, essencialmente, reparar um prejuízo verificado, punir o
agente causador do dano e, ainda, evitar e desestimular a prática do evento danoso. Para que
tal técnica seja colocada em prática, exige-se a ocorrência da violação a um direito. Por outro
lado, as técnicas preventivas buscam resguardar um direito que, muito embora ainda não
tenha sido violado, corre o risco de ser. As técnicas organizadoras, diretivas ou reguladoras e
de controle público evidenciam a manutenção da ordem, da segurança e da paz social como
objetivos do Direito, principalmente por meio da definição de direitos fundamentais e
instituição de competência de cada ente político. Por fim, as técnicas promocionais visam, a
partir de leis de incentivo e contrapartidas, incentivar os indivíduos a aderirem determinadas
condutas socialmente necessárias.
No que concerne à segunda finalidade do Direito, a resolução de conflitos consiste no
processo, formal ou informal, em que duas ou mais partes se valem para chegar à uma solução
pacífica do litígio que as opõe. Tal processo poderá ser instrumentalizado por meio da
mediação, conciliação, arbitragem ou pela própria jurisdição.
A ideia de Direito como legitimador do poder é bem ilustrada na obra de Max Weber
(2010, 69-72), que ensina que o conceito de legitimidade é o que diferencia os vários tipos de
dominação. Para ele, existem três fundamentos que dão supedâneo à legitimidade da
dominação política, quais sejam: (i) fundamento tradicional; (ii) fundamento carismático, que
se baseia na crença em qualidades especiais de uma pessoa, bem como sua capacidade de
persuasão; e (iii) fundamento racional, advinda de uma crença na legalidade. Nos dias atuais,
o fundamento racional é aquele que impera: o Direito, outorga legitimidade aos órgãos e
autoridades públicas, mediante normas formalmente positivadas pelo Estado.
Por fim, a função catalisadora de mudanças sociais do Direito demonstra-se,
precipuamente, por via dos direitos humanos fundamentais. Os direitos humanos
fundamentais, tal como são concebidos atualmente, resultam da integração de diversas ideias
que possuíam, como ponto comum, a necessidade de restrição dos abusos de poder praticados
pelo Estado e por suas autoridades, além da instituição dos princípios norteadores da
igualdade e da legalidade.
16

Frisa-se que a ideia de direitos fundamentais precede o surgimento do fenômeno do


constitucionalismo, que, em momento posterior, a partir da vontade popular, positivou um rol
mínimo de direitos humanos.
Aqui, faz-se necessária uma breve diferenciação: frequentemente emprega-se a
expressão “direitos humanos” para referir-se à proteção que a ordem jurídica interna concede
aos submetidos à jurisdição de um determinado Estado. No entanto, tecnicamente falando,
falamos em “direitos humanos” quando estamos diante de uma proteção a tais direitos em
âmbito internacional.
Nesse seguir, a proteção jurídica dos direitos das pessoas pode emanar tanto da ordem
interna (estatal) ou quanto da ordem internacional. Quando a ordem interna estabelece
diretrizes para resguardar os direitos de um cidadão, fala-se em proteção de um direito
fundamental da pessoa. Em contrapartida, quando uma norma internacional protege esse
mesmo direito, esse direito possui o status de direito humano.
Essa diferenciação terminológica encontra sua razão de existir no movimento de
replicação dos direitos fundamentais à comunidade internacional, conforme a lição de Valerio
de Oliveira Mazzuoli (2021, p. 25):

No momento em que os direitos fundamentais (internos) começaram a ser


replicados ao nível do direito internacional público, a partir da intensificação
das relações internacionais e da vontade da sociedade internacional em
proteger os direitos das pessoas numa instância superior de defesa contra os
abusos cometidos por autoridades estatais, o que levou os direitos de índole
interna (fundamentais) a deterem o novo status de direitos
internacionalmente protegidos (direitos humanos). Para além disso, tais
direitos conquistaram amplitude maior do que a originalmente consagrada
aos direitos fundamentais (v. item 3, infra). A partir desse momento, os
direitos humanos (cuja autonomia já havia sido conquistada) passaram a
versar temas novos e a ampliar a proteção originariamente prevista no
âmbito interno.

Conclui-se, portanto, que os direitos humanos são aqueles salvaguardados pela ordem
internacional, especialmente por meio de tratados multilaterais, globais ou regionais, e se
prestam a proteger o indivíduo contra as violações e arbitrariedades estatais. Possuem também
a função de definir padrões (standards) mínimos de proteção e dignidade para além do plano
jurisdicional interno, de modo que todos os Estados devem observância.
Ainda, os direitos humanos são dotados de características particulares, capazes de criar
uma distinção entre os demais direitos, principalmente aqueles positivados pelo Direito
interno de cada país. Essas características são as seguintes:
17

a) Historicidade: Os direitos humanos são históricos, ou seja, foram (e são)


construídos ao longo do tempo. Tal característica nos permite compreender os direitos
humanos como um conjunto normativo, emergente da necessidade de proteção da pessoa
humana e verdadeiro fruto de lutas históricas, e não como uma sucessão de direitos, em que
há uma substituição entre eles.
b) Universalidade: Ao afirmarmos que os direitos humanos são universais, entende-se
que todas as pessoas são titulares desse direito. A condição de pessoa humana é suficiente
para que se possa invocar a proteção desses direitos, sem qualquer discriminação relacionada
a sua nacionalidade, etnia, sexo, fé, classe econômica, cultura etc.
c) Essencialidade: A essencialidade dos direitos humanos perfaz-se na medida em que
são instrumentos efetivadores da dignidade da pessoa humana. Além disso, possuem uma
posição normativa privilegiada, por admitirem uma interpretação diferenciada.
d) Irrenunciabilidade: Uma vez que os direitos humanos são irrenunciáveis, conclui-se
que, ainda que mediante a permissão de seu titular, qualquer violação não é admitida.
e) Inalienabilidade: Dizer que os direitos humanos são inalienáveis significa que os
direitos humanos não poderão ser objeto de comércio e, consequentemente, não é vedada a
sua alienação ou transferência a outrem.
f) Inexauribilidade: Os direitos humanos têm a plena possibilidade de expansão, pois,
uma vez que seu rol não é taxativo, há margem para que novos direitos sejam reconhecidos e
incorporados à legislação, exatamente como preceitua o parágrafo 2º do artigo 5.º da
Constituição Federal, segundo o qual os “direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
g) Imprescritibilidade: Os direitos humanos, por serem imprescritíveis, não se esgotam
com o passar do tempo. Podem também ser reivindicados a qualquer tempo. Segundo Valerio
de Oliveira Mazzuoli (2021, p. 32), “os direitos humanos não se perdem ou divagam no
tempo, salvo as limitações expressamente impostas por tratados internacionais que preveem
procedimentos perante cortes ou instâncias internacionais”.
h) Vedação do retrocesso: É terminantemente proibido que haja a supressão de direitos
humanos. O arcabouço de direitos humanos deve sempre estar em crescimento e evolução,
não podendo o Estado proteger menos do que já protegia anteriormente. A título
exemplificativo, se uma norma posterior revoga ou declara a nulidade uma norma anterior
mais benéfica, a norma posterior é inválida, justamente por violar o princípio da vedação do
retrocesso. Conforme o voto do Ministro Celso de Mello, quando do julgamento do ARE
18

639337, “o princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de


caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela
formação social em que ele vive”.1
A doutrina costuma dividir os direitos humanos em “gerações”, tendo em vista o
momento histórico e conjuntura sociopolítica que ensejou sua criação. Verifica-se, assim, que
os direitos humanos sofreram “mutações” com o passar do tempo, na medida em que as
preocupações e necessidades da sociedade também foram se transformando.

a) Direitos de Primeira Geração:


O lema revolucionário da Revolução Francesa exprimiu o conteúdo dos direitos
humanos de primeira geração: liberdade. Conforme preceitua Paulo Bonavides (2011, p. 563-
564):

Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a


constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis
e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico,
àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
(...)
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o
indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou
atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o
Estado. Entram na categoria do status negativo da classificação de Jellinek e
fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos a nítida separação
entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se
pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos direitos da liberdade,
conforme tem sido professado com tanto desvelo teórico pelas correntes do
pensamento liberal de teor clássico. São por igual direitos que valorizam
primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da
sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem
jurídica mais usual.

Em suma, os direitos da primeira dimensão, conectados à temática da liberdade,


surgiram como limitadores aos poderes do Estado, visando proteger e as liberdades
individuais. Aqui, verifica-se um dever estatal de “não atuação”, se limitando a não interferir
na esfera privada de cada indivíduo.

b) Direitos de Segunda Geração:


Os direitos da segunda geração têm sua origem no início do século XX e consistem
nos direitos da igualdade. Dentre os direitos conectados à ideia de igualdade, temos os direitos

1
Agravo em Recurso Especial n° 639337; Relator Ministro Celso de Mello; 2ª Turma do Supremo Tribunal
Federal – STF; julgado em 23.08.2011.
19

econômicos, sociais e culturais, assim como os direitos coletivos. Essa geração tem como
gênese a revolução industrial europeia, a Primeira Guerra Mundial e a luta em prol dos
direitos sociais.
Aqui, verifica-se o surgimento das ditas constituições sociais, como a Constituição
Mexicana (1917), e a Constituição da República de Weimar (1919), em que se buscava uma
presença ativa do Estado, que estava incumbido de incorporar e colocar em prática direitos
sociais, trabalhistas, culturais e econômicos.
Para Rodrigo Padilha (2019, p. 243), muito embora os direitos de segunda geração
representem “a esperança da justiça social e de uma vida mais digna do ser humano na
sociedade em que participa, aliada na ideia de uma justiça distributiva e no reconhecimento de
direitos dos hipossuficientes, em busca de uma igualdade material”, esses direitos não são
autoaplicáveis, dependendo diretamente da atuação legislativa e administrativa do Estado.
Por essa razão, os direitos de segunda geração requerem uma prestação estatal
positiva, na medida em que exige ações concretas para a efetivação de tais direitos. Dentre os
quais, se destacam os direitos sociais à saúde, ao trabalho, à alimentação, à educação, ao
salário mínimo, à aposentadoria, e dentre outros.

c) Direitos de Terceira Geração:


Os direitos de terceira geração encontram supedâneo na ideia de fraternidade, deles
fazendo parte, mas não apenas, o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à
comunicação, à paz, à solidariedade e ao patrimônio histórico da humanidade. Aqui, trata-se
de da tutela dos direitos de toda a sociedade, por isso chamados de direitos metaindividuais,
transindividuais, difusos ou coletivos.

d) Direitos de Quarta Geração:


Com o advento de novos avanços tecnológicos e descobertas científicas, a sociedade
foi inserida em um panorama em que, muito embora as três gerações passadas de direitos
humanos não estivessem em declínio, já não eram suficientes para solucionar fatos novos
diante do progresso da humanidade. Por sua vez, a quarta geração de direitos humanos prima
pelo ideal da fraternidade, e é produto da globalização dos direitos fundamentais, de sua
expansão e de sua abertura para todas as pessoas ao redor do globo. São exemplos dos direitos
de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação, o direito do pluralismo, e,
para Norberto Bobbio, o direito à bioética.
20

e) Direitos de Quinta Geração:

Por fim, atualmente, já se fala numa quinta geração de direitos humanos, fundada sob
a concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica. O direito à paz teria um papel
protagonista, surgindo como direito supremo direito da humanidade.
Diante de todo o exposto, e partindo da premissa que o tipo de cidade que buscamos
construir está intimamente conectado às relações sociais que cultivamos, às relações com a
natureza nos satisfazem mais, ao estilo de vida desejamos levar e aos valores estéticos que
buscamos enaltecer, o direito à cidade vai muito além de um direito de perspectiva individual
aos recursos que a cidade incorpora: é o direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo
com nossos mais profundos desejos e necessidades. Além disso, é um direito mais coletivo do
que individual, uma vez que a cidade só encontra seu verdadeiro sentido na vida em
sociedade.
A perspectiva de transformação social que a cidade exige nos tempos atuais pode ser
vislumbrada, especialmente, nos direitos de terceira dimensão. A concretização desses direitos
reclama uma eminente distribuição de recursos na sociedade. Nesses termos, evidente que o
direito à cidade é um direito metaindividual, alocado na terceira dimensão dos direitos
humanos. É, por sua essência, o direito que os cidadãos têm a uma cidade organizada, a um
ambiente harmônico e, principalmente, a um local que proporcione dignidade à pessoa. Em
suma, viabilizar e concretizar o direito à cidade é também dar efetividade à dignidade do
indivíduo.
Pensar a cidade como sendo um espaço coletivo, abrangente, cuja finalidade se
aperfeiçoa em sua fruição universal, apto a abarcar todas as nuances culturais, econômicas e
sociopolíticas da sociedade que a compõe, implica, hoje, utilizar o Direito como instrumento
de mudança social e emancipação. Sobre isso, temos as palavras de Wilson Levy (2021, p.
73):

Pouca dúvida resta sobre a ausência de neutralidade do Direito enquanto


norma. Afinal, produto de relações sociais conflituosas e, principalmente,
resultado final de uma tomada de decisão que é política, o Direito, assim
como a cidade, se apresenta como um retrato fiel de condicionantes
sociopolíticas e econômicas de seu tempo. Daí a importância de que
ordenamentos jurídicos sejam tributários de projetos democráticos densos,
fortemente enraizados no tecido da sociedade. Mas o Direito não é só norma.
Ele é também objeto de interpretação por um conjunto relativamente amplo
de atores sociais, que atuam na lida da sua reivindicação ou, comumente, na
judicialização dos conflitos decorrentes do seu descumprimento.
21

Ainda para o supracitado autor, o direito à cidade, na posição de objeto de proteção


jurídica, representa a positivação e institucionalização das disputas motivadas pela
irresignação social contra a opressão, a desigualdade e as precárias condições materiais de
vida, a cada momento histórico.
Contudo, apesar de sua universalidade, o direito à cidade não está isento de dualidades
e eventuais conflitos delas decorrentes. A coexistência de direitos fundamentais individuais e
coletivos, no âmbito da própria cidade, coloca, muitas vezes, a harmonia em xeque.
Conclui-se, então, que o direito à cidade, tendo em vista seu status de direito
fundamental e sua inseparabilidade dos aspectos que regem a vida em sociedade, conjuga o
complexo de direitos individuais e coletivos em torno de uma finalidade específica, que se
expressa sempre nas necessidades da comunidade e na melhor forma de ponderar as
prerrogativas de cada indivíduo frente à vida pública.
22

2 ANTECEDENTES DO DIREITO À CIDADE E O DIREITO À CIDADE NA


LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O direito à cidade é um conceito cuja origem é muito mais filosófica que propriamente
jurídica, a despeito do termo “direito”. Isto é, antes de vir a ser uma prerrogativa positivada
institucionalmente e passar a compor o arcabouço normativo de determinado país, o direito à
cidade inicialmente surge como uma nova forma de pensar a cidade, a partir de das
necessidades e urgências da sociedade urbana.
Nesse sentido, o slogan do direito à cidade surge em 1968, a partir da obra homônima
do sociólogo e filósofo Henri Lefebvre. O ponto de partida do livro é uma reflexão teórica
sobre a forma como as cidades estão se desenvolvendo nas sociedades capitalistas.
Para o referido autor, as necessidades sociais possuem fundamento essencialmente
antropológico, e servem como molde para as mudanças urbanas. No entanto, a urgência em
organizar as demandas sociais, emergentes com o advento dos grandes centros urbanos, não
se prestaria a reestabelecer a cidade antiga, ou seja, aquela que não foi transformada pelos
processos de industrialização e urbanização intensos a era moderna. A cidade antiga, antes de
mais nada, “era participar de uma vida social, de uma comunidade, aldeia ou cidade. A vida
urbana detinha, entre outras, essa qualidade, esse atributo. Ela deixa habitar, permitia que
citadinos-cidadãos habitassem” (LEFEBVRE, 2010, p. 118). As novas reivindicações sociais,
forjadas pela urbanização, pelo fato de estarem em constante mudança, evidenciaram uma
grande indeterminação da ciência urbana. Em outros termos, seria impossível definir com
clareza o objeto de estudo da ciência urbana, uma vez que a cidade está em uma perpétua
transmutação.
Por essa razão, é impossível restituir aquilo que um dia foi a cidade antiga. A cidade,
como expressão máxima da prática coletiva e suas iminentes ânsias, encontra sua substância
nas próprias mudanças sociais. Essas mudanças não são artificialmente arquitetadas, mas, em
verdade, são um produto orgânico da vida comunitária (LEFEBVRE, 2010, p. 109):

Nas frases precedentes, o “nós” tem apenas o alcance de uma metáfora. Ele
designa os interessados. Nem o arquiteto, nem o urbanista, nem o sociólogo,
nem o economista, nem o filósofo ou o político podem tirar do nada, por
decreto, novas formas e relações. Se é necessário ser exato, o arquiteto, não
mais do que o sociólogo, não tem os poderes de um taumaturgo. Nem um,
nem outro cria as relações sociais. Em certas condições favoráveis, auxiliam
certas tendências a se formular (a tomar forma). Apenas a vida social (a
práxis) na sua capacidade global possui tais poderes. Ou não os possui. As
pessoas acima relacionadas, tomadas separadamente ou em equipe, podem
23

limpar o caminho; também podem propor, tentar, preparar formas. E também


(e sobretudo) podem inventariar a experiência obtida, tirar lições dos
fracassos, ajudar o parto do possível através de uma maiêutica nutrida de
ciência.
(...)
A estratégia urbana baseada na ciência da cidade tem necessidade de um
suporte social e de forças políticas para se tornar atuante. Ela não age por si
mesma. Não pode deixar de se apoiar na presença e na ação da classe
operária, a única capaz de pôr fim a uma segregação dirigida essencialmente
contra ela. Apenas esta classe, enquanto classe, pode contribuir
decisivamente para a reconstrução da centralidade destruída pela estratégia
de segregação e reencontrada na forma ameaçadora dos “centros de
decisão”. Isto não quer dizer que a classe operária fará sozinha a sociedade
urbana, mas que sem ela nada é possível. A integração sem ela não tem
sentido, e a desintegração continuará, sob a máscara e a nostalgia da
integração. Existe aí não apenas uma opção, mas também um horizonte que
se abre ou que se fecha. Quando a classe operária se cala, quando ela não age
e quando não pode realizar aquilo que a teoria define como sendo sua
“missão histórica”, é então que faltam o “sujeito” e o “objeto”. O
pensamento que reflete interina essa ausência.

O direito à cidade, portanto, emerge como um fator decisivo na busca pela reversão da
hegemonia dos valores econômicos, personificados por uma elite cultural, política e
econômica, sobre as funções sociais da cidade e na luta para que a cidade possa ser
experienciada como um espaço de usufruto coletivo. O direito à cidade visa, sobretudo,
enfrentar o caráter discriminatório das relações sociais, atuante em detrimento de grupos
específicos, geralmente desprovidos de bens, propriedade e capital.
O pensamento de Lefebvre (2010, p. 117-118), com relação à abrangência do direito à
cidade, está condensado no seguinte trecho:

O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita
ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à
vida urbana, transformada, renovada. Pouco importa que o tecido urbano
encerre em si o campo e aquilo que sobrevive da vida camponesa conquanto
que “o urbano”, lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no
espaço de um tempo promovido à posição de supremo bem entre os bens,
encontre sua base morfológica, sua realização prático-sensível. O que
pressupõe uma teoria integral da cidade e da sociedade urbana que utilize os
recursos da ciência e da arte. Só a classe operária pode se tornar o agente, o
portador ou o suporte social dessa realização.

Edésio Fernandes (2007, p. 208), ao analisar a trajetória conceitual desenvolvida nas


obras de Henri Lefebvre, afirma que a noção de direito à cidade, da maneira como cunhada
pelo sociólogo, representa muito mais um espectro político-filosófico, sem explorar as
nuances jurídicas do termo.
24

Passando adiante, uma vez introduzido o conceito político e filosófico do direito à


cidade, conforme as ideias de seu idealizador primeiro, a inserção do direito à cidade no
ordenamento jurídico é um fato posterior à consolidação do direito à cidade no cenário
internacional.
A recepção do direito à cidade, a plano internacional, se deu paralelamente ao
desenvolvimento do conceito de direito ambiental, na década de 1970, em que o urbano
começou a ser pensado a partir de uma ótica de sustentabilidade.
Nesse seguir, em 1976, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
Assentamentos Humanos, que ficou conhecida como a Conferência Habitat I, ocorrida em
Vancouver, no Canadá. O encontro buscou desenvolver políticas específicas relacionadas ao
urbanismo de cada país participante, de modo que o principal tema abordado foi a distribuição
mais equilibrada de benefícios às cidades. Foi reconhecida também a necessidade de ouvir a
população sobre as medidas relativas ao futuro do local onde habitam, sempre prezando pelo
respeito aos direitos e aspirações dos habitantes.
Em continuidade à tendência de se pensar a cidade e suas problemáticas a partir de
uma ótica global, ocorreu em 1996, na cidade de Istambul, a Cúpula das Cidades, (Habitat II).
Dela resultou a Declaração de Istambul sobre estabelecimentos Humanos e a Agenda Habitat.
O objetivo principal do Habitat II foi repensar as diretrizes e paradigmas basilares da política
urbana e habitacional, além de direcionar a atuação dos órgãos e agências internacionais para
a persecução da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia e da sustentabilidade
urbana.
Ainda dentro do contexto de encontros e textos internacionais cujo escopo são as
questões urbanas, um dos documentos mais importantes, ao tratarmos da internacionalização
do direito à cidade, é a Carta Mundial do Direito à Cidade, firmada em 03 de setembro de
2007. De acordo com o próprio instrumento, a Carta Mundial do Direito à Cidade é um
“instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas”,
exortando uma junção de esforços de atores públicos, sociais e privados para dar plena
vigência e efetividade a esse novo direito humano, “mediante sua promoção, reconhecimento
legal, implementação, regulação e prática”.
O artigo 1º começa com uma afirmação: é direito de todas as pessoas ter acesso a uma
cidade livre de discriminações de gênero, idade, raça, condições de saúde, renda,
nacionalidade, etnia, condição migratória, orientação política, religiosa ou sexual. Na
sequência, encontramos a definição de “direito à cidade”:
25

O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo das cidades dentro


dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É
um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos
vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e
organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o
pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida
adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui,
portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de
direitos humanos. Este supõe a inclusão do direito ao trabalho em condições
eqüitativas e satisfatórias; de fundar e afiliar-se a sindicatos; de acesso à
seguridade social e à saúde pública; de alimentação, vestuário e moradia
adequados; de acesso à água potável, à energia elétrica, o transporte e outros
serviços sociais; a uma educação pública de qualidade; o direito à cultura e à
informação; à participação política e ao acesso à justiça; o reconhecimento
do direito de organização, reunião e manifestação; à segurança pública e à
convivência pacífica. Inclui também o respeito às minorias e à pluralidade
étnica, racial, sexual e cultural, e o respeito aos migrantes.

A definição de Direito à Cidade, nos termos estipulados pela carta, deixa claro que seu
conceito é compreendido a partir da intersecção com outros direitos. Assim, o direito à cidade,
muito embora seja um direito autônomo e plenamente aplicável por si só, congrega inúmeros
outros direitos, orientados à preservação e desenvolvimento de espaço coletivo culturalmente
rico e diversificado, pertencente a todos os seus habitantes.
A Carta também delimita as fronteiras da cidade: o conceito enquanto local e espaço
físico, “é toda metrópole, urbe, vila ou povoado que esteja organizado institucionalmente
como unidade local de governo de caráter municipal ou metropolitano. Inclui tanto o espaço
urbano como o entorno rural ou semi-rural que forma parte de seu território.”. Enquanto
espaço político, “a cidade é o conjunto de instituições e atores que intervêm na sua gestão,
como as autoridades governamentais, legislativas e judiciárias, as instâncias de participação
social institucionalizadas, os movimentos e organizações sociais e a comunidade em geral”.
O artigo 2º da Carta ratifica a função social inerente à cidade, de modo que sua
finalidade deve ser garantir a todos seus habitantes o usufruto pleno dos recursos que a mesma
oferece. A cidade deve assumir a “realização de projetos e investimentos em benefício da
comunidade urbana no seu conjunto, dentro de critérios de equidade distributiva,
complementaridade econômica, respeito à cultura e sustentabilidade ecológica para garantir o
bem estar de todos os habitantes, em harmonia com a natureza, para hoje e para as futuras
gerações”.
Com relação ao espaço da cidade como um todo, os bens públicos e privados da
cidade e dos cidadãos deverão ser gozados tendo em vista o interesse social, cultural e
26

ambiental. Além disso, “todos os cidadãos têm direito a participar da propriedade do território
urbano dentro de parâmetros democráticos, de justiça social e de condições ambientais
sustentáveis. Na formulação e implementação de políticas urbanas deve ser promovido o uso
socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço e do solo urbano, em condições
seguras e com equidade entre os gêneros”.
Os grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade têm um destaque especial ao
longo da redação da Carta, de modo que são detentores de direitos e prerrogativas especiais de
proteção e integração, de distribuição de recursos, de acesso aos serviços essenciais e de não-
discriminação. O rol de pessoas em situação vulnerável inclui indivíduos e grupos em
situação de pobreza, em risco ambiental (ameaçados por desastres naturais), vítimas de
violência, com incapacidades, migrantes forçados, refugiados e todo grupo que, segundo a
realidade de cada cidade, esteja em situação de desvantagem em relação aos demais
habitantes.
Assim sendo, as cidades, por meio de políticas de afirmação positiva dos grupos
vulneráveis, devem buscar suprimir todos os obstáculos de ordem política, econômica, social
e cultural que ameacem ou sirvam como limitantes da liberdade, equidade e igualdade dos
cidadãos, e que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua efetiva
participação política, econômica, cultural e social da cidade.
Também faz parte do escopo do direito à cidade condições favoráveis para a
efetivação da segurança pública, da convivência pacífica, do desenvolvimento coletivo e do
exercício da solidariedade. Para tanto, deve ser garantido o pleno usufruto da cidade sob uma
perspectiva antidiscriminatória, a partir do respeito à diversidade e tendo em vista um
constante movimento à preservação da memória e da identidade cultural de todos os que
habitam a cidade.
Novamente, importante destacar a patente complexidade associada ao Direito à
Cidade: não se trata de um direito que assegura o mero acesso ao espaço urbano, mas, em
verdade, é uma prerrogativa que cuja aplicação e efetividade estão intrinsecamente
conectados a outros direitos, como a dignidade da pessoa humana, o direito à moradia, o
acesso à serviços e à infraestrutura pública, à participação democrática de todos nos processos
de planejamento urbano, e entre outros.
No cenário brasileiro, o direito à cidade começou a emergir na década de 1980, a partir
de um intenso processo de conquistas democráticas, sociais, sindicais e políticas. No contexto
desse movimento de luta, constitui-se o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU).
O movimento, interrompido momentaneamente no período da ditadura militar, retornou de
27

modo contundente e com grande expressividade na década de 80, durante o processo de


redemocratização brasileiro.
A militância do MNRU teve um papel primordial na inclusão de temas de Direito
Urbanístico na Constituição Federal de 1988, de modo que seu Título VII passou a ter dois
artigos - 182 e 183 – tratando de diretrizes básicas para a promoção de políticas urbanas.
Confira-se ambos os artigos:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder


Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa
indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para
área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de
até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor
real da indenização e os juros legais.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou
à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Desse modo, ficou estabelecido o escopo da política de desenvolvimento urbano, que


deve ser sempre organizar e fomentar o pleno desenvolvimento da função social da cidade.
Além disso, tornou-se obrigatória a existência de um plano diretor - ou seja, uma lei
municipal que regula o desenvolvimento e a expansão urbana - para cidades cujo número de
habitantes ultrapasse vinte mil.
Outra conquista atribuída à atuação constante do MNRU na luta pelo reconhecimento
do extenso rol de direitos condensados sob a ideia de direito à cidade foi a aprovação da Lei
28

Federal n° 10.257 em julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade. Conforme preceitua


Betania de Moraes Alfonsin (2002, p. 107-108):
A promulgação do Estatuto da Cidade tem um sentido absolutamente
especial para as cidades brasileiras e para o ordenamento jurídico pátrio.
Para os territórios urbanos, pela primeira vez, é dispensado um tratamento
específico e prenhe de promessas de correção das graves distorções do
processo de urbanização de nosso país. Para o Direito Brasileiro, o
significado é tão ou mais importante: rompemos com uma tradição de
regulação do direito de propriedade pela matriz do liberalismo jurídico
clássico adotado pelo Código Civil e o alcance da novidade revoluciona o
Direito Público Brasileiro, dando um vigoroso corpo ao ramo do Direito
Urbanístico. O Capítulo II do Estatuto da Cidade contém dispositivos da
maior importância. Aqui são apresentados todos os instrumentos de Política
Urbana que o Estatuto está introduzindo em nosso ordenamento jurídico.
Trata-se, portanto, de um capítulo nuclear na nova regulação da Política
Urbana Brasileira. Se o Plano Diretor é o instrumento que vértebra o
planejamento urbano, por força da própria Constituição Federal, são os
instrumentos regulados neste capítulo que darão consistência à Política
Urbana desenvolvida pelos municípios.
(...)
A partir do Estatuto da Cidade, os municípios brasileiros que desejarem ter
uma política urbana articulada, amparada por princípios e diretrizes claras e
traduzida em instrumentos capazes de intervir de forma eficaz sobre as
mazelas do urbano, terão à disposição um amplo repertório de instrumentos.

O Estatuto da Cidade também trouxe pontos relevantes à construção normativa do


direito à cidade. O inciso I de seu artigo 2º define que a garantia do direito à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer é uma diretriz que deve pautar o desenvolvimento da política urbana:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento


das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à
terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana,
ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações.

A ponderação de Carlos Ari Sundfeld (2014, p. 51-52) sobre o papel da cidade, a partir
das considerações do Estatuto, é certeira:

A cidade, como espaço onde a vida moderna se desenrola, tem suas funções
sociais: fornecer às pessoas moradia, trabalho, saúde, educação, cultura,
lazer, transporte, etc. Mas, como o espaço da cidade é parcelado, sendo
objeto de apropriação, tanto privada (terrenos e edificações) como estatal
(ruas, praças, equipamentos, etc.), suas funções têm de ser cumpridas pelas
partes, isto é, pelas propriedades urbanas. A política urbana tem, portanto, a
missão de viabilizar o pleno desenvolvimento das funções sociais do todo (a
cidade) e das partes (cada propriedade em particular).
29

(...)

Com isso, o direito urbanístico fica claramente vinculado a uma visão


totalizante de mundo, oposta ao individualismo que, ainda hoje, inspira o
direito civil. Ordem urbanística é um conceito caro ao Estatuto da Cidade.
Seu primeiro sentido é o de ordenamento: a ordem urbanística é o conjunto
orgânico de imposições vinculantes (são as “normas de ordem pública” a que
alude o art. 1º., parágrafo único), que condicionam positiva e negativamente
a ação individual na cidade. O segundo sentido é o de estado: a ordem
urbanística é um estado de equilíbrio, que o conjunto dos agentes envolvidos
é obrigado a buscar e preservar.”

Conforme se extrai da trajetória de construção da ideia de direito à cidade no Brasil e


no mundo, vemos que essa garantia emerge a partir da necessidade, em um primeiro
momento, de entender a cidade como espaço de usufruto coletivo. A posteriori, o direito à
cidade aperfeiçoou-se, de maneira que passou a incorporar em seu conceito outras
prerrogativas, tais como o direito à uma moradia digna e segura, ao acesso à serviços públicos
eficientes e de qualidade, à participação nos processos de decisão política, ao equilíbrio, ao
convívio social, ao saneamento básico, e entre outros.
30

3 A “ARQUITETURA HOSTIL” E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA DINÂMICA


URBANA E SOCIAL

3.1 A DEFINIÇÃO E ABRANGÊNCIA DE “ARQUITETURA HOSTIL”

A expressão “arquitetura hostil” se popularizou em meados de 2014, após a publicação


do artigo “Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of 'hostile Architecture” no
jornal britânico The Guardian, de autoria do jornalista Ben Quinn. O cerne da problemática
inaugurada pelo referido artigo reside na constatação do surgimento de uma nova forma de
design urbano, que visa, principalmente, influenciar o comportamento da população no
sentido de excluir grupos socioeconômicos específicos de determinadas áreas da cidade. O
alvo dessa exclusão, geralmente, são pessoas que não detém o poderio econômico, e que não
são consumidoras em potencial.
A arquitetura hostil também pode ser reconhecida por outras nomenclaturas, tais quais
“arquitetura da exclusão”, “arquitetura do medo”, “arquitetura da violência”, e entre outros.
Débora R. Faria atrela todas essas expressões ao “fenômeno de proteção, fortificação e
afirmação social de status, que geram segregação, exclusão, conflitos e alterações estéticas no
ambiente urbano e conduzem os usos do espaço público” (2020, p. 30).
Uma das funções desse tipo de arquitetura é filtrar e segregar as pessoas consideradas
como “indesejadas”, restringindo seu acesso a bairros privilegiados da cidade com base em
sua capacidade econômica. Há também a função disciplinadora da arquitetura hostil, de modo
que sua presença na cidade evidencia uma hegemonia de classes sociais, fortalecendo o
pensamento de que certas áreas da cidade são direcionadas a públicos específicos e só deverão
ser ocupadas e desfrutadas por tais públicos. Assim, forma-se no imaginário popular a ideia
de um inimigo comum a ser combatido e, nesses moldes, excluído de certas vivências da vida
comunitária.
Além disso, a arquitetura hostil se materializa por meio de construções, equipamentos,
mecanismos e aparatos que tornam o espaço inacessível e impossível de ser usufruído. O
urbanista Nabil Bonduki, em coluna publicada no jornal Folha de São Paulo em fevereiro de
2021, menciona alguns exemplos próprios do que seria a arquitetura hostil:

Espetos e pinos metálicos pontudos; pavimentações irregulares; plataformas


inclinadas; pedras ásperas e pontiagudas; bancos sem encosto, ondulados ou
com divisórias; regadores, chuveiros e jatos d'água; cercas eletrificadas ou de
arame farpado; muros altos com cacos de vidro; plataformas móveis
inclinadas; blocos ou cilindros de concreto nas calçadas; dispositivos
“antiskate”.
31

A arquitetura hostil também pode ser ilustrada a partir das seguintes imagens:

Figuras 1 e 2 - Spikes de concreto sob uma ponte e pedras sob um viaduto.

Fonte: Daily Mail Reporter (2012); Hometeka (2015).

Figuras 3 e 4 – Banco segmentado e painel metálico com nervuras.

Fonte: Hometeka (2015).

A arquitetura hostil é, portanto, um conjunto de estratégias e design urbanos,


orientados a restringir o acesso de determinados grupos ao convívio social e impedir seu
pleno acesso a tudo o que a cidade tem a oferecer a seus habitantes.
No Brasil, a temática da arquitetura hostil ficou sob os holofotes após um episódio
protagonizado pelo padre Júlio Lancelotti, muito conhecido por interceder em favor de grupos
economicamente vulneráveis na cidade de São Paulo. O padre, com a ajuda de uma marreta,
quebrou uma série de blocos de pedras pontiagudas, instalados pela prefeitura, e localizados
na parte inferior dos viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva
Monteiro, ambos situados no bairro do Tatuapé, na Zona Leste da cidade. Segundo o
presbítero, essa atitude foi motivada, justamente, pelo propósito exercido pelas pedras: afastar
32

daquele espaço pessoas em situação de rua que, eventualmente, decidissem ocupar os vãos
como abrigo ou ponto de parada.

Figuras 4 e 5 – Padre Júlio Lancelotti quebrando os paralelepípedos, localizados na parte


inferior dos viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, Zona
Leste de São Paulo.

Fonte: Folha de São Paulo (2021).

O episódio narrado acima colocou a celeuma da arquitetura hostil em voga,


culminando, inclusive, na edição do Projeto de Lei n° 488/2021, de autoria do Senador
Fabiano Contarato (REDE/ES). O referido Projeto de Lei, ainda em trâmite no Senado
Federal, propõe a alteração do artigo 2º do Estatuto da Cidade, de modo a incluir a vedação à
arquitetura hostil como uma das diretrizes basilares da política urbana, nos seguintes termos:

Art. 2º......................................................................................
................................................................................................... XX –
promoção de conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na
fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas
interfaces com os espaços de uso privado, vedado o emprego de técnicas de
arquitetura hostil, destinadas a afastar pessoas em situação de rua e outros
segmentos da população.

A justificativa apresentada para o Projeto de Lei é justamente a luta pelo direito à


cidade, que requer que, em plano nacional, seja garantido o desenvolvimento das funções
sociais da cidade, paralelamente à salvaguarda da dignidade humana e à erradicação da
pobreza, da marginalização e da redução de desigualdades:
33

Precisamos lutar pelo direito à cidade e acreditamos que a proibição da


arquitetura hostil é um passo para a garantia desse direito. A própria
Constituição Cidadã, ao detalhar a noção de desenvolvimento urbano, segue
essa linha. Nos termos do art. 182, caput, a política de desenvolvimento
urbano, a ser executada pelos municípios a partir das normas gerais
estabelecidas pela União (art. 21, XX), terá por “objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes”. Paralelamente a essa disposição está o objetivo
fundamental da República de erradicar a pobreza e a marginalização, bem
como reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF). Nesse
sentido, o desenvolvimento urbano está umbilicalmente ligado à redução da
marginalização e qualquer ação em sentido contrário deve ser repudiada pelo
Estado.

Nesse sentido, o Senador Paulo Paim emitiu parecer com relação ao Projeto de Lei,
opinando pela sua constitucionalidade e juridicidade e, consequentemente, pelo seu
acatamento. O senador, inclusive, deixa claro as razões pelas quais a vedação da arquitetura
hostil é um tema atual e relevante, e que merece a devida regulamentação:

Como bem aponta a justificação do projeto, há um verdadeiro arsenal de


técnicas arquitetônicas, paisagísticas e de design voltadas direta e
explicitamente para o afastamento de segmentos da população tidos como
“indesejados”, entre os quais se destaca a população em situação de rua. O
objetivo básico desses expedientes é impedir que as pessoas se fixem em
determinados pontos do espaço público, como instrumento de controle
social. Assim, por exemplo, em lugar de se instalarem bancos confortáveis
nas praças, nos quais se possa repousar e apreciar a paisagem com prazer e
tranquilidade, retira-se qualquer forma de assento ou se adotam bancos
desconfortáveis, sem encosto ou ondulados, de modo a constranger os
usuários a permanecer apenas por curtos períodos de tempo. No mesmo
sentido, instalam-se, sobre quaisquer superfícies que possam servir para
descanso, acabamentos ásperos, pinos metálicos ou pedras, a fim de evitar
que sejam usadas/como assento pelos pedestres. Para evitar que pessoas em
situação de rua durmam sob marquises de prédios, instalam-se dispositivos
de dispersão de água, que não regam nenhuma planta, mas servem
exclusivamente para constranger essa população sofrida.

Nessa esteira, o poder legislativo municipal também vem se mobilizando para incluir a
arquitetura hostil no debate público. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou o
Projeto de Lei nº 41/2021, que visa proibir a colocação de objetos ou obstáculos que possam
impedir a livre circulação e permanência de pessoas, em espaços públicos do município.
O projeto tem como escopo vedar diretamente a “colocação de pedregulhos, pedras,
vidros e outros objetos similares ou obstáculos que possam impedir a livre circulação e
permanência de pessoas”. Essa vedação é direcionada, em especial, aos espaços públicos
situados sob vãos e pilares de viadutos, pontes, passarelas, bem como seus arredores;
calçadas; praças e quaisquer outros espaços públicos cuja circulação e instalação de pessoas
34

possa ser obstada sem que haja uma justificativa plausível para tanto. As únicas exceções a
esse óbice são as circunstâncias em que haja risco à população por conta de condições
ambientais adversas, ou quando restar demonstrado que a permanência em tais áreas é
incompatível com a proteção do meio ambiente.
A justificativa que ensejou a propositura do Projeto de Lei fluminense chamou atenção
à difícil vivência da população em situação de rua: há uma relação paradoxal entre a
invisibilidade desses indivíduos, no sentido de serem reiteradamente marginalizados, sem que
haja políticas públicas reparadoras; e a sua visibilidade, pois se trata de uma realidade comum
às cidades brasileiras e, infelizmente, normalizada por muitos.
Também foi esclarecido que a arquitetura hostil, ao bem da verdade, é uma forma de
violência direcionada a pessoas que, diariamente, já são violentadas, marginalizadas e
vandalizadas em face de sua condição socioeconômica. Por fim, sustentou-se que os
dispositivos legais inaugurados pelo Projeto de Lei encontram supedâneo na dignidade
inerente a todo ser humano, de modo que a condição involuntária de pessoa em situação de
rua jamais poderia autorizar com que o Estado, continuamente, extirpe a precária moradia
dessa camada vulnerável da sociedade, sem qualquer diálogo ou via alternativa. Veja-se:

A vida nas cidades, ao longo dos anos, sempre se mostrou um imenso


desafio para cada um de nós na busca por trabalho, saúde, moradia,
felicidade… da dignidade, enfim. Uma das chagas sociais mais visíveis (e
paradoxalmente mais invisíveis) em especial das cidades brasileiras é a
população em situação de rua; pessoas que, por um ou vários motivos
encontram-se no desalento e submetidos a uma série de vulnerabilidades tão
severa que raramente são encaradas como aquilo que de fato são: pessoas.
Esse esquecimento ou invisibilidade conveniente, por algum motivo
injustificado sob quaisquer pontos de vista, leva o Poder Público a cometer
atos de verdadeira violência e vandalismo contra essas pessoas já tão
violentadas e vandalizadas. É o caso, por exemplo, da indignante prática,
cada vez mais comum nas grandes cidades brasileiras — inclusive neste Rio
de Janeiro — da colocação de obstáculos (pedras, pedregulhos, hastes de
concreto ou metal, vidros, etc) em espaços públicos onde comumente a
população em situação de rua, sem ter onde ficar, busca abrigo: praças,
calçadas, vãos sob viadutos, pontes, passarelas. Tal fenômeno,
eufemisticamente chamado de “arquitetura hostil”, tem por objetivo
condicionar o comportamento humano a partir do desenho urbano de
determinado espaço ou cidade. Para a população em situação de rua, porém,
tal prática significa ter, no local onde dormia ou se abrigava, obstáculos
pontiagudos expulsando-a sem qualquer alternativa ou diálogo, arrancando-
lhes até mesmo do mínimo de dignidade que lhe restou. Permitam-me
insistir neste ponto: a população em situação de rua é composta por gente,
por pessoas como todas e todos os membros desta Casa de Leis. Dessa
forma, pela relevância da temática e, ainda, como forma de coibir toda e
qualquer violência contra qualquer cidadão e cidadã nesta cidade, conto com
os nobres Pares para a aprovação deste Projeto de Lei, que institui uma
norma jurídica tão evidente quanto necessária, sem prejuízo da necessidade
35

de políticas públicas mais robustas e generosas direcionadas aos homens,


mulheres e crianças que se encontram na condição involuntária de
(sobre)viver na rua.

Confira-se o teor do referido Projeto de Lei:

Art. 1º Fica proibida, nos espaços públicos localizados no Município, a


colocação de pedregulhos, pedras, vidros e outros objetos similares ou
obstáculos que possam impedir a livre circulação e permanência de pessoas.
Parágrafo único. A vedação contida no caput refere-se especialmente aos
seguintes espaços públicos:
I - aqueles situados sob vãos e pilares de viadutos, pontes, passarelas e áreas
a estes adjacentes;
II - calçadas;
III - praças; e
IV - outros espaços de uso público cuja circulação e permanência de pessoas
possa vir a ser obstada sem justa razão, salvo onde a convivência com outros
usos instalados ou condições ambientais adversas causem risco à população
ou onde a livre circulação e permanência seja incompatível com a proteção
do meio ambiente.

Art. 2º O Poder Público Municipal adotará as medidas cabíveis para o


cumprimento desta Lei, sinalizando e informando a população sobre espaços
públicos que tiverem a livre circulação e permanência de pessoas
restringidos por justa razão devidamente fundamentada.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Nesses termos, é perceptível que a temática da arquitetura hostil e suas implicações


vêm, paulatinamente, conquistando seu espaço na mídia nacional e internacional e, por
conseguinte, se inserindo no debate jurídico. E não podia deixar de ser, uma vez que trata-se
de uma realidade relevante, cujos desdobramentos atingem a toda a sociedade.
Diante de todo o exposto, forçoso concluir que a arquitetura hostil não é nociva apenas
para as pessoas em situação de rua, mas constrange e intimida a todos os transeuntes. A
arquitetura hostil é revestida de uma agressividade patente: sua única função é demonstrar que
a cidade não é para todos, além de fortalecer a segregação social, acentuando ainda mais a
desigualdade entre as classes socioeconômicas.

3.2 A ARQUITETURA HOSTIL COMO OFENSA AO DIREITO À CIDADE

Conforme visto, a arquitetura hostil envolve configurações do espaço urbano e


estratégias de controle social que, através da arquitetura e do design, pretendem excluir do
espaço público e do convívio social grupos considerados indesejáveis.
36

Sob essa definição, é perceptível que os maiores alvos da arquitetura hostil são as
pessoas em situação de rua. Justamente por não possuírem moradia com a infraestrutura
necessária para um viver saudável, essas pessoas, em constante estado de vulnerabilidade, se
veem compelidas a buscar abrigo nos mais adversos locais. Frisa-se que essa vulnerabilidade
não é, de modo algum, voluntária, mas sim produto da ausência de políticas públicas
adequadas, bem como consequência da marginalização e miséria que assola o país.
Outrossim, a arquitetura hostil não apenas viola o direito à cidade por exprimir uma
vontade de repressão e afastamento de certos grupos do convívio natural a toda sociedade. Ela
também evidencia o fracasso completo do Estado em proporcionar moradia digna e
sustentável a seus habitantes.
A definição de moradia pode ser apreendida a partir de uma noção de local físico,
“dotado da característica de permanência de uma ou mais pessoas” (SANGALI e
MACHADO, 2020, p. 82). Ainda, “é o lugar de identificação de uma pessoa ou de uma
família, visto que é nela onde desenvolvem-se as relações afetivas e sociais impactantes, bem
como onde busca-se o descanso, a proteção e a felicidade” (SANGALI e MACHADO, 2020,
p. 82).
A partir desse viés, a moradia é um componente imprescindível para a desenvoltura
saudável de qualquer indivíduo. Inclusive, o direito à moradia foi elevado ao status de direito
social em 2000, com o advento da Emenda Constitucional nº 26, que alterou o rol previsto no
artigo 6º da Constituição Federal. A redação atual do referido artigo é a seguinte:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá
direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em
programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de
acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e
orçamentária.

Mesmo antes da Emenda Constitucional n° 26 e a inclusão do direito à moradia no rol


de direitos sociais do artigo 6º, a Constituição Federal não era omissa quanto à questão da
moradia. O inciso IX de seu artigo 23 estipulava ser competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de
moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Ademais, faz-se necessário compreender que o direito à moradia, enquanto direito
social, possui uma abrangência para além da mera titularidade de um imóvel ou o exercício
37

do direito de propriedade, de modo que está conectado ao princípio da dignidade humana,


insculpido no artigo inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Tal princípio, além de ser
um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, é a base de todo o sistema jurídico
do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Nessa esteira, a Constituição Federal nos dá parâmetros adicionais no que tange à
concepção de uma moradia digna. Seu o artigo 5º dispõe sobre os direitos individuais e
coletivos e, em seus incisos X, XI, XXII e XXIII temos, respectivamente, (i) a inviolabilidade
da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; (ii) a inviolabilidade da
casa do indivíduo; (iii) o direito de propriedade; e (iv) a função social da propriedade. Mais
adiante, o inciso X do artigo 23 determina ser competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios o combate às causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.
Por conseguinte, consoante podemos extrair do texto constitucional, o direito à
moradia digna engloba muitas variáveis e exige inúmeros fatores para a sua plena
consumação. Dentre eles temos a efetiva existência de condições essenciais de higiene,
saneamento básico e infraestrutura, além de amplo acesso a serviços de saúde, transporte,
educação, comércio e lazer.
De maneira resumida, José Afonso da Silva (2019, p. 318-319) explica o teor do
direito à moradia, bem como suas implicações:

O conteúdo do direito à moradia envolve não só a faculdade de ocupar uma


habitação. Exige-se que seja uma habitação de dimensões adequadas, em
condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a
privacidade familiar.
(...)
É que a compreensão do direito à moradia, como direito social, agora
inserido expressamente em nossa Constituição, encontra normas e princípios
que exigem que ele tenha aquelas dimensões. Se ela prevê, como um
princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), assim
como o direito à intimidade e à privacidade (art. 5º, X), e que a casa é um
asilo inviolável (art. 5º, XI), então tudo isso envolve, necessariamente, o
direito à moradia. Não fosse assim, seria um direito empobrecido.

Ainda, para Nelson Saule Júnior (2004, p. 242-243):

O direito à moradia dos habitantes da cidade é o núcleo central do direito a


cidades sustentáveis. As atividades, ações e funções desempenhadas na
cidade que tragam como resultado a violação coletiva do direito à moradia,
como o abandono do Estado em atender as necessidades básicas das pessoas
que vivem em assentamentos informais nas distantes periferias urbanas traz
como consequência a violação do direito à cidades sustentáveis. O direito à
moradia é o núcleo central do direito a cidades sustentáveis em razão dos
38

dois direitos a serem respeitados disporem dos mesmos elementos: como o


acesso à terra urbana, moradia adequada, saneamento ambiental, infra-
estrutura, transporte e serviços públicos.

Logo, posto que a moradia é um direito social, estreitamente atrelado ao princípio da


dignidade humana, sua execução deve ter como escopo a redução de desigualdades, “com
vistas a garantir, ao menos, as condições básicas de bem-estar a todos os indivíduos e o
exercício dos seus direitos fundamentais” (SANGALI e MACHADO, 2020, p. 84).
Conjuntamente à ausência de concretização do direito à moradia digna, a arquitetura
hostil exprime também a violação da função social da propriedade. Na cidade de São Paulo, a
título exemplificativo, estima-se que há, em média, 1.746 imóveis ociosos, abandonados ou
subutilizados, apenas no centro.2
A origem da função social da propriedade está calcada na ideia de que a propriedade é
uma instituição jurídica que, como qualquer outra, formou-se para responder a uma
necessidade econômica (DUGUIT, 1975, p. 235). Em algum momento, passou-se a
prevalecer uma necessidade social. Essa prevalência não ocorreu com vistas a negar a
existência da propriedade privada, mas para centrar-se na finalidade última do Direito, que
seria satisfazer necessidades individuais e coletivas (JELINEK, 2006, p. 11). Em outras
palavras, no que tange ao campo normativo do Direito Urbanístico, a função social da
propriedade solidificou a hegemonia do bem estar coletivo sobre as vontades individuais:

Dos dispositivos supra transcritos, extrai-se que se agregou ao direito de


propriedade – antes delineado sob um prisma privatista – o dever jurídico de
agir em vista do interesse coletivo, ou seja, o direito subjetivo do
proprietário privado foi submetido ao interesse comum, imprimindo-lhe o
exercício de uma função social, voltada ao interesse coletivo. Na atual ordem
jurídico-constitucional, a função social é parte integrante do conteúdo da
propriedade privada. A propriedade tende a traduzir uma relação entre
sujeito e bem cujo exercício em prol da sociedade apresenta interesse
público relevante, traduzindo um direito-meio, e não um direito-fim, não
sendo garantia em si mesma, só se justificando como instrumento de
viabilização de valores fundamentais, dentre os quais sobressai o da
dignidade da pessoa humana.
(...)
A expressão função social passa por uma idéia operacional, impondo ao
proprietário não somente condutas negativas (abstenção, como não causar
contaminação do solo), mas também positivas (obrigações de fazer, como de
parcelar gleba de sua propriedade). (JELINEK, 2006, p. 21-22)

2
SANTIAGO, Tatiana. 27% dos imóveis ociosos notificados no Centro de SP pagam IPTU progressivo por
não cumprirem função social. G1, São Paulo, 27 de julho de 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/27/27percent-dos-imoveis-ociosos-notificados-no-centro-de-
sp-pagam-iptu-progressivo-por-nao-cumprirem-funcao-social.ghtml. Acesso em: 31 de outubro de 2022.
39

Com vistas a implementar diretrizes que garantam a devida aplicação da função social
da propriedade, o inciso III do artigo 1.275 do Código Civil de 2002 estabeleceu que uma
propriedade é passível de perda por abandono. Nesse seguir, o artigo 1.276 do mesmo
diploma legal estabelece alguns requisitos para que seja configurado o abandono. Veja-se:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a


propriedade:
I - por alienação;
II - pela renúncia;
III - por abandono;
IV - por perecimento da coisa;
V - por desapropriação.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da
propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou
do ato renunciativo no Registro de Imóveis.

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção


de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse
de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos
depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas
respectivas circunscrições.
§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias,
poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à
propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§ 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo,
quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus
fiscais.

Os supracitados dispositivos legais são claros quanto à proibição de abandono do


imóvel, que não esteja na posse de outrem, por seu dono, sob pena de perdê-lo. Tal perda,
ainda, pode ocorrer sem direito a qualquer indenização, pois não se trata de desapropriação.
Nesses termos, o dono do imóvel possui o dever de zelo e diligência para com o seu bem,
conservando-o, mantendo-o limpo e habitável. A não observância dos cuidados básicos do
imóvel (que são sinais do efetivo exercício da posse), bem como a não satisfação dos ônus
fiscais relativos à propriedade, o imóvel poderá ser arrecadado como bem vago e, decorrido o
prazo de três anos, poderá também ser incorporado ao domínio do município.
As mudanças trazidas pelo Código Civil foram precedidas pelo Estatuto da Cidade,
que no inciso III de seu artigo 4º, disciplinou a ocupação do solo, e em seu artigo 5º concedeu
ao município a permissão para considerar determinado imóvel subutilizado, nos seguintes
moldes:

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
(...)
III – planejamento municipal, em especial:
40

a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;

Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá
determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as
condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

Pois bem. A despeito de existir uma parcela considerável de imóveis urbanos não
cumprindo a sua função social, a crise da moradia no Brasil está longe de ser solucionada.
Mesmo inutilizados, e com a total capacidade de serem desapropriados de seus antigos
proprietários, tais imóveis não são reformados e direcionados à consecução de políticas
públicas de incentivo à moradia digna. Aqui, verifica-se um ciclo de reiteração da arquitetura
hostil: a falta de moradia digna, ocasionada pela combinação da pobreza e da falta de atuação
estatal para garantir que a propriedade de imóveis urbanos seja exercitada a partir de sua
função social, faz com que a arquitetura hostil seja cada vez mais utilizada como forma de
contingência da ocupação de espaços públicos pela população vulnerável.
Diante de todo o exposto, evidente, portanto, que a arquitetura hostil se apresenta
como uma solução simplista para um problema estrutural. Ainda que diante da premissa de
proteger, preservar e conservar os espaços urbanos segundo suas adequadas funções, a
política urbana deve pautar-se por uma visão holística, humana e não excludente, sob pena de
causar outras consequências irreversíveis à sociedade.
A arquitetura hostil, por conta de sua função essencialmente excludente, não resolve o
problema da falta de moradia digna no Brasil. Em verdade, o contrário é observado: sua
utilização decorre de uma tentativa de esconder o verdadeiro problema. O êxito da aplicação
de técnicas de arquitetura hostil repele indivíduos carentes e desprivilegiados das regiões de
prestígio da cidade, mas não faz com que eles, subitamente, encontrem uma moradia digna. O
que se tem é apenas o afastamento do dito “problema” – ou seja, o fato de que existem
pessoas em um estado alarmante de miséria, a ponto de precisarem se abrigar em vãos,
pontes, praças, e quaisquer outros espaços não destinados à habitação - do campo de visão da
camada mais abastada da sociedade, bem como a transferência dessa problemática para áreas
periféricas, já marcadas historicamente pela pobreza, escassez, dificuldade e precariedade.
41

Na conjuntura atual, a falta de moradia digna é vista como uma mera inconveniência,
mas que não poderá ser imputada à população rica da sociedade. Destarte, a partir do uso de
técnicas de arquitetura hostil, a responsabilidade por essa realidade, tão dura e persistente no
Brasil, é transladada para outras partes da cidade, mas jamais aniquilada.
A existência e aplicação de técnicas de arquitetura hostil só encontram sua razão
justamente porque o Estado é falho em proporcionar a seus habitantes a concretização do
direito à moradia digna. Em uma circunstância ideal, em que todos os indivíduos da
sociedade brasileira tenham uma moradia adequada segundo os ditames da própria
Constituição, ninguém precisaria ocupar espaços públicos com a intenção de ali fixar-se
definitivamente. No racional da classe dominante, o problema é a presença indesejada de
indivíduos social e economicamente vulneráveis em ambientes relevantes dentro de
determinada cidade, de modo que a resolução para tal impasse é a confecção de uma nova
estrutura do espaço público que impeça a ocupação de espaços fisicamente livres e
desimpedidos. Porém, a verdadeira controvérsia vai além: a ocupação de tais espaços não é
voluntária; é uma ocupação marcada pela falta de opções, em que a única saída é se instalar
onde é possível sobreviver, mesmo que em condições sub-humanas.
Em suma, a utilização da arquitetura hostil só reforça que, a despeito das inúmeras
prerrogativas que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional conferem aos
cidadãos e habitantes do Brasil, vivemos em uma sociedade pouco integrada, marcada
fortemente pela estratificação e pela hierarquia de uma elite socioeconômica.

3.3 AS CONSEQUÊNCIAS DA ARQUITETURA HOSTIL NA DINÂMICA URBANA


E SOCIAL

Conforme visto, a arquitetura hostil traz uma fragmentação da sociedade,


segmentando-a em indivíduos que deverão ser protegidos e indivíduos tidos como
indesejáveis, esses últimos como sendo o alvo de políticas excludentes.
Na resenha da obra “Unpleasant Design”, o cientista social Antônio Maria Claret de
Souza Filho traz à baila o caráter ideológico, próprio de todo o design. Essa faceta ideológica
se traduz na articulação de estruturas e métodos empregados com a finalidade de moldar a
experiência da vida em sociedade, a partir da interação com os elementos físicos do cenário
urbano. Para além disso, o design, justamente por se adaptar às estruturas culturais, políticas,
42

sociais e psicológicas circundantes, pode operar como um agente de reforço de desigualdades


históricas e estruturais (SOUZA FILHO, 2018, p. 64):

Todo design é, em última instância, ideológico. Ele articula estruturas e


métodos para moldar nossas experiências de vida e nossa interação
com os elementos físicos e inanimados das cidades e, também, com as
outras pessoas. O design não surge no vácuo, ao contrário, é emoldurado
pelas estruturas culturais, políticas, sociais e psicológicas circundantes, e
depende dos meios técnicos disponíveis. Quando desagradável, ele
opera como um agente silencioso que reforça a segregação, assegurando
que desigualdades históricas e estruturais possam se reproduzir no
presente, no cotidiano e no microcosmos de uma rua, de um shopping ou de
uma praça. Por meio dessas estruturas é possível sinalizar sobre quem são
as pessoas e quais são as atitudes e comportamentos esperados e
admitidos em cada contexto.
(...)
O design desagradável, em geral, tende a enfrentar os efeitos e não as
causas dos problemas sociais mais urgentes. Em geral, os públicos afetados
por esse fenômeno são justamente aqueles que acumulam desvantagens
e estão, tradicionalmente, marginalizados e desempoderados. A classes
médias e superiores, em consórcio com o Estado, por meio desse tipo de
“investimento” no espaço público, buscam assegurar os seus padrões de
conforto, inclusive estéticos, terceirizando para agentes
silenciosos e inanimados a tarefa de afastar aqueles que não “cabem” nos
seus espaços de convívio e consumo.

A pesquisadora Shayenne Barbosa Dias (2019, p. 25), quando de sua dissertação de


mestrado intitulada “Arquitetura Hostil e percepção da sensação de insegurança: Uma barreira
para vitalidade e urbanidade, no bairro do Espinheiro”, defendeu que o uso da arquitetura
como um todo para a manutenção do exacerbado privilégio do espaço privado gera, na
dinâmica social, limitação e rompimento de laços:

Se num primeiro momento a arquitetura é reflexo da sensação de


insegurança e medo, que nem sempre se traduz em índices reais de violência,
em um segundo momento passa influenciar na percepção da sensação. Uma
arquitetura que protege o espaço privado, num segundo momento, pode ser
capaz limitar relações, impedir o convívio e romper laços. A experiência do
espaço urbano é única para cada indivíduo e é também parte constituinte do
ser humano e, assim, do ser urbano. Uma arquitetura disforme para
experiência do corpo, ilegível para indivíduo, que não edifica a cidade como
abrigo para o homem, é capaz de se tornar hostil, mesmo que, à primeira
vista, essa ação arquitetônica não seja percebida.

A pesquisadora também ressalta que as consequências nefastas da arquitetura hostil


são, muitas vezes, silenciosas e gradativas (DIAS, 2019, p. 50):

O fenômeno é tão complexo que se desenvolve em diferentes escalas,


algumas vezes tão sutis que não nos damos conta.
(...)
43

Desse modo, a arquitetura hostil muda à rua, descaracterizando sua essência


e revelando intenções. Como o passeio não é algo atrativo, menos pessoas
circulam nas calçadas, não há diversidade, pois as fachadas voltam-se para
dentro, as extremidades muradas e as ruas privatizadas transformam cada
vez mais a experiência urbana numa ação monótona, solitária, hostil e
insegura. Essa arquitetura tem como principal estratégia impor separação e
distanciamento, construindo barreiras e restringindo acesso (CALDEIRA,
2011). Criando barreiras visíveis e invisíveis, abrem-se abismos sociais,
rupturas que necessariamente leva a uma fuga do espaço público,
enfraquecendo as relações sociais e ampliando a sensação de insegurança.

No que concerne aos mecanismos de defesa da cidade e seus habitantes frente às


iniciativas próprias da arquitetura hostil, a legislação brasileira traz inúmeras opções que
poderão munir a sociedade no combate de seus interesses. O primeiro passo, evidentemente, é
o reconhecimento, mediante a produção legislativa, da arquitetura hostil como ofensa ao
direito à cidade e, a partir desse pressuposto, sua regulamentação e proibição. Desse modo, é
incumbência da lei criar um caminho seguro e viável para vedação do uso de técnicas de
arquitetura hostil.
Outrossim, ainda que a temática da arquitetura hostil ainda seja um tema relativamente
novo no cenário brasileiro, de modo que a elaboração de leis restritivas à aplicação da
arquitetura hostil no cenário urbano, até o presente momento, ainda esteja em um estágio
inicial e não seja tão contundente, a legislação brasileira já possui mecanismos judiciais de
defesa em face de eventuais ofensas à direitos fundamentais por parte do Poder Público ou de
particulares.
A título exemplificativo, podemos citar a Ação Civil Pública, cujos requisitos e
hipóteses de cabimento estão regulamentados na Lei n° 7.347/1985. A Ação Civil Pública,
assim, é o instrumento processual utilizado para responsabilizar pessoas físicas e jurídicas
(tanto de direito privado quanto de direito público) por danos morais e patrimoniais causados
ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, ou, ainda, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Ainda, é
cabível a utilização da Ação Civil Pública para responsabilização por infrações à ordem
econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos
e ao patrimônio público e social.
Outro instituto passível de utilização para o combate à arquitetura hostil e suas
consequências é a Ação Popular, cujo manejo visa a anulação ou a declaração de nulidade de
atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de
entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas
quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais
44

autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja
concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de
empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos
Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres
públicos. No âmbito da Ação Popular, tem-se por patrimônio público os bens e direitos de
valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
De todo modo, a cidade possui como função principal ser um local de exercício da
urbanidade e cidadania a partir do convívio com o outro, do reconhecimento, da integração e
do respeito às diferenças pessoais e coletivas. Qualquer tentativa de subversão da finalidade
coletiva, pública e gregária do espaço urbano deve ser questionada, dispondo o direito
brasileiro de instrumentos plenos de proteção e salvaguarda ao direito à cidade.
Em uma perspectiva diametralmente oposta à essência da vida em comunidade, a
arquitetura hostil traz ao ambiente da cidade um paradigma forjado para instalar divisões e
distâncias, marcando fortemente a experiência urbana com uma noção de “nós” e o “os
outros”, o “de dentro”, e o “de fora”, aquilo que deve ser endossado contra aquilo que deve
ser reprimido, sem trazer à discussão pública nenhuma solução efetiva para a problemática da
moradia e das pessoas em situação de rua. As repercussões da arquitetura hostil
consubstanciam-se em uma cidade cujos fragmentos são pautados, primordialmente, por
“interesses individuais, consumistas e pontuais, não constituindo mais um conjunto plural de
conformações sociais, econômicas, culturais e ambientais” (DIAS, 2019, p. 51).
45

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo revelar como o emprego de métodos de


arquitetura – mais especificamente, a arquitetura hostil – projeta-se no âmbito social e jurídico
da cidade. Para além disso, a pesquisa buscou evidenciar e trazer para o campo jurídico o
fenômeno da “arquitetura hostil”, tão presente no espaço físico e material das cidades, mas
cuja agressividade e beligerância são tão pouco levadas em conta.
Tendo isso em vista, a pesquisa teve como objetivo geral verificar se a arquitetura
hostil nas cidades representava uma afronta ao direito à cidade e de que modo essa afronta
efetivamente ocorreria.
Os objetivos específicos listados foram atingidos, sendo que no primeiro capítulo foi
traçado um contexto histórico da cidade, além da listagem dos elementos configurativos da
cidade em cada período histórico apresentado. Diante disso, concluiu-se que a cidade, em sua
acepção antiga, encontrava suporte na relação entre o sagrado e o mundano e, ainda, estava
intimamente ligada à experiência do homem consigo mesmo e com os seus semelhantes.
Em sequência, foi delimitada a conceituação atual de cidade, bem como a maneira que
o direito brasileiro define a cidade. Nesse seguir, verificou-se que a cidade pode ser
compreendida como um conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e
sócio-culturais que abarcam a sede da vida pública e do governo regional. Ainda, a cidade é
marcada por seu forte potencial de ser um ambiente fértil ao desenvolvimento de instituições
educacionais, religiosas, culturais e sociais, por meio da interação social e da vivência em
comunidade.
No que tange ao sentido de cidade no âmbito do Direito nacional, ele está conectado à
forma federalista adotada no cenário constitucional. Nesses termos, a cidade é resultado da
conversão de determinado conglomerado populacional em Município.
Em continuidade à pesquisa, o último subtópico do primeiro capítulo expôs a trajetória
percorrida historicamente até que a cidade atingisse o status de direito social humano, tendo
sido, inclusive, positivado pela Constituição Federal. Em suma, o direito à cidade é um direito
coletivo, tendo por essência a prerrogativa de uma cidade organizada, harmônica e,
principalmente, locus de realização do princípio da dignidade à pessoa.
Adiante, o segundo capítulo é dedicado à investigação das origens do direito à cidade
e sua definição na legislação, tanto estrangeira quanto nacional. Nesse sentido, o direito à
cidade surge como uma abordagem filosófica acerca de como a cidade é moldável às
necessidades e urgências da sociedade, inaugurada pelo sociólogo e filósofo Henri Lefebvre.
46

Em um momento posterior, a Carta Mundial pelo Direito à Cidade consagrou o direito à


cidade como sendo o usufruto equânime das cidades dentro dos princípios de
sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. Ademais, é um direito coletivo que se
presta a viabilizar o pleno exercício da dignidade humana, e atinge, em especial, grupos
vulneráveis e desfavorecidos.
Especificamente falando do direito à cidade na legislação brasileira, seu conceito
conjuga uma série de outras garantias constitucionais, tais quais o direito à moradia, ao acesso
à serviços públicos eficientes e de qualidade, à participação nos processos de decisão política,
ao equilíbrio, ao convívio social, ao saneamento básico, e entre outros.
O terceiro e último capítulo foi destinado à definição de arquitetura hostil, bem como
suas consequências e implicações. Seu conceito, em suficiente resumo, é um conjunto de
estratégias cujo objetivo é restringir o acesso de determinados grupos ao convívio social.
Diante disso, tem-se que a arquitetura hostil ofende ao direito à cidade principalmente quando
a questão da moradia digna no Brasil – o que, apenas para recapitularmos, é um dos pilares do
direito à cidade - é colocada em cena. O emprego de técnicas de arquitetura hostil, sob a
premissa de impedir com que pessoas em situação de vulnerabilidade ocupem espaços
públicos com vistas à ali se estabelecerem, mesmo que transitoriamente, apenas ressalta o
descumprimento, por parte do Estado, da obrigação de garantir proporcionar moradia digna a
seus habitantes.
Diante de todo o exposto, o presente trabalho tem o intento de contribuir para futuras
pesquisas acerca do paralelo entre a arquitetura hostil e direito à cidade, de modo a servir
como fonte teórica e bibliográfica. No mais, a pesquisa aqui explorada poderá servir como
ponto de partida para futuros debates e reflexões no meio acadêmico e profissional,
possibilitando, inclusive, o desenvolvimento de pesquisas e políticas públicas que se prestem
a solucionar o problema urbano da segregação social.
47

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Faculdade de Direito

TERMO DE AUTENTICIDADE DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Eu, Victória Hendges Ivo, discente regularmente matriculado(a) na disciplina TCC II,
da 10ª etapa do curso de Direito, matrícula nº 3182507-9, período matutino, turma C, tendo
realizado o TCC com o título “A Arquitetura Hostil como Ofensa ao Direito à Cidade”, sob a
orientação da Professora Lilian Regina Gabriel Moreira Pires, declaro para os devidos fins
que tenho pleno conhecimento das regras metodológicas para confecção do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), informando que o realizei sem plágio de obras literárias ou a
utilização de qualquer meio irregular.

Declaro ainda que, estou ciente que caso sejam detectadas irregularidades referentes
às citações das fontes e/ou desrespeito às normas técnicas próprias relativas aos direitos
autorais de obras utilizadas na confecção do trabalho, serão aplicáveis as sanções legais de
natureza civil, penal e administrativa, além da reprovação automática, impedindo a conclusão
do curso.

São Paulo, 07 de novembro de 2022 .

Assinatura do discente

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